Reportagem Vox 56 - Nanotecnologia

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Ministério da Ciência

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Pequenos e revolucionários Tubos de carbono invisíveis a olho nu podem transformar o setor industrial do mundo inteiro. Minas Gerais está um passo à frente nessas pesquisas Lucas Alvarenga Eles são cilíndricos, minúsculos e imperceptíveis até mesmo em microscópios ópticos. São 100 mil vezes menores do que um fio de cabelo e um bilhão de vezes inferiores ao metro. Mas essa insignificância no tamanho esconde uma fortaleza. Sintetizados em laboratório inicialmente no Japão desde a década de 90, os nanotubos de átomos de carbono prometem revolucionar a indústria em breve. Embora sejam bem mais leves do que o aço, os nanocilindros são 20 vezes mais resistentes. E as ligações fortes entre átomos de carbono servem para gerar materiais de difícil destruição.

Desde o ano 2000, os nanotubos de carbono são uma realidade no cotidiano da maior instituição de ensino superior do estado: a Universidade Federal de Minas Gerais. Na época, o professor de Física da UFMG Luiz Orlando Ladeira produzia os primeiros nanocilindros em parceria com o colega Marcos Assunção Pimenta, também físico. Atualmente os docentes integram um grupo de pesquisadores oriundos da Biologia, da Física e da Química. Todos se dedicam à nanotecnologia, na qual o estado de Minas Gerais é pioneiro. | 27


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Enquanto Pimenta se atém às propriedades fundamentais dos nanotubos de carbono, Ladeira busca aplicações dos cilindros em uma série de materiais. Um deles é o cimento, objeto de estudo de Ladeira desde 2005. Nessa empreitada, o físico se juntou a alunos do doutorado de Engenharia de Estruturas e ao professor José Marcio Calixto, doutor em Engenharia Civil pela UFMG. O objetivo deles é adicionar 0,3% de nanotubo de carbono ao clinquer - matéria-prima do cimento - e conferir ao material maior resistência à tração. A ideia, segundo Calixto, é que o nanotubo assuma a função do aço.

O produto final permanece restrito ao laboratório.

O alto custo produtivo inviabiliza a transposição da iniciativa para o mercado. Mas talvez isso ocorra em pouco tempo. Em 2005, um saco de 50 quilos de cimento nanoestruturado

saía mil vezes mais cara do que 50 quilos de cimento convencional. Com o tempo e as pesquisas de Ladeira, esse custo caiu quatro vezes. A redução do preço permitiu que o físico obtivesse o registro da patente nacional desse tipo de cimento. Agora cabe ao Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) avaliar as propriedades e as possíveis aplicações do material. “A construção civil deve ser fortemente impactada pela nanotecnologia. A adição de materiais inteligentes, como os nanotubos de carbono, vai permitir o desenvolvimento de produtos finais com maior leveza e durabilidade”, assegura Carlos Alberto Achete, coordenador da Divisão de Metrologia de Materiais do Inmetro.

A resistência também permeia as pesquisas do professor de Física da UFMG, Ado Jorio. Ao retornar dos Estados Unidos, onde fez seu pós-doutorado, o físico começou a

Arquivo pessoal

ENTREVISTA | Ado Jorio dros de carbono. No entanto, agregou a eles temas como a nanometrologia em um trabalho conjunto com o Inmetro. Hoje, aos 41 anos, Jorio pode se orgulhar: ele é um dos poucos brasileiros a ter conquistado um dos mais importantes prêmios dados a jovens cientistas de até 40 anos provenientes de países em desenvolvimento. O físico conversou com a Vox Objetiva sobre o trabalho vencedor do Prêmio do Instituto Abdus Salam de Física Teórica e analisou o tratamento dado à nanotecnologia no país e em Minas Gerais. Poucos foram os pesquisadores nacionais a receber o prêmio do Centro Abdus Salam. Como essa conquista projeta a física brasileira?

“Espero que nossa pesquisa continue sendo aplaudida” A recente indicação à Academia Brasileira de Ciências não veio por acaso. A cadeira definitiva na instituição foi consequência de anos de pesquisa no campo da nanotecnologia. Em 2000, o físico belo-horizontino iniciava o seu pós-doutorado nos Estados Unidos. Pela Massachusetts Institute of Technology (MIT), Jorio pesquisou as propriedades ópticas de nanotubos de carbono. Ao regressar ao Brasil, o físico continuou seus estudos com os cilin-

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Muitos pesquisadores brasileiros têm recebido prêmios nacionais e internacionais ao longo da história. E espero que nossa pesquisa continue sendo aplaudida. A sociedade não tem noção da importância e do impacto da ciência brasileira no mundo. Já tive trabalhos científicos discutidos em jornais na Alemanha e na Itália sem uma palavra dita no Brasil. Conte um pouco sobre o trabalho que lhe rendeu o prêmio em Trieste, na Itália. O trabalho que desenvolvi com colaboradores fez a técnica de espectroscopia Raman se tornar mundialmente usada na caracterização dos nanotubos


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estudar as propriedades dos grafenos. Esses compostos são como uma lâmina de átomos de carbono. Quando são empilhados, formam o grafite. Durante esse período, Jorio foi convidado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) para se unir a um grupo de pesquisa sobre a Terra Preta de Índio. Há décadas, os antropólogos descobriram que os indígenas tinham uma metodologia específica para queimar o lixo e, com o produto da queima, melhorar a qualidade do solo para a agricultura. Mas esse conhecimento milenar indígena foi se perdendo com o tempo. A fim de recuperá-lo, Jorio aplicou o saber adquirido no estudo dos grafenos para compreender a nanoestrutura dos carvões daquele tipo de solo. O físico descobriu peculiaridades diferentes de algumas características dos carvões produzidos usualmente. O trabalho do pesquisador é compreender os parâmetros que tornam esse carvão tão especial. A ideia é reproduzi-los em outros locais. “Já imagi-

de carbono: material com propriedades eletrônicas, térmicas, mecânicas e ópticas fenomenais para diversas aplicações. Raman foi um físico indiano que descobriu o efeito de colisão inelástica da luz na matéria, na primeira metade do século passado. É como arremessar uma bola na parede e, estudando as características da bola quando volta, você obtém informações sobre a parede. Com o avanço da tecnologia de lasers e de outros dispositivos ópticos, tornou-se viável aplicar esse efeito em materiais como os nanotubos. Você também estuda grafenos... Sim, trabalho com grafenos no desenvolvimento da nanometrologia. Também trabalho com a caracterização de nanoestruturas de carbono para o desenvolvimento de biotecnologias, como novas vacinas e carregadores de ácido ribonucleico (RNA) – responsável pela síntese de proteínas da célula. Estamos iniciando um projeto na UFMG para usar a espectroscopia Raman no diagnóstico precoce de doenças degenerativas, especialmente o Alzheimer. Como você avalia a pesquisa em nanotecnologia realizada no Brasil e em Minas Gerais? O Brasil está, passo a passo, institucionalizando sua pesquisa. A criação de financiadores de projetos há 50 anos está transformando este país. O Brasil faz pesquisa de ponta em nanotecnologia em qua-

nou se as mineradoras fossem capazes de devolver um solo melhorado?”, sugere Jorio. “E o Brasil ainda ganharia crédito de carbono com essa iniciativa”, acrescenta.

Os estudos com o grafeno não são uma exclusividade de Jorio. Pimenta se dedica à análise das proprieda-

des óticas e eletrônicas dessa lâmina. Dependendo da forma como é enrolado, o grafeno pode se tornar um exímio condutor ou semicondutor de eletricidade. “Podemos utilizá-lo para criar transistores, placas de energia solar ou até um circuito integrado com nanotubos de carbono. Já sabemos que o grafeno pode substituir o silício em uma série de situações”, garante o físico da UFMG. Se o ambiente acadêmico mineiro está repleto de experiências com nanotecnologia, no mercado há quem já aplique nanotubos em escala comercial. Esse é o caso da Nanum Tecnologia. O Diretor de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)

se todas as áreas. O nosso volume de pesquisa e a nossa transferência de tecnologia para o setor produtivo ainda são pequenos, quando comparados aos países desenvolvidos e à China. Em relação a Minas Gerais, o estado tem exercido um papel diferenciado no Brasil, na área de nanoestruturas de carbono, fármacos e biotecnologia. A grande questão é que o desenvolvimento da ciência está no setor público – nas universidades e nos centros de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação – e a geração e a comercialização de produtos estão no setor privado. A relação público-privada no Brasil é complicada devido a questões ideológicas e ao medo gerado pela corrupção. Esse problema cultural reprime a inovação e o empreendedorismo. Ainda assim, estamos avançando... Nos últimos quatro anos, a UFMG fez mais transferências de tecnologia para empresas que em todos os anos anteriores. O número de patentes depositadas anualmente pela UFMG no INPI está no nível dos grandes institutos de tecnologia dos países desenvolvidos. O estado de Minas Gerais tem uma rede de mais de 20 instituições que trabalham em conjunto para a profissionalização da transferência de tecnologia no estado. O Brasil realiza diversos fóruns especializados no tema inovação. Estamos ganhando massa.

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da empresa, Tarik Mohallem, dá um exemplo de como a nanotecnologia veio para ficar. A Nanum surgiu em 2003 como uma consultoria tecnológica. Decorridos oito anos de funcionamento como incubadora, a Nanum se transformou em uma empresa apta a produzir materiais nanoestruturados. A empresa de Lagoa Santa conta com 14 funcionários de alta capacitação. A produção anual de cerca de 5 toneladas de compósitos nanoestruturados gera um faturamento anual de R$ 5 milhões.

Para baixar os custos, otimizar processos e produzir nanotubos em escala, os governos estadual e federal firmaram uma parceria para criar o Centro de Tecnologia em Nanotubos de Carbono (CTNanotubos). Assim os pesquisadores da UFMG vão poder estreitar a relação entre a academia e as empresas. Pimenta lembra que o interesse do empresário é saber se o conhecimento gerado nas universidades é viável comercialmente. “Existe um buraco entre a academia e as empresas. A ideia de um centro de tecnologia no Centro Tecnológico de Belo Horizonte (BHTec) é fazer uma ponte entre elas”, esclarece Pimenta.

“Nós sabemos que as empresas que não aderirem à nanotecnologia vão deixar de ser competitivas”

Divulgação/Embrapa

O principal produto da empresa é uma tinta com propriedades magnéticas usada em impressoras de jato de tinta de alto desempenho. Feito com Aliado a esses objetivos, o CTdispersão concentrada de partículas Nanotubos deve desenvolver pesde 50 nanômetros em água, o matequisas sobre a incorporação de rial é usado na impressão de cheques nanotubos com a poliuretana nas e documentos fiscais de segurança. tubulações para a extração de pe“Nós competimos com a tecnologia Marcos Pimenta, professor de Física da UFMG tróleo. A ideia é deixar a tubulação de impressão a laser que, há 40 anos, mais resistente. Outra linha de pesdomina o mercado de impressão quisa a ser trabalhada pelo centro magnética. Temos 1% do mercado, de tecnologia é a de nanotoxicolomas as perspectivas são muito boas. Afinal, exportamos gia. O objetivo é desenvolver protocolos de segurança para toda a produção para quatro continentes”, ressalta o direesse tipo de material poder penetrar na pele ou ser inalado. tor de P&D da Nanum. “Para que as nanoestruturas façam parte da nossa vida, elas devem ser testadas. Temos que nos preocupar com a saúde Mohallem e Pimenta acreditam em uma assimilação humana e os impactos dessa tecnologia no meio ambiente”, cada vez maior do mercado em relação à nanotecnologia. analisa Jorio. “Nós sabemos que as empresas que não aderirem à nanotecnologia vão deixar de ser competitivas”, diz PimenMesmo com esse esforço, os físicos ratificam: é preciso ta, assertivo. O diretor de P&D da Nanum entende que a um maior volume de investimentos para o fomento à pesprocura e a aceitação de produtos nanoestruturados no quisa e à inovação tecnológica. Essa necessidade se acentua Brasil seja baixa devido ao alto custo. Mas essa filosofia quando se compara o Brasil com os países desenvolvidos. se transforma quando os produtos ganham o exterior e Mohallem acredita que somente as linhas de crédito espeprovam ser de alta qualidade e customizados. ciais não teriam levado a Nanum à condição atual. No estado, o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (Fapemig) são os principais provedores de recursos para a academia e as empresas.

Divulgação/Embrapa

Terra Preta de Índio: a esperança de recuperação de outros solos 30 | www.voxobjetiva.com.br

Para Mohallem, os desafios para o desenvolvimento do setor vão além de garantias financeiras, editais mais acessíveis e desoneração para empresas que investem em novas tecnologias. “As universidades brasileiras têm um comportamento competitivo com as empresas de alta tecnologia e não cooperativo como existe nos países desenvolvidos”. Jorio concorda em parte. “O grande empecilho é a fraca relação entre a comunidade científica e o setor produtivo. A situação se agrava nos países menos desenvolvidos, devido à falta de infraestrutura para uma produção de conhecimento institucionalizada”, avalia.


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