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da cidade ao objeto

O Vazio, o Ouro e o Couro

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julho 2015


da Cidade ao Objeto Brasil séc. XVII-XIX

Universidade de Brasília Disciplina:

História da Arquitetura e Urbanismo no Brasil Colônia-Império Orientadora:

Maria Fernanda Derntl Autores:

Ana Catarina Lima, Emília Wolf, Fernando Longhi, Sophia Rabelo e Nayara Rodrigues Arte da revista:

Fernando Longhi

Brasília - DF julho 2015

Dança dos selvagens da missão de São José. (DEBRET, 999)


da Cidade ao Objeto Brasil sĂŠc. XVII-XIX


Editorial

O Vazio, o Ouro e o Couro

A publicação desta Revista tem por objetivo divulgar as informações coligidas em breves análises sobre o período que compreende a história da arquitetura e urbanismo brasileira entre os séculos XVII e XIX. Arq15 aborda da escala macro à escala micro, isto é, da cidade ao objeto arquitetônico. Em O Vazio, o Ouro e o Couro, Fernando Longhi discorre acerca dos processos de urbanização da gênese que desenhou o contexto de Brasília. Pirenópolis, Luziânia e Formosa são investigadas sob a ótica de suas estratégias de resiliência face às mudanças da transição de uma economia colonial extrativista à uma economia agrária. Por sua vez, o artigo redigido por Ana Catarina busca identificar as principais características e fundamentos que deram origem ao autêntico padrão de assentamento das reduções Jesuíticas ao sul do Brasil. Para tanto, adotou-se a redução de São Miguel das Missões como arquétipo desse estudo, analisando o papel fundamental e estruturador da praça na malha urbana, os eixos principais, a hierarquização dos espaços e as principais edificações na redução. A partir da análise iconográfica da obra O Risco de São Miguel, foi possível observar a escala que se atingiu um dos maiores empreendimentos coloniais tanto nos aspectos sociais como físicos, contando explicitamente com as características das tipologia urbana missioneira. O artigo de Emília Wolf discute as relações sociais e culturais que compreendem e formam os espaços das comunidades Kalunga, a maior

remanescente quilombola do país. Através da análise da casa kalunga é possível também conhecer a história e o cotidiano de pessoas que puderam recriar seu contexto de vida, suas habitações e construções. Nayara Rodrigues irá apresentar um artigo sobre uma fortificação de domínio português chamada Mazagão, localizada no norte da África. Era tida como um exemplo de cidade fortificada e em consequência de conflitos naquele local, a coroa portuguesa decidiu transportar Mazagão para o Norte do Brasil, em tempos de ocupação da região Norte do país. Ocupação definida pelo tratado de Madrid. O trabalho pretende, então, esclarecer como tal cidade se deslocou para o Norte e mais precisamente para o Amapá e se tal mudança deu bons resultados. Será que a povoação se manteve? Será que a fortificação foi construída? Em seu texto, Sophia Rabelo faz uma análise transversal da história, discorrendo sobre o alpendre como sendo um espaço de transição constante nas casas luso-brasileiras, carregando consigo diversos significados e usos ao longo de seu histórico de utilização, sempre intrinsecamente ligado à tradições socioculturais que permanecem vivas até o presente momento. Estas questões são uma abordagem contemporânea de temas até então pouco explorados na história e cultura brasileiras, dando margem a novas discussões e futuras explorações. Ao final dessa revista você encontrará uma breve comparação entre duas igrejas da cidade de Mariana, em Minas Gerais. Este paralelo é feito por meio da exploração iconográfica ilustrada pelos mesmos autores dos artigos aqui apresentados.


Sumário O Vazio, o Ouro e o Couro...........................................................................................................6 A Estrutura Urbana Missioneira a Partir do Estudo de São Miguel das Missões......................16 A Comunidade Kalunga e sua Arquitetura.................................................................................24 A Cidade das Quatorze Caravelas...............................................................................................34 Alpendre: o Espaço de Transição no Mundo da Casa Colonial Brasileira.....................................42 A Dispura entre Duas Ordens: as Igrejas de Mariana.................................................................49


O Vazio, o Ouro e o Couro

O Vazio, o Ouro e o Couro nas Transformações das Cidades Históricas do Planalto Central Fernando Longhi


Resumo

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Palavras-chave: ocupação territorial, Planalto Central, urbanização, transformação urbana, Brasil Colônia-Império, Pirenópolis, Luziânia, Formosa

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O discurso de Juscelino Kubotschek na inauguração de Brasília é um dos vários exemplos que relata o vazio encontrado no vasto interior do Brasil. Ideias estas que fizeram o brasileiro acreditar que Brasilia foi construída em um local deserto e desabitado. Cidades como Planaltina, Luziânia, Corumbá, Pirenópolis, Goiás Velho, entre outras, colocam-se como um conjunto historicamente relevante, sendo fundamentais para a ocupação do Planalto Central (BERTRAN, 2011). Vale a análise da dinâmica dessas cidades e de suas estratégias de permanência e resistência às mudanças ao longo do tempo, especialmente no período que tange a passagem abrupta de uma economia colonial extrativista, com a intensa exploração aurífera, para uma economia agrária. Esses acontecimentos marcaram ciclos fundamentais de transformação e consolidação dessas cidades. Este artigo busca analisar por meio de livros, artigos, teses acadêmicas e relatos de viajantes a transição entre uma vertiginosa economia oriunda da mineração à uma economia baseada na subsistência agropecuária do quadro urbano que compõe o cenário do Planalto Central. Espera-se como resultado a compreensão básica desse processo de transformação, que poderá ser trazido aos dias de hoje por uma nova onda de transformação, a reboque da exploração do potencial turístico e do caráter empreendedor dessas cidades.


Sobre o Vazio

O Vazio, o Ouro e o Couro

“Quando aqui chegamos, havia na grande extensão deserta apenas o silêncio e o mistério da natureza inviolada. No sertão bruto iam-se multiplicando os momentos felizes em que percebíamos tomar formas e erguer-se por fim a jovem Cidade.” Juscelino Kubitschek, 1960.

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Uma possível interpretação do discurso de Juscelino Kubitschek na inauguração de Brasília denuncia a ideia que perdura até os dias de hoje de que a Capital Federal foi erguida em campos nunca povoados, onde o silêncio dominava antes de tudo uma natureza intocada pelo homem. Esse discurso alegórico e quase místico sobre Brasília é apenas uma de várias outras fontes que podem nos levar a entender que o Planalto Central era uma terra de ninguém, sem muita importância e história. Decerto, à época da fundação de Brasília, a região era, de fato, muito menos habitada quando em comparação às cidades litorâneas brasileiras, onde a densidade populacional girava em torno de 50 hab./ km2 contra 1 hab./km2 no Planalto Central (OLIVEIRA, 2005). Todavia, não podemos menosprezar essa ocupação rarefeita uma vez que ela aporta laços históricos e culturais tão válidos quanto aos das regiões mais populosas da Colônia. O fortalecimento desses laços oriundo da interação entre autoridades, colonos e índios ensejou uma expressão arquitetônica e urbana (DERNTL, 2014) que culminou por forjar as bases futuras de uma coesão de âmbito nacional. Porém, nas palavras de Paulo Bertran, importante figura que contribuiu grandemente às histórias do Cerrado, a construção de Brasília obscureceu a rica história da região adjacente ao quadrilátero do Distrito Federal.

Cidades como Planaltina, Luziânia, Corumbá, Pirenópolis, Goiás Velho, entre outras, colocam-se como um conjunto historicamente relevante, sendo fundamentais para a ocupação do Planalto Central (BERTRAN, 2011). Vale a análise da dinâmica dessas cidades e de suas estratégias de permanência e resistência às mudanças ao longo do tempo, especialmente no período que tange a passagem abrupta de uma economia colonial extrativista, com a intensa exploração aurífera, para uma economia basicamente agrária. Esses acontecimentos marcaram ciclos fundamentais de transformação e consolidação dessas cidades. Com este artigo, pretende-se investigar aspectos da transformação dessa rede urbana, até então pouco presente na literatura, utilizando como eixo central a bibliografia de Paulo Bertran apoiada nos relatos do viajante estrangeiro Auguste de Saint-Hilaire e na literatura acadêmica. Tomase como recorte espacial Pirenópolis, devido à sua importância estratégica na fase de exploração e ocupação do Planalto e Luziânia e Formosa por serem desmembramentos de terras que hoje constituem o DF (Figura 01). Espera-se como resultado a compreensão básica desse processo de transformação, que poderá ser trazido aos dias de hoje por uma nova onda de mudanças, à reboque da exploração do potencial turístico e do caráter empreendedor dessas cidades históricas.


Entre o Ouro e o Couro

Formosa dos Couros Meia Ponte Santa Luzia

No século XVIII, no final do reinado de Dom João V (1706-1759), nasciam as primeiras ideias e estratégias da Coroa Portuguesa de alongamento territorial avançando os limites acordados por Tordesilhas (BOAVENTURA, 2006). Segundo Boaventura, o projeto mais claro para essa expansão encontra-se no plano sigiloso do secretário Alexandre de Gusmão, em 1736, que tinha por objetivo a exploração da “região da soberania não definida” da Colônia. No entanto, já preexistiam iniciativas nos campos da economia, da diplomacia e da geopolítica voltados para a expansão territorial e seu fortalecimento (BOAVENTURA, 2006).

Uma dessas iniciativas investiu Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera Filho, na qualidade de Superintendente Geral das Minas, a enviar diversas bandeiras aos sertões, em especial à região dos atuais estados de Goiás e Tocantins. Entre essas expedições, destaca-se aquela conduzida em 1730 por Urbano do Couto Menezes que foi responsável pelo descobrimento das minas de Meia Ponte (BERTRAN, 2011), culminando na fundação do arraial em 1731 com o nome de Minas de Nossa Senhora do Rosário Meia Ponte, atual Pirenópolis.

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Figura 01: Mapa do Estado de Goiás, autoria própria juntamente da Carta da Província de Goiás de 1833 (ESCHWEGE, 1833)

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A mineração era a principal base econômica e impulsionadora de Meia Ponte no século XVIII, o que a conferiu um desenho típico de núcleos urbanos auríferos da Colônia. Pode-se assimilar sua malha retilínea moldada pelo terreno seguindo o curso do rio, a presença de objetos arquitetônicos religiosos e administrativos dispostos ao redor de uma grande praça e certa regularidade estética no conjunto edilício do arraial. Sobre a perspectiva de Bertran, a “colonização do Distrito Federal e do Planalto Central” teve como ponto de partida o descobrimento das minas do Vale do Rio das Almas e, em especial, a fundação de Meia Ponte, atraindo para a região milhares de brancos e escravos motivados pelo ouro e devido a abertura de estradas ilegais que possibilitavam o contrabando (BERTRAN, 2011). Deste modo, diversos arraiais surgiram nessa região, como Traíras, São Félix, Cavalcante, Santa Luzia, Montes Claros, Chagas, entre outros. Este contexto foi imprescindível para Pirenópolis ganhar a condição de maior influência regional pois “estabeleceu-se como ponto central das vias de comunicação das minas que a todo ano brotavam em solo goiano e tocantinense” (BERTRAN, 2011). Era tamanha a importância de Meia Ponte nesse período que instigou diversos autores a questionarem o porquê da elevação do arraial de Santana a Vila e, em consequência, capital da Capitania como Vila Boa de Goiás e não Pirenópolis. Paulo Bertran não se posiciona quanto à dualidade, mas, assim como o viajante francês Saint-Hilaire, sugere que o núcleo urbano seria mais merecedor a nomeação tanto por sua localização estratégica quanto por ser constituída majoritariamente por “portugueses natos, emboabas”. Tal perspectiva é reforçada na tese de Boaventura, onde há uma passagem da Petição do Arraial de Meia Ponte para sua ereção à Vila, descrevendo o arraial como “muito bem plantado e hua serie vistoza que o constitue de bella e agradável prespectiva,

alem de o dominarem salutiferas Auras que se concilia na conduta da melhor sociedade humana; como também por ser a indispensável barra para o tranzito de todos que cursitão para qualquer dos Julgados, e Arrayaes daquele continente de Minas, e no regresso para os portos da América os torno a frequentar […]”. Nessa mesma tese, Boaventura defende a justificativa de que Meia Ponte não fora escolhida pelo infortunado fato de estar ao leste de Tordesilhas. Em contrapartida, Nádia Moura (2014) refuta esse argumento em seu artigo em razão da fraca base cartográfica presente na época. Esse questionamento ainda permanece uma incógnita. O ouro de Meia-Ponte durou muito pouco e seu sustentáculo econômico sofreu uma transformação pois deixou de se basear na mineração - por mais que esta atividade ainda perdurasse de forma mais amena - e se firmaria devido à sua localização, pois fazia o entroncamento de importantes caminhos que davam acesso aos principais portos da Colônia. Com os relatos de Saint-Hilaire presentes em sua publicação de 1847 é possível constatar as mudanças sofridas por Meia Ponte, já elevada a Vila em 1832, logo após sua breve atividade aurífera. Pode-se inferir que a desaceleração da fase do ouro propiciou o surgimento de uma agricultura, que foi incentivada pelo intenso fluxo de caravanas que passavam pela Vila, o que possibilitou os habitantes “venderem vantajosamente os productos do solo”. Além disso, segundo o viajante, as terras eram propicias a esse tipo de atividade devido a sua abundância, fertilidade e facilidade de cultivo. Na época em que Saint-Hilaire fez sua viagem, assim como o viajante Emanuel Pohl, sugere-se que a agricultura era a base econômica da Vila, visto que a maioria das pessoas trabalhavam nesse setor e que exportava-se tabaco e toucinho para Vila Boa e os demais núcleos urbanos da região. O francês também revelou a presença do grande número de pedintes na Vila, sinal inequívoco da situação crítica nas localidades onde o ouro havia se esgotado:


“Achando-me ainda em Meia-Ponte, avistei do outro lado do rio das Almas uma casa que ressaltava agradavelmente no meio da paisagem e me pareceu ter sido muito bonita em outros tempos. Fora construída por um homem de grande fortuna e dono de numerosos escravos. Tratava-se de um minerador, e suas filhas, quando por ali passei, viviam à custa de esmolas.” Saint-Hilaire, 1847 Assim como outros arraiais, o fim da atividade aurífera determinou, além da redução significativa da população existente, uma mudança de uso e ocupação do solo. Desse modo, houve uma movimentação populacional propiciando o crescimento demográfico de outros núcleos da região, a exemplo de Couros. No dia de Santa Luzia em 13 de dezembro de 1746, Antônio Bueno de Azevedo avistou pepitas de ouro no leito do rio Vermelho. Assim, deu-se o início ao povoado de Santa Luzia, hoje Luziânia. (BERTRAN, 2011). Nos anos seguintes, verifica-se uma forte migração para a localidade que equipara-se a febricitante

atividade aurífera de Pirenópolis. No entanto, Bertran caracteriza a relação de trabalho entre proprietários e escravos como a mais brutal existente na região. Em 1819, 14 anos antes de ser elevada a categoria de Vila, observa-se o mesmo processo de abandono e pobreza evidenciados anteriormente em Meia Ponte. Nas anotações de Saint-Hilaire, o viajante, diante do quadro de ociosidade e mendicância da população, pouco se atém a descrever Santa Luzia. O francês também fornece poucas pistas sobre a adoção da agricultura e pecuária como atividade econômica principal, mas refere-se a uma produção de subsistência que não tinha expressão suficiente para a comercialização. De forma geral, Bertran fornece uma visão pessimista da atividade agrícola da região nesta época ao apontar que no reduzido período entre 1783 e 1810 houve um decréscimo abrupto do número de “Engenhos do Sertão”. Em síntese, pode-se afirmar que o mesmo processo pelo qual passou a cidade de Meia Ponte repetiu-se em Santa Luzia. Uma economia intensiva e volátil baseada na exploração do ouro que uma vez

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Figura 02: Expedição brasileira do Matto-Grosso. Acampamento na divisão expedissionátia entre as florestas virgens de Goiás no Rio dos Bois. (BLANCHARD, 1866)

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extinta quebrou a lógica de sustentação econômica que refletiu-se na estrutura social e política dessas cidades. Todavia, a forma na qual Santa Luzia se transformou diante da crise tomou outros rumos quando comparada a Meia Ponte, motivado por suas próprias potencialidades e dificuldades. O nascimento de Formosa dos Couros constitui, ainda, uma página obscura na bibliografia. Diferentemente de Meia Ponte e Santa Luzia que possuem bem demarcadas as datas de suas fundações e foram impulsionadas pelo ciclo do ouro, Couros teve motivações ímpares para seu desenvolvimento. A primeira referência que se tem do Arraial dos Couros foi feita em um documento entitulado Roteiro de Urbano, daquele mesmo explorador que descobriu as minas de Meia Ponte (BERTRAN, 2011). Entretanto, existem muitas lacunas nas informações disponíveis, os autores não conseguem precisar de que maneira ocorreu sua ocupação. A partir da narrativa de Paulo Bertran, o jornalista Jaime Sautchuk ilustra a possibilidade do povoamento ter ocorrido em fases tendo como principal causa a insalubridade encontrada nas águas do Paranã e seus afluentes que motivaram uma constante migração de famílias que lá viviam. Convém ainda salientar que a exaustão auríferas de núcleos vizinhos também remeteu ao Arraial de Couros parcelas da sua população anteriormente engajada nessa atividade econômica. Nesta mesma narrativa, Sautchuk salienta o fato de Luiz Cruls ter se decepcionado ao chegar ao povoamento de Couros, que data de 1739, destituída da infraestrutura que havia encontrado em outras cidades da região pois apresentava uma aparência de “vila pobre” em desacordo com sua vocação comercial, assim sugerida por Bertran.

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Contrariamente, Sautchuk refere-se ao historiador Gustavo Chauvet que, em sua análise, propões que a região foi paulatinamente ocupada por fazendas autossuficientes, o que caracteriza uma certa independência dessas propriedades em relação ao núcleo urbano propriamente dito. Assim, realmente não haveria uma lógica implícita na ocupação de Couros, que aparenta ter permanecido estagnada entre 1774 e 1830 (CHAUVET, 2005), mas há um claro desenvolvimento das fazendas da província. Este fato manifesta seu caráter agropecuário que perdura nos latifúndios presentes na província até os dias de hoje e reafirma, conforme Bertran, sua “vocação mercantil precoce”. Sautchuk apresenta um aspecto peculiar desse arraial motivado por uma estimulante movimentação de seu comércio baseado na compra e venda de mercadorias relacionadas ao gado e produtos da terra. O nome Couros, inclusive, decorreria em razão de peles expostas em vendas levantadas no centro desse povoamento. Seria possível relacionar o caráter integrador dessa atividade mercantil com a diversidade social e produtiva presentes no núcleo ao aparecimento embrionário de uma cultura autenticamente Sertaneja? Sautchuk contribui nesse sentido com as seguintes palavras: ”O passar dos séculos temperou esse ser humano [sertanejo] de cor amarronzada, movimentos mais lentos, fala macia, vocabulário de muitos termos criados ou adequados ao ambiente. Era uma profunda interação com a natureza, com o meio que hospedava e ainda hoje hospeda, apesar do avanço do agronegócio sobre suas roças e sua cultura.” Darcy Ribeiro apud Sautchuk, 2014.

Figura 03: Ilustraçãoda Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, de Pirenópolis (ENDER, 1886)


O esboço dessa contextualização das transformações ao longo do tempo dessas três cidades permite uma reflexão sobre seus agentes motivadores e integradores, tendendo-se a uma observação de um quadro mais geral, incitando uma visão menos particular dos acontecimentos de cada cidade. Percebe-se que é importante correlacionar esses fatores pois fazem parte de uma rede interativa. Essa ideia está presente na citação que Moura (2014) faz ao historiador francês Bernard Lepeti “pensar a cidade não se limita a trabalhar somente com sua malha: ela está inserida em um contexto, em uma escala maior, territorial, que compõe um sistema junto a outros núcleos”. Os elementos transformadores nessas cidades histórias apontam que os eventos ocorridos e suas respectivas reações de sobrevivência estão associados entre si. O surgimento de povoamentos na região próxima ao quadrilátero da Capital foi impulsionado, em sua maioria, pelo mesmo ingrediente: o ouro e o alongamento territorial. Logicamente, o surgimento desses lugarejos de cunho exploratório precisavam de uma base de manutenção e sustento pois a produção agropecuária e a mineração do ouro concomitantes eram incompatíveis, “ou bem punham-se os escravos a minerar ou bem a cuidar de roças de alimentos” (BERTRAN, 2011). Desta maneira, pode-se retomar ao Arraial dos Couros que, por mais que seu surgimento ainda seja incerto, presume-se que sua gênese estaria presente no momento da propagação dos arraiais mineiros das cercanias. Com a bibliografia consultada, suspeita-se da origem espontânea deste povoado que, diferentemente de suas cidades irmãs - Meia Ponte e Santa Luzia - não foi em resposta às autoridades da Coroa, tampouco ao achamento de riquezas minerais. Sua consolidação deu-se, talvez, pela necessidade de suprir uma demanda inerente baseada no comércio de recursos da terra. Essa mesma lógica pode ser encontrada em outras localidades da província, e é reforçada nas palavras de Bertran: “Desde a descoberta aurífera de Pirenópolis, em 1731, inaugurou-se a febre agropecuária do Planalto […] que se resolveu pelo surgimento de importantes fazendas com expressivas produções agrárias nos engenhos e pecuária nas fazendas de gado, a sustentarem a escravaria das minas e população dos arraiais.” Paulo Bertran, 2011.

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Considerações Finais

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Figura 04: Habitantes de Goiás. (RUGENDAS, 1835)

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Essa lógica associativa pode ser aplicada no contexto do perecimento das minas de ouro da região. Em síntese, esse agente alterou as diferentes escalas operadas por cada arraial. Tais escalas funcionais tinham papéis de atuação diversos na rede, que influenciava desde a esfera local, a exemplo das fazendas que sustentavam os povoamentos, à internacional, com as possibilidades dadas a Portugal oriundas do ouro explorado nessa mesma Capitania (MALULY, 2014). Assim, os fatos levaram esses núcleos urbanos a reorganizarem sua estrutura de atividades. A reação dos arraiais de mineração foi, de maneira geral, apoiar-se numa tímida economia agrária. Porém, o fato de certos povoamentos serem mais resilientes que outros aponta que esse processo de transição da base econômica, porém muito mais complexo que como aqui exemplificado, foi cimentado nas potencialidades que cada localidade afortunadamente detinha - conectividade, fertilidade de terras, proximidade de pontos estratégicos, etc. Essa pequena contribuição acerca de uma interpretação conjuntural de agentes transformadores de parte da rede urbana do Planato Central dá margem para um estudo mais aprofundado em um campo que ainda apresenta lacunas na literatura. Além do melhor entendimento desses processos de urbanização da gênese que desenhou o contexto que hoje Brasília se encontra, essa investigação possibilitaria aplicar as mesmas correlações na dinâmica contemporânea das cidades na região de influência da Capital, incluindo Pirenópolis, Luziânia e Formosa - núcleos que estão se desenvolvendo devido a suas potencialidades turísticas e empreendedoras. A história é um recurso fundamental para o entendimento da cidade e fornece os mais valiosos exemplos para sua prosperidade.


Bibliografia

BERTRAN, Paulo. História da Terra e do Homem no Planalto Central: Eco-história do Distrito Federal do Indígena ao Colonizador. Brasília: Editora UnB, 2011. BOAVENTURA, Deusa Maria Rodrigues. Urbanização de Goiás na Primeira Metade do Século XVIII: a cartografia e a construção do território. IX Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. São Paulo, 4 a 6 de setembro de 2006. CHAUVET, G. Brasília e Formosa: 4500 anos de História. Goiânia: Editora Kelps, 2005. DERNTL, Maria Fernanda. No coração da América portuguesa: aldeamentos indígenas e formação de territórios na capitania de Goiás. In: PEIXOTO, Elane Ribeiro; DERNTL, Maria Fernanda; PALAZZO, Pedro Paulo; TREVISAN, Ricardo (Orgs.) Tempos e escalas da cidade e do urbanismo: Anais do XIII Seminário de História da Cidade e do Urbanismo. Brasília, DF: Universidade de Brasília- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, 2014 . Disponível em: <http://www.shcu2014.com.br/content/no-coracaoda-america-portuguesa-aldeamentos-indigenas-eformacao-territorios-na-capitania>. Acesso em 10 jun. 2015. FIGUEIREDO, Lucas. Boa Ventura! A Corrida do Ouro no brasil (1697-1810). Rio de Janeiro: Editora Record Ltda., 2011. MALULY, V. S. A rede urbana colonial de Goyaz: feições e relações. Monografia apresentada ao Departamento de Geografia da Universidade de Brasília como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Geografia. Orientador: Prof. Dr. Everaldo Batista da Costa. Brasília, dezembro de 2014. Ministério das Relações Exteriores e Fundação Alexandro de Gusmão (Org.). Discursos Selecionados do Presidente Juscelino Kubitschek. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. p. 51-53.

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BARBO, Lenora de Castro. Preexistências de Brasília: reconstruir o território para construir a memória. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientador: Prof. Dr. Andrey Rosenthal Schlee. Brasília, 2010.

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A Estrutura Urbana Missioneira a Partir do Estudo de S찾o Miguel das Miss천es Ana Catarina Lima


Resumo A ação missioneira empreendida na América pela Companhia de Jesus a partir do século XVI teve como ponto chave a catequização e o maior controle sobre os costumes tradicionais dos indígenas. Para tanto, a cristianização estaria diretamente ligada à vida urbana, os padres jesuítas fundavam aldeamentos chamados Reduções, ondes os índios passavam a habitar. No campo da arquitetura e dos ordenamentos urbanos, consolidouse um autêntico padrão de assentamento, que pode ser designado como tipologia urbana missioneira. Dessa forma, esse trabalho tem por objetivo abordar a estruturação e o desenvolvimento dos ordenamentos urbanos desenvolvidos nas reduções durante o período das Missões Jesuíticas no sul do Brasil. Nesse contexto, destacou-se a redução de São Miguel das Missões, cujos remanescentes receberam da UNESCO o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Escolheu-se a redução de São Miguel para estudo de caso e desenvolvimento do artigo, tornando-a arquétipo na análise da hierarquização dos espaços, do papel central da praça e de que forma se deu a distribuição dos espaços e edificações na malha urbana. A análise iconográfica será de grande valia nesse ponto, como por exemplo, da obra O Risco de São Miguel executada em 1756. Palavras-chave: Missões Jesuíticas, estrutura urbana missioneira, São Miguel das Missões.

São Miguel das Missões

Palavras-chave: Missões Jesuíticas, estrutura urbana missioneira, São Miguel das Missões.

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Introdução

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O território colonial português e espanhol era povoado por inúmeros assentamentos de grupos nativos autônomos, principalmente os Tupi-guaranis. Assentados ao sul do Brasil, abrangendo ainda territórios hoje pertencentes a Paraguai, Uruguai e Argentina. Esses povos despertaram interesse das Missões Jesuíticas, que viam os índios como almas a serem resgatas e prontas para conhecer a fé cristã. (MONTAIGNE apud FREIRE, 2004) Dessa forma, as reduções foram assentamentos organizados por religiosos para reunir em um local definitivo os indígenas, a fim de catequizá-los. O termo redução tem origem no latim, reducere e designa o vínculo entre uma ação de catequese e um local específico. O processo de evangelização de nativos sulamericanos iniciou a partir de incursões periódicas dos padres para catequizar e batizar os índios em seu próprio habitat. Com a ineficiência deste sistema, a Companhia de Jesus, a partir de 1609, iniciou a fundação das reduções de guaranis utilizando as antigas experiências evangelizadoras de padres Franciscanos (séculos XVI e XVII) e da própria Companhia em outras regiões da América Latina, como em Juli no Peru (1568). (PORTO, 1954; LEAL, 1984; GUTIERREZ, 1987). A partir da segunda metade do século XVII jesuítas espanhóis fundaram as reduções de São Francisco de Borja (1666), São Nicolau (1687), São Luiz Gonzaga (1687), São Miguel Arcanjo (1687), São Lourenço Mártir (1690), São João Baptista (1697) e Santo Ângelo Custódio (1706), constituindo os chamados Sete Povos das Missões. (MEDEIROS, 2010). A redução de São Miguel foi escolhida para o desenvolvimento desse estudo acerca da estrutura urbana das reduções devida a sua reconhecida importância nacional e internacionalmente, pela existência ainda hoje de vestígios e ruínas remanescente no local e por ter se configurado como umas principais reduções em termos populacionais, sociais e urbanísticos. O conjunto de São Miguel, cujas ruínas estão bem conservadas, foram reconhecidas como Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Dessa forma, busca-se nesse trabalho refletir e estudar a lógica dos ordenamentos urbanos construídos a partir das missões jesuíticas, com ênfase na redução de São Miguel, tornando-a arquétipo nesse estudo. Destaca-se nessa análise a estrutura espacial e seus elementos constituintes, a origem dessa forma de ordenamento a partir de diretrizes vigentes na época e a constituição física da referida redução.


Desenvolvimento

ordenamentos: “Os jesuítas revelaram-se, nestas Missões urbanistas notáveis, e a obra deles, tanto pelo espírito de organização como pela força e pelo fôlego, faz lembrar a dos romanos nos confins do império. A planta de todos estes povoados obedecia a um padrão uniforme preestabelecido. Os quarteirões com as colunas dos alpendres em fila e bem alinhados se arrumavam como regimentos em volta da praça.Tudo se distribuía e ordenava com uma disciplina quase militar.” (COSTA, Lúcio.op.cit., p.13) A tipologia urbana missioneira, consolidada provavelmente em princípios do século VXIII, era destinada a atender a um programa funcional muito diferenciado em relação ao da cidade colonial espanhola. No entando, algumas das diretrizes formuladas nas Leis das índias são reconhecíveis nessa tipologia, como a escolha do sítio, a disposição da ingreja e do mosteiro na estrutura urbana. No que se refere às etapas por que passaram os ordenamentos urbanos no sistema reducional, podem-se reconhecer duas fases: - a primeira fase (século XVII), em que as povoações iniciais seguiam às orientações genéricas das Leis das Índias e que, em princípio, correspondem às descrições dos inúmeros pequenos povoados – aldeamentos ou pueblos de índios – empreendidos durante a colonização espanhola e portuguesa na América. (CUSTÓDIO, 2002).

São Miguel das Missões

A política urbanizadora espanhola para a América estava vinculada ao conceito e a importância dada á ideia de cidade, tanto para o imperador tanto para a Igreja Católica. A base para a organização espacial das cidades foi estabelecida por sucessivas diretrizes e Ordenações, que ficaram conhecidas como Leis das índias. Esse documento, reunidos em nove livros, faziam referência à organização administrativa e ocupação territorial no período colonial. O Livro IV, denominado Da povoação das cidades, vilas e povoados, apresenta leis que descrevem de que forma se dá a organização territorial e urbana, a estrutura fundiária e os aspectos funcionais. A tipologia urbana básica resultante da aplicação desses ordenamentos na América é a de povoações com traçado regular ortogonal, estruturado a partir de uma praça central da qual partia uma malha viária regular estruturada pelo cruzamento de duas ruas principais. Ao seu redor, dispunham-se os três poderes, político, religioso e econômico. Essa tipologia de traçado básico foi amplamente aplicada no continente americano colonizado pela Espanha. (CUSTÓDIO, 2002). Originado nesse contexto, estavam os povoados missioneiros. Mesmo que coordenados por religiosos provenientes de diferentes países europeus, eles também utilizaram as diretrizes dos ordenamentos urbanos vigentes no período para estruturar sua própria tipologia que pode ser considerada uma variante da organização espacial espanhola. Lúcio Costa destaca o desempenho dos padres jesuítas nos

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- a segunda fase, quando a redução missioneira adquire sua autonomia em relação ao traçado da cidade colonial espanhola, moldando características próprias, estruturando um modelo espacial reconhecível. Este pode ser denominado de tipologia urbana missioneira uma vez que caracterizou e permitiu identificar as reduções da Província Jesuítica do Paraguai. (CUSTÓDIO, 2002).

Figura 01 – Reconstituição de São Miguel. Fonte: MAYERHOFER, Lucas. Reconstituição do povo de São Miguel das Missões. Faculdade Nacional de Arquitetura, 1947.

Os esquemas a seguir mostram de que forma se dava a organização espacial e funcional de São Miguel, reforçando a centralidade da praça que abrigava os símbolos maiores dos poderes temporal e espiritual. Por um eixo norte-sul, era traçada a rua principal que dava acesso a essa praça na qual a igreja fechava essa perspectiva principal. (DI STEFANO et al., 1981).

São Miguel das Missões

A tipologia urbana missioneira se organizava, primeiramente, a partir de dois conjuntos básicos, dispostos no entorno da grande praça central. O primeiro, um conjunto de edificações dominado pela Igreja que geralmente ocupava o ponto mais alto do sítio urbano. O segundo se desenvolvia a partir das três outras faces da mesma praça, em blocos de edificações regulares, seguindo uma mesma tipologia arquitetônica. (CUSTÓDIO, 2002). A estrutura urbana de São Miguel correspondia basicamente à topologia urbana missioneira. Essa tipologia era tão marcante que José Maria Cabrer, da comissão portuguesa encarregado de efetuar o inventário dos povoados missioneiros elaborou uma planta tipo e a reproduziu para registrar todas as reduções que compunham os Sete Povos, independentemente das diferenças existentes entre elas. (CUSTÓDIO, 2002).

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Figura 02- São Miguel Arcanjo – esquema da estrutura urbana Fonte: Autoria própria com base na obra O Risco de São Miguel

Figura 03 – São Miguel – Esquema dos componentes da tipologia urbana missioneira Fonte: Autoria própria com base na obra O Risco de São Miguel

Figura 04 – Esquema dos Eixos principais de São Miguel Fonte: Autoria própria com base na obra O Risco de São Miguel


O primeiro conjunto (ver figura 2) se configurava como uma grande estrutura, com a igreja ao centro e de um lado o cemitério e do outro, o claustro e as oficinas e depósitos ao redor de dois pátios. No primeiro pátio, ficava a residência dos padres. Atrás deste bloco e cercada por um muro de pedra, localizava-se a quinta dos padres, com pomar, horta e jardim. Era uma estrutura fechada, organizada sobre um mesmo alinhamento frontal, com poucos e definidos acessos em relação à praça e ao restante do espaço público. Apenas o adro da igreja avançava sobre a praça, no qual várias cerimônias se realizavam. (DE MEDEIROS, 2010). A enorme igreja era o principal marco morfológico e funcional da redução, constituindo-se no coração da mesma.

Figura 05 – O Risco de São Miguel Fonte: CUSTÓDIO, Luiz Antônio Bolcato. São Miguel Arcanjo, Levantamento cadastral. Ministério da Cultura, IPHAN, Porto Alegre, 1994. Original em: Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro.

Nas Reduções, a praça era o espaço público e aberto onde se realizavam atividades cívicas, religiosas, culturais, esportivas e militares. Ali se realizavam as celebrações de colheitas, os desfiles militares, as procissões, os teatros sacros, os jogos esportivos e onde se exercia a justiça. É de autoria do Padre Sepp a primeira descrição que se tem registro da estrutura bipartida e o cruzamento das vias principais, características marcantes na tipologia missioneira. Sobre a praça e a organização geral da povoação, ele destaca: “No centro devia alinhar a praça, dominada pela igreja e a casa do pároco. Daqui deviam sair todas as ruas, sempre equidistantes uma da outra (...). A praça principal era de quatrocentos pés de largura e quinhentos pés de comprimento. E ambos os lados da Igreja se elevam, como um anfiteatro, as casas dos índios, formando largas filas bem ajustadas. Cada grupo de casas localizado do lado oposto da Igreja se dividia em dozes casas, cada uma com sua própria entrada. Os outros, à esquerda e a direita da igreja, continham somente seis casas.” (SEPP, Antônio. Op. Cit., p. 219-20)

São Miguel das Missões

O segundo conjunto (ver figura 3 e 4) era estruturado a partir da praça e das vias principais, ao redor das quais se organizam, em lugar de quarteirões, grandes pavilhões avarandados, ortogonalmente distribuídos, com as habitações coletivas utilizadas pelos índios. Diferentemente do primeiro, o segundo conjunto era integrado por blocos de edificações de caráter aberto, rodeadas de galerias, avarandados ou porticados, cujos vãos conectavam os cômodos diretamente ao espaço público e permitiam que se circulasse por toda a povoação ao abrigo do sol e da chuva. (DE MEDEIROS,2010).

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A praça era o elemento estruturador da organização espacial de uma redução. Segundo a iconografia de 1756 (ver figura 5), a praça da redução de São Miguel era constituída por um amplo espaço quadrangular, central e vazio, com cruzes localizadas nos quatro cantos, delimitado em um lado pelo conjunto dominado pela igreja e nos demais lados pelas casas dos índios. O Risco de São Miguel, obra sem autoria definida, foi executado por membros do exército português em 1756. Como discutido anteriormente, nota-se a presença dos dois conjuntos na estrutura urbana, separados pela praça central e a disposição clara da Igreja como foco principal da Redução. Circundando os quatro lados da praça, organizam-se simetricamente blocos de casas retangulares, todos da mesma tipologia, com uma marcação rítmica de pilares e portas, com telhados em quatro águas. O desenho reforça ainda mais a correspondência direta entre a tipologia urbana missioneira e a tipologia da própria redução de São Miguel.

São Miguel das Missões

Considerações Finais

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O sistema reducional missioneiro se configurou como um sistema com características próprias e reconhecíveis que se reproduziu como diretriz geral para as reduções da Província Jesuítica do Paraguai. Para a estruturação desse sistema autêntico nota-se as variadas estratégias e experiências jesuíticas adquiridas ao longos dos anos de catequização na região, bem como a contribuição cultural dos nativos locais. Nota-se também a importância das Leis das índias e das demais ordenações ditadas pela Coroa Espanhola, nas quais se sobressai a importância do planejamento prévio. Destaca-se nesse contexto a redução de São Miguel em função da complexidade urbanísticas e populacional que atingiu, chegando a 6 mil habitantes na primeira metade do século XVIII. Em São Miguel foi implementado um dos maiores empreendimentos coloniais, tanto nos aspectos sociais como físicos, contando explicitamente com as características das

tipologia urbana missioneira. Os Remanescente de São Miguel foram consideradas Patrimônio Mundial pela UNESCO em 2 de dezembro de 1983. Di Stefano, consultor da UNESCO, destaca a importância de São Miguel: “ a importância de preservação das ruínas de São Miguel é que elas representam o documento mais bem conservado da arquitetura jesuítica missioneira.” Ressalta-se ainda os estudos contemporâneos, como o do autor Lúcio Costa acerca das Missões Jesuíticas no Brasil e da própria redução de São Miguel. A partir do qual foi criado o Museu das Missões no sítio arqueológico de São Miguel em 1940. Em termos políticos, demográficos e urbanos, as Missões exerceram um impacto fundamental na definição de fronteiras e na criação de povoamentos que deram origem a cidades atuais, contribuindo inegavelmente para a ocupação e organização de um vasto território em várias nações sul-americanas.


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São Miguel das Missões

COSTA, Lúcio. Os Sete Povos das Missões. A Visão do Artista–Arte sobre arte: a visão contemporânea das Missões. Catálogo de exposição, 1987.

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A Comunidade Kalunga e sua Arquitetura EmĂ­lia Wolf


Resumo

A Comunidade Kalunga e sua Arquitetura

Este artigo visa discutir as relações sociais e culturais que compreendem e formam os espaços de convivência das comunidades Kalunga, a maior remanescente quilombola do país. Formada no nordeste do estado de goiás em meados do século XVIII, o quilombo kalunga é um importante patrimônio histórico brasileiro, que conta a história de um conjunto de pessoas que pôde recriar seu contexto de vida e reorganizar toda uma lógica habitacional, de forma a atender suas necessidades e exigências. A casa kalunga é o objeto central dessa análise e é observado aqui como a arquitetura pode influenciar um cotidiano e também como o cotidiano pode influenciar uma arquitetura.

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A Comunidade Kalunga

A Comunidade Kalunga e sua Arquitetura

Quilombo, é denominado o povoamento ou aglomeração de negros refugiados do sistema escravocrata por toda a extensão do território brasileiro. Sendo esse povoamento geralmente localizado em zonas rurais e isoladas dos núcleos urbanos do país, mesmo por uma questão histórica de proteção dessas comunidades. O termo é de origem banto e significa “acampamento guerreiro na floresta”. O tipo de organização política e de resistência dos quilombos estão presentes em todos os outros territórios onde se deu a exploração da mão de obra escrava negra, sendo conhecidos por outros nomes como Marrons, Palenques, Cumbas, ou Mocambos. É visível, portanto, que as comunidades quilombolas representaram e representam até hoje um dos maiores símbolos nacionais do que seria uma cultura de resistência. Bem como o autor Clóvis Moura, destaca em 1981:

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“Como podemos ver, a marronagem nos outros países ou a quilombagem no Brasil eram frutos das contradições estruturais dos sistema escravista e refletiam, na sua dinâmica, em nível de conflito social, a negação desse sistema por parte dos oprimidos.” (MOURA, 1981) Estima-se que haja um número superior a dez milhões de pessoas provenientes do continente africano escravizadas pelo sistema colonial, e que deste número, cerca de 4 milhões tenham sido trazidos para o Brasil entre 1530 e 1850 (Alencastro, 2000). Não surpreende, portanto, que o Brasil apresente a segunda maior população negra do mundo, segundo dados do IBGE em 2002. O deslocamento populacional destas pessoas para o Brasil se dava de maneira tão intensa na economia colonial que sua

presença se mostrava presente em todos os níveis econômicos da sociedade – desde a mineração até o meio rural, siderurgias, núcleos urbanos, domésticos, etc. No caso da exploração nas minas extrativistas nos de territórios de Minas Gerais e dos Goyazes (hoje, Goiás), a escravidão se dava de modo ainda mais bárbaro – se é que isso é possível – e além da carga de trabalho de mais de 16 horas diárias e alimentação precária, os trabalhadores eram forçados a trabalhar até completa exaustão devido ao caráter temporário das condições de extração de minérios e o interesse voraz da metrópole nos minérios. Conta-se que no fim da exploração das minas, quando a escassez de minérios começou a se instalar na região do Goiás era muito comum que os “proprietários”, empobrecidos, deixassem seus escravos para trás por eles representarem uma despesa a mais na viagem. Esses fatores, aliados à conformação de sítios físicos de difícil acesso embrenhados no meio da mata favoreceram o forte movimento de formação de quilombos na região. Dessa forma surge, no norte do território goiano, o quilombo Kalunga, hoje conhecido como a maior comunidade remanescente quilombola do Brasil, com quase oito mil habitantes e 272 mil hectares. Kalunga é um termo com múltiplos significados, entretanto na língua banto é tido também como “lugar sagrado”, de proteção. No início da formação do território que hoje é conhecido como Kalunga, a ocupação se deu nas proximidades do rio Paraná onde os primeiros habitantes começam a desenvolver um modo de vida adaptado ao sertão goiano, suas secas, seu calor e seu inverno. Modo de vida, este, que foi desde os primórdios baseado numa cultura de subsistência, com pequenas plantações familiares, pequenas criações de animais e caças não predatórias.


A Comunidade Kalunga e sua Arquitetura

Assim, muito antes da popularização do conceito de sustentabilidade, a comunidade Kalunga estabelecia suas tradições com grande respeito à natureza e suas riquezas, encarando-a como um espaço sagrado. Mais tarde com o crescente desmatamento da mata original da região, a relação passa a ser de duas vias onde tanto os habitantes quanto a natureza são responsáveis pela preservação da vida um do outro. A natureza oferecendo alimento e proteção, e a comunidade oferecendo a preservação através do título de patrimônio cultural brasileiro e de reserva ecológica creditado à região. A abertura do povoado hoje conhecido como kalunga para o contato com as cidades mais próximas e o início do processo de quebra do isolamento da comunidade começou a ocorrer em meados dos anos 80, quando por ameaça de construção de hidrelétricas ou plantações de grandes proprietários de terra colocou a área em risco. Foi aí que a comunidade se uniu para lutar pelos seus direitos sobre a terra e pela sua preservação ecológica, e passou a ser estudada por especialistas e registrada como área de patrimônio histórico quilombola. Há relatos de que ainda nessa data que circundava o período da década de 1980, os moradores da comunidade kalunga se escondiam na mata ao se deparar com pessoas de fora, por medo de que o mundo lá fora continuasse o mesmo mundo escravocrata do brasil colonial. As mulheres kalungas são as principais responsáveis por um terço dos domicílios da região, sendo destas mais da metade independente de qualquer figura masculina para gerenciamento do lar. Segundo levantamentos da SEPPIR/Fubra de 2004, das mulheres que se encontram nessa situação, a maioria costumava morar com seus esposos no passado. Isso retrata uma realidade da comunidade que é a de lidar com o forte processo de evasão da população masculina e adulta, que se desloca em direção às cidades próximas – sejam elas grandes ou pequenas - em busca de emprego. É nas festas e comemorações que a comunidade kalunga mais celebra a sua cultura. Tanto hoje, como antigamente, é nos momentos de festa onde os habitantes se encontram e praticam grande parte de suas tradições culturais. Os familiares se encontram, os bebês são batizados, casamentos são celebrados e novos casais se formam. Seja nas festas de reis, nas festas de Santo Antônio, nas folias, nas romarias, nas ladainhas, nas sussas, nos forrós ou nas “bocas da noite” os kalungas celebram suas tradições através da alegria. São festas que misturam religião e diversão se aproximando da tradição africana com forte presença da música, dança, e dos batuques, que para eles é forma de devoção. Os festejos estão, assim como os kalungas, ligados diretamente aos ciclos da natureza. As datas das festas seguem o calendário das secas e das chuvas, da época de plantio e de colheita. Nas festas de Santo Antônio por exemplo são tiradas as “sortes” onde se procura prever como será o plantio e a colheita no ano que está por vir. Assim como em qualquer cultura, as celebrações falam muito sobre o modo de vida daquele grupo de pessoas, suas crenças e maneira de se relacionar, e no caso da comunidade Kalunga se verifica sempre esse apreço pela natureza que permeia todas as relações da comunidade desde um contexto social até o espacial.

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Arquitetura

A Comunidade Kalunga e sua Arquitetura

A dispersão dos núcleos de habitação no território Kalunga é bastante evidente tendo em mente a sua grande extensão. Entretanto dentro desses núcleos habitacionais a relação estabelecida entre casa e seu entorno é observada como algo singular e determinante para o devido andamento das tradições culturais da comunidade. O uso da casa, do espaço comum, do espaço da família nuclear, e o espaço de realizações dos fazeres culturais são alguns dos grandes definidores da tipologia habitacional Kalunga. No diagrama elaborado pelo professor Jaime de Almeida - publicado no periódico Paranoá, volume 7 - é destacada a organização espacial básica presente em diversas localidades do território Kalunga:

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Figura 01 – Fonte: Paranoá - periódico eletrônico de arquitetura e urbanismo, vol.7. UnB, 2005.

A casa kalunga se relaciona imediatamente com os locais onde ocorre a produção do alimento, sendo eles a casa de farinha, o curral, o quintal, a roça, etc. Uma organização interessante no ponto de vista de se localizar o maior foco de trabalho cotidiano, sempre ao alcance das mãos, próximo do local de consumo. Quando falamos daquilo que foi definido como nível global pelo professor Jaime de Almeida, estamos considerando espaços como o rio, a mata, a roça; os espaços sagrados. Os kalungas se relacionam com esses espaços de uma maneira altamente respeitosa, e gestos como ir buscar água ou ir se banhar no rio são rituais diários. A distância desses lugares com relação à habitação kalunga define uma “promenade architectural” que se assemelha à peregrinação religiosa, além xde definir uma margem de segurança que garantiu a sobrevivência da comunidade por tantos anos.


E ainda, se considerarmos a reprodução desses núcleos de habitação das famílias kalungas encontramos a ocupação não linear presente no território, bem como destaca Jonatas Nunes Barreto em sua dissertação de mestrado:

Levantamentos realizados pela Fubra/ Cantoar – UnB, 2004, evidenciam caminhos que interligam esses núcleos familiares a diferentes rios, vizinhos e estradas, tendo como ponto de partida as casas de cada núcleo. A maioria dessas casas-centro do núcleo habitacional abrigam somente uma família. Segundo estudos do SEPIR de 2004, em cerca de 92,4% das casas moram apenas uma família. Isso se explica por uma tradição da comunidade de se reunir e construir uma nova casa para um filho ou filha quando ele se casa, simbolizando a benção da família para o casamento e desejos de boa sorte. As casas kalungas cabem tanto na caracterização de tipologia tradicional quanto, a partir dos anos 80 com o contato mais intenso com o restante da sociedade, na tipologia híbrida. A tipologia tradicional se exibe quando há presença de técnicas tradicionais – desenvolvidas ao longo dos séculos XIX e XX – aplicadas à materiais locais em edificações construídas pelos próprios membros da comunidade. Já a híbrida se mostra através de técnicas que misturam o tradicional e o utilizado na construção popular, como elementos préfabricados.

Figura 02 – Fonte: Dissertação de mestrado de Jônatas Nunes Barreto. FAU, UnB, 2008.

Os materiais mais comuns nas casas kalungas são, para as paredes, taipa, madeira, fibra vegetal(tipologia tradicional) e adobe (tipologia híbrida). Para os telhados costuma-se usar como estrutura troncos de madeira roliça cobertos por palha de Pindoba ou palha de Buriti, ou mais recentemente com as reformas, telhas cerâmicas ou de fibrocimento. A organização espacial interna das residências costuma, de maneira geral, apresentar uma pequena sala interna ou corredor que define os acessos à porta de entrada da casa e outro à dos fundos que seria para a cozinha. Os cômodos usados como dormitórios se organizam à margem dessa pequena sala interna, circundando esse espaço comum da família que pode muitas vezes ser um espaço de convivência (verificar figura 3). Segundo levantamentos da SEPPIR/ Fubra de 2004, o número médio de cômodos por domicílio na comunidade kalunga como um todo – levando em consideração seus principais municípios – é de 4,13. Enquanto isso o número médio de cômodos utilizados na residência para cumprir a função de dormitório gira em torno de 2,07, ou seja, a metade. Normalmente um dormitório para os pais – que bastante frequentemente se concentram na figura apenas da mãe - e outro para os filhos.

A Comunidade Kalunga e sua Arquitetura

“Se considerarmos também na comunidade Kalunga a reprodução destes núcleos familiares pela área de seu território, teremos uma rede na qual a intersecção dos últimos níveis do diagrama se configura em um espaço comum. Fazendo um exercício de visualização em perspectiva dessa rede de diagramas de núcleos familiares poderemos visualizar a distribuição não linear da comunidade pelo seu território, como de fato acontece na comunidade kalunga” (BARRETO, 2008)

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A Comunidade Kalunga e sua Arquitetura

Figura 03 – Planta Baixa de Casa Kalunga de adobe com estrutura de madeira. Sem escala, medidas indicadas em metros. Fonte: Levantamento FUBRA/ Cantoar - UnB.

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A cozinha representa um lugar de grande importância para a casa Kalunga. Ela é um dos locais de principal convívio da família e também um local de acontecimento cultural. É lá que a família entra em contato com o alimento produzido no quintal e aprecia tal presente da natureza, na visão deles, a culinária é uma maneira de integração da família. A cozinha é onde todos se ajudam e desfrutam da companhia um do outro. Historicamente, a cozinha era construída separada do resto da casa, como um pequeno anexo. Isso ocorria para prevenir possíveis incêndios, já que o fogão era e é muitas vezes até hoje movido à lenha e em contato com a palha de buriti que era usada para revestir os telhados entrava em combustão muito facilmente.


através das gerações. São principalmente, as mulheres da comunidade as detentoras e reprodutoras do conhecimento Kalunga. Todos os saberes, sobre plantas, o cultivo, o território, a história, a cultura, a filosofia, toda a forma de organização da comunidade e suas respectivas formas de viver são transmitidas pelas mulheres através da história oral. O quintal Kalunga é, sem dúvidas, um espaço de saberes. Localizado normalmente nos fundos da casa, o quintal kalunga é território destinado também à plantação de alimentos e de plantas usadas para fins medicinais, sendo portanto território sagrado que determina a sobrevivência da família. Na tabela a seguir são identificados os principais produtos do quintal kalunga, ela foi retirada da dissertação de mestrado de Bruno Magnum Pereira que fez o levantamento através de um trabalho de campo:

A Comunidade Kalunga e sua Arquitetura

O abastecimento de água nas casas da região é na maioria das vezes ligado à nascente e sem nenhuma forma de canalização para a residência. Quase a totalidade das casas não apresenta banheiro algum, e no mais apresenta um pequeno quarto conhecido como “casinha” que apresenta uma fossa seca. O escoamento do esgoto é feito tanto pelo método de fossa seca, quanto à céu aberto. A maioria das famílias está acostumada a queimar o lixo doméstico das residências, seja em buracos ou no terreno, entretanto há casos onde o lixo é apenas deixado à céu aberto. A infraestrutura é, portanto, algo que pode ser aprimorado e realmente tem sido o principal foco dos programas governamentais de intervenção na comunidade. O quintal é palco pra grande parte da vivência de cotidiano Kalunga. É nele onde são transmitidos os conhecimentos

Figura 04 – Tabela de plantas identificadas no quintal kalunga. Fonte: dissertação de mestrado de Bruno Magnum Pereira.

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Conclusão

A Comunidade Kalunga e sua Arquitetura

Através deste rápido panorama sobre a arquitetura do povoamento quilombola kalunga, espera-se ter sido mostrada uma nova perspectiva acerca das diferentes tipologias habitacionais adequadas para se viver. Ao observar as características da casa kalunga, em seus retratos de cultura, é de fácil apreensão, para os olhos da comunidade acadêmica, os marcantes contrastes entre o modo de se morar de uma comunidade tradicional com relação à uma comunidade urbana. A forma como estamos acostumados a lidar com o estudo de arquitetura e de urbanismo de comunidades tradicionais deve ser repensado. O olhar de superioridade para com uma arquitetura antes considerada “primitiva” deve ser superado para que se possa apreender as verdadeiras lições sobre como se fazer e se pensar arquitetura em comunidades tradicionais tem a nos ensinar, e muito. Há uma série de fatores, tal qual a questão da sustentabilidade, que estão sendo abordados apenas recentemente pela grande produção de arquitetura urbana enquanto comunidades tradicionais, como a própria Kalunga, já o praticavam há, literalmente, mais de séculos. Com o contato mais intenso entre a comunidade Kalunga e o restante da sociedade brasileira e com os novos projetos governamentais, as intervenções nas comunidades compreendidas pelo território kalunga viraram uma constante crescente. Assim como em qualquer discussão sobre patrimônio seja a preservação, restauro, ou intervenções, é de consenso que o objeto seja estudado e analisado de maneira aprofundada antes de qualquer possível intervenção na obra. O patrimônio histórico brasileiro deve sempre ser tratado com todo o cuidado e apreço que ele merece. É através das comunidades tradicionais e de sua arquitetura que podemos conhecer melhor a história do nosso país e entender diversas questões sociais que pairam ainda hoje no nosso cotidiano. É não apenas uma análise do passado, para melhor compreender o presente, mas também uma forma de valorizar essa sabedoria ancestral passada de geração a geração que se mostra nova para quem está acostumado com um contexto contemporâneo urbano, frenético e aprisionador. É, portanto, imprescindível que se prossiga com o estudo de comunidades tradicionais brasileiras e se avance cada vez mais longe em direção à valorização dos nossos tesouros históricos que tem estado hoje esquecidos.

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Figura 05 – Alimento sendo preparado na comunidade de Vão das Almas. Novembro de 2013.


Figura 06 – Cozinha da casa do Sirilo. Fonte: http://quilombokalunga.org.br/povo-kalunga/

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BARRETO, Jônatas Nunes.(2008). Implantação de infraestrutura habitacional em comunidades tradicionais: o caso comunidade quilombola Kalunga. Dissertação de Mestrado FAU-UnB.

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A Cidade das Quatorze Caravelas Nayara Rodrigues


A América Portuguesa, como era denominada no século XVI por não ter uma identidade formada, foi se desenvolvendo e ganhando importância no cenário internacional. No país foram sendo criados núcleos urbanos como Salvador, Rio de Janeiro, Vila Rica e São Paulo, a partir das riquezas que produziam, como por exemplo, o açúcar nos litorais baiano e carioca no século XVII, o ouro mineiro nos séculos XVIII - XIX e posteriormente o café do Vale do Paraíba em São Paulo também no século XIX. O Brasil já era um país em expansão e muitos povos almejavam terras e tais riquezas. Inicialmente, a forma de proteção eram as fortificações localizadas à beira mar, mas posteriormente com a interiorização, outros métodos de segurança foram implantados. Para adentrar no país os invasores então, optavam por lugares poucos visitados e sem defesa, uma dessas regiões foi o Norte do país. Sendo assim, certas leis não vingavam mais, como o Tratado de Tordesilhas. Naquele período foi declarado pelo Tratado de Madrid que a ocupação definiria a posse e então Portugal, para não perder seu mandato sobre o país, tomou uma série de atitudes, dentre estas, a expulsão os Jesuítas e o avanço para o Norte do Brasil, derrotando os outros povos que lá se encontravam. A criação de fortes continuou e Portugal foi ganhando o domínio do lado oeste do país. No mesmo período, atravessando o Atlântico, Portugal tinha posse de uma fortificação chamada Mazagão, localizada no norte da África, era tida como um exemplo de cidade e em consequência de conflitos naquele local, a coroa portuguesa decidiu transportar Mazagão para o Norte do Brasil. O presente artigo pretende então, esclarecer como tal cidade se deslocou para o Norte e mais precisamente para o Amapá e se tal mudança deu bons resultados. Será que a povoação se manteve? Será que a fortificação foi construída?

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Resumo

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O século XVIII, o tratado de Madrid e a expulsão dos Jesuítas

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Figura 01- Expulsão de Jesuítas no Litoral Brasileiro

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Pouco antes de falecer D. João V, em 1750, Portugal assinou com a Espanha um tratado longamente negociado pelo brasileiro Alexandre de Gusmão. Este acordo estabelecia basicamente dois princípios: o Tratado de Tordesilhas era inválido; e prevaleceria o princípio do uti possidetis, isto é, da prevalência da ocupação, em 1750. Logo em seguida ocupou o governo Sebastião José de Carvalho e Melo, conde de Oeiras e futuro marquês de Pombal. Chefe do governo, com poderes quase ditatoriais, sobretudo depois do terremoto de Lisboa em 1755, Pombal se destacou como déspota esclarecido e como o ministro do reino de Portugal. As leis foram sistematizadas e renovadas no código pombalino; fez-se a abolição da escravidão em Portugal; foi criada a Companhia das Índias Ocidentais. Em 1759, em grande parte influenciado por seu irmão Francisco Xavier de Mendonça Furtado, decretou a expulsão dos jesuítas, e contra eles lutou até conseguir a completa dissolução da Companhia de Jesus. Os jesuítas chegaram ao país em

1549, mais precisamente em Salvador, cidade fundada com ajuda deles, na Bahia, através da expedição de Tomé de Souza. Além de catequizar os índios, os jesuítas construíram colégios que iam do Ceará a Santa Catarina e foram muitos que deram o seu sangue pelos colégios, por Portugal e pelos indígenas. Com o decorrer do tempo a influência dos jesuítas ia crescendo e eles passaram a ter uma certa independência em relação ao Estado e até da própria igreja. No início do século XVIII, a Europa aderiu uma teoria política que vai contra o iluminismo, conhecida como Absolutismo e que pregava que uma pessoa deve ter o poder absoluto judicial, legislativo e religioso. Até então a igreja obtinha a maior definição de poder, Portugal passou então a pregar três medidas. O Despotismo Esclarecido, ou seja, o direito divino do rei, o Regalismo em que o chefe do estado podia interferir em assuntos internos da igreja e o Beneplácito Régio em que a igreja tinha que contar com a aprovação do monarca. Este fato teve peso na expulsão dos Jesuítas.


Na reforma pombalina, O marquês aboliu a escravidão dos índios e estes poderiam se casar com os portugueses. Os Jesuítas se horrorizaram com tal fato e Pombal se aproveitou da discordância para acusá-los de traição e assim, expulsou os 670 jesuítas que moravam no Brasil e mandou fechar os colégios. O Padre Gabriel Malagrida foi queimado em praça pública e o restante embarcou para Lisboa aonde foram presos. Quando rei de Portugal D. José I morreu e foi substituído por D. Maria I, Pombal foi condenado e só não foi executado devido a sua idade avançada, ele contava com 78 anos.

Durante muitos anos, grande parte do que se conhece hoje pela Amazônia pertencia aos espanhóis, graças ao Tratado de Tordesilhas, assinado com Portugal em 1494. Mas as primeiras expedições à região foram acontecer apenas anos depois, a partir de 1540. Sendo assim, após o Tratado de Madrid afirmar que a ocupação define a posse, Portugal passou a se preocupar mais com o lado oeste da nação. Em 1637,

Portugal encomenda a primeira grande expedição à região, com cerca de 2 mil pessoas. A exploração de frutos como o cacau e a castanha ganham uma forte conotação comercial. A partir do século XVIII, a agricultura e a pecuária passam a ter papel fundamental na região. Como a mãode-obra indígena já não era mais suficiente, os negros africanos também chegam à região como escravos.

Figura 02- Rios do Amazonas e Caminhos para Ocupação

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O século XVIII, o tratado de Madrid e a expulsão dos Jesuítas

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Após expulsar os Jesuítas, além de combater Holandeses, Franceses e Ingleses, começou a fase de construção de vilarejos e muitos deles, rodeados e protegidos por fortes que serviam de proteção contra ataques inimigos. É importante lembrar que por exemplo, os Holandeses já haviam construído fortes por onde passaram. Um estado que se destacou em função da quantidade de fortificações que recebeu foi o Pará. Como as expedições eram temporárias e muitas vezes os vilarejos se deslocavam para novos lugares descobertos, um bom exemplo de fortificação temporária é a de Nossa Senhora de Nazaré de Alcobaça em 1780. Esses estabelecimentos tinham também as finalidades de coibir o contrabando de ouro por aquela via fluvial, impedir a fuga de escravos para o Sul e afugentar os indígenas que assolavam aquele trecho do rio. Em 1797 o governador Francisco de Sousa Coutinho determinou que demolissem o forte de Alcobaça e fundassem uma nova povoação para servir de Registro, e que foi São João do Araguaia, junto à Cachoeira de Itaboca.

Figura 03- Forte de Nossa Senhora de Nazaré de Alcobaça

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Mazagão

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Os portugueses já eram conhecidos por sua incrível capacidade de construção de fortificações, com um excelente corpo de engenheiros militares, levantavam muralhas quase que indestrutíveis em favor de seus territórios. Sendo assim, não é possível abordar o tema de fortificações portuguesas sem realçar Mazagão como principal exemplo. O arquiteto e urbanista Nestor Goulart explica bem em seu livro “A política urbanizadora” como se dava o planejamento urbano dos portugueses. Os lusos adaptavam a cidade à topografia e se valiam desta para formar suas condições de defesa, colocando pontos mais importantes em posições mais altas e o restante em uma área mais baixa e próxima do mar. O arquiteto responsável pelo projeto de Mazagão, em 1541, foi Miguel de Arruda, juntamente com o italiano Benedetto da Ravena, engenheiro do imperador Carlos V. É interessante ressaltar que Miguel de Arruda também foi o arquiteto responsável pelo projeto de Salvador, na Bahia a mandato do rei de Portugal D. João III, em 1548. Sendo assim, a metodologia das duas cidades é a mesma, pela aplicação de muros dobrados, as cortine piegate, modelo teorizado, mas nunca aplicado na Itália, sendo experimentado pela primeira vez em Marrocos e a idéia de praça central.


Do árabe “água quente”, devido à abundância de poços artesianos na região, a base militar dava assistência aos navegantes que faziam a rota do Cabo, em direção às Índias, e defendia os cristãos da região de ataques dos nativos muçulmanos. O ponto alto da obra foi em 1534, devido à ocupação islâmica sobre várias colônias portuguesas no norte da África, mazagão precisava de máxima proteção, precisava ser impenetrável, assim, foram contratados os melhores engenheiros do renascimento para sua reforma. “Portugal foi capaz de erguer uma verdadeira barreira amuralhada, com fossos profundos, com planta em formato de estrela de quatro pontas, em uma ilha na costa marroquina. No lado interno, na vila, ainda foram construídas algumas casas, uma prisão, uma igreja paroquial e um hospital. A cidadeforte de Mazagão foi, até 1769, a maior obra pública construída por portugueses fora da Europa.” (VIDAL, 2007) Com o sucesso das explorações e ocupações pelo Norte do Brasil, as outras colônias portuguesas perderam o foco, uma delas foi Mazagão, no século XVI, a cidade ficou ilesa aos ataques mulçumanos, mas o medo e a tensão dos moradores sempre existiram. No século XVIII não foi possível continuar com as manutenções de segurança devido à crise de produção de produtos coloniais, que aconteceu mais precisamente em 1750. Outro fato que desestruturou a cidade foram os gastos com a reconstrução de Lisboa depois do terremoto de 1755.

Em consequência do abandono, epidemias e doenças invadiram Mazagão e o pior aconteceu, os exércitos Mouros aumentaram e os riscos de ataques também. O Rei Dom José I solicitou o Marquês de Pombal a se responsabilizar pelo problema e modernizar a geopolítica do reino, este enviava dinheiro e suprimentos e auxiliava da maneira que lhe cabia, mas não era suficiente. Por consequência, em Marrakesh o sultão e mulá Mohamed decidiu atacar. Sobre sigilo, reuniu 75 mil combatentes e uma enorme artilharia. Os xerifes árabes de suas tribos aceitaram contribuir com a invasão. Em janeiro de 1769, a rendição da cidade foi reivindicada sob mais de 200 disparos de granadas. Como a cidade não atendia mais às necessidades da coroa, o êxodo foi a melhor opção. Uma trégua de três dias ficou estabelecida entre as partes para a retirada dos moradores. Enquanto mulheres e crianças eram levadas a bordo junto com as riquezas da igreja e de documentos oficiais do governo, os homens esvaziavam casas, prédios públicos e destruíam tudo aquilo que pudesse cair nas mãos dos muçulmanos. Mazagão era uma importante criadora de cavalos árabes, durante o terror do êxodo, mandantes de Portugal mataram os animais de forma cruel, cortando-lhes as patas. Tudo o que restou da fortaleza embarcou rumo à Lisboa em quatorze caravelas. A mudança de Mazagão para seus moradores significava uma nova forma de vida, com paz e proteção, estavam esperançosos com as promessas que a corte fez. Para Portugal, a mudança significava povoar o Norte do país e assim, garantir a posse dos territórios. “Antes da longa travessia pelo Atlântico, os exilados tiveram de esperar oito meses até que a Coroa definisse o local e condições efetivas para que o projeto fosse estabelecido. Nesse ínterim, algumas pessoas fugiram e novos grupos, de camponeses e soldados, aderiram à empreitada. A frota em direção a Belém do Pará partiu em setembro de 1769. As primeiras embarcações traziam os colonos, o restante carregava mercadorias, materiais de construção, objetos de culto e recursos para viabilizar a Nova Mazagão na Amazônia.” (VIDAL, 2007)

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“Se alguma dúvida restasse de que o plano arrudiano da capital baiana é uma viariação do esquema pioneiro de Mazagão – a primeira construção abaluartada à italiana que Portugal fez no seu mundo colonial -, bastaria atentar na fachada da velha Catedral de Salvador (demolida em 1933) que substituiu a Sé de palha e a igrejinha da ajuda. Os seus insólitos óculos da fachada e os três janelões do último andar são uma réplica quase exata da matriz de mazagão desenhada por Arruda e Ravena em 154142.” (MOREIRA)

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A Cidade das Quatorze Caravelas

Figura 04- Fortaleza de Mazagão na África

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Em 1770 a povoação chegou ao Brasil, mais precisamente em Belém do Pará, foram muito bem recebidos, receberam abrigo, alimentação e existia um hospital bem aparelhado para atendê-los. A corte portuguesa aproveitou essa hospitalidade brasileira para aplicar um calote nos gastos com a nova construção da cidade e da fortificação prometida. Cortou os gastos com o escravos para o trabalho agrícola, com o transporte para levar os operários para a obra e cortou as pensões. Sendo assim, os meses se tornaram anos de espera, em 1776, Belém ainda abrigava mais de 300 hóspedes. As famílias se dispersavam cada vez mais, mas continuavam a sonhar com uma cidade de estrutura majestosa que compensasse todo o atraso. A partir da vagareza das obras, não demorou muito para que o vínculo entre os antigos vizinhos mazaganistas se perdesse. A interação com os trabalhadores indígenas e moradores de Belém possibilitou o surgimento de comunidades mistas, com interesses e costumes próprios. De início, a situação não agradou as autoridades coloniais,

temendo ter suas terras invadidas por outras nações europeias devido à miscigenação, mas verificou-se que, tendo os nativos como aliados, a população se fortaleceria. O projeto da cidade teve que ser adaptado às condições climáticas da aamazônia, ou seja, mais um problema a ser resolvido. Mesmo sabendo dos obstáculos, foram sendo construídas pouco a pouco, algumas casas, uma praça e uma igreja. Os moradores foram chegando de barco, mas o calor e a umidade da região não ajudavam, haviam mosquitos e a mata era bastante fechada. Além do clima, aconteciam conflitos diários com a corte em relação ao comando da cidade. “Em pedaços, Vila Nova Mazagão ainda suportou virar o século 19 antes de entregar os pontos. Sua sentença se consumou em 18 de outubro de 1828, com a instituição da Vila de Macapá como capital da região. Mas somente em 1833 os últimos 40 moradores da vila receberam uma notificação real que suprimia o nome da localidade, agora substituído pelo de “Regeneração”. (VIDAL, 2007)


Conclusão Portugal se fez valer de seu domínio e de seu desejo desenfreado de posse, para se aproveitar de uma cidade praticamente destruída e sem amparo e assim conseguir povoar uma área brasileira bastante disputada. As séries de acontecimentos desde o Tratado de Madrid até a ocupação do Norte mudaram o cenário político do país e mostraram que o interesse nas riquezas existentes não são os mesmos interesses nos povos que já habitavam o Brasil e nem nos povos que foram transportados. Não existe envolvimento com a cultura e nem com costumes dos mesmos. A identidade desses seres humanos se perde por questões de poder que em nada melhoram suas vidas. A proteção almejada a partir das fortificações construídas ao longo do litoral brasileiro era a favor dos portugueses. Os auxílios superficiais que mascaravam as reais necessidades dos moradores, de nada serviam. Milhares de jesuítas morreram para que os portugueses pudessem ocupar as terras brasileiras. Índios foram mortos sem nenhuma chance de lutar por seus direitos. Escravos eram tratados em condições desumanas e por final, a corte não iria se preocupar com mais uma cidade trazida para o Brasil.

Bibliografia

SARNEY, José; COSTA, Pedro. Amapá: a terra onde o Brasil começa. MOREIRA, Rafael. O arquiteto Miguel de Arruda e o primeiro projeto para Salvador. GOULART, Nestor. A política Urbanizadora. IN: Contribuição ao estudo da evolução urbana no Brasil.

A Cidade das Quatorze Caravelas

VIDAL, Laurent. Mazagão: A Cidade que Atravessou o Atlântico. Martins Editora, 2007.

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O Vazio, o Ouro e o Couro

Alpendre: o Espaço de Transição no Mundo da Casa Colonial Brasileira Sophia Rabelo

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Resumo O alpendre é um elemento quase que constante das habitações no Brasil. Nota-se que ele carrega consigo diversos significados, entre eles o de ser um ‘elemento de transição entre dois mundos, duas esferas sociais distintas: o da casa, reconhecida como espaço privado, de relações pessoais, e o da rua, entendida como espaço público, onde as relações seriam impessoais.’ Frente a essa questão e inquietação, tendo como objetivo o melhor entendimento do valor do alpendre na habitação do período colonial, o futuro artigo pretende uma abordagem transversal da história tomando como partido o processo de implantação da casa de morada em nosso território, para aí então investigar os diversos significados e terminologias, juntamente com o histórico da utilização desse espaço de transição de acordo com o contexto em que se encontravam.

Alpendre

Palavras-chave: alpendre, varanda, colônia, público, privado.

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Alpendre

Figura 01: Ilustração de Debret mostrando atividades realizadas na varanda

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Foi no final dos anos 1650, com um modelo agrícola monocultor da cana-deaçúcar em plena atividade, que a casa no Brasil começou a firmar sua forma definitiva. Estabelecidos os assentamentos na colônia, alguns elementos tais como o clima tropical, a flora e o gentio da terra fizeram com que nascessem as casas brasileiras, todas apresentando características próprias e singulares, definindo, qualificando e criando uma arquitetura nacional, uma ‘expressão americana de arquitetura residencial’ (LEMOS, Carlos A.C.), todas muito bem adaptadas à realidade social e geográfica. Esse modelo foi permanente e espalhou-se por todo o território através dos tempos, mantendo seu caráter, sua fisionomia, sem perder sua identidade. Essa constância e unidade encontrada na tipologia das moradias impressionou vários estrangeiros que passaram por aqui. A esse respeito Vauthier registrou: ‘Assim, quem viu uma casa brasileira viu quase todas.’ Essa uniformidade e padronização pode ser explicada, segundo Nestor Goulart, por um processo de adaptação ao novo território da arquitetura antes conhecida e executada pelos recém-chegados de Portugal à colônia. ‘Vieram ao Brasil as pessoas mais variadas, do norte ou do sul lusitano, cada pessoa com sua carga de conhecimento. Nunca houve um consenso sobre como agir coletivamente no quadro das construções naquele ambiente com falta dos materiais mais conhecidos da pátria distante’. Com o tempo, as coisas foram se ajeitando e surgiram, então, ‘as primeiras casas sincréticas nascidas da intervenção do branco nos trópicos’ (LEMOS, Carlos A.C.). Sincréticas pois na sua transferência para o novo país, acabaram por incorporar tradições tanto culturais quanto construtivas dos que ali já habitavam e do negro africano que foi trazido como escravo para substituir o nativo.


Figura 02

Figura 03

Alpendre

Dentre esses determinantes que fizeram com que se acomodasse em uma exasperante monotonia edificatória, podemos falar que a adaptação ao clima foi de extrema importância e pode ser considerada a responsável inicial pelo surgimento do alpendre doméstico, que é o objeto de foco do presente artigo. Para prosseguir, cabe-se primeiramente entender o que de fato é o alpendre. Existe grande divergência entre autores, e muitas das terminologias, apesar de possuírem diferença de significados, são comumente utilizadas como sinônimas para se referir a esse ambiente. Para Sylvio de Vasconcelos, a varanda seria o espaço resultante do prolongamento da água principal do telhado, e o alpendre possuiria uma cobertura autônoma, mas com uma extremidade apoiada na parede principal do edifício, e a outra diretamente no solo. Do lado oposto, Luis Saia refere-se como sendo o alpendre o resultado do prolongamento do telhado, tendo então sua cobertura apenas uma água. A sustentação seria feita por meio de esteios ou alvenaria e seu piso seria o mesmo sobre o qual se assenta a edificação. Para Saia, o alpendre seria sempre um elemento que se situa na frente da casa, estando embutido no corpo da fachada ou antecedendo a construção. Carlos Lemos contraria Saia afirmando que alpendre e varanda expressam funções distintas. O alpendre verdadeiro não necessariamente precisa estar na entrada da edificação, e sim estar de acordo com a orientação do sol, exercendo assim ‘função precípua de fazer sombra à construção’ (LEMOS, Carlos A.C.), adequando-a ao clima. Já a varanda deveria ser vista como um lugar aprazível, local de estar e lazer da família. Novamente, segundo Lemos ‘um alpendre pode vir a ser uma varanda, mas nem toda varanda pode ser alpendrada.’ Pretende-se, então, após essa afirmativa, no decorrer do texto, fazer referência a esse espaço somente como alpendre, considerando esse como sendo aquele que exerce ambas as funções desejadas.

45 Figura 02,03 e 04: Esquemas de casas com alpendres


Figura 05: Esquema de basílica com adro alpendrado

Alpendre

Figura 06: Casa do Padre Inácio, em Cotia, São Paulo do século XVII

Apesar dessa grande pluralidade com relação as terminologias a serem aplicadas, as opiniões chegam a quase um consenso quanto a como o alpendre chegou ao Brasil. A teoria mais aceita é de que a experiência moura adquirida pelos portugueses durante sua ocupação pelos povos do norte da África teria vindo com as navegações e influenciado essa moda na arquitetura dos engenhos de açúcar, e em paralelo, a experiência oriental e o espaço do bangalô da casa indiana certamente também é considerada uma possível origem para essa constante na casa rural brasileira. Sobre o assunto, Debret escreve: ‘Os estudiosos de arquitetura sempre encontram nas regiões meridionais [...] o uso de um abrigo colocado do lado externo das habitações: a galeria mouresca, a loggia italiana e a varanda brasileira aqui representada. É muito natural que com uma temperatura que atinge às vezes 45° de calor, sob um sol insuportável durante seis a oito meses no ano, o brasileiro tenha adotado a varanda nas suas construções; por isso encontrase, embora muito simplesmente construída, até nas habitações mais pobres’. Uma voz sobre esse problema que se mostra solitária entre os pesquisadores é novamente a de Luis Saia. Segundo o autor, o princípio teria vindo da Basílica Cristã-primitiva por esse tipo de arquitetura religiosa possuir sua área externa alpendrada. ‘Aí está uma boa razão para se pensar na hipótese de uma tradição que teria vindo para o Brasil já plenamente desenvolvida, e se teria infiltrado, tanto aqui como na península Ibérica, nas zonas rurais. [...] a escolha do exemplo da basílica, serve para indicar um fato que me parece de extrema importância para o estudo do alpendre [...]: o acesso ao templo proibido.’ (SAIA, Luis).

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Figura 07: Esquema de casa paulista com presença de varanda entalada


distinção, podem circular e se reunir livremente. Normalmente relacionamos a casa e a rua como os dois elementos que simbolizam essas duas esferas opostas e complementares., porém a sensação de intimidade que um espaço nos proporciona pode ser conferida inclusive a espaços públicos, que se tornam ‘privados’ pelas experiências pessoais e íntimas adquiridas ali ao longo do tempo, ‘está relacionado com o processo fenomenológico da percepção e da experiência do mundo por parte do corpo humano’ (MONTANER, Josep Maria). Esse entendimento nos mostra que até mesmo dentro de uma propriedade privada existem zonas públicas, ou zonas mais públicas do que outras. Apesar de complementares, o interior e o exterior são marcados por diferenças. Diferenças essas que exigem com que o íntimo de uma residência sinta a necessidade de se proteger e de resguardar a sua intimidade, e para que isso ocorra, existem pequenos detalhes no conjunto de uma habitação que fazem com que essa hostilidade que a rua implica sobre a casa seja amenizada. Os alpendres são esses elementos que introduzem a casa com a rua e vice-versa, não são nem espaços internos nem externos, são espaços de interseção, que oferecem uma transição gradativa entre esses opostos, diluindo essa sensação de conflito que existe entre eles. Ao mesmo tempo que protege, convida o que se encontra no espaço público a visitar o espaço privado. ‘São ‘espaços diplomáticos’ que se colocam na fronteira, na tentativa de apaziguar todo e qualquer embate’. (BRANDÃO, Helena C.L. e MOREIRA, Ângela). Essa condição de intervalo acabou fazendo com que ele adquirisse essa função de filtro para o espaço privado e, consequentemente, local do encontro com o outro, com o estranho que passa na rua e com aqueles que são recebidos pelo morador, mas que não são íntimos o suficiente para adentrar a casa, pois ‘aqui todo visitante é um intruso, a menos que tenha sido explícita e livremente convidado a entrar’. (CERTEAU, Michel de)

Alpendre

Contudo, Carlos Lemos é contrário à essa associação feita por Saia. Em sua opinião, os alpendres são brasileiros, ‘Brasileiros por terem sido reinventados aqui entre nós desde os primeiros momentos’ (LEMOS, Carlos A.C.), por serem uma adaptação da casa portuguesa ao clima do Brasil, e por mais tarde terem originado a sala de jantar, ao expulsar o preparo das refeições para o lado de fora, se apropriando de costumes indígenas. Essa adaptação climática característica, mais o adquirido com os povos indígenas reafirma o ecletismo da casa brasileira. Além disso, o autor diz que relacionar a origem da varanda com o construção cristã- primitiva religiosa é algo questionável, pois a única comparação aceitável seria a relação de filtro dos que se aproximam também existente na conhecida varanda entalada. Essa inquietação com relação à semelhança da arquitetura religiosa e a residencial no período abordado faz com que iniciemos a questionar qual o real significado e o valor atribuído a esse espaço no modo de vida, usos e costumes do brasileiro. Independentemente de ser empregado por sua importância como recurso de adaptação ao meio, alguns usos e funções diversas foram sendo acumuladas e relacionadas ao alpendre ao longo dos tempos. A principal característica da casa brasileira colonial era a necessidade de possuir um programa zeloso, que permitisse o acesso apenas daquilo que interessava à intimidade da família extremamente rígida patriarcal. Para que isso fosse possível, era necessária a existência de um elemento filtrante do exterior que criasse então duas zonas no espaço da residência: uma que exerceria o trabalho de receber o estranho, limitando-o ao espaço fronteiriço, e uma outra área mais íntima, onde se viveria isoladamente. Observando essa necessidade, o emprego do alpendre é claramente justificado, mas ao mesmo tempo levanta-se também a questão de que por ser um elemento que se situa na fachada da edificação, por ‘fazer parte dos sentimentos primordiais gerados pela arquitetura (...) (que é o de) entrar na casa, atravessar a porta, cruzar a fronteira entre exterior e interior’ (PALLASMAA), seria ele um espaço de transição, privado ou público no ambiente da casa? Segundo Witold Rybczynski, o ‘sentido de privacidade é constituído pelo ser humano, não nasce com ele, ele surge junto com o senso de intimidade’, desse modo, entende-se por espaço privado aquele que consideramos mais íntimo, que não é para toda a sociedade, e sim pertencente à uma célula social mais restrita. Já o espaço público é um espaço coletivo, teoricamente é o lugar onde todas as pessoas, sem

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Lemos diz que foi durante o período colonial que toda a ‘hospitalidade’ típica do brasileiro nasceu, e ela era considerada mais que uma virtude, era uma obrigação social imprescindível à sobrevivência dos viajantes devido as longas distâncias a serem percorridas entre as propriedades e núcleos urbanos, o que tornou o pernoite uma prática muito comum. Outra característica desse período era o costume de segregação da mulher, que deveria limitar sua exposição para a rua, a fim de cumprir as regras que o sistema rígido impunha. Foi assim, devido a essas e mais algumas outras situações que o alpendre ganhou, então, a atribuição de posto de vigília, local onde se pudesse observar e resguardar a casa do elemento socialmente exterior que se aproximasse. Ao longo da história da arquitetura doméstica do Brasil, o alpendre seguiu diversos caminhos. No meio urbano, ainda no período colonial, eles começaram a perder um pouco da estratégia de vigilância. Devido aos terrenos estreitos e profundos, eles acabaram por se deslocarem ou para os fundos da construção ou mesmo se tornaram algo semelhante a galerias elevadas, passando assim a exercer uma função mais baseada em fornecer à família uma área prazerosa de convívio. Figura 08: Ilustração de Vauthier de um sobrado com galeria fechada entre duas casas térreas. Figura 09: Recomposição de fachada de Casa-Grande pernambucana do século XVII

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Considerações Finais

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Independentemente dos caminhos traçados, o alpendre se tornou um ambiente de extrema importância dentro do sistema patriarcal, tornando-se constante nas habitações luso-brasileiras, e tornando-se intrinsecamente associado a uma tradição sociocultural que permanece até hoje. Foi o resultado de um processo de aculturação e assimilação de usos e costumes que se espalhou por todo o território nacional, e sua presença faz com que a casa mantenha com a rua um diálogo de acordo com o modo de vida e costumes de cada época. Seja a varanda, ou o alpendre elemento de proteção contra o sol, a chuva, ou ainda simplesmente um terraço, posto privilegiado de vigília, descanso, convívio ou contato com o sol, apesar da sua constante mudança de morfologia que afeta de algum modo seu uso, esse espaço romântico, aconchegante ou coloquial sempre trará lembranças de relações ancestrais, continuando a ser um objeto de desejo sempre presente na moradia brasileira.


Bibliografia BITTAR, W. S. M.; VERÍSSIMO, F. S. 500 Anos da Casa no Brasil – A Transformação da Arquitetura e da Utilização do Espaço de Moradia. 2ª ed. Rio de janeiro: Ed. Ediouro Publicações S.A., 1999. LACÉ, Helena C. e MOREIRA, Ângela. A varanda como espaço privado e espaço público no ambiente da casa. In: Revista Alpendre LACÉ, Helena C. e MOREIRA, Ângela . Varandas nas moradias brasileiras: do período de colonização a meados do século XX .

LEMOS, Carlos AC. Transformações do espaço habitacional ocorridas na arquitetura brasileira do séc. XIX. REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. 8ª edição. São Paulo: Perspectiva, 1987. RYBCZYNSKI, W. Casa: pequena história de uma ideia. Rio de Janeiro: Record, 1996. SAIA, Luís. Notas sobre a evolução da morada paulista. São Paulo, 1972, Perspectiva.

LEMOS, Carlos A.C. Cozinhas, etc. São Paulo, Perspectiva. 1976

SAIA, Luis. O Alpendre nas casas brasileiras. In: Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Vol. 3. Rio de Janeiro: MES, 1939, p. 235 – 249.

LEMOS, Carlos AC. Arquitetura Brasileira. São Paulo, Melhoramentos. 1979

VAUTHIER, 1.1. Casas de Residência no Brasil, Revista do SPHAN.

Alpendre

LEMOS, Carlos AC. História da Casa Brasileira. São Paulo, Contexto. 1989

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A PRAÇA MINAS GERAIS, EM MARIANA, FOI PALCO DE GRANDE DISPUTA EM MEADOS DO SÉCULO VXIII ENTRE AS ORDENS FRANCISCANA E CARMELITAS. A IGREJA NOSSA SENHORA DO CARMO (EDIFICADA ENTRE 1762 E 1835) E A IGREJA SÃO FRANCISCO DE ASSIS (CONSTRUÇÃO ENTRE 1762 E 1794) FORAM CONSTRUÍDAS NA MESMA PRAÇA, CONSIDERADA LOCAL DE GRANDE PRESTÍGIO SOCIOCULTURAL E POLÍTICO NA CIDADE. A FACHADA DA IGREJA NOSSA SENHORA DO CARMO APRESENTA TRAÇOS MAIS CURVILÍNEOS E INTERLIGADOS. APESAR DA DIMENSÃO MENOR, ELA CONQUISTA O SPECTADOR ATRAVÉS DA GRACIOSIDADE DE SEUS CONTORNOS. OS CAMPANÁRIOS CIRCULARES E A COMPOSIÇÃO DE FRONTISPÍCIO DE DESTACAM NA FACHADA. A FACHADA DA IGREJA SÃO FRANCISCO DE ASSIS FOI PROJETADA POR JOSÉ PEREIRA DOS SANTOS E SE APRESENTA MAIS SÓBRIA E COM TRAÇOS MAIS DEFINIDOS EM COMPARAÇÃO A SUA VIZINHA, NOSSA SENHORA DO CARMO. AS PILASTRAS VERTICAIS E A RIGIDEZ REALÇAM A IMPRESSÃO DE SIMETRIA E INÉRCIA, ESTILO JÁ BEM ESTABELECIDO NA REGIÃO.

BRASIL COLÔNIA E IMPÉRIO PROFESSORA: MARIA FERNANDA DERNTL ANA CATARINA LIMA 11/0107683 EMÍLIA WOLF 13/0008508

FERNANDO LONGHI 11/0117506 NAYARA RODRIGUES 12/0053349 SOPHIA RABELO 11/0020405

IGREJA SÃO FRANCISO DE ASSIS

IGREJA NOSSA SENHORA DO CARMO

A DISPUTA ENTRE DUAS ORDENS


COM CURVAS MAIS SINUOSAS E TRABALHADAS, AS VOLUTAS SÃO MAIS FECHADAS.

O FRONTÃO SE LIMITA A CURVAS BRANDAS E MESMO O ÓCULO TEM FORMATO ANGULAR.


IGREJA NOSSA SENHORA DO CARMO IGREJA SÃO FRANCISO DE ASSIS

AS TORRES CILÍNDRICAS SÃO LEVEMENTE RECUADAS DA FACHADA, ARTIFÍCIO JA EXPERIMENTADO COM ÊXITO POR ALEIJADINHO NA IGREJA SÃO FRANCISCO DE SSIS EM OURO PRETO.

AS TORRES DE BASE QUADRADA REFORÇAM A LIEARIDADE DA IGREJA.

COMPOSTO PELA MESA DO ALTAR E PELO N SANTOS. APRESENTA ORNAMENTOS DIVERSIFIC E LATERAIS CURVAS EM VOLUTAS, R

ALTAR-MOR SEM DOSSEL COM RETÁBULO CONS NAS CENTRAIS. EXTERIORMENTE A ESTAS, ENCO ORNAMENTADOS EM VOLUTAS. A CAPELA-MOR DUAS PILASTRAS SE APOIAM EM DUAS PILASTR ANDO A IMAGEM

BRASIL COLÔNIA E IMPÉRIO PROFESSORA: MARIA FERNANDA DERNTL ANA CATARINA LIMA 11/0107683 EMÍLIA WOLF 13/0008508

FERNANDO LONGHI 11/0117506 NAYARA RODRIGUES 12/0053349 SOPHIA RABELO 11/0020405


NICHO PARA A IMAGEM DOS CADOS., ENTRE ELES, FRONTÃO REAIRMANDO O ROCOCÓ.

STUTUÍDO POR DUAS COLUONTRAM-SE DOIS CONSOLOS R COM ARCOS DO TETO EM RAS. O TRONO É ALTO ABRIGDOS SANTOS.

COMPOSTO POR UMA CRUZ E TRÊS ESTRELAS, O PÓRTICO DA IGREJA MARIA DO CARMO, FOI ESCULPIDO EM PEDRA SABÃO. NAS LATERAIS FORAM ESCULPIDOS DOIS ANJOS COM VOLUTAS MAIS FECHADAS.

O PÓRTICO FOI ESCULPIDO EM PEDRA SABÃO COM VOLUTAS MAIS ABERTAS, ONDE HÁ REPRESENTAÇÃO DE ANJOS COM SUAS ASAS.





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