Entrevista Vox 57 - Gilberto Silva

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Divulgação/Panathinaikos

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Um líder nato

Campeão da Libertadores e da Copa do Mundo, Gilberto Silva mostra ser um exemplo para os ‘boleiros’ dentro e fora dos gramados Lucas Alvarenga O trabalho nos canaviais foi uma rotina na adolescência do mais ilustre filho de Lagoa da Prata, na Região Centro-Oeste de Minas. Nem mesmo a produção de saborosas balas de caramelo era suficientemente capaz de adoçar a vida daquele garoto. Mas a infância pobre e o trabalho pesado entre 11 e 16 anos não o fizeram desistir de um sonho. “Não quero ser um cortador de cana. Isso é muito pesado! Quero jogar o meu futebol”, sentenciou.

tisfeitos com a organização do mundial, especialmente com as obras e a questão da mobilidade urbana. Mas a Copa está próxima. Nós temos que nos empenhar para termos a melhor Copa possível. O sucesso da Copa é bom para a imagem do país e do brasileiro. O fracasso é ruim para todos. O país precisa de nós. Temos que trabalhar em conjunto para o bem do Brasil. Precisamos buscar soluções em comum em vez de apenas tentar descobrir saídas para o meu ou o seu problema.

No entanto, o roteiro tipicamente brasileiro não poderia ser menos inusitado para aquele garoto. O futuro o presenteou com nada menos que três Copas do Mundo disputadas e uma vencida. Mas sua experiência e o comportamento exemplar lhe renderam frutos além das quatro linhas. Gilberto Silva é um empreendedor nato.

A sua timidez é visível. Mas você está prestes a se tornar comentarista de futebol na TV. Como você está trabalhando essa questão?

Mesmo tendo que parar os estudos formais, a vontade de aprender sempre acompanhou Gilberto. Durante anos de carreira, o ex-capitão da seleção brasileira levou livros para a concentração e contou com o apoio da internet para se preparar para o inevitável fim de carreira. Enquanto se recupera de uma cirurgia, o volante e zagueiro experimenta novos desafios, como comentar a Copa do Mundo no Brasil e cuidar dos negócios no ramo da construção civil. A Vox Objetiva conversou com Gilberto Silva sobre o mundial no país, a organização do futebol brasileiro, o empreendedorismo e sobre a carreira do campeão da Libertadores. E você acompanha a entrevista: um convite para todas as torcidas! Três Copas do Mundo consecutivas e, agora, um mundial no Brasil, com você do outro lado: fora dos gramados. Qual é a sua expectativa em relação à Copa e à seleção? Eu tive o privilégio de jogar três Copas do Mundo seguidas e ganhar uma. Isso é único! A Copa aqui no Brasil também é especial. Lógico que nem todos estão sa-

Eu já fui muito mais tímido! Não falava quase nada. Eu brinco com a minha esposa porque ela fala muito e com desenvoltura. Foi muito em função dela que eu despertei um pouco do meu lado falante, que estava adormecido. Por outro lado, quando nós nos conhecemos, ela conta que eu quase não falava. Mas ela não me deixava falar (risos). Eu precisava exercitar! Agora vou ter essa oportunidade. Durante a Copa do Mundo, eu vou ser comentarista da ESPN Internacional. Essa será a minha quarta Copa do Mundo, mas agora do outro lado: comentando em inglês. Dia desses, tive que fazer careta pra caramba no curso de locução. Eu venho estudando e me preparando para chegar durante o mês de junho pronto para enfrentar mais esse desafio. Em 2008, você assinou um contrato com o Panathinaikos, da Grécia. Nessa época estourou a crise mundial e aquele país foi um dos mais afetados. Como foi a experiência de jogar lá? Eu tive uma experiência fantástica na Grécia. Quando eu fui para lá, muitos se perguntavam: por que sair da Inglaterra e ir para a Grécia? Depois de seis anos na Inglaterra, jogando por um grande clube como o Arsenal, é difícil você se ver em outra equipe. Ainda mais ima-

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ginar a possibilidade de enfrentar o Arsenal, por tudo que vivi e conquistei no clube. Foi uma bela história de dedicação, trabalho e vitórias. Eu tive a oportunidade de ir para outro clube, mas queria ter a oportunidade de brigar por títulos. Esse era o meu objetivo e um fator de motivação para mim. Eu queria disputar a Champions League ou a Europa League [antiga Taça UEFA]. O dinheiro não era a questão mais importante naquele momento. Um belo dia surgiu o Panathinaikos, um dos grandes da Grécia. Então eu resolvi mudar de ares. Na Inglaterra, eu fui superfeliz. Mas era hora de mudar. E foi uma decisão acertada. Qual foi o seu melhor momento no futebol?

“Posso dizer com orgulho: eu fiz parte do grupo vencedor da primeira Copa Libertadores do Atlético”

Eu sempre tive uma regularidade durante a minha carreira. Eu nunca fui nota dez, mas também não era nota um nem dois. Sempre tive uma constante. Isso é fundamental no futebol. Mas quando se fala em melhor momento na minha carreira, não tem como não pensar na Copa do Mundo de 2002 e na ida para o Arsenal depois da vitória no mundial. Eu fiquei na Inglaterra durante seis anos e fui, inclusive, capitão do time. Esses anos foram fundamentais para a minha carreira.

O seu retorno para o Brasil foi marcado pela boa passagem pelo Grêmio e, depois, pelo reencontro com a torcida do Atlético. Como foi voltar para o clube que te projetou? Ah..., eu sempre deixei muito clara a vontade de um dia retornar para o Atlético. Essa volta aconteceu em um momento importante para o clube. Talvez não houvesse melhor cenário. Eu acho que sou um pé-quente, sabe? E, claro, eu me sinto honrado de ter contribuído para um dos momentos mais relevantes da história do Galo. Os atleticanos sempre manifestaram um carinho enorme por mim, mesmo quando estive fora. Agora esses torcedores têm um motivo a mais para se lembrar do Gilberto por muitos anos, talvez por décadas. Posso dizer com orgulho: eu fiz parte do grupo vencedor da primeira Copa Libertadores do Atlético. Você atuou por longos anos no futebol europeu. Ao retornar para o Brasil, quais diferenças você percebeu entre a organização do esporte lá fora e o estágio atual do futebol brasileiro? 10 | www.voxobjetiva.com.br

O futebol europeu se distancia do brasileiro em algumas áreas. A primeira delas é a questão organizacional, que engloba a gestão e a visão de clube. As equipes nacionais precisam avançar muito nessa questão. O segundo ponto é a perda da identidade brasileira, do nosso modo de jogar. O talento brasileiro vai continuar existindo. Mas a gente não pode confiar apenas no talento. É necessário melhorarmos a capacitação dos nossos profissionais. O Brasil é uma referência em fisioterapia esportiva. Mas nós precisamos avançar na formação de treinadores, por exemplo. Há uma geração saindo e, infelizmente, a oportunidade para os novos técnicos ainda é escassa. Temos que pensar em um modelo único de trabalho, da formação ao profissional, para que o atleta saiba como se comportar lá na frente. Há grandes profissionais trabalhando no futebol brasileiro. Mas é preciso investir neles. Somente assim o nosso futebol vai dar um passo à frente. Você é um dos líderes do ‘Bom Senso’. Quais resultados você acredita que o movimento possa colher?

Nós vamos colher frutos a partir do momento que os jogadores entenderem a importância do movimento para o futebol brasileiro. O ‘Bom Senso’ surgiu a partir da percepção de alguns atletas de certo distanciamento do que nós já vivemos e de como se estrutura o esporte atualmente. Não significa que a gente queira fazer do futebol brasileiro algo parecido com o que existe na Europa. Até porque os recursos e as características são outros. O fato de o Brasil ser uma referência no futebol tem que fazer a gente buscar um aprimoramento constante. O atleta tem que ter melhores condições de exercer o seu trabalho. Quando eu falo em condições, significa dizer que precisamos ter um melhor calendário, centros de treinamento e campos de qualidade. Muitos estádios que os atletas profissionais atuam são vergonhosos. Acredito que a gente possa ter condições mínimas de trabalho. A imprensa tem nos ajudado muito, dando apoio à manifestação. Espero que os clubes, as federações e a CBF entendam que nós não queremos tê-los como adversários. Os jogadores apenas esperam participar mais do futebol brasileiro. Afinal, somos ‘atores do espetáculo’. O espírito de liderança sempre esteve presente na sua carreira. Você foi capitão por onde passou.


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Como você leva isso para o lado empreendedor? Durante a carreira, você adquire características de liderança. São vários os atributos: motivação, força de vontade, persistência e o exemplo individual e pessoal. Desde cedo, eu aprendi valores importantes na minha vida que foram pilares na minha trajetória. Uma coisa se juntou à outra. Esses fatores me ajudaram na vida pessoal e na minha carreira. Fico feliz por poder usar esses valores para empreender no esporte e fora dele.

do futebol com os estudos. Isso seria fundamental para termos preparo suficiente para quando chegarmos ao final da carreira. Muitos não sabem o que fazer no dia seguinte, pois perdem aquela rotina e têm que ir à luta para buscar algo novo. A construção civil surgiu por ser uma forma segura de aplicar o meu dinheiro, de investir e ter um retorno. Mas, depois de algum tempo, eu passei a empreender. Hoje tenho a minha empresa. Estou feliz com esse novo desafio. Nele, uso toda a disciplina, força de vontade e o aprendiza-

Bruno Cantini

Por que empreender na construção civil? De modo geral, o atleta de futebol não tem tempo para ter uma formação acadêmica. Temos uma série de compromissos: viagem, concentração, jogos,... Nós deixamos de estudar muito cedo. Eu vivi isso e, infelizmente, vários outros vão continuar vivendo. Ainda não temos um modelo de integração

do que adquiri no ambiente do esporte. Assim eu transponho essa experiência para a área do Gilberto S/A. Chegou a hora de parar? Ainda não sei... Aguardo propostas de clubes. Mas, por enquanto, não sou um aposentado. No máximo, sou um pós-operado (risos)! | 11


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