Reportagem Vox 56 - Bitcoin

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A economia em

its

Moeda virtual permite transações sem intermediários, mas peca em questões essenciais Lucas Alvarenga

Imagine viajar para o exterior sem precisar fazer uma operação de câmbio. Pense na praticidade de fazer transações financeiras sem depender de bancos nem de financeiras. Agora idealize uma moeda que não depende de regulação de Banco Central nem de governo. Imaginou? Pois essa moeda existe. Trata-se do bitcoin: a moeda virtual. É uma tecnologia capaz de despertar em seus entusiastas um olhar sobre a economia do futuro. Por outro lado, os céticos veem a moeda virtual como um retorno às formas monetárias mais rudimentares. O bitcoin foi desenvolvido pelo japonês Satoshi Nakamoto em 2009. E a moeda virtual nasceu cercada de lendas e de curiosidades, a começar pela identidade de seu criador. Acredita-se que Nakamoto seja uma figura fictícia criada por uma equipe de programadores que representam um grupo financeiro europeu. O inventor do

bitcoin (BTC) é dono da maior fortuna virtual registrada com a moeda. O valor chega a algo próximo de US$ 1 bilhão em BTCs. Inventar moedas que dispensem qualquer tipo de regulação não é uma novidade. Os monarcas espanhóis Carlos V e Felipe II se deixaram enganar pela grande quantidade de prata extraída das colônias recém-descobertas na América. Daí eles criaram uma moeda paralela: o duro. Quanto mais unidades do duro eram cunhadas, mais elas perdiam valor. Desvalorizada, a pretensa moeda global causou a primeira crise inflacionária de razões monetárias da história. E, como consequência, promoveu uma revolução nos preços europeus entre 1540 e 1640.

O bitcoin pretende retomar o ideal de uma moeda global, mas virtualmente. O fato preocupa autoridades | 23


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políticas de todo o mundo. China, Rússia e Tailândia já proibiram negociações com o bitcoin. “O que incomoda os governos é o fato de o bitcoin permitir a transação entre pessoas sem que isso seja tributado em favor dos países. Por outro lado, o cidadão é obrigado a pagar uma alta carga tributária sem o retorno em serviços à altura. Isso leva muitas pessoas a buscarem formas mais primitivas de negócio”, analisa Nelson de Sousa, professor de Finanças do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais do Rio de Janeiro (Ibmec-RJ).

Como se não bastasse, a cotação da moeda virtual não para de subir. “O bitcoin valia US$ 0,01 quando foi criado. Em 2011, a moeda era cotada em R$ 20. Hoje um bitcoin equivale a R$ 1,62 mil. É um retorno superior ao de qualquer título da bolsa”, acredita Horta. Por apostar na moeda virtual, o programador criou a Bitcoin To You, em julho de 2013. A empresa fica em Betim, mas os servidores estão hospedados nos Estados Unidos. A Bitcoin To You tem 2,5 mil usuários cadastrados, responsáveis por movimentar R$ 1 milhão por mês em bitcoins. Além disso, a empresa detém a maior transação brasileira de bitcoins feita em um só dia: 170 unidades.

Mesmo com milhares de usuários por todo o mundo, o bitcoin era pouco familiar a Diego Silva. Mas a relação do programador André Horta com a moeda fez o dono e consultor técnico da Nipotech se inteirar do assunto. CEO da Bitcoin To You, empresa de compra e venda de bitcoins, Horta precisa(um bitcoin em cada ano avaliado) va levar seu carro para uma revisão. A oficina escolhida por ele foi a Nipotech, pela expertise da empresa de assistência técnica em carros japoneses. Mas, antes de feR$ 1,62 2014 char o negócio, Horta fez uma proposta a Silva: pagar o serviço, avaliado em R$ 430, em bitcoins.

Mas os problemas que envolvem a moeda virtual começam justamente

Cotação em alta

Silva sabia do sucesso da 2011 moeda virtual apenas pela mídia. Curioso, ele resolveu conhecer o funcionamento do bitcoin e, depois de muito pensar, aceitou a forma de 2009 pagamento sugerida. “Eu optei por trabalhar com a moeFonte: André Horta/Bitcoin To You da virtual porque faz parte da filosofia da Nipotech buscar inovações para o cliente”, ressalta o consultor técnico. Silva recebeu 0,22 bitcoin pelo serviço e fez da sua empresa a primeira da capital mineira a aceitar a moeda virtual. Horta criou para Silva uma carteira digital e a instalou no tablet do consultor técnico. O CEO converteu o valor total do serviço para bitcoins e fez a transferência, confirmada em apenas dez minutos. Para o proprietário da Nipotech, a experiência foi válida. A transação com a moeda virtual é isenta de impostos e de tarifas, como os 6,38% aplicados sobre compras feitas com cartão de crédito. 24 | www.voxobjetiva.com.br

R$ 20

mil

pela sua volatilidade. Em janeiro, o valor do bitcoin superou R$ 2 mil, por causa da repercussão na mídia, mas logo voltou para 1,62 mil. As variações deixam comerciantes e prestadores de serviço cabreiros. O Banco Central do Brasil já alertou que nenhum estado garante o bitcoin. Para a instituição monetária, o investidor pode perder todo o valor investido. Por isso, alguns usuários da moeda a tratam como uma ‘poupança’.

Se a volatilidade preocupa, a dificuldade para usar US$ 0,01 a moeda afasta alguns potenciais adeptos da ideia. No mundo são mais de 2,6 mil estabelecimentos comerciais que se dispõem a recebê-la. Dentre eles, está uma grande rede varejista dos Estados Unidos: a Overstock. No Brasil, há menos de 30 empresas cadastradas, como informa o serviço Coin Map. “O bitcoin traz um problema: é impossível investir parte da minha carteira em algum bem ou produto que esteja fora daquelas empresas que fazem parte do ‘jogo’”, lembra Sousa. Não é fácil se tornar um dos novos usuários do bitcoin. Você pode recebê-lo diretamente de alguém ou comprar a moeda em sites similares ao Bitcoin To You. Caso contrário, resta obter o bitcoin por um processo denominado mineração. Para minerar um BTC, é preciso se cadastrar


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no bitcoin.org, baixar um programa de compartilhamento de arquivos e receber uma identificação. Nesse procedimento, as pessoas ‘alugam’ o computador para que algoritmos da rede de bitcoins sejam processados. Em troca, elas ganham BTCs. A operação funcionava bem até 2013, mas devido à evolução do código, esse processo não é mais viável sem megacomputadores. “Para minerar um bitcoin hoje, um computador normal demoraria um ano e consumiria um valor de energia elétrica superior ao da própria moeda”, ratifica Horta. A alternativa foi criar máquinas que convertem papel-moeda em bitcoins. Esses equipamentos de quase R$ 200 mil são capazes de minerar até cinco BTCs por dia. Entretanto, existem os poucos exemplares no Brasil. E nenhum deles está em Minas. A limitação de unidades da moeda virtual também traz desconfiança. Quando foi criada, a oferta do bitcoin foi restrita a 21 milhões de unidades. Em 2014, já são mais de 12 milhões de BTCs gerados. Mesmo com todo esse volume, a moeda é considerada deflacionária. O valor do BTC tende a crescer à medida que a moeda não puder mais ser minerada. Entusiastas alegam que, caso o bitcoin se valorize demais, as casas decimais inutilizadas hoje vão servir de margem para os eventuais ajustes financeiros no futuro Boa parte dos BTCs gerados é utilizada na aquisição de serviços e de bens ilícitos. Em janeiro, dois executivos do serviço de troca de bitcoins BitInstant foram presos sob acusação de lavagem de dinheiro e colaboração para a venda de drogas no mercado negro Silk Road. Ambos foram acusados de vender mais de US$ 1 milhão em bitcoin. Em nota, o governo dos Estados Unidos divulgou que empresas como a BitInstant devem coletar dados de seus clientes, monitorar transações próprias e reportar às autoridades negociações suspeitas. Um dos fatores preponderantes para o uso do bitcoin em um mercado paralelo é o anonimato da transação. Se a negociação não fosse anônima, ficaria mais simples identificar quem usa a carteira. Mas é possível descobrir o autor de uma transação ilícita por outros meios, como o número IP do computador. Para garantir segurança aos adeptos da moeda, a Fundação Bitcoin trabalha em constantes atualizações do código digital. “O bitcoin usa um nível de criptografia que exigiria anos e megacomputadores conectados em todo o mundo para quebrá-la”, garante Horta. Mas se nunca houve falha de criptografia, o mesmo não se pode dizer dos sites bitcoins. No final de fevereiro, a Mt. Gox – maior

operadora de bitcoins do mundo – encerrou as suas operações deixando milhares de usuários sem saber como iriam recuperar suas moedas. Para Horta, os escândalos recentes acabam interferindo na consolidação do bitcoin. Por causa desses problemas, por ora, Sousa não crê que o bitcoin possa interferir na economia. “Assim que o bitcoin tiver muitos adeptos e mais riquezas envolvidas, essa moeda vai acabar criando uma economia paralela firme”, projeta o professor de Finanças do Ibmec-RJ.

Prós e contras do bitcoin • Livra o usuário de ter que fazer o câmbio ao viajar para o exterior • Permite fazer transações financeiras sem intermediários • Não há impostos nas negociações • A moeda é bastante valorizada • O bitcoin ainda é deflacionário

• Não tem a garantia de um Banco Central ou de um governo • Tem um restrito mercado para utilização • Conta com um limite de 21 milhões de unidades • É muito volátil • Alguns dos principais sites bitcoins do mundo não são confiáveis

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