A distribuição da renda e o desenvolvimento econômico
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Fernando Cardoso Pedrão
Salvador, 1960
Tese apresentada em concurso de títulos e provas para obtenção dos títulos de Doutor e Docente Livre da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia em 1960. Muitas modificações foram introduzidas nesta versão de 2004, para atualizar a linguagem, dar mais clareza ao texto e para remover expressões e exemplos que se tornaram arcaicos. ∗
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Sumário
Introdução Primeira Parte.
A identificação do problema
1. Os diferentes aspectos da distribuição da renda 2. As funções da distribuição Segunda Parte.
Antecedentes teóricos
3. A contribuição dos clássicos 4. Marx e os contemporâneos Terceira Parte. Fatores determinantes da distribuição 5. As formas de produção 6. As instituições políticas e sociais 7. O setor exterior 8. O governo 9. A inflação Quarta parte. Uma incursão teórica 10 11.
O tratamento unificado da distribuição A fita de Moebius Bibliografia
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Introdução
A preocupação central que tive na realização deste trabalho foi a de verificar as condições oferecidas pelos países subdesenvolvidos para elaborar um esquema teórico de análise da distribuição da renda em seu sentido mais amplo, dirigido ao próprio desenvolvimento. Por isso, creio ser necessária uma explicação inicial do que pretendo com essa orientação. Muito se escreveu em economia sobre a distribuição da renda e o que se escreveu, geralmente, constitui uma exploração no domínio da chamada distribuição funcional da renda, isto é, da distribuição da renda entre fatores da produção. Esse ângulo para abordar o problema interessa, mas não basta. Devemos ter presente que, se colocamos o desenvolvimento na condição de ponto básico da vida econômica, teremos que trabalhar sempre com o pressuposto de uma renda expansiva. Igualmente, teremos que admitir que todo desenvolvimento implica, de um modo ou de outro, em alterações estruturais dos regimes econômicos, e temos presente que as condições de distribuição da renda exprimem características de estrutura, concluiremos que nosso tratamento do tema do desenvolvimento econômico deverá partir de um ângulo nitidamente estrutural. Assim, nesta pesquisa se toma como central a relação entre o processo de formação da renda e o processo de expansão e mudança de composição do capital. Entendo que a maior dificuldade que teremos que enfrentar neste caso, não está tanto no comportamento da distribuição nos países subdesenvolvidos, onde, evidentemente, as coisas acontecem de modo diferente
a como acontecem nas
economias mais desenvolvidas, senão que provirão das dificuldades para conciliar o tratamento da distribuição funcional da renda com essa distribuição vista desde outros ângulos, tais como por setores da produção e por níveis de remuneração das pessoas. Isto porque, sempre que se considere a distribuição do ponto de vista do desenvolvimento, será preciso encará-lo, não só incluindo não só uma classificação por setores da produção e no espaço, senão, também, da divisão funcional do produto e de
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seu grau de desigualdade segundo os níveis de renda pessoal. E o fato de ter sido a distribuição funcional o ponto de partida para muitas especulações teóricas desde Adam Smith, pode fazer esquecer que esses outros aspectos são de vital importância para uma teoria que se ocupa do desenvolvimento. Mas se as estatísticas de renda nacional são geralmente capazes de oferecer informações mais ou menos completas sobre esses aspectos da distribuição, creio que não se exploraram suficientemente seus efeitos na dinâmica do processo de desenvolvimento. As razões da insistência em tratar a distribuição da renda através de seus múltiplos aspectos, para identificar seus verdadeiros efeitos na dinâmica do desenvolvimento está em que o desenvolvimento é um processo que tende a localizar seus focos dinâmicos em certas atividades pertencentes a certos setores da produção e em certas localizações físicas, tendendo a produzir determinados efeitos na repartição proporcional da renda entre os fatores responsáveis de sua formação. 2. Em sua maior parte, os estudos sobre a distribuição não se preocuparam com o desenvolvimento econômico. Alem de precisarmos de uma conceituação satisfatória de desenvolvimento, precisamos estabelecer uma orientação de análise compatível com essa abordagem. Entendemos desenvolvimento econômico como um processo de transformação do sistema produtivo que dá lugar a melhoras das condições de vida da maioria da população. Desenvolvimento econômico, portanto, entranha modificações na distribuição da renda. Em razão disso, as premissas básicas de que nos serviremos aqui tenderão a dar a nosso trabalho uma perspectiva pouco usual. As alterações estruturais causadas pelo desenvolvimento, e as relações existentes entre essas alterações, bem como o padrão de distribuição prevalecente, são objeto de nossas apreciações, nas quais, por outro lado, procuramos sempre enquadrar as características próprias das economias subdesenvolvidas que realizam esforços para emergir dessa situação. A abordagem clássica da teoria da distribuição deve-se a Ricardo: “O principal problema da economia política é o de determinar as leis que regulam a distribuição da
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produção total da terra entre os trabalhadores, capitalistas, proprietários rurais e latifundiários”. Essa frase de Ricardo exprime a situação do problema da distribuição em um caso específico, o da Inglaterra, num determinado momento históricos, em que havia uma disputa pela posse de uma fração proporcionalmente maior da renda entre latifundiários e capitalistas. Contudo, ressaltam três pontos nessa afirmação: a importância dada pelos Clássicos à teoria da distribuição, o tipo de distribuição a ser feita, a funcional, que continua sendo o favorito da teoria, e o fato de que se referiam a uma dada renda. Essa condição, uma dada renda, permanece ao longo de quase toda a história da teoria da distribuição. Como já dissemos, parte desse ponto a diferença entre o enfoque tradicional e o nosso. Desenvolvida em países do centro, a teoria se preocupou do problema principal para aqueles países, que são as variações cíclicas dos negócios. Na nossa perspectiva os ciclos são limites variáveis dos movimentos da acumulação de capital, que regulam as possibilidades de desenvolvimento. Em nosso caso, considerando que as variações cíclicas se originam nos países desenvolvidos, isto é, nos países que constituem o núcleo central da acumulação capitalista, que nossas economias estão ligadas às deles, e sofrem as conseqüências dessas variações sem muito poder para defenderem-se delas, é perfeitamente explicável que concentremos nossa atenção nos problemas do desenvolvimento sobre os que mais podemos influir. Assim, daremos prioridade ao estudo da distribuição durante o processo de crescimento das economias nacionais, antes que aos seus efeitos durante as variações cíclicas da atividade econômica,. Isso não impede que tenhamos presentes os efeitos das variações cíclicas sobre as possibilidades de crescimento dos países subdesenvolvidos. As variações na demanda dos seus produtos de exportação podem significar a anulação completa de seus esforços de desenvolvimento e as quedas violentas nos preços internacionais de seus produtos podem jogar fora do mercado àqueles países cuja vida econômica está baseada em suas exportações. Em suma, a necessidade de alcançar níveis mais altos de produtividade para enfrentar a situação adversa, ou o desestímulo causado pelas quedas nos preços,
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podem
extinguir
os
focos
dinâmicos
felizmente
existentes
nas
economias
subdesenvolvidas. Por último teremos que fazer simplificações do material utilizado, de modo a reduzi-lo a um conjunto de variáveis manejáveis para o raciocínio teórico. Algumas delas são de caráter conceitual; outras, referem-se ao número de variáveis em jogo, e outras, além disso, ao tipo dos efeitos que essas variáveis podem ter no processo econômico em seu conjunto. Trata-se de uma análise dinâmica da distribuição da renda, que significa trabalhar com o processo de distribuição da renda e de ligar a distribuição da renda à distribuição do capital entre aplicações com diferentes efeitos no emprego. A principal dessas simplificações refere-se ao que aqui se chamará de país subdesenvolvido. A rigor, país subdesenvolvido, como entende Paul Baran, seria aquele onde haja uma diferença entre a renda potencial e a renda real. Mas, com tal definição quase todos podem ser considerados como subdesenvolvidos com maior ou menor grau de justiça, e, entre eles, as duas maiores potências econômicas do mundo atual, os Estados Unidos e a União Soviética. Mas essa classificação não nos serve, porque diluiria os contornos de uma diferença que realmente existe entre um certo número de países que possuem uma determinada utilização das vantagens do progresso tecnológico e das comodidades sociais, e outros que não alcançaram essa situação. A diferença entre a situação desses dois grupos no cenário internacional está caracterizada pela CEPAL, quando classifica os países em centrais e periféricos e quando atribui diferentes condições de se desenvolverem de uns e outros, com conseqüências irreversíveis na dinâmica da distribuição da renda. No entanto, os países da periferia tampouco estão em igualdade de condições. Alguns têm ensaiado uma industrialização limitada, outros estão francamente industrializados e outros ainda são meros produtores primários. Seus investimentos em capital variam em intensidade e acerto, sua estabilidade política é apenas um desejo ou já é uma realidade, mas quase todos desejam desenvolver-se. Neste trabalho se designa subdesenvolvidos a todos aqueles que não têm controle sobre suas tecnologias básicas.
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E a atenção principal da análise aqui volta-se para os países em processo de industrialização. Cabe uma explicação da forma como o trabalho está escrito. A combinação que se faz da discussão de um tema teórico com referências a determinados casos da experiência de diferentes países subdesenvolvidos, resulta da convicção de que, sendo a parte desenvolvida do mundo sujeito de uma experiência sem precedentes, consideradas as condições sob as quais deverão realizar seus esforços para se desenvolverem, qualquer tentativa de elaborar uma teoria com traços de aplicabilidade nos países componentes da parte subdesenvolvida do mundo não poderá perder de vista suas condições reais de funcionamento e suas características. Tais referências, por força, prejudicarão o rigor do enquadramento teórico do problema que estudamos e tirarão elegância ao método de análise. Em compensação, farão com que a análise fique no mundo da realidade.
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PRIMEIRA PARTE: A IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA
1. Os diferentes aspectos da distribuição da renda
A distribuição da renda é um aspecto da totalidade do sistema de produção, que deve ser vista, simultaneamente, em seu conjunto e através de seus aspectos. Como totalidade, a distribuição surge da produção. Nas palavras de Marx, “...antes de ser distribuição dos produtos, a distribuição é distribuição dos instrumentos de produção...a distribuição que se realiza dentro do processo de produção mesmo”1
Essa visão de
totalidade se perdeu na teoria econômica com o advento do marginalismo, em suas diferentes correntes. A distribuição pode ser encarada desde diferentes ângulos, cada um dos quais com características próprias e merece, por isso, atenção no relativo aos efeitos que a desigualdade tem para o desenvolvimento. Entende-se que os principais aspectos pelos quais interessa analisar a distribuição da renda estarão bem agrupados sob os títulos de setorial, funcional, vertical, espacial, social e
internacional. Nos capítulos
seguintes
examinam-se esses aspectos um por um, como passo prévio para um esforço de reconstruir a totalidade do sistema de produção através da perspectiva da distribuição da renda.
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Karl Marx, Grundrisse, vol I, pp.12.
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2. Distribuição funcional
Importa saber quais são as porções da renda relativas ao capital e ao trabalho por unidade produtiva. Como se viu antes neste trabalho, as participações do capital e do trabalho nas funções de produção dos países subdesenvolvidos estão fortemente influenciadas por fatores estranhos a suas economias, e, em grande parte, incontrolados por eles. Do ponto de vista do empresário, pode acontecer que as técnicas de produção mais econômicas não sejam aquelas de maior interesse do ponto de vista da economia nacional. Um exemplo disso são as técnicas economizadoras de trabalho
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em economias nacionais
onde há muita mão de obra ociosa. Celso Furtado nota a preferência habitual dos empresários por essas técnicas em comparação com as técnicas economizadoras de capital.3 A conseqüência dessa preferência num sistema industrial relativamente pequeno, com uma estrutura inadequada a suas dimensões, ao lado de outros fatores tais como uma produtividade por homem mais baixa que a adequada às técnicas utilizadas pelo setor industrial. Pode-se argumentar dizendo que o aumento de produtividade em um setor aumenta a produtividade na economia em seu conjunto, mas o problema que se assinala aqui consiste em que certos aumentos de produtividade por homem em certos setores têm menos importância para a economia em seu conjunto, se outros setores contribuem para criar desemprego disfarçado. Contudo, raciocinando com as coordenadas da produção capitalista, é preciso admitir que o espírito empresarial tende a produzir uma minoria de vanguarda onde a produtividade da mão de obra será mais alta que nas outras empresas. Uma crítica inevitável a essa visão do problema consiste em mostrar que esses aumentos de produtividade são temporários e que tendem a ser anulados por reajustes do sistema produtivo em seu conjunto. 2
Preferimos a expressão técnicas economizadoras de trabalho em vez de técnicas poupadoras de trabalho, porque a segunda expressão indica trabalho que se deixa de realizar enquanto a primeira indica situações em que se obtém mais produto por um trabalho que será realizado. 3 Celso Furtado, A análise marginalista do desenvolvimento em Contribuições à análise do desenvolvimento, Rio, Liv. Agir ED., 1957.
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O papel dos empresários de tipo schumpeteriano no dinamismo da economia não pode ser ignorado. Serão eles que incitarão o aumento de produtividade no conjunto das empresas e, por seu intermédio, a economia entrará em condições de concorrer internacionalmente. Dado seu pequeno número nos países subdesenvolvidos, eles merecem apoio, enquanto sua ação drene o mercado de trabalho e impeça o congestionamento de efeitos negativos na produtividade do capital em novos investimentos. Mas, obviamente, eles segundo a lógica do capital e tendem, adiante, a descartar emprego. Esse problema pode estar ligado a outro fator externo à economia nacional, mas com resultados semelhantes. É que como os países subdesenvolvidos geralmente obtêm seus bens de capital mediante importação, dada a pequenez de sua demanda comparada com a dos grandes centros produtores, terminam por importar bens demasiado luxuosos para suas condições de renda. A razão disso está em que não é econômico para os produtores alterar suas séries de produção para atender demandas pequenas. Em alguns casos essa situação tende a modificar-se para alguns países subdesenvolvidos, porque o fato de que alguns deles tenham alcançado níveis significativos de industrialização tende a ser estímulo suficiente para se produzam bens duráveis mais adequados ao seu perfil de renda. Há, portanto, uma diferença entre o que é distribuição funcional por unidade produtiva e a participação global do capital e do trabalho na renda nacional.
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3. A distribuição vertical A distribuição da renda entre níveis de renda – a distribuição vertical – merece um cuidado especial pelas relações que guarda com as condições estruturais da economia. No caso das economias subdesenvolvidas, notoriamente naquelas onde não há uma industrialização significativa, as condições institucionais fazem com que uma grande concentração de renda em mãos dos proprietários dos meios de produção coincida com uma baixa renda por homem ocupado. Isso, tanto se se considera o setor primário isoladamente, como no relativo à população economicamente ativa em seu conjunto, em que as condições do emprego rural condicionam a composição do emprego em seu conjunto. A desigualdade das escalas de renda envolve, por um lado, um problema de formação de poupança e, por outro lado, um problema de justiça social. Ambos se fazem sentir nos países subdesenvolvidos. A concentração de poupança em mãos de um determinado segmento da sociedade corresponde a uma abstenção de consumo vital por outros segmentos, que quebra os princípios mais elementares de justiça social. Pode-se argumentar que é um sacrifício necessário para a formação de poupança para investimento, mas com os ideais de obter crescimento econômico com estabilidade, e implicando nessa expressão, não só os requisitos de estabilidade montaria, senão também de estabilidade social, uma distribuição muito desigual pode provocar desequilíbrios sociais de conseqüências políticas, capazes de impedir um esforço de desenvolvimento. Além disso, quando se considera a distribuição no sentido vertical, é preciso não esquecer que mesmo que nos países desenvolvidos esse tipo de desigualdade seja muito grande, no entanto não está revestida das características cruciais dos países subdesenvolvidos, por acontecer a níveis mais altos de renda. Também, numa economia rica como a norte-americana esse fenômeno é encontrado. Apesar das deficiências de informações apontadas por Kuznets,
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que a atribui à ênfase dada à produção e à conseqüente falta de interesse pelo uso das rendas., seus estudos da economia norte-americana levam a concluir que a possível
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Simon Kuznets, Long-term changes in the National Income of the U.S.A. since 1870, Income and Wealth, série II, pp. 141 -152.
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estabilidade nas variações seculares da distribuição por níveis de renda deve estar associada ao aparecimento de novos receptores de renda. A distribuição vertical da renda está ligada à distribuição funcional porque as rendas mais altas raramente estão constituídas de salários. No entanto, é preciso examinar a distribuição de renda entre altos e baixos salários e entre rendas regulares e irregulares dos trabalhadores. Numa economia desenvolvida, se se considera apenas o tipo de renda dificilmente se apresenta essa situação. Nas faixas limítrofes, é difícil distinguir entre assalariado e capitalista, porque os receptores de altos salários, geralmente administradores de empresas, são, também acionistas das empresas em que trabalham. Tudo indica que essa união entre a distribuição vertical da renda e sua distribuição funcional será ainda mais flagrante no caso dos países subdesenvolvidos, onde esse tipo de salários altos é mais raro, porque é pequena a esfera das sociedades por ações ou que estão dispostas a pagar salários altos.
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4. Distribuição setorial Por isso, admitida a preponderância dos setores primários nos países subdesenvolvidos, o escasso montante relativo de seus investimentos em capital social e a conseqüente pequena participação dos serviços de transportes em suas economias de industrialização incipiente, não se pode considerar mais que tautológica a desigualdade da renda nacional nesses países entre os setores da produção. Uma combinação do volume de emprego em cada um desses setores pela participação funcional do trabalho, expressa em termos de renda real e ponderada pelas diferenças de produtividade por homem ocupado em cada setor, daria a diferença de distribuição entre as remunerações de um e outro setor. O aumento geral de produtividade em todos os setores que deve resultar de um desenvolvimento equilibrado - equilibrado no sentido de não se tratar de uma tendência do desenvolvimento que se extingue a curto prazo por causas estruturais e possuidor de pontos de estrangulamento que deformem a estrutura dos preços dos bens e serviços por diferentes setores, mesmo que ainda não tenham sido suficientes para comprometê-lo até sua extinção – deve tender a diminuir no longo prazo as diferenças de produtividade entre os setores da produção. Elas coexistem ainda, com as formas de desigualdade anteriormente citadas, nas quais ainda não lograram um desenvolvimento significativo, e sua presença é tanto causa como efeito da condição de subdesenvolvimento. Entretanto, a desigualdade setorial não ser identificada com o subdesenvolvimento, ou se incorreria num grave erro. A desigualdade setorial precisa ser corrigida, fundamentalmente, pelas diferenças de provisão de recursos da área considerada, sendo essa correção válida inclusive para as diferenças intersetoriais de produtividade. Nisso vai o mito da falta de progresso tecnológico na produção agrícola. A possibilidade de desenvolvimento de uma economia nacional está dentro dos limites impostos por seus recursos e poderá combinar uma grande desigualdade setorial com uma utilização adequada dos mesmos. Isso também converte a desigualdade setorial numa informação útil porém
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pouco utilizável isoladamente para explicar o significado das desigualdades incluídas no padrão distributivo em sentido mais amplo.
5. Distribuição espacial Nos países subdesenvolvidos de grande extensão territorial, para que se complete o quadro da desigualdade da distribuição da renda, é preciso introduzir o elemento espaço, como uma categoria histórica, que experimenta modificações ao longo do tempo, segundo se consolidam as formas de produção vigentes. O espaço econômico do Brasil resulta da sobreposição dos espaços criados pela progressão da exploração de mercadorias tais como açúcar, fumo, produção pecuária; ao lado da concentração de espaços urbanos. Nesses países há grandes desigualdades entre os tipos de agricultura – a agricultura para exportação e para subsistência – e entre a produção rural e as atividades urbanas. São, principalmente,
desigualdades
causadas
por
fatores
conjunturais
passados,
que
compreendem todas as formas precedentes de desigualdade. O fato de que as tendências do desenvolvimento se concentrem em determinadas regiões de um país, faz com que o capital seja atraído para as áreas que se desenvolvem e que, por conseguinte, se localizem ali as técnicas mais eficientes. O resultado é que a fração da força de trabalho que se localiza nas regiões em desenvolvimento se beneficia de trabalhar em unidades produtivas onde sua produtividade pessoal é mais alta e onde, portanto, é possível ter atribuída uma remuneração individual mais alta. Isso cria uma disparidade de remuneração que não depende da relação entre a quantidade de pessoas que procura trabalho e o capital total, porquanto entram em jogo restrições de mobilidade do capital e do trabalho à medida que aumentam as distâncias em jogo. Assim, se se considera o uso de diferentes técnicas de produção em diferentes regiões do país, explicam-se diferenças de remuneração para um mesmo tipo de profissão, que beneficiam aos trabalhadores das regiões mais desenvolvidas.
Mas essa disparidade geográfica está
agravada pela distribuição funcional da renda, porque a maior parte das unidades
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produtivas se localiza em áreas que experimentam desenvolvimento mais intenso, diminuindo o número de unidades de capital por trabalhador nas áreas mais atrasadas. Esse tipo de desigualdade está determinado pelas diferenças de concentração de capital, podendo explicar as desigualdades da distribuição nos países mais desenvolvidos. Nos países subdesenvolvidos ela deve ser complementada por argumentos de tipo histórico tais como o rumo seguido pelo aproveitamento dos recursos naturais e pelos usos da terra.
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6. A desigualdade internacional A expressão mais forte do sentido de localização do desenvolvimento econômico se vê no plano internacional. As barreiras entre países deram forma às condições requeridas para seu próprio interesse pelo desenvolvimento. As diferenças de dotação de recursos constituem uma base residual dessas desigualdades. Contudo, abstraindo-se as vantagens desse gênero, que alguns países levam sobre outros, surge uma desigualdade que exprime os níveis de bem estar. A localização do desenvolvimento no plano internacional historicamente separou o mundo em duas partes, deixando de um lado os países que concentram a formação de capital e as rendas mais altas e de outro lado os países que não conseguem reter formação de capital e têm rendas mais baixas. Toda a mudança do complexo social, político e econômico resultante desse amadurecimento intrínseco foi representado pelos níveis de renda percebidos pelos moradores de um e outro país. Essas diferenças na distribuição da renda são a expressão da distribuição do desenvolvimento no mundo, respondendo à classificação em centro e periferia. Além disso, essa classificação envolve, não só o progresso do sistema produtivo, como também todas suas implicações em bem estar e progresso do sistema político. A mudança no padrão internacional do desenvolvimento depende de duas possibilidades: (a) da capacidade endógena de cada país para desenvolver-se e (b) das transferências internacionais de capital. O estudo dessas possibilidades é a própria teoria do desenvolvimento. A possibilidade de eliminar a desigualdade internacional confunde-se com o objetivo de desenvolver as economias subdesenvolvidas e está intimamente ligado à ordem econômica internacional vigente, e, por meio dela, à ordem política internacional. Nossos países subdesenvolvidos não podem se abster das especulações sobre o desenvolvimento, porque muitos deles recentemente emergiram da condição de colônias. Praticamente todos tiveram suas economias controladas por investimentos dominantes dos países desenvolvidos e isto significa um vínculo muito forte com a ordem colonialista com que tiveram que lutar.
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Para ser realistas e trabalhar o fenômeno do desenvolvimento sem tabus, não se pode encarar esses vínculos de outro modo que como um dado do problema e enfrentar a inevitável reação que aparecerá, tal como tem aparecido, nos países beneficiados pela ordem econômica colonialista. Claro que, com isso não se pretende negar o interesse sincero existente em vários círculos nos países desenvolvidos a favor do desenvolvimento, já que realmente importa, para o caso é a reação dos grupos economicamente fortes nesses países. Na maior parte dos casos, os interesses desses grupos são pela manutenção de uma ordem que lhes convém. Principalmente porque sua ascensão no passado foi apoiada por uma retaguarda de fornecedores de matérias primas, representada pelos países que agora querem se desenvolver. A identificação do interesse de grupos particulares com os dos próprios governos agrava o problema, que em muitos casos se soluciona com um mínimo de atritos, mas que já se manifestou em suas formas mais violentas nas colônias em suas lutas de independência. Sem ignorar os choques políticos internacionais cuja origem não é o desenvolvimento, senão outros fatores que escapam ao escopo deste estudo, é preciso reconhecer que a luta pelo desenvolvimento é, acima de tudo, uma luta de interesses. 5 Outra circunstância que não pode ser desprezada, para preservar o realismo do pensamento sobre o desenvolvimento, refere-se ao conflito que se verifica, entre a integração econômica internacional e a integração de cada país. O esforço de integração nacional feito por cada país subdesenvolvido, concomitantemente ao seu esforço para crescer, foi assistido no campo internacional por uma consolidação do mundo em blocos políticos, cujos resultados são negativos para o desenvolvimento dos países subdesenvolvidos. Além disso, a luta contra a ordem econômica colonialista nos países subdesenvolvidos não pode estar dissociada de seu esforço em benefício de seu próprio crescimento. Essas circunstâncias da desigualdade internacional na distribuição da renda definem os termos em que se poderá contar com transferências internacionais de capital para auxiliar o aproveitamento da capacidade interna de cada país para desenvolver-se e alterar sua posição internacional. 5
Ver Paul Baran, The Political EConomy of Growth, John Calder, Londres, 1956.
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7. A distribuição social A teoria keynesiana, ainda trabalhando dentro dos limites endógenos da teoria clássica, conduziu o debate do problema de que se ocupava – o desemprego e as variações cíclicas – aos próprios fundamentos em que se assenta a solução capitalista desses problemas. Assim, ela foi o ponto de partida para a inclusão de fatores até então classificados como exógenos, tais como a estrutura da sociedade e a distribuição da renda que lhe corresponde.6 Os aspectos pelos quais se considere a distribuição da renda, tal como vimos nos parágrafos anteriores, indicam um escalonamento da renda para os diferentes grupos, que, finalmente, exprime o nível de bem estar desfrutado por eles na sociedade em que vivem. As funções desse tipo de distribuição como determinantes do padrão geral da distribuição da renda, estão fortemente relacionados com as formas de produção utilizadas e com as instituições políticas e sociais prevalecentes. No entanto, o aumento das funções do governo no sentido de maior participação na vida econômica, bem como a persistência da inflação, puseram a descoberto as possibilidades de variação dessa distribuição, já seja por uma compreensão das atribuições do governo, ou pelas condições técnicas em que as economias subdesenvolvidas são constrangidas a operar. Mais que situações de bem estar, a distribuição social indica a margem de estabilidade e as condições de justiça social prevalecentes 7. Na perspectiva do desenvolvimento, a desigualdade social na distribuição da renda combinada com o nível de consumo vital, dá o limite do esforço a que se pode submeter continuamente uma economia. Os conflitos sociais que se originam e ganham corpo da insatisfação pela desigualdade podem comprometer todo esforço de crescimento. Além 6
Paul Baran, op. cit. pp.8. Desse modo, indicam-se as restrições políticas da taxa garantida de crescimento de que nos fala Harrod. O conceito de taxa garantida de crescimento dá por sentado que o crescimento do produto social não é afetado pelas condições de realização da mais valia, o que só pode ser aceito para uma economia de mercado aberto onde não haja ganhos de monopólio e onde a composição da demanda seja plenamente compatível com a composição da oferta. 7
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disso, as pressões inflacionárias que apareceram em diversos países subdesenvolvidos no momento de seus esforços para crescer, desencadearam conflitos de interesses entre os grupos que procuram manter ou melhorar suas posições na distribuição real da renda nacional. Os diversos estágios do desenvolvimento econômico, que significam o predomínio de certas atividades, correspondem ao predomínio de certas classes sociais. Assim, as formas de exploração econômica sob cuja égide foram edificados quase todos os países subdesenvolvidos implicaram numa preponderância dos proprietários de terra, cuja conseqüência foi a orientação dos investimentos em capital social, em educação e da própria produção agrícola, de modo que servisse aos interesses da classe predominante no sistema. Assim, o aparecimento de uma tendência do desenvolvimento industrial em economias com a referida orientação, introduziu um novo destino da renda para outras classes em ascensão, tanto mais útil quanto os hábitos de investimento da nova classe são mais adequados ao desenvolvimento. Ao lado da importância dos hábitos de investimento das classes que detêm o poder, convém notar a diferença das possibilidades de ascensão das pessoas através de grupos de receptores de renda ou dos grupos que são afetados pelo deslocamento na composição social do poder. A estabilização das sociedades agrícolas tem resultado numa crescente rigidez das posições de classe e os países subdesenvolvidos não são exceção. No momento em que a civilização européia tomou posse, ou que as nacionalidades se afirmaram, as sociedades rurais que ali se afirmaram fizeram-no sob a inspiração das análogas européias, imitando seus hábitos e privilégios, muitas vezes aumentados pelas condições favoráveis que se lhes apresentavam no novo ambiente, sabendo que em seus lugares de origem não teriam privilégios semelhantes. Foi, também, o modo de obter um prestígio que não teriam em seus países de origem. De qualquer modo, as novas sociedades se fizeram com estruturas rígidas, onde o aumento do número dos mestiços introduziu estratos intermediários, entretanto, com poucas margens de mobilidade. As possibilidades efetivas de aumento de bem estar das populações se ampliaram, como conseqüência da ampliação do mercado de prestação de serviços, junto com alguns novos espaços para trabalho especializado.
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Os parágrafos anteriores levam a pensar no problema da distribuição como numa unidade polimorfa resultante de fatores históricos de conjuntura, recursos naturais, poupanças transformadas em investimento e técnicas utilizadas para produzir e consumir. Essa unidade encerra a resposta do problema de justiça social no país em seu conjunto e em seus efeitos regionais. Conduz a uma explicação da proporção em que a má distribuição da renda é responsável da estagnação. Finalmente, representa uma primeira aproximação de resposta à questão de saber se o setor privado poderá reunir a poupança necessária para o desenvolvimento. 8 Assim, somos conduzidos a uma realidade distributiva que se exprime numa divisão funcional do trabalho, diferente daquela dos países desenvolvidos; em termos de uma divisão por escalas de renda, ou de desigualdade de piores resultados; em termos de uma baixa participação global do trabalho na renda; em termos de uma baixa participação do trabalho na renda total; e termos de uma produtividade muito desigual entre os setores da produção, e, por fim, em termos de uma grande desigualdade geográfica. Mas essa situação dada de distribuição, que pode ser percebida num dado momento, evolui e transforma sob a ação dos próprios resultados da produção a que se refere, e, sob a ação de fatores institucionais que, depois terem concorrido para formá-las continuam agindo, comunicando impulsos ou oferecendo resistências, e à ação de fatores conjunturais que agem no sentido de provocar uma redistribuição de intensidade variável.
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Indiretamente, essa é uma questão relativa ao papel do fundo público no processo geral de acumulação no sistema capitalista em seu conjunto e que corresponde a uma análise da produção capitalista.
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Capítulo 2.
As funções da distribuição
1. Impulso e contenção do desenvolvimento Desde que se busca verificar os condicionantes fáticos necessários para uma teoria da distribuição da renda dirigida ao desenvolvimento, importa o que representa a própria distribuição para a dinâmica desse processo. Segundo a função que tem desempenhado, a distribuição da renda pode ser considerada como um elemento impulsionador do desenvolvimento, sempre que atenda às necessidades de formação de capital requerida pelos investimentos nos setores estratégicos da economia, fortalecendo seu dinamismo. A análise dessas funções propulsoras do desenvolvimento leva a algumas indagações básicas. Por exemplo, a desigualdade na distribuição é favorável ao desenvolvimento? Ou será o desenvolvimento capitalista o causador da desigualdade? Por último, qual grau de desigualdade é compatível com o desenvolvimento? Essas indagações acompanham invariavelmente qualquer consideração que se queira fazer sobre o papel dinâmico da distribuição. O desenvolvimento implica numa capitalização crescente do processo produtivo e esta, logicamente, deve ser obtida por meio de acumulação de capital, num crescimento endógeno, o qual, em última instância, será o único modo de estudar as reais possibilidades intrínsecas de uma economia nacional. O que importa, portanto, é como se faz a acumulação. De um modo ou de outro, a acumulação é a retenção dos excedentes de produção. Historicamente fez-se de diversos modos. Desde a pura e simples apropriação com apoio militar até as modernas formas industriais de produção e o uso dos investimentos dominantes. Enquanto isso, as pesquisas sobre as possibilidades dinâmicas com um maior ou menor grau de desigualdade dificilmente poderão fazer-se apenas sobre comparações históricas. É preciso trabalhar com os conteúdos sociais que acompanham as formas de produção. Não se pode eludir o fato de que a distribuição da renda encara problemas de justiça social. Desses problemas trataremos adiante. No entanto, observando os fenômenos
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desde um ponto de vista estritamente econômico, teríamos que considerar que os padrões históricos de distribuição correspondem a modos pré-industriais e industriais de crescimento. Os padrões de distribuição verificados num modelo de crescimento não podem ser avaliados sob as condições de outro modelo. A análise que se propõe neste estudo volta-se para as condições sociais da distribuição nos países subdesenvolvidos hoje. Voltemos a nossa argumentação. Deixando de lado o problema da mecânica da acumulação, que não é nosso objetivo central, voltemos nossa atenção para a propulsão do processo de desenvolvimento que pode resultar das condições de distribuição da renda. Geralmente se diz que para viabilizar a acumulação de capital, a distribuição da renda deverá ser tão desigual quanto for necessário para concentrar recursos para investimento. Um argumento nesse sentido é que não se poderia promover o desenvolvimento numa economia onde uma distribuição muito igualitária impedisse a formação de poupança suficiente para os grandes investimentos necessários para a indústria moderna. Contudo, pode-se supor que a distribuição igualitária significaria uma formação de capital mais democrática, onde os bancos fossem intermediários e não os controladores dos investimentos. Superficialmente, é um argumento a ser qualificado por níveis de renda. Essencialmente, essa é uma colocação que se refere às condições históricas da composição do capital. O verdadeiro problema dos países subdesenvolvidos consiste na tendência objetiva que liga a concentração social da poupança com concentração da capacidade de investir, onde capacidade de investir significa conhecimento do mercado, de técnicas de produção e de organização da produção e da comercialização. O problema de competência surge como fundamental para julgar diferenças de desempenho das economias nacionais, tanto das mais desenvolvidas como das menos desenvolvidas e em determinados momentos da formação de capital. A preferência por um ou outro setor e por um ou outro ramo de atividade reflete-se, adiante, nas mudanças de composição do sistema produtivo, portanto, na expressão qualitativa da taxa de crescimento do produto. Nesse sentido, o grande problema dos países subdesenvolvidos está em que a distribuição da renda seja compatível com uma
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composição de investimentos por sua vez compatível com a sustentação da taxa de crescimento. Isso leva a rever o argumento setorial. Não se trata somente de distribuição entre setores, senão da composição do capital em cada setor. Nos países subdesenvolvidos o setor agrícola é responsável, direto ou indireto, da maior parte do produto. O desenvolvimento vem acompanhado da introdução ou da expansão de um setor industrial. Mesmo que seja comum uma rápida elevação da produtividade da agricultura durante os impulsos de expansão industrial, o setor industrial tende a participar com uma proporção gradualmente maior do produto nacional. Esse fenômeno, que se explica por ser a indústria o setor onde o próprio modelo de funcionamento do capital permite maior reintegração do produto na forma de capital, significa uma considerável redistribuição setorial da renda, que tende a perpetuar-se, acompanhando uma profunda alteração na estrutura produtiva da economia, à medida que ela se desenvolve. Nesse caso, o realinhamento setorial da capacidade de produção é uma conseqüência da tendência e do modo de crescimento, que se desenvolve com ela. 9 Considerando a disposição espacial10 da economia e os efeitos do crescimento nela, é preciso admitir que concentrando-se mais numa área que em outra, o crescimento agrava a desigualdade já existente, ou uma suavização apenas se se faz com recursos antes não utilizados que novas tecnologias tornam utilizáveis. De qualquer modo, os efeitos verticais e setoriais do crescimento são aleatórios, não havendo fundamento lógico algum em fazer generalizações sobre análises comparativas de países. O aspecto da distribuição que tem sido mais tratado pela análise marginalista é o da distribuição funcional da renda, que examinaremos na segunda parte deste ensaio. Em termos gerais, enquanto se podem vincular as variações da distribuição funcional da renda 9
Uma diferença fundamental entre a abordagem histórica da economia e a análise marginalista está na concepção de setores, como conseqüência da composição do capital ou como perfis técnicos. Agricultura e indústria são setores enquanto não se olha para suas inter-relações nem para as combinações de interesses das empresas em uma e na outra. Para trabalhar com a distribuição se precisa de uma conceituação mais rigorosa de setor. 10 Aqui se usa a expressão disposição espacial do sistema produtivo para indicar onde ele se encontra e distinguir de localização, que indica decisões de onde localizar as atividades.
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com a acumulação de capital, com as circunstâncias político-sociais e com o grau de monopólio. A acumulação de capital tende a fazer com que aumente a proporção do produto que fica em poder dos capitalistas, basicamente porque se trata de desenvolvimento do sistema capitalista de produção, que se faz mediante captação de mais valia. As circunstâncias políticas e sociais podem constituir um freio a essa tendência, tanto como o fortalecimento das instituições protetoras do trabalho – organização sindical, legislação trabalhista etc. seja eficaz. A tecnologia tende a favorecer a participação do capital, mas também cria oportunidades seletivas para os trabalhadores, tanto para trabalhadores qualificados como para trabalhadores com melhores condições de se qualificarem. A análise do grau de monopólio é uma contribuição importante de Kalecki a essa análise. O papel do grau de monopólio como fator favorável a uma maior participação do capital na distribuição funcional da renda depende do desenvolvimento das forças produtivas, das instituições políticas e sociais e da tecnologia. A questão do grau de monopólio interessa, especialmente, no relativo aos investimentos dominantes. No capítulo 5 adiante examinam-se as idéias de Kalecki, focalizando nos efeitos do grau de monopólio na distribuição da renda.. A pesquisa que se faz neste capítulo corresponde ao objetivo central do ensaio. 1. Apresentando uma função inversa à vimos comentando, o padrão prevalecente de distribuição da renda pode ser um elemento de bloqueio do crescimento nas situações de orientação negativa da desigualdade, tal como comentamos nos parágrafos anteriores. Na opinião de W.Arthur Lewis é o hábito de investimento produtivo que distingue as nações ricas das nações pobres, antes que as diferenças em igualdade de renda, ou as diferenças relativas aos mais ricos. Discordarmos, porque se formos buscar a raiz do hábito dos investimentos produtivos, concluiremos que certas classes têm mais que outras e que a desigualdade na distribuição é um dado fundamental dos processos de desenvolvimento.
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Em muitos países subdesenvolvidos, onde a principal fonte de renda é a agricultura, geralmente orientada para o mercado externo, soe acontecer que os detentores dessa fonte de renda agrícola também concentram a propriedade fundiária e o poder político conseqüente a seu poder econômico. Tais grupos, que vêm a agricultura como uma atividade pouco mais que extrativa, dão à terra um uso muito inferior ao que seria possível com o capital e as técnicas disponíveis.11 Entretanto, esses grupos não estão dispostos a relaxar de seu poder econômico, baseado em seu controle da terra, controlando os movimentos que alteram a estrutura fundiária e, direta e indiretamente, controlando a produtividade da exploração da terra. Esses grupos, por sua posição privilegiada, têm padrões de consumo ditados pelos países mais desenvolvidos, o que resulta em uma parte significativa da renda nacional gasta em consumo suntuário. Sem interesse em investimentos que quebrem os padrões prevalecentes, essas pessoas realizam muitos investimentos improdutivos em aquisição de propriedades, que é um modo de valorizar seu capital e ganhar status segundo os padrões ideológicos de seu segmento social. O inverso da estagnação pelos padrões de distribuição são aqueles países e regiões subdesenvolvidos, onde as leis sucessórias, unidas a uma grande pressão demográfica sobre extensões reduzidas de terra, determinam a predominância de propriedades muito pequenas, que são os minifúndios. A minifundização retém grandes contingentes de população rural submetida a rendas ínfimas, vinculados à produção de produtos de baixo valor adicionado e que operam em condições econômicas e técnicas inadequadas. Numa visão mais penetrante do problema, pode-se dizer que a minifundizaçào é um processo complementar daquele de concentração fundiária, onde o essencial da questão rural é o controle da produção rural, que se faz através de uma combinação do controle da produção com o controle da comercialização da produção, onde o controle da produção depende do controle da água e do capital incorporado nas unidades produtivas.
2. O fator integração e a justiça social 11
A subutilização da terra nas grandes propriedades na América Latina em geral e no Brasil em particular foi comprovada em inúmeros estudos realizados por órgãos internacionais durante a década de 1960, especialmente pela OEA e pelo Banco Inter Americano.
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A teoria da distribuição é uma parte da teoria econômica claramente social. Suas formulações estão estreitamente vinculadas a diversas concepções da justiça social e dos destinos da sociedade. As contribuições trazidas pelas diferentes correntes do pensamento econômico são, por isso, representativas da filosofia social que as sustenta. Não surpreenderá, portanto, que nem sempre as idéias, explícitas ou implícitas, dos economistas sobre o que realmente é a distribuição justa do produto nacional concordassem; ou que, também, não tivessem a preocupação de trabalhar a teoria da distribuição como um elemento da teoria do bem estar mais que como um estudo puro e simples de como se divide o produto entre seus fatores, como já colocara Ricardo. A pesar disso, o inegável fundamento social da teoria da distribuição entranha uma das funções básicas do movimento de transformação do capital e do produto. Um padrão de distribuição do produto implica sempre numa certa situação de justiça social, que poderá ser julgada desde diferentes pontos de vista, mas que não poderá ser negada. Os fatores da produção representam as forças constitutivas da sociedade, e esse fato aparentemente banal deve ser considerado pela teoria da distribuição, sob pena de ficar esquecida essa condição fundamental do funcionamento das economias nacionais, que é sua estabilidade social. É preciso não esquecer que todo o movimento de desenvolvimento iniciado depois da segunda guerra mundial, está constituído de movimentos sociais cuja meta principal é a justiça social, na esfera nacional e na internacional. Por ser uma aspiração dos que buscam o desenvolvimento econômico, a justiça social – que é uma das principais formas de que se reveste o corte social da distribuição – converteu-se numa das diretrizes tácitas dos programas a serem executados, influindo, portanto, de modo ponderável, no tratamento que se dá aos agregados componentes do produto nacional. A justiça social é uma meta do desenvolvimento quando o padrão atual de distribuição é um empecilho ao próprio processo de desenvolvimento e quando, mesmo servindo aos modelos pelos quais se realiza o desenvolvimento, as condições de distribuição são consideradas injustas pela sociedade. Em ambos casos, a conseqüência
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concreta será uma alteração estrutural da base econômica sobre a qual se espera que haja desenvolvimento. Nas situações em que predomina o desejo consciente de melhorar a base institucional para o desenvolvimento, é evidente que a distribuição se torna um elemento favorável, mas, fora disso, converte-se em obstáculo inicial do desenvolvimento. Aí, esse padrão socialmente negativo de distribuição atinge negativamente os processos sociais através de alterações das instituições que sustentam a atividade social. A transformação de uma economia exportadora de matérias primas em economia exportadora de produtos industrializados envolve uma alteração profunda do padrão social da distribuição, com uma reorientação espacial do destino da renda e, principalmente, com a introdução de atividades em que a distribuição funcional será diferente, porque estará ordenada pelas novas formas de produção. Por fim, a justiça social inclui a incorporação da população e do espaço produtivo na maioria dos países subdesenvolvidos na América em geral. Isso ser refere especialmente àqueles paises que têm uma parte considerável de sua população ocupada em atividades primárias e em regime de troca. Claro que a incorporação desses grupos sociais representaria um aproveitamento de capacidade de produção e um melhoramento de condições de vida. Incorporação surge como o oposto da exclusão inerente ao sistema colonial.
3. Função conjugada da distribuição. Qualquer dos aspectos pelos quais se veja a distribuição não deve ser considerado como algo isolado. A distribuição pode influir na dinâmica da economia através de uma série de condições como as seguintes.
•
Uma concentração de renda em uma classe, acompanhada de alicientes para os investimentos necessários para o desenvolvimento.
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•
Uma ampliação sensível das fronteiras da técnica, capaz de criar uma classe para tomar o poder econômico, de modo súbito ou gradual, capacitando-a para influir no destino dos investimentos no país.
•
Oportunidades externas que facilitem a passagem do poder na direção de uma classe até então de segunda ordem, através de uma mudança de orientação setorial dos benefícios provenientes do exterior.
•
Condições anormais do mercado internacional que obriguem o país a usar sua renda para a industrialização, mesmo quando na distribuição de renda já prevalecente.
•
Uma revalorização das atividades econômicas, no sentido de atribuir uma maior parcela de renda e de importância para as classes inversionistas. Em seu conjunto, essas condições desembocam em duas grandes possibilidades, que
são as de que o processo desenvolvimento se inicie dentro de condições gerais de distribuição capazes de permitir o aparecimento de uma tendência de crescimento do produto social com certa composição do capital, ou de que o desenvolvimento transcorra com o apoio de uma alteração nos padrões de distribuição da renda nacional. Além disso, cabe anotar que essas duas possibilidades estão condicionadas pelos efeitos que se acumulam de alterações estruturais do sistema produtivo. É o que André Marchal apontou como as alterações progressivas de estrutura que deslocam o sistema até transformá-lo em outro sistema e as mutações bruscas de estrutura que levarão a de imediato a essa nova forma sistemática.
12
Mesmo aqui é preciso ter claro que essas duas possibilidades não
excluem que o desenvolvimento comece dentro de certo padrão de distribuição da renda e que a aceleração do processo crie as condições para alterar o destino da renda nacional. Inversamente, o desenvolvimento pode com o aparecimento de um setor novo que, ganhando importância no sistema por operar a níveis mais altos de produtividade, produza uma alteração rápida de um certo padrão de distribuição da renda e que essa nova distribuição se suavize em seus aspectos mais drásticos dentro de certo período, inclusive aproximando-se do padrão anterior.
12
André Marchal, Methode Scientifique et Science Écnomique, Problemes actuels de l’analyse économiique, Tome II, Editions Genin, Paris, 1956.
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A grosso modo, essas duas alternativas poderiam ser identificadas do seguinte modo. No primeiro caso, o desenvolvimento de economias primário exportadoras, que são estimuladas pela abertura de uma corrente de comércio exterior. No segundo caso, o aparecimento de um núcleo de atividades
industriais, por empresas isoladas ou por
complexos industriais.
4. Estruturas de mercado e tecnologia É preciso reconhecer que as condições de absorção de tecnologia são diferentes nas diferentes estruturas de mercado. A distribuição é afetada por um conjunto de fatores que aparecem constantemente na teoria da renda nacional, que, segundo Kurihara
13
são os
seguintes: Monopólio, mudanças tecnológicas, importância relativa dos fatores, condições de emprego, estrutura tributária, instituição da herança e outros fatores. A importância do monopólio foi mostrada por Kalecki em sua teoria, que explora os efeitos de condições de monopólio sobre os fatores da produção. O essencial dessa teoria será examinado adiante. O trabalho pouco qualificado predomina nos países subdesenvolvidos, com poucas possibilidades de mudança. Há baixos salários para trabalhadores
não qualificados e
dificuldade de qualificar os trabalhadores. A falta de flexibilidade do mercado de trabalho leva a um aumento do emprego com menores rendas individuais dos trabalhadores. As mudanças tecnológicas nos países subdesenvolvidos vêm acompanhadas de treinamento equivalente de mão de obra, quando esses países importam técnicas dos países mais desenvolvidos. A grosso modo, as mudanças tecnológicas têm as conseqüências de (a) aumentar a participação do capital na divisão funcional da renda, atribuindo, em
13
Kenneth Kurihara, Distribution, employment and secular growth, Economics, Londres, 1955.
em Post- Keynesian
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conseqüência disso, uma maior retribuição para esse fator no produto total; e (b) diminuir o emprego total quando essas novas técnicas economizam mão de obra. As mudanças tecnológicas geralmente acompanham períodos de expansão e se concentram nos setores de vanguarda do sistema produtivo. O fato de que haja períodos de expansão implica em dizer que se trata de épocas em que aumentam as oportunidades de emprego. Contudo, se não se pensa necessariamente em termos de investimentos em expansão – e não de investimentos de manutenção do sistema - e se admite que as mudanças aconteçam apenas na modernização dos processos de uma capacidade já existente, no que concerne às atividades onde essas mudanças são mais prováveis, as mudanças tecnológicas podem operar em forma negativa naquelas atividades que absorvem mais mão de obra, impactando negativamente na distribuição funcional da renda. Nos países subdesenvolvidos as condições de emprego têm certas peculiaridades. A baixa produtividade do trabalho permite o emprego de grande número de trabalhadores que, de outro modo, só encontrariam emprego se houvesse uma expansão do produto sem renovação tecnológica. O desemprego disfarçado, que incide desigualmente nos diversos setores da produção, responde pelo crescimento exacerbado dos quadros de funcionários em cargos determinados por políticas do Estado ou das empresas. O excedente de trabalhadores, principalmente em funções de trabalho não qualificado, pressiona as oportunidades de emprego, impedindo uma elevação da participação relativa do trabalho na renda. No modo como essa pressão se distribui entre trabalho qualificado e não qualificado, há uma pressão vertical, de baixo para cima, em detrimento da qualidade dos trabalhadores que concorrem a um mesmo conjunto de postos de trabalho. Assim, as condições sociais do emprego nos países subdesenvolvidos tornam necessário separar a margem de desemprego disfarçado de suas economias, para que se perceba seu desenvolvimento como um incremento real da produção líquida por homem hora, que aconteça em condições de pleno emprego. Torna-se claro que o desenvolvimento aqui não se entende como a simples expansão do capital, senão como a ampliação do trabalho atual no processo de produção.
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Tal movimento acontece em condições de desigualdade da situação tributária. Há aspectos de concentração social da carga tributária, de capacidade para evitar a carga tributária e de concentração social dos benefícios resultantes do pagamento de impostos. Uma grande parte da população não tem capacidade de pagar impostos. Há um conflito fundamental entre o objetivo fiscal de sustentar a despesa pública e o objetivo social de estender os benefícios da despesa social aos que não têm renda suficiente para pagar impostos. A situação tributária logicamente se conecta com o problema da herança, que protege a desigualdade de capital. A questão de justiça social envolve a questão de uma tributação significativa das heranças em países onde uma grande parte das riquezas privadas é proveniente de apropriação violenta ou de concessões obtidas do controle do Estado.
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SEGUNDA PARTE: ANTECEDENTES TEÓRICOS
Capítulo 3. A contribuição dos Clássicos. Como o objetivo central deste trabalho é o estudo do papel da distribuição da renda no processo de desenvolvimento, é preciso averiguar a importância a ela atribuída na teoria. O papel atribuído à distribuição permite ver quais foram as linhas fundamentais do pensamento sobre essa matéria, despojadas de suas roupagens circunstanciais. Veremos o papel da distribuição na concepção dos economistas clássicos, reservando para o capítulo seguinte a apreciação das contribuições de Marx e dos modernos.
Adam Smith A escola clássica trouxe para a economia uma concepção determinista, que se estendeu às formulações teóricas sobre a distribuição. Nesse caso estão as idéias de Adam Smith que, mesmo não tendo dado um tratamento sistemático à distribuição funcional da renda, trouxeram essa qualidade que tende a ser descuidada pelos críticos. Como diz Dobb, 14
“ introduziu-se nos negócios do homem um determinismo até então reservado às leis da
natureza. A sociedade econômica adquiriu um conceito determinista”. A base social é o fundamento da teoria clássica da distribuição. O caráter determinista da economia traçado pelos Clássicos depende de sua concepção de sociedade. Crendo que a sociedade tinha alcançado sua plena madurez, procuraram formular leis gerais que a regiriam, a partir da base empírica de que dispunham. Supondo que essa base empírica poderia representar toda a experiência da sociedade, nada mais lógico que procurar leis universais. Daí, que a contribuição dos Clássicos conduz a uma sistematização cuja justificação seria a maturidade da economia da Europa ocidental.
14
Maurice Dobb, Political EConomy and Capitalism, New York, 1954.
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No entanto, a base social da obra de Smith não se limita a essa experiência. Quando discute as condições favoráveis dos padrões de distribuição na formação dos salários, aduz outras circunstâncias sociais, tais como suas comparações da agricultura inglesa com a polonesa.Seu tratamento social do problema da distribuição foi esvaziado por seus sucessores, até perder sua natureza histórica e circunstancial. Esse abandono foi criticado por Paul Sweezy em seu estudo da economia marxista ao rever os Clássicos.15 No entanto, não se pode avaliar corretamente a obra de Smith sem colocá-la na situação histórica que lhe corresponde. A não consideração das limitações do acervo teórico de que dispunha Smith levou vários de seus comentaristas a subestimarem o papel da distribuição em sua obra. Nesse caso estão Cannan e Barre, que dizem que Smith estuda a distribuição como subsidiária da teoria dos preços. Cannan argumenta baseado em que a teoria da distribuição foi tratada por Smith no capítulo sobre preços e não foi seguida por uma distinção entre o preço natural e o preço de mercado das mercadorias. No entanto, ao recorrer ao próprio Smith, percebe-se que o preço total para ele não era mais que a valoração do produto nacional, que em linguagem moderna é a renda nacional, que ele se esforçava para provar que não era a medida adequada para aferir a riqueza das nações. “O mesmo que o preço ou valor de troca de toda mercadoria tomada por separado resolve-se em alguma e em todas essas três partes, assim também o de todas as mercadorias que formem o produto anual total do trabalho de cada país, em seu conjunto há de resolver-se nessas mesmas partes e dividir-se entre os diferentes habitantes do país... dessa mesma maneira se distribui originalmente entre alguns dos diversos membros de cada sociedade tudo que recolhe ou produz anualmente por seu trabalho, e, o que vem a ser o mesmo, seu preço total”. 16 Desse modo, os objetivos teóricos de Smith na mesma lógica que orientou sua divisão em capítulos, tornavam inúteis aquelas discussões consideradas como essenciais por Cannan. Mas a explicação da crítica talvez esteja em que, tanto Cannan como Barre, tomaram Smith ao pé da letra, não utilizando essa valoração do produto por seu preço total com a verdadeira função lógica desempenhada por ela no esquema smithiano. Se Smith valorava o produto por seu preço total, inevitavelmente, teria que discutir o preço como um
15 16
Paul Sweezy, Teoria del desarrollo capitalista, México, FCE, 1958. Adam Smith, La riqueza de las naciones, Fondo de Cultura Económica, México, 1958.
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somatório das diferentes participações dos fatores da produção, tal como se faz com a renda nacional a preço de mercado. Logicamente, portanto, sua teoria da distribuição estava fortemente ligada à valoração da renda nacional, mas não era sua conseqüência. Além disso, partindo de que os componentes do preço podem crescer independentemente uns dos outros, tal como fez Smith, a conseqüência será que ao estudar-se o preço natural dos fatores e seu crescimento, se estaria de fato discutindo sua participação no preço total e as possibilidades de ascensão social dos grupos seus detentores. Não se está, portanto, fazendo mais que pura distribuição. Cannan subestimou Smith por ter visto nele apenas uma análise funcional da distribuição, ignorando suas circunstâncias históricas. O alcance teórico da obra de Smith pode ser mais bem apreciado ao consideraremse as observações de Keirstead,
17
de que seu interesse pela troca de mercadorias e pelo
preço de mercado foi uma tese subordinada e circunstancial, introduzida para demonstrar a ineficácia do valor monetário do produto nacional como termo de medida da riqueza de uma sociedade. A obra de Adam Smith contém algumas contribuições líquidas para a teoria da distribuição. Uma delas é distinguir entre os destinos da renda, que é, praticamente, a de hoje. A dupla orientação que deu ao seu trabalho conduziu a um estudo macro e microeconômico do problema, ao que Cannan denominou de pseudo-distribuição e distribuição efetiva. Uma contribuição de Smith foi, também, a análise do que ocorre com a participação dos diferentes fatores durante um processo de crescimento. Apesar das limitações empíricas com que trabalhou, seu enquadramento dos termos do problema é uma das partes que mais nos interessa agora, quando tentamos integrar as tendências distributivas de cada modo de crescimento com os recursos disponíveis em cada um desses modos de crescimento.
Malthus
17
Keirstead, B.S. apud Francisco Zamora, Dinâmica económica, FCE,México, 1958.
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A figura de Malthus tem sido quase sempre omitida pelos historiadores econômicos, exceto no que se refere a sua teoria da população. Além disso, cabe atribuir-lhe a importância que realmente teve para a teoria da distribuição da renda. Malthus foi um economista que uniu uma intuição audaz a uma lógica penetrante, sendo, além disso, um excelente escritor, e sua contribuição à teoria da distribuição, segundo os interesses deste trabalho, pode ser resumida nos seguintes pontos: a. Identificação da existência de uma renda diferencial da terra; b. Tratamento da distribuição desde um ponto de vista funcional; c. Inclusão de condições de desenvolvimento entre as premissas de sua exposição. Segundo ele, “há certas características relacionadas com a renda da terra que têm grande afinidade com um monopólio natural... devido a sua escassez relativa”. A essas circunstâncias chama de monopólio parcial. Contudo, a renda da terra quase não estaria determinada por esse motivo. Malthus distinguiu três causas para a renda da terra: a qualidade produtiva do solo, a aptidão de criar sua própria demanda e sua escassez relativa. Considerou a primeira delas como uma dádiva da natureza ao homem, independente de qualquer monopólio. A qualidade produtiva do solo estaria relacionada com sua capacidade de criar demanda para seus produtos, e sobre esse ponto Malthus desenvolveu um pensamento sobre a base da lei de Say. O monopólio parcial a que se refere se relaciona com a escassez relativa da terra e as conseqüências do sistema de apropriação nas épocas primitivas de ocupação da terra. Não considerou adequadas as formas pelas quais essa ocupação foi feita, como lhe atribuiu Roll, pois julgou-as excessivamente violentas, preferindo, por isso, observar esse mesmo fenômeno nos países que em sua época estavam sendo colonizados.18 Apesar de tudo, a argumentação de Malthus baseou-se na admissão de uma intervenção da natureza na explicação do fenômeno da renda da terra, como notou o mesmo Roll. Ali estaria, como veremos adiante, o germe do desenvolvimento da teoria da renda da terra de Ricardo, e a base para toda uma argumentação distributivista.
18
Eric Roll, História das doutrinas econômicas, Cia Ed. Nacional.
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Malthus atribuiu quatro causas ao aumento da renda da terra durante o que denominou de desenvolvimento normal das sociedades civilizadas e avançadas, que são: a acumulação de capital, o aumento da população, os melhoramentos agrícolas e o aumento de atividade em geral e o aumento do preço dos produtos agrícolas. Diferentemente do que faria Ricardo, Malthus não viu um obstáculo ao processo de crescimento na queda do estimulo para o investimento, apesar de crer que isso aconteceria. Seu pensamento leva a que a remuneração do capital sofra reduções proporcionais à medida que for necessário procurar solos menos férteis, apesar de que o capital sempre preferirá fazê-lo antes que ficar ocioso. E o móvel dessa atitude será a satisfação das necessidades de uma população crescente.
Ricardo Pertence a Ricardo a afirmação de que a principal finalidade da ciência econômica é o estudo da distribuição. Essa afirmação, feita em carta a Malthus, consagrada no prólogo dos Princípios de Economia Política e repetida pela maior parte de seus críticos, exprime bem a importância da teoria da distribuição em sua obra. A distribuição da renda entre capitalistas e rentistas de um lado e trabalhadores de outro lado é o fundamento do modelo que conclui com a visão de uma situação de estagnação geral, o chamado estado estacionário. Ricardo retomou a teoria da renda diferencial onde West a tinha deixado. Abandonou todos os argumentos baseados em uma interpretação da natureza e nos favores especiais recebidos pelo homem. Como diz Kaldor, 19 o interesse de Ricardo pelo problema da distribuição não se vincula à questão da simples distribuição funcional, senão a sua crença de que a teoria da distribuição ofereceria a chave para a compreensão do mecanismo do sistema econômico, em última análise, do próprio desenvolvimento, ao determinar a taxa de progresso. Se se examina com cuidado, portanto, há uma coincidência de enfoque entre Ricardo e o que nos parece ser de interesse dos países empenhados em se desenvolverem. Claro que ressalvadas algumas diferenças, porque Ricardo buscava uma 19
Nicholas Kaldor, The alternative theory of distribution, (1956).
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espécie de chave mestra da ciência econômica, enquanto nosso interesse, mais limitado, é a identificação das qualidades dinâmicas do padrão de distribuição como variável implicada no processo de desenvolvimento. Um e outro, entretanto, significam a atribuição de qualidades dinâmicas ao padrão de distribuição. Contudo, vale anotar o papel regulador da população no dinamismo da economia. O aumento de salários está detido pelo crescimento demográfico e o fator que na teoria de Ricardo conduziu ao uso de terras inferiores para cultivo ainda é o crescimento demográfico. Acerca da ocupação de terras inferiores produzida por esse fenômeno, Ricardo encontra os dois princípios básicos sustentadores de sua teoria: o principio marginal e o princípio do excedente. A participação dos salários está dada pela teoria do fundo de salários, o da renda da terra pelo princípio dos rendimentos decrescentes, deixando determinada a participação dos lucros em forma residual. Ainda é o crescimento da população que servirá de freio para a queda da participação dos lucros, como um resultado inverso de sua ação sobre os salários. Assim, Ricardo pensava que o desenvolvimento seria mais rápido nos países com abundancia de terras férteis, por que neles a acumulação de capital poderia avançar mais rápido que o aumento da população. Se bem a teoria de Ricardo conduz antes à estagnação própria do estado estacionário que a uma possibilidade efetiva de crescimento, adverte-se nela uma compreensão do aproveitamento do padrão de distribuição como elemento dinâmico, desde que na forma de relações entre os fatores de produção a que constitui a base de seu modelo e a suposição que o levou ao seu fim lógico, isto é, que o processo de desenvolvimento conduziria as economias nacionais a uma situação de desestímulo para os investimentos, pelo que surgiria a estagnação. Além disso, a teoria ricardiana trouxe uma contribuição à análise da distribuição intersetorial e ao seu equilíbrio, dado que pressupõe correspondências entre as taxas de lucro obtidas nos diferentes setores e a situação de equilíbrio. A equivalência intersetorial das taxas de lucro seria a base da retenção de capital numa ou noutra atividade.
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John Stuart Mill A contribuição trazida por Mill à teoria da distribuição depende diretamente da maior maleabilidade dada pelo modelo básico de crescimento produzido pelos Clássicos, ao qual correspondia uma tendência endógena à redução do estímulo para investir, e em conseqüência disso, para crescer. A posição de J.S.Mill sobre esse ponto encontra-se no anexo ao capítulo XIV de seu tratado de economia política. Ao admitir novas possibilidades técnicas de uso do capital - combinação de capital adicional com terra disponível -
Mill retirou algo da inexorabilidade do advento do estado estacionário
contemplado no modelo de Ricardo, pela combinação da teoria da renda da terra com a do fundo de salário, introduzindo um limite tecnológico, além da restrição física. Essa limitação tecnológica, exterior ao setor agrícola, permitia um incremento dos recursos sempre que as novas técnicas forem capazes de aproveitar terra disponível que antes não eram economicamente aproveitáveis. Começa a haver, portanto, uma possibilidade de incorporar produto à capacidade produtiva, não contemplada no modelo ricardiano. Os efeitos de monopólio, que chegam com as novas técnicas, passam a influir no padrão de distribuição. A base sobre a qual Mill raciocina ainda é a mesma oferecida pela teoria demográfica de Malthus. Em sua opinião, onde o desejo de acumular de uma população é suficiente – o que, correspondendo à vontade de se desenvolver, seria um requisito indispensável do desenvolvimento – o empobrecimento da população seria causado pela impossibilidade de atender à solicitação resultante do aumento de população através da combinação de capital com terra, dada a tecnologia atual. Pior do que acontece com os outros Clássicos – especialmente Smith – Mill foi julgado por seus críticos, que não consideraram adequadamente sua contribuição à teoria da dinâmica do crescimento. O chamado ecletismo de Mill seria uma incoerência com sua adesão ao socialismo e ao liberalismo.
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Segundo a teoria de Ricardo há uma tendência decrescente da taxa de lucro ao avançar a produção. Observe-se que essa tendência só se materializa porque as compras dos trabalhadores são cada vez menos suficientes para reproduzir o capital aplicado. Para Smith haveria uma queda da taxa de lucro, de terminada pela concorrência entre os capitalistas que, pressionados, pagariam salários cada vez maiores aos trabalhadores. Para Ricardo, a elevação dos salários seria menos proveitosa para os trabalhadores, porque resultaria no encarecimento dos meios de consumo, provocado pela necessidade crescente de usar terras em piores condições. Vê-se, assim, que a argumentação de Ricardo depende primordialmente de observações sobre a economia rural, envolvendo por isso, uma excessiva simplificação no relativo ao sistema de comercialização, que se tornou um ponto fundamental da análise de Marx. Segundo Ricardo, portanto, quem reteria um aumento líquido de remuneração não seriam os trabalhadores, que individualmente continuariam no nível de subsistência, mas seriam os proprietários das terras. Mais uma vez, faltou a Ricardo ligar as vantagens de reter a propriedade fundiária e de controlar as condições materiais da formação do capital. Smith acreditou que o aumento da produtividade do trabalho, resultante das inovações introduzidas no processo de produção, seria um freio suficiente para a queda da taxa de lucro. Ricardo foi mais pessimista a esse respeito, mas, um e outro tacitamente admitiam que o aumento da população, com uma absorção cada vez maior do produto total pelos trabalhadores, seria o móvel conducente ao estado estacionário. Talvez por ser mais pessimista que Smith – e por contemplar uma ação significativa do Estado
20
- tanto em
termos de política fiscal como de política colonial, para contrabalançar os efeitos negativos do crescimento demográfico.
20
Não se pode esquecer que Ricardo optou espontaneamente por uma atividade legislativa e que foi um parlamentar voltado a assuntos econômicos.
39
Capítulo 4. Marx e os contemporâneos Marx Tal como Ricardo, Marx usou a teoria da distribuição para explicar a dinâmica do sistema econômico, que distinguiu como sistema capitalista de produção ou como sistema burguês. No entanto, há uma diferença muito grande entre os dois, quanto à direção dada ao uso da distribuição. Ricardo vinculou a distribuição da renda à explicação da queda progressiva do impulso para crescer, apoiado em alguns pressupostos básicos, tais como o crescimento demográfico, a importância crucial do setor agrícola para a distribuição funcional da renda e o fundo de salários. Com Marx aparece uma conceituação tácita da atividade econômica como atividade industrial, no sentido mais amplo dessa expressão.21 Essa concepção do sistema produtivo como de um sistema industrial – ou industrializado – significou uma mudança de posição acerca do tratamento que se dá a vários dos pressupostos da teoria ricardiana, dentre os quais o relativo ao nível dos salários. Do mesmo modo que os clássicos, Marx previu uma redução da taxa de lucro sem que, entretanto, os motivos desse movimento em sua opinião fossem os mesmos imaginados por Ricardo. Ao contrário de seu predecessor, Marx previu a possibilidade de continuação do funcionamento do sistema produtivo. Exatamente, são essas possibilidades onde se introduzem as mudanças mencionadas frente às premissas dos clássicos. Marx admitiu a possibilidade de que outros fatores se introduzissem no modelo, permitindo a continuação de uma taxa de lucro suficiente para estimular a acumulação de capital. Tais fatores seriam um aumento da taxa de exploração, viabilizado pelas inovações tecnológicas responsáveis de uma elevação da produtividade dos trabalhadores e a formação de um excedente de mão de obra, constituindo o exército de reserva.
21
Acerca dessa conceituação ampla da atividade econômica como atividade industrial – equivalente de certo modo à conceituação antropológica de cultura – ver, por exemplo, Pei-KangChang, em Agricultura e industrialización. Chang faz uma apreciação cuidadosa do tema no começo do livro, evidenciando a propriedade de um conceito amplo de indústria ao lado do comum, que é mais restrito. Estendendo esse tratamento aos diversos setores da economia, Marx levanta os pontos em comum de todos eles, que são os usos de capital fixo e de trabalho nos departamentos I e II.
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Não tendo sido o primeiro a tratar o problema da substituição de trabalhadores por máquinas – Ricardo já tinha feito antes, mostrando como as máquinas economizadoras de trabalho liberam quantidades de trabalho, entretanto retendo trabalho nas quantidades e composição que lhe são necessárias – Marx tratou desse problema independentemente da teoria demográfica de Malthus, vinculando-o a uma teoria geral da acumulação. O poder de expandir-se do capital aumenta com sua acumulação. Para Marx, a queda da mais valia resultante do aumento – relativo e absoluto – do uso de capital acumulado, e a conseqüente absorção do exército de reserva, compensaria a redução do ritmo da acumulação mais adiante, quando houver escassez de mão de obra, mantendo-se a capacidade de explorar do capitalista. Além das qualidades apontadas, o modelo de transformação econômica de Marx dota a análise da repartição do produto nacional de três características, que foram habilmente expostas por Jean Marchal
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: macroeconômica, de longo prazo e sociológica.
Tais características configuram a abordagem marxista, Se bem Jean Marchal não as tenha utilizado para identificar o dinamismo implícito no padrão distributivo, o debate sobre as tensões num dado regime econômico e o exame das possibilidades de formular leis da evolução do padrão de distribuição, o debate sobre as tensões num dado regime econômico23 e o exame das possibilidades de se formularem leis da evolução do padrão distributivo ao longo do crescimento sobre bases capitalistas, implicam num modo indireto de uso desse padrão de distribuição – do capital e da renda – para identificar o tipo de dinamismo de que se trata. Por outro lado, as três características descritas aproximam o esquema marxista do objetivo central que procuramos dar ao tratamento do padrão de distribuição da renda. A preponderância dos elementos de longo prazo sobre os de curto prazo tem como conseqüência natural uma desvinculação inicial do padrão de distribuição dos fatores que, regendo as possibilidades de crescimento a curto prazo, estão, no entanto, ligados às condições de crescimento a longo prazo. Inversamente, as influencias coletivas que se 22
Jean Marchal, Deux essays sur lê marxisme, Editions de M. Génin, Paris, 1955. Uma característica essencial da análise de Marx é dedicar-se a explicar o atual sistema capitalista de produção, que distingue dos modos pré capitalistas de produzir. 23
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manifestam por uma transformação das instituições, e cuja atuação pode ser observada a longo prazo, foram omitidas pelos economistas mais interessados no curto prazo, tanto neoclássicos como keynesianos. O plano do longo prazo das transformações das instituições não se faz pela passagem de um esquema institucional a outro, senão acontece como resultado do amadurecimento do sistema atual,
24
que prossegue ininterruptamente,
sob a ação de desafios contínuos do sistema de relações internacionais a que as economias nacionais estão submetidas. O contexto internacional é essencial à produção capitalista desde sua origem. Isso faz com que os fatores a curto prazo sejam essencialmente instáveis, já que estão pré-condicionados por esse quadro a longo prazo, que não é processado pela análise econômica. Além disso, esses elementos a curto prazo são as expressões mecânicas dos elementos do longo prazo, pelo que, sua não consideração representa uma insuficiência teórica da própria análise a curto prazo.
Os marginalistas Tal como Marx, os marginalistas – ingleses - partiram da teoria de Ricardo, mas seguiram um rumo muito diferente.
25
O enfoque marginalista tem suas bases no princípio
da utilidade marginal e partiu da elaboração ricardiana da renda da terra. Os marginalistas deram um lugar central a uma tese lateral de Ricardo, procurando generalizar e construir através da generalização de seu uso. Esse novo uso do principio da utilidade marginal e suas implicações para o esquema geral do marginalismo, foram bem sintetizados por Kaldor.26 Ricardo limitou o uso do principio da utilidade marginal à análise das aplicações do fator variável trabalho ao fator constante terra. Como inferência dessa aplicação, o princípio marginal mostrava como um fator constante ganhava a diferença entre o produto 24
Marx denomina de desenvolvimento das forças produtivas, que engloba os aspectos materiais e os de conhecimento incorporados pelos trabalhadores. 25 É preciso registrar desde aqui a diferença epistemológica entre a corrente inglesa e a corrente austríaca do marginalismo, com o contraste entre a visão positivista austríaca e a visão empirista inglesa. 26 Nicholas Kaldor, Alternative theories of distribution, Review of Economic Studies, fevereiro, 1956.
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médio e o produto marginal do fator variável. Os marginalistas, ao expandir o uso do princípio marginal para toda a economia focalizaram em seu uso inverso. Suas
concepções
são
nitidamente
microdinâmicas.
Estando
basicamente
interessados em criar um corpo teórico capaz de responder à teoria marxista do valor trabalho, os economistas neoclássicos – herdeiros dos marginalistas – elaboraram um esquema distributivista em caráter e intenção, incapaz de oferecer uma base para uma teoria do desenvolvimento. Um esboço do que poderia ser uma teoria do desenvolvimento nos moldes neoclássicos foi-nos dado por Celso Furtado.27 Os economistas neoclássicos ignoraram as condições materiais determinantes do nível da poupança e que influem na redistribuição da renda a longo prazo. Dada a situação de consumo total da renda em que vive a maioria da população nos países subdesenvolvidos – e ali importa saber se a desigualdade de renda é igual ou não nos dois tipos de países - é fundamental para quem estuda os países subdesenvolvidos, conhecer a origem e o comportamento da poupança.28 Entende-se ser essa uma causas da pouca valia de sua teoria para uma análise do desenvolvimento. Desde o ponto de vista da teoria da distribuição, Kaldor considera indiscutível a contribuição marginalista em três pontos. Primeiro, marcando o vínculo necessário entre a teoria da produção e a teoria da repartição da renda, através da relação entre a produtividade marginal e a demanda de fatores, pondo em relevo a associação essencial entre a produtividade e a remuneração dos fatores. Segundo, é uma teoria econômica fundamental que traz de volta a atenção aos problemas de valor e às funções econômicas da renda, assim oferecendo elementos inestimáveis para a política econômica. Terceiro, oferece uma explicação homogênea e unitária da remuneração dos fatores da produção.
27
Celso Furtado, El análisis marginal y la teoria del desarrollo, México, El Trimestre Económico, 1958. 28 Nesse ponto não há como deixar de considerar o argumento de que os países e as regiões subdesenvolvidos exportam capitais para os países e regiões mais desenvolvidos, através do mecanismo controlado da comercialização de seus produtos, do controle do financiamento e da migração de capitais formados nas atividades primário-exportadoras. Esse argumento foi apresentado por nós na análise do funcionamento da economia da região cacaueira na Bahia (A Zona Cacaueira, 1959).
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No entanto, entendemos que o caráter microeconômico da análise marginalista constitui uma limitação semelhante àquela da crítica de Böhm-Bawerk a Marx. A falta de uma resposta satisfatória à teoria do valor trabalho foi oportunamente apontada por Paul Sweezy. O marginalismo realiza um deslocamento temático na teoria do trabalho, que significa desconsiderar os argumentos relativos à exploração e reduz tudo a uma proporcionalidade da remuneração dos fatores, sem entrar no mérito da restrição dos pagamentos aos trabalhadores. É revelador que autores como Raymond Barre e Paul Samuelson utilizam a crítica de Böhm-Bawerk sem mencionar esse deslocamento temático. Mas Paul Sweezy contra-argumentou baseado no caráter global da extração de mais valia, que afeta o sistema de produção em seu conjunto. Mais penetrante ainda nos parece a análise de Paul Baran, quando distingue as condições históricas que regem a diferença entre a renda real e a renda potencial. O viés microeconômico da análise marginalista é o mesmo que levou Schumpeter a perder o significado do “fluxo circular” dos Fisiocratas, ao reduzi-lo a relações entre indivíduos. Entendemos que, mesmo admitindo que os marginalistas extraíram elementos válidos de análise, tanto para as economias de mercado aberto como para as economias planificadas, e que contribuíram amplamente para progressos no domínio da distribuição funcional da renda, o viés microeconômico limita decisivamente o escopo da teoria, que se torna incompatível com a construção de uma teoria unificada da distribuição.
A teoria do grau de monopólio A teoria do grau de monopólio é a contribuição de Michal Kalecki a este debate. A teoria de Kalecki baseia-se na determinação da participação dos salários de trabalho manual na renda nacional pelo grau de monopólio e pela relação entre a despesa total em materiais e o montante dos salários. Trata-se, portanto, de uma exploração da explicação de Marx da acumulação em geral. Usa o pressuposto de uma análise a curto prazo onde o grau de monopólio - elemento que se agrega ao lucro – é a diferença entre o lucro marginal obtido em condições de concorrência perfeita e o lucro marginal obtido sob condições
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monopolísticas. Vê-se que na verdade Kalecki toma um aspecto da análise de Marx da estruturação do sistema produtivo e extrái dela um rebatimento – a nível micro – das condições de formação da taxa de mais valia, retirando dela, entretanto, seu significado histórico, isto é, reduzindo a análise de Marx a um argumento mecanicista. A teoria do grau de monopólio foi formulada para o caso específico do setor industrial e construída a partir de uma unidade industrial. Exprime-se por um sistema de três equações básicas, que se apóiam em pressupostos representativos das economias nacionais mais desenvolvidas. Trata o grau de monopólio como uma situação e não como um processo, pelo que se aproxima mais de Keynes que de Marx. A proposição básica resultante do desenvolvimento dessas equações é de que as partes dos capitalistas e dos assalariados na renda bruta estão determinadas pelos retornos do capital, com grande aproximação ao grau de monopólio.29 Evidentemente que isso seria inaplicável em condições de mercado aberto, quando o grau de monopólio seria nulo, ou em condições de processos de monopolização que sejam mutuamente bloqueados. Os motivos pelos quais a teoria do grau de monopólio é pouco aplicável para nós radicam em suas características de curto prazo que condicionam essa combinação de micro e macroeconomia. Mesmo se expandindo essa abordagem a outros setores da produção, seria difícil integrá-la com esse esforço de ver as qualidades dinâmicas do padrão distributivo. Inicialmente, a teoria de Kalecki tem para nós o interesse de que seu entendimento da participação do trabalho manual está adequada à composição do trabalho nas economias subdesenvolvidas, onde há uma proporção majoritária de trabalhadores ocupados em atividades de baixa tecnologia em que o componente de trabalho manual é mais elevado que a media das economias mais industrializadas. Esse, seguramente, é um ponto que exige maior aprofundamento, porque não se trata de maior número de trabalho manual stricto sensu senão de maior carga de trabalho por unidade de produto, mesmo em ambientes em que decresce a participação de trabalho manual propriamente dito. A hipótese básica de
29
Michal Kalecki, The determinantes of distribution of National Income, Econometrica, agosto, 1938.
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uma economia onde o trabalho socialmente necessário diminui lentamente é a mais próxima da realidade para o conjunto de cada economia periférica, mas compreende setores onde ele cai rapidamente e outros onde ele se mantém praticamente invariante. Não há como supor que todos os setores da indústria se comportem do mesmo modo, como se em todos houvesse a mesma concentração de capital.
A teoria keynesiana Neste trabalho trata-se principalmente de contribuições de pensadores considerados como adeptos das idéias de John Maynard Keynes que das obras dele mesmo. A teoria de Keynes contém pressupostos de concentração de renda, implícitos no mecanismo de sua teoria do investimento, mas sua análise da formação de renda está prejudicada por seu foco no curto prazo. Para nossos fins, interessam mais as obras de alguns economistas rotulados como post-keynesianos. Especialmente, interessam-nos mais os trabalhos de Nicholas Kaldor e de Roy Harrod. Baseado nas idéias de Keynes, Nicholas Kaldor começou um esquema teórico da distribuição, publicado em um artigo na Review of Economic Studies de fevereiro de 1956. Nele, partiu de um novo uso do multiplicador, prescindindo da sua finalidade original de determinação do nível do emprego, para utilizá-lo na determinação da relação preçossalários, tomando como dado o nível do emprego. Tal como ele mesmo admite explicitamente, a condição necessária para a validez de seu esquema teórico é o pressuposto de ser o investimento uma variável independente. Seria perfeitamente concebível o uso desse pressuposto numa economia desenvolvida. A dependência ou a autonomia dos investimentos nesse caso estaria em função dos estímulos para investir. Noutras palavras, dependeria da demanda efetiva, supondo-se uma propensão para investir igual à unidade. Nas economias subdesenvolvidas também haverá lugar para o pressuposto do investimento autônomo, sempre que houver demanda insatisfeita, isto é, que a demanda cresça mais rápido que a capacidade de produção, o que seria inevitável, especialmente se o processo é analisado a nível dos setores da produção. Contudo, grande parte do volume dos
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investimentos nessas economias depende de variações na propensão a investir, causadas especialmente pela insuficiência de sua capacidade para importar e pela inadaptabilidade técnica de sua estrutura produtiva para produzir os tipos específicos de bens necessários para a realização dos investimentos. Noutras palavras, a teoria keynesiana do investimento encontra limitações decorrentes da composição do capital, que limitam decisivamente sua validade a longo prazo. Mais ainda, se essa limitação fosse considerada no contexto de um modelo de planejamento econômico, seu pressuposto básico, que é o caráter independente da variável investimento, não seria válido. Isso porque a necessidade de fixar metas para um programa tornaria necessário estabelecer taxas de crescimento e então, afastada a possibilidade de variações bruscas na relação produto/capital a curto prazo, o investimento se tornaria uma variável dependente dentro do sistema. A premissa a partir da qual Kaldor supõe que a relação investimento/produto seja uma variável independente é a de que ela está determinada pela taxa de crescimento da capacidade de produção e pela relação capital/produto, o que implica admitir uma adaptabilidade perfeita do sistema industrial para produzir os bens necessários aos investimentos, além de uma capacidade suficiente para atender em quantidade e em tempo adequado a essas necessidades de produção. Isso significa que a análise de Kaldor contém uma simplificação que não é explicada e que restringe sua aplicabilidade às mesmas condições de curto prazo da análise keynesiana em geral. 30 A alternativa é dispor de uma capacidade de importação que se expande sem elevação de custos. A primeira das duas alternativas é utópica. Quanto à segunda, a
30
Esse aspecto de adaptabilidade do sistema está muito pouco explorado na corrente keynesiana e está apenas indicado por Harrod, como um desdobramento da teoria do acelerador.. Para nós é fundamental, porque reflete os movimentos progressivos da composição do capital, que logicamente mudam de feição à medida que o sistema se torna mais complexo. Observamos que a análise do desenvolvimento desenvolvida nas economias mais ricas e poderosas pressupõe que essa adaptabilidade está dada e, praticamente, representada pela renovação de tecnologia. Entendemos que essa é uma simplificação improcedente, já que a adaptabilidade está ligada ao desempenho do grande capital e que se distribui desigualmente no sistema produtivo e ao longo do tempo.
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experiência dos estudos do subdesenvolvimento mostra como surgem restrições de balança de pagamentos, em que a capacidade de importar enfrenta dificuldades crescentes.
Distribuição, emprego e crescimento secular Nesta parte consideram-se os argumentos que ligam a distribuição aos movimentos do sistema produtivo em períodos longos, que é uma pré condição necessária da análise do desenvolvimento, mesmo quando se trata com problemas de subdesenvolvimento em curto prazo. A referência de longo prazo envolve duas considerações, que são as de que as principais mudanças na composição do capital se realizam em longos períodos, e que somente com um horizonte de longa duração é possível apreciar os principais deslocamentos na relação entre a expansão do sistema produtivo e as modificações da população. As implicações do processo de distribuição em períodos longos são parte essencial da formulação teórica de Marx, mas ficaram perdidas no marginalismo em suas diversas correntes. Por isso, vale a pena examinar a contribuição de Kenneth Kurihara. Na linha do pensamento keynesiano, Kenneth Kurihara, em trabalho incluído em coletânea de economia post-keynesiana, analisou os fatores que influem na distribuição, a relação entre a distribuição e o equilíbrio a longo prazo, estudando-a, por fim, através da função consumo e da função investimento. O trabalho de Kurihara parte da justificação do enfoque de Keynes da teoria do emprego, segundo a qual a estrutura distributiva pode ser tomada como dada quando se considera o nível do emprego no curto prazo. No longo prazo, contudo – e é nesse ponto que nosso interesse coincide com o dele – acontecem alterações institucionais significativas que afetam a distribuição. Por extensão – e por um efeito de integração com o modo de produzir – a distribuição afeta o emprego e o crescimento secular do produto, introduzindo-se assim um efeito distribuição entre as variáveis macroeconômicas intervenientes no crescimento.
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Partindo dessas premissas, o objetivo do trabalho de Kurihara é analisar as relações entre a distribuição da renda e o emprego secular no contexto de um equilíbrio dinâmico. No transcorrer do trabalho, Kurihara tenta, além disso, provar que a diferença entre os dois lados da dinâmica que servem de base para as elucubrações de Harrod, de Domar e de Joan Robinson – o investimento e a poupança – são mais aparentes que reais. Justifica-se o interesse dos mencionados economistas, tanto como o do próprio Kurihara, e o dos economistas dos países mais desenvolvidos, onde supostamente a propensão a investir não é um problema. A partir daí, desenvolve uma análise da relação da função consumo e da distribuição, considerando que são os efeitos dos hábitos de consumo que têm maior peso na análise a longo prazo. Para nós, essa análise deve ser revista, porque esses pressupostos sobre o efeito renda da distribuição têm diferente sustentação para os países mais ricos e maiores e para os países mais pobres e menores. A análise de Kurihara refere-se a hábitos de consumo e nós precisamos ter claro que se trata das condições históricas do consumo dos diferentes grupos sociais, que estão delimitadas pela segmentação social e não só por diferenças de posição numa distribuição contínua do consumo. O consumo está condicionado pelas condições de pobreza de grupos provenientes da sociedade escravista e que não têm nem tiveram acesso a oportunidades de obter renda. Por isso, são diferentes curvas de consumo com as quais é preciso trabalhar. Assim, só será possível reorganizar essa análise estudando a estrutura do consumo dos países subdesenvolvidos, distinguindo – tal como fez Ricardo – o consumo dos que têm rendas do capital, o dos que têm rendas de trabalho e considerando nossos equivalentes dos wanderers de que ele fala, que são todos os que têm ficado fora do mercado de trabalho. Hábitos de consumo ou propensão a consumir são qualificações cujo significado fica restrito a sociedades em que todos participam do mercado com rendas regulares, isto é, onde não há exclusão significativa. Certamente, não são as condições dos países latinoamericanos em geral nem do Brasil em particular.
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TERCEIRA PARTE
FATORES DETERMINANTES DA DISTRIBUIÇÃO DA RENDA
Capítulo 5. As formas de produção
Se considerarmos a produção em seu estagio primitivo, poderemos perceber que o problema da distribuição da renda praticamente não existe tal como ele geralmente é concebido e discutido. O lavrador que trabalha sua própria terra e o artesão que recolhe a matéria prima no ambiente onde vivem recebem o valor total da produção que realizam. Numa comunidade onde todos trabalham desse modo não há como formar uma desigualdade acentuada na distribuição da renda entre as pessoas, a não ser por fatores tais como a raridade dos bens que se produzem, a qualidade das terras que se cultivam, etc. Na sociedade capitalista moderna as coisas acontecem de modo muito mais complexo, demandando uma análise mais detalhada da relação entre a formação de renda e a distribuição da renda disponível. Adam Smith compreendeu a importância do aumento da complexidade nos métodos de produção para a distribuição da renda, tendo sido esse, em conseqüência disso, seu primeiro ponto de abordagem da teoria da distribuição. Como vimos no Capítulo 3, todo o esquema teórico construído pelos Clássicos, inclusive a teoria da renda diferencial, em sua essência, está sustentado num raciocínio desse gênero. A identificação das formas de produção como elemento determinante do processo distributivo faz-se a partir da consideração de que a estreita dependência entre a demanda efetiva e o padrão prevalecente de distribuição da renda implica em uma relação das formas de produção e a dinâmica das economias nacionais, dependente, por sua vez, da demanda efetiva. Evidentemente que há essa circularidade de interdependências dá num raciocínio tautológico, que toma efeitos por causas. Mas essa tautologia só aparece enquanto se tenta
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resolver teoricamente os problemas da distribuição apenas na esfera da renda, isto é, enquanto não se trabalha com a relação entre distribuição da renda e formação de capital. Isso significa colocar a distribuição como uma decorrência do modo de produção capitalista e, especificamente, como um movimento que está atrelado às formas específicas em que se materializa o modo de produção capitalista. O modo de produção capitalista se operacionaliza numa combinação de formas industriais de produção com formas de operação bancárias e com uma extensão às formas de produção rural. A visão do sistema socioprodutivo como de uma combinação de formas de produção é um desdobramento inevitável da abordagem de Marx31 , que se situa na perspectiva de processos históricos que se materializam em formações sociais, que são a expressão das economias nacionais32 , com seu componente material e seu componente ideológico, com suas práticas operacionais e suas instituições. Assim, a leitura do processo através das formas de produção não é , portanto, uma redução de seu fundamento histórico, nem é uma perda da dimensão crítica da tensão entre a progressão da formação de capital e a concentração de renda social. Nesse sentido, as formas de produção definem as qualidades dinâmicas próprias do sistema socioprodutivo, convertendo-se em limites de suas possibilidades imediatas de crescimento. As formas de produção estão vinculadas às respostas históricas encontradas para os problemas de ajuste das estruturas suscitados pelos movimentos de crescimento do produto social. Constituem os matizes introduzidos em uma ou outra parte, com as complicações introduzidas pelas circunstâncias, aquilo que Henri Guitton denomina de regimes produtivos.33 Esses regimes estiveram ao longo da história, baseados em determinados estágios da técnica que, por suas próprias características estruturais, incluem certas respostas aos problemas sociais da distribuição dos resultados do trabalho, variando desde os conceitos legais da propriedade da renda até as formas habituais de remuneração do capital e do trabalho. O fundamento institucional surge como uma determinação histórica
31
A doutrina de Marx sobre os modos de produção significa que o modo de produção capitalista é sempre misto – e não só complexo – porque carrega formas superadas de modos anteriores, que dão a originalidade de cada formação social. 32 É oportuno lembrar que Marx se refere nominalmente a economia nacional e que reconhece as implicações de uma análise de processo internacional do capital como de um processo que pode ser definido nos parâmetros institucionais das nações. 33 Henri Guitton, Economia Política, Rio de Janeiroi, Fundo de Cultura, 1959,vol. II, pp. 12.
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das condições técnicas da produção e não como um elemento separado do quadro técnico da economia. O papel dinâmico das formas de produção veio a ter importância na teoria econômica de Marx, onde aparecem como resultados da experiência prática da produção. Essa importância pode ser aferida das seguintes linhas “Na produção social que realizam os homens, estão em determinadas relações, que são independentes de sua vontade. Essas relações de produção correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento das forças materiais de produção. A soma total dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade – a base sobre a qual se levantam as superestruturas legal e política e da qual correspondem determinadas de consciência social” 34 A seguir, desenvolvendo as possibilidades dinâmicas implicitamente admitidas nesse raciocínio, prossegue: O modo de produção na vida material determina o caráter geral dos processos sociais, políticos e espirituais da vida...Em certa etapa de seu desenvolvimento, as forças materiais de produção existentes - isso não é senão uma expressão legal do mesmo – com as relações de propriedade dentro das quais tinham operado antes. De formas de desenvolvimento das forças de produção essas relações se converteram em suas travas” 35 É a dialética marxista aplicada à base material do processo econômico, a produção em suas formas técnicas, apresentando-as como as forças dinâmicas que comovem regimes econômicos estabelecidos sobre formas de produção anteriores, agitando-os, preponderando sobre eles e passando a ser a base de sustentação dominante até que outro movimento técnico, incluindo nessa expressão as relações sociais que acompanham a todos os movimentos técnicos, as comovam por sua vez e produzam um movimento semelhante. Para Marx, a importância da mais valia transcorre desde a forma histórica específica do capitalismo como forma de produção. No capitalismo, portanto, não importava o fato em si da exploração de uma parte da população por outra, senão a forma assumida pela exploração, isto é, a produção de mais valia. Para nós, entretanto, interessa discutir não só esse aspecto global do movimento que nasce das formas de produção, senão também as implicações que esses movimentos têm sobre o padrão geral da distribuição.
34 35
Karl Marx, El capital, México, Fondo de Cultura Econômica, 3 vols. 1956. Karl Marx, op. cit.
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O debate distributivo baseado na crítica das formas de produção foi anterior a Marx e estava implícito no interesse de Ricardo no mecanismo da distribuição da renda da terra. Essa distribuição seria a causa central de conflitos entre diferentes grupos considerados pela forma de sua participação na produção e, como assinalaria Sweezy36, preferiu o capital. Em segundo termo, as formas de produção são a causa oculta por cuja presença não se pode perceber com clareza as verdadeiras condições em que se encontram os indivíduos para ter acesso aos meios de produção. A estrutura dessas formas de produção, tal como ocorre na produção capitalista, pode impedir o acesso de muitos indivíduos aos referidos meios de produção, restringindo seu controle àqueles que representam o setor estrategicamente bem situado na estrutura do sistema produtivo. Essa impossibilidade foi muito menor ou simplesmente não existiu nas formas pré-capitalistas de produção. Contudo, a produção capitalista aparenta uma igualdade baseada na produção de mercadorias na base de relações contratuais que, em princípio, não impedem o acesso de todos ao consumo. No modo pré-capitalista de produção organizado sobre uma combinação de exploração agrícola com artesanato, a possibilidade de que se formem grandes desigualdades na distribuição depende da estrutura da propriedade fundiária e da participação da economia nacional em um sistema de relações internacionais. Historicamente,
para
os
países
que
estão
atualmente
tentam
emergir
do
subdesenvolvimento, a grande fonte de desigualdade na distribuição resultou do primeiro fator, desde que o segundo dependeu sempre do período econômico dos países mais desenvolvidos, seja expressado por suas frotas, seja por uma alta participação na própria comercialização interna de seus produtos agrícolas. Sob tais condições, considerando-se que a propriedade rural tende a perpetuar-se por herança, o excedente da produção terá um destino sempre igual, fixando as possibilidades dinâmicas do padrão distributivo.
O
resultado geral sempre foi uma retenção do excedente de produção em mãos de uma classe rural dedicada a produzir para exportar e com oportunidades e interesses de investimento
36
Paul Sweezy, La teoria del desarrollo del capitalismo, México, FCE,1956.
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bastante reduzidos
37
. Assim, a menos que os próprios produtos de exportação sejam
alimentos, a tendência é para que o processo de urbanização gerado pelo comércio seja prejudicado, quando não detido, por uma alta constante do custo de vida, causada pela escassez de alimentos. Tal escassez de alimentos, como se sabe, tem sido um traço característico dessas economias exportadoras de matérias primas agrícolas e mineiras. Haverá, portanto, um duplo choque entre os interesses naturais dos detentores da agricultura de exportação, dos indivíduos dedicados a produzir
alimentos
38
e dos
integrantes dos centros urbanos. Esse conflito de interesses precede a determinação de classes sociais, que aparece primeiro nos centros urbanos, mas que tem um indiscutível fundamento rural. Essas têm sido as mais próximas dentre as novas formas de produção e aquelas que com mais facilidade se identificam com as tendências de industrialização da produção em geral. Identificam-se com a agricultura de exportação, de modo geral, como uma faixa de intermediação, em que avultam interesses opostos aos dos agricultores. Igualmente, apesar de que raramente se tenha dito, há uma conjunção de interesses com os dos produtores de alimentos em todas as oportunidades de começo de industrialização, quando se precisa elevar rapidamente o coeficiente de urbanização. Apesar disso, enquanto perdurar o sistema tradicional de agricultura de exportação, serão os comerciantes das cidades seus integrantes complementares que, entretanto, a encaixam num sistema mais amplo de relações internacionais. A capitalização das formas de produção em muitos países subdesenvolvidos precedeu sua industrialização. Geralmente ela começou pela própria agricultura de exportação, inclusive como parte da produção colonial. Entretanto, deixada de lado a fase 37
A produção de mercadorias para exportar na América Latina em geral esteve controlada por grandes comerciantes localizados nas principais cidades, que, por sua vez, estiveram sob o controle de grandes capitais instalados nos países líderes da economia mundial. O poderio econômico da Inglaterra esteve claramente associado a sua capacidade de controlar os negócios com as principais mercadorias, tais como chá, café, cacau etc. 38 Observa-se que a produção de alimentos tem sido realizada em pequena escala por pequenos capitais, oprimida pela produção para exportação. Isso se torna particularmente flagrante nos países tropicais, onde a maior parte da exportação agrícola é de produtos de sobremesa.
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inicial da colonização, a agricultura de exportação realizada em grandes unidades e em moldes capitalistas tornou-se e com ela mobilizaram-se grandes capitais dos países mais ricos. O mesmo aconteceu com a grande mineração, que teve o efeito adicional de exaurir recursos não renováveis. Assim, ao observar o processo em seu conjunto, não se pode identificar uma linha única de interesses capitalistas nesses países. Na realidade eles funcionaram com a lógica do capital, mesmo quando corresponderam a formas de preliminares da organização da produção capitalista. Torna-se, portanto, necessário distinguir o capital operacional em sistemas pré-industriais e em sistemas de produção industrializada. Por isso, o conceito de forma de produção ganha uma importância especial na análise das economias dos países subdesenvolvidos de hoje. O aparecimento do capitalismo industrial nos países subdesenvolvidos altera radicalmente suas possibilidades dinâmicas. Há uma redistribuição social do excedente da produção e abrem-se novas possibilidades e interesses quanto ao destino dado ao produto nacional. No essencial, houve uma redistribuição do produto territorial. Ao mesmo tempo, as áreas que não alcançaram um vínculo eficiente com o sistema capitalista de produção, permaneceram praticamente em estado de economia natural. A incorporação às formas industriais ou às formas capitalistas em geral converteu-se em um quadro político completamente novo. O principal efeito da introdução de um setor industrial na dinâmica dos países subdesenvolvidos tem sido a orientação de uma parte crescente do produto nacional a um setor social disposto a realizar investimentos tendentes a exercer a longo prazo uma pressão favorável continuada sobre a balança de pagamentos e um amadurecimento geral do sistema produtivo. É preciso lembrar que, em muitos casos, um setor agrícola capitalista – com efeitos na balança de pagamentos – esteve recebendo o produto nacional sem promover investimentos proporcionais ao que recebe. No entanto, em quase todos os países há amplas oportunidades para investir no próprio setor agrícola, capazes de fazê-lo crescer. Também, como vimos no Capítulo II, são as características próprias de um e outro setor – do agrícola e do industrial – que fazem a diferença. A curto prazo, o novo setor industrial, por causa da incapacidade do sistema produtivo para prover os bens de capital e o combustível que necessita, está obrigado a pressionar a capacidade de importar do sistema, para instalar-se, funcionar e se desenvolver. Enquanto a economia
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nacional não tenha se desenvolvido, a capacidade de importar será dada pelo reduzido grupo de produtos agrícolas de exportação, sendo a diversificação das exportações uma das características históricas que o processo de desenvolvimento tem tido. Mencionamos uma alteração do quadro político internacional concomitante à introdução de formas capitalistas de produção em regiões subdesenvolvidas nos últimos anos. Esse fato é verdadeiro para a América Latina, para a Ásia e para a Oceania, porém em menor escala para a África, onde o colonialismo ao estilo do século passado assentou raízes mais fortes.Para as demais regiões subdesenvolvidas do mundo, se bem que perdura uma dependência em relação com os países desenvolvidos sob as formas de investimentos de dominação, realizadas por estes últimos, principalmente na agricultura de exportação, em transportes, serviços urbanos etc., que passaram a ter novas condições de negociação no cenário internacional, em grande parte, pela participação assumida na Segunda Guerra Mundial pelos países subdesenvolvidos e pelo equilíbrio dela resultante. As características dessa nova situação internacional foram bem expostas por Paulo de Castro39. As novas condições estiveram acompanhadas de uma determinação geral de obter melhores condições de vida, que marcou desde então a orientação de diversos governos e que se tornou uma condição de elegibilidade para cargos de governo em outros países. Nesse esquema histórico tornou-se necessário enquadrar a necessidade de introduzir formas capitalistas de produção em regiões subdesenvolvidas. O denominador comum das políticas desses países ativou as funções operativas dos governos permitindo-lhes novas possibilidades de intervenção sempre que aparecem como promotores de novas atividades, que é uma capacidade que antes não tinham, de conduzir movimentos de modernização do sistema produtivo. A
conseqüência dessa nova
capacidade de intervir é a formação de novos grupos econômicos, que desestimula a perpetuação do sistema tradicional constituído de produção para exportação e extrativismo. A implantação e subseqüente expansão do capitalismo industrial representam uma dinamização progressiva do sistema produtivo, tal como acontece no Brasil desde o fim da Segunda Guerra Mundial. 39
Paulo de Castro, Terceira Força, Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1958.
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Capítulo 6. As instituições políticas e sociais
Os fatores econômicos determinantes da distribuição da renda operam em um quadro não econômico formado pelas instituições políticas e sociais. Essas instituições representam, não só o ambiente onde os fatores econômicos atuam, senão elas próprias são elementos determinantes do padrão de distribuição da renda, mesmo não sendo econômicos. O esforço para crescer se manifesta no aumento de atividade em geral e numa expansão de certos tipos de atividade sobre outros, bem como na atitude correspondente a esse incremento de atividade poderá estar favorecido ou prejudicado pelas instituições predominantes. O apoio ao esforço para crescer dado pelas instituições, geralmente significa que elas são adaptáveis às idéias de desenvolvimento e que, por conseguinte, têm a flexibilidade necessária para acompanhar as transformações sociais trazidas
pelo
processo de desenvolvimento. Ajudam, portanto, a sua expansão e o esforço para desenvolver-se pode aumentar, ao envolver mais componentes da sociedade. Sob o impacto do crescimento, as instituições tendem a ser reformadas, buscando um estilo social melhor adaptado às novas condições de vida. Se, contudo, não se apresenta uma tendência de expansão e a economia permanece estagnada, as instituições tornam-se mais rígidas por sua antiguidade, perpetuando-se o modelo econômico que rege a sociedade e que concorreu para criar essas instituições. Interessa-nos estudar aqui as formas pelas quais elas podem afetar ao desenvolvimento e à distribuição da renda. Nesse sentido, cabe referir a algumas observações de W.Arthur Lewis, que resumiu a influencia das instituições em três pontos seguintes: protegendo o esforço para crescer, ganhando oportunidades de especialização e dando liberdade de escolha de ocupação aos trabalhadores.40
40
Nesse ultimo ponto, Lewis foi precursor de uma polêmica que atravessa a teoria econômica desde então, relativa à mobilidade dos trabalhadores para se moverem em busca de melhores perspectivas de aumento de sua renda familiar, já seja através de incrementos de salário, ou seja, pelo aumento do número dos membros da família que encontram emprego. As observações de Lewis estavam inspiradas no ambiente colonial tardio das ilhas do Caribe – de onde ele era originário – e onde a noção de mobilidade refere-se a uma mobilidade no âmbito do império britânico de que era parte. Diverge, portanto, das condições históricas em que se apresentam nossos problemas de mobilidade na sociedade brasileira.
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A questão, portanto, está em que o próprio desenvolvimento influi no padrão de distribuição, iniciando ou alterando processos de distribuição da renda. Assim, as instituições afetam o esforço para crescer e a possibilidade de expansão de novas atividades, pela segurança que podem ter essas novas atividades e pelas tentativas de novas explorações econômicas que eventualmente surjam com elas. Se as instituições admitem discriminação contra algum grupo, ou se, mesmo descartada essa situação,
há uma
fragmentação do poder que dá lugar a um ambiente de insegurança para os investimentos em geral, ou para os investimentos de algum grupo social específico, o esforço para crescer será prejudicado e serão reduzidas as possibilidades de sua disseminação. Em muitas regiões subdesenvolvidas em que a decomposição do poder central – efeito do antigo sistema colonial – onde a debilidade do Estado e as grandes distâncias favorecem condições de intranqüilidade, esse tipo de interferência das instituições sociais apresenta-se de modo decisivo. Outra forma de intervenção das instituições sociais apontada por Lewis é a proteção ao esforço para crescer, garantindo a remuneração referida a esse esforço a aqueles cujo direito sobre ela está reconhecido pelas pessoas que a realizam. Excluímos uma discussão do destino último dado a essa remuneração, ou sobre quais sejam aqueles cujo direito sobre a renda é reconhecido, por supor que sejam quais forem esses indivíduos, ou mesmo o Estado, o estímulo para o esforço para crescer estaria atendido. Contudo, há uma relação estreita entre a garantia do destino do produto para aqueles que a sociedade reconhece como donos legítimos e o estímulo dado pelas instituições aos setores da sociedade dotados de capacidade inovadora, em organização e em tecnologia. Se a compreensão de justiça social incorporada pelas instituições favorece setores desprestigia aos setores capazes de promover o desenvolvimento econômico e tecnológico, é pouco provável que a definição de justiça das instituições favoreça aos setores que representam as minorias capazes de promover as alterações identificadas com o desenvolvimento. As preferências para o destino do produto em regiões como o Tibet não atendem aos objetivos do desenvolvimento material, como também acontece em países subdesenvolvidos dominados por ditaduras e sultões ociosos.
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As instituições estarão auxiliando a realização do espírito empresarial se reconhecem um status animador na sociedade. É importante notar que não só em sociedades aristocráticas como a França anterior à Revolução Francesa, o empresário foi relegado a uma condição inferior, sendo-lhe negado o acesso aos estratos mais altos da sociedade. Em muitos países subdesenvolvidos onde impera a grande propriedade fundiária, de produção predominantemente agrícola, as preferências da sociedade se inclinam a profissões tais como advocacia, a carreira militar e o sacerdócio, deixando as atividades produtivas e com elas as inovações, reservadas para pessoas de pouca instrução, prevalecendo preconceitos contra o trabalho manual e admitindo que os grupos mais ricos não trabalhem. Nessa lógica da ordem social, não se poderia recriminar às sociedades de economia rural por essa atitude no relativo à formação profissional, pelo simples fato de que essas sociedades vão organizando e institucionalizando uma atitude que corresponde a sua verdadeira necessidade de trabalho qualificado – em suas atuais formas de produção – e atendem aos seus preceitos de prestígio. Há aí um fundamento prático para a perpetuação do sistema de privilégios e preconceitos. Os indivíduos pertencentes a famílias ricas terão que continuar o trabalho de seus maiores, cuidando de propriedades agrícolas, onde tampouco há grandes mudanças em tecnologia e em organização da produção. No Brasil, a conseqüência foi que o desejo de prestigio social passou a ser satisfeito – possivelmente dado o baixo nível de instrução na sociedade colonial – com um título de nobreza, com a cultura canônica ou na carreira das armas. A conseqüência disso foi a formação de uma resistência cultural dos jovens frente a carreiras técnicas, não distinguidas com status, preferindo a atividade política. Isso significou, em última análise, um obstáculo ao desenvolvimento pela falta de trabalho qualificado e a formação de uma classe ociosa de políticos tendentes à corrupção, sem identidade ideológica. Naquelas regiões do Brasil onde a carência de mão de obra foi suprida com imigração e com a reorientação profissional induzida por ela, passou-se a contar com mais trabalhadores qualificados. Em outras regiões, como o Nordeste, onde a estrutura rural deitou raízes mais fortes, onde não houve esse afluxo de imigrantes, permaneceu o predomínio das antigas preferências, que
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encontram meios de se atualizarem na modernização da economia nacional, sem modificar seriamente a estrutura produtiva. No entanto, as pessoas provavelmente estarão dispostas a realizar o esforço para o crescimento da produção, se se sentem unidas por uma tarefa comum, seja pelo sentimento de dever, seja por que descobrem vantagens pessoais significativas nas tarefas coletivas que realizam. O entusiasmo que se desprende de uma obra comum não deve ser associado às formas de operação das economias socialistas, mesmo que seja uma forma dirigida para prover trabalho para empresas de interesse determinado pelo Estado. A principal aplicação do estímulo para a produção baseado na crença de uma obra comum, antes de estar relacionado com a forma política que dispersou poder nos últimos anos com mais freqüência e melhores resultados, que tem sido o socialismo, deve estar identificado com o desejo de grandes massas humanas de edificar em bases sólidas sobre o fundamento da nacionalidade. Além dos exemplos irrecusáveis dos esforços gestados por países que no século passado não se alinhavam entre as potências mundiais, como a Rússia, a China e o Japão, a história moderna tem outro exemplo no Estado de Israel, que foi implantado e edificado sobre a base estrita da crença numa causa comum. Não é o caso da amplitude de esforços para se desenvolverem que empreendem hoje a Índia e o Brasil. Todos esses países, além de estarem regidos por sistemas políticos diferentes, representam tentativas que seguem diferentes rumos pré-condicionados por sua história e cultura, representando manifestações de diferentes composições sociais e de poder. As condições de comparabilidade entre essas experiências não podem ser adequadamente avaliadas sem considerarem-se os efeitos da Segunda Guerra Mundial, com sua devastação e com o fim de certas formas de colonialismo. A captação de um entusiasmo da sociedade para uma obra coletiva revela-se mais acessível a níveis regionais historicamente formados, antes que nas estruturas nacionais, que, em vários casos se formaram, justamente, nesse período. Nos exemplos mencionados a mobilização social pode ser contraposta por interesses particulares de pessoas e de grupos, sobrepondo os interesses de minorias aos das maiorias. Os conflitos de interesse estão no
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centro do problema e as diferenças de condições de manifestação dos interesses dos grupos sociais refletem, justamente, a história da formação das nações. Assim, historicamente há maiores possibilidades de mobilização em escalas regionais e locais, onde a opinião pública tem maiores referencias de uma experiência socialmente identificada. As tradições comunitárias estão mais próximas da experiência tribal e regional que os princípios abstratos identificados com o Estado nacional. Quando uma sociedade incorpora a responsabilidade por obras públicas, assume uma responsabilidade correlacionada com a consciência social dos seus componentes. Daí, que esse é um processo interno, apesar de estar profundamente atingido pela internacionalidade dos relacionamentos da sociedade em seu conjunto com outras nações. A experiência desse período pós-colonial é eloqüente em mostrar a profundidade dos condicionamentos locais, segundo a trajetória histórica da formação das sociedades coloniais. Daí, que a parte mais fácil e superficial da mobilização social seja a inicial, quando os móveis da mudança estão mais próximos do cotidiano das pessoas. Ao rever as experiências dos países que foram colônias verifica-se com clareza que a mobilização política da opinião pública muda totalmente de feição entre as escalas locais e as nacionais. Países como o Brasil e a Argentina, onde há fortes tradições regionais, contrastam com países como o Chile e o Uruguai, onde a formação social é claramente unitária, são exemplos cabais do que o perfil nacional é uma resultante de complexos processos regionais que estão ancorados em algumas cidades chave. A identidade regional aparece com mais facilidade em expressões culturais, mas está fundamentada em articulações entre sistemas de poder ancorados na propriedade fundiária – ligada a sistemas internacionais – e formas locais de organização. Assim, são algumas formas tradicionais de aproveitamento do potencial da vida em comum que facilitam essa conjugação de visão local e interesses nacionais. Ao desenterrar esses fundamentos históricos da organização social, descobrem-se as inter-relações entre os processos que levaram à formação das nações e os processos que se realizam na escala de regiões e que continuam interagindo com as transformações da esfera nacional. A instituição dos ejidos mexicanos 41 e a dos panchayats 42 indianos têm tido certos papéis na
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Formas de organização da produção camponesa, de origem colonial, em que cada produtor destina uma parte de sua terra para um programa de produção comunitário e outra parte para
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história dessas nações e podem ser aproveitados em novas funções, com resultados que podem ser compensatórios de tendências de concentração da renda postas em marcha pela produção industrial. A questão central é que as tradições representam uma força que pode ser mobilizada a favor de processos de desenvolvimento socialmente equânimes. Mas o principal problema com que lutam os países que tentam se desenvolver não é de cultivar e reviver tradições, As obras que demandam conjugação de esforços e que devem ser feitas, são geralmente de envergadura superior às daquelas realizadas por meios tradicionais. Trata-se de passar à sociedade a crença na construção de uma obra comum, com força suficiente para superar a descrença – também tradicional – nos empreendimentos governamentais, causado em parte pela falta de maturidade do aparelho governamental e pela corrupção determinada pelo desequilíbrio interno sob cujo signo os países subdesenvolvidos de hoje se formaram enquanto foram colônias. Um dos maiores obstáculos à inoculação da crença na possibilidade de um movimento prolongado de desenvolvimento é a distribuição desigual da renda e a inflação, que serão examinadas no capítulo 17 deste estudo. A organização social pela qual se regem algumas sociedades, e de que decorrem as fontes de prestígio nelas prevalecentes, as crenças religiosas e os tabus de suas populações deram lugar, repetidas vezes ao longo da história, a que algumas profissões gozem da preferência popular, em quanto outras sejam relegadas a um segundo plano, ou também deslocadas. Isso que sempre guardou uma correspondência com a base de exploração econômica sobre o qual o país se desenvolveu no longo prazo, tendeu a ser um impedimento para o desenvolvimento econômico. Temos exemplos palpáveis a esse respeito em países latino-americanos, como o próprio Brasil, onde a formação profissional se apresenta distorcida, pelas preferências que, em algumas áreas, todavia se manifestam por profissões estrategicamente menos importantes, mas que ainda são muito prestigiadas. O problema que isso enuncia é o trazido por uma mudança de mentalidade implícito no desenvolvimento, e da necessidade de adaptação da escala de preferências e do prestígio social, às condições sob as quais o homem terá que viver quando a sociedade da qual faz produção individual. A expressão formas de produção é usada aqui para indicar formas específicas de organização da produção que se identificam a partir de soluções técnicas que usam. 42 Conselhos comunitários em aldeias.
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parte sofra esse processo. A solução foi dada por uma diferença nas recompensas econômicas que umas e outras profissões possam ter. Entretanto, é preciso não esquecer que a aceitação de uma nova escala de valores por parte dos grupos sociais interessados só pode ser gradual e é sempre incerta. Enquanto a sociedade não estiver plenamente convencida, ou enquanto não aceita as mudanças, o esforço para crescer será dificultado e os requisitos de profissionais para novas atividades não serão atendidos. Essas atitudes afetam a escolha de profissões. Algumas profissões, que antes foram praticamente proibidas pelo desprestígio social de que foram objeto, estarão melhor colocadas com o fim dos preconceitos. No entanto, até hoje tem havido uma verdadeira interdição à participação das mulheres na vida profissional, que se modifica lentamente e com diferenças salariais. A desvantagem na pirâmide populacional dos países subdesenvolvidos foi profundamente agravada pela não utilização do trabalho feminino, especialmente do trabalho qualificado. No entanto, as ocupações domésticas, só as mulheres nascidas nas famílias mais pobres ajudam a contrabalançar o elevado número de crianças e de velhos de nossas pirâmides demográficas. Em princípio, pode se estabelecer uma relação entre os costumes relativos a obrigações familiares e à expectativa de amparo que os membros das comunidades terão em sua velhice. Tal relação dará apenas alguns elementos preliminares de juízo, mas de fato iremos encontrar maiores obrigações dos mais jovens com seus maiores nas sociedades tradicionais que nas sociedades capitalistas modernas. Essas obrigações equivalem ao seguro social, mas há certas diferenças quanto a incidência sobre a renda, porque elas não incluem transferência de renda à burocracia nem aos bancos que lucram com as aposentadorias e com o seguro social. Tecnicamente, nos países capitalistas esse serviço se faz mediante um cálculo atuarial, mas inclui a formação de estruturas de instituições responsáveis desse serviço cujo custo poderia ser evitado se fossem feitas apenas transferências automáticas de renda. Para relacionar essas obrigações com o aproveitamento das possibilidades de crescimento oferecidas pelos recursos, o caminho correto talvez seja o de identificar as áreas pioneiras de crescimento com a estrutura demográfica da população que as ocupa. As necessidades de vigor físico e as condições
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adversas dessas regiões farão com que para elas sigam os mais jovens e mais fortes, que passam a superar em número aos mais velhos e aos inválidos. O que importará será, portanto, a capacidade das regiões para atrair trabalhadores e para criar mecanismos de imigração através dos laços familiares. As instituições também afetam ao desenvolvimento e à distribuição da renda pela igualdade de direitos, ou pelas vantagens que são monopolizadas por alguns grupos. As vantagens mantidas por alguns grupos sociais podem ser observadas, desde aquelas vantagens das aristocracias instauradas desde a Idade Média, até os preconceitos raciais que vieram contribuir para fortalecer essas vantagens.
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Os efeitos sobre a distribuição da
renda aparecem sob varias formas, dentre outras, nas isenções tributárias e nas preferências para preenchimento de cargos públicos. Criam um ambiente de desigualdade de oportunidades, em que a capacidade criativa e a capacidade de trabalho de grande parte da população são deixadas de lado. Nos Tempos Modernos essa desigualdade se identifica com o colonialismo e com suas conseqüências para as novas nações que foram colônias. Se o impulso colonialista ao estilo do século XIX decai, mas tem recaídas e permanecem grandes áreas do mundo sob seu domínio, sob variados disfarces. A evolução das formas de domínio colonialista em algumas dessas áreas reduziu as vantagens entre grupos, tal como aconteceu no Brasil com o poder político dos grandes proprietários de terras, mas a redução desses privilégios teve um limite lógico, que foi a preservação do controle político do sistema socioprodutivo. Teremos, portanto, que ir além da forma do colonialismo enquanto mecanismo controlado pelas metrópoles, para analisar as conseqüências internalizadas do colonialismo. O colonialismo gera outras formas internas de dominação, que se reproduziram sobre a aliança entre a propriedade da terra e o controle dos canais de comercialização, com seu desdobramento na formação de castas militares identificadas ideologicamente com a preservação do controle agrário, projetado em valores tradicionalistas, combinando
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A formação dessas vantagens pode ser traçada nos movimentos que criaram o feudalismo, tal como se descreve em Jan Dhondt, La alta edad media e em Henri Pirenne, Historia econômica y social de la Edad Media, em que se mostra a complexidade das relações de classe inerentes às invasões e aos reinos a que elas deram lugar.
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componentes de religião e de racismo. A estruturação dessas sociedades de bases agrárias e dessas castas militares levou a um conjunto de privilégios e de imunidades, que, nos países latino-americanos se estenderam até ao controle dos programas de reforma agrária, tal como se viu no Equador, na Venezuela e no Peru. Se, em termos teóricos estamos longe de aceitar doutrinas que preconizam concentrar a carga tributária nas classes produtivas, tal como fizeram os Fisiocratas , em termos práticos alguns grupos se beneficiam da desigualdade de incidência da carga tributária, assim como aproveitam condições favoráveis para evitar a incidência dos impostos. A incidência real da carga tributária distingue-se da incidência formal e reflete a verdadeira expressão da carga tributária para a renda familiar. A combinação das formas de produção com as instituições sociais e políticas afeta a distribuição da renda ao favorecer ou ao prejudicar o aproveitamento das capacidades da força de trabalho, em suas atividades atuais ou em sua mobilidade e na definição de suas perspectivas de renda. Pensando em termos de distribuição, o mecanismo que nos interessa não é o do multiplicador do emprego, senão é o efeito renda da distribuição da renda. Por isso, o outro aspecto que deve ser examinado da influência das instituições políticas e sociais na distribuição da renda é o que se exprime na diferença entre o excedente atual de produção e o potencial. Esse aspecto foi estudado por Paul Baran, que define o excedente potencial como a produção que poderia ser realizada com a ajuda de recursos produtivos utilizáveis num dado ambiente técnico e cultural. A realização desse excedente potencial requer uma reorganização social da produção e mudanças nas técnicas de produção. Para cobrir esse aspecto da análise, destacam-se os quatro aspectos seguintes, que são o excesso de consumo desnecessário para a reprodução social; a produção perdida pela sociedade por meio de trabalhadores desocupados e a produção perdida por uma organização desperdiçada e irracional do aparato produtivo existente e a produção perdida pela existência de desemprego de fatores, pelas condições anárquicas da produção de base capitalista. Paul Baran admite que a identificação e a quantificação dessas quatro formas de excedente de produção tropeçam com muitas dificuldades. Crê que essas dificuldades podem ser diminuídas, porque a categoria excedente de produção potencial transcende o
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horizonte da ordem social existente, unindo-se ao “comportamento facilmente observável de uma dada organização socioeconômica, mas também à imagem não tão rapidamente visualizável de uma sociedade mais racionalmente ordenada”.44
44
Paul Baran, op.cit.
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Capítulo 7 O setor externo
Em qualquer consideração que se faça sobre os efeitos distributivos das relações com o exterior, é preciso esclarecer que se trata de relações econômicas de troca e de movimentos de capitais, nos quais é necessário distinguir dois tipos de influência, que são aqueles provenientes do funcionamento das relações internacionais na mecânica geral do sistema produtivo, com repercussões na estrutura produtiva; e aquelas influências do poder dos governos de interferir ou de condicionar as transações internacionais. A primeira dessas duas influências é examinada neste capítulo, enquanto a segunda será estudada no capítulo seguinte. O pressuposto inicial de que nos serviremos na exposição desse tema é que diferentes estruturas produtivas
vinculam de modo diferente uma mesma economia
nacional com o resto do mundo, gerando uma progressão única de sua distribuição da renda. Noutros termos, o que estamos afirmando é que numa economia agrícola e em função do tipo de relações que ela pode manter com o exterior, a renda que ela gera tende a ser distribuída segundo um dado perfil, portanto, que os efeitos da distribuição na formação de capital seguirão um padrão previsível. No capítulo anterior discutimos a influência das formas de produção predominantes no padrão de distribuição da renda. Cada forma de produção e cada composição do produto nacional conduzem a certos modos de relacionamento com outras nações, que variam de acordo com referências institucionais e tecnológicas. Tentaremos agora ver os efeitos dessas relações internacionais no padrão interno de distribuição da renda. Dada uma estrutura produtiva concentrada em produção primária,
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as variações
nas relações com o exterior, em preços e em quantidades, influem nas participações devidas dos diferentes setores que contribuíram para a exportação. Por outro lado, preços
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É preciso corrigir uma falsa impressão de que as economias periféricas estão marcadas unicamente por uma produção agrícola e da pecuária. Os sistemas de produção primária dependeram essencialmente de extração de recursos e isso compreendeu uma produção mineira e uma ampla e complexa extração vegetal e animal.
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internacionais favoráveis são de natureza a estimular a manutenção de uma certa estrutura produtiva, isto é, indiretamente mantêm em ação os fatores redistributivos incorporados em cada uma dessas estruturas produtivas. Além disso, é a exportação que permite que as formas de produção sejam substituídas por outras, constituindo-se outras formas indiretas de mobilizar os fatores redistributivos próprios das formas de produção. Por último, durante o processo de crescimento do produto social formam-se pressões sobre as relações com o exterior que afetam a ação redistributiva resultante do amadurecimento da estrutura produtiva. A relação entre o crescimento do produto e a expansão da capacidade produtiva, que vem sendo esquivada pela teoria econômica de base marginalista, torna-se a questão central a ser respondida por qualquer teoria que pretenda trabalhar com os problemas de viabilidade – e sustentação – do processo de desenvolvimento. Ao tomar as relações com o resto do mundo como derivadas das formas de produção, da composição do produto nacional e da tecnologia, torna-se possível observar alguns fatos básicos no relativo aos países de desenvolvimento recente. Um melhoramento no panorama da técnica não necessariamente significou uma alteração significativa nas posições dos países nas relações internacionais. Na realidade, há um jogo contraditório entre as forças sociais que encaminham a renovação tecnológica – e que derivam seu poder desse ambiente de substituição de técnicas – e as forças tradicionais que se opõem, de modo ativo ou passivo, à substituição de técnicas porque seu poder se apóia em formas de organização social que funcionam sobre um conjunto invariante de técnicas. 46 No limite, a introdução de novas técnicas é decidida desde dentro das instituições sociais vigentes, geralmente como parte de estratégias de defesa de interesses tradicionais. Esse mecanismo de poder foi igualmente verdadeiro no Nordeste do Brasil, nas regiões agrárias dos Andes e
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Ao analisar o modo de funcionamento das economias latino-americanas, encontra-se que há um jogo móvel de inter-relações entre um segmento tecnologicamente mais avançado e outros mais atrasados, entretanto, em que os capitais aplicados nos segmentos tecnicamente avançados usam os setores atrasados como setores de apoio, beneficiando-se de trabalho pago segundo os padrões dos setores atrasados, onde os trabalhadores têm menos mobilidade entre empregos e têm salários menores. Na realidade, a eficiência dos setores tecnicamente mais avançados depende muito de vantagens de controle de espaços de mercado, tanto do mercado de seus produtos como do mercado de trabalho. Noutras palavras, os diferenciais de “produtividade” refletem o controle de uma combinação de formas de exploração do trabalho, que fazem alterar a produção social do excedente de valor. O controle da substituição de técnicas é uma outra cara do controle da produção social e da captação de excedente.
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na planície argentina. A renovação tecnológica representada pela mecanização da produção de açúcar resultou de um cálculo dos produtores escravistas, que já ressentiam o custo dos escravos antes da proibição do tráfico, e não por uma iniciativa de interesses alternativos aos dos produtores de açúcar. A quase feudalização das regiões agrárias encobriu um deterioramento de tecnologias originadas das civilizações pré-colombianas; e as regiões rurais ficaram praticamente sem relações econômicas com o exterior. Os
vínculos
internacionais ficaram restritos à comercialização de produtos do extrativismo, realizados através de uma organização do trabalho quase escravo. As novidades que surgiram nas relações com o exterior consistiram apenas em vendas de excedentes físicos de produção em períodos de condições climáticas mais favoráveis, mas não representaram progresso tecnológico. No Brasil, isso ficou caracterizado pelas exportações de couros e peles e pelas de fibras, que foram produtos obtidos mediante processos de exploração tecnologicamente atrasados. No conjunto, a falta de sensibilidade do sistema tradicional de produção à renovação tecnológica foi uma característica dessas economias nacionais e origem colonial, que se tornou decisiva para o desenvolvimento de suas relações com outros países. Os efeitos cumulativos da composição do produto na distribuição da renda estão limitados pela parte comercializada com o exterior, isto é, pelo coeficiente de exportação. Tal como ficou demonstrado em diversos estudos realizados pelas Nações Unidas, o coeficiente de exportação não depende do estágio de desenvolvimento em que se encontram as economias nacionais, podendo ser alto em economias cujo produto se compõe de mercadorias industrializadas de alta tecnologia, tal como a Alemanha, ou em países produtores de matérias primas de baixa tecnologia, tal como Honduras. Em princípio, um elevado coeficiente de exportação indica maior capacidade de obter produtos capazes de alavancar a diversificação do sistema produtivo, mas é apenas uma indicação de possibilidades, cuja concretização depende da escala e da forma de organização do mercado. Daí que uma pressão sobre a capacidade de negociar com o exterior que não seja respaldada pela capacidade interna de captar as oportunidades de aplicar capitais em modelos diversificadores termina por gerar pressões perversas sobre o movimento de reprodução do sistema produtivo. Assim, deve-se entender que não há uma separação efetiva entre os movimentos internos e os externos do sistema produtivo, em que o
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coeficiente de exportação reflete a complexidade do sistema produtivo, tanto como a capacidade de cada economia nacional de mudar a composição dessa participação. O passo seguinte necessário dessa análise consiste em comparar a análise do coeficiente de exportação com a da relação entre o crescimento demográfico e o coeficiente de importação. Historicamente, o coeficiente de importação é uma medida técnica do valor que se importa, que assume as formas materiais compatíveis com a estrutura produtiva atual, que depende do que se exporta. Essa engrenagem do comércio exterior depende da composição dos produtos que se exporta, especificamente, do mecanismo de elasticidade preço dos produtos exportados, que faz uma relação entre as variações dos preços internacionais e a remuneração interna do capital e do trabalho. Isso significa que o mecanismo do comércio exterior age de modo diferenciado em países em diferentes situações de desenvolvimento do seu sistema produtivo e com efeitos secundários também diferentes sobre a distribuição da renda. As possibilidades concretas de dinamização do sistema produtivo, e de alterações correlatas na distribuição, dependem desse ajuste entre as transformações do comércio exterior e as da produção. Trata-se, portanto, de identificar o relativo aos mecanismos atuais de relações internacionais com sua correspondência com o padrão de distribuição da renda e o relativo aos processos de formação das relações entre países, com seus efeitos nos movimentos da distribuição da renda em cada país. Raul Prebisch fez um trabalho precursor sobre esse tema em documento, em que pôs em evidência as tendências desfavoráveis para os países periféricos pouco industrializados.
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Capítulo 8
O governo
O governo é a forma operacional do Estado e é preciso distinguir o que se reconhece como política de governo, que compreende políticas sociais no sentido mais amplo, que alcançam os diversos aspectos da vida em sociedade, políticas econômicas, que tratam da materialidade da produção e políticas sobre aspectos específicos da vida social. Está claro que não separação alguma entre políticas econômicas e políticas sociais, senão diferentes graus de abrangência das diversas políticas, segundo o modo como elas são concebidas. A ação do governo na distribuição da renda se realiza de diversos modos. Por meio de suas despesas, afetando o poder de negociação dos trabalhadores, por seu controle sobre operações com o exterior e pelo modo de financiamento de suas despesas. A última dessas formas de ação será talvez o fator de distribuição mais susceptível de ser medido. Vejamos como se efetiva a influência das despesas do governo no padrão de distribuição da renda. As despesas do governo podem influir na distribuição da renda segundo sua magnitude e sua orientação. Cada um desses dois itens tem distintos efeitos na distribuição. O significado da magnitude da despesa é inseparável do significado da composição dessa despesa. O significado efetivo da despesa para o desenvolvimento econômico depende de como se alteram conjuntamente a magnitude e a composição da despesa, que responde a requisitos da reprodução do capital já acumulado e operacional e que tem o poder de induzir novos investimentos. De qualquer modo, a magnitude da despesa pública afeta a composição e o nível do consumo em seu conjunto e a magnitude e a composição do investimento privado, com o qual está organicamente articulada. As interdependências técnicas entre os investimentos diretos na produção e os investimentos nos sistemas de infra-estrutura básica fazem com que sejam irrelevantes as doutrinas que procuram minimizar a participação do Estado na economia, como se ela não fosse parte da mesma composição de interesses que conduz o investimento privado. Não se trata de uma controvérsia entre Kaldor e Sommers, senão de realismo da análise, tal como expõe
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Kurihara.47 No momento em que as despesas públicas afetam ao consumo e ao investimento privado, põem em funcionamento o multiplicador do emprego e o acelerador da oferta, criando uma progressão de efeitos indiretos e complementares, que alteram o perfil do pagamento de salários. Para compreender como se realizam os efeitos das despesas do governo em sua totalidade é preciso classificá-los. Eles compreendem compra de mercadorias, pagamento de serviços, obras públicas e transferências. Quando o governo compra afeta o poder de negociação dos assalariados. A expansão das atividades do governo, que prossegue apesar das contradições do discurso público, significou uma subvenção completa do que se concebeu como o mercado de trabalho na economia clássica ou entre os marginalistas. A evolução das instituições sociais apresentou, nesse período, recursos de concorrência imperfeita no mercado de trabalho, em parte representativos de conquistas obtidas pelos trabalhadores em termos de assistência social e em parte, que foram resultados da própria expansão do governo. O fato de que o desenvolvimento econômico nos países subdesenvolvidos inclui novas modalidades de serviços e alguns segmentos de indústrias, resultou em aumento da demanda de trabalhadores qualificados para as funções de governo, em proporção com o aumento de trabalho qualificado no setor privado. As quatro formas pelas que se apresentam as despesas do governo significam uma redistribuição da renda, e, como conseqüência, afetam ao nível do consumo. Do ponto de vista do fomento dos negócios, as duas primeiras dessas quatro formas são as mais importantes. A realização de obras públicas não passa, na realidade, de uma compra de mercadorias mediante o pagamento de serviços. A razão de considerá-la por separado devese apenas a seus efeitos indiretos – na formação de economias externas - que aos seus efeitos diretos de compra de mercadorias e de pagamento de serviços. Se a despesa pública não acarreta uma produção adicional imediata torna-se mera transferência de renda que, como efeito distribuição é limitada e temporária. O mesmo número do multiplicador que quantifica os efeitos indiretos dos investimentos indica a distância entre o impacto inicial e 47
Esse é o tema de Kenneth Kurihara, que valoriza os aspectos de dinâmica do funcionamento da economia industrial moderna, trabalhando com o efeito distribuição incorporado no multiplicador do emprego.
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o impacto total em renda, portanto, indica a capacidade do sistema produtivo para responder às intenções de compra dos trabalhadores. Esses efeitos de multiplicador têm uma expressão espacial que não pode ser ignorada, especialmente nos países periféricos em desenvolvimento. Os efeitos de multiplicador têm variações espaciais que se tornam referências de custos para novos investimentos. A crescente monetarização do processo da produção deu maior espaço para o processo de comercialização e é através deste que se vê o efeito regional do multiplicador na formação dos espaços regionais de produção. Mas a assimetria e a insuficiência do sistema bancário nos países e nas regiões subdesenvolvidos enviesam e atrasam os efeitos das despesas públicas, reforçando as tendências de concentração do capital. Se bem que a propensão a consumir mostra uma constância proporcional à renda familiar disponível, que em principio reflete a participação na produção, ela tem sido profundamente afetada por movimentos inflacionários cuja explicação não é incidental nem pode ser reduzida a problemas de curto prazo. Nestas condições, as análises fundamentadas nos efeitos de multiplicador encontram limitações que partem, justamente, dessa invariância da distribuição da renda. O outro aspecto dos efeitos indiretos das despesas públicas, tal como já vimos desde outro ângulo, são seus efeitos na balança de pagamentos. As despesas com importação podem ser consideradas como simples filtrações do processo do multiplicador, no relativo às despesas de sucessivos setores beneficiados pela preferência governamental. A expressão típica dessa preferência nos países subdesenvolvidos tem sido a de favorecer ao setor industrial em detrimento de importações para o setor comércio. Esse viés da despesa pública acontece num ambiente marcado por uma tendência crescente da despesa. Com a expansão do sistema produtivo internacionalizado e com o aumento de complexidade das economias nacionais, tanto das mais avançadas como das periféricas, há uma tendência geral ao aumento irreversível da despesa pública, junto com um aumento de funções dos governos, de políticas anti-cíclicas, que logicamente têm custos sociais e, acima de tudo,
das despesas militares especialmente das grandes
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potências. Há, portanto, um contraste entre a busca de eficiência da despesa pública e o aumento de despesas – tal como as militares – que não agregam ao desenvolvimento econômico e social. No essencial, surge, portanto, uma contradição entre as políticas governamentais anti-cíclicas, compreendendo as políticas anti-inflação, e as tendências seculares de crescimento da despesa pública. Nesse contexto situam-se as políticas de desenvolvimento. A importância da função desempenhada pelas despesas do governo nas políticas de desenvolvimento provém de que, quando se fixam metas para o crescimento da economia, isto é, para o crescimento do produto, para que o modelo possa funcionar os investimentos passam a ser uma variável dependente da relação capital/produto, isto é, do montante do capital engajado no sistema produtivo, das elasticidades do capital nos diferentes setores da produção e das taxas de crescimento assumidas no modelo. As despesas do governo ficam como uma variável aparentemente independente, se não se considera que a receita tributária depende da capacidade de pagamento dos contribuintes. A utilidade final das despesas do governo dependerá do conhecimento do sistema com que a receita pública é administrada. Na perspectiva de políticas de desenvolvimento, é preciso considerar que há uma série de condicionantes políticas que são as principais guias da despesa pública, além do grau de desenvolvimento do sistema produtivo em seu conjunto. A proporção das despesas comprometidas com decisões anteriores para reprodução da máquina pública não só constitui um limite quantitativo da ação do governo, como restringe a composição da despesa. Em vez de uma variável independente trata-se de uma margem de independência da despesa pública, que pode ser instrumento de uma política de redistribuição da renda. É muito freqüente que os governos dos países subdesenvolvidos dispõem da maior parte de seus recursos para pagamento de sua máquina administrativa ou para manutenção de suas forças armadas. Vimos antes como essas despesas podem servir para impedir o desemprego e formar demanda, e vimos, também, como eles têm efeitos indiretos na economia em seu conjunto. Contudo, elas costumam impedir outras despesas necessárias, tais como em obras públicas capazes de contribuir ao desenvolvimento de modos não considerados neste trabalho, quebrando pontos de estrangulamento do sistema de produção.
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Dada a habitual escassez de capital social dos países subdesenvolvidos não será difícil avaliar a prioridade que deveria ter esse tipo de despesa. Essa prioridade não desaparece quando se considera o problema desde o ponto de vista da distribuição da renda, já que grande parte das despesas no campo social elevarão o salário real dos grupos de baixa renda, permitindo reduzir o preço das mercadorias – bens salário – por eles utilizadas. Esse aumento da participação dos grupos de baixa renda no produto nacional pode ser apenas o resultado de uma política geral de ampliação da assistência social, mas também pode assumir o caráter de compensação geográfica entre as áreas mais desenvolvidas e as menos desenvolvidas de um mesmo país. Nesta última forma, as políticas públicas têm assumido uma importância cada vez maior nos países de grande extensão territorial, onde se desenvolvem políticas de desenvolvimento regional. Tais são os casos da Índia e do Brasil. A experiência do Brasil nesse particular é fundamental, pelo que revela de inovações de política regional e pelo que mostra de recrudescimento de estruturas tradicionais de poder. Essas despesas vão desde simples destinações de verbas para programas emergenciais, tais como as do combate às secas no Nordeste do Brasil, até se converterem em políticas regionais vertebradas em programas de industrialização e de modernização da agricultura. Vejamos como o financiamento das despesas do governo age na distribuição da renda. O governo pode financiar suas despesas por meio da emissão de papel moeda, por meio de empréstimos e por tributação. Representando em papel moeda o valor do produto nacional, o governo pode emitir papel moeda em razão direta da realização do produto nacional, do entesouramento e na razão inversa da velocidade de circulação da moeda, sem que isso altere a relação preços/salários, sempre que as demais condições permaneçam constantes. Uma emissão de moeda que exceda esses limites dará lugar a uma alteração na relação produto-moeda, provocando uma redistribuição da renda em favor dos que recebem lucros às custas das rendas dos trabalhadores. O governo também pode emitir grandes quantidades de moeda como um meio de financiamento, nesse caso incorrendo nos riscos de inflação. Essa prática, de injetar e retirar liquidez passou a ser um mecanismo política econômica desenvolvido a partir da experiência dos países beligerantes na II Guerra
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Mundial. Por sua vez, os países subdesenvolvidos, frequentemente enfrentando pressões inflacionárias, jamais puderam trabalhar com referências genuínas de equilíbrio. Nesse contexto, as empresas públicas surgiram como uma forma de financiamento mais dúctil para operar no mercado aberto, consagrando-se por suas diversas vantagens. Esses recursos de política têm sido usados como recursos regulares ou como recursos especiais para situações de calamidade que, finalmente, também têm que ser incorporadas como parte de um horizonte regular de política. Em todo caso, toda vez que são incorporados num padrão regular de política esses elementos tornam-se compulsórios, já que não podem mais ser ignorados. De fatos, tem-se aqui que registrar a transformação do quadro da política econômica desde o advento da corrente keynesiana, mesmo quando ela seja contestada. Nesse sentido, coloca-se que a tributação é um recurso de que os governos dispõem para financiar suas despesas, que lhes dá a capacidade de alterar a relação entre custeio e investimento e de modificar a composição dos investimentos. Na nossa perspectiva, é preciso considera-la em seu efeitos econômicos, isto me, em como altera o processo de acumulação de capital, em movimentos que incluem o impacto, a incidência e a translação da carga tributária. O impacto do imposto acontece onde a lei estabelece a exação. A translação é o processo pelo qual um contribuinte consegue passar a carga tributária a outro. A incidência é o último lugar do imposto, onde se fixam os efeitos finais da tributação no desenvolvimento da economia. 48 Os impostos podem ainda ser divididos em diretos e indiretos, uns e outros com diferentes características de incidência e de translação e com diferente significado na cultura econômica e política de cada país. A ação redistributiva de renda do sistema tributário é uma ferramenta de poder que resulta de combinações de impacto que se modificam segundo os níveis de renda. As condições de uso dos recursos de financiamento por parte dos governos dos países subdesenvolvidos são as conseqüências de uma freqüente instabilidade política, seguida da desconfiança quanto ao destino do dinheiro arrecadado, que predispõem a sociedade a uma resistência considerável para adquirir títulos emitidos por seus governos. Se as condições da guerra podem romper essa resistência dos tempos normais, também 48
Ver Harold Sommers, Finanzas públicas e ingreso nacional (1955), onde esse autor apresenta uma leitura da relação entre a composição da carga tributária e a taxa de crescimento do produto social.
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empreendimentos plenamente apoiados pelo consenso popular requerem algo mais que boa vontade ou propaganda política para serem financiados. Por essas dificuldades, as emissões de papel moeda vieram a ser a forma mais generalizada como os países financiam suas despesas. Emitem inclusive para financiar despesas ordinárias. Uma estrutura tributária predominantemente direta tem um efeito tendencialmente redistributivo para os grupos de menor renda, atingindo a desigualdade social no modo como ela se apresenta no mercado. A progressividade da carga tributária terá que ser reconhecida como uma das principais ferramentas de políticas de distribuição voltadas para o desenvolvimento econômico.
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Capítulo 9. A inflação A rigor, neste capítulo devem discutir-se os efeitos redistributivos das variações no preço da moeda, tanto de inflação como de deflação, contudo, uma consideração realista faz com que se deixe de lado o segundo fenômeno, concentrando-se nossa atenção na inflação. A experiência indica a freqüência com que a inflação se faz presente durante os movimentos do desenvolvimento, ao passo que a deflação se faz notar por sua rareza. As circunstâncias históricas sob as quais os países subdesenvolvidos tentam emergir de sua situação desfavorável levam-os a terem que enfrentar continuamente a inflação. Como, em última análise, o estudo do desenvolvimento, da distribuição ou de qualquer outro processo econômico só tem sentido se atende a essas circunstancias, esta discussão fica limitada à inflação. O papel da inflação como fator dinâmico utilizável para o desenvolvimento tem sido objeto de discussão pelos economistas, em que há os que consideram viável administrá-la eos que a consideram incompatível com o desenvolvimento. Considerando suas causas imediatas, podem-se distinguir as seguintes, supondo que a economia nacional opera a plena capacidade, com aumento dos investimentos privados, aumento da despesa pública e das exportações, aumento da propensão a consumir, redução da carga tributária e das importações e da produção para consumo. Numa relação mais estreita do aparecimento de pressões inflacionarias com as condições de operação do modelo dinâmico, Kaldor aponta quatro causas, que são, o governo, as indústrias, as expectativas de aumento dos preços e tentativas de grupos particulares para recuperar posições perdidas. O aparecimento da inflação durante o processo de desenvolvimento nos países capitalistas subdesenvolvidos está ligado a causas estruturais e traz consigo uma ponderável influência sobre o padrão de distribuição da renda observável. Sem excluir as causas imediatas antes citadas, no interesse de identificar essas causas estruturais, verificamos que elas são funcionais ao aparecimento de processos secundários que a reforçam. A inflação tem aparecido como resultado de um desequilíbrio entre a demanda interna de bens e serviços e a capacidade de produzir esses bens.
Mais que um fenômeno de âmbito
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exclusivamente monetário, a inflação ganha interesse para os estudos do desenvolvimento porque, agindo de modo recíproco pode constituir um modo de financiar investimentos nacionais, mesmo que seja a expensas da distribuição da renda. O primeiro problema relativo a esse uso da inflação como estratégia de financiamento do crescimento econômico está ligado a suas conseqüências distributivistas a longo prazo, e se vincula às possibilidades de sustentar um crescimento estável de uma economia nacional. A perda do controle da inflação torna impossível prever seus efeitos na distribuição da renda, nem prever a aceleração da espiral inflacionária. A possibilidade de controlar a inflação é altamente questionável, dadas as distorções que ela gera no próprio mecanismo do financiamento. Daí, a importância da espiral inflacionária na trajetória da formação do produto social. No contexto do movimento da industrialização distinguem-se três modelos gerais no relativo às condições básicas em que os impulsos de desenvolvimento têm acontecido: o das economias que cresceram com a nova tecnologia e onde ela se originou; o dos países que optaram por uma solução socialista e o dos países que, tendo ficado na retaguarda tecnológica, buscam o desenvolvimento no contexto da produção capitalista. Nossa atenção logicamente se volta para o terceiro grupo, onde está o Brasil. Mesmo sem poder formular leis gerais acerca da mecânica do processo experimentado pelas economias nacionais de hoje em seu crescimento, a observação mostra como, sempre que começou um movimento de crescimento do produto nesse grupo de países, uma parte de seus recursos foi deslocada desde outros setores e destinou-se a atividades urbanas. Sua agricultura, que é sempre a maior provedora de força de trabalho, viu-se responsabilizada pela alimentação de um setor não agrícola que tende a crescer. Por sua vez, o processo de desenvolvimento vai acompanhado de um aumento da demanda de bens de capital e de combustíveis, o que significa uma sobrecarga sobre a capacidade de importar. As exportações continuam sendo constituídas de vendas de produtos de baixo valor agregado, tanto da agro-pecuária como da mineração e estão sujeitas a movimentos de retrocesso tecnológico quando não se realizam progressos significativos na participação de produtos de maior valor agregado. Por isso, a necessidade de divisas tem sido satisfeita por
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uma melhoria nos termos de intercambio e por um aumento linear no crescimento das exportações. Torna-se, portanto, necessário dar maior importância à composição das exportações e à elasticidade preço e renda das novas mercadorias que entram no comercio internacional. Os países subdesenvolvidos que têm suas exportações baseadas em produtos tropicais de baixa elasticidade preço, tais como cacau e café, têm possibilidades muito limitadas de expansão de mercados, pelo que dependem do aumento da população e da renda dos países mais ricos. Igualmente, os produtos agrícolas de baixa elasticidade renda encontram dificuldades para penetrar nos centros consumidores de alta renda. Mais ainda, a elevação dos níveis de renda interna desestimulam a produção de mercadorias de elasticidade renda inferior à unidade, sugerindo uma vinculação crescente da produção agrícola. Passa, portanto, a pesar outra responsabilidade sobre a agricultura: a continuação dos padrões de produtividade da agricultura tradicional de consumo eleva os preços dos bens de consumo existencial, alterando a relação entre preços e salários. Finalmente, entram em cena outros fatores que tendem a alterar essa relação, de modo desfavorável para os trabalhadores. São os seguintes:
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A indústria nascente, com escala de produção reduzida, pressionada pelos custos de depreciação do capital e que produz a custos unitários elevados.
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A necessidade de investimentos a longo prazo, cuja ausência constitui o ponto de estrangulamento para este momento histórico da economia nacional e que, se requerem longo tempo de maturação, induzem o país a empréstimos externos cujos prazos de pagamento geralmente são inferiores ao começo do retorno dos investimento, portanto, gerando uma pressão adicional na balança de pagamentos.
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O efeito das tarifas protecionistas da indústria nacional no preço dos bens de consumo duráveis importados, que se transmite no desafogo da balança de pagamentos, aumentando a pressão sobre os salários.
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A necessidade de financiar despesas crescentes, tanto em setores básicos como para atender obrigações de consumo, leva o governo a emitir papel moeda e suas
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emissões pressionam o valor da moeda, indiretamente pressionando a relação entre preços e salários. A inflação aparece também como conseqüência de condições climáticas que reduzem a oferta de alimentos por diminuição do volume total das colheitas, por uma queda da produtividade nos produtos exportáveis.
Dada a dependência dos países
subdesenvolvidos de sua agricultura, essas pressões inflacionárias são, praticamente, inevitáveis.
Nessa linha de argumentação, pode-se considerar que os países
subdesenvolvidos estão, finalmente, sob a pressão de uma rigidez do desempenho de seu setor agrícola, onde seus aspectos institucionais – desde a propriedade fundiária ao crédito – são essenciais. Entende-se, portanto, que os efeitos da inflação no processo da distribuição da renda assumem um caráter diferenciado nos países subdesenvolvidos, especialmente quando sua estrutura econômica começa a mudar, ou quando se considera que eles começam a se desenvolver. Os movimentos do desenvolvimento geram efeitos contraditórios, justamente, porque induzem esses países a dar primeira prioridade à luta contra a inflação. Na hipótese em que um crescimento inercial da produção agrícola seja absorvido pelas cidades, a aceleração da liberação de mão de obra rural para atividades urbanas pouco qualificadas, tal como a construção civil, ajuda a deprimir os salários urbanos. Por outro lado, a falta de crédito para habitação popular freia esse emprego pouco qualificado e eleva os preços da habitação popular.
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QUARTA PARTE
Uma incursão teórica
10. Um tratamento unificado da distribuição Do que se viu até este ponto depreende-se que o padrão de distribuição da renda é causado pela ação dinâmica, direta e indireta, de um conjunto de fatores, que são igualmente determinantes do desenvolvimento. Essa ação se exerce de modo constante sobre a distribuição, introduzindo-lhe modificações progressivas. Por isso, é uma simplificação grosseira estudar o processo de desenvolvimento como um movimento a longo prazo que se realiza sob uma dada distribuição da renda. As próprias características de mudanças do desenvolvimento representam a negociação da permanência da distribuição. Kenjiro Ara (1955), estudando a formação de capital e o desenvolvimento tratou da distribuição, mas limitou-se a dar-lhe um tratamento estático, apesar de integrá-la em um modelo dinâmico. A necessidade de considerar os fatores que alteram a distribuição foi melhor contemplada por Kenneth Kurihara (1954), mas este autor utilizou-a como um argumento colateral da introdução de um efeito distribuição , forma pela qual se exprime em seu modelo o papel dinâmico da distribuição da renda, na realidade estudado como ma relação entre os movimentos do consumo e do investimento. Em ambos os casos, o que nos interessa notar é como a própria distribuição afeta o desenvolvimento. No nosso entender a colocação correta do problema do dinamismo da distribuição estará feita quando os principais fatores responsáveis de sua formação forem identificados como as variáveis básicas de uma teoria do desenvolvimento. Tais fatores podem ser classificados em dois grupos, em que um está composto dos fatores que condicionam a evolução das condições ambiente para o desenvolvimento e em que o outro é responsável das alterações a curto prazo desse quadro. Chamaremos aos primeiros de fatores de condição e aos segundos de fatores de situação. Os primeiros são os que formam a base sobre a qual se desenvolve a atividade econômica e que são também os limites da mudança. Os segundos são os que resultam da orientação ideológica sobre a qual se construiu a vida social. Como variáveis que condicionam a distribuição na vida econômica enumeramos os seguintes: a população
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atual, as instituições atuais, o capital nacionalmente disponível, a relação produto/capital e a propensão para investir. As variáveis identificadas com o segundo grupo são: a renda per capita, o coeficiente de exportação, o crescimento líquido da população, a estrutura da produção nacional, a estrutura do consumo e a composição da despesa pública. As características dos países subdesenvolvidos podem ser resumidas nos seguintes termos: proporção de população rural, a renda da população rural é inferior à que poderia ter com sua produtividade de hoje, o número dos que continuam em condições pobreza crítica, as carências de capital social, falta de trabalhadores qualificados, resistências institucionais à mudança. Em resumo, o problema da distribuição pode ser identificado segundo a variedade de formas pelas quais ela pode ser percebida, mas há uma combinação de situações que alteram as possibilidades de modificar-se o quadro geral da distribuição. A distribuição deve ser analisada em função de condições que variam de modo irreversível, combinando a visão do processo em sua totalidade com a visão dos seus aspectos interdependentes. Tratase das relações de causalidade que conduzem o processo, em sua dimensão nacional em cada
país e em sua dimensão internacional, segundo a distribuição corresponde aos
movimentos gerais do capital. Nessa abordagem, a leitura dos aspectos institucionais da economia pode levar a um outro reducionismo, pelo qual a distribuição pode aparecer como uma simples decisão política. Nesse caso, em pauta está a perpetuação de padrões de distribuição, quando através deles se criam obstáculos a ajustes entre o modo de distribuição e o movimento do desenvolvimento econômico. A suposição de que os problemas de desenvolvimento podem ser superados mediante uma concentração da capacidade de poupar em mãos de uma pequena parte da sociedade equivale, de fato, a uma opção em favor de um crescimento econômico conduzido por uma concentração de capital cuja identificação com investimentos nacionalmente importantes não está garantida. Na verdade, essa aparente opção por um modelo de crescimento com concentração de renda apenas descreve a tendência geral do capitalismo em sua etapa mais avançada. Concluímos por entender que
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a concentração de renda é uma tendência e é uma opção ideológica, que estão na base da reprodução do sistema capitalista de produção.
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11. A fita de Moebius
A fita de Moebius é um artefacto do ocultismo que consiste em uma fita fechada sobre si mesma numa dupla volta, que quando cortada em sentido longitudinal se desprende em duas argolas interconectadas. Nossa reflexão mostrou que a relação entre um padrão de distribuição da renda e um modo de crescimento do produto social é apenas um primeiro nível de aparência e que a relação entre modificações no perfil da distribuição e alterações na composição do produto é apenas um segundo nível de aparência, que, finalmente, o cerne do processo está constituído de combinações de relacionamento entre capital e trabalho que se materializam na esfera da realização do produto social e na esfera da formação do capital. Como nos mostrou Cannan (1948), precisamos distinguir entre uma pseudo distribuição, constituída de situações individuais de renda e uma real distribuição, que é aquela dada pela dinâmica da reprodução do capital. A situação de distribuição da renda é o aspecto real materializado de uma combinação de tendências do sistema de produção situadas no quadro de tendências sociais e políticas incorporadas nas sociedades nacionais. A distribuição da renda é um fato social do capital e as políticas econômicas exprimem ideologias cuja marca se encontra desde as opções de análise até o modo de ligar os componentes econômicos e os políticos do processo da produção. A grande novidade representada pelo aparecimento da Teoria geral ... de Keynes no campo da economia burguesa foi ter reconhecido a necessidade de tratar com instrumentos de política que revelam o significado político do Estado.
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