Entrevista Vox 61 - Luiz Cláudio Costa

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‘Educação não é uma corrida de 100 metros’ Ex-presidente do Inep discute os avanços e os desafios do ensino no Brasil Lucas Alvarenga

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om a conquista da Copa do Mundo no Brasil, os olhos da mídia se voltaram para a Alemanha. O país foi conclamado pelos quatro cantos como um exemplo a ser seguido pelo Brasil, dentro e fora das quatro linhas. Mas na educação, alemães e brasileiros vivem um dilema similar. Entre os germanos há 7,5 milhões de adultos entre 18 e 64 anos analfabetos funcionais, como aponta uma pesquisa da Universidade de Hamburgo. Isso representa 9,15% da população alemã. No Brasil, o número de analfabetos com 15 anos ou mais é de 35 milhões. A quantidade equivale a 17,4% da população brasileira. A informação é do Ministério da Educação (MEC).

A universalização do acesso ao ensino foi o grande legado da educação básica nos últimos 11 anos. Mas ainda é preciso incluir quase 3 milhões de crianças e jovens por meio do ensino, diminuir a evasão e a distorção de série/idade. Como atingir essa meta?

"É inegável que o Brasil tem um atraso histórico na educação. Mas o país tem se esforçado para avançar com qualidade e investir ainda mais no ensino"

Mas entre os alemães, o analfabetismo funcional se deve a uma política que prioriza os melhores alunos e oferece poucas chances aos mais fracos. No Brasil, a questão é histórica e estrutural. Mesmo com a evolução do ensino nos últimos anos, o déficit na educação continua. O país investe em cada aluno de 6 a 15 anos pouco mais da metade do valor recomendado pela Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Para discutir os desafios da educação brasileira, a Vox Objetiva conversou com o secretário executivo do MEC, Luiz Cláudio Costa. Doutor em Agrometeorologia pela Universidade de Reading, na Inglaterra, o mineiro foi reitor da Universidade Federal de Viçosa entre 2008 e 2011. Em 2012, ele assumiu a presidência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e ficou no cargo até fevereiro deste ano. 8 | www.voxobjetiva.com.br

O Brasil avançou significativamente na inclusão de crianças e de jovens na educação básica entre 1991 e 2010. Dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) comprovam essa inclusão. O número de crianças de 5 a 6 anos na escola passou de 37,3% para 91,1% nesse período. O total de adolescentes de 11 a 13 anos frequentando os anos finais do ensino fundamental também cresceu: de 36,8% para 84,9%. E a taxa de jovens de 15 a 17 anos com ensino fundamental completo subiu de 20% para 57,2% em 2010.

Temos a expectativa de entregar 3,1 mil creches e pré-escolas até o final de 2014. Esse é um investimento na inclusão. Mas nossos esforços também se aplicam à diminuição da evasão e à qualidade do ensino. O país também avançou na oferta de escolas com ensino integral. O Programa Mais Educação, indutor dessa política, conta com investimentos federais de R$ 1,8 bilhão em 2014. Até a metade do ano passado, 49,3 mil escolas públicas do país ofereciam educação em tempo integral. Desse total, 32 mil reuniam alunos do programa Bolsa Família. Nossa meta é chegar a 60 mil escolas até o final do ano. De 1991 a 2010, a educação do país melhorou 128,3%. O número é quase três vezes superior ao Ín-


Fabio Rodrigues Pozzebom - ABr

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dice de Desenvolvimento Humano (IDH) brasileiro, que subiu 47,5% nesses 20 anos. Essa transformação é resultado da efetividade de programas que apostaram na democratização do acesso à educação, nos diversos níveis de ensino. Os esforços empreendidos pelo Governo Federal, pelos estados e pelos municípios são protagonistas dessa inclusão. O Brasil está fazendo uma equação complexa. A educação não é uma corrida de cem metros rasos. Temos que incluir alunos sem nos esquecer de investir na qualidade do ensino. Mas ainda é preciso investir muito para diminuir a desigualdade gerada pela educação... Se considerarmos diferentes dimensões, como renda, raça, sexo e região geográfica, nós podemos perceber que as políticas de inclusão precisam ser mantidas e ampliadas. Isso é necessário para que possamos garantir igualdade de oportunidades educacionais para os brasileiros. Levando em consideração o critério racial, vemos que 9% dos negros e 9,6% dos indígenas

entre 18 e 24 anos estão cursando ou concluíram o ensino superior. Há também 11,1% dos pardos na mesma situação. Para incluir com qualidade, é preciso investir no professor. Apenas quatro estados e o Distrito Federal pagam integralmente o piso nacional dos professores – estipulado em R$ 1.567,00. Como inverter esse cenário? O governo tem se preocupado – e muito – com essa questão. Não à toa, estamos trabalhando para formar 70 mil docentes até o final do ano com o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica. Não medimos esforços para a formação continuada de professores por meio do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. O país também conta com o sistema Universidade Aberta do Brasil. Nesse sistema, os professores que atuam na educação básica têm prioridade de formação. Na sequência de prioridades vêm os dirigentes, gestores e trabalhadores em educa|9


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ção básica dos estados, municípios e do Distrito Federal. O sistema chegou a 270 mil matrículas ativas em 2012. Metade das matrículas foi para licenciaturas. O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Marcelo Cortês Neri, considera necessária a atração de mão de obra estrangeira para o país. Não teríamos que incentivar a qualificação dos jovens brasileiros por meio do ensino técnico? No Brasil, dois em cada dez jovens não trabalham nem estudam. Mas o Brasil avançou bastante no ensino técnico. Com o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), 1,25 milhão de jovens, alunos de escolas públicas, fizeram ou estão fazendo cursos técnicos. Com o lançamento do Sistema de Seleção Unificada da Educação Profissional e Tecnológica (Sisutec), os alunos que concluíram o ensino médio terão acesso a mais de 239 mil vagas gratuitas nessa modalidade de ensino. Em relação à formação superior, nunca se teve tantos profissionais graduados no país. Os dados do Censo de 2012 mostram que o número de matrículas cresceu de 2,8 milhões para 7 milhões nos últimos 12 anos. No mesmo período, o número de estudantes formados passou de cerca de 300 mil para mais de um milhão. Não dá para temer um apagão de mão de obra.

No Brasil, o valor aplicado por aluno também é inferior ao dos países da OCDE. O país investe US$ 26.765 (R$ 59.418) em cada aluno entre 6 e 15 anos. Mas o recomendado pela OCDE é, no mínimo, US$ 50 mil (R$ 111 mil). No ensino médio, essa diferença fica ainda mais explícita. Enquanto o Brasil investe US$ 2.148 (R$ 4.768) por aluno, os países da OCDE destinam US$ 9.543 (R$ 21.185). Quais são as perspectivas para que o Brasil venha a dar um salto definitivo na educação? A decisão do governo brasileiro de destinar 75% dos royalties do Pré-sal é um marco para a educação. A medida reafirma o compromisso do país com a melhoria da qualidade do ensino. O Brasil optou por destinar um recurso finito que vai assegurar condições essenciais para a educação em longo prazo. Em 30 anos, serão injetados na educação R$ 368 bilhões. Esse dinheiro vai ser fundamental para que possamos valorizar, principalmente, os professores, que são a base de todo o sistema de ensino. O acesso ao ensino foi o grande legado da educação brasileira

O Brasil sofre com um déficit histórico na educação. O sistema público de ensino no país nasceu atrasado durante o Segundo Império e está sucateado. O problema da educação brasileira passa pela quantidade do dinheiro investido? É inegável que o Brasil tem um atraso histórico na educação. Mas o país tem se esforçado para avançar com qualidade e investir ainda mais no ensino. Em 2010, o Brasil foi o país que destinou maior parte do investimento público total para a educação. A pasta ocupou 18,12% do orçamento da União. Com isso, ficamos à frente da Coreia do Sul (16,21%), Suíça (15,83%) e Dinamarca (15,27%). Entre 2005 e 2010, a participação da educação no investimento público total desses países reduziu. A postura tomada por essas nações foi contrária à brasileira. Na década passada, o investimento público brasileiro na educação aumentou 2,1%. Em 2010, o percentual chegou a 5,6%. Os números se baseiam na comparação com o Produto Interno Bruto (PIB). Mas o índice ficou 1% abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Econômico (OCDE). 10 | www.voxobjetiva.com.br

Carol Garcia / AGECOM


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