Resenha Vox 57 - Maria Rita

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Terra Brasilis • crítica

Porto seguro O samba, mais uma vez, cai bem à filha de Elis, que se mostra confortável com o gênero Lucas Alvarenga “O samba é a tristeza que balança”, assim versou o ‘poetinha’ Vinícius de Moraes em ‘Samba da Bênção’. O verso parece ter inspirado a capa e o repertório de ‘Coração a batucar’: o mais recente álbum de Maria Rita. As 13 faixas produzidas por Leandro Sapucahy mostram por que o samba é a rota de fuga para as habituais comparações da intérprete com a mãe, Elis Regina. Não por acaso, o disco ‘Samba Meu’ (2007) renovou o público da cantora e a levou à conquista do Grammy Latino de melhor álbum de samba. ‘Coração a batucar’ nasce gravado em estúdio, mas com uma pegada ao vivo. Entretanto, a tentativa de levar o terreiro para a obra soa espontânea em poucas faixas. O tom jazzístico dado pelo piano de Jota Moraes faz a cantora se manter vinculada ao seu nicho de atuação.

Lele e Davi dos Santos). Esse belo pagode romântico lança de vez a tristeza no disco. E esse sentimento atinge seu auge em ‘Vai meu samba’ (Noca da Portela e Sérgio Fonseca). O andamento cadenciado e a interpretação cool de Maria Rita fazem da faixa um desabafo poético. ‘Abre o peito e chora’ (Serginho Meriti, Rodrigo Leite e Cauíque) deveria aproximar de vez a paulista de seu ídolo, Gonzaguinha – que ganhou o título de ‘cantor-rancor’. Mas os vocalizes e as palmas tão logo transformam a dor em esperança. ‘Bola pra frente’ (Xande de Pilares e Gilson Bernini) reafirma a mensagem positiva, mas em samba menor, que não empolga assim como ‘Nunca se diz nunca’ (Xande de Pilares, Charlles André e Leandro Fab).

Coube aos experientes Arlindo Cruz e Joyce recolocar o disco Na faixa de abertura, ‘Meu samnos ‘eixos’. ‘Rumo ao infinito’ ba sim senhor’ (Fred Camacho, (Arlindo Cruz, Marcelinho MoMarcelinho Moreira e Leandro reira e Fred Camacho) traz a fé Fab), o surdo e a cuíca trazem a em cadência menor e melodia Álbum: Coração a batucar (2014) Intérprete: Maria Rita ambiência pagodeira ao disco. E de pura poesia. ‘Mainha me enNúmero de faixas: 13 a letra não deixa dúvidas quanto sinou’ (Arlindo Cruz, Xande de Distribuição: Universal Music ao ‘namoro’ da intérprete com o Pilares e Gilson Bernini) dissipa Preço médio: R$ 24 samba: “Mais uma vez/ Aqui esa tristeza e festeja o amor com tou/ Não vou negar/ Eu vou reternura. O contracanto fortalepresentar com todo o meu amor”. ce a mensagem. ‘No mistério do Na sequência, ‘Saco cheio’ (Dona Fia e Marcos Antôsamba’ (Joyce Moreno), Maria Rita retoma o suingue nio) fortalece o clima de terreiro. A interpretação dedas primeiras faixas e anuncia a saideira: “Eu preciso bochada da cantora acentua a irreverência de versos ir embora/ O samba mandou me chamar/ E tá quase na como “Deus já deve estar de saco cheio”. hora”. A levada jazzística de ‘Fogo no paiol’ (Rodrigo Maranhão) parece destoar. Se a faixa não incendeia, ‘No meio do salão’ (Magnu Souza, Maurílio de Oliveira e Everson Pessoa) traz a malandragem à obra e dá brechas para a dor do amor. O samba do Quinteto em Branco e Preto é seguido por ‘Abismo’ (Thiago Silva,

As palmas, as referências às escolas de samba e a percussão devolvem o samba para o quintal de forma quase transcendental em ‘É corpo, é alma, é religião’ (Arlindo Cruz, Rogê e Arlindo Neto). A faixa derradeira é a prova de que o disco pode ‘esquentar’ no terreiro-mor: o palco. | 49


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