Fernando Pedrão
A Economia Política Crítica de Marx
Salvador 2007
De fato, a coisa não se reduz ao seu fim, senão se encontra em seu desenvolvimento, nem o resultado é o todo real, senão está em sua união com seu devir. HEGEL
A maioria dos homens não reflete sobre o que se lhes apresenta. Mesmo quando instruídos, não compreendem. Vivem na aparência. HERÁCLITO
Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de idéias secularmente veneradas; as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes de se consolidarem. MARX
Está claro que o método de exposição deve distinguir-se formalmente do método de investigação. A investigação tenderá a assimilar-se com detalhe à matéria investigada, a analisar suas diversas formas de desenvolvimento e a descobrir seus nexos internos. Só depois de concluído esse trabalho, pode o investigador proceder a expor adequadamente o movimento real. MARX
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Índice APRESENTAÇÃO UM PRELÚDIO FILOSÓFICO ORIGENS E SENTIDO DE FINALIDADE A linha mestra As leis do capital ORGANIZAÇÃO SOCIAL E IDEOLOGIA A relação capital/trabalho, as relações entre capitalistas e trabalhadores e a divisão do trabalho A ideologia A alienação AS CATEGORIAS DO PROCESSO SOCIAL Das Categorias As categorias do processo da produção capitalista FUNDAMENTOS E SENTIDO DE FINALIDADE DA OBRA DE MARX Teleologia: ontologia e práxis Fundamentos filosóficos Fundamentos econômicos Fundamentos sociais O CONTEXTO PRINCIPAL DO DISCURSO ECONÔMICO E SOCIAL Perfil temático da obra de Karl Marx Fundamentação conceitual Problemas preliminares: a questão do trabalho produtivo Problemas preliminares: dinheiro e renda A estruturação de O Capital A produção (social) de capital A circulação de capital A produção capitalista em seu conjunto GÊNESE E METAMORFOSE DO CAPITAL
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6 19 25 25 30 31 31 34 42 50 50 52 61 61 64 69 74 77 78 83 85 86 88 91 100 107 120
Traços gerais da questão Mercadoria, valor e valorização A questão especial do dinheiro Os modos de apropriação de valor: produção e captação de mais-v alia Mutação da circulação, produção e produção de mais-valia Os processos de trabalho O processo de valorização Capital constante e capital variável Produção e extração de mais-valia Preliminares A jornada de trabalho Taxa e massa de mais-valia absoluta A produção de mais-valia relativa Mais-valia absoluta e mais-valia relativa A questão especial da acumulação primitiva A divisão do trabalho: artesanato, manufatura, produção fabril Maquinaria e grande indústria A cooperação Modos de composição do capital A condição dos trabalhadores: renda salarial, intensidade da ocupação, opções de trabalho A reprodução simples A transformação de mais-valia em capital O movimento geral da acumulação do capital O papel especial do capítulo VI (inédito) do Livro I A CIRCULAÇÃO: ESPAÇO-TEMPO E SITUAÇÃO HISTÓRICA DO CAPITAL Preliminares As metamorfoses do capital A engrenagem das metamorfoses do capital (industrial) O ciclo do capital-dinheiro O ciclo do capital produtivo Gastos de circulação
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120 122 129 132 132 136 137 138 140 140 142 144 145 149 150 151 155 156 157 160 162 162 163 167 169 169 179 180 181 186 187
Tempo de rotação Capital fixo e capital circulante Rotação global do capital desembolsado e determinação dos ciclos de rotação do capital em geral Tempo de trabalho e período de produção Circulação de mais-valia A reprodução e a circulação do capital social em seu conjunto Antecedentes preliminares A questão geral da reprodução do capital A reprodução simples Acumulação e reprodução em escala ampliada A PRODUÇÃO CAPITALISTA EM SEU CONJUNTO Preliminares Uma primeira reflexão sobre o tema problematizado no Livro III de O Capital A teoria da exploração e a apropriação da reprodução ampliada do capital A arquitetura temática do livro III A conversão de mais-valia em lucro e da taxa de lucro em taxa de mais-valia A taxa média de lucro A tendência decrescente da taxa de lucro O aparecimento e funcionamento do capital a juros A FORMAÇÃO DA RENDA FUNDIÁRIA Preliminares Aspectos gerais O mecanismo central da renda fundiária TECNOLOGIA CAPÍTULO II: A QUESTÃO DAS CLASSES SOCIAIS A LEI DO CAPITAL UMA VISÃO RETROSPECTIVA DO EIXO TEORIA-MÉTODO BIBLIOGRAFIA
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188 189 190 190 191 192 192 193 195 197 199 199 200 202 205 212 216 219 220 227 227 230 234 239 244 249 251 255
APRESENTAÇÃO
Neste estudo pretende-se oferecer uma visão interpretativa do pensamento econômico e social de Karl Marx, tal como ele está exposto em O Capital, que é sua forma mais desenvolvida, apesar de inacabada, situando essa grande apresentação final frente a sua montagem filosófica. Marx identificou seu objeto de estudo quando elaborou sua Crítica da Filosofia do Direito de Hegel; e quando esboçou seu plano de uma crítica da Política, do Direito e da Economia, que terminou por se concentrar no painel – inacabado – de O Capital. O Capital é o que se materializou de um projeto muito maior, de crítica e o modo como sua elaboração foi conduzida foi para dar conta do mundo da produção. O mundo do poder aparece como um baixo contínuo nessa construção sinfônica e teria que vir à luz com seu próprio movimento em outro trabalho que Marx planejou, porém jamais teve tempo de elaborar. A expressão crítica na obra de Marx tem dois significados: o de uma avaliação histórica objetiva e o de mostrar a diferença entre os fundamentos históricos reais e os fundamentos alegados do poder. O movimento interno do processo é a história. Para seguir a opção de abordagem do próprio Marx, de trabalhar com a perspectiva histórica do tema e da teoria, procura-se aqui situar a formação do pensamento de Marx em seu tempo, assim como se tenta relacionar esse corpo teórico com a problemática de hoje. Neste empreendimento seguimos a linha de interpretação representada por Lukács e Meszáros, em que se considera que o rumo estabelecido
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nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, de 1844, prossegue ao longo do amadurecimento da obra de Marx, entendendo que a distinção entre os trabalhos de Marx jovem e Marx maduro marca diferenças de complexidade, mas não registra rupturas na concepção da análise. Essa fisiologia do sistema capitalista de produção avançou através dos Delineamentos de Crítica da Economia Política (Grundrisse) elaborados em 1856-1857 e publicados em 1904, a Contribuições à Crítica da Economia Política (publicado em 1859), todos a serem vistos como material embrionário, mas que não elimina o fato de que a exposição da sinfonia é, realmente, O Capital. Os dois volumes de Teorias da Mais-valia, elaborados entre 1861 e 1863, foram planejados como um Livro IV de O Capital, mas foram resumidos e transpostos para o Livro II. Os Manuscritos de 1844 sinalizam a visão crítica e o fundamento ontológico da empreitada de explicação da trajetória do homem e enquanto integrante de uma sociedade, abrindo, entretanto, uma linha de debate com Hegel, que a nosso ver é mais um desenvolvimento contraditório do pensamento de Hegel, que o contradiz no relativo à fundamentação do Direito e do Estado, quando se situa com clareza a discordância indicada nos Manuscritos, mas que se consolida em torno da teoria das classes sociais e da propriedade privada1. Mas todo esse material constitui um conjunto, que surge como uma síntese no volume de 1859, mas onde ainda não se encontra a arquitetura de análise que se desenvolve em O Capital. Sem restar nada do mérito das observações de Raymond Aron, relativas à ruptura orgânica que se encontra entre o material plenamente desenvolvido e o material desigualmente desenvolvido de Marx, somos levados a considerar que a riqueza de bifurcações de O Capital não está sequer anunciada nos textos anteriores.
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1 A teoria do Direito de Hegel parte da determinação do indivíduo, cujas determinações estão embutidas na “Idéia” – que é uma transubstanciação da experiência em racionalidade – e na ligação orgânica entre a Idéia e o Estado. Nesse contexto, o Estado tem atributos de racionalidade que não dependem de sua relação com a sociedade civil. Hegel defende uma individualidade que rejeita a escravatura porque ela é contraditória com essa afirmação genérica do indivíduo, mas presume a propriedade privada como uma conseqüência dessa individualidade. Para ele o Estado deriva dos costumes. “O Estado, como realidade em ato da vontade substancial, realidade que esta adquire na consciência particular de si universalizada, é o racional em si e para si. Esta unidade substancial é um fim próprio absoluto, imóvel, nele a liberdade obtém seu valor supremo e assim, este último fim possui um direito soberano perante os indivíduos que em serem membros do Estado têm o seu mais elevado dever” (Filosofia do Direito, pp.201). Aí a liberdade dos indivíduos se confunde com seu dever para com o Estado.
A economia política crítica de Marx é crítica e se separa da economia burguesa por duas razões fundamentais. Primeiro, porque questiona a propriedade privada e segundo, porque situa historicamente o sistema capitalista de produção, que não é o primeiro e pode não ser o último. Assim, não é crítica no sentido kantiano dessa expressão, porque revisasse criticamente seus próprios fundamentos, senão é crítica porque trabalha dialeticamente com os limites da teoria. O projeto geral de Marx de crítica do conhecimento organizado resulta de uma visão histórica do conhecimento como produto social, que permite distinguir uma visão aristocrática de uma visão burguesa, portanto, que legitimaria uma visão popular do conhecimento, tanto como uma visão dos colonizados frente à visão dos colonizadores – apresentada como única – e que permite descobrir o colonialismo. A cientificidade desse conhecimento de classe pode ser questionada, mas sua legitimidade histórica será indiscutível. Além disso, há uma diferença de sentido de finalidade entre a crítica que se concebe como ferramenta de uma ruptura com uma ordem supra social de autoridade e a crítica que surge do próprio exercício de pensar a objetividade do mundo social. Entendemos que a principal distinção do trabalho de Marx a partir da Contribuição à crítica da Economia Política (1959) é essa modificação radical do significado de crítica. A crítica constrói através do movimento negativo da dialética. Por isso, a nosso ver, as condições explicativas da crítica avançam quando ela desvenda a contradição monetária do capital, que precisa do dinheiro, mas depende das moedas, que precisa encontrar aplicações rentáveis suficientes para reproduzir todo o valor acumulado, mas que se depara com a concentração do controle das oportunidades de aplicação rentável dos capitais.
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Nessa visão, acolhemo-nos à observação de Marcuse (1967), de que o desenvolvimento do pensamento de Hegel tornou inevitável uma sociologia. No entanto, é uma sociologia que avança sobre as contradições necessárias no movimento histórico da organização econômica da sociedade. A análise critica que se desenvolve sobre a progressão das contradições concretas da história é a de Marx. Por isso, Marx precisou, desde o primeiro momento, identificar uma categoria que explique e situe historicamente a exploração do trabalho como nervo central do processo econômico e não apenas como dado de um momento ou de uma situação. Tal categoria é a alienação. Neste estudo, especialmente no capítulo 7, torna-se necessário explorar o significado da alienação na construção da produção capitalista. Na construção da crítica em seu conjunto, A ideologia alemã tem um papel muito especial no relativo à identificação sócio-política de categorias econômicas, em mostrar o papel da ideologia na formação do sistema socio-produtivo do capitalismo e na determinação de sua superestrutura institucional. Ora, Marx se oporá a Hegel no que para ele a propriedade privada não pode ser o fundamento legítimo da ordem social, já que ela resulta de uma apropriação desigual, que prossegue ao longo do desenvolvimento da sociedade, vindo a constituir o fundamento da produção capitalista. Um destaque especial deve ser dado à compreensão da divisão do trabalho, que surge como fundamento material de uma polarização ideológica que se define desde dentro da organização social da produção e penetra as relações de poder na sociedade em seu conjunto. “Com a divisão do trabalho, que leva implícitas todas essas contradições e que descansa, por sua vez, na divisão natural do trabalho no seio da família e na divisão da sociedade em diversas famílias opostas, dá-
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se, ao mesmo tempo, a distribuição, e, concretamente, a distribuição desigual, tanto quantitativa como qualitativamente, do trabalho e de seus produtos2...” Diferentemente do que se vê em Adam Smith, a divisão do trabalho não é apenas uma estratégia de produção que se realiza frente a uma demanda, senão é uma manobra de controle dos trabalhadores, que se faz mediante a organização do engajamento do trabalho. A divisão do trabalho é um mecanismo que opera nas relações entre os capitalistas individuais e os trabalhadores individuais, mas que igualmente opera nas relações entre nações. É uma situação que se realiza sobre mercadorias específicas e sobre condições específicas de transacionar com essas mercadorias, mas que se projeta sobre o controle dos modos específicos de contratar trabalhadores. Nessa escolha há uma questão de método, que aparece primeiro na escolha dos temas e do modo de abordá-los; e a seguir, no modo de organizar a análise. Para entender o método e a obra de Marx, pode-se seguir sua progressão genética, ou acompanhando o desenvolvimento do tratamento de cada tema. Uma notável continuidade do programa de trabalho de Marx torna inadequadas separações entre obras de juventude e de maturidade, ou entre obras supostamente filosóficas e não filosóficas. Melhor, podemos trabalhar na exegese da obra de Marx, com a suposta diferenciação entre obras de juventude e de maturidade, ou entre obras filosóficas e supostamente não filosóficas; ou podemos, ainda, olhar a obra de Marx como um conjunto, especialmente dotado de continuidade, que não chega a ser interrompido por completo, sequer na produção mais diretamente imposta pelas circunstâncias. Qualquer dessas opções é uma escolha do leitor de Marx antes que do próprio autor, que, simplesmente, trabalhou no contexto das transformações de sua época.
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Karl Marx, Ideología alemã cap.2, Obras escogidas, Moscou, Progresso, 1974, pp.11
Por isso, preferimos uma combinação da abordagem de progressão genética com essa visão de conjunto da obra, que a coloca como um momento englobante da teoria social, no sentido dado a esse termo por Karl Jaspers3. Entendemos que a obra de Marx surgiu no final de um período de grande vitalidade de pensamento social interpretativo da economia, que foi substituído por um outro período, essencialmente acrítico, de produção de instrumental analítico: a economia que questiona o significado social da acumulação e a economia que está ao serviço da acumulação. A economia neoclássica de hoje é parte desse movimento de produção acrítica de um instrumental formal. A obra de Marx é uma grande ruptura com a subordinação do pensamento social aos interesses do capital e abre um grande número de linhas de reflexão sobre a sociedade de hoje. A visão do conjunto historicamente situado é essencial, inclusive para ser coerente com o próprio Marx, que olhou a teoria social desse modo. A obra de Marx contém diversas teorias no sentido limitado desse termo, mas, essencialmente, é a teoria da produção capitalista, cuja explicação parte da historicidade da vida social e da raiz social da individualidade. Essa é a premissa que revela o sentido da formação social de valor, ao tempo em que revela a contradição do sentido de finalidade da acumulação. A observação inicial que orienta este estudo, é que só se pode compreender O Capital considerando a totalidade dessa obra, apesar de estar ela desigualmente desenvolvida. O Capital se coloca como uma leitura historicamente crítica da formação do capital e do capitalismo, que se vê como um processo em sua totalidade. A noção de totalidade difere radicalmente da noção de globalidade – trabalhada na macroeconomia marginalista keynesiana, em que na globalidade
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Karl Jaspers, Razón y existência, Buenos Aires, Nova, 1956
as contradições se dissolvem, enquanto que a totalidade compreende o movimento completo do processo, com suas contradições. A totalidade se cumpre em seu tempo-espaço histórico e compreende o modo de se transformar. A concepção do livro corresponde à concepção do processo que estuda: contém a visão total, a das contradições e a dos componentes do processo. Os estudos da teoria do valor de Marx, ou que giram em torno do Livro I, isolam parte de um discurso teórico cujo significado está, precisamente, em sua totalidade. Esta observação apóia-se em duas referências. Primeiro, no teor de duas cartas de Engels a Victor Adler, com recomendações relativas a como ler O Capital e no prólogo do mesmo Engels à publicação do Livro II de O Capital. Especialmente nesse prólogo, Engels ressalta o modo como o livro foi escrito reiterando o referido a Adler, de que o material apresentado no Livro III teria, em todo caso, que ser considerado tematicamente como sustentação do exposto no Livro II, apesar de que este último é, logicamente, antecedente do Livro III. A segunda referência é o tratamento dado por Marx ao problema de categorias. O livro começa com um tratamento do relativo à aparência do capital - mercadorias – desenvolvendo uma pesquisa na direção do modo como as mercadorias são produzidas; e voltando a mostrar como o modo de produzir mercadorias tornase o modo de produzir o sistema que produz as mercadorias, e este, por sua vez, revela o verdadeiro sentido de finalidade do sistema, que produzir mais valia4. Esta visão da obra de Marx traduz-se numa apreciação crítica da literatura sobre ela, em que há muitos trabalhos sobre materiais do Livro I de O Capital, e muito pouco material sobre a construção da obra em seu conjunto, nem sobre o material relativo à circulação de capital.
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É oportuno aqui citar o ensaio de Hans Georg Flickinger “O sujeito desaparecido na teoria marxiana” (1984), que explora essa linha de tensão entre o aparente e o essencial na estruturação de O Capital , apontando ao papel necessário dos elementos da aparência, e, especificamente, ao significado da mercadoria. Diremos que o essencial não se mostra facilmente, e que só se deixa ver realmente, quando se capta que se trata de uma progressão de aspectos da totalidade.
A noção de totalidade está no âmago da visão do mundo social em Marx, que é de um conjunto que se transforma continuamente. A perda da visão de conjunto do mundo social característica significa perda da capacidade perceber o contexto de conflitos e ajustes de que se faz a materialidade da sociedade historicamente situada e que mostrará como se formam os mecanismos de dominação e de subordinação. A totalidade histórica se diferencia da totalidade em Física, porque compreende o mundo da consciência social, que, para Marx, surge da coletividade e não da individualidade. Assim, no mundo social a relação entre aparência e essência e entre formas e modos é fundamental. O Capital representa o movimento da produção capitalista, desde suas raízes em movimentos de acumulação violenta até o funcionamento do capital financeiro. Mas, para apresentar esse movimento, realiza um outro movimento, que parte da explicação das formas aparentes de riqueza – as mercadorias – para suas formas mais voláteis na esfera do dinheiro. Não é uma viagem no tempo, já que o capital continua utilizando a chamada acumulação primitiva, como parte da acumulação avançada; e que os sucessivos movimentos de expansão do capital financeiro no campo e na valorização urbana, obrigam a ver a atualidade da teoria da renda do solo. É um jogo que responde pela continuidade da acumulação, ou seja, pela capacidade da produção capitalista de se perpetuar. Aí, justamente, está o ponto essencial do questionamento marxiano. A acumulação depende de uma violência sobre o trabalho, que consiste na capacidade de direcionar a força de trabalho para operar em função dos interesses do capital. Daí, o essencial do processo do capital são as condições do trabalho. Em última análise, elas respondem pelas condições de vida dos que
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dependem de trabalhar, que ficam à disposição do capital e que devem acompanhar os requisitos de qualificação inerentes às transformações da composição do capital. A acumulação igualmente depende de que se produza uma estrutura de instituições compatíveis com as necessidades atuais do processo de acumulação de capital. Como diz Marx, “(...) a esta propriedade privada corresponde o Estado moderno, paulatinamente comprado, mediante o sistema de impostos (...). A burguesia, por já ser uma classe, e não um simples estamento, encontra-se obrigada a organizar-se num plano nacional e já não somente num plano local, e a dar aos seus interesses comuns uma forma geral” (Ideologia alemã, Oposição entre as concepções materialista e idealista, Obras Selectas, pp.77) O arcabouço institucional já surge como parte de um conflito de interesses. Para isso, o sistema social que responde por essa acumulação usa de duas grandes estratégias, que são a educação e a violência. A violência é essencial ao sistema e apenas muda de forma, chegando à violência da moeda. Mas continua contendo todas as formas anteriores, que lhe permitiram chegar até este ponto. A última violência é a reificação, que reduz a pessoa à função de trabalho e que deixa sem resposta a anulação dos que são excluídos da oportunidade de trabalhar. A reificação é uma tendência geral, que está contida nos movimentos que levam à formação das classes, mas ultrapassa as fronteiras do confronto de classes, atingindo a questão mais profunda de identidade. O movimento do discurso no livro vai até os níveis essenciais da produção capitalista, que são os da concentração do capital, em que se englobam suas diversas formas; e de inversão do sentido de finalidade da própria reprodução do capital, que passa a ser comandada pelos
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interesses financeiros. O grande desafio conceitual está em visualizar o capital em sua complexidade atual e em sua multiplicidade de formas. O capital é o Proteu da mitologia moderna, cuja pluralidade de formas garante sua unidade interna invisível. Na composição do discurso em O Capital a nosso ver, há categorias da aparência, categorias da substância e categorias da transformação, que sustentam o movimento explicativo da obra de Marx. As primeiras, certamente, são as da pluralidade de formas, onde estão o elenco das mercadorias e a pluralidade dos meios de produção. As categorias da substância, serão a totalidade do sistema socio-produtivo e sua complexidade, com sua manifestação na composição do capital. Finalmente, estão as categorias da transformação, que são a valorização do trabalho e a mais valia, onde se encontra a possibilidade de um agir diferenciado dos diversos integrantes da sociedade, que resulta no movimento geral do sistema capitalista. O tratamento dado por Marx ao problema de categorias torna necessária uma reflexão específica sobre esse ponto, que procuramos desenvolver no capítulo 4 deste estudo. Entendemos que em Marx há um manejo de categorias, que pressupõe uma teoria das categorias, que não está explícita como em Aristóteles e em Kant, mas que constitui as amarras do andaime geral da análise. Essa teoria das categorias começa com a identificação do papel da propriedade privada e da alienação e continua com a moeda e o capital, finalizando com a acumulação e a concentração do capital. O problema de categorias está na fundamentação de uma análise social histórica, cuja razão de ser consiste em considerar que a história é social e que o que não se define como social é indiferente para a sociedade. A questão é que ao tratar racionalmente o contexto social se estabelecem referencias que não podem mais ser ignoradas.
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Na construção do discurso de O Capital, o uso progressivo de pares de conceitos terá que ser examinado, mas, sem dúvida, representa os elementos de demarcação dos argumentos. A relação entre modo e forma, entre forma e conteúdo e entre potência e ato, vêm, diretamente, do arsenal da Metafísica de Aristóteles. A noção de forma substancial identifica-se com a de capital valorizado. A solução do problema de separação entre a esfera doméstica e a pública, aparece através da ligação entre o valor de uso e o valor (de troca), que é o primeiro passo da reconstituição da integração entre a esfera do individual e do coletivo. A diferença é que em Marx os pares de conceitos são degraus que levam escada acima, a descortinar a movimentação do capital dinheiro valorizado, com sua capacidade de empreender em diferentes atividades. A liquidez é a representação dessa capacidade de passar de uma atividade a outra, mudando de velocidade. Com essas referências, neste estudo procura-se seguir o mesmo plano estrutural daquela obra, começando por categorias enunciativas da aparência do capital, passando à identificação dos movimentos e dos circuitos em que eles acontecem, chegando à produção social de capital e à produção capitalista em seu conjunto, procurando expor as contradições inerentes ao processo. Por isso, é uma exposição que se organiza em torno da progressão de categorias, que se inicia com uma visão sintética da obra de Marx e de suas referências ontológicas. As referências a Aristóteles e a Hegel, que são necessariamente vastas e complexas, deveram ser reduzidas ao mínimo, para que não se tornassem desvios decisivos, em relação com o propósito principal deste estudo. É preciso não perder de vista que o sentido de finalidade do processo do capital, que é a acumulação, constrói-se sobre uma irracionalidade inicial, colocada pelo próprio Marx
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(L.II., pp.31), que segundo ele consiste no fato de que o trabalho gera valor mas não pode ter valor por separado do capital. Dessa visão do movimento do capital emergem duas bifurcações: aquela que identifica as estruturas institucionais e que submete as instituições à pressão dispersiva do próprio capital; e aquela outra que leva a capacidade de produção à contradição de perpetuar-se na volatilidade do capital dinheiro.
Dessa contradição entre a necessidade de concentrar para acumular e a
dispersão causada pela acumulação torna-se o eixo dessa visão crítica do processo. Voltar à discussão da renda da terra no final desse percurso, tal como fez Marx, é um desdobramento inevitável desse curso de análise, que se propõe mostrar a necessidade do capital de encontrar meios que lhe permitam reproduzir-se indefinidamente, mas que, ao penetrar nessa necessidade de expansão termina por mostrar o que há de essencial no capital como modo de uma sociabilidade fundada na desigualdade. À luz do exposto, parece-nos necessário tomar em conta, que a conclusão do movimento do capital até sua forma financeira madura leva o sistema a operar em outros patamares de velocidade, em síntese, desloca constantemente a velocidade do sistema, obrigando os capitais específicos a encontrarem aplicações suficientes para reproduzir o capital acumulado em condições em que, entretanto, os diferentes capitalistas têm condições diferenciadas de acesso às oportunidades de aplicação que viabilizariam sua reprodução. A composição do capital acumulado impõe um perfil técnico de aplicações, dada a impossibilidade de que algumas aplicações, dada a impossibilidade de que algumas aplicações, com certa composição técnica supram a reprodução de outras, de diferente composição técnica.
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Para os capitalistas em geral, o leque de possibilidades de aplicações fica referenciado pelas taxas de juros, mas, por oposição, as restrições de liquidez tornam-se parâmetros do funcionamento do capital no mercado financeiro. Isso, em princípio explica que os capitalistas operem em todos os segmentos de mercado disponíveis, ou que usem combinações de aplicações em diversos segmentos de mercado com diferentes composições de capital. O capital aproveitará todas aquelas oportunidades de aplicação que possam ser parte de um elenco de opções para sua reprodução. Por isso, a discussão da renda da terra em Marx é, essencialmente, diferente do tratamento dado a esse tema por Ricardo e ao incorporar criticamente a contribuição de Ricardo volta à questão levantada por Smith, de que o preço da terra depende da renda que se pode auferir da produção.
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UM PRELÚDIO FILOSÓFICO
A obra de Karl Marx resulta de um pensar criticamente a objetividade e de ver a sociedade de hoje como um resultado em processo de um movimento constituído de afirmações e negações da vida social em sua condição de processo histórico. Nesse sentido, tem uma ancoragem na manifestação do espírito objetivo representada por Aristóteles, representando um elo de uma corrente de pensamento que se desenvolve na perspectiva da objetividade e da objetivização e um fundamento na reconstrução histórica da filosofia realizada por Hegel. Hegel traz de volta o método como meio de encontrar uma visão de conjunto da filosofia e de explicar a lógica interna da transformação ou do transformar-se do mundo. Tal método é a dialética. O olhar da dialética vê a mudança como algo historicamente necessário, isto é, algo próprio do mundo social. A objetividade está ligada ao reconhecimento do mundo social. O materialismo em Marx definese em primeira mão como uma teoria do conhecimento que se baseia em fontes materiais do conhecer, que extrai suas referências da história social. Materialismo histórico, portanto, é aquele modo de ler a história a partir da materialidade da vida social, sobre a qual e com a qual se a ideologia. Marx começou por fundamentar sua própria visão crítica da filosofia, com sua Crítica da filosofia do Direito de Hegel - que não se resume em criticar o conhecimento contemplativo da realidade, mas que toma a realidade social como tema e constrói uma teoria da ação social
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historicamente significativa, entendendo que o desenvolvimento da sociedade moderna se dá mediante uma liberação de forças sociais inerentes à composição de conflito e composição que resulta em um movimento dialético. Olhar historicamente para a filosofia e entender que a visão de mundo é o ápice de cada civilização é uma contribuição de Hegel, que se torna um fundamento do pensamento crítico de Marx. Para situar historicamente esse esforço de explicação do processo da realidade social de hoje, é preciso começar por rever seus fundamentos na formação da própria filosofia ocidental. Desde suas origens, o pensamento sobre o mundo tomou as formas de uma filosofia do ser (Parmênides) e uma filosofia do tornar-se (Heráclito), que são opostas e complementares. A linguagem da filosofia do tornar-se é a dialética, que entende que a identidade do ser é inseparável de seu movimento interno: “Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio”, “tudo muda”, são fragmentos de Heráclito. A idéia de que há uma ordem interna das coisas que pode ser lida através de uma lei geral encontra-se desde Pitágoras e sua harmonia – ou regularidade numérica. Nessas duas correntes e até a síntese representada pela filosofia clássica grega, com Platão e Aristóteles, surge, como inevitável, uma preocupação com a idéia de princípio, como princípio de tudo e como princípio explicativo de tudo. A polêmica em torno do princípio gira em torno de princípios elementais, tais como água e fogo, mas logo se fixa na noção de uma lógica interna do modo de ser das coisas – o logos – concebido por Heráclito e avança na direção de tomar o homem como referência do mundo e do conhecimento do mundo (Protágoras). Como diz Bárbara Cassin, “os sofistas – Górgias então bastante próximo de Protágoras – são um
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momento necessário da história da filosofia: eles refutam a abstração vazia do ser eleático pela consideração das coisas efetivas, da realidade do mundo sensível e vivo, pluralidade, movimento, subjetividade”5. O reconhecimento do meio social historicamente produzido, com suas instituições, e a necessidade de situar a materialidade da vida social aparecem em sua plenitude na filosofia clássica (Aristóteles), distinguindo as esferas da vida privada e a da vida pública. Ressalta que a objetividade com que Aristóteles trata a vida pública está diretamente ligada a sua não dependência da Cidade Estado, que é a primeira manifestação de um critério internacional, no sentido moderno desse termo. A filosofia grega tendeu a distanciar-se dos condicionamentos da religião, mas o advento do cristianismo trouxe um novo modo de intolerância e de condicionamento, que adiante resultou na formalização da Igreja Católica Romana e que gerou seus próprios contrários nas diversas heresias6, no islamismo e mais tarde no protestantismo. O Islamismo na verdade é uma variante do grande fluxo de religiões do Oriente Médio, que parte do tronco semita, mas cuja origem é anterior, tanto quanto Abraão fosse realmente um sumério. A recuperação dessa visão de uma pluralidade religiosa original é necessária, para desmontar os mitos do judaísmo tanto quanto do catolicismo. Desde a Idade Média, a construção de um pensamento independente da autoridade religiosa tornou-se o modo de criar uma base ideológica que se contrapusesse ao poder despótico da religião. A gestação desse pensamento livre começou na Idade Média desde dentro da Igreja Católica – Grosseteste, Abelardo, Nicolas de Cusa, Okham – mas só alcançou visibilidade a
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5 Bárbara Cassin, O efeito sofístico, São Paulo, 34, 2005. 6 O papel das chamadas heresias, desde o monofisismo, o arrianismo, até os cátaros e os jansenistas, merece uma análise especial, não só para registrar a falta de unidade interna da Igreja, como para mostrar essa pluralidade como um traço essencial da religião organizada, que vem desde os expurgos de textos da Bíblia e o esquecimento deliberado de correntes iniciais como os essênios.
partir do século XV e ganhou notoriedade durante a Renascença, quando incorporou o pensamento grego clássico, que tinha viajado através de Alexandria e do mundo islâmico. O trajeto da formação de um pensamento científico é, também, o do desvencilhamento da razão e o do descobrimento do povo como e enquanto coletivo fundamental7. Se as Guerras de Sucessão (1618-1640) marcaram a substituição do território do monarca pelo território da sociedade na Europa ocidental, é um longo percurso, coberto por alquimistas e por utopistas, que prefacia o reconhecimento do ser social da sociedade urbanizada e que vem a mostrar a sociedade como tal. A noção de totalidade, que surge no mundo do absolutismo do século XVII, torna-se uma referencia essencial da filosofia de Hegel e do pensamento social de Marx. A grande revolução social representada pela ascensão da burguesia instala, também, um estilo de controle social do poder, que combina o conhecimento científico com uma visão crítica da sociedade. Ao longo do século XVII se gesta a crise do século XVIII, do mesmo modo como a Revolução Francesa canalizou as colocações dos Enciclopedistas. O Iluminismo em geral significa a entronização da razão como um único meio legítimo de produção de conhecimento, mas não supera a contradição entre o sujeito individual intransponível de Descartes8 e a necessidade de avançar a uma análise dos coletivos sociais que emergiam da superação do 7
feudalismo. O fundamental é a organização social da produção, que prepara o terreno para a Revolução Industrial e que abre as portas para os processos ideológicos do poder baseado no controle individual da riqueza, isto é, dando um novo sentido ao paradigma da propriedade privada. A propriedade privada não será mais um estado, mas será a condição fundamental da
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A poesia de François Villon pode ter sido mais reveladora do povo que a filosofia de sua época. 8
A fórmula do cogito, ergo sun” (penso, logo existo) é a expressão de uma individualidade sem brechas e sem acesso ao coletivo social.
formação de capital. Sobre essas bases materiais, a burguesia cria uma nova cortina ideológica – capaz de conduzir a alienação dos trabalhadores – e passa a captar as bandeiras populares e a criação do Estado nacional, que tinha sido parte do processo do absolutismo, muda de sinal, com uma aliança das realezas com a burguesia como parte de sua estratégia para controlar a aristocracia. O projeto de poder do absolutismo se defronta com a ascensão das sociedades burguesas do século XVII e com um conflito com as aristocracias. Historicamente, a critica de Marx é uma resposta a esse movimento geral de reorganização da formação de poder econômico e político que se assenta na organização industrial da produção. O ambiente do século XVIII, de crise do absolutismo, ou de substituição dos restos do sistema feudal por um sistema burguês de produção, situa a questão do idealismo. Primeiro, uma disputa em torno da possibilidade de uma acumulação de conhecimento – que sustenta a noção de ciência – com uma filosofia das sensações (Kant vs. Hume) e depois, uma questão da historicidade do conhecimento (Hegel vs. Kant) que levanta a questão em torno dos coletivos da sociedade moderna. A passagem de sensações a razão, que é uma questão levantada por Aristóteles, é fundamental na perspectiva da construção de um conhecimento socialmente legitimado. A historicidade das relações e das instituições é uma marca do pensamento de Hegel, que vê a sociedade civil e o Estado como resultados de processos que sintetizam a experiência de cada nação9. A experiência de cada nação se vê como um processo que envolve suas diversas atividades e que alcança seu ápice em sua visão de mundo, que se pode interpretar como uma visão ideológica da história.
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9 Lecciones de filosofia de la historia universal, Madrid, Alianza Editorial, 1986.
A formulação do idealismo crítico de Hegel trouxe de volta o modo dialético de pensar – inaugurado no Ocidente por Heráclito10 – que pode ser definido como a lógica interna do desenvolvimento do objeto social e de sua subjetividade11. A dialética é o modo necessário de análise, porque a consciência se forma dialeticamente 12 e porque a estrutura conceitual do conhecimento se desenvolve dialeticamente13. A razão não é somente capaz de criar conhecimento, como defende Kant, senão que uma conseqüência do desenvolvimento do ser social, que se apropria de suas próprias faculdades e se insere no mundo. Como disse Marcuse, a
10 O indiano Nagarjuna, também no século VI b.c., foi autor de um discurso dialético semelhante ao de Heráclito.
filosofia de Hegel tornou inevitável uma sociologia. Mas ao se defrontar com as contradições entre a sustentação do Estado e as transformações da sociedade civil em seu conjunto, a filosofia de Hegel infletiu na direção de uma justificação do Estado pelo Estado, desvirtuando o dinamismo da relação entre a sociedade e o Estado. A revelação dos coletivos das sociedades baseadas na mercantilização do trabalho contém o germe da substituição das relações feudais por relações contratuais. A Revolução Francesa, surgida no contrapé do declínio do absolutismo francês, tornou-se a principal manifestação desse sistema que valoriza a individualidade, porque ela representa o modo como o sistema produtivo pode incorporar aumentos de produtividade do trabalho. Mas é o processo social do capitalismo que vai fazer surgirem as forças de transformação das relações de poder e que conduzirão o sistema econômico. Ao apontar esse poder transformador do capitalismo Marx inaugura um modo de pensar a sociedade que não pode mais ser ignorado.
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11 O exemplo dado por Hegel no prólogo da Fenomenologia do espírito, resume essa visão. Em suas palavras, para que um fruto apareça, ele supera e toma o lugar de uma flor e esta, para aparecer, supera e toma o lugar de um botão. O fruto está dialeticamente contido no botão, mas este botão só pode dar lugar a este fruto. Todos processos são determinados. Não há processos meramente genéricos. 12 G.W.F. Hegel, Fenomenologia del espíritu, México, Fondo de Cultura Económica, 1984. 13 G.W.F. Hegel, La ciencia de la lógica, Buenos Aires, Hachette, 1967, 2 vols.
ORIGENS E SENTIDO DE FINALIDADE
...a finalidade última desta obra é descobrir a lei econômica que preside o movimento da sociedade moderna (El capital, Prólogo ,pp. xv) 14
A linha mestra Marx substitui o estudo da realidade social mediado pelos conceitos, tal como tinha feito Hegel, por uma apresentação direta da realidade social, com suas implicações em revelar os participantes desse processo e mostrar as determinações materiais de suas ações. O movimento de mediação se apresenta num sentido inverso ao de Hegel, porque Marx parte de um conceito que é uma síntese de um processo social, que é o conceito de mercadoria, e constrói uma progressão de contraposições conceituais até o nível mais amplo, que é o da produção capitalista tomada como um conjunto, para, a partir dela, reconstruir a compreensão da produção social de valor, reconhecendo que sua principal referência são as variações do trabalho socialmente necessário.
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14 A busca de uma lei geral explicativa é o principal traço do que se veio convencionando chamar de Economia Clássica e Marx não foge dessa regra. Veremos que ele destoa de seus antecessores por buscar uma lei histórica a partir de uma crítica do funcionamento do sistema atual de produção.
Tal empreitada impõe explicar os modos do movimento social e a composição dos integrantes desse movimento, tanto integrantes sociais como dos meramente materiais. O que se tem chamado de método estrutural histórico de Marx é a expressão metodológica dessa genética da sociedade capitalista moderna. Neste ensaio pretende-se estudar essa linha central do pensamento teórico de Marx, tal como ela está exposta em O Capital, e aproximar esta reflexão da consideração de problemas específicos das economias periféricas avançadas de hoje, o que é um modo de dizer, refletir sobre o Brasil. Na redação do corpo do texto apresenta-se uma leitura sintética do movimento teórico exposto no O Capital. As observações históricas recentes e as relativas à experiência brasileira ficam concentradas nas notas de rodapé e nas três últimas seções do texto principal. No estudo do capital, é imperativo considerar os dois problemas filosóficos fundamentais de ponto de partida e sentido de finalidade. Ambos estão presentes no conjunto da obra de Marx; e se encontram, em O Capital, na relação entre a identificação de interesses de poder assentados na materialidade econômica e o reconhecimento da negação de humanismo, imposta pelas determinações da acumulação. Entendemos que a negação da filosofia – alegada pelo próprio Marx – deve ser entendida como uma rejeição da esterilidade da metafísica e não como um abandono dos problemas e do método da filosofia maior. A linha central é o movimento da vida social conduzido pela materialidade dos relacionamentos no ambiente das sociedades modernas. O tema de Marx, como diz Lukács, é a ontologia do ser social. Diremos que é a ontologia do ser social moderno, mesmo quando presente em sociedades antigas, tal como Aristóteles. Como a vida social depende de sua
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materialidade, O Capital pretende decifrar a montagem da base material da sociedade capitalista, que é o produto da civilização ocidental. Subjacente nessa abordagem, há um problema cultural, no sentido mais amplo do termo, relativo à relação entre o desenvolvimento dessa sociedade econômica originada na Europa cristã e as demais produções civilizatórias, tanto no plano original, na relação entre a produção capitalista e a que Marx denominou de modo de produção asiático, como no relativo a outras produções socioculturais, como a reconhecida hoje nos fundamentalismos e no oriental como tal de modo geral. Admitindo que Marx é, antes de tudo, um filósofo alemão como diz Kolakowski (1985), e que o principal objetivo de O Capital é explicar a produção capitalista, trata-se de estabelecer a linha mestra da análise da sociedade econômica capitalista, entendendo que tal percurso15 só é inteligível quando colocado frente a seus fundamentos e seu sentido de finalidade, isto é, quando visto como uma teleologia. Marx diz que é preciso substituir a atitude da filosofia, de limitar-se a conhecer o mundo, pela atitude de transformá-lo (Teses sobre Feuerbach, 12). Mas é evidente que muitos filósofos pretenderam transformá-lo e que o corpo central da obra de Marx é, justamente, uma contribuição necessária ao conhecer. Simplesmente, trata-se de um modo especial de conhecer, que é um meta conhecimento, no que é, de fato, conhecer o conhecimento do mundo, em que é no conhecimento que está a inevitabilidade da atitude de transformar. A teoria da ação é inseparável de um desenvolvimento do conhecimento teórico, devendo ultrapassar – mas nunca negar – sua circunstância. O que a teoria da ação social tem de especial em Marx é que a teoria da ação de coletivos integrantes de sociedades historicamente determinadas.
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15 Percurso no sentido dado por Vico a esta expressão, isto é, de trajeto histórico do sujeito do processo social. Percurso do capitalismo e percurso da explicação do capitalismo.
A relação entre fundamento e sentido de finalidade apresenta o ser social historicamente formado e em formação, fazendo com que esta teoria seja profundamente filosófica no que ela é, necessariamente, uma ontologia, como colocou Lúkacs (1979): "A verdadeira construção de O Capital mostra que Marx lida decerto com uma abstração, mas evidentemente extraída do mundo real. A composição do livro consiste, precisamente, em introduzir continuamente novos elementos e tendências ontológicas no mundo, reproduzido inicialmente sobre a base dessa abstração; consiste em revelar as novas categorias, tendências e conexões surgidas desse modo, até o momento em que temos diante de nós e compreendemos a totalidade da economia enquanto centro motor primário do ser social". Um fundamento essencial da doutrina de Marx é a interpenetração, ou a circularidade, entre produzir e consumir, que sintetiza a circularidade de funções das pessoas e dos grupos sociais na sociedade moderna. Tal circularidade mostra, ao mesmo tempo, o jogo de dinamismo e identidade que subjaz na movimentação do mundo. É uma visão oposta à dos economistas clássicos, que se ativeram ao aspecto externo de separação, sem atentar ao aspecto interno de identidade. É o mesmo que acontece com a visão das funções de uma cidade – moradia, trabalho, transporte e lazer – como situações separadas, ou como funções interdependentes, que só se explicam uma pela outra. Essa circularidade, cuja exposição ocupa as primeiras páginas dos “Grundrisse”, é essencial para que se entenda a diferença entre a funcionalidade do sistema enquanto conjunto de funções, que se desloca como conjunto, e a identificação de funções específicas, que podem ser isoladas como quimicamente puras. O Capital é um grande projeto de análise da formação da sociedade capitalista, que por sua novidade - ninguém tentou isso antes - precisou estabelecer o modo de análise compatível
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com seu tema. Identificamos dois momentos fundamentais desse modo de análise: a definição de categorias representativas da realidade social e o reconhecimento de circuitos de relacionamentos, com diferentes velocidades, organizados em ciclos correspondentes às formas do capital. O reconhecimento de um conjunto inicial de categorias e o desenvolvimento de uma reflexão ao nível categorial é um dos pilares desse trabalho, que exige uma análise especial, sobre a perspectiva histórica do pensamento sobre categorias. O Capital é uma obra dedicada a explicar o dinamismo inerente à materialidade da vida social, que presume um subsolo ideológico que reconhece como inerente ao mundo social. Assim, para alcançar esse objetivo de entendê-la, é preciso identificar as categorias da análise de Marx e o sentido de finalidade latente no rumo das transformações inerentes à produção capitalista, que não se confunde com tendências específicas latentes no desenvolvimento do sistema de produção. Na linha de pensamento hegeliano de que partiu Marx16, entende-se que o poder explicativo do corpo teórico só se revela cabalmente, quando se expõe sua ancoragem e quando 17
ele é visto como um processo que contém as tendências de seu próprio desenvolvimento . Assim, é preciso conhecer o processo de produção de teoria, que é a prática da teoria ou a teorização. O fundamento do corpo teórico do pensamento de Marx é uma compreensão do dinamismo do campo social. As estruturações, por importantes que sejam, são subordinadas. Não há como explicar a produção capitalista sem perder de vista o essencial que é o processo de produção capitalista. Por isso, não há como excluir que esse processo tem necessariamente um rumo, que se revela, progressivamente, na trajetória das transformações objetivas do processo.
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16 Acerca da relação contraditória de Marx com o pensamento de Hegel, convém citar o próprio Marx, quando se insurgiu contra a mediocridade dos pretensos hegelianos e tomou o partido do hegelianismo de Hegel contra o dos seus seguidores. “Há cerca de trinta anos, quando ainda estava na moda aquela filosofia, tive a ocasião de criticar tudo que havia de mistificação na dialética hegeliana. Mas, coincidindo com esses resmungões, petulantes e medíocres epígonos que hoje põem cátedra na Alemanha culta, deram em arremeter contra Hegel... Isso foi o que me decidiu a declarar-me abertamente discípulo daquele grande pensador... (Marx, Postfacio à segunda edição de O Capital) 17 A fenomenologia do espírito, na linguagem de Hegel, é a produção do sujeito totalmente constituído, que é um ser no mundo, um ser social. A centralização no ser social, Hegel realizou uma ruptura com o movimento conceitual de Descartes a Kant, ligando a determinação da individualidade a dados externos a ela. A relação senhor-escravo situa diferentes condições dessa discussão da complexidade da esfera social.
Certamente, é um ponto controverso, que só pode ser plenamente exposto quando se entende como processo de sociedades históricas concretas. Há um componente de determinismo nas leis do desenvolvimento do capitalismo, ou a referência central é a práxis transformadora destituída de sentido de finalidade? Como fica uma teoria da ação social baseada no poder revolucionário dos trabalhadores - ou em todo caso dos que estão definidos na sociedade por venderem tempo trabalho - se há leis próprias do desenvolvimento do capitalismo que fixam o rumo? O poder transformador está em potência na sociedade; e passa a ter diferentes modulações quando é libertado, tal como o gênio da lâmpada, por uma força externa ao seu destino.
As leis do capital Da leitura da obra de Marx, inferem-se leis do capital, tal como leis gerais do funcionamento da sociedade capitalista. No nosso entender, a primeira lei do capital é que ele se sustenta do trabalho para criar o valor necessário para se reproduzir e acumular. A segunda lei do capital é que ele cria suas próprias condições de acumulação, com sua própria incerteza. A terceira lei do capital é que ele tem que encontrar oportunidades de aplicação, em composição e em escala suficientes para resolver os problemas de reprodução necessários a sua acumulação. A reprodução do capital em seu conjunto não está garantida e deve ser afirmada em cada momento, segundo o capital hoje acumulado enfrenta condições futuras de mercado. O processo
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A Fenomenologia do Espírito é a obra de Hegel que mostra essa produção do ser social enquanto tal, enquanto a Ciência da Lógica apresenta a produção do conceito que é o pensar objetivizado do sujeito. Não importa que Marx negue a filosofia formalmente, externalidade, abrindo a porta à academicamente, constituída, ele se move consistentemente no plano ontológico; e é nesse plano que podemos comparar a análise da ontologia de Hegel feita por Marcuse com a análise da ontologia de Marx feita por Lúkacs.
da formação do capital é irreversível e leva o sistema socio-produtivo a novas contradições, decorrentes dessa incerteza da reprodução do capital acumulado. No Livro III de O Capital Marx trata do que denomina de lei do capital, que é a tendência à queda da taxa de lucro, em si contraditória com a estratégia do capital, de aumentar a taxa de mais valia em seu movimento de acumular resultando numa tendência à crise do sistema, determinada pelo modo como se realiza o movimento da acumulação de capital. Mas trata essa lei como algo que surge do interior do capital, como algo que é lei porque é um movimento inevitável do capital sobre si próprio. Parece ser necessário rever essa parte da teoria, já que essa lei geral do capital corresponde a uma crescente neutralização de força de trabalho, que não é absorvida pelo mercado de trabalho, representando a sobre-exploração decorrente da compressão da taxa de salário e a exclusão de um contingente crescente da população, com a conseqüência de que a sustentação da acumulação requer maior controle social. Assim, a explicação do movimento técnico do capital converte-se em explicação do processo social de poder que distribui as oportunidades de acesso à riqueza. Esta visão sintética do processo do capital será retomada ao final deste trabalho, à luz da argumentação desenvolvida por Marx, relativa ao processo da produção capitalista em seu conjunto. A tendência do sistema à crise tanto pode ser vista como resultado de uma contradição interna do processo, como pode ser entendida como uma conseqüência de forças despertadas pelo movimento do capital e que constituem outra variante civilizatória, tal como é o confronto com o colonialismo organizado e com as variantes da modernização do colonialismo.
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ORGANIZAÇÃO SOCIAL E IDEOLOGIA A relação capital/trabalho, as relações entre capitalistas e trabalhadores e a divisão do trabalho A organização social é a primeira referência na direção de uma compreensão das relações de poder em seus fundamentos econômicos e políticos. A relação geral entre capital e trabalho se materializa em relações concretas entre capitalistas e trabalhadores, onde se incorporam condições especificas de desigualdade entre o modo de participação dos capitalistas e dos trabalhadores. Diz Marx que “o trabalhador não precisa necessariamente ganhar com o ganho do capitalista, mas necessariamente perde quando ele perde”. E adiante, “No trabalho toda a diversidade cultural, espiritual e social da atividade individual sobressai e é paga diferentemente, enquanto o capital morto caminha sempre no mesmo passo e é indiferente perante a atividade individual efetiva” 18. Até aqui se indica que a relação entre o capital e o trabalho compreende uma complexidade, que é a da formação histórica do trabalhador. Além disso, é uma relação dinâmica, que se desenvolve junto com o movimento da acumulação, já que os trabalhadores ficam cada vez mais dependentes da forma de organização da produção de que participam. Ao tomar a relação capital/trabalho como um relacionamento entre capitalistas e trabalhadores concretos em determinadas situações,
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18 Karl Marx, Manuscritos econômico-filosoficos, São Paulo, Boitempo, 2004, pp.25
Marx chega com uma revisão decisiva da noção de divisão do trabalho, que ele vê como um movimento inerente à acumulação por um lado e por outro lado, como um movimento que distancia os trabalhadores dos frutos de seu trabalho. Ainda nos Manuscritos, Marx distingue sete aspectos desse problema, que são os seguintes: 1. As oscilações acidentais e súbitas dos preços atingem menos a renda da terra que a parte da renda dividida entre capitalistas e trabalhadores; 2.Se a riqueza da sociedade estiver em declínio, o trabalhador sofre ao máximo; 3. A situação dos trabalhadores só pode melhorar quando a riqueza aumenta, mas nesse caso aumenta a exploração ; 4. O aumento do número de trabalhadores avilta o salário; 5. A elevação dos salários desperta no trabalhador a obsessão do enriquecimento; 6. Há sempre mais pessoas infelizes que felizes; 7. Apesar que é o trabalho que gera riqueza, o trabalhador é controlado pelos capitalistas e pelos proprietários. Esses pontos levam a uma observação sintética sobre o significado da divisão do trabalho na acumulação. Na perspectiva de Marx a divisão do trabalho converte-se em instrumento de controle da realização do trabalho em geral e em controle da distribuição internacional da renda. A divisão do trabalho é o mecanismo através do qual se delibera quem fará o que. Os aumentos de produtividade são, justamente, o meio para que os capitalistas tenham mais o que extrair de um mesmo número de trabalhadores. Nas palavras de Marx, “Enquanto a divisão do trabalho eleva a força produtiva do trabalho, a riqueza e o aprimoramento da sociedade, ela empobrece o trabalhador até a condição de máquina. Enquanto o trabalho suscita o acúmulo de capitais e, com isso, o progressivo bem estar da sociedade, a divisão do trabalho mantém o trabalhador sempre mais dependente do capitalista,
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leva-o a maior concorrência, impele-o à caça da sobreprodução, que é seguida por uma correspondente queda de intensidade”19. A divisão do trabalho desencadeia a concorrência entre os capitalistas, praticamente, separando o grande capital do pequeno capital. O grande número de pequenos capitalistas deve sobreviver no ambiente de mercado em que o grande capital promove a divisão do trabalho e se reserva os maiores e melhores investimentos. Como a concentração do capital é o movimento principal determinante da reprodução do capital em geral no sistema de produção capitalista em seu estagio mais avançado, é preciso entender que o pequeno capital está constituído de empresas que operam de modo apenas tolerado no mercado conduzido pelo grande capital. Somente o grande capital pode conduzir a divisão do trabalho no nível da tecnologia mais avançada e essa será uma vantagem decisiva, com a qual exerce um poder final de controle sobre os pequenos capitais.
19 Karl Marx, op.cit. pp.29
A ideologia Nossas idéias são a conseqüência necessária da sociedade em que vivemos. HELVECIUS
As mudanças nos fundamentos econômicos levam, mais tarde ou mais cedo, a transformações da imensa superestrutura em seu conjunto. Ao estudar essas transformações é sempre necessário
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distinguir entre a transformação material das condições econômicas de produção, que podem ser determinadas com a precisão da ciência natural, a legal, política, religiosa, artística ou filosófica – em resumo as formas ideológicas em que os homens se tornam conscientes desse conflito. Assim como não se pode julgar um homem pelo que ele pensa de si próprio, tampouco se pode julgar um período de transformações por sua consciência. Pelo contrário, a consciência deve ser explicada pelas contradições da vida material, do conflito entre as forças sociais de produção e as relações de produção (Contribuição. pp. 21)
Acerca de ideologia, há uma divisão fundamental entre aqueles que a vêm como algo que se forma e reproduz na esfera das idéias e aqueles outros que a vêm como algo que surge da relação entre a materialidade da vida social e seus aspectos não materiais. A teoria de Marx ocupa um lugar especial nesse segundo grupo, onde, por isso mesmo, nela a ideologia deve ser procurada na raiz das relações sociais de produção, já que para ele são as relações de produção que situam as pessoas em seu coletivo e em seu momento atual20. Entendemos que nessa perspectiva a esfera da ideologia é produzida historicamente como um desdobramento da vida material, da qual se destaca, mas a cujo desenvolvimento está ligada. “As mudanças nos fundamentos econômicos levam mais cedo ou mais tarde à transformação de toda a imensa superestrutura. Ao estudar tais transformações é preciso distinguir sempre entre a transformação material das condições econômicas da produção, que podem ser determinadas com a precisão da ciência natural, e as formas legais, políticas, religiosas, artísticas, em resumo, ideológicas em que os
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20 Cabe citar aqui o ensaio de Stuart Hall, O interior da ciência, em Da ideologia, (1980), que traça a linha genética da análise da ideologia na ciência social de hoje.
homens se tornam conscientes desse conflito e lutam por ele. Assim como não se pode julgar um indivíduo pelo que ele pensa de si próprio, tampouco se pode julgar um período de transformação por sua consciência, mas, pelo contrário, a consciência deve ser explicada pelas contradições da vida material, pelo conflito existente entre as forças sociais de produção e as relações de produção. Nenhuma ordem social nunca é destruída antes que todas as forças produtivas de que ela é capaz tenham sido desenvolvidas, e novas relações superiores de produção nunca substituem as mais velhas antes que as condições materiais de sua existência tenham amadurecido dentro da estrutura da velha sociedade.” (Contribuição. pp. 21) Para Marx a questão da ideologia é o meio de afirmação das classes, que, entretanto, não se revela inicialmente, senão por seus aspectos negativos, que são os de estranhamento e alienação. Os trabalhadores só percebem sua condição porque são explorados e porque a exploração é o verdadeiro modo como os capitalistas mantêm sua própria posição no controle do capital. Observe-se que uma leitura atualizada do pensamento de Marx significa uma leitura capaz de absorver seu sentido de crítica interna do processo social, portanto, onde a leitura dos acontecimentos de hoje é sempre material para somar-se à visão de totalidade da crítica do processo do capitalismo. Outro não seria o significado da escolha de Marx de analisar o capitalismo através de sua expressão na Inglaterra. Lembraremos que cerca de 1850 os processos políticos da expansão do capital tornavam-se mais evidentes na França que na Inglaterra, tal como indica a própria leitura de Marx do processo francês, tal como ela aparece no 18 Brumário, mas que era na Inglaterra onde os movimentos imperiais do capital apareciam em sua plenitude,
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combinando as transformações da produção industrial com novas formas de subordinação da produção rural e com um aprofundamento do colonialismo. A teoria da divisão do trabalho entrou na Economia Política com Adam Smith, que viu nela o mecanismo pelo qual o capital alcança aumentos de produtividade do trabalho. Uma leitura cuidadosa de Smith mostra que ele mesmo percebeu que a divisão do trabalho só pode avançar até onde a demanda justifique incrementos de produção. Marx revisa as idéias de Smith sobre a divisão do trabalho21 e trata a divisão do trabalho como um processo – e não como uma situação - que tem os dois resultados de aumentar a produtividade do trabalho e de precipitar interesses conflitivos22. Segundo ele, a identificação dos grupos de interesse tem sua etapa estamental23 e passa a relações de classe, ao formalizar-se a produção capitalista. Com isso, dá um novo sentido à teoria da divisão do trabalho de Adam Smith, reconhecendo, entretanto, ser
21 Karl Marx, Teorias da mais valia, vol1. 22 É preciso lembrar que para Smith a divisão do trabalho está ligada à produtividade – que é a medida de eficiência do trabalho - e que esta contém um componente de incerteza, já que, segundo o próprio exemplo de Smith, é apenas o acaso que decide se o caçador encontrará uma lebre ou um veado e que lhe permitirá obter mais ou menos carne com o mesmo tempo de caminhada e a mesma bala.
aquela teoria o nervo central de uma abordagem realista da organização social da produção. A divisão do trabalho define interesses contrários e complementares, dos que controlam capital e dos que vendem tempo de trabalho, que são os fundamentos concretos da ideologia. Através da divisão do trabalho os capitalistas realizam a separação dos trabalhadores do processo de produção, que é a principal operação do estranhamento na produção capitalista. Ao acontecer isso, os interesses dos trabalhadores não se limitam mais a conseguir melhores salários, senão a conseguir condições que lhes permitam acompanhar o processo de produção e assim defender sua capacidade futura de mudarem sua condição material de vida. A ideologia surge como representação de interesses, em que alguns deles aparecem em sua forma direta, como interesses econômicos e no controle da terra e do trabalho e outros se
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23 Encontra-se aí uma compreensão de estamento antagônica à de Weber, para quem estamentos são formas de organização com características próprias que as diferenciam na relação entre classes e com a vida política. Para Weber estamentos são as forças armadas e a Igreja internacional. Para Marx, estamentos são formas de organização que exprimem interesses antes de consolidarem coletivos estáveis. Os garimpeiros serão estamento, as empresas mineradoras são parte do capital.
manifestam de modo indireto na esfera religiosa, na esfera militar e na política. Uma vez configurada, a ideologia tem sua própria cara e encontra seus meios de expressão, no manejo dos preconceitos, no uso da religião e na construção de um corpo jurídico que formaliza essa visão de classe24. A ideologia não será, portanto, um corpo inerte senão que terá suas próprias transformações, na medida em que refletir as alterações nas relações diretamente determinadas pelo processo de produção. Numa leitura atual desse campo temático – da ideologia – não podemos nos eximir de apontar o papel do debate sobre ideologia no desenvolvimento do pensamento marxista, destacando as duas visões mais claramente configuradas, de ideologia como falsa consciência – Lukács – e de ideologia como representação da superestrutura, Gramsci, apesar de que, no nosso entender, as duas se fundem numa expressão da necessidade crítica de auto-reconhecimento numa visão crítica da história do sistema capitalista de produção 26. Entretanto, há um dado adicional do pensamento de Gramsci, que é o pressuposto de existência de um partido político capaz de exprimir o conjunto de interesses e reivindicações da maioria, isto é, do proletariado. A polêmica sobre ideologia transcendeu o horizonte de uma teoria social crítica, para tornar-se uma linha divisória entre uma ciência social que questiona seus próprios fundamentos ideológicos e uma ciência social que os toma como um dado e por isso alega não haver um problema ideológico. O positivismo não será apenas o modo de trabalhar da ciência, senão sua capacidade de perceber-se como meio de conhecer. A positivização do conhecimento e sua separação do processo de transformação do sujeito nesse mesmo conhecer farão com que o
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24 O debate recente sobre ideologia traz dois encaminhamentos diferentes, mas parcialmente complementares, respectivamente, de uma visão de transformação social na sociedade mundializada e de ideologia como capacidade de refletir o ponto de vista dos excluídos. O trabalho de Istvan Mézsaros (O poder da ideologia, 2004) é uma importante contribuição na primeira linha, que, de todos modos vem sendo enriquecida por um debate melhor fundamentado sobre a escravidão. Entretanto, não há como deixar de registrar que a análise do contexto ideológico da periferia continua à espera de um tratamento historicamente sustentado e consistente. 25 A tentativa de Mezsáros de expor o papel da ideologia na conformação da sociedade de hoje explora as contradições ideológicas do fundamento científico de hoje, mas, a nosso ver deixa escapar os problemas da fundamentação da ciência como tal, que não podem ficar presos aos problemas do controle social da ciência.
processo de formação de ideologias fique como algo externo à experiência representada pela participação na vida social. Nesse sentido, a ideologia é a reflexão do modo de funcionar da economia e da política e é também o modo de identificar os participantes desses processos. Por exemplo, os imigrantes de baixa renda provenientes de países mais pobres têm realmente o direito de migrar e depois, têm realmente o direito de aspirar a ter direitos equivalentes aos trabalhadores dos países aos quais migram? Hoje, que vivemos numa época marcada pela estratégia do poder para desqualificar ideologia como um oposto de racionalidade, para podermos apreciar o significado da luta de Marx em torno de ideologia, precisamos lembrar que para ele se tratava de separar ideologia de irracionalidade. Através de suas críticas a Hegel e a Feuerbach, Marx realiza uma tarefa árdua, de separar a ideologia de teologia, o que é dizer, de colocar a ideologia como uma decorrência das condições em que se desenvolve a materialidade da vida social e não como algo que surge e que permanece na esfera do espírito. Ressalta-se, entretanto, que a crítica de Marx atinge mais duramente aos chamados neohegelianos – Strauss, Bauer e outros – que são filósofos posteriores a Hegel que, a seu ver, exploraram aspectos parciais do pensamento de Hegel, explorando seu lado conservador, perdendo seu sentido de totalidade, assim como perdendo a perspectiva de Hegel da formação do ser social. Pelo contrário, Marx toma de Hegel o sentido de totalidade específica dos processos sociais, a doutrina da formação do ser social – onde se inclui a doutrina da relação entre senhor e servo – a teoria do trabalho abstrato27, a doutrina das grandes formas da história28 além do método dialético29. O conflito com Hegel gira em torno da disputa entre
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26 Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, Universidade de Birmingham, Da Ideologia, Rio de Janeiro, Zahar, 1980. Referimo-nos especificamente aos ensaios de McDonough, A ideologia como falsa consciência: Lukács, e de Hall,Lumley e McLennan, Política e ideologia: Gramsci. 27 G.W.F.Hegel, Fenomenologia do espírito. A maior parte dessas doutrinas de Hegel aparece na Fenomenologia, como parte de um discurso maduro, apareceram antes em forma embrionária na Filosofia Real e estão submersos na Filosofia da História. Restringir a crítica de obra de Hegel aos projetos da Fenomenologia e da Ciência da Lógica significa amputar toda sua riqueza histórica. 28 -------, Lições de História da filosofia universal. A teoria da história de Hegel aparece explicitamente nas Lições de História da Filosofia Universal, se bem que os elementos essenciais de teoria da história estão embutidos na Fenomenologia do Espírito. Trata-se de ver objetivamente o movimento da história como algo que se processa
uma visão materialista e uma visão idealista da formação do ser social. Mas não há uma disputa acerca da primazia de explicar o homem como ser social, que é um dos pontos de ruptura entre Hegel e Kant30. A perspectiva da formação social da ideologia surge no contexto da divisão do trabalho, através do processo de separação dos trabalhadores de seus instrumentos de trabalho, que prossegue com a perda do conhecimento do processo de produção e com a reificação (coisificação) dos trabalhadores, que é o processo de estranhamento 31. O deslocamento progressivo da posição dos trabalhadores é um movimento inerente ao processo de exploração. Nesse sentido, a ideologia é o modo de afirmação do ser social. Esse é tratamento dado por Lukács em seu último trabalho, A ontologia do ser social.
objetivamente na vida das nações e no modo de pensar. A racionalidade para Hegel é algo historicamente adquirido. Por isso diz que o real é racional e o racional é real. 29 -------, Ciencia da lógica. O método dialético está exposto e é plenamente empregado na Fenomenologia. Mas é na Ciencia da Lógica que Hegel expõe o processo do método dialético, isto é, onde expõe o pensar dialético na formação dos conceitos, ou seja, na movimento de desenvolvimento que resulta na formação de conceitos.
A realização do estranhamento deixa o trabalhador à mercê da pressão organizada do poder coercitivo e persuasivo dos interesses do capital, que assume várias formas, diretas e indiretas, através do Direito e da política – diremos que através da educação e dos meios de comunicação, que é a alienação. A disputa com a filosofia do Direito de Hegel decorre de entender que o Estado é uma manifestação de poder de classe, e não apenas um produto genérico da história. O Estado representa interesses de poder econômico, que encontram sua forma política, mas que continuam operando também em formas econômicas, isto é, encontrando modos de obter vantagens econômicas através do aparelho político32. A discussão das formas da propriedade aparece no início desse trajeto da ideologia, porque Marx, seguindo o trabalho de Engels sobre a origem do Estado, da propriedade privada e da família, dirá que este é o Estado que surge da propriedade privada e é a propriedade privada
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30 Isso está claro no texto de Hegel sobre Kant em sua História da Filosofia vol.III. Essa ruptura é essencial no pensamento de Hegel, em que é fundamental a relação entre a afirmação da consciência individual e a afirmação do ser no mundo. Na Fenomenologia a consciência surge do processo pelo qual o ser se situa no mundo mediante o mesmo processo pelo qual se apropria de suas sensações e de sua capacidade de ter sensações. Em Hegel a consciência de si leva, necessariamente, à
que sustenta a divisão do trabalho. A propriedade privada é o fundamento material do sistema capitalista de produção. Ora, o Estado não nasce pronto, senão é produzido pelo mesmo processo
consciência de estar no mundo. Em muitos sentidos, Hegel é o contestador de Kant por excelência.
que adiante criará a empresa. O Estado, portanto, é uma entidade que representa a estruturação do poder político, que, por sua vez, viabiliza o poder econômico. O vai e vem da discussão ideológica terá esse fundamento concreto irrecorrível. Assim, diremos que a teoria das classes sociais é inerente à observação do processo histórico em seu conjunto e não é apenas um registro das relações conflitivas dentro do capitalismo. Mas que é essencialmente capitalista no modo como se apresenta para nós hoje. Entendemos que é, justamente, esse desvio conceitual que faz com que certas leituras
31 Karl Marx, A ideologia alemã. 32 Hoje vemos como esse argumento ajuda a explicar a corrupção integrada na estrutura política, em suas diversas formas, inclusive em estratégias de favorecimento que não podem ser formalmente enquadradas como corrupção.
superficiais do problema pretendam que a teoria das classes sociais não capta a complexidade da sociedade fraturada de hoje, ou que a teoria das classes não percebe o contexto etnocultural. Como colocou o próprio Marx, as relações entre homens livres e escravos nas sociedades escravocratas é uma relação de classes. No relativo à formação da sociedade política, as relações de classe são o meio pelo qual a classe dominante desenvolve o mecanismo de poder baseado no controle ideológico da classe dominada. Diz Marx, que “As idéias da classe dominante são as idéias dominantes em cada época; ou em outros termos, a classe que exerce o poder material dominante na sociedade é, ao mesmo tempo, seu poder espiritual dominante. A classe que tem a sua disposição os meios para a produção material dispõe com isso, ao mesmo tempo, dos meios para a produção espiritual, o que faz que se lhe submetam ao mesmo tempo as idéias daqueles que carecem dos meios necessários para produzir espiritualmente”33. Identificase aí uma continuidade entre o movimento da formação de classes na esfera econômica e o
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33 Karl Marx, Ideologia alemã, em Obras escolhidas, Moscou, Progresso, 1974, pp.45
movimento da formação de um mecanismo de dominação na esfera política, onde ele se revela, nitidamente, como um dispositivo ideológico.
A alienação A identificação do papel da alienação no modo capitalista de produção é o ponto de partida na construção do sistema interpretativo de Marx e constitui o fio condutor que liga a crítica da propriedade privada ao movimento de separação dos trabalhadores de seus instrumentos de trabalho e dos resultados de sua produção. Marx identifica o problema da alienação em dois momentos especiais e diferentes de suas primeiras obras, que são sua crítica da filosofia do direito de Hegel e o Manifesto Comunista. As teses desenvolvidas na crítica da filosofia do direito de 1843 foram resumidas e integradas no corpo analítico mais complexo que são os Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844, que, por isso, passaram a constituir o corpo de análise – sistema em status nascendi, como o denomina Meszaros – apesar de ainda não terem incorporado a crítica histórica da materialidade do sistema do capital, que surgiria com os Grundrisse. Nos Manuscritos já se encontram os elementos básicos de uma teoria da exploração, que, entretanto, passa a incorporar os elementos daquela dimensão histórica que permitirá contrastar o sistema capitalista de produção com seus sistemas antecessores. A alienação passa a ver-se como elemento essencial da produção
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capitalista, que se aprofunda à medida que a produção se torna mais indireta. Desde aí fica superada a idéia de uma análise da alienação que não se fundamente em dados da história e que não trate especificamente do capitalismo. Já no Manifesto o tema central é a alienação imposta pelo capital, onde por um lado os trabalhadores são isolados como pessoas e por outro lado são agrupados como operários. A alienação converte-se em controle social. Em ambos os momentos, a noção de alienação surge como detecção de um processo social concreto, que tem um pé no controle dos trabalhadores e outro pé no controle de umas seções do capital por outras. A alienação atinge ao sistema socio-produtivo em seu conjunto e não só àqueles que estão trabalhando hoje. É um processo que se desenvolve de modo não linear, impregnando as novas relações de trabalho e de lazer no capitalismo avançado. A alienação é o processo que torna possível a exploração, portanto, não se limita à esfera da ideologia. A grande força da alienação é que ela explica a energia que conduz a produção capitalista através do sem sentido da acumulação. Istvan Meszáros realiza uma exaustiva revisão dos fundamentos civilizatórios da alienação, reunindo suas raízes ideológicas junto com suas pistas nos processos concretos da produção burguesa. Constrói um importante modelo explicativo, que foi recolhido em suas obras posteriores, especialmente em O Poder da Ideologia. É uma contribuição inestimável, que, entretanto, nos deixa diante de um problema crucial, que é o de distinguir as diferenças entre identificar ideologia como parte da construção ideológica da produção capitalista, ou como parte da progressão das contradições da organização social da produção burguesa. Teremos que ver a alienação como uma força que encontra novas formas de expressão no ambiente da produção moderna e no da produção ultra-moderna.
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O propósito de explicar a explicação da materialidade da sociedade moderna levou Marx a desenvolver uma crítica da teoria de Hegel sobre o Estado, que é parte de uma colocação maior do mestre da dialética sobre a formação social do poder, que está compactada em sua filosofia do Direito34. O objetivo final de Hegel é uma teoria do poder na formação da sociedade moderna que passa por uma economia política, mas que é, essencialmente, uma filosofia do poder. É necessário ressaltar que Marx centrou sua crítica nesse texto, mas que não desconhece outras formulações anteriores de Hegel35. Tornou-se consensual entre os leitores de Marx que a afirmação do rumo de suas pesquisas começa com uma ruptura com o idealismo de Hegel, de quem, entretanto, Marx absorve o método dialético e a visão histórica, que aplica a sistemas historicamente situados. No entanto, costuma haver muita simplificação nesse argumento, atribuindo a Marx um tipo de crítica muito inferior ao escopo de seu projeto intelectual. A nosso ver, a crítica de Marx a Hegel é muito mais complexa que isso e envolve uma combinação de elementos positivos e negativos, em que sua crítica parte do conceito central da dialética hegeliana, a superação/subsunção representada pela expressão aufheben, que se encontra no prólogo da Fenomenologia; e que se defronta com a contradição dada pela inter-
34 G.W.F.Hegel, Elementos preliminaries de uma filosofia do Direito, Lisboa, Presença, 1984.
relação do raciocínio dialético, quando Hegel separa o processo do Estado do processo da sociedade civil. A argumentação desenvolvida nos Manuscritos depende desse salto de raciocínio despregado na Crítica da filosofia de Hegel, de 43, em que a disputa conceitual na verdade se revela como uma querela sobre a historicidade da sociedade e do Estado. Ao ver como se desenvolvem os argumentos de Marx desde os Manuscritos até a Miséria da Filosofia, temos que considerar que
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35 Marx conhecia a Fenomenologia do Espitito e a Ciência da Lógica, mas devemos entender que não conhecia as Lições de História Universal, que só foram publicadas depois de sua morte.
a crítica da economia nacional também é uma crítica da falsidade ideológica que consiste em pretender neutralidade quanto à ideologia. Numa leitura linear da crítica de Marx, dir-se-ia que o Estado hegeliano separado da sociedade reduz-se a uma realidade positiva, cujo único produto é a burocracia. De fato, nesse momento do pensamento de Marx surge uma identificação crítica da burocracia, cujo sentido de finalidade se diferencia do modo histórico do Estado e se torna um aparelho da burguesia. Marx dedica algumas páginas à burocracia na Crítica da filosofia em que se antecipou à temática de Weber, vendo, entretanto, o papel da burocracia como instrumento de poder do capital. Mas não se pode esquecer que foi justamente Hegel quem rompeu com o jus naturalismo36 para erigir o direito como formalização histórica. Qual será, então, o processo que desveste a condição histórica do Estado? Marx focaliza sua crítica na objetivização do predicado feita por Hegel, que permitiu, a este último, tratar o Estado como sujeito do poder, com um sentido de finalidade que é a reprodução do poder do soberano, isto é, do monarca, por separado da legitimidade que lhe é dada pelo povo. Assim, essa crítica que começa como uma análise do processo da análise torna-se uma reivindicação do fundamento antropológico de processo do poder, onde surge o povo como presença essencial da sociedade. O povo é o princípio ativo da dialética do poder. Faltará, portanto, resolver o problema de ligar essa crítica do processo político do poder com a materialidade da economia. Esse será o programa de trabalho da crítica da Economia Política.
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36 Ver Norberto Bobbio, Quatro ensaios sobre Hegel
Há uma diferença radical entre o papel do descobrimento da teoria da alienação na formação do corpo de idéias de Marx e o significado que lhe é atribuído na leitura de Meszáros. A proposta de Meszáros compreende uma identificação do sujeito da análise, que, afinal, é sujeito do processo de reflexividade que surge no contexto da sociedade burguesa, que é esta consciência social crítica. A identificação do sujeito é um processo que extroverte as diferenças de situação das pessoas por sua identidade como trabalhadores ou simplesmente como pessoas – o que remete essa análise ao corte antropológico do contexto social. A questão é que nessa análise social há um humanismo que é mais que um humanismo ético, porque qualifica o humanismo de processos sociais específicos. Nessa qualidade, entra o trabalho de Meszáros sobre a questão do judaísmo, que ele trata como uma marginalidade e como uma tradição de individualismo e independência. Observe-se que no estudo de Meszáros se cruzam duas vertentes de leitura dessa marginalidade, que lhe permitem tratar o judaísmo como fonte de liberdade. A cultura oficial será uma prisão cultural, porque se converte em imposição irracional de uma determinada forma. Por exemplo, o formalismo metrificado da poesia francesa, ou o viés empirista da filosofia inglesa. Marginalidade significa dispor de liberdade para pensar os processos sociais além de seu enquadramento atual, por isso, em condições de expor seus fundamentos ideológicos. Com a teoria da alienação se questiona a combinação do movimento concreto de separação do trabalhador do processo de produção com o movimento de transfiguração ideológica do processo produtivo em seu conjunto, que reverte sobre todos seus participantes e não só sobre os trabalhadores, que são vitimados por essa separação.
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A alienação é um
movimento gerado pela transposição do poder do capital para a esfera do trabalho, onde ele passa a reger o modo como as pessoas vêm a ser trabalhadores funcionais à reprodução do capital, ou como protagonizam comportamentos de resistência e procuram se emanciparem da tutela do capital. O essencial do processo é que o envolvimento da alienação supera os horizontes de percepção dos participantes, podendo-se inferir que o escopo da alienação é o do nível histórico do processo e não o da situação de cada trabalhador no processo. As condições de alienação variam segundo os integrantes da sociedade são atingidos por movimentos gerais do capital, tal como pela difusão da mídia eletrônica, ou por estratégias específicas do grande capital. Logicamente, pesam as iniciativas dos diversos grupos para ampliarem seus espaços de poder, tal como acontece com os grupos de rendas superiores, que usam sua educação e sua mobilidade para se associarem ao bloco de poder. Em síntese, o processo de alienação é um aspecto essencial da sociedade do capital não se restringe às condições de pessoa alguma em particular. Trata-se de um traço essencial da sociedade do capital e não de pessoas. Por isso, e não por se tratar em geral de um contexto histórico em que mudam os significados das relações de produção, é preciso não perder de vista as alterações dialéticas do arcabouço conceitual, que tornam necessário reconhecer que acontecem mudanças de significado de conceitos aparentemente invariantes. Conceitos tais como o de indústria, usado por Meszáros como invariante, deve ser substituído pelos conceitos de grande capital e de pequeno capital e com uma extensão da análise do aparelho produtivo, que reconstrua a ligação entre as formas de produção e os mecanismos políticos e operacionais do capital. Ao escolher a
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denominação indústria Meszaros cai na armadilha que foi evitada por Marx, que consiste em confundir o modo técnico com o modo de organização social. O modo técnico, que é a produção industrial, se resolve mediante diferentes escalas de tamanho dos diversos capitais, cuja organização é a produção industrializada. A organização social é a que liga a grande indústria ao grande capital e ao capital financeiro e que gera relações de trabalho que aprofundam a alienação. Cabe aqui, portanto, a observação de Sartre, que demarcou a diferença entre a visão progressivo-regressiva, que está no centro da prática da
37 “Desde que se introduz a temporalidade, deve considerar-se que no interior do processo temporal o conceito se modifica.A noção, pelo contrário, pode definir-se como o esforço sintético para produzir uma idéia que se desenvolve a si mesma por contradições e superações sucessivas, e que é, pois, homogênea ao desenvolvimento das coisas.” (1965).
dialética desde Hegel; e a visão geométrica da estrutura conceitual, que se reporta apenas a um movimento do processo37. No mesmo caminho, Maurice Godelier lembra que “os conceitos de economia são, segundo Marx, representações do visível”38. Na economia crítica os conceitos aparecem com seus contrários: emprego vs. desemprego, lucro vs. salário etc. O que não é visível são as relações sociais de produção, que estão por trás do emprego e do salário. A distinção aristotélica entre aparência e essência está na raiz desse pensamento crítico. A critica de Marx é uma combinação do que é visível com o que não é visível. Ao procurar explicar o processo de alienação através de um jogo de posições aparentemente fixas, Meszáros revela situações de contradição, mas compromete o poder explicativo da análise e deixa em aberto uma questão, de método e de interpretação, relativa à relação entre os níveis de abstração com que se desenvolve a análise e a generalidade dos problemas. Assim, diante dessa percepção dos problemas históricos da alienação, cabe indagar quanto se pode generalizar sobre a questão da alienação na sociedade de hoje sem perder a capacidade de registrar a pluralidade de situações concretas em que ela se apresenta? Esse é um
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38 Maurice Godelier, (1965).
problema ao qual inevitavelmente se chega quando se reconhece que Marx desenvolveu seus conceitos sobre uma fundamentação histórica concreta. A essência da teoria marxista da alienação é a captação desse movimento histórico que substitui posições e erode a identidade do ser social.
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CATEGORIAS DO PROCESSO SOCIAL 39 Das categorias Inicialmente, um esclarecimento relativo ao uso do termo categorias. É um tema que requer uma análise que não cabe no escopo deste ensaio. Entretanto algo tem que ser dito, porque é através do aspecto de categorias que se vislumbra melhor a ancoragem do trabalho de Marx em Aristóteles. No relativo ao modo de enfrentar o problema de identificar categorias de análise Marx a postura de Aristóteles de ver as categorias na objetividade do mundo social. Potencia e ato se parecem demais com força de trabalho e trabalho, bem como a doutrina do trabalho abstrato parece provir da doutrina da forma substancial. Não é somente porque Marx paga um grande tributo a Aristóteles no Livro I de O Capital, onde reconhece a importância da distinção entre valor de uso e valor de troca e entre esfera doméstica e esfera de mercado, senão porque a visão de Aristóteles está presente em diversos aspectos do andaime de O Capital. Em Aristóteles as categorias são predicamentos inevitáveis na relação entre sujeito e objeto: espaço, tempo, quantidade, qualidade, extensão. São atributos do real. Em Kant as categorias são atributos essenciais do pensar: são juízos sintéticos e analíticos. Em Hegel as categorias são as referências necessárias do processo de formação do sujeito e do processo de formação do conceito. Por isso, estão submergidas na Fenomenologia do Espírito, que trata da
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39 Uma referencia oportuna e – registra M.Nicolaus na introdução à versão Pelican Books dos Grundrisse – que Marx pretendia chamar esse texto de Categorias da Crítica da Economia Política
formação do sujeito-ente-ser social e estão explícitas na Ciência da Lógica, que trata da formação do conceito, portanto, onde a formação das categorias é parte da formação da identidade conceitual do sujeito. Em Marx, trata-se das categorias do processo que referenciam sua interioridade e sua exterioridade, sua objetividade histórica e sua subjetividade. São categorias que situam o essencial do processo social, que representam o que há de substantivo do processo, suas formas e seus modos de funcionar. Por isso, são as categorias do mudar como tal e enquanto tal. São inerentes à condição histórica do universo social. Substantivo é o trabalho, é o valor e é o mercado. O trabalho desenvolve uma variedade de manifestações, mas é substancialmente trabalho, e por isso, pode passar por metamorfoses, mas continua sendo trabalho, isto é um esforço socialmente reconhecido. O valor é a expressão do trabalho para a sociedade. E a mercadoria é a consubstanciação do trabalho no capitalismo. As formas são as formas técnicas de produção e as formas institucionais e legais. As formas de produção decorrem do controle das práticas de produção por parte do capital. As formas legais surgem do controle do poder e são manifestações indiretas de interesse, que começam a sustentar o capital através da consagração da propriedade privada e do controle de classe da representação política. No entanto, ao ver como Marx trata os conceitos explicativos da sociedade do capital, entendemos que não se pode separar o reconhecimento das categorias do processo em seu conjunto das categorias do método. Assim, o trabalho é a primeira categoria do processo, que,
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por outro lado, aparece na polaridade força de trabalho – trabalho. Isso só é possível quando o trabalho se separa da força de trabalho, isto é, quando o trabalho é mercantilizado.
As categorias do processo da produção capitalista Nesta parte pretende-se focalizar em algumas categorias da análise de Marx que são de especial relevância para desvendar os fundamentos ontológicos da visão histórica crítica da sociedade de hoje. São elas as categorias de totalidade e de composição. A obra de Marx é uma crítica da sociedade moderna, que ele elabora a partir da materialidade dos relacionamentos na sociedade capitalista. Tal conjunto de relacionamentos se organiza em torno de usos de tempo para produzir mercadorias, isto é, mediante uma substituição dos usos de tempo para objetivos próprios de preferências das comunidades e das pessoas, por objetivos de produção para sustentar a reprodução do capital atualmente existente. Por isso sua teoria da divisão do trabalho e sua teoria da renda da terra estão impregnadas da dimensão tempo, que as diferencia das teorias de seus antecessores, tanto de Smith como de Ricardo. Qual mecanismo permite aos detentores do capital controlar os usos do tempo comercializado, isto é, qual mecanismo permite comandar a produção social de valor? A indagação de Marx começa por mostrar a circularidade dos momentos em que se apresenta
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funcionalmente o sistema produtivo (toda produção é consumo, todo consumo torna-se produção), para situar o conjunto das condições concretas em que a produção se realiza, isto é, para colocar a produção em situações específicas de complexidade do sistema e de composição do capital. Nessa leitura da realidade da economia, há uma teoria da mecânica social montada sobre uma teoria da mudança social, que se perfila a partir da compreensão de que o sistema produtivo opera sobre certa composição de trabalho, viabilizada por uma determinada composição do capital historicamente situada. A composição do trabalho compreende trabalhos socialmente necessários, isto é, aquele conjunto de trabalhos que são necessários para a reprodução do capital; e trabalhos socialmente indiferentes, isto é, trabalhos cuja falta não alteraria a reprodução do capital. A obra de Marx foi o maior empreendimento jamais feito, de explicação da produção industrializada, mostrando como ela caminhou no sentido de tornar-se um grande sistema integrado, na medida em que o capitalismo controlou a produção de tecnologia e o financiamento, usando-os para controlar o trabalho. e os recursos naturais. Viu, principalmente, o capitalismo em sua expansão, vendo a crise como uma contradição desse crescimento, quando a produção capitalista se expandia mediante o modelo energético baseado em carvão. Obviamente, não viu a grande explosão do capitalismo maduro, baseada na combinação de petróleo e energia hidrelétrica. Mas antecipou diversos de seus desdobramentos no campo monetário e na condução da tecnologia. Além disso, viu claramente as contradições dos movimentos da produção, resultando em ciclos econômicos, bem como a contradição entre a
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tendência ao aumento da produção, o desperdício e a formação de resíduos. Os custos sociais do desperdício e do tratamento dos resíduos se acumulariam no sistema, tornando a produção socialmente mais custosa e contraditória com os próprios interesses capitalistas, de dispor de recursos abundantes e oportunos. A explicação da formação da sociedade moderna permite estabelecer previsões sobre o rumo que seguirão a produção e o consumo?
A análise do processo envolve um sentido
determinístico das transformações da vida social, ou essas transformações acontecem sem serem parte de lei alguma da organização do componente material da vida social moderna, e a análise social deve desconsiderar as relações de causalidade? O estudo da sociedade pode ser adequadamente representado como obra de indivíduos isolados, ou tem que situar a ação desses indivíduos em contextos de interesse e culturais?40 Como tratar dos componentes coletivos da ação social, sem penetrar na formação desses coletivos? A relação de determinismo e autodeterminação é uma parte necessária da teoria social, que confronta leis - entendidas como traços comportamentais genéricos - e a liberdade de agir dos grupos sociais e das pessoas. Subjacentemente, portanto, a relação determinismo vs. autodeterminação compreende todo o relativo ao eixo de subordinação - emancipação, que, finalmente, dá a medida da liberdade de ação que quebra o determinismo. O movimento geral de acumulação responde pelo determinismo do processo e a luta de classes situa a pluralidade de confrontos de interesses que se forma no interior desse processo. Por isso, surge a necessidade de atualizar a compreensão de interesses de classe, para considerar a relação entre os que trabalham e os que não trabalham, tenham sido excluídos ou jamais tenham sido incluídos.
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40 A história social tende a confrontar com a história de heróis individuais, ou em todo caso, tende a situar os heróis como integrantes de sociedades que valorizam o individualismo e de grupos sociais dotados das condições materiais necessárias para que o individualismo se realize. Mesmo um personagem tão voluntarioso como Alexandre III da Macedonia, foi o produto de um processo de formação de uma monarquia militarista e de uma educação culturalmente desprendida de ligações com a cultura grega clássica, que lhe permitiram formar um projeto de poder reivindicatório de valores arcaicos em termos modernos. A relação com um fundamento arcaic0 – micênico – que não tinha relação racial nem continuidade de poder com a Grécia desgastada pela guerra do Peloponeso, era um artifício para legitimar uma nova relação com o Oriente em que a Grécia macedônica fosse hegemônica.
A inter-relação entre a materialidade da vida social e a estruturação ideológica da sociedade é uma referência fundamental do pensamento de Marx, que observa como a acumulação de capital sempre se fez mediante expropriação de capital acumulado em forma primitiva e mediante controle do trabalho. Tal controle é total na escravidão, quase total na servidão e torna-se um controle monetário na produção capitalista. Porém mercê do controle das oportunidades de remuneração, torna-se um controle completo das condições de sobrevivência dos trabalhadores. É preciso compreender que os capitalistas jamais desejaram empregar ninguém, que sempre empregaram apenas aqueles necessários à reprodução do capital. Na constituição do corpo de questionamentos que sustenta a linha central de pensamento teórico de Marx, destacam-se alguns aspectos essenciais do andaime da teoria, que se indicam a seguir. A historicidade da sociedade e o significado social da ascensão da burguesia. Na obra de Marx, a sociedade atual está historicamente situada, vê-se como sociedade burguesa, que é uma transformação de modalidades anteriores, conduzida pela expansão do capital41. Tampouco essa transformação se faz de uma só vez sobre o conjunto da sociedade, senão é gradual e incerta; e acontece segundo as linhas de expansão do capital e naqueles pontos em que se materializam novas formas de organização da produção. O reconhecimento da historicidade da sociedade é o fundamento da crítica à economia política convencional e à análise econômica marginalista, que tratam com um conceito genérico de sociedade42. A essência dessa crítica é ao marginalismo e ao positivismo, que se identificaram no contexto da economia ortodoxa. Numa perspectiva atual, essa crítica atinge, igualmente, a corrente neoclássica hoje reconhecida como ortodoxa e a
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41 “Quando se afirma que a objetividade é uma propriedade primário-ontológica de todo ente, afirma-se em conseqüência que o ente originário é sempre uma totalidade dinâmica, uma unidade de complexidade e processualidade” Lúkacs, Os princípios ontológicos fundamentais de Marx, pp.36.
corrente keynesiana, que em certos contextos aparece como crítica da análise neoclássica, nesse caso representada por autores tais como Alfred Marshall, Carl Menger, e os recentes John Hicks, Paul Samuelson, e seus seguidores. Artefatos teóricos tais como a taxa interna de retorno - que pressupõem uma conceituação de capital homogêneo - caem nessa crítica. Não se trata de confrontar uma corrente econômica historicista com uma não historicista, senão de distinguir aquela análise que trabalha com a densidade histórica dos fenômenos e aquela outra que considera legítimo abstrair o contexto histórico. A formação do capital como fundamento da estruturação social pós feudal (Substituição de trabalho escravo e servil por trabalho assalariado e aumento da apropriação de mais valia) 43. Como o capital se forma mediante mecanismos de compra de força de trabalho, torna-se
42 "A economia política clássica apoia-se em duas proposições fundamentais. A primeira é que a sociedade (e se trata naturalmente da sociedade capitalista, ainda que os clássicos a pensem como sociedade tout court) baseia-se na relação de troca, com a conseqüência de que a explicação do valor de troca é o ato preliminar da explicação científica da própria sociedade. A segunda proposição é que os valores de troca são, de algum modo, vinculados com as quantidades de trabalho." Claudio Napoleoni, Lições... pp.15.
necessário explicar as condições de contratação do trabalho. Por extensão, a necessidade de explicar as condições de contratação dos diversos trabalhos nos diversos segmentos do sistema de produção. É um ponto fundamental da formação de mercado, que deve ser visto como produto de um movimento histórico e não como um princípio genérico, nem como uma situação geral de encontro da demanda e da oferta. Na formulação doutrinária de Marx, além de que o capital não pode deixar de tomar decisões que afetam à totalidade do capital acumulado, tal como já tinha advertido Adam Smith, é preciso que ele prossiga na formação de capital, incorporando capital novo e substituindo capitais já integrados na produção. A formação de capital representa as possibilidades de mudança dos aspectos técnicos e organizacionais do sistema, sintetizando a mudança.
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43 Observe-se que essa insistência, no contraponto com a sociedade feudal, é uma marca da base factual européia, cuja generalização deve ser qualificada. A expansão do capitalismo na América não tem porque manter essa referência. Em todo caso, cabe rever os termos dessa referência ao feudalismo, tal como se encontra em Perry Anderson (1982) e em Sweezy et all. (1977). Para
A substituição da sujeição que se realiza mediante o vínculo à terra, que caracteriza a sociedade feudal, pela sujeição causada pela venda do trabalho controlada pelo capital, com a conseqüente impossibilidade de reprodução dos trabalhadores fora de seu vínculo subordinado ao capital. A produção capitalista significa exatamente essa compra de tempo de trabalho. Entretanto, daquele tempo de trabalho, isto é, daquela força de trabalho, necessário à produção pretendida pelo capital. Significa que o efeito de libertação da relação patrimonial fica restrito às necessidades especificadas de trabalho para uma dada produção. Numa leitura latino-americana, neste ponto entra o relativo aos desdobramentos das velhas oligarquias nas elites modernas, que é fundamental para entender o tipo de modernização ocorrido na América Latina. Não há como, nem porque, generalizar o efeito da contratação de trabalho além do horizonte da produção prevista pelo capitalismo em tempo e lugar específicos. Em suma, substituem-se formas de controle direto por formas de controle indireto. A relação necessária entre a exploração do trabalho e a continuidade da acumulação de capital. A apropriação de mais valia se aprofunda, mediante o aumento da produtividade do trabalho. Não é uma questão restrita às possibilidades de captação de mais valia a partir de condições dadas de composição do capital, senão que se indica a capacidade de reorganizar o sistema de produção para novos modos de captar mais valia. A permanência do sistema capitalista de produção pressupõe que o capital mantém um controle da renovação tecnológica e dos recursos da natureza, que lhe permite manter um controle do trabalho, suficiente para se reproduzir. Os trabalhadores são, progressivamente, destituídos de capacidade de reproduzirem sua força de trabalho por outros meios que não sejam aqueles controlados pelo capital. O
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refletir sobre a América, é preciso trabalhar sobre a diferença entre o feudalismo e o absolutismo dos Tempos Modernos, que foi a base de uma aliança entre a realeza e a burguesia, em que a aristocracia foi latino-americano excluída. À parte de quaisquer outras experiências, destaca-se a experiência portuguesa com a era pombalina. As nações americanas surgiram no confronto com o absolutismo e não com o feudalismo, por mais que no próprio contexto surgissem manifestações de organização local de poder com certos traços de semelhança com o feudalismo.
processo de exploração muda de forma, mas a essência de exploração e exclusão continua, sob novas modalidades de organização da produção e do consumo. A tendência ao aumento do capital constante relativo ao crescimento do capital variável, que se traduz em declínio da taxa de lucro, com as alternativas de acirramento da concorrência e de monopolização. Esse movimento deve ser entendido como um saldo que se acumula ao longo do tempo, incorporando os diversos aumentos do capital em geral acumulado na sociedade e as diversas quedas do capital constante, correspondentes aos movimentos de desvalorização que são parte da transformação do sistema. Por exemplo, as perdas de equipamentos de geração de energia em formas que são descartadas por ineficientes. Aí estão as perdas dos sistemas de equipamento incorporados no sistema de produção de energia e as perdas que surgem na operação de cada sistema44. As linhas mais amplas do movimento são as que correspondem aos ciclos de longa duração45. A tendência à crise do sistema de produção, que se desencadeia mediante a superprodução, que decorre dos desajustes entre a venda necessária para reproduzir o capital acumulado e as possibilidades de venda ensejadas pela renda disponível, que por isso toma a forma de crises de superprodução, incidentais, porém cumulativas. Já Ricardo tinha assinalado essa tendência, em conseqüência da concorrência entre os capitalistas por um espaço de mercado que é dado por sua própria capacidade de compra. Se as rendas dos trabalhadores tendem a flutuar em torno do menor pagamento que os capitalistas estão dispostos a fazer e de sua reprodução enquanto força de trabalho, a renda variável do sistema é a dos capitalistas, que tenderão a tentar aumentar seus rendimentos mediante diversificação da produção naquela faixa
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44 Um exemplo muito comentado no nosso meio é o de uma grande caldeira que foi importada para ser operada com lenha que jamais entrou em operações no pólo petroquímico de Camaçari, que resultou de uma política centralista do processo industrial. 45 Uma referência necessária nesse ponto é a composição comentada de textos de Lucio Coletti intitulada Marx e a queda do capitalismo (1976). É fundamental que se trata de uma tendência e não de um movimento determinístico e historicamente delimitado.
de produtos que eles próprios podem comprar. Além disso, como se trata de produção a ser exportada, não há maior preocupação com os possíveis efeitos negativos da compressão da taxa de salário na formação da demanda desses mesmos produtos industriais. A exposição crítica do capitalismo envolve, por extensão, algum tipo de especulação sobre tendências. A questão mais profunda levantada pela obra de Marx nesse sentido refere-se às condições em que as tendências se formam e às condições para sustentar previsões das tendências, que é uma questão logicamente anterior à discussão de crises específicas. Há causas externas ao sistema produtivo, tais como macro variações climáticas e como guerras e terremotos; e há fatores da transformação do sistema, tais como mudanças das tecnologias básicas, que determinam os conjuntos de tecnologias característicos de cada etapa da acumulação do capital. O levantamento feito por Coletti (1974) do tratamento dos processos e dos eventos de crise no contexto do capitalismo por Marx e seus seguidores, permite-nos ver como evolui o significado de crise ao longo do processo de monopolização do capital, bem como, nos mostra que os argumentos em torno da eventualidade ou do determinismo da crise são argumentos historicamente qualificados. A questão gira em torno de que se entende por crise: situações críticas ou processos críticos? Ruptura de situações ou mudanças bruscas de rumo em processos, ou ainda, interrupções de processos? O sistema de produção tende a gerar crises, além disso, tende a gerar crises desde a esfera da produção ou na relação entre a produção econômica e a reprodução do bloco de poder? Podese argüir que o sistema tende a três tipos de crise. Uma crise a longo prazo, ligada ao modo de uso incontrolado de recursos naturais e à tendência ao esgotamento desses recursos. Outro tipo
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de crise, conseqüente da concentração de capital, que decorre do modo de usar trabalho e de empregar pessoas no contexto da monopolização do capital. Finalmente, crises econômicas diretas, de superprodução, pela tensão entre os interesses dos capitalistas de maximizarem seu lucro e as limitações da demanda. Assim, torna-se inevitável uma retomada da atualidade do problema mais profundo de crise do sistema econômico de produção, necessariamente, por confrontar a perda de recursos naturais com a destruição do emprego.
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FUNDAMENTOS E SENTIDO DE FINALIDADE DA OBRA DE MARX Teleologia: ontologia46 e práxis O ponto de partida da relação de Marx com a filosofia é sua cobrança de que ela não seja apenas uma reflexão sobre si mesma, portanto, que deixe de ser uma teologia sem Deus e que se volte para o mundo social. Acima de tudo, trata-se de uma visão crítica do processo histórico da formação da sociedade moderna, que vê a separação entre teoria e ação social como uma forma de alienação que põe a teoria social a serviço do poder estabelecido. Esse posicionamento leva a exigir que a filosofia comece por reconhecer um sujeito e um objeto reais, isto é, um sujeito historicamente constituído, que não é apenas um homem genérico, senão que é um ser social; e um objeto historicamente estabelecido, que é o mundo social. Esse modo pensar é que o torna socialmente significativo e que fundamenta seu caráter crítico, isto é, sua capacidade de perceber as contradições da vida social. Esse critério servirá como guia para ler a filosofia. Não será suficiente que a filosofia seja uma antropologia. Ela deverá ser capaz de recompor o estatuto de humanidade e deverá questionar o telos – o sentido de finalidade – da vida social, que será a libertação do ser social.
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46 Não há como iniciar aqui essa referência sem identificá-la com o trabalho de Georg Lúkacs (Ontologia do ser social, 1984)
Que será essa libertação? A libertação não é a superação das necessidades de sobrevivência, porque o potencial de trabalho dos homens passou a ser canalizado em beneficio de poucos, através da combinação de propriedade privada e alienação, que são os fundamentos da exploração no modo de produção capitalista. A liberdade não poderá ser concebida como um estado original, nem como algo anterior à experiência. A liberdade será algo que se alcança através da superação da dominação, que é algo concreto, que se materializou em escravidão, em servidão feudal, e que agora se manifesta na exploração do trabalhador contratado. A economia política crítica de Marx é, antes de tudo, uma análise dotada de sentido de finalidade. Desenvolve-se como uma leitura crítica do sistema capitalista de produção, que entende ser um modo de organização social historicamente situado sujeito a modificações originadas desde dentro bem como vindas desde fora. É uma crítica da economia política naquilo em que considera que a economia política não consegue ver historicamente a realidade social da economia; e descamba na busca de leis tendenciais que surgem de probabilidade estatística separada de causalidade histórica. Descola daquilo que passa a chamar de metafísica, por ser esta um exercício de reflexão que não tem esse potencial transformador. O trabalho de Marx vê a história a partir das condições da economia e da política da metade do século XIX, quando se defrontava uma consolidação do poder conservador na Europa, e quando ela começava a se expandir como imperialismo, com o crescimento de uma classe trabalhadora assalariada. Assim como a filosofia de Hegel esteve marcada pela Revolução Francesa, a filosofia social de Marx esteve situada no período entre o Brumário de Napoleão III e a unificação da Alemanha, marcada por um apogeu do conservadorismo consagrado no
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Tratado de Viena. Há um pensamento socialista na Inglaterra – Hodgskin, Gray, Owen e outros – e há um movimento na França que vem desde Babeuf. Contrasta com um espaço germânico proveniente da desintegração do Sacro Império Germânico dividido em reinos, por isso com uma pluralidade econômica e institucional, que se refletia numa metafísica que não efetuava essa passagem para a filosofia social, porque tratava com uma realidade econômica diferente daquela dos países ocidentais. Marx realiza essa ponte entre a tradição da filosofia e a ciência social, por isso mesmo, tornando-se uma negação da filosofia clássica. O pensamento de Marx estabelece um eixo da fundamentação da identidade social com o trabalho socialmente definido, isto é, situa a individualidade das pessoas na produção de coletivos que se definem em função do trabalho em sociedade, mesmo quando se trata de coletivos de outra ordem, tais como os religiosos e militares, cuja raiz na materialidade da sociedade não é explícita à primeira vista. Assim como na relação senhor - escravo o senhor só pode existir se houver escravo, na sociedade só podem subsistir os que não realizam trabalhos materiais porque há outros que os fazem. Assim, a questão do ser não pode ficar à restrita à visão abstrata – desde a doutrina do ser de Parmênides até a do sujeito Descartes47 – senão requer uma colocação in corporis, de afirmação sobre a materialidade do mundo. Por isso, não tem sentido isolar uma leitura econômica de O Capital de seu sentido de finalidade, que transcende a esfera econômica. O significado último de O Capital é mostrar o humanismo negativo do capitalismo no conflito de interesses entre situações individuais e condições de classes sociais.
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47 A observação vale para os pensadores posteriores a Descartes, que continuaram a elaborar no plano metafísico, até Heiddeger. A demanda de Marx, de ancorar a identidade nos processos materiais da sociabilidade, situa-se na matriz de inquirição de Aristóteles, na primazia do mundo externo como fator prévio da configuração do mundo interno.
Para superar essa falta, mesmo incorrendo em simplificação que pode, adiante, restringir o poder explicativo desta leitura, anotam-se os fundamentos filosóficos, os econômicos e os sociais do pensamento de Marx, sabendo que cada um deles é uma redução conceitual, que, de fato, o pensamento de Marx se remete à totalidade social e representa uma totalidade explicativa.
Fundamentos filosóficos É preciso estabelecer que a rejeição de Marx à filosofia consiste realmente em um repúdio à especulação por si própria, que, no essencial, é a separação da filosofia da teologia. Marx representa o pensamento da realidade histórica, onde a racionalidade é historicamente formada e não é uma faculdade abstrata tal como em Kant. O grande passo dado por Hegel, de fundar a consciência e o conhecimento na história é muito mais que uma mudança de método: é reconstruir os fundamentos da formação social do conhecimento. Essa herança hegeliana, de historicidade da razão, é modificada por Marx, que a qualifica socialmente, como uma racionalidade burguesa. Assim como Hegel precisou romper com Kant para poder estabelecer o modo dialético do conhecimento, Marx precisou romper com o modo abstrato de Hegel, para construir uma leitura materialista do sistema econômico, político e cultural conduzido pela burguesia. Isso não significa que o pensamento de Marx estivesse destituído de significado
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ontológico. Pelo contrário, o pensamento crítico de Marx é a ontologia do ser social cuja consistência é anterior ao advento da burguesia. O homem, que foi reduzido a servo pago pelo capitalismo, é produzido pela formação social e não pela forma de organização da produção. Há aqui dois aspectos a considerar: os antecedentes filosóficos de que partiu Marx e seu próprio tratamento da fundamentação de seu corpo doutrinário. A Crítica da filosofia do Direito de Hegel é um primeiro momento claramente filosófico, em que Marx descobre a alienação como categoria primordial do sistema do capital, que se concretiza na propriedade privada. Esse momento se completa com a crítica da dialética hegeliana nos Manuscritos de 44. Até aí, trata-se de uma crítica ao encaminhamento dado por Hegel a um problema civilizacional da formação da sociedade moderna. Mas, a partir daí, trata-se de outro problema, qual seja, de levantar as necessidades de um pensar fundamental da condição humana das sociedades atingidas pela expansão do capitalismo. Por isso, o questionamento filosófico muda de feição na crítica a Feuerbach. Uma vez superada a ruptura com a teologia tornava-se necessário voltar os olhos ao movimento interno de transformação da sociedade. O capital é a força motriz dessa transformação e deve ser examinado exatamente à luz dessa sua impossibilidade de permanecer em sua forma atual. Adiante, O Capital está impregnado de raciocínios sustentados sobre bases metafísicas no melhor sentido desse termo. Há uma grande diferença entre a crítica da esterilidade da metafísica e uma visão filosófica que na verdade está em todo esse trabalho que vai à raiz dos problemas sociais. De fato, a irredutibilidade do homem enquanto trabalhador a formas de dominação que cerceiam continuamente sua capacidade de decidir de modo autônomo, é o ponto
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de partida de uma ontologia do ser social que incorpora a pluralidade inerente ã sociedade burguesa. Encontram-se diferenças decisivas entre a fundamentação filosófica do período de questionamento e crítica de antecedentes, que marca a obra de Marx até a crítica a Feuerbach em 1846, e a que transpira do período de apresentação da exposição interpretativa do sistema socio-produtivo, que se inicia com os Grundrisse (1856-1857) e que se revela plenamente em O capital. Por isso, é preciso reconhecer que O Capital difere das demais obras de Marx, por mais que muitas das teses ali desenvolvidas tenham sido anunciadas em obras anteriores. Deveremos, entretanto, reconhecer que a Contribuição à critica da economia política de 1849 contém a exposição mais completa sobre dinheiro e moeda, que está incorporada em O capital de modo menos explícito. A fundamentação da argumentação de Marx em Aristóteles aparece em diversos momentos na primeira etapa, mas revela-se por completo na segunda etapa, principalmente em O capital, primeiro, indiretamente, através da influência de Aristóteles em Hegel, e depois, diretamente, na relação entre uma doutrina das categorias e a construção de uma ontologia do real. Tal como diz o próprio Marx, Aristóteles não pôde resolver o problema de conversão do valor de uso em valor de troca porque vivia numa sociedade escravista. O problema é que o desenvolvimento da moeda depende da monetarização das atividades produtivas, que só se realiza plenamente na produção capitalista avançada.
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Nesta seção se trata dessa primeira parte, reservando-se a discussão da segunda parte para um estudo específico das categorias da análise marxiana. Assim, apenas para indicar esses antecedentes, assinalam-se os seguintes pontos: A doutrina de Aristóteles sobre valor de uso e valor de troca, sobre a separação da esfera doméstica e da esfera de mercado, com a superação da organização social representada pela polis (o alargamento da esfera do valor de troca e a subsunção do valor de uso). Não confundir a referência à universalidade com a negação das estruturas institucionais nacionais48. A doutrina de Aristóteles sobre a forma substancial (Metafísica); e a conseqüente possibilidade de pensar que a forma substancial apareça sob diversas formas, ao se diversificarem os bens usados pela sociedade49. A forma substancial se percebe quando se conhecem suficientes manifestações de forma que permitem pensar no abstrato dessa forma. A forma substancial do trabalho é aquele esforço qualificado de trabalho que tem a capacidade de realizar os diversos produtos que se pretende obter. Em Marx isso aparece como as formas do valor, as formas da produção etc. A forma substancial é o trabalho; e há hierarquias de formas, como se depreende da comparação entre o uso desse conceito para trabalhar com moeda e com formas de produção. As teorias das categorias, de Aristóteles e de Kant. Um dos principais momentos da obra de Marx é o seu tratamento do problema de categorias, que está imerso nas soluções dadas ao estabelecimento dos termos da análise. Não há um tratamento explícito do problema de categorias, mas há um complexo manejo de categorias como ferramentas de análise, segundo se trata dos fundamentos da vida econômica, ou do desenvolvimento da vida econômica no
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48 Encontramos essa análise em Política, onde Aristóteles trabalha sobre a identificação, separação e articulação das esferas privada e pública, mostrando claramente como as esferas pública e privada interagem. 49 A doutrina da forma, que sustenta a polaridade forma – conteúdo, encontra-se na Metafísica, onde Aristóteles distingue a pluralidade das formas concretas e sua identificação com uma forma substancial, que estaria subjacente no conhecimento das formas concretas. Como o conhecimento das formas concretas está no domínio das sensações, encontra-se aí aquele eixo temático de sensação – razão, de que encontramos um belo ensaio de Marco Zingano (Razão e sensação em Aristóteles, 1998).
ambiente do capitalismo. As categorias da análise marxiana apresentam-se em seqüência, segundo se passa por sucessivos níveis de análise. Inicialmente, é a mercadoria e é o modo de produção capitalista. Depois é a mais-valia. Em todo caso, são categorias do mudar como tal, tais como a valorização, a composição orgânica do capital e como o próprio trabalho socialmente necessário. A dialética de Hegel enquanto lógica da formação do sujeito. Para Marx, a lógica da formação do sujeito individual com sua consciência é o processo social em que ele tem lugar. É preciso distinguir entre a crítica ao modo de pensar de Hegel e a crítica à formação de sistemas explicativos50; assim como é preciso distinguir entre a crítica a Hegel e ao neo hegelianismo 51. De fato, no desenvolvimento de O Capital, Marx utiliza diversos recursos explicativos de Hegel, tais como a própria noção de trabalho abstrato e a relação senhor-escravo como base do relacionamento de poder subsumido no contrato de trabalho52. A teoria da história de Hegel, tal como exposta em suas Lições da filosofia da história universal, em que a combinação de aspectos materiais e ideológicos é um dos principais ingredientes da concepção de Marx de modo de produção. Separação e interação entre aparência e essência. Essa polaridade aparece entre interesses (objetivos) e consciência (subjetiva). No desenvolvimento da análise de Marx, o mundo econômico apresenta inúmeras aparências do essencial, que é a formação de valor e a concentração do capital. A questão fundamental da práxis, que constitui uma linha temática cuja origem se identifica com os gregos, especialmente Aristóteles, e encontra sua formulação mais completa
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50 “Assim, o sistema enquanto ideal contém, sobretudo, o princípio da completicidade e da conclusividade, idéias que são a priori inconciliáveis com a historicidade ontológica do ser, e que já no próprio Hegel suscitam antinomias insolúveis” Lúkacs, op.cit,. 51 Não só pela diferença de estatura entre Hegel e os "jovens hegelianos", senão porque uma grande parte da complexidade do pensamento de Hegel ficou soterrada pelo fascínio exercido por seus aspectos mais brilhantes, ou mais maleáveis aos usos da burguesia em ascensão na Alemanha. 52 A relação senhor-escravo de fato foi primeiro apresentada por Averróis e certamente incorporada por Hegel sem referência ao autor árabe medieval.
na filosofia de Hegel. O social se revela como e enquanto ação, que toma as diferentes formas da prática. A teoria da práxis a rigor é a teoria do agir como um atributo de uma prática social e não são uma teoria da ação substantiva genérica separada do contexto social em que se realiza. Assim, a teoria da ação social em Marx confronta claramente com seus equivalentes de Weber, Parsons e mesmo de Habermas. Esses elementos são partes da construção de uma visão de mundo que se produz no contexto do trabalho, tornando necessário esclarecer a diferença entre trabalho enquanto uso produtivo autônomo de tempo e trabalho enquanto uso de tempo vendido, por isso decidido por outrem. Levada às suas últimas conseqüências, essa questão implica em que todo o trabalho, inclusive o autônomo, está indiretamente decidido por condições de mercado, que, por sua vez, são estabelecidas pelo capital.
Fundamentos econômicos A
análise social empreendida por Marx precisa de uma análise do componente material dos
relacionamentos sociais. Os estudos econômicos da sociedade capitalista desempenham esse papel, funcionando como uma teoria de comportamentos historicamente situados. A análise econômica de Marx apoia-se na produção social de valor, e acompanha os processos pelos quais o valor é socializado, ao ser incorporado nas mercadorias, que são os produtos da atividade social
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de produzir. Entretanto, a questão em causa não é a produção de alguma mercadoria específica, senão que é o descobrimento do dinheiro como mercadoria geral, cujo controle permite produzir qualquer mercadoria específica, desde quando o mercado possa absorver esses produtos. Nesse sentido, seu verdadeiro antecessor é Adam Smith – não Ricardo – a quem Marx rende tributo em seu capítulo sobre a renda da terra, quando diz desde Smith não houve progresso algum na análise da renda da terra. No entanto, a revisão da teoria feita por Marx não autoriza essa simplificação de que descende de Smith ou de Ricardo, senão que os incorpora criticamente, bem como a James Steuart. A crítica da teoria assentada sobre bases de análise de economias nacionais, em contraste com a análise internacional do capital, faz com que todas as doutrinas da Economia Política sejam revistas mediante um critério que é o que aparece no Livro II. Na perspectiva de Marx torna-se progressivamente mais complexo e o trabalho torna-se, inevitavelmente, mais eficiente. Ao entender que o trabalho abstrato muda sempre de conteúdo, segundo
muda a composição
de trabalhos concretos que ele representa, e que,
concomitantemente, diminui o trabalho socialmente necessário para a realização do produto final, Marx estabelece que as variações do valor atual do capital acumulado são proporcionais às possibilidades materiais de criação de valor pelo trabalho, Essa interdependência está no cerne do processo econômico do capital, que precisa de trabalho para excluir trabalho. Uma presunção básica sobre a produção capitalista é que ela aumenta constantemente de complexidade. Mas, para acompanhar o aumento de complexidade inerente à produção capitalista, a teoria econômica tem que desenvolver uma linguagem adequada para refletir essa mudança necessária. Por aí, surge uma teoria da circulação, que permite organizar a análise do
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movimento da produção capitalista em seu conjunto. Observa-se que a leitura exaustiva da teoria econômica, que se encontra nas Teorias da Mais Valia, é o registro de um esforço de resgatar elementos válidos de trabalhos elaborados com outros critérios. As teorias de Adam Smith e de David Ricardo do valor trabalho, da renda da terra e da tendência do sistema produtivo à crise. Esses dois autores constituem o principal momento da economia clássica, que a rigor, na leitura de Marx é mais o fim de uma trajetória do pensamento teórico que um começo; e que simplesmente teria que ser superada, por ter-se imobilizado numa teoria da sociedade que não separa os elementos genéricos dos específicos, portanto, que não vê que a sociedade burguesa industrial deve ser relativizada e comparada com as anteriores modalidades de organização social. No entanto, Marx soma-se a eles na lei geral explicativa do funcionamento da produção capitalista. Uma revisão minuciosa e sistemática da teoria econômica, distinguindo os fundamentos de uma economia dinâmica ligada a condições históricas concretas do sistema de produção. As leituras de Marx - As teorias da mais-valia - representam uma crítica do significado da teoria e não necessariamente uma crítica da consistência de cada contribuição doutrinária. Uma revisão de pensadores rotulados como mercantilistas tais como Steuart e Petty, que aportaram elementos essenciais do funcionamento do comércio da era da industrialização. Nas Teorias da mais valia há uma visão de conjunto das marchas e contramarchas do pensamento teórico, os Fisiocratas despontam como o principal grupo portador de uma visão de conjunto do processo econômico, com a ressalva, ainda, de ver as diferenças entre uma visão orgânica de Quesnay e uma visão instrumental de Turgot.
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A análise econômica de Marx está marcada por dois aspectos principais, que são os de considerar que os comportamentos individuais são objetivamente condicionados pela posição dos indivíduos na organização social da produção; e por considerar que as decisões de produção resultam em requisitos de dinheiro e de tecnologia, que afetam o sistema de produção em seu conjunto. Subentende que o capital opera através das formas operacionais que lhe convêm, portanto, que há grande capital operando através de grandes e de pequenas unidades de produção; e que o essencial é a capacidade dos capitalistas – controladores e não só gestores de capital – de utilizarem a totalidade do capital à sua disposição. Isso tem as conseqüências de tornar irreal qualquer separação entre macro e micro economia e de levar a analisar os usos de dinheiro para fins produtivos, resultando na identificação de necessidades concretas de capital dos diversos tipos de empresa. A falácia da separação entre macro e microeconomia torna-se evidente em nossa época, por exemplo, quando se coloca como análise microeconômica uma análise da Wal-Mart e como macroeconomia uma análise da economia de Honduras ou do Haiti. Este é um ponto crucial da análise de empresas, em que é preciso distinguir o que são necessidades das empresas, de garantir a liquidez necessária para realizar sua participação no mercado; e o que são opções ou margens de liberdade das empresas, para empreenderem em renovação tecnológica ou em ampliações. A análise de Marx dos ciclos do capital dinheiro e do capital produtivo mostra como as empresas têm que garantir a reprodução do seu capital; e que essa determinação de reproduzir o capital controlado antecede e regula quaisquer outras decisões. Na prática, significa que a política de inovação está objetivamente subordinada às determinações da reprodução do capital,
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que a perspectiva schumpeteriana de empreendedores inovadores, trata na verdade de uma situação subordinada, totalmente inadequada para explicar a política das empresas no conjunto de financiamento e tecnologia. Além disso, na análise econômica de Marx está clara a diferenciação entre a representação dos interesses do capital e a gestão de empreendimentos específicos, que equivale a distinguir entre empresa e indústria. O capital pode optar por reproduzir-se na forma financeira, pode representar uma política de aplicações do capital da empresa e finalmente pode identificar-se com a aplicação específica que é a fábrica. As estratégias das empresas passam por cima das condições dos empreendimentos específicos. Justamente, esse descolamento entre os interesses identificados com a reprodução do capital e as condições de rentabilidade de empreendimentos específicos, é que permite perceber que os interesses cifrados na reprodução do capital podem levar a um alargamento das distâncias entre o perfil das aplicações financeiras e o das aplicações diretas na produção. No Livro II de O Capital Marx trabalha exaustivamente sobre a contradição entre os interesses identificados com o circuito do capital dinheiro e os interesses que dependem do circuito produtivo do capital. Ora, o aumento de complexidade do capital investido torna o sistema cada vez mais dependente da composição dos tempos dos diversos capitais investidos.
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Fundamentos sociais O fundamento social é a identificação de uma sociedade movida por interesses historicamente formados, que se move mediante conflitos de interesse determinados pela participação na produção. A sociedade burguesa se forma sobre modalidades de apropriação violenta e compreende mecanismos de exclusão que operam desde antes da constituição do sistema capitalista de produção e que continuam operando através de formas modificadas, entretanto guiadas pelo mesmo principio de controle dos trabalhadores e dos recursos naturais. No centro da análise histórica de Marx está o contraste entre a sociedade burguesa e o modo de produção capitalista de um lado e a sociedade feudal e a produção dominial de outro lado. A produção capitalista surge com uma renovação da propriedade privada, que aparece como princípio geral e como uma variedade de formas nos diferentes países e nas colônias 53. Sobre ela se transforma trabalho em mercadoria. Ao mercantilizar o trabalho, portanto, ao colocar os trabalhadores na condição de proprietários de uma força de trabalho que só participa do mercado quando é alienada, o capital realiza uma operação de duplo significado, que consiste em liberar forças sociais para transformar o sistema produtivo e em criar novas condições de exploração. Não é uma simples substituição de formas de exploração, senão é uma operação que cria novas e mais eficientes condições de mercado. Nesse novo modelo, o comando do sistema se dá através do controle dos trabalhadores, que é através do controle das oportunidades de emprego.
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53 Cabe-nos abrir a questão relativa à propriedade privada nos espaços das colônias – de que fomos parte – para entender que a formação da grande propriedade fundiária aqui foi um desdobramento de um sistema multiforme de propriedade, em que a propriedade privada da terra veio junto com uma visão diferenciada dos direitos e poderes dos proprietários das terras.
A formação de capital interfere continuamente na organização de relações sociais, sustentando a diferença entre os que são equivalentes uns aos outros e entre esses e que não são equivalentes, ou seja, atingindo a qualidade do outro. Mas o capital surge de relações sociais e não há como pensar que exista antes de relacionamentos de um coletivo. A situação extrema logicamente é a escravidão, em que o outro é totalmente negado, mas no contexto de relações desiguais que evoluem desigualmente, o reconhecimento do outro tem sido desigual e envolve condições de negação mais claras que as de afirmação54. Se o capital é uma relação social, a acumulação de capital é um processo que cria condições sociais diferenciadas, especialmente, que cria condições diferenciadas de estruturação social. A análise social da economia precisa de categorias sociais indicativas das condições de organização e do modo como a organização está ligada à participação nos resultados da produção. Essa é a análise de classes, que está submersa no desenvolvimento de O Capital, mas que tem que ser recuperada como fundamento da formação dos diversos tipos de coletivos da sociedade moderna, tanto dos coletivos permanentes como dos coletivos temporários. Nesse ponto se coloca o papel de uma teoria de classes sociais como representação sintética dos conflitos de interesse que se desenvolvem nas sociedades industriais. A análise de classes não está restrita às relações diretas de trabalho, senão envolvem o conjunto das relações determinadas pelas relações diretas de trabalho. No tratamento dado por Marx à questão das classes sociais distinguem-se dois aspectos necessários para que se compreenda a sociedade industrializada. Primeiro, as classes surgem de uma convergência e polarização de interesses, que se formam em organizações sociais anteriores, mas que se transformam, levadas pela
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54 A questão do outro é um ponto fundamental da visão ontológica da vida social. A problematização do outro é essencial nas atuais sociedades sub-industrializadas como o Brasil, onde a desigualdade resulta de um conjunto de elementos pertencentes a diferentes momentos da formação do capital, cuja origem está marcada pelo mercantilismo escravista, com seu fundamento em trabalho compulsório e em negação da identidade de todos aqueles submetidos à condição de escravos e de servos. Revela-se igualmente importante, de outro modo, nas atuais relações entre as nações mais ricas e as mais pobres, com diferentes versões, igualmente explosivas, nas relações entre os países da Europa ocidental e suas ex-colônias e nas relações entre os Estados Unidos e as nações dominadas.
experiência histórica concreta da sociedade burguesa e pela conseqüente consciência de cada uma das classes envolvidas nesse processo. As classes sociais não surgem do nada. São resultados de determinadas sociedades. Segundo, as classes são complexas e heterogêneas. Não podem ser tratadas como conjuntos simples, comparáveis a estratos ou a grupos transitórios, sejam eles economicamente determinados ou culturalmente identificados. A novidade é que os interesses concretos das classes dão lugar a uma reconstituição da identidade de seus integrantes através da formação de sua consciência histórica. Como diz Lukács, a história da classe é que lhe dá consistência. Ora, essa frase de Lukács deve ser vista como uma conseqüência da visão do próprio Marx da formação histórica das classes. As relações de classe são duplas e compreendem as relações entre os que estão envolvidos diretamente no processo de produção, que dão lugar a relações entre o conjunto dos que estão envolvidos no processo e os diversos que não estão, que podem constituir conjuntos ou não. Entre o exército da produção e o exército de reserva da produção. Mas, que é, realmente, o exército de reserva? A noção de exército de reserva em Marx refere-se à relação geral entre os empregados e os que precisam trabalhar para obter renda, portanto, que dependem do emprego que o capital gera.
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O CONTEXTO PRINCIPAL DO DISCURSO ECONÔMICO E SOCIAL Neste trabalho, a partir deste ponto, trata-se de penetrar no significado histórico do discurso critico da economia política, que é o objetivo de O capital. Se o discurso da economia política depende do fundamento jurídico que é a propriedade privada, para sua apresentação, tornou-se necessário reconstituir seu fundamento sócio histórico, isto é, fez-se necessário mostrar o sentido progressivo da estruturação da atividade econômica a partir dessa condição posta pela propriedade privada. O que diferencia a produção capitalista é que ela se realiza mediante processos de captação de valor que são inseparáveis de um controle do progresso técnico. O progresso técnico é uma arma que funciona a favor dos capitalistas em sua relação com os trabalhadores. No entanto, o movimento da substituição de técnicas não pode ser decidido por nenhum capitalista em particular, mas resulta de uma necessidade do grande capital, como e enquanto segmento líder do movimento do capital em geral. “Na produção social de sua existência, os homens inevitavelmente entram em relações definidas, que são independentes de sua vontade, isto é, relações de produção apropriadas a um dado estágio do desenvolvimento de suas forças materiais de produção. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, o fundamento real sobre o qual se levanta a
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superestrutura legal e política e à qual correspondem formas definidas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo geral da vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina sua existência, senão é sua existência social que determina sua consciência” (Contribuição à crítica ...pp.21) Vemos que há dois significados da técnica, em que, num sentido amplo a técnica é a regra de como se fazem as coisas em geral, isto é, é a forma da práxis, e num segundo plano é uma variedade de formas específicas, que não necessariamente são compatíveis umas com as outras.
Perfil temático da obra de Karl Marx Neste capítulo pretende-se apresentar um esboço da linha central de argumentação do discurso econômico e social de Marx, entendendo que essa linha central se desdobra em sucessivas bifurcações, mas que tem uma notável continuidade no relativo a penetrar nas contradições da produção capitalista, segundo ela se transforma sob o impacto da concentração do capital. Marx construiu sua argumentação desde a identificação da propriedade privada e da alienação como elementos primordiais do sistema capitalista de produção e chegou a uma monumental síntese preliminar em Contribuições à crítica da economia política (1959).
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O principal traço epistemológico da obra de Marx está na visão orgânico-evolutiva do sistema capitalista de produção, que foi apresentado em forma preliminar na Contribuição à crítica da Economia Política (1859) e em forma conclusiva, porém inacabada em O Capital (1867 a 1883). O modo crítico como essa obra se desenvolve resulta de ver o sistema produtivo como algo historicamente produzido que, por isso, deve ser visto como um conjunto em transformação conduzida por suas próprias contradições. Os Lineamentos fundamentais para a crítica da Economia Política, conhecido como Grundrisse (Esboços) (1857-1858) não foram autorizados por Marx e somente foram publicados em 1904. Neles, entretanto, encontra-se material que foi resumido na Contribuição, tornando-se necessária uma leitura progressiva e comparativa desses textos, para entender o direcionamento dado por Marx em O Capital. Observe-se que esses Lineamentos foram elaborados dentro de um plano complexo, que exige um estudo à parte, onde se encontram um grande capítulo sobre dinheiro e outro sobre capital, que são fundamentos essenciais da versão ulterior em O Capital. Nada disso, entretanto, elimina o fato de que o desenvolvimento do tema em O Capital é incomparavelmente mais detalhado, completo e integrado que nas demais obras, e que há diversas linhas da polêmica sobre o capitalismo que só se encontram em O Capital. A nosso ver a diferença fundamental entre O Capital e os momentos anteriores da obra de Marx está no planejamento mesmo dessa última obra, cuja concepção ultrapassa tudo anterior. Outros textos econômicos, tais como Salário, preço e lucro, são tomados como preparatórios e condicionados, por terem sido elaborados como material de debate. A polêmica tem sido apresentada como uma conseqüência da atividade política de Marx, mas entendemos
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que há muitos indícios de ter sido um recurso usado por ele para esclarecer melhor suas próprias idéias. Isso ficou muito claro no debate com Proudhon, que em momento algum teve estatura para contestar O Capital. Uma vez esclarecido o problema das categorias do método, Marx descarta a polêmica, cujas limitações reconhece. Encontramos poucas tentativas de trabalhar com uma visão da obra de Marx em seu conjunto. Se O Capital é a máxima formulação da crítica de Marx é em sua totalidade que está a estruturação dessa crítica. O fato de que a teoria do dinheiro e da moeda esteja mais desenvolvida em obras anteriores não elimina o fato de que é em O capital a função do dinheiro e da moeda está plenamente exposta. Na compreensão da estruturação da obra de Marx destacam-se os comentários de Rosdolsky (1989) e de Kautsky (1946), que dão conta do alargamento dos objetivos e do aumento de complexidade que se apresentaram desde seus delineamentos iniciais até sua forma final. No entanto, os dois pecam por simplificações. Kautsky por reduzir a teoria econômica de Marx a uma mecânica da operação do capital e Rosdolsky por tomar a explicação das categorias como apresentação da teoria. Sinteticamente, essas mudanças podem ser atribuídas à relação entre o aumento de complexidade do capital - em sua composição e em sua reprodução - e o tratamento da produção capitalista em seu conjunto. Em clara contradição com a abordagem dos Clássicos seus antecessores, é um tratamento que focaliza nas variações de uso de trabalho e em emprego de trabalhadores, antes que em formas de uso de trabalho. Na linguagem de hoje, tais variações devem ser vistas como irreversíveis, já que correspondem a situações da evolução do capital que não podem realmente se repetir. Ao identificar a lei da tendência decrescente da taxa de lucro
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(L. III) Marx revela uma contradição essencial do processo, que é aquela que se estabelece entre essa tendência decrescente da taxa de lucro e as necessidades do capital, de resultados com que se reproduzir. Ao distinguir a força de trabalho inerente ao trabalhador, isto é, sua força de trabalho, e o trabalho que se realiza formando valor, Marx prepara o terreno para mostrar que a apropriação de valor é progressiva, e que o poder do capital aumenta, junto com o valor acumulado que ele comanda55. A questão é que a apropriação de valor se realiza em sistemas mais complexos, onde o trabalho se torna mais qualificado. Por isso, o coração do problema não é o controle da tecnologia, senão são as crescentes necessidades da reprodução do capital, que estão por trás do movimento geral de busca de renovação tecnológica. As explicações de Rosdolsky estão estruturadas em sua leitura dos Grundrisse, pelo que apontam à relação entre as teses assinaladas e o que se desenvolveu em O Capital. Baseiam-se em aspectos necessários para o estudo da produção capitalista em seu conjunto, que é tratar do modo de produção capitalista em condições históricas concretas. Inicialmente, mostra o resgate da dialética como modo de pensar que reflete o modo da realidade social da economia. Segundo, o papel do dinheiro, como principal meio de realização da produção capitalista e como veículo da circulação de capital. Cabe entender que esse mergulho na produção dos conceitos estruturadores da análise tem um lugar muito especial na compreensão do processo de trabalho de Marx em seu conjunto. Os Grundrisse estão organizados em grandes capítulos temáticos – o dinheiro e o capital – onde se registra aquela etapa do trabalho de Marx em que ele está no movimento de
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55 A influência de Aristóteles é nítida: força de trabalho e trabalho correspondem, claramente, à doutrina de potência e ato que se encontra desenvolvida na Metafísica.
compreender os processos que quer dilucidar, mas onde ainda não concebeu a estrutura explicativa que ao mesmo tempo é a estrutura interpretativa, que é o que desenvolve em O Capital. Já se apresenta a complexidade conceitual do trabalho, mas ainda não se encontra a distinção entre a esfera da exposição abstrata e a esfera do concreto, que é outro dos aspectos fundamentais de O Capital, tal como diz o próprio Marx ao indicar que no Livro III de O Capital verá o processo por seus aspectos concretos56. Os textos filosóficos, especialmente as Teses sobre Feuerbach e a Ideologia Alemã, são aqui considerados como partes necessárias da explicação do quadro econômico, tratando-se como referências colaterais, porém integradas com o desenvolvimento da análise social e econômica. Uma referência especial deve ser dada ao ensaio intitulado Feuerbach, oposição entre as concepções materialista e idealista, que é o primeiro capítulo da Ideologia Alemã. Ali é onde se apresenta a relação entre a divisão do trabalho e a formação de ideologia como decorrência do modo capitalista de produzir. Mas não se pode perder de vista que a maior parte das reflexões filosóficas de Marx – que se desenvolvem desde seus primeiros trabalhos - está submergida no texto totalizante de O Capital. No conjunto da obra de Marx, O Capital se coloca como o ponto máximo de consciência englobante, no sentido dado a esse termo por Karl Jaspers: a máxima possibilidade de ver um processo desde um ponto determinado.
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56 Esse é outro ponto do modo de trabalhar de Marx que é nitidamente extraído do modo de trabalhar de Hegel, quando ele desenhou a separação entre a Fenomenologia do Espírito e a Ciência da Lógica.
Fundamentação conceitual Para
compreender o corpo central da obra de Marx, é preciso entender que todo seu
pensamento teórico está assentado sobre categorias de mudança, ou melhor, categorias do mudar57 que contrastam com as categorias de Aristóteles, que são categorias do predicamento ou do objeto; e com as de Kant, que são categorias do pensar. Nosso convencimento é que a doutrina de categorias é um dos aspectos principais da obra de Marx, que demandam uma reflexão mais cuidadosa. Essas referências necessárias do pensamento teórico, tais como a mercadoria, o modo de produção, o trabalho, o capital, representam entidades cujo conteúdo necessariamente muda ao longo do tempo. É um trabalho historicamente situado, isto é, cujo valor corresponde a uma determinada inserção no processo de produção, em sua trajetória histórica58, O que distingue o contexto genérico do modo de produção do contexto concreto da formação social é, justamente, o trabalho situado, cujo valor depende de sua inserção em determinado espaço-tempo de acontecimentos. O sentido de finalidade da análise determina a necessidade de uma análise de seus fundamentos, tanto como tem levado à de suas conseqüências, geralmente vistas como na tendência à crise do sistema. Uma análise específica de categorias terá que ser realizada adiante, para estabelecer em qual referencial se situa e pode ser desenvolvida. No escopo deste ensaio indica-se apenas a necessidade de distinguir categorias da produção em geral e da produção
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57 Trata-se do modo de mudar da sociedade organizada, que compreende as condições de mudança dos indivíduos. Ao ver a mudança como algo inerente e inevitável da vida social, supõe-se que a análise social tem que organizar-se como teoria da mudança, portanto, remeter-se a condições concretas de tempo. 58 É um aspecto registrado por José Artur Giannotti, em seu Certa herança marxista (2000)., que a nosso ver deve ser especificado em termos de quais situações. O trabalho historicamente situado está num dado ponto momento da progressão formativa do sistema de produção; e é parte do que acontece nesse ponto momento. Noutras palavras, é protagonista desse dado ponto momento.
capitalista em especial. Num primeiro grupo de categorias, colocam-se o valor de uso e o valor de troca, o capital e o trabalho e a mercadoria. Num segundo grupo colocam-se a mais-valia, a composição do capital, o modo de produção. A concretude do sistema impõe trabalhar com outras ordens de categoria, tais como são a formação social, a jornada de trabalho, a composição do capital. Há categorias que situam a materialidade do processo e outras que situam sua textura ideológica. É preciso deixar claro que Marx trabalhou com um claro sentido de categorias, onde os Grundrisse são uma grande pesquisa sobre as categorias moeda e capital, e onde a categoria trabalho se define progressivamente desde os Manuscritos de 44 até uma apresentação conclusiva no Livro I de O capital. O tema de Marx é a sociedade capitalista, que está governada pelas determinações do modo de produção capitalista (mpc), com suas plenas características de sociedade moderna. Este modo de produção capitalista consiste de que a produção é decidida pelos interesses privados que controlam a formação de capital. O mpc consiste de que a produção é realizada mediante a compra de força de trabalho, que é realizada de tal modo que permite aos compradores (os capitalistas) apropriarem-se de tempo de trabalho comprado e não comprado. Ao comprarem trabalho, os capitalistas obtêm o trabalho pago, e o trabalho não pago que vai junto com esse, que é a mais valia; além de uma contribuição dos trabalhadores ao fundo de consumo dos próprios capitalistas, já que uma parte do consumo dos capitalistas é atendida mediante as preferências na composição do produto social.
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Problemas preliminares: a questão do trabalho produtivo No
primeiro volume, capítulo IV, das Teorias da Mais-Valia, Marx faz uma revisão
pormenorizada da formação dos conceitos de trabalho produtivo e improdutivo, passando pelos Fisiocratas e pelos Clássicos, apontando, basicamente, dois aspectos fundamentais, que são a separação entre a visão de trabalho produtivo na produção capitalista e na mercantil e a ambigüidade da concepção dos Clássicos sobre o tema, que é, praticamente, a concepção de Adam Smith. O grande achado de Marx sobre esse problema é mostrar que se trata de trabalho produtivo para a produção capitalista e não para o trabalhador. Em suas palavras, “Trabalho produtivo no sentido da produção capitalista é o trabalho assalariado que além de reproduzir essa parte do capital (o capital variável) ainda produz mais valia”. (Teorias da mais-valia, I, pp.132). Adiante, “um escritor é trabalhador produtivo, não por produzir idéias, mas enquanto enriquecer o editor que publica suas obras ou enquanto for o trabalhador assalariado de um capitalista”. (op.cit. pp. 137). A nosso ver, a principal questão que se levanta a partir da conceituação de Marx é que o trabalho dos trabalhadores pode ser produtivo sempre e quando houver condições para que se converta em capital, o que depende das condições de desenvolvimento do sistema produtivo e não pode ser uma definição inicial. Em última análise, isso significa que a produtividade do trabalho não é somente uma medida da eficiência local do trabalhador, mas é uma medida local
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de eficiência externamente determinada pelas condições ambiente em que o trabalhador trabalha, que são proporcionadas pelo capital.
Problemas preliminares: dinheiro e moeda Na origem do tratamento da moeda em Marx está a necessidade de uma representação do valor de troca, capaz de registrar o movimento geral de incorporação de valor própria da acumulação capitalista. O dinheiro é a representação do valor sem ataduras institucionais, exprimindo plenamente a internacionalização do sistema produtivo. O dinheiro como tal antecede as condições operacionais de cada país, mas ganha sua identidade na forma de moedas nacionais, que são manifestações de soberania. O dinheiro é o valor de troca com sua falta de ligação com as instituições nacionais, enquanto a moeda é a manifestação financeira do poder econômico dessas instituições. O problema teórico enfrentado por Marx é de explicar a circulação do capital, entendendo que ela é um movimento progressivamente mais amplo e mais complexo, que é funcional ao sistema produtivo. A esfera monetária não está separada da esfera real, senão é o meio pelo qual a esfera real é movimentada. A teoria da moeda é a teoria da circulação do capital. O sistema do capital funciona com dinheiro, que é a mercadoria plenamente equivalente. Isso quer dizer que a função do dinheiro depende da conversibilidade das moedas, ou também,
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que as possibilidades de uso das moedas dependem do grau de desenvolvimento do uso do dinheiro no sistema em seu conjunto. A teoria do capital depende de pressupostos sobre a moeda, que Marx explorou nos Grundrisse, mas que aparentemente perdem importância em O Capital. Aí, Marx trabalha as funções da moeda no Livro I e o papel da moeda na circulação no Livro II, mas não esgota essa argumentação em nenhum desses dois lugares. Há um plano de trabalho de análise do dinheiro na obra de Marx, desde os Manuscritos, que a nosso ver ainda não foi completamente explorado59. O problema é que a realização dessas funções da moeda depende de suas condições históricas de circulação, que desembocam em sua conversibilidade. Vemos que é um problema que só se resolve quando se passa da análise da produção do capital em geral para uma análise da produção capitalista tal como ela acontece nos diversos países. Ora, as condições históricas de circulação da moeda dependem das condições gerais de desenvolvimento do sistema produtivo, que é o que aparecerá de modo imediato como desenvolvimento das forças produtivas. A questão da conversibilidade aparece primeiro no contexto de cada economia nacional e passa, depois, para as relações entre economias nacionais.
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59 A valiosa contribuição de Suzanne de Brunhoff é um passo nessa direção, mas ainda não esgota a problemática do papel da moeda como elemento interativo do desenvolvimento do processo de circulação.
A estruturação de O Capital Nesta parte deste trabalho apresenta-se uma visão resumida de O Capital, que será retomada nas seções seguintes e depois distribuída nos três capítulos seguintes. Neste estudo segue-se a ordem do trabalho publicado, que, se entende, reflete o plano do autor. O fato de que Marx tenha começado por elaborar o material do Livro III para depois escrever o Livro I e finalmente escrever – o que pôde – do Livro II não altera o fato de que a referência dominante é o plano geral da obra que ele seguiu até o final. O Capital está organizado em três livros, que cobrem a produção do capital, a circulação do capital e a produção capitalista em seu conjunto. É a versão mais desenvolvida, inacabada e desigualmente reconstruída, da explicação crítica da sociedade econômica iniciada nos Manuscritos de 1844 e sucessivamente apresentada, em forma acabada e preliminar na Contribuição à crítica da Economia Política; e em partes fundamentais, porém também inacabadas, nos Grundrisse. Não são apenas momentos de maior desenvolvimento do mesmo campo temático, senão representam diferentes abordagens. Os Grundrisse são o texto mais “econômico”, provavelmente porque mostram o esforço do autor para dominar a engrenagem monetária do capital. Já a Contribuição revela um esforço de visão de conjunto que continua e se aprofunda em O Capital. Esses três grandes movimentos foram estruturados segundo uma visão dialética do silogismo aristotélico, isto é, do silogismo enquanto representação de movimento e não como
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comparação de posições60. Desenvolvem-se sobre uma conceituação básica da economia como e enquanto campo de mudança, em que se distinguem três aspectos, que estão explicitados nos Grundrisse, que são: a.
A identidade de produção e consumo e de produção e distribuição. A produção
é, simultaneamente, consumo, para a finalidade de produzir. Por sua vez, produzir é consumir os meios que se usa na produção (Grundrisse, L.I, pp.6) É uma posição diametralmente oposta à das macro economia clássica, que separa produção, distribuição e consumo. b.
A tendência incoercível do capital a sua própria concentração: "O capital, quando
não se reveste de uma forma inadequada - por exemplo, como o pequeno capital, que trabalha por conta própria - pressupõe já, em certa escala, maior ou menos, a concentração" (Grundrisse, L.II, pp.9). c.
A tendência a uma mudança progressiva do papel do trabalho na reprodução
social, aumentando a participação do trabalho indireto e do trabalho qualificado, portanto, modificando, qualitativamente, a relação entre capital constante e capital variável.
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60 Em Aristóteles encontramos que a lógica é a representação do movimento do conhecimento, isto é,. do movimento do sujeito em seu conhecer e não uma exposição de posições idealmente fixas. A relação entre o que se conhece e o que se desconhece corresponde a uma relação entre o imediato e o mediato, ou seja, trata de situações no tempo do sujeito, que é um plano de concretude do tempo. Henri Lefebvre explorou essa dimensão da lógica ( Lógica formal e lógica dialética, 1970) definindo a dialética como a lógica do concreto. Parece-nos que o modo mais correto de enunciar essa dimensão - na tradição hegeliana - é de vê-la como a lógica da concretização do ser.
ESTRUTURA DE O CAPITAL LIVRO I: A PRODUÇÃO DO CAPITAL LIVRO III: O PROCESSO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA EM SEU CONJUNTO
1, Mercadoria e dinheiro 2. Transformação do dinheiro em capital 3. Produção da mais-valia absoluta 4. Produção da mais-valia relativa 5. Mais-valia relativa e absoluta 6. Salário 7. O processo de acumulação do capital
1, Transformação da mais-valia em lucro e taxa de mais-valia em taxa de lucro 2. Como se converte o lucro em lucro médio 3. Lei da tendência decrescente da taxa de juros 4. Conversão do capital-mercadoria e do capital-dinheiro em capital comercial e capital financeiro como formas do capital mercantil 5. Desdobramento do lucro em juros e lucro do empresário em capital a juros 6. Conversão do lucro extraordinário em renda da terra 7..As rendas e suas fontes
LIVRO II: O PROCESSO DE CIRCULAÇÃO DO CAPITAL 1. Metamorfose do capital e seu ciclo 2. A rotação do capital 3. A reprodução e circulação do capital em seu conjunto
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A produção (social) do capital Para que haja um sistema capitalista de produção, é preciso que se produza capital. Isso se dá mediante a canalização de trabalho para produzir valor de troca, sob comando do direcionamento da produção estabelecido pelos interesses organizados do capital. O capital compra de fato força de trabalho, que converte em trabalho funcional à reprodução do capital acumulado, que se incorpora em produção organizada segundo os objetivos e os padrões de organização estabelecidos pelo próprio capital. Mas o segredo é que os capitalistas usam a força de trabalho para dela tirar o trabalho que é requerido para a estrutura produtiva que eles controlam. O sistema depende da propriedade privada em geral e do controle dos meios de produção por parte dos capitalistas. Os resultados desse trabalho são mercadorias, que passam a constituir os objetos de referência das relações capitalistas61. O que elas têm em comum é que todas representam trabalho e que são comparadas em termos de dinheiro. Mas a mercadoria incorpora o poder de simbologia da sociedade, tornando-se um substituto útil do sentido de realização das sociedades não capitalistas - tribais ou teocráticas - entretanto, com uma armadilha, que é sua aparente utilidade. O fetichismo da mercadoria está associado a essa pseudo-utilidade, que é artificialmente criada pelo processo do capital; e que passa a captar a energia da sociedade. Há um complexo problema a ser exposto, se não explicado, em termo de pseudo-utilidade da
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61 A experiência latino-americana , em que se opera com mercadorias de circulação mundial e de circulação local, leva a qualificar as observações sobre as mercadorias, destacando a relação entre o papel de cada mercadoria específica e o horizonte de mercado em que ela é negociada. Tecnicamente não há nenhuma diferença significativa entre as aguardentes produzidas em países latino-americanos e em países europeus, mas as primeiras são mercadorias locais enquanto as outras são mercadorias mundiais.
mercadoria e pseudo-utilidade do trabalho destinado a produzir mercadorias. Parece-nos que o fetichismo da mercadoria depende do perfil cultural da sociedade que a produz. O Livro I apresenta os termos em que se realiza a produção de capital, que é um processo que se expande no universo da atividade social62. Supostamente, em princípio, não há limites para essa expansão. Mas é uma expansão que contém seu próprio freio interno, que são as crises geradas pelo crescimento; e seu próprio freio externo, que são as limitações de recursos para produzir. No essencial, a teoria da crise reúne os elementos dos freios interno e externo, combinando elementos de determinismo e de incerteza, necessitando uma leitura do comportamento cíclico do processo econômico - tal como está na teoria dos ciclos - e uma leitura do perfil de incerteza, que só se passou a poder fazer sobre as bases do desenvolvimento das ciências da natureza desde 1960. A analogia com a expansão do Universo é quase inevitável. O Livro I trata dos fundamentos da formação do capital nas relações sociais, bem como dos processos específicos formativos do capital. O fundamental é que o capital é uma relação social baseada no controle dos meios de produção para produzir, portanto, que se diferencia do controle de recursos que não são usados para produzir. Mediante esse controle, os capitalistas pré estabelecem as condições em que os trabalhadores podem trabalhar e quando podem trabalhar. Por isso, o capital tem que acumular, tanto como o capitalista tem que decidir sobre o capital específico que controla63. A produção do capital se dá mediante uma produção social de valor, controlada pela propriedade dos meios de produção e da organização da produção e que se realiza mediante a produção dirigida de mercadorias. O capitalista surge junto com a mercadoria. As mercadorias
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62 Marx ressalta a necessidade de ligar a noção de produção social à de sociedades concretas, que é uma observação que vale para a conceituação de mercado (Grundrisse, vol. I, pp 2) O mercado não é uma abstração financeira, senão uma situação concreta de transações entre produtores e consumidores específicos. 63 Isso quer dizer que os capitalistas têm que encontrar onde aplicar capital. Essa questão levantada por Adam Smith continua em aberto. Não há garantia prévia de oportunidades de investimento.
são a representação do valor de troca, que leva subsumido o valor de uso. A relação entre valor de uso e valor de troca transfere-se para a esfera da relação entre mercadorias, que é dizer, entre valores de troca. Daí, ser preciso conhecer a equivalência de valor entre as mercadorias. Esta é dada pelo papel do dinheiro na troca. O capital tem o germe da universalidade no processo de circulação. “No comércio mundial as mercadorias despregam seu valor em caráter universal. Sua forma independente de valor enfrenta-se com elas, portanto, sob a forma de dinheiro mundial”. A seguir, “na órbita interna de circulação só pode servir de medida de valor, portanto, de dinheiro, (que é) uma mercadoria. No mercado mundial reina uma dupla medida de valor.” (Livro I, pp.99) “O dinheiro mundial funciona como meio geral de pagamento, como meio geral de compra e como materialização social absoluta da riqueza em geral”. (Livro I, pp. 100) Entende-se, portanto, que a explicação do movimento básico do capital é monetário; e que a esfera monetária regula as opções de escolha das mercadorias com que o capital trabalha. Verse-á adiante que esse ponto é fundamental, para explicar o papel do componente mercantil da produção industrializada. A circulação é o meio pelo qual aparece a mais valia. A mais valia é a parte do valor gerado que os capitalistas se apropriam sem pagar aos trabalhadores e que é obtida mediante a organização da produção e sua comercialização. Mas o estudo da circulação do capital depende de uma prévia explicação de como se produz o capital que circula; e de como essa circulação altera a composição do sistema de produção. Destaca-se que nesse Livro I, onde trata da conversão do dinheiro em capital (pp.139), Marx diz que "no curso de nossa investigação nos encontraremos com o capital comercial e com o capital a juros, como formas derivadas, e veremos também,
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porque historicamente essas formas são anteriores à forma básica e moderna do capital". Aí está um complexo problema teórico, relativo à diferença entre a seqüência temporal do desenvolvimento do capital e a lógica do aumento de sua complexidade64. De qualquer forma, a questão a ser respondida refere-se ao mecanismo de conversão do dinheiro em capital, que é uma operação capitalista por excelência. Marx adverte (pp.121) que essa operação se dá fora da esfera da circulação, concretamente, onde o capitalista encontre como completá-la, que é no consumo. Trata-se, evidentemente, do perfil social do consumo. Não há como imaginar que o capital possa se reproduzir numa sociedade onde a renda esteja totalmente concentrada, onde um grande consumo de um pequeníssimo número de pessoas responda pela maioria das compras. A concentração do capital leva a uma tendência à concentração da renda e à concentração do consumo, traduzindo-se em tendência geral a um sistema instável. Assim, a conversão do dinheiro em capital depende do perfil do consumo, que por sua 65
vez depende da distribuição propriamente dita da renda, que como diz Cannan , é aquela que se dá entre grupos. A partir daí, no Livro I trata-se sucessivamente da mais valia absoluta, da mais valia relativa e da mais-valia em seu sentido mais completo. Sobre esse corpo teórico, trata-se da reprodução simples e da reprodução ampliada do capital. A primeira, a rigor, é um artifício, já que corresponde a condições ideais em que o produto social pode aumentar, mas supõe que a composição do capital se mantém inalterada, que é algo que não acontece mesmo a curto prazo. A reprodução ampliada contém um direcionamento implícito da trajetória do produto, que é o rumo seguido pelos interesses do
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64 Surpreendentemente, nesse ponto a compreensão de capital de Böhm Bawerk aproxima-se da de Marx, no que este pretendeu que o capital é, antes de tudo, o principal com que se empresta, que por definição está ligado à função do comércio. Assim, em parte a crítica de Böhm Bawerk a Marx é uma falácia, já que não consegue se separar do conceito que critica. 65 Edwin Cannan distinguia entre pseudo distribuição, refletida pelos dados de distribuição interpessoal da renda e distribuição propriamente dita, que se dá entre grupos no contexto da organização do sistema produtivo. A abordagem de Cannan, que pode visto como um clássico tardio, invalida a análise de distribuição baseada em coeficientes como o de Gini que registram apenas um efeito pessoal de uma distribuição social da renda.
capital numa progressão de opções que resultam na tendência da composição do capital. Marx trata da reprodução simples nos três livros de O Capital e certamente não é por acaso. A reprodução simples é o campo no qual se apresentam – em germe no início e desenvolvidos adiante – os elementos relativos à incerteza com que o sistema opera. É nesse ambiente teórico que se coloca o problema fundamental de que podem se introduzir elementos de incerteza – através da renovação tecnológica – que podem obstaculizar ou mesmo impedir que a reprodução se conclua. O movimento essencial pode ser representado tal como no diagrama 1 a seguir.
DIAGRAMA 1 DINHEIRO (RESERVA)
MERCADORIA-DINHEIRO (CIRCULANTE)
CAPITAL
CAPITAL
MAIS-VALIA
PRODUÇÃO
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A interpretação de Marx está baseada nas referências da produção industrializada, que se representa principalmente nas indústrias, mas que não está limitada a elas, senão que se estende à agricultura e à prestação de serviços, identificando-se com a reificação das relações de trabalho66. A produção industrializada é a realizada pelo capital industrial e se concretiza no modo de tratar os diversos tipos de produção como empreendimentos delimitados no tempo pela amortização dos capitais investidos, que por sua vez está delimitada pela amortização dos equipamentos e dos usos de instalações regulados por equipamentos67. A análise da produção industrializada revela processos que não podem ser percebidos com igual clareza nas sociedades não industrializadas. O capital se forma mediante a captação
66 A destituição do outro como equivalente leva à retirada do componente ético e cultural dos relacionamentos, que se tornam relações com objetos contratados sem personalidade ideológica, ou seja, relações entre sujeitos contratantes e coisas. A reificação em última análise é a destruição da responsabilidade social.
de mais valia, que é o valor representado pelo salário do trabalhador (taxa de mais-valia e capital variável desembolsado). A mais-valia é extraída no processo de produção e fica, latente, incorporada nas mercadorias, passando para a esfera do lucro quando as mercadorias são vendidas. Há dois níveis de extração da mais valia: o que se dá nas condições técnicas atuais, que é a mais-valia absoluta; e o que surge mediante o controle da renovação tecnológica, que é a mais-valia relativa.
O controle da mais-valia relativa é um aspecto objetivo da produção
capitalista e não uma questão de inventividade ou de subjetividade separadas das condições concretas da produção. Por isso, na estruturação de O Capital a exposição do mecanismo da mais valia leva a análises do funcionamento da maquinaria e da grande indústria - onde se concentra o controle da tecnologia - e da teoria do salário, cuja determinação fica subordinada aos controles dos usos da tecnologia e à divisão do trabalho. Encontra-se aí um ponto fundamental, que é a tendência à
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67 Isso se vê claramente no relativo à produção agrícola, em que se distinguem as formas de agricultura que contemplam a preservação do solo como um patrimônio necessário à perpetuação dessa atividade, comparado com a produção agrícola industrializada que vê o tratamento do solo como equivalente ao tratamento dos equipamentos, pelo que o solo pode ser objeto de cálculos de custos em que ele aproveitado no tempo correspondente à duração dos equipamentos. Isso, logicamente, coloca a destruição dos solos como algo externo aos empreendimentos, sobre o qual as empresas não têm responsabilidade.
concentração do capital, imposta pelo manejo de maquinaria. Para entender isso, é preciso ver como Marx entendeu a constituição e o desgaste da maquinaria. Viu a maquinaria como um modo de realizar um conjunto de funções - mecanismo de movimento, de transmissão e mecanismo ferramenta - que está integrado num conjunto físico sujeito a dois tipos de desgaste, o interno e o que chamou de moral. O desgaste interno resulta da ação e da inação, do uso e da falta de uso, como diz, como a espada que enferruja na bainha. O desgaste moral é o que aparece na literatura econômica neoclássica com o nome de obsolescência, isto é, a perda de valor que decorre do aparecimento de produtos equivalentes mais novos e mais rentáveis, independente das qualidades intrínsecas da maquinaria existente. O desgaste impõe uma reposição suficiente para permitir que a indústria mantenha sua capacidade de extrair mais valia frente às demais, o que só pode acontecer se ela for capaz de controlar seus custos de maquinaria. Tal requisito só se satisfaz na grande indústria. O desdobramento lógico desse argumento é que num sistema de produção em que há grande indústria, a pequena indústria só existe como contrafação da grande; e sobrevive nas margens de ordenamento de mercado determinadas pelo modo de acumulação na grande indústria. De nossa parte, observamos que o desenvolvimento de um segmento de pequena indústria é um movimento dependente, que se realiza em margens de mercado não cobertas pela grande indústria, mas onde, em todo caso, ela pode intervir. Nessas condições converte-se a mais valia em capital, isto é, a venda da produção habilita o capitalista a destinar a mais valia para a reprodução dos meios de produção antes que para atender consumo. A conversão da mais valia é o cerne do movimento da acumulação, que
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permite que o capital se mantenha como capital. Na linguagem econômica corrente atual, é a formação de capital, que encaminha a reprodução do sistema de produção. Por contraposição, a reprodução da força de trabalho depende do capital variável, isto é, da arte da renda que retorna aos trabalhadores. A reprodução se vê como reprodução simples e como reprodução ampliada, em que a primeira descreve a reposição do capital e a segunda contempla essa reposição no ambiente de mudança do sistema de produção. A reprodução simples é uma simplificação, já que em todo caso o sistema funciona em condições de mudança. Entretanto, é preciso levar em conta que a reprodução ampliada inclui os movimentos de desvalorização, que se realiza com componentes positivos e negativos. Nesse ponto, é preciso ver qual a leitura social desse processo. Para isso, é preciso compreender a composição do capital. É um dos aspectos conceituais mais importantes de O Capital. Diz Marx, que "a composição do capital pode interpretar-se em dois sentidos. Segundo o valor, depende da proporção em que se divide em capital constante ou valor dos meios de produção e capital variável, ou valor da força de trabalho (...). Segundo seu funcionamento no processo de produção, os capitais se dividem sempre em meios de produção e força viva de trabalho. Esta composição se determina pela proporção existente entre a massa dos meios de produção empregados de uma parte e da quantidade de trabalho necessária para seu emprego. Chamaremos a primeira composição de valor e a segunda de composição técnica do capital. Há entre elas uma relação de mútua interdependência. Para expressa-la, dou à composição do valor, enquanto determinada pela composição técnica e reflete as mudanças nela operadas, o nome de composição orgânica.
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Quando se fala de composição do capital pura e simplesmente, referimo-nos sempre à composição orgânica" (Livro I, pp.517). Assim, torna-se claro que Marx considera que o capital necessariamente muda de forma ao longo do tempo, pelo que os capitais incorporados em empreendimentos específicos têm que ajustar-se à média dos capitais e à taxa média de lucro. Ora, a dimensão de composição contrasta com tudo até então dito sobre a constituição do sistema, porque em última análise trata-se da composição do trabalho, que muda continuamente, não só acompanhando as alterações do capital acumulado, mas na prática criando as condições para a formação do capital. A noção de composição é inseparável da de complexidade e da de processo condutor de aumento da complexidade social da economia, que responde pelo fundamento cultural e ideológico da atividade econômica. A questão da complexidade aparece primeiro de modo velado na análise da produção de mercadorias, subjacente ao fato de que se trata sempre de uma renovação da coleção de mercadorias, em número, em variedade e em qualidade. Depois aparece como uma característica do capital novo que se forma sob a pressão da busca de mais-valia relativa. No fundamental, essa primeira parte desemboca na caracterização da acumulação capitalista. A predominância do trabalho coletivo sobre o individual, e a impossibilidade de reproduzir-se a força de trabalho fora do mercado de trabalho estabelecido pelo capital, faz com que a força de trabalho em seu conjunto, seja levada a contribuir ao movimento geral de acumulação. Além disso, o incremento do capital torna insuficiente a força de trabalho. Entretanto, o capital constante aumenta mais que o variável, isto é, aumenta a eficiência do trabalho vivo para usar o trabalho morto. Diz Marx que "a diminuição do capital variável
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relativa ao capital constante, ou as mudanças operadas na composição do capital indicam, aproximadamente, as mudanças que se operam na composição de seus elementos materiais" (Livro I, pp.527)68. Subjaz que o capital variável aumenta progressivamente no sistema, seja como trabalho indireto, seja como trabalho potencializado e em aumentos de produtividade. Toda essa primeira parte conclui com a identificação de uma lei geral da acumulação capitalista, que descreve como o capital consegue se reproduzir. O capital se reproduz mudando de composição e estendendo sua esfera de atuação.
A circulação do capital O Livro II está dominado pela idéia de velocidade diferenciada, associada aos movimentos do capital entre a esfera produtiva e a de sua forma dinheiro. Compreende a velocidade do capital dinheiro e as velocidades dos tempos do capital produtivo. O sistema ganha velocidade à medida que a acumulação de capital absorve mais tecnologia, mas se torna mais instável, porque depende mais de movimentos de concentração na formação do capital novo e emprega proporcionalmente menos trabalhadores. Pode-se dizer, portanto, que as empresas têm que ajustar-se à velocidade suficiente para sustentar-se perante seus concorrentes. Assim, o estudo da circulação se realiza mediante o das condições de rotação do capital entre suas formas dinheiro e produtiva; e em seus
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68 Encontra-se aí uma antecipação da teoria dos recursos humanos, que se dedica a estudar o papel da educação e da qualificação no desenvolvimento econômico.
desdobramentos na reprodução do sistema em sua composição atual e segundo as regras de mudança de sua composição. A circulação parte do ciclo do capital em sua forma dinheiro ao seu ciclo em sua forma produtiva. O ciclo do capital dinheiro quer dizer, quando se define o papel do capital de condutor do processo de produção. Esse papel é exercido mediante o poder que é dado pelo controle do dinheiro. Esse papel é representado por três movimentos da atividade do capitalista, que são de quando ele se apresenta como portador de dinheiro para comprar trabalho e meios de produção; de quando usa o trabalho e os meios de produção para produzir; e de quando vende a produção para retirar sua mais-valia. É preciso esclarecer o mecanismo do ciclo do capital dinheiro. É uma questão de adequação do capital às condições em que opera. A quantidade de capital aplicada na produção deve ser adequada o suficiente para uma produção suficiente para reproduzir o capital desembolsado. Trata-se, portanto, de capitais específicos, ou seja, de uma análise micro. No ciclo do capital produtivo a circulação se interrompe, pela simples razão que o capital está imobilizado. Mas o capital só pode ficar imobilizado porque há dinheiro circulando, que permite seu retorno à liquidez. Além disso, a preservação do valor do capital imobilizado depende de continuidade técnica dos meios de produção, isto é, que quaisquer transformações que porventura aconteçam na composição técnica do capital sejam absorvidas na passagem entre liquidez e imobilização. Num terceiro momento, o capitalista volta ao mercado como vendedor. Aí, ele precisa vender seus produtos a preços suficientes para reproduzir o capital desembolsado.
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Na explicação dos movimentos de circulação, Marx destaca o contraste entre o tempo de produção, quando o capital fica imobilizado na esfera da produção e o tempo de circulação, quando o capital está em condições de liquidez (cap. XIII). Cabe-nos observar que tempo nesse caso tem dois significados, que são os de oportunidade de quando o capital fica imobilizado e de duração dessa imobilização. Para o gestor de capitais específicos, configura-se aí uma equação, que consiste em reduzir ao mínimo a imobilização de capital e manter imobilizado o necessário para realizar as transações suficientes para reproduzir seu capital. Colocado isso em termos de custos, trata-se de reduzir ao mínimo os custos de imobilização de capital e elevar ao máximo as receitas que pode obter da liquidez. Mas, como a imobilização é sempre uma proporção do capital total comprometido no empreendimento, um objetivo do capitalista é sempre de resolver os problemas de imobilização através do mercado de dinheiro, isto é, de tentar resolver esse problema comprando e vendendo dinheiro no mercado. É um problema que pode ser mais bem apreciado analisando-se as condições em que operam os diversos capitalistas individuais. A condição de liquidez significa, ao mesmo tempo, a capacidade de captar a mais valia correspondente aos capitais que operam com alta tecnologia; e a mobilidade entre formas de aplicação. Assim, sempre que os capitalistas conseguem resolver suas necessidades de liquidez mediante operações de mercado, estão preservando sua capacidade de se deslocarem entre aplicações diferentes, portanto, de jogar com o fator diversificação para elevarem sua taxa de lucro.
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Esse argumento se desenvolve na comparação entre setores e nas comparações entre aplicações específicas de capital. Há, portanto, uma questão relativa à sustentação da captação de mais valia ao longo da concentração de capital, de suas fases concorrenciais até suas condições monopolísticas, quando a liquidez se torna uma capacidade de pressão adicional para recompor a captação de mais valia, ou quando são as condições de desenvolvimento das forças produtivas que dão lugar a condições específicas de monopolização69. Em seu papel produtivo, isto é, quando está na forma de capacidade de produção (trabalho + meios de produção) o capital passa por dois processos fundamentais, que são os de reprodução simples, quer dizer, sem acréscimo de capacidade de produção; e de reprodução ampliada, isto é, com acréscimo de capacidade de produção. A reprodução simples significa aquela reposição do sistema produtivo de seu desgaste para realizar a produção, enquanto a reprodução ampliada compreende as diversas formas pelas quais o sistema se expande além de repor-se. Observe-se que na prática não há como repor o sistema sem que se introduzam modificações na composição orgânica do capital, tanto nos meios de produção como no trabalho, assim como a reprodução ampliada se faz sobre pressupostos de disponibilidade e de escassez de recursos. A reprodução simples é tratada por Marx na perspectiva da produção no Livro I e na perspectiva da circulação no Livro II. Não se pode desconhecer que a expansão do sistema produtivo faz-se com um incremento progressivo do capital constante; e que a extração de mais valia relativa aumenta mediante o controle da renovação tecnológica. Assim, não há como separar essa parte da teoria daquela outra que trata da tendência à concentração do capital, tanto como não se pode ignorar
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69 Esse argumento está desenvolvido no L.II cap. XIII de O Capital, entretanto, é claro naquelas condições genéricas que denotam o estado do capitalismo em tempos de Marx. A retomada desse argumento no "capitalismo maduro" de cem anos depois, por Sweezy e Baran e por Palloix, o que faz realmente é realinhar a questão frente às condições circunstanciais do funcionamento da economia capitalista em sua dimensão internacional.
que o aumento do capital constante significa maior comprometimento dos recursos naturais. A expansão do sistema produtivo abrange cada vez mais pessoas e mais recursos naturais e amplia o horizonte de riscos com que o capital trabalha. A análise desenvolvida no Livro II torna necessário explicar os movimentos do capital em sua forma financeira e as inter-relações entre os movimentos da esfera financeira e os do capital integrado na produção. Tal explicação financeira é a chave da explicação mais ampla das velocidades diferenciadas do sistema. Essa movimentação aparece no Livro II na forma da rotação do capital e no Livro III na forma de sua metamorfose entre mais valia e lucro e entre formas do lucro. A questão da rotação do capital é fundamental na construção da análise de Marx. A rotação do capital deve ser observada em três níveis. Primeiro, ao nível do movimento do capital em seu conjunto, quando se distingue a rotação do capital desembolsado sobre a do capital em seu conjunto. Segundo, ao nível do capital desembolsado, que se representa em geral por sua equivalência com sua expressão financeira. Finalmente, no relativo aos diversos capitais desembolsados e integrados em diversas situações da produção. Além disso, a rotação do capital se realiza mediante ciclos, que começam com o capital aparecendo como dinheiro, ingressando no processo produtivo e convertendo-se em mercadorias. Há tempos de circulação e há gastos da circulação sendo as variações dos tempos de circulação resultam em modificações de custos. Há condições de rotação do capital constante e do capital variável. No relativo à rotação do capital constante, o capital decide sobre si próprio. No relativo ao capital variável, trata-se do controle exercido sobre a participação dos
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trabalhadores na produção, já que "só pode funcionar o capital circulante variável de novo no processo de circulação sempre e quando se venda o produto com que se reproduz se converta em capital dinheiro e em pagamento de salários" (Livro II, pp.262). Trata-se do tempo de circulação do capital desembolsado, que é o que efetivamente conta para a produção. Marx apresenta a movimentação do capital em seu conjunto nas formas de uma reprodução simples e de uma reprodução ampliada; e nós devemos entender que uma não existe sem a outra. A reprodução simples só se explica em condições invariantes de composição do capital; e esta, por sua vez, só se explica em condições invariantes dos meios de produção e do trabalho. É uma situação hipotética. Primeiro, porque a realização da produção altera os meios de produção. Segundo, porque o trabalho requerido para produzir e o trabalho produzido, mudam constantemente como composição de valor e como qualificação disponível. Por fim, porque a continuidade da formação de capital constante altera a produção antes que se amplie o mercado. Pelo contrário, é a formação de capital constante que altera o mercado, já que os capitalistas tentarão, por todos os meios, utilizar seu controle social da produção para optar por linhas de produção compatíveis com a preservação de seus interesses. Nesse conjunto, coloca-se a questão da composição do capital, que é um conceito fundamental, que distingue a análise de Marx da análise dos economistas marginalistas em geral de sua época e que continuou sendo a principal linha divisória com os marginalistas ortodoxos e com os dissidentes, como os keynesianos. É a diferença entre totalidade e globalidade, em que a primeira compreende as contradições e a segunda - utilizada por Keynes - refere-se a conjuntos de fenômenos semelhantes. A totalidade é o resultado dos movimentos dialéticos de contrários,
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enquanto a globalidade é apenas uma indicação de uma coleção de elementos não contraditórios no momento em que são observados. Marx distingue a composição de valor, que denota o perfil do trabalho, com suas qualificações; a composição técnica, que denota o perfil dos meios de produção, com sua tecnologia incorporada; e a composição orgânica, que é a combinação das duas anteriores Em sua acepção mais completa, é sempre a composição orgânica, que contém a noção de composição técnica, isto é, a relação entre o trabalho e os meios de produção que ele usa, mostra que o poder realizador do trabalho que dá sentido aos meios de produção. A composição do capital muda, constantemente, segundo ele se reproduz, à medida que se absorvem novas tecnologias e que se descartam outras, acima de tudo, que mudam as escalas de produção.
DIAGRAMA 2 CAPITAL (MUTANTE)
REPRODUÇÃO CIRCULAÇÃO
CICLOS (DINHEIRO, PRODUTOS)
ROTAÇÃO GERAL DIFERENCIADA
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No Livro II o capítulo VI é de especial interesse para a explicação da economia contemporânea, já que trata dos gastos de circulação 70 Marx distingue os gastos líquidos de circulação, que são seus custos em termos de compra e venda, seus custos de contabilidade, que consideram os investimentos nos sistemas de contabilidade. A seguir trata dos custos de armazenagem, onde entram custos derivados da armazenagem e finalmente os custos de transporte. Observa-se que a circulação reúne componentes de custos que exigem consumo direto e indireto de capital, que constituem uma fração da operacionalidade do sistema, que representa uma diferença entre as condições operacionais do grande e do pequeno capital. A distribuição desses custos descreve os diferenciais das condições de operações dos diversos segmentos do capital e segundo sua concentração. Incide sobre o tempo de rotação dos capitais, que finalmente é outro aspecto dessa desigualdade de condições.
A produção capitalista em seu conjunto No Livro III trata-se do modo de produção capitalista (mpc) enquanto modo predominante de produção, que por isso se expande absorvendo o espaço de relações sociais não capitalistas, assim como se expande aumentando sua produção, em quantidades e em diversidade. Como diz o próprio Marx, “descobrir e expor as formas concretas que brotam do processo de movimento do capital, considerado como um todo" Está claro que esse todo é a totalidade das relações sociais envolvidas no
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70 A circulação envolve custos que estão ligados aos riscos da realização da mais valia – ou da venda do produto, que são os riscos por definição dos capitalistas, mas que eles tratam de evitar ou de transferir, utilizando as margens de poder do monopólio. Os dois aspectos, de custos de comercialização e riscos de realização, reapareceram no contexto da economia de hoje, sob as formas de reconhecerem-se condições especiais para os monopólios considerados inevitáveis – que se passa a denominar de naturais – e de considerar-se que os custos de negociação constituem um campo a ser objeto de competição, onde há diferenciais de eficiência a serem buscados.
processo da produção capitalista que, portanto, se insere num todo maior, que compreende aqueles que não estão incorporados pela produção capitalista. O mpc comanda a força de trabalho atual e o potencial de força de trabalho, que mobiliza na direção de realizar uma produção que os capitalistas consideram que podem vender. Nesse processo, tal como se vê no Livro I, os trabalhadores contribuem com trabalho pago, com trabalho não pago (mais valia) e contribuem para o fundo de consumo dos capitalistas71 Ao passar da reprodução simples para a ampliada, torna-se necessário deslocar a análise para a esfera dos movimentos do capital em seu conjunto, que é o mesmo que dizer que é uma análise da totalidade do capital, com toda sua complexidade. No Livro III a análise se realiza nesse plano da totalidade, que é o modo de dizer que se substitui a análise baseada em comportamentos individuais pelos da totalidade dos capitalistas e dos trabalhadores. Sobre essa base delineia-se a constituição de classes, que é inseparável dos conflitos de interesse. Tal mudança é determinada pelos fenômenos estudados e não por opção do autor. A conversão da mais valia em lucro só se realiza no mercado, isto é, no âmbito das operações da totalidade dos capitalistas e dos trabalhadores. Assim, por fascinantes que sejam as questões da teoria do valor expostas no Livro I, o grande mistério do capital consiste nesse movimento, pelo qual ele se recompõe ampliando-se, sobrepujando as incertezas do mercado72. É o movimento posto em marcha pela reinserção dos lucros no sistema produtivo - por contraposição a sua liquidação no consumo - e nas conseqüentes alterações da composição do capital. Essa é a esfera da produção capitalista em seu conjunto, onde se realizam as conversões entre formas de lucro e entre formas de aplicação.
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71 A questão relativa ao papel do fundo de consumo dos capitalistas no mecanismo de reproduçãoacumulação é uma das inúmeras questões não concluídas levantadas por Marx. É uma linha de análise iniciada por Ricardo, quando separou a esfera do consumo dos trabalhadores e a dos capitalistas. Porém Marx sinaliza na direção de um conjunto de meios de consumo, cuja constituição e reposição constitui uma pressão na modificação da composição do capital. Pode ser vista como uma antecipação da teoria do multiplicador. 72 A leitura atual desse tema indicaria que o capital se adapta ao perfil de incertezas do aspecto de mercado com que trata, desenvolvendo estratégias de auto preservação.
O Livro III enfrenta um problema fundamental de perenização do sistema de produção, que é o da taxa de lucro. Já Ricardo tinha equacionado esse problema tomando o lucro como o componente variável na formação da renda social. Mas Marx apresenta a taxa de lucro como o resultado obtido da venda do componente não pago do valor, que é parte da mais valia. “O lucro do capitalista provém, portanto, do fato de encontrar-se em condições de vender algo pelo qual não pagou nada” (Livro III, pp.58). Assim, “a taxa de mais valia medida pelo capital variável se chama taxa de mais valia; a taxa de mais valia medida pelo capital total chama-se taxa de lucro” (Livro III, pp. 58). O problema operacional do lucro para os capitalistas decorre de que se “o remanescente do valor da mercadoria sobre seu preço de custo nasce no processo direto de produção, mas só se realiza no processo de circulação” (Livro III, pp.59).
De fato, há dois problemas teóricos ligados à
conceituação da taxa de lucro, que são os de nivelamento da taxa de lucro e dos tempos absorvidos nas esferas de produção e de circulação. Vemos que a taxa de lucro só pode ser aferida sobre os lucros anteriores realizados; e que o lucro futuro depende das interações entre os movimentos do capital em seu conjunto e as condições operacionais dos capitais específicos. A idéia de que a taxa de lucro tende a nivelar-se se entende facilmente, enquanto se supõe que o movimento geral de acumulação é conduzido, ou pelos menos influenciado pela participação de capitais que concorrem em mercado aberto. Precisa-se esclarecer que esse nivelamento da taxa de lucro está ligado a um mecanismo mais complexo de tendência à crise associada à superprodução. Por sua vez, os tempos absorvidos nas esferas da produção e da circulação - que conflitam e se complementam - representam usos de tempo que condicionam o ambiente em que se reproduz o capital. No essencial, trata-se, portanto, de um esquema
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explicativo que considera lapsos de tempo definidos pela duração das operações reais de produção e de venda da produção. A realização dos lucros é uma relação entre a produção e o mercado, que se dá em circunstâncias históricas específicas73. A realização revela-se como o principal problema do sistema, já que sem ela o capital se frustra; e surge um problema não considerado pela análise econômica marginalista, que é o de perda de valor, através da interrupção da reprodução do capital. Nesse ponto, portanto, Marx abre uma linha de argumentação, que introduz um elemento de incerteza no sistema de produção74. Podem ser usados vários exemplos para ilustrar essa situação. O mais grave pode ser o grande programa de irrigação da ex-União Soviética no Mar de Aral, que abortou por falta de água dos rios alimentadores. O fracasso da pesca de anchovetas no Chile e no Peru na década de 60, simplesmente porque os cardumes desapareceram.
A interrupção do processo de
produção nesses casos não foi um problema de quebra da demanda. Mas no Brasil há diversos exemplos de quebra de produção agro-pecuária, que significaram interrupção de investimentos sem qualquer possibilidade de recuperação. Nesse contexto coloca-se um campo temático definido por Marx como de economia no uso do capital constante (Livro III, pp.91)75, que de fato reúne considerações sobre a adequação e a eficiência no uso do capital social público76. Trata da relação entre esse aspecto de ajuste do sistema de produção e as economias indiretas a serem obtidas desse capital social, que compreendem economias indiretas de intensidade e eficiência no uso do capital social, economias indiretas no uso de energia, economias indiretas a serem extraídas de reciclagem e remanejo de resíduos e implicações generalizadas de todo esse processo na saúde dos
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73 Essa parte da análise leva, necessariamente, ao estudo das estruturas de mercado, isto é, das condições ambiente em que operam as empresas. Mais uma vez, é um ponto em que se separam e contrastam as análises da formação histórica das formas de organização do mercado e as análises que simplesmente consideram formas atuais de organização. As controvérsias sobre crescimento e equilíbrio mostram-nos a necessidade de considerar a competitividade como uma situação transitória, que pode perdurar, mas que não pode ser atribuída apenas a aspectos internos das empresas, senão de movimentos gerais do sistema de produção. Por exemplo, como considerar a competitividade de empresas que obtinham seus lucros de sistemas de custos de transporte marítimo com as tecnologias da década de 1960, pouco antes de transformações radicais desse setor? 74 Na verdade, trata-se de uma questão muito mais complexa que a realização do lucro de um ano produtivo específico. Trata-se de prevenir que ocorram perdas de capacidade instalada de produção que decorram de interrupções das seqüências de investimento; e de
trabalhadores. São, realmente, quatro campos temáticos que devem ser explorados segundo experiências acumuladas, hoje constitutivas de diferentes disciplinas. Primeiro, trata-se da capacidade de melhorar o uso do capital social público, reduzindo seu desgaste e desperdício e fazendo com que ofereça melhores resultados. Segundo, aproveitando melhor as fontes de energia que estão alcance do sistema de produção, Terceiro, desenvolvendo uma visão de conjunto das economias que podem ser obtidas de reciclagem de materiais utilizados na produção. Por fim, a questão de saúde pública, com seus correspondentes temas, de desenvolvimento humano, no linguajar mais recente, e de custos "ambientais", tanto como saúde seja reduzida a um custo. Certamente, esse texto de Marx é uma clara antecipação da economia da ecologia, ou de uma economia social da ecologia. O dimensionamento e o ajuste funcional do capital social ao capital produtivo direto – incorporado nas empresas – é um campo temático da economia atual, que está na base do planejamento energético; e através dele, ao planejamento dos demais setores de infra-estrutura. Aparece em dois níveis e em dois momentos, respectivamente, no nível macro, como parte de planejamento global, setorial e regional; e no nível micro, quando se combina o planejamento
perda de qualificações dos trabalhadores. Observa-se, por exemplo, o caso da recente reconcentração de indústrias em São Paulo - no ABC paulista - onde houve uma controvérsia, compreensível mas injustificada, das prefeituras atingidas por esse desemprego, de suporem que ficaram com uma vantagem locacional, dada pela concentração de trabalhadores desempregados. De fato, ao serem desempregados, os trabalhadores ficam à margem dos processos que qualificam, tornando-se custos que não podem ser absorvidos por novos investimentos. Na perspectiva da teoria do desenvolvimento, este tema revela um obstáculo dado pela falta de variedade da produção, ou pela impossibilidade de realizar plenamente e em tempo útil a produção de um pequeno elenco de mercadorias.
micro com o macro. O relativo à reciclagem de resíduos – uma antecipação da análise ambiental – está ligada à anterior, porque sinaliza que o estilo de uso do capital fixo – extra e intra empresa – tem uma correspondência técnica com a formação de problemas de economia dos resíduos77. A produção capitalista precisa encontrar soluções de reaproveitamento de resíduos, não pelas razões ambientais hoje alegadas, senão porque essa economia do reaproveitamento de resíduos é um
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75 Numa leitura contemporânea, vêse que essa economia do capital constante corresponde à eficiência energética e ao significado ambiental do processo de produção, compreendendo a preferência pelo uso de fontes renováveis frente a energéticos não renováveis. No
modo de recompor a captação de mais valia. Revela-se como a economia do ambiente é útil à produção capitalista e não é um sacrifício, nem um custo a ser arcado por razões sociais. A correspondência com a saúde dos trabalhadores indica outra ordem de problemas econômicos, que representam outro aspecto negativo da produção, que deve ser reconhecido e deverá ser absorvido de algum modo. Qual esse custo social e quem deve absorvê-lo? Há uma questão essencial, relativa a quanto esses problemas resultam da quantidade da produção realizada e quanto podem ser modificados, segundo o modo de manejar o capital social. A questão obviamente é o controle da distribuição da renda. No quadro geral das transformações do capital, no contexto da produção capitalista em seu conjunto, é fundamental o papel do capital comercial. Marx oferece (L.III, cap. XVI) uma análise do capital comercial, isto é, do capital adscrito ao funcionamento do segmento comércio. A principal questão teórica relativa ao capital comercial é que sua velocidade de circulação não está restrita por engajamentos genéricos no processo de produção. Isso confere ao comércio graus de liberdade que não estão limitados pelas velocidades específicas do processo de produção. Mas isso também representa uma vantagem sobre o capital vinculado à indústria, cuja mobilidade é restrita por processos específicos da produção. Nossa observação sobre essa matéria é que o capital comercial propriamente dito representa uma liberdade de decidir que está fora do horizonte de possibilidades do capital engajado na indústria. O espaço econômico ensejado pela realização sustenta a expansão do capital financeiro, no sentido mais amplo desse termo. Os bancos encontram oportunidades para invadir a produção industrial; e através dela, de controlarem a produção agrícola e a formação do capital
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essencial, a produção capitalista está submetida ao condicionamento de uma disponibilidade decrescente de recursos e a incerteza relativa ao acesso a recursos, que não podem ser tratadas no horizonte de previsibilidade da amortização do capital atual. O conceito de modo energético da produção, que empregamos em outros trabalhos, dá conta desse problema, indicando uma razão de uso de energia, que reflete uma condição técnica e uma qualificação dos trabalhadores que utilizam os recursos. A análise dos sistemas de irrigação mostra grandes diferenças de quantidades de água utilizadas, com equipamentos equivalentes, indicando diferenças de condição de qualificação dos empresários e em menor medida, dos trabalhadores rurais. 76 Usa-se aqui esta expressão para denominar o que na linguagem comum se chama de infra-estrutura e que Marx vê como parte do capital fixo (Livro III, 107) 77 A questão específica dos resíduos é a cara final de todo um perfil de produção com desperdício, que foi estudada de modo mais sistemático por Baran. Entretanto, a proposta de
social infra-estrutural. Na explicação do funcionamento do sistema capitalista em seu conjunto prevalece o pressuposto de que o sistema se transforma, aumentando sua complexidade e sua instabilidade. Consequentemente, no Livro III Marx examina os mecanismos internos de dinâmica do sistema, retomando o eixo de discussão da relação entre a taxa de lucro e a reprodução do sistema. Por isso, a verdadeira escala da teoria da exploração surge do conjunto do Livro III e não de nenhum texto em particular. Nos capítulos VIII a XIV Marx estuda a formação da taxa de lucro, a determinação de uma taxa média de lucro e a tendência decrescente da taxa de lucro, levantando inclusive causas que contrariam essa tendência. Acontece que a taxa de lucro se forma num ambiente de mercado que necessariamente muda, acompanhando o aprofundamento da composição orgânica do capital. Há um problema relativo à necessidade de extrair mais mais-valia, para compensar o aumento do capital constante; e há um problema de relativo ao mercado de dinheiro, ou seja, ao modo como o capital que está – ou que fica – na esfera da circulação, passe a influir – e a dirigir – o capital que está na esfera da produção. Essa é a nova ordem do controle capitalista da produção. Esse controle segue três rumos, que são os da financeirização da produção industrial, do controle financeiro da agricultura e do adiantamento de recursos para a constituição de serviços urbanos. "O dinheiro - considerado aqui como expressão substantiva de uma soma de valor, em dinheiro ou em mercadorias, pode tornar-se a base da produção capitalista em capital e deixa de ser, graças a essa transformação, um valor dado, para passar a ser um valor que se valoriza, se incrementa a si mesmo. Com isso, adquire, além do valor de uso que
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análise do próprio Marx contempla melhor a capacidade do sistema capitalista, de encontrar novas formas de formar capital e não somente de rever a rentabilidade do atual sistema.
possui como dinheiro, um valor de uso adicional que lhe permite funcionar como capital”. (Livro III, pp.326) Entretanto, o dinheiro entra a mobilizar uma produção conduzida por uma pluralidade de capitais, isto é, que em cada país corresponde a diferentes composições orgânicas do capital. A operacionalidade financeira do sistema depende da comparabilidade dos resultados que podem ser obtidos nos diversos empreendimentos, nessa pluralidade de condições. Daí, a explicação do funcionamento do sistema capitalista de produção depende da esfera do capital financeiro78. Daí, que o estudo do funcionamento do sistema internacionalizado de financiamento torna-se um requisito necessário para entrar-se hoje no mérito de investimentos específicos de grande porte. No capítulo XXVI, Marx vinculou a acumulação de capital dinheiro - que hoje chamam de financeirização - às condições objetivas de liquidez do sistema. A questão consiste em saber se esse fenômeno pode ser atribuído a uma crise, ou se é determinado pelas tendências da acumulação. Supõe-se que a posição de Marx vai com a segunda alternativa, mas a argumentação desenvolvida nesse capítulo não é clara, abundando em referências à crise de 1847. Por isso, é preciso retomar um aspecto fundamental desse argumento, que é o papel da teoria monetária e dos compromissos de crédito na formação da taxa de juros. O esclarecimento da dimensão financeira da produção é indispensável, para que se saiba como situar o progresso da produção no contexto da progressão de complexidade dos meios de produção. Há dois problemas teóricos a resolver: como, quanto e quando financiar, e com que meios financiar. A resposta do primeiro problema está nos requisitos de financiamento para
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78 A expressão capital financeiro foi introduzida posteriormente por Hilferding. Marx fala do capital a juros.
cada determinada situação na composição histórica do capital, isto é, na progressão da composição do capital ao longo do tempo79. A segunda resposta depende de um esclarecimento dos meios de financiamento, isto é, depende do prévio esclarecimento sobre a esfera monetária. Nesse ponto, devemos acolher a contribuição de Suzanne de Brunhoff, por dois aspectos pelo menos. Primeiro, por mostrar o significado epistemológico da opção de Marx, de tratar da questão da moeda como anterior às determinações da produção capitalista. Segundo, por mostrar os limites da esfera monetária na configuração do financiamento. O esclarecimento da dimensão financeira da produção capitalista depende de uma teoria monetária mais ampla, capaz de seguir a continuidade da produção capitalista propriamente dita com a produção mercantil mais simples que, entretanto, deve ser capaz de refletir o desenvolvimento mais complexo da esfera financeira no capitalismo avançado. A especificidade da questão monetária deve-se à impossibilidade de reduzir os problemas de oferta e demanda de moeda aos problemas de financiamento, ou seja, ao fato de que a oferta de moeda compreende problemas mercantis e de entesouramento, que não podem ser percebidos na esfera do financiamento da produção capitalista propriamente dita. Na verdade, revelam-se a irredutibilidade da questão monetária e da questão financeira, indicando a necessidade de avançar na direção de explicar as transformações estruturais da esfera bancária. O argumento a ser recuperado é que a expansão do capital bancário se faz sobre a concentração do fundo de reserva dos capitalistas, que é direcionado pelos bancos na formação do mercado de juros; e que esse mercado necessariamente crescerá, na medida em que a mais valia do capital dinheiro é reintegrada ao fluxo de circulação, constituindo um mercado
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79 O capital escolhe que financiar em função da rentabilidade do financiamento. Mas os efeitos do financiamento sobre a realização da produção ultrapassam o significado dessa rentabilidade, correspondendo na realidade ao movimento de reprodução do capital. Mais uma vez, a experiência dos países pouco industrializados é reveladora. O financiamento suficiente e adequado de suas atuais necessidades é insuficiente e inadequado para que mude a composição de seu capital na escala e na composição necessárias para que sua capacidade de produção seja modificada.
específico. Por isso, ela constitui uma parte do capital que se distancia, cada vez mais, da lógica e do controle do capital incorporado na produção industrial. A análise operacional da esfera financeira parte, portanto, do papel do crédito na produção capitalista (Livro III, cap. XXVII). De nossa parte, dizemos que é preciso estabelecer quando é uma necessidade da expansão do capital industrial e quanto decorre dos interesses da própria esfera financeira. Tal sentido da relação orgânica do capital dinheiro é retomada no capítulo XXX, em que Marx analisa a relação funcional entre o capital dinheiro e o capital efetivo. O cerne da questão é real, é conseqüência da composição orgânica do capital. São os tempos dos investimentos, que resultam em desajustes - ou os ajustes variáveis e transitórios entre as demandas do capital de diferentes tipos de aplicações; e a liberação de dinheiro das suas diversas aplicações. O capital gera mecanismos internos de diferenciação, que obrigam a tratar a esfera financeira como um campo de interesses e tensões, que se torna parte essencial do mecanismo de acumulação. O esclarecimento dos problemas da formação de capital é necessário para explicar a reprodução dos capitais já organizados; mas a explicação das possibilidades de que o capital continue reproduzindo-se depende de uma análise que se coloque ao nível da produção em seu conjunto, que portanto possa considerar a capacidade do sistema de tratar com novas condições de acumulação. Ao passar para a produção capitalista em seu conjunto, Marx enfrenta o problema central de incerteza que é, justamente, de flutuação das margens de incerteza ao longo da expansão e das variações de composição de capital.
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Uma primeira leitura de O Capital sugere um movimento linear progressivo de substituição de formas mercantis por formas industriais de produção, mediante mecanismos de conversão de mais valia em lucro, de lucro em lucro médio, de derivação do lucro em renda da terra, finalmente, de que a realização da mais valia em lucro e do lucro em capital é um processo sobre o qual recaem as margens de incerteza inerentes à reprodução dos sistemas de produção historicamente constituídos80. Na verdade é um movimento em espiral, em que os componentes do sistema são atualizados mediante uma progressão de efeitos recíprocos. Marx aborda o problema na perspectiva do capital existente, o que significa que de modo alternativo ao do processo propriamente dito de movimentos do capital, em que essa incerteza é a própria lei da reprodução do sistema, compreendendo a complexidade do sistema em seu conjunto e não só a complexidade da composição do capital. A lei da reprodução ampliada é a do aumento de complexidade, que assume formas materiais do lado do capital, e que representa aprofundamento de qualificações do lado do trabalho. Fica, portanto, pendente a interrogação relativa a quem arcará com os custos da qualificação dos trabalhadores. A resposta óbvia é ser esse um custo que o capital trata de passar adiante, diretamente aos trabalhadores, ou indiretamente, à sociedade em seu conjunto, através do Estado. O controle do Estado é parte essencial do processo do capital, já que em sua concorrência os capitalistas tratam de usar esse poder político para canalizarem vantagens econômicas. A visão marxiana do problema projeta duas aberturas desse movimento: a do desenvolvimento conseqüente das reaplicações dos lucros; e a das progressões de complexidade
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80 Entendemos que uma segunda leitura mostra algo muito diferente, isto é, tal como na Fenomenologia do Espírito de Hegel, as formas iniciais permanecem, com suas próprias determinações, revelando-se, entretanto, subordinadas das formas mais recentes e mais avançadas.
do capital e do trabalho. A nosso ver, a questão de fundo que emerge desses dois movimentos é a impossibilidade prática de operar sistemas mais complexos sem trabalho mais complexo; e a impossibilidade de usar o trabalho mais complexo em sistemas que não sejam os mais complexos. Segundo a análise de Marx, os efeitos do aumento de complexidade se distribuem para dentro do sistema, a partir daqueles segmentos onde a composição de capital é mais elevada, àqueles outros de menor densidade ou complexidade da composição do capital. Esse seria o mecanismo que explica a lógica da relação entre a produção industrial e o controle da terra; e entre a produção de alta e de baixa tecnologia. Os segmentos de capital que absorvem mais tecnologia e que alcançam vantagens monopolísticas, passam a regular as condições mínimas de tecnologia e capitalização com que operam as demais. A exploração da terra será mais densamente capitalizada em consonância com o nível médio de capitalização do sistema produtivo. Mais uma vez, é uma questão de ciclos e de velocidades e de diferenciais de velocidade. Compara-se a velocidade das conversões entre formas de lucro e de capital, com a velocidade com que se realizam os efeitos dos deslocamentos de complexidade entre segmentos de diferentes composições de capital. Subjacentemente, comparam-se as condições para alcançar essas velocidades. Podemos dizer que se trata da capacidade de gerar e de controlar tecnologia, mais que da renovação de tecnologia, ou mesmo que da renovação de tecnologia propriamente dita81.
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81 Por exemplo, numa releitura do modelo de crescimento de Harrod, cabe comentar que a idéia de uma taxa garantida de crescimento envolve um ajuste de composição entre a composição e a distribuição no tempo das necessidades de renovação, mais que uma proporção adequada de formação de capital.
Para as análises de problemas de desenvolvimento, isto é, de transformações de sistemas de produção82, essas questões são fundamentais, porque assinalam aquelas "áreas" do sistema produtivo que se mostram mais sensíveis a mudança, e aquelas outras que se definem como mais estáveis ou como menos dinâmicas em relação a tecnologia. Paralelamente, essas "áreas" de dinamismo correspondem à presença de trabalho mais qualificado. O "mistério" da acumulação continua, na decisão de quem paga pela qualificação adequada dos trabalhadores; e na contradição entre o movimento objetivo de qualificação e as necessidades de qualificação para o desenvolvimento do sistema. No contexto da modernização das economias industrializadas, esse problema se apresenta em dois planos: no da viabilidade operacional da reprodução simples, em condições em que não há controle da disponibilidade de equipamentos adequados e suficientes para sustentar a produção em seus níveis atuais; e no das implicações da reprodução ampliada em distribuição da renda, com suas conseqüências em conflitos entre os grupos envolvidos na produção. Na prática, essas questões não se respondem sem considerar a especificidade do lucro comercial, tal como ele se apresenta na produção pré-industrial e na industrializada.
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82 Cabe aqui uma revisão da compreensão de desenvolvimento. Neste contexto trata-se do desenvolvimento das forças produtivas, que é a expansão dos sistemas de produção em escala e complexidade, que não necessariamente está ligado aos aspectos éticos da noção de progresso.
GÊNESE E METAMORFOSE DO CAPITAL Traços gerais da questão Neste primeiro movimento da análise crítica da sociedade econômica moderna, Marx trata do processo social de produção do capital, que é também o movimento de transformação continua do próprio processo de produção. Assim, vista em perspectiva histórica, a análise da formação de valor também é a explicação de como esse valor é apropriado pelos capitalistas. Diz Marx que a produção social de valor no capitalismo se realiza mediante um movimento que começa nos processos de trabalho, que passa pela separação entre o trabalho anterior e o atual, e que conclui pelo controle do poder criativo do trabalho atual. Como é o capitalista que retém o conhecimento dos sucessivos processos tecnológicos, isso lhe dá a vantagem de ser o detentor da memória do processo de produção. Desde aí, vê-se que o processo de estranhamento, pelo qual o trabalhador é separado de sua produção, é também um processo de perda de memória83. Nesse movimento, o valor do capital aplicado na produção aparece como gasto para produzir e como desgaste de meios de produção. Esse capital é denominado por Marx de constante, porque não tem como mudar, é valor congelado em determinadas formas. O poder de mudar está no trabalho, que por isso é variável. Daí, que o capital depende, primordialmente, do controle que exerce sobre o trabalho. Esse é o sentido da relação entre senhor e escravo, desenvolvida por Hegel: o capital para ser capital depende do trabalho ao qual domina. A diferença é que aqui muda o modo como o escravo
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83 Veremos que uma das principais características das situações de subdesenvolvimento é a perda recorrente da memória da experiência social, que faz com sempre se esteja fazendo as mesmas coisas como se fosse pela primeira vez.
serve ao senhor e como o senhor se apropria da força de trabalho do escravo. Na produção capitalista o capitalista compra o tempo dos trabalhadores, mas, ao mesmo tempo, restringe as opções de contrato a que eles têm acesso, portanto, desenvolve mecanismos sociais de controle dos trabalhadores. Adiante veremos que o negativo desse controle é a mobilidade do trabalho.
No desenvolvimento desse argumento, Marx recorre ao seu aspecto contábil, mas na essência da construção conceitual encontra-se um vestígio ou um paralelismo com aquele argumento de Kant, que separa o campo do entendimento, que é o campo do que já está dado, do campo da razão, que é onde se encontra o poder criativo, portanto, a capacidade de alterar o conhecimento. Essa parte da análise de Marx culmina com a identificação da taxa de mais valia, que se percebe de um raciocínio a posteriori, que relaciona a variação da mais valia como uma proporção total do capital. Mas é preciso perceber a diferença entre uma taxa de mais valia, que é inferida do modo como o trabalhador trabalha; e uma cota historicamente concreta de mais valia, que exprime a mais valia efetivamente obtida pelo capitalista. O capital move-se na direção de garantir a captação de uma massa crescente de mais valia. Para realizar essa parte de sua tarefa, Marx tem o Livro I estruturado praticamente em duas partes, em que a primeira apresenta os elementos do sistema capitalista de produção e a segunda expõe o modo como ele funciona. A primeira parte abrange desde a teoria da mercadoria até a da mais valia, desenhando os elementos da produção industrializada. A segunda parte compreende a análise da manufatura e da grande indústria, chegando à teoria da
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reprodução do capital e culminando com uma primeira exposição da acumulação capitalista. Nessa última parte, mostra a acumulação no âmbito da produção industrial e no mecanismo da colonização84.
Mercadoria, valor e valorização A primeira parte do Livro I é a teoria da mercadoria. A teoria do valor está incorporada na teoria da mercadoria e a formação do valor como tal – o valor de troca que tem subsumido o valor de uso – é um pré-requisito necessário para que o sistema de produção se organize como
84 Para uma leitura latinoamericana do problema – representativa em muitos aspectos da condição de periferia - é preciso recalcar essa concomitância entre a acumulação mercantil que sustentou a industrialização e colonialismo dos Tempos Modernos, assim como a concomitância entre a industrialização e o colonialismo do imperialismo. A combinação de colonialismo e sobre exploração – portanto escravidão aberta ou disfarçada - tem que ser vista como parte integrante da acumulação capitalista e não como um recurso complementar.
um sistema de produção de mercadorias. Quando Marx opta por começar O Capital com uma apresentação da teoria da mercadoria de fato realiza uma operação teórica, que consiste em supor que o sistema de produção em seu conjunto opera segundo os objetivos e as formas da produção capitalista e que é possível ver toda a produção como produção capitalista. Veremos adiante que é o mesmo pressuposto que permite considerar que todo o sistema está igualmente monetizado. Ora a teoria do valor surge de um reconhecimento do valor de uso como resultado da atividade que se realiza na esfera doméstica, pelo que também se considera que as “regras” da produção social de valor de uso são universalmente válidas85. A mercadoria surge da objetivização do valor de troca e consiste em produzir algo que não é para ser imediatamente consumido, senão que é produzido para ser trocado. No Livro I de
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85 Uma leitura atual da produção social nas economias periféricas obriga-nos a abrir questão sobre as condições em que funciona a esfera doméstica, em que variam as condições de solidariedade familiar e em que as famílias se mobilizam como grupos que participam diretamente no mercado, transformando suas atividades domésticas em atividades de mercado.
O Capital, Marx vai às raízes da fundamentação da produção capitalista, que são o modo de produzir valor social e de captá-lo, para constituir o sistema de relações sociais que se organiza em função do controle do valor produzido, que por sua vez está ligado à capacidade de produzir valor. Entretanto, é preciso distinguir os aspectos mecânicos da produção social de valor, de seus aspectos axiológicos, isto é, de sua raiz em valorações no sentido radical desta expressão. A produção de valor é uma afirmação do que se reconhece como construtivo da atividade social. Para realizar essa tarefa, para revelar o modo social de produzir valor, Marx reporta-se à consubstanciação do valor de troca, que é a mercadoria. O valor de troca sustenta-se no valor de uso, que é a expressão da utilidade dos bens, que surge de seu uso e da comparação entre usos. Esse valor de troca reflete o tempo socialmente necessário para produzir as mercadorias, que é o tempo médio necessário para produzir os bens em certas condições de organização social da produção. A forma relativa do valor surge de como cada mercadoria se compara com outra de uma dada coleção de mercadorias; e a forma equivalencial surge de como cada uma delas equivale às demais em termos de poder de ser trocada. O estudo da mercadoria é a pesquisa do modo como as sociedades têm procurado soluções para realizarem sua vida material. É o ponto de partida da análise do processo social de produção, porque a mercadoria reflete sinteticamente os processos de produção que levaram a sua realização. A mercadoria reflete a forma social da produção, isto é, o modo pelo qual a produção se realiza em cada sociedade. Entretanto, a mercadoria é um produto datado, que se situa num ponto momento da progressão da produção capitalista, cujo valor depende dessa
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inserção em termos gerais, e, especificamente, de sua inserção no conjunto das mercadorias de que é parte. O processo que cria mercadorias torna o dinheiro necessário, isto é, leva à criação de dinheiro. O dinheiro surge como parte da ampliação do patrimônio, numa intermediação entre formas de mercadoria, em que a produção de mercadorias pode ser interrompida e o dinheiro permanecer apenas como uma mercadoria de uso limitado. O dinheiro vem a ser a verdadeira mercadoria na produção capitalista, onde ele representa a máxima equivalência entre as diversas mercadorias. A conversão do dinheiro em capital é um momento fundamental da formação da produção capitalista, em que o dinheiro separado da atividade produtiva pode ser entesourado como modo de formar patrimônio86. O dinheiro se converte em capital quando usa valor de uso para transformar-se em valor de troca. Mas ele só consegue fazer isso quando conta com uma mercadoria capaz de transformar seu próprio valor de uso em valor de troca, que é a força de trabalho. A produção de capital faz-se mediante uma combinação de processos de diferentes rumos e intensidade, em que as categorias tais como mercadoria, valor e dinheiro, interdependem umas das outras; e só se explicam em condições de dinâmica, num movimento cujo epicentro é a compra de força de trabalho. Nesse contexto, o valor social surge de que o fruto do trabalho seja útil para outros. Isso permite a troca e sustenta a condição de valor relativo – para o possuidor de cada mercadoria – e de valor equivalente, para os que têm outras mercadorias e querem trocar por esta. O quadro de equivalências se dá em condições em que haja condições de usar as mercadorias, isto é, só há
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86 Essa é a primeira razão para que se distingam as funções da moeda como tal, isto é dinheiro, das moedas específicas, que estão sujeitas a variações de aceitação conversibilidade a outras moedas – e que se refletem em variações de preços entre moedas – taxa de câmbio – quando são menos apreciadas nas relações internacionais.
equivalência em um determinado contexto de desenvolvimento dos meios de produção. A forma equivalencial representa a esfera das trocas possíveis. Podemos dizer que não há equivalência alguma, para os que não têm renda suficiente para participar das trocas. Por oposição, a esfera das trocas significa uma esfera de exclusão. A idéia de uma equivalência universal - ou da universalidade da equivalência – que já aparece na Contribuição à crítica da Economia Política (C.C., pp.32), refere-se à universalidade do valor de troca, mas não se mantém, quando se trata das condições históricas do desenvolvimento das forças produtivas. Valor relativo e equivalência acontecem num dado ambiente de mercado, isto é, dependem de que a produção seja levada ao mercado. Desde o ponto em que identifica esse fato (L I, pp.), Marx distingue a função comercial, de levar a produção ao mercado, do capital comercial, que se reconhece como o nível de acumulação que corresponde ao capital que realiza essa função de levar a produção ao mercado. A mercadoria surge quando os capitalistas conseguem levar a produção mercado, Mais uma vez, nossa leitura das economias periféricas mostra uma importante incerteza nessa operação. A partir desse ponto, a noção de tempo revela-se fundamental na estruturação de O Capital e aparece em dois planos combinados: como o tempo do trabalhador, que é o comprado pelo salário, e que representa um potencial de força de trabalho; e como o tempo necessário para produzir uma mercadoria, que depende das condições em que ela é produzida, que transcendem as habilidades e a energia dos trabalhadores. O movimento geral de formação de valor e de produção de mercadorias, só se vê em termos de tempo, mediante a combinação dos elementos internos de tempo, isto é, os tempos inseridos no processo de produção e os tempos de
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relacionamentos externos. Por aí entra uma questão da produtividade, isto é, do tempo que se 87
usa para produzir uma dada mercadoria . Mas, como esses tempos de trabalho são realizados por pessoas, que estão inseridas em determinadas condições de capitalização da produção, onde procuram aumentar sua renda, é preciso considerar que uma mesma pessoa pode realizar ou participar de diferentes tarefas, o que quer dizer, participar de diferentes condições de uso de capital88. Observe-se que esse tema é tratado por Marx com seu exemplo de trabalho seqüencial, de fabricação de tecidos e de casacos, onde raciocina em termos de que participar dessas duas etapas do processo produtivo é um esforço adicional. A relação entre tecidos – cashmir e casacos – foi habilmente – e talvez manhosamente – escolhida por Marx que, com esse exemplo privilegiado mostra uma relação de sucessão orgânica no mundo da produção industrial que raramente se repete. No entanto, certamente, isso envolve muitas mais possibilidades, do que aquelas estabelecidas pelo espectro de atividades hoje em curso no sistema produtivo. Assim, sempre pensando na condição colonial, esse é um argumento a ser explorado pelo outro lado, tratando da capacidade dos trabalhadores, de mudarem de ocupação, algo que não só está vedado no ambiente da escravidão, como nos sistemas produtivos dependentes e pouco diversificados. Diremos que a liberdade dos trabalhadores para venderem sua força de trabalho encobre a limitação decorrente de suas restrições de acesso às oportunidades de emprego. Está claro que o controle das oportunidades de emprego é um controle indireto da liberdade no mercado de trabalho.
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87 O tempo no processo produtivo aparece superficialmente como algo sempre previsível. No entanto, encobre uma incerteza, já denunciada por Adam Smith , com seu exemplo do caçador, que com um mesmo esforço de caminhar e com uma mesma arma pode chegar a resultados imprevistos segundo encontra um animal de pequeno porte ou de grande porte. Em Marx a incerteza no tempo aparece também no momento da comercialização, quando o capitalista pode não encontrar compradores ou encontrar preços inferiores aos seus custos de produção ou superiores a suas expectativas. 88 Encontra-se aí uma primeira pista da discussão da mobilidade social dos trabalhadores, que é sua capacidade de optar entre ocupações, ou de alterar as condições de contrato de trabalho e de cessão de mais valia. Observe-se que essa participação em diferentes situações de trabalho é tratada por Marx por seu aspecto negativo, que é um constrangimento a participar delas. Na perspectiva de quem vê a formação do capital num ambiente colonial, ela tem um aspecto positivo, que é o de formação de um tipo de autonomia, que é essa capacidade de optar, geralmente associada com a migração.
O movimento de formação de valor exige um equivalente geral, que é o dinheiro 89. Para Marx, o movimento da produção de mercadorias e de produção de dinheiro é o mesmo. Por isso, choca ver que vários autores que se ocuparam desse tema, desde Kautsky até Harvey, introduzem uma separação positivizante entre essas duas categorias, que, como assinala Tavares (1976), reduz a leitura de Marx aos termos da análise neoclássica de hoje. O processo de troca. As trocas são essenciais n formação das relações mercantis Em Marx encontra-se uma leitura das trocas que transcende o caráter simples e repetitivo das trocas do comércio. Uma diferença fundamental entre Marx e os economistas marginalistas é o modo de olhar as trocas. Para Marx, as trocas estão historicamente determinadas pelas características materiais do processo produtivo, que define o elenco de mercadorias com que se trabalha. A mercadoria alcança seu papel mediante a troca, que é quando se materializa sua equivalência. A troca se realiza a partir do estatuto jurídico da propriedade privada, envolvendo a institucionalidade da posse de coleções específicas de mercadorias. Ao transferir as mercadorias para aqueles para quem têm valor de uso, o processo de troca propicia um metabolismo social (L.I, pp.65), em que o dinheiro intermédia a substituição de elencos de mercadorias entre os diversos participantes do processo. M=> D => M representa essa redistribuição das mercadorias entre usuários, que faz revelar seu valor de uso como impulsionador da troca. A circulação das mercadorias ou o dinheiro. O desenvolvimento do valor de uso encontra-se na criação de condições ilimitadas de troca, que são propiciadas pelo dinheiro. O dinheiro é a representação dessa possibilidade de troca. O dinheiro é a medida imanente do valor das mercadorias, que é seu tempo de trabalho (L.I, pp.56). A circulação está historicamente determinada,
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89 Desde esse ponto da argumentação, é preciso trabalhar com a distinção entre dinheiro e moeda. Dinheiro é a designação genérica do equivalente de valor, enquanto moeda é a expressão do dinheiro. A moeda concreta supõe uma capacidade específica do Estado nacional, para manter essa representatividade. Sustentar a moeda, manter sua capacidade de representar valor tornou-se uma questão crucial para as economias periféricas de hoje.
isto é, é a circulação das mercadorias que a sociedade produz em cada ponto momento da história; e não tem sentido pensar em circulação mundial num lugar onde a economia não está plenamente integrada na esfera do dinheiro mundial. A circulação de dinheiro historicamente avançou quando aumentou a produção que se troca. O dinheiro é medida de valor, meio de circulação, e tem um curso estabelecido pelas mercadorias que troca. A massa de dinheiro em circulação denotará a soma dos preços das mercadorias e o número de rotações das transações com ela, isto é, a massa de dinheiro depende da necessidade de trocar para realizar o valor incorporado nas mercadorias. Nessa relação D (dinheiro circulante) = P (preços ) . M (mercadorias) surge a questão da velocidade no sistema produtivo, onde a quantidade de dinheiro total decorrerá da velocidade de circulação dada por variações nos preços e nas quantidades de mercadorias. A questão da velocidade é essencial ao conjunto da explicação do sistema, mas está explicitada no Livro II, onde Marx desprega a composição de velocidades desiguais que sustenta a movimentação dos capitais. Colocado em perspectiva histórica, a velocidade deve ser vista como um atributo das condições de desenvolvimento de sistemas específicos e nunca como um traço geral da produção capitalista. Assim como a velocidade no sistema aumenta junto com a redução dos tempos socialmente necessários para realizar um mesmo elenco de produtos, há limitações aos aumentos de velocidade, que decorrem da rigidez dos componentes do sistema – estabelecimentos produtivos – em tecnologia.
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A questão especial do dinheiro Marx explora o significado do dinheiro em dois níveis. Primeiro, como uma categoria do funcionamento do capital e depois, como a mercadoria privilegiada que aciona as operações do capital. A primeira leitura é a que se encontra nos Grundrisse e a segunda é a que se encontra em O Capital. No movimento da teoria de Marx, a exposição da comercialização demanda uma exposição esclarecedora do dinheiro. O controle da comercialização se exprime com dinheiro, que é “a forma ou manifestação necessária da medida invariante de valor das mercadorias: o tempo de trabalho” (L. I pp.56). O dinheiro reflete uma complicada equivalência de valor entre mercadorias, dentre outras razões, porque mudam a lista das mercadorias postas em equivalência e suas propriedades técnicas. Diz Marx, que “em sua função de medida de valor, o dinheiro atua como dinheiro imaginário ou ideal” (L. I pp.57); e adiante “O ouro só pode funcionar como medida de valores, por ser ele também um produto do trabalho, portanto, potencialmente, um valor variável” (L. I pp.59) 90. Há uma diferença fundamental entre o dinheiro em geral como tal na produção capitalista e as moedas, enquanto manifestações de sociedades capitalistas concretas. Em sua qualidade de moeda, o dinheiro passa a estar sujeito às circunstâncias das sociedades que criam e sustentam a moeda. Diremos que, como a quantidade de moeda depende da circulação que prevalece em cada sociedade, a produção capitalista depende da instância nacional, justamente, por estar aí a capacidade de criar e manter moeda. Passa a haver um problema de sustentar a
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90 Essa variabilidade assinala a distinção dinheiro genérico – sustentado pelo valor social – e moedas específicas – sustentadas pelas bases institucionais do valor social – havendo, portanto, uma variabilidade dada pela produção de valor e outra, dada pelas condições econômicas, sociais, técnicas e psicológicas de cada país para sustentar sua moeda.
moeda. Mas há um problema inverso, que provavelmente é onde se vê a perspicácia da análise de Marx, que é onde o funcionamento da moeda dinheiro como tal surge, justamente, dos aspectos positivos e negativos, do caráter contraditório das moedas91. Marx antecipou as transformações da moeda, conseqüentes da pluralidade e interdependência das formas de dinheiro: “O curso do dinheiro, ao dissociar a lei real da lei nominal da moeda, sua existência metálica de sua existência funcional, leva implícita a possibilidade de substituir o dinheiro, em sua função monetária, por contrasenhas feitas de outro material, ou por simples símbolos” (L.I, pp.84) Ora, essas “contrasenhas” significam um aumento da massa total de circulação sobre as quantidades efetivamente produzidas e contribuem para a concentração do capital na razão direta dos diferenciais de velocidade. Os preços. Nesse ponto encontra-se um aspecto a ser destacado, que é o tratamento dado por Marx à questão dos preços.
Os preços das diversas mercadorias não somente são
interdependentes, como são preços historicamente situados. Não é que o preço do café esteja em correspondência com os de outros produtos que hoje sejam considerados como seus substitutos, tais como o chá e outros, senão que o preço do café hoje é parte de uma progressão de histórica de formação de preços, em que o sistema produtivo tem a capacidade de produzir um determinado conjunto de produtos e em que surgem e desaparecem produtos que podem ser considerados como substitutivos. A diferença fundamental entre Marx e os neoclássicos está em que para ele os preços são dados históricos, enquanto para esses são apenas dados atuais, sem data. Os preços surgem como determinação das condições específicas de formação do sistema produtivo em seu conjunto e
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91 Essa a nosso ver é a grande abertura para uma análise dos processos monetários na perspectiva do capital – e não só do livro O Capital - onde a abordagem de Marx permite ver como o processo da moeda no capitalismo depende desse panorama variável, desigual e incerto das moedas, onde não tem muito sentido uma teoria da moeda que parte de igualdade de condições de monetização e de condições similares de circulação.
não como um problema isolado de formação do preço de uma determinada mercadoria, separado da transformação do sistema. Os preços do petróleo dependem de condições estruturais de produção e de uso de petróleo e não de um confronto incidental de oferta e demanda atuais. Por isso, entende-se o sistema de preços como a cara atual do processo de formação de preços. Isso tudo tem a ver com as condições em que as mercadorias são produzidas, que são próprias de cada momento do sistema produtivo. Mas a questão do preço tem em Marx um fundamento mais complexo, na imersão de valor na mercadoria, que exprime uma relação necessária com os usos de trabalho social. A incorporação de valor em cada mercadoria é parte da movimentação de valor no conjunto do sistema, que, entretanto, não garante que essa mercadoria seja trocada. Marx denomina de incongruência algo que nos parece melhor definido como restrições qualitativas do sistema, que não permitem que tudo seja trocado por tudo. No essencial, trata-se de situar historicamente os pressupostos da microeconomia, que deixa de poder ser resolvida como um problema de micro economia estática.
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Os modos de apropriação de valor: produção e captação de mais-valia Para ajudar a formar uma visão de conjunto do processo de argumentação de Marx, convém iniciar a leitura da apropriação de valor, que é a primeira parte da grande seção sobre mais valia absoluta, justamente, estabelecendo esse conceito. Marx começa essa parte de O Capital sem preâmbulo, discutindo o processo de trabalho e a valorização, sem oferecer um plano dessa seção. Desde logo, para captar mais valia é preciso produzir, portanto, é preciso encontrar que produzir para se inserir no mercado.
Mutação da circulação, produção e produção de mais-valia A apropriação de valor acontece mediante o desenvolvimento das funções da moeda, como meio de pagamento e da subseqüente conversão de dinheiro em capital. Esse processo começa com a chegada das diversas mercadorias ao mercado e com a atribuição de um sentido de
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universalidade ao dinheiro. Numa primeira etapa, o dinheiro é usado para viabilizar o acesso às mercadorias, para atender demandas de valor de uso. O capital surge quando há uma inversão no movimento do manejo das mercadorias. A circulação aparece primeiro como M =>D =>M. Numa segunda etapa, a universalidade da moeda viabiliza sua função de reserva de valor, quando então passa a haver uma relação do tipo D => M => D. Essa inversão denota a mudança no sentido de finalidade da produção capitalista. Finalmente, o dinheiro transformado em capital resume esses movimentos em D=> D’. Esse é o desenvolvimento de um processo que começa com a troca. A troca é o modo de captar valor de uso para a formação de valor social, isto é, de valor reconhecido por todos no sistema de produção. O processo de troca é o mecanismo que permite ao capitalista realizar a formação de capital (L. I, pp. 55). Marx identifica, isto é, separa92, objetivamente o fato do processo de troca do fato da circulação de mercadorias, já que cada um dos dois tem uma realidade histórica própria. No conjunto, a troca em geral e a circulação de mercadorias são os elementos que respondem pela comercialização da produção. O fundamento da apropriação de valor é a obrigatoriedade da comercialização da produção. Só se quer ter uma mercadoria enquanto se sabe que ela pode ser vendida 93. O mecanismo básico de apropriação de valor se desenvolve através do processo conjunto de produção e da circulação.
Por isso, na teoria de Marx esses dois termos – produção de
mercadorias e produção de dinheiro – caminham a par e passo, tornando-se necessário neste ponto inserir o relativo ao aparecimento da moeda e ao papel do dinheiro na determinação da produção. Tal determinação pode ser representada tal como na igualdade a seguir:
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92 Observe-se que separar um conceito aqui significa reconhecer que o objeto representado se distingue dos demais, portanto, que é preciso encontrar o modo de relacionar uns objetos com os outros. 93 É preciso ressaltar que o controle da comercialização é um fundamento da condição dos capitalistas, que desse modo podem realizar a mais valia. O essencial para o capitalista não é ser produtor, tal como sabemos da experiência dos produtores coloniais para exportação. O fundamental é controlar a capacidade de vender a produção, que, nesse caso, é controlar a operação de exportação.
Massa M(mercadorias) . preços = Massa D(dinheiro) . velocidade O mecanismo de aparecimento da moeda é essencial na teoria de Marx, que sempre situa a identidade simbólica da moeda sobre seu fundamento real, ao tempo em que, antecipando as possibilidades de proliferação de outras formas de moeda “ O curso do dinheiro, ao dissociar a lei real da lei nominal da moeda, sua existência metálica de sua existência funcional, leva implícita a possibilidade de substituir o dinheiro metálico em sua função monetária por contrasenhas feitas de outros materiais ou por simples símbolos” (L. I, pp.84). A formação da moeda no contexto do desenvolvimento do capital mercantil é o verdadeiro passo inicial necessário para que o capital se desprenda de atividades repetitivas e assuma seu verdadeiro papel criativo. O processo geral de circulação se realiza mediante as condições particulares de circulação das mercadorias e de circulação do dinheiro, com as peculiaridades de que essas duas caras do processo dependem de um ambiente único de confiança, que está apoiado na formação da sociedade econômica em cada lugar, com sua datação e sua participação na esfera mundial. A coroação do processo de circulação é o dinheiro mundial. O processo ganha sua feição definitiva a partir do momento em que o dinheiro se converte em capital, isto é, de que suas aplicações se separam de objetivos de consumo, para destinarem-se a objetivos de formação de capital, quando o dinheiro deixa de ser uma representação da circulação para representar reserva de valor. Não mais ganhar dinheiro para consumir, senão para aumentar a capacidade de ganhar dinheiro. Esse movimento atinge seu
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ápice quando se passa de M => D => M para D => M => D e finalmente, para D => M => D’ e para D => D’. A passagem de M => D => M até D => D’ representa , ao mesmo tempo, a conversão do dinheiro em capital e a transformação do sistema de circulação, que passa de estar constituído de movimentos simples, fortuitos, de circulação, a movimentos complexos, que tendem a se repetir interminavelmente. É preciso tomar em conta que a realização sistemática da circulação envolve uma alteração do sistema de circulação, já a circulação simples seria uma troca de valores semelhantes. Para superar essa circularidade, os capitalistas precisam de uma mercadoria que crie seu próprio valor de uso, isto é, de uma mercadoria que altere os fluxos de valor de troca no sistema. Tal mercadoria é a força de trabalho, Por isso, a formação de capital pelo comércio só acontece quando ele tem a capacidade de fazer trabalhar, direta ou indiretamente. Por isso, para conseguir que a conversão do dinheiro em capital se concretize, isto é, que volte ao mundo da produção, os capitalistas precisam contratar trabalho, isto é, precisam encontrar-se no mercado de trabalho com quem tenha força de trabalho para vender. Noutras palavras, o capital precisa de quem realize a produção de valor, de quem trabalhe. Por isso, compra força de trabalho. Nessa operação dão-se as condições para a extração de mais-valia94.
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94 Esse movimento do capital enseja o questionamento do trabalho compulsório – escravo e servil – que é obviamente essencial na construção do caso das economias periféricas. O capital formou-se com trabalho compulsório, ou com trabalho constrangido, isto é, realizado por trabalhadores livres sem outras opções de ocupação ou de salário. O controle do mercado de trabalho (PEDRÃO, 1995) é parte fundamental dessa acumulação, que usou essas vantagens, bem como as de controle dos recursos naturais, para concorrer no mercado internacional.
Os processos de trabalho O capital intervém na produção utilizando processos de produção, isto é, modos operacionais previamente conhecidos, que permitem aos capitalistas fazerem com que o trabalho que os trabalhadores realizam seja o adequado aos objetivos de produção deles capitalistas. Desse modo, a força de trabalho transforma-se em trabalho produtivo. O capital controla os trabalhadores através desse uso direcionado de sua força de trabalho. Tal mecanismo permite determinar como usar os recursos naturais, que ao serem engajados nesse processo, transformam-se em meios de produção. Marx distingue o trabalho, seu objeto e seus meios. Trata-se do trabalho adequado aos objetivos decididos, dos recursos em sua forma natural, dos meios de trabalho, que são materiais que já têm incorporado trabalho, ou seja, ferramentas. Os meios de trabalho e o objeto, juntos, constituem os meios de produção. Diremos que os meios de produção encerram a memória do processo de produção. E que é essa memória que dá continuidade ao processo produtivo. Nesse ponto, Marx reconhece a “indústria extrativa” como uma situação excepcional, em que o capitalismo opera com materiais gerados fora de seu processo de produção, entretanto, não cai na armadilha de considerá-la como anterior ao processo de produção capitalista. Significa que o sistema de produção capitalista continua beneficiando-se de produtos que são realizados mediante contato direto com a natureza, isto é, produção extrativa ou extração, que aderem à produção capitalista, mas não é realizada com capital acumulado95.
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95 Para nós, é fundamental rever a questão do componente de extrativismo na produção capitalista avançada subordinada. Não só em atividades claramente de extração, tais como busca de crustáceos e animais silvestres, mas como um componente disfarçado ou não reconhecido da composição de custos, tal como na indústria de construção civil, na produção de alimentos e bebidas e em diversos outros itens. Não se pode esquecer a importância das atividades extrativas na constituição do setor exportador das economias coloniais, nem o modo como os setores modernos usam esse componente primitivo para formar sua taxa de lucro.
O processo de valorização A valorização é o movimento de formação de valor obtido mediante a incorporação de trabalho para objetivos reconhecidos pelo capital, que aparece como formação de valor social, isto é, de valor reconhecido por todos. Consiste na incorporação da produção específica no processo geral da produção capitalista. Por isso, dizemos, a valorização envolve um problema de continuidade ou de descontinuidade na seqüência das atividades produtivas, onde os programas de produção elaborados pelos capitalistas partem de referências da experiência do processo de produção. Tal experiência se reflete nas listas de produtos e nas características técnicas dos produtos. Por ex., o hábito de produzir sapatos de couro. O produto quando terminado, é um valor de uso, que deve ser convertido em valor social, para que supere o valor desembolsado em sua produção. Para isso, o produto será julgado como valor social médio, que é a referência do sistema de produção capitalista em seu conjunto.
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Capital constante e capital variável Ao estabelecer os conceitos de capital constante e capital variável, Marx entra na constituição do processo de produção no qual se realiza a extração de mais valia. Capital constante e variável são, por assim dizer, os termos de uma proposição que é a produção, que através deles se revela em seu sentido histórico, já que o capital constante é o resultado “decantado” da produção ao longo do tempo96. Diremos que o valor atual do capital constante depende do modo como se combinam os diversos equipamentos para objetivos que são definidos depois que eles foram construídos. A questão em pauta é a agregação de valor que acontece na produção. Os meios de produção só incorporam o valor que perdem através de seu desgaste. “Conservar valor incorporando valor é um dom natural da força de trabalho posta em ação, da força de trabalho viva” (L. I., pp.156). “A parte do capital que se investe em meios de produção (...) não muda de magnitude” “Em troca, a parte do capital que se inverte em força de trabalho muda de valor no processo de produção” (L. I, pp. 158). Além de reproduzir sua equivalência, a produção capitalista cria um remanescente, que é a mais valia. Essa parte do capital se converte, constantemente, de constante em variável. Mas essa não é uma operação automática. Marx aponta dois argumentos para mostrar que é uma operação arriscada. Primeiro, porque envolve um tempo dentro do qual os diversos produtores
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96 Para nós, é fundamental rever a questão do componente de extrativismo na produção capitalista avançada subordinada. Não só em atividades claramente de extração, tais como busca de crustáceos e animais silvestres, mas como um componente disfarçado ou não reconhecido da composição de custos, tal como na indústria de construção civil, na produção de alimentos e bebidas e em diversos outros itens. Não se pode esquecer a importância das atividades extrativas na constituição do setor exportador das economias coloniais, nem o modo como os setores modernos usam esse componente primitivo para formar sua taxa de lucro.
podem alterar seus programas de produção. Segundo, porque liga expectativas microeconômicas com expectativas macroeconômicas97. As mesmas partes integrantes do capital, que do ponto de vista do processo de trabalho distinguimos como meios de produção e força de trabalho, do ponto de vista da valorização, distinguem-se como capital constante e variável. Observe-se nesse ponto, que Marx distingue o engajamento do trabalho numa dada composição de capital e sua conversão em capital variável, que significa que o trabalho se torna capital variável quando passa a fazer parte do período seguinte de produção.
Assim, na concepção de capital variável há uma dimensão de
continuidade na participação dos trabalhadores concretos na produção. Diremos que isso também significa que quando eles são excluídos do processo de produção deixam de ser capital variável. Está claro que a valorização atual do capital constante depende de que haja capital variável que seja compatível com ele, isto é, de que o trabalho que hoje se realiza seja historicamente contínuo com o que se fez antes.
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97 Nós vamos incluir um terceiro argumento, que resulta do fator de risco que se encontra na possibilidade de alteração tecnológica no momento de comercialização dos produtos.
Produção e extração de mais-valia Preliminares Por mais-valia, Marx entende a captação de valor gerado pelo trabalho integrado na produção capitalista e que excede a magnitude que os trabalhadores recebem de volta. Isso significa que é uma magnitude de valor que só acontece na produção capitalista 98. Significa, também, que ela resulta do poder do capital, de usar força de trabalho para objetivos e segundo programas de produção que ele decide. Por isso, a extração de mais-valia é inseparável do movimento de alienação pelo qual os trabalhadores são primeiro privados dos produtos que produziram e depois são privados de seus instrumentos de trabalho. Ao concluir-se a produção dos produtos, a mais valia fica em estado latente, na forma material de produtos, até ser realizada, isto é, até os produtos serem vendidos e convertidos a um fluxo de dinheiro, cujos destinos são decididos pelo capital. Isso significa que a mais valia está na esfera do valor, enquanto o lucro está na esfera dos preços. A conversão da mais-valia em lucro é a conversão de valor em preços, que é o mecanismo pelo qual as produções individuais se integram no mercado. A explicação da extração de mais-valia requer que se expliquem os grandes mecanismos que dão lugar ao seu aparecimento. Nesse sentido, Marx dedica um grande espaço ao estudo da
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98 Isso levanta para nós um problema que não preocupa aos teóricos que se sentem parte do poder hegemônico mundial, qual seja, de como ver o valor extraído da periferia da produção capitalista e realizado por atividades extrativas. O comando – direto ou indireto – desse trabalho gera ou não mais valia. Vamos entender que sim, porque essa produção periférica está indiretamente controlada. Mas não é uma transação garantida.
divisão do trabalho e ao da maquinaria e da grande indústria. Noutras palavras, a extração de mais valia num determinado ponto do sistema implica nas inter-relações entre esse ponto e os demais pontos do sistema. A extração de mais valia não se realiza exclusivamente num estabelecimento produtivo, senão no sistema produtivo. Marx distingue a mais-valia absoluta, que se extrai numa dada situação de produção, a mais-valia relativa, que o capital capta de variações na organização técnica da produção; e a mais-valia absoluta e relativa, que é a combinação dos aspectos anteriores. São aspectos de uma realidade que só se vê por inteiro na visão da mais-valia absoluta e relativa. O perfil do problema apresenta-se na primeira parte – Quota e massa de mais-valia – onde Marx trata explicitamente dos aspectos quantitativos e somente em parte de modo explícito, dos aspectos qualitativos. Trata-se de que se identifica a quota de mais-valia e a massa de mais-valia que acontecem em cada situação específica de produção. Mas não trata de como essa mais-valia está constituída qualitativamente, isto é, de qualificação dos trabalhadores. A extração de mais-valia varia ao longo da formação do capital e depende do modo como ela se produz que, por sua vez, depende de uma condição técnica da produção. Há uma proporcionalidade entre as despesas com trabalhadores e com meios de produção: “Para valorizar uma parte do capital investindo-o em força de trabalho, não há mais remédio que investir outra parte em meios de produção” (L.I., pp. 162). Na verdade, em cada forma de produção há um potencial de mais valia que pode ser produzida e captada, segundo a atividade contemplada pode absorver capital e enseja contratação de trabalho99; e a seguir, há uma proporcionalidade específica de mais-valia, que pode ser produzida nas atuais condições técnicas de produção.
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99 Essa primeira variante não seria necessária ao desenvolvimento do argumento de Marx, mas é fundamental para quem se preocupa com as margens de possibilidade de aplicações de capital nas economias periféricas, porque rompe com o argumento da falta de demanda, para trabalhar com a premissa de que o capital sempre opera em função do mercado mundial, ao qual se dispõe a dirigir-se em função da mais valia total que consegue obter em sua base de origem.
Esse mecanismo se entende ainda melhor, quando se vê que há um aspecto interno e outro externo à produção, no que se refere à mais-valia. O aspecto interno é o que está indicado pela produção específica; e o externo, o que resulta do trabalho socialmente necessário nessa produção, que é um dado do sistema de produção em seu conjunto. A taxa de mais-valia, p/v (mais valia sobre capital variável) reflete as condições históricas concretas da produção específica. Em cada situação específica, isso corresponde a uma relação entre trabalho excedente/trabalho necessário, que indica as condições de extração da mais-valia em cada situação específica de produção100.
A jornada de trabalho Um esclarecimento sobre a jornada de trabalho é parte da explicação de Marx sobre a mais valia absoluta, ocupando uma extensa parte desse texto. Introduz-se aqui como um parágrafo especial subordinado da discussão geral sobre mais valia, que prosseguirá a seguir. Em torno da jornada de trabalho se materializam os interesses dos capitalistas e os dos trabalhadores. A jornada de trabalho é a expressão do regime de uso de trabalho na produção, que indica as condições do contrato de trabalho. Além da luta social acerca do esforço de trabalho, os interesses do capital e do trabalho se definem em torno do número de horas de trabalho, porque
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100 Tornou-se imperativo examinar esse mecanismo com cuidado, dado um encaminhamento equivocado, que se difundiu na literatura histórica ocidental de desenvolvimento e de sub-desenvolvimento, inclusive de autores marxistas. Refere-se a uma aparente confusão entre taxa de mais valia e excedente, bem como entre as condições técnicas de formação de excedente e as condições históricas concretas de extração de mais valia. Hoje interessa muito menos indicar os autores responsáveis dessa confusão, que restabelecer o rumo da reflexão.
é onde se realiza o controle sobre a totalidade do tempo dos trabalhadores, inclusive daquelas horas não contratadas. A noção de jornada de trabalho em Marx é um dos pontos em que a análise do capital está mais claramente apoiada em pressupostos da produção fabril. Depende de que o processo de produção funcione mediante tarefas previamente conhecidas e semelhantes, que podem ser desempenhadas alternativamente por todos os trabalhadores, ou pela maioria deles. É essencial, para que se veja como funciona a extração de mais valia. Por isso, é como um parafuso central da construção teórica. A jornada de trabalho compõe-se de trabalho necessário e de trabalho excedente. Observe-se que a noção de necessário aqui se refere ao trabalho socialmente necessário (o trabalho necessário para repor as forças produtivas gastas na produção) para aquele objetivo de produção, bem como envolve o significado de necessário para repor as forças do trabalho (L. I., pp.177 e 178). Isso significa que o trabalho socialmente necessário diminui segundo os aumentos de produtividade e que essa diminuição do trabalho socialmente necessário corresponde a um aumento da taxa e da massa de mais valia. Por isso, a jornada de trabalho é uma magnitude que varia dentro de certos limites, em que o mínimo é indeterminado, enquanto o limite máximo é dado pelas forças físicas dos trabalhadores; e há limites éticos historicamente variados, mas acrescentamos que sempre dependem da qualificação ou desqualificação do trabalhador como um outro (sujeito) equivalente ao detentor de poder. Historicamente, a determinação da jornada de trabalho é o resultado de conflitos de interesses entre capitalistas e trabalhadores, em que desempenham
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papel especial a pressão demográfica no mercado de trabalho e a oferta de postos de trabalho por parte do sistema produtivo101. Marx oferece abundantes exemplos, desde a antiguidade até a produção industrial, destacando as diferenças entre as situações em que os trabalhadores não têm perspectiva alguma de mudar de situação; e as situações em que surgem condições de melhoria, dadas no contexto de organização da produção, pelo desenvolvimento de uma capacidade de defesa dos interesses dos trabalhadores102.
Taxa e massa de mais-valia absoluta A concepção da mais-valia absoluta parte de uma situação hipotética, em que o valor da força de trabalho necessária para reposição do gasto social de trabalho se mantém invariante. É uma simplificação, que tem que ser tratada como uma situação especial, no contexto de uma teoria dinâmica como a de Marx. É uma simplificação, que não considera as qualificações contidas na composição do capital. Mas, observa-se que, logicamente, Marx não podia trabalhar esse aspecto nesse ponto, já que a questão da composição só aparece adiante, quanto trata da mais-valia relativa. Na verdade, é uma estimativa da apropriação de valor num período de produção, quando a massa total de mais-valia pode ser representada por uma dada taxa de mais-valia. É um raciocínio que se refere a uma dada força de trabalho e a uma dada tecnologia, portanto, que tem
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101 Esse é um ponto de especial interesse para a análise das economias periféricas – ex colônias – onde o sistema produtivo jamais foi capaz de integrar todas as pessoas que precisam trabalhar. 102 O tema reveste-se de óbvia importância para a atualidade da periferia avançada da economia mundial. A jornada aparentemente se dilui com a queda do assalariamento, mas de fato, permanece, como referência da determinação das remunerações e como base de cálculo de tempo, segundo tarefas incomparáveis. Por exemplo, jornada em atividades que exigem muita concentração. Não é o mesmo em atividades que se definem por tarefas semelhantes – no que se passou a chamar de ambiente fordista - ou por tarefas criativas ou individualizadas. Há um problema de jornada de trabalho ligado à disputa em torno do trabalho aos domingos e do pagamento de horas extra, que são duas estratégias do capital para estender a jornada de trabalho.
que ser ajustado para refletir as alterações inerentes à incorporação de tecnologia e aos ajustes na organização da produção. A descrição do fenômeno é simples, o que é complexo é determinar os aspectos estruturais que estão por trás dessa igualdade simples. A mais valia absoluta reflete uma situação de uso de trabalho, antes que sobre ela intervenha qualquer decisão do capital sobre sua capacidade de alterar a organização do trabalho.
A produção de mais-valia relativa Para realizar essa tarefa, Marx desenvolve uma teoria do valor, que parte da distinção de Aristóteles entre valor de uso e valor de troca, mas que avança sobre as condições sociais da formação do valor de uso – no ambiente de cooperação doméstica e ligado à materialidade da utilidade dos resultados da produção – mostrando como a organização do trabalho empregado na produção de valor de uso constitui a base para a produção de valor de troca. O valor de uso permanece na sociedade capitalista moderna, representando a utilidade que se atribui diretamente ao tempo controlado pelo trabalhador. De nossa parte, observamos que o tempo que o trabalhador extrai do mercado para seu próprio uso – tempo que despende melhorando sua moradia ou produzindo alimentos para seu próprio consumo – é um manejo de valor de uso que ele controla contrapondo-se ao capital.
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103 Observaremos que essa regra tem que ser qualificada, para refletir o modo de funcionamento das economias coloniais e das periféricas pouco industrializadas. Ali, a extração de mais valia se faz praticamente sem reduzir o trabalho socialmente necessário, simplesmente mantendo os trabalhadores com pagamentos mínimos, mediante o controle das oportunidades de contratação.
A questão essencial é que a redução do trabalho necessário permite aumentar o trabalho excedente, portanto, ampliar a extração de mais-valia103. O capital tem o controle da composição do capital, que lhe permite administrar as tecnologias e os trabalhos a serem empregados. O controle da tecnologia permite reorganizar a produção, de modo a aumentar a produtividade, inclusive controlando o tempo de trabalho, portanto, com a possibilidade de aumentar a massa de mais valia. A extração de mais valia relativa é o modo do capital de abastecer sua expansão. A mais valia relativa surge como parte do movimento geral de concentração do capital, que tem lugar, simultaneamente, na esfera da fábrica e na da gestão dos capitais. Por isso, esse movimento surge da divisão do trabalho e da concentração do capital industrial. Há uma relação orgânica entre o modo como se produz valor de troca hoje e as condições de desenvolvimento da economia nacional onde isso acontece, já que o valor de troca depende da eficiência do sistema produtivo. Nas palavras de Marx, “o que determina a magnitude de valor de um objeto não é mais que a quantidade de trabalho socialmente necessário, isto é, o tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção” (L.I, pp.7 &2) E continua “A magnitude de valor de uma mercadoria permaneceria invariável se também permanecesse constante o tempo de trabalho necessário para sua produção. Mas isso muda ao mudar a capacidade produtiva do trabalho” Mas há um inevitável componente de acaso subjacente no valor de uso do produto das minas, onde se pode computar o trabalho socialmente necessário para extrair minério e processar, mas onde não se pode garantir de antemão quanto minério se encontra em cada mina. O valor de troca contém, insumido, o valor de uso e vem a ser a forma final de valor percebida pela sociedade econômica. Assim, a
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teoria do valor revela-se como teoria da mercadoria, que é tudo aquilo que é produzido para ser trocado, independentemente de qual seja seu uso final. Essa será a primeira instância da teoria do valor, em que se passa a ver a variedade das formas de valor necessárias em cada situação do desenvolvimento das forças produtivas ou do sistema produtivo em seu conjunto. É nessa pluralidade cambiante que se situam as diversas formas de valor de uso e onde se estabelecem as condições de comparabilidade entre mercadorias, portanto, onde surgem a forma relativa e a forma equivalencial de valor. A forma relativa compara os componentes de valor de uma mercadoria frente às demais e a forma equivalencial refere-se à comparabilidade das mercadorias em termos de seu componente de valor. O desenvolvimento da produção faz com que a equivalência compreenda mais complexidade, revelando o papel do dinheiro como e enquanto elemento que representa essa comparabilidade. O dinheiro torna-se o veículo das trocas, por tanto, da comercialização da produção104. Há uma relação orgânica entre o modo como se produz valor de troca hoje e as condições de desenvolvimento da economia nacional onde isso acontece, já que o valor de troca depende da eficiência do sistema produtivo. Nas palavras de Marx, “o que determina a magnitude de valor de um objeto não é mais que a quantidade de trabalho socialmente necessário, isto é, o tempo de trabalho socialmente necessário para sua produção” (L.I, pp.7 &2) E continua “A magnitude de valor de uma mercadoria permaneceria invariável se também permanecesse constante o tempo de trabalho necessário para sua produção. Mas isso muda ao mudar a capacidade produtiva do trabalho” Mas há um inevitável componente de acaso subjacente no valor de uso do produto das minas, onde se pode
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104 Nas nossas reflexões sobre a economia colonial e sobre os modos como ela se converte em economia periférica da produção capitalista mundialmente integrada, teremos que examinar as diferenças de monetização das relações de produção coloniais e de ver o papel desigual do dinheiro nas diversas situações de periferia da acumulação mundial. Vemos que o controle da conversibilidade – desde os tempos do controle da oferta de prata – é o mecanismo central da colonização, que por esse meio cria uma diferença fundamental entre as metrópoles e as colônias, onde estabelece as condições de reprodução do capital na esfera das colônias.
computar o trabalho socialmente necessário para extrair minério e processar, mas onde não se pode garantir de antemão quanto minério se encontra em cada mina. O valor de troca contém, insumido, o valor de uso e vem a ser a forma final de valor percebida pela sociedade econômica. Assim, a teoria do valor revela-se como teoria da mercadoria, que é tudo aquilo que é produzido para ser trocado, independentemente de qual seja seu uso final. Essa será a primeira instância da teoria do valor, em que se passa a ver a variedade das formas de valor necessárias em cada situação do desenvolvimento das forças produtivas ou do sistema produtivo em seu conjunto. É nessa pluralidade cambiante que se situam as diversas formas de valor de uso e onde se estabelecem as condições de comparabilidade entre mercadorias, portanto, onde surgem a forma relativa e a forma equivalencial de valor. A forma relativa compara os componentes de valor de uma mercadoria frente às demais e a forma equivalencial refere-se à comparabilidade das mercadorias em termos de seu componente de valor. O desenvolvimento da produção faz com que a equivalência compreenda mais complexidade, revelando o papel do dinheiro como e enquanto elemento que representa essa comparabilidade. O dinheiro torna-se o veículo das trocas, por tanto, da comercialização da produção.
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Mais-valia absoluta e relativa A realização desse percurso da formação de valor depende de que as mercadorias sejam levadas ao mercado, isto é, que sejam expostas ao jogo de trocas. A compreensão de mais valia aparece em sua forma plena na forma conjunta de mais valia absoluta e relativa. Para explicá-la, Marx examina a transformação da produção industrial, desde a etapa das manufaturas até a da produção fabril. Para fins de ordenamento temático desta exposição, para reunir num mesmo espaço as observações sobre a produção industrial, apresenta-se a seguir um breve comentário sobre a mais valia absoluta e relativa. A visão conjunta da mais valia significa a leitura histórica da estrutura da captação de mais valia, que desse modo é situada nos processos históricos específicos de produção. A extração de mais valia acontece numa variedade de situações, que são parte de processos com diversas velocidades de renovação tecnológica e organizacional. Na realidade, só existe essa mais valia conjunta, que envolve a variedade de situações historicamente próprias de cada sociedade em cada momento. O essencial é que a mais valia absoluta e relativa mostra o controle universalizado do trabalho por parte do capital, que passa a considerar-se possuidor da força de trabalho e senhor das oportunidades de trabalho dos trabalhadores e não só do tempo de trabalho comprado. A compra de tempo dá um poder indireto aos capitalistas, que aparece em sua capacidade de gerar produção monopolista.
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A questão especial da acumulação primitiva Nesta seção apresenta-se uma digressão que foge da estrutura geral deste estudo, em que representa uma reflexão destinada a contrastar mais diretamente um tema da estrutura de O Capital com um mecanismo fundamental da acumulação na periferia do capitalismo. É preciso distinguir a acumulação primitiva na origem do sistema capitalista de produção de acumulação primitiva nos segmentos primitivos da produção. Para nós, a acumulação primitiva se realiza porque a produção capitalista usa a produção extrativa ou de mais baixa tecnologia como um recurso complementar para controlar custos. Por exemplo, a extração de bambu nativo não plantado como ingrediente da matéria prima para produção de papel. A participação de formas primitivas de captação de valor é um componente essencial da formação econômica dos países periféricos até a atualidade. É um aspecto que terá que ser mais desenvolvido, para tratar da problemática da periferia do capitalismo, justamente, marcada pela colonização. O que se entende como acumulação primitiva na obra de Marx, isto é, anterior ao processo capitalista de formação de capital, reveste-se de importância decisiva para o estudo da periferia da acumulação capitalista, especialmente, para tratar da experiência das economias periféricas diversificadas, tal como a brasileira. Marx trata de acumulação primitiva (L. I., cap.XXIV) como daquela obtida mediante a desorganização violenta de formas de produção existentes. Pressupõe movimentos anteriores regressivos da própria sociedade, tal como
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aconteceu na própria Inglaterra que ele estudou. Para nós, há qualificações substanciais relativas à colonização. Aplica-se ao momento inicial da conquista do México e do Peru. Mas não trata do papel do controle da extração vegetal, animal e mineral, que foi a base do sistema colonial e continuou como um componente essencial do subsolo da periferia da acumulação e que é aproveitada pelos capitais dessa periferia e pelos que a ela continuam a afluir, com a mesma perspectiva colonial. O pressuposto essencial da acumulação primitiva, tal como se vê na perspectiva da América, é a capacidade de impor e controlar trabalho compulsório, que é algo que pode ser feito e que é feito dentro da esfera da produção capitalista.
A divisão do trabalho: artesanato, manufatura, produção fabril. A
questão da divisão do trabalho é fundamental na organização da produção capitalista,
tornando-se necessário revisa-la, desde sua formulação consagrada por Adam Smith. Marx modificou radicalmente o tratamento desse tema, vinculando-o às condições operacionais da produção e revelando a combinação de aspectos quantitativos e qualitativos envolvidos na divisão do trabalho, com suas conseqüências no aperfeiçoamento do produto e do produtor, mas com suas conseqüências na degradação do trabalhador. É a modalidade de cooperação posta de
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pé pela produção industrial. Não é um princípio genérico, limitado genericamente pela demanda, senão está historicamente ligado às formas concretas de produção, desde o pequeno ao grande artesanato, da pequena à grande manufatura e à produção fabril. No essencial, para Marx, a divisão do trabalho é m mecanismo de controle dos trabalhadores por parte dos capitalistas. Por extensão, a divisão do trabalho se diferencia entre cidade e campo. Não é uma separação espontânea, senão uma distinção conduzida na manufatura, que criou uma visão de espaço econômico nacional. Para Marx, as cidades conduzem os processos de transformação do sistema capitalista de produção, constituindo-se nos lugares por excelência onde avança a divisão do trabalho. Por exemplo, a referência a tais ou quais tipos de seda, de relógio, de queijos etc. Marx distingue duas formas fundamentais da manufatura, que são a heterogênea e a orgânica, significando diversidade e interdependência dos elementos envolvidos na divisão do trabalho, com o papel do operário coletivo, que representa essa interdependência. A projeção das conseqüências dessas manufaturas resulta em divisão do trabalho dentro da manufatura e na sociedade em seu conjunto. Em síntese, trata-se da divisão do trabalho alcançada pelo sistema de produção, compreendendo sua pluralidade atual e de formas e suas possibilidades específicas de aprofundamento. Quanto pode avançar a divisão do trabalho na produção de alimentos e quanto na de equipamento eletrônico? A divisão do trabalho é um processo de escala internacional, tanto como o sistema de produção está internacionalizado; e pode avançar, segundo o modo de internacionalização rebate
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em cada uma das atividades envolvidas. Nesse sentido, a divisão internacional do trabalho torna-se o modo de controle internacional da economia, que passa a ter um caráter regional e a decidir sobre as questões locais da produção. Historicamente, a produção evoluiu, desde o artesanato em pequena escala, a concentrações de produção artesanal. O aparecimento das manufaturas mudou decisivamente as condições de divisão do trabalho. Enquanto no artesanato predomina, de modo quase exclusivo, a habilidade individual, a manufatura se faz mediante uma organização da produção baseada em divisão do trabalho, com a substituição de ferramentas individuais dos artesãos por um conjunto de equipamentos utilizados pelo conjunto. Marx dedica uma atenção especial a analisar as peculiaridades das manufaturas, vendo-as como as bases técnicas e organizacionais da indústria propriamente dita. Na indústria, a produção passa a ser organizada em torno de um uso sistemático de um conjunto integrado de maquinaria, que passa a determinar o modo de participação dos trabalhadores. A concepção desse conjunto de maquinaria é uma projeção de uma compreensão do processo produtivo, que se torna um diferencial de conhecimento dos capitalistas. Para alimentar a visão retrospectiva da formação da indústria, é preciso esclarecer que se entende por artesanato, por manufatura e por indústria na obra de Marx, e qual o papel especial que ele atribui à manufatura. O artesanato. Para apresentar uma visão de conjunto atualizada do encadeamento das formas de organização, especialmente, de modo a contemplar o leque de pluralidade das sociedades periféricas, parece necessário considerar o artesanato como a forma desenvolvida do
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trabalho individual, que aparece como produção pulverizada; e indiretamente articulada pelo mecanismo de comercialização. Em função do artesanato, coloca-se a distinção feita por Marx, entre os trabalhadores que possuem seus próprios instrumentos de trabalho e os que não os têm. Mas, obviamente, é preciso situar historicamente a esfera de atividades genericamente denominada de artesanato, bem como reconhecer suas funções em relação com a reprodução do capital e com as condições de consumo105. A manufatura.
Marx atribui um papel essencial à manufatura, como atividade
capitalista representativa da produção fabril, que aprofunda a especialização dos trabalhadores individuais, mediante avanços na organização da produção e na comercialização. Distingue as condições históricas da formação da manufatura – sobre a experiência da Europa ocidental – e os aspectos organizacionais, apontando às manufaturas que se situam em linha com o desenvolvimento da produção fabril. Como diz o próprio Marx, não há limites nítidos entre a esfera da produção manufatureira e a fabril. Historicamente, Marx vê as manufaturas de dois modos: como resultado de iniciativas de capitalistas que reúnem especialidades diferentes e complementares e como iniciativas que concentram competências similares e ganham em escala. Sobre esses dois tipos de experiência, destaca os aspectos de heterogeneidade e de organicidade, que, finalmente, resultam em divisão do trabalho dentro da manufatura e dentro da sociedade em seu conjunto106.
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105 Neste ponto, introduziremos duas qualificações na discussão do artesanato. Primeiro, distinguir o artesanato utilitário do simbólico, ou seja, o que interage no consumo cotidiano e o que atende demandas religiosas e dos mitos integrados culturalmente na sociedade. Segundo, distinguir níveis de qualidade dos produtos do artesanato, entre os requisitos de exigência dos diversos grupos em cada sociedade, desde o artesanato para elaboração de objetos altamente especializados e para objetos de uso comum. Esses dois critérios sustentam uma classificação básica do artesanato, que é igualmente válida para analisar sociedades industriais e préindustriais. 106 No estudo da experiência brasileira, a análise da manufatura é fundamental, devendo-se vê-la não só como antecessora da produção fabril, senão como sua subordinada e como uma situação que não necessariamente leva à produção
Maquinaria e grande indústria A capacidade
de cada capitalista individual de extrair mais valia relativa depende de sua
capacidade de aprofundar seu capital constante – ou aumentar a densidade de capital por homem ocupado - mediante maquinaria. Essa capacidade é desigual entre capitalistas e varia ao longo do tempo e segundo a composição de aplicações dos capitais. A constituição de conjuntos de maquinaria resulta em condições diferenciadas de controle da jornada de trabalho, assim como de controle da contratação de trabalhadores. Mas a constituição de conjuntos de maquinaria reverte a relação dos trabalhadores com a máquina “Na manufatura e na indústria manual, o operário se seve da máquina, na fábrica ele serve à máquina” (L.I., pp. 549). A maquinização desloca operários de suas posições de trabalho, com a conseqüência imediata de deprimir suas condições familiares, afetando as remunerações e pressionando a participação das mulheres com salários mais baixos. Esse movimento geral de deslocamento deu lugar à discussão sobre supostas compensações - muito atuais107 - que alguns empregos sejam compensados por outros. Não é, portanto, que a mesma intensificação do capital leve a outras opções de investimento, senão que a expansão da grande indústria se detém diante de limitações de mercado. Diante da referência de mercado, a grande indústria passa a condicionar a pequena indústria, a manufatura e o trabalho autônomo. Isso destrói a forma anterior de cooperação – ou de organização – entre as indústrias e substitui por outra, comandada pela grande indústria. Com a ligação entre a
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fabril. Há renovação e substituição na esfera da produção manufatureira, que atualizada, como um departamento dependente do capital industrial. Na reprodução das economias periféricas avançadas, tal como a brasileira e a mexicana, há um importante componente de manufaturas, inclusive com níveis muito diferenciados de densidade de capital, de tecnologia e de qualificação dos recursos humanos. Longe de uma situação seqüencial, de que as manufaturas são, necessariamente, substituídas pela produção fabril, elas se vêm como um componente especial do sistema de produção, que opera com uma baixa proporção de equipamentos mas com um elevado componente de trabalho qualificado. 107 Essa discussão voltou, nos dias de hoje, com a suposta substituição de empregos industriais por empregos em serviços, que simplesmente os empregos em serviços correspondem ao aumento do capital constante na indústria e na agricultura.
operação do grande e do pequeno capital, hoje, é preciso raciocinar em termos de que a intensidade de trabalho na produção realizada pelo grande capital pré condiciona a intensidade e a regularidade do trabalho realizado pelo pequeno capital.
Cooperação O capítulo sobre cooperação é um grande parágrafo, logicamente subordinado na estruturação da argumentação do Livro I, que trata dos modos de organização historicamente formados, antes que das formas organizacionais. Mas trata dos modos organizacionais como de algo estritamente objetivo, que deve ser explicado como um recurso social, que é mobilizado para a produção capitalista. Concretamente, a cooperação é o mecanismo do trabalho coletivo. Viabiliza atividades que de outro modo não poderiam ser realizadas e amplia as possibilidades de trabalho em atividades que são executadas. Mesmo quando se trata de trabalhos similares, a organização do esforço resulta em aumento da capacidade efetiva de trabalho. Há tarefas muito simples, que só são possíveis mediante cooperação. Os exemplos mais óbvios são os de colheitas e de pesca, que demandam muito trabalho simples simultâneo, mas isso se estende até às formas pré históricas de caça. Por isso, se bem que o trabalho combinado é essencial à produção capitalista, não pode ser reduzido aos seus usos no ambiente do capitalismo.
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No entanto, a produção capitalista impõe certos tipos de cooperação que determinam subordinação e desqualificação dos trabalhadores. No essencial, os capitalistas podem cooperar como querem, mas os trabalhadores só podem cooperar segundo estão inscritos na produção nos mesmos e determinados capitais. É onde vai entrar nossa análise do colonialismo e da criação de meios de diferenciação entre a esfera da produção central do grande capital e a de seus desdobramentos periféricos.
Modos de composição do capital Um dos principais pontos em que os economistas formados na tradição marginalista revelam dificuldade de entender Marx, é a noção de composição, especialmente, do modo como ela foi desenvolvida, para explicar a formação do capital. Quase sempre procuram assimilar a composição do capital ao perfil da demanda, assim como tentam usa-la como categoria de análise instantânea. Com isso, perdem de vista o essencial, que é o sentido genético da composição108. Há uma diferença fundamental entre a noção de composição enquanto magnitude dinâmica e de estruturação. Na prática, a diferença entre o estilo de análise de Marx e o de Leontief com seu quadro de inter-relações inter-industriais. Tal como notou Lucien Goldmann, a visão Walras – Leontief das inter-relações inter-industriais é uma redução conceitual da visão dinâmica de Quesnay.
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108 O conceito de composição do capital é um dos pontos onde se registra nitidamente a origem hegeliana do pensamento de Marx: “A coisa não se reduz ao seu fim, senão se encontra em seu desenvolvimento, nem o resultado é o todo real, senão que o é em união com seu tornar-se” G.W.F.Hegel, Fenomenologia do Espírito, pp.8).
O conceito de composição do capital foi introduzido por Marx, como referência do significado orgânico do capital, essencialmente, para representar a combinação de aspectos sociais e técnicos do capital, com sua valorização dependendo dessa mesma combinação. Representa um processo – dinâmico – e não pode, por isso,ser confundido com os conceitos de estrutura e de agregação de fenômenos tal como se faz na macroeconomia de inspiração keynesiana. Como um exemplo nosso, o valor social das ferrovias depende do modo como elas estão incluídas no sistema produtivo, assim como depende de que o trabalho neles realizado seja compatível com o conjunto de componentes técnicos que se tem acumulado ao longo do processo109. O conceito de composição ganha mais complexidade com a progressão do sistema capitalista de produção, quando os componentes materiais do capital correspondem a diferentes condições de acumulação no trabalho. A noção de composição do capital é parte essencial da explicação da mais valia relativa, que é extraída mediante o controle dos movimentos de renovação de técnica e de trabalho, que também tem sido equivocadamente entendido como baseado no controle de tecnologia. A mais valia relativa é obtida por conta do controle da composição do capital. Assim, uma visão de conjunto da questão da composição é fundamental, para fechar a linha de argumentação que explica a produção de capital. A composição do capital pode ser esquematizada tal como a seguir.
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109 Daí emerge uma noção de capital, que é muito mais complexa e profunda que a chamada heterogeneidade do capital trabalhada por Piero Sraffa e Joan Robinson, por não dizer que impugna a noção de capital homogêneo utilizada pelos economistas neoclássicos em geral.
DIAGRAMA 3 A composição do capital Capital constante (relativa a valor) composição de valor Composição orgânica do capital (relativa a matéria) composição técnica
Capital variável Meios de produção Força de trabalho
A composição de valor + composição técnica = composição orgânica. A introdução da noção de composição do capital abre espaço para a análise de dois aspectos fundamentais de uma economia política dinâmica110, que são os de (a) reconhecer a relação entre as tendências dos usos de recursos materiais e de trabalho; e (b) reconhecer que o comportamento cíclico da economia mundial tem diferentes rebatimentos locais, segundo a composição do capital em cada país e em cada região.
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110 Cabe referir aqui a compreensão de Economia Política expressada por Engels: “A economia política é, em seu sentido mais amplo, a ciência das leis que regem a produção e o intercâmbio dos meios materiais de vida na sociedade humana. Produção e intercâmbio são duas funções distintas. A produção pode ter lugar sem intercâmbio, mas o intercâmbio – precisamente por ser intercâmbio de produtos – não pode acontecer sem produção(...)Ambas (essas funções) se condicionam reciprocamente em cada momento (...).F. Engels, Anti Dühring, pp. 139.
A condição dos trabalhadores: renda salarial, intensidade da ocupação e vida útil no mercado de trabalho A seção VI do Livro I de O Capital - caps. XVII, XVIII e XIX – está dedicada à análise do salário ou de forma mais ampla, aos rendimentos dos trabalhadores.. Mas a visão do tratamento desse tema envolve diversos outros elementos, que cobrem a extensão do assalariamento na formação e transformação da produção capitalista e como meio de participação da estruturação de classes e de sua transformação. São três níveis de questionamento: quanto e quantos o capital assalaria e quanto paga pelo trabalho que compra e qual o papel do salário na mobilidade dos trabalhadores? O ponto de partida, certamente, é estabelecer a quantas pessoas o capital assalaria. O interesse do capital está em contar com um grande número de pretendentes a trabalhador, que é um número de pessoas que são deslocadas de outras atividades, ou que em todo caso estão disponíveis para serem contratadas. Esse interesse é o que está tratado no capítulo sobre acumulação primitiva. Esse é o modo de manter a pré-condição de uma disponibilidade de trabalho barato111. A questão social do trabalho começa a aparecer através da contradição entre a necessidade do capital em geral, de contar com um mercado de trabalho organizado e os
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111 Não gostaríamos de confundir essa pré-condição histórica com a forma estática - ou indeterminada – de colocar o problema como de uma oferta ilimitada de mão de obra, tal como na versão de W. A Lewis.
objetivos dos capitais específicos, de lucrarem com a mais valia relativa, para o que precisam de um ambiente contumaz de desemprego. No relativo aos salários no processo social de produção do capital, Marx ressalta os seguintes aspectos. O que gera valor é o trabalho objetivo que se realiza, mas o capitalista compra força de trabalho e fica com a iniciativa de direcionar a força de trabalho como melhor lhe convém. O trabalhador tem que comparecer a esse mercado desigual e irregular, porque não tem como vender seu trabalho de modo independente do capital. O capitalista encontra-se no mercado de trabalho com trabalhadores e não com o trabalho, pelo que usa suas vantagens de controle de mercado sobre o potencial de trabalho. O trabalho que se materializa torna-se propriedade do capitalista. Nesse mercado de trabalho, o valor e os preços da força de trabalho se transfiguram em salário. Nesse contexto, “o regime do dinheiro esconde o tempo que o operário assalariado trabalha grátis” (L.I , pp. 452).
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A reprodução simples Há um problema especialmente complicado no relativo à chamada reprodução simples, que, de fato, descreve as condições imediatas de reprodução do sistema. Ao mostrar que o funcionamento do sistema transforma todo capital, mais tarde ou mais cedo, em capital acumulado ou em mais valia capitalizada, (L.I, pp. 479), Marx aponta ao sentido implícito do capital, que opera com a lógica da acumulação. Mesmo se observado em suas determinações imediatas, o capital tende a acumular. De fato, ou há acumulação ou há desvalorização.
A transformação da mais-valia em capital Nesta parte revela-se plenamente a compreensão de que o movimento do capital é uma espiral que se estende segundo as condições ambiente que permitem a reinserção da mais valia no processo de reprodução do capital. A transformação da mais valia em capital se realiza segundo a capacidade dos capitalistas de operarem plenamente com seu capital no mercado de produtos, que lhes permite operarem com controle do mercado local de trabalho. Trata-se, portanto, de
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condições operativas dos capitais específicos, que chegam a condições também específicas de mercado.
O movimento geral da acumulação do capital Os elementos apresentados por Marx até esse ponto constituem o conjunto da análise dos fundamentos que permitem iniciar a discussão do movimento de acumulação de capital. Esse movimento é exposto de modo progressivo, primeiro na esfera da produção propriamente dita e depois – tal como exposto no Livro III – no relativo à produção capitalista em seu conjunto. Na primeira aproximação examina os mecanismos internos da acumulação, que giram em torno da produção e captação de mais valia, resultando na primeira abordagem da reprodução do sistema, que é a de uma reprodução com alterações não significativas do valor acumulado 112 e dos conjuntos de tecnologias utilizadas113. Esta primeira abordagem da acumulação desdobra-se em quatro pontos interdependentes, que são: a conversão da mais valia em capital, a composição do capital, a acumulação primitiva e a acumulação na esfera do sistema de produção. Veremos adiante que o movimento geral de acumulação não se contém nesses termos e que só se completa quando engloba a esfera política como mecanismo complementar da esfera econômica.
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112 A argumentação apresentada no capítulo XXI sobre a reprodução simples do sistema produtivo supõe condições invariantes, que só são explicáveis em períodos com duração irrelevante, que é um modo de dizer, em estática. Mas o encaminhamento da análise não permite supor tempo nulo. Assim, a abordagem correta é de raciocinar em termos de tempo limite e jamais de estática. 113 A situação combinada de valor e tecnologia é tratada por Marx adiante, no capítulo XXIII, no relativo à composição do capital – ver diagrama 3 – ao iniciar a exposição das condições da acumulação.
A conversão da mais-valia em capital é o mecanismo mesmo da acumulação, que se processa sobre a progressão de alterações da composição do capital. “A conversão da mais valia como capital ou a reversão a capital da mais valia chama-se acumulação de capital,” L.IIIpp.488, “Analisada de um modo concreto, a acumulação se reduz à reprodução do capital em escala progressiva” L.III, pp. 490. Uma observação inevitável neste caso é que a acumulação ganha novos contornos e novo significado à medida que avança o próprio processo do capital. Mas a recondução da mais valia ao processo de produção depende da possibilidade prática de eles serem efetivamente utilizados, como meios de produção e como meios de vida, isto é, de sua utilidade futura, ou seja, que a acumulação é um mecanismo progressivo, que se realiza numa trajetória não garantida: “ a mais-valia só é susceptível de transformar-se em capital, porque o produto excedente, cujo valor a representa, já encerra os elementos materiais de um novo capital (L.I, pp.489) , “reproduzindo-se em forma de capital”( LI, 490). Isso significa que esse excedente se materializa como meios de produção e como meios de vida, portanto, reproduzindo o capital e reproduzindo o trabalho. É o trabalho adicional deste ano que cria o capital necessário para captar o trabalho que realizará a produção do ano seguinte. A preparação de terras este ano enseja a contratação de trabalho para o plantio do ano vindouro. A relação do capital com o trabalho revela-se dinâmica, conduzida pelas quantidades e pela composição do trabalho que os capitalistas contratam para dar continuidade à acumulação e não só por conta da produção imediata. A noção de progressividade do sistema explica-se mediante as alterações composição do capital.
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da
Ao passar da escala individual para a da generalidade dos capitalistas, a mais valia deixa de ver-se como “fundo individual de consumo dos capitalistas”, para ver-se como “fundo de acumulação”. Este último é o meio pelo qual se processa a acumulação, levando a um aumento do capital constante maior que o do variável. Essa continuidade orgânica entre o que transcorre na esfera dos capitais individuais e o que transcorre com o capital em seu conjunto em cada estágio do desenvolvimento torna improcedentes as observações de muitos autores que classificam Marx como macroeconomia. Diremos que a análise de Marx do capital justamente é infensa a essa separação entre macro e micro e que se realiza simultaneamente nesses dois níveis. Em torno da relação móvel entre capital constante e capital variável surge uma conceituação renovada de produtividade. Comenta Marx, que “o grau social de produtividade do trabalho reflete-se no volume relativo de meios de produção que o operário converte em produto durante certo tempo e com a mesma tensão da força de trabalho. A massa de meios de produção com que um operário opera cresce ao crescer a produt9ividade do trabalho” (L I, pp. 525). Nesse movimento os capitalistas valem-se de sua capacidade de decidir sobre a gestão de sua capacidade de acumular, valendo-se das diversas formas de acumulação primitiva ao seu alcance e das formas de colonização. Ao enfrentar o movimento de acumulação em seu sentido mais amplo, Marx abre, também, completamente, a questão relativa à interação entre os aspectos quantitativos e qualitativos. A acumulação se faz mediante alterações da ocupação, que envolvem uma diminuição relativa do trabalho variável frente ao aumento da produção. A progressão da
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acumulação capitalista determina um excesso de população operária, porque a reprodução do capital se faz a partir de sua base técnica atual, mas não sobre uma base técnica invariante. Como a demanda (atual) de trabalho não depende do capital total (passado), senão do capital variável (passado), essa demanda de trabalho diminui progressivamente, à medida que aumenta o capital total. Tal mecanismo é adicionalmente ampliado pelo movimento de centralização do capital. Esse é o mecanismo que dá lugar ao aparecimento do exército de reserva. Ressalta que, segundo a argumentação desenvolvida nessa seção, não há como absorver o contingente de trabalhadores constituindo o exército industrial de reserva, ficando em aberto apenas casos específicos. Segundo Marx, o exército de reserva é um contingente móvel, que se renova em função de mecanismos internos e externos do sistema de produção,sendo que os mecanismos externos são aqueles conduzidos através da violência do poder, que aparece denominada de acumulação originária, ou primitiva114. Finalmente, o mesmo movimento que alimenta o exército de reserva, leva ao aparecimento do que Marx chama de “hostes transumantes”, que são os grandes fluxos migratórios diretamente causados por pressões crônicas de repulsão, que atingem grupos sociais inteiros, não só pelo perfil imediato de trabalhadores, mas incluindo aspectos étnicos e culturais. Nas sociedades americanas, está claro que as fraturas criadas pelo sistema colonial escravista e servil são mais amplas e profundas que as imediatamente denotadas pelo sistema de assalariamento.
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114 A acumulação primitiva tem um papel especial na experiência das sociedades americanas em geral, nas duas situações de terem sido colônias e na de exercerem comportamentos predatórios nas versões mais recentes da modernização. Ressaltamos a necessidade de retomar o argumento relativo ao extrativismo, especialmente, porque na experiência dos países americanos o extrativismo é parte integrante da acumulação primitiva, que passa a ser reorganizado e continua fazendo parte da versão periférica da produção capitalista. O extrativismo continua na base da pirâmide do sistema de produção, funcionando como meio de obter valor de trabalho que é realizado numa obscura de relações incertas entre o assalariamento e formas mais primitivas de remuneração, muitas vezes envolvendo trabalho familiar.
O papel especial do capítulo VI (inédito) do Livro I Esse texto teria sido planejado como síntese – ou culminação – temática do Livro I. Por isso se desenvolve como uma espécie de resposta à formação de conceitos naquele tomo. Mas, a nosso ver, representa o descolamento da análise das formas aparentes da produção capitalista e a análise dos processos que situam essa produção em seu contexto sócio-histórico. É preciso registrar que há um movimento de depuração e de aprofundamento dos usos dos conceitos ao longo do desenvolvimento do Livro I, que não se resume ao fato, alegado pelo próprio Marx na Miséria da filosofia, de que as condições do método dialético levam a uma inversão no uso de categorias. Conceitos tais como os de subsunção e de acumulação retornam com maior riqueza de significado. Marx começa o capítulo VI com a revelação “simples” de que o verdadeiro objetivo do capital é gerar mais valia. Nesse texto, Marx retoma e desenvolve a tese fundamental (apresentada no Capítulo V sobre mais valia absoluta e relativa), de que a produção capitalista evolui de ser uma produção de mercadorias para tornar-se uma produção de mais valia. O capital procura aumentar a proporção de trabalho excedente sobre o trabalho socialmente necessário realizado pelos trabalhadores. O sistema reproduz as relações que produzem mais valia, isto é, o sistema se reproduz no que tem de essencial, através de suas modificações formais. Nesse movimento, a mais valia é subsumida no novo capital que se forma, dando lugar ao desenvolvimento das forças produtivas. A expansão do sistema socioprodutivo prossegue
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através da absorção de novas tecnologias e de novas formas de consumo. O capital alcança sua verdadeira identidade ao revelar-se como processo de valorização que envolve a produção de valor em seu conjunto. Ao mesmo tempo, nessa exposição Marx revela os movimentos progressivamente mais complexos entre as transformações do capital em seu conjunto e as do valor de uso nele incorporado. O trabalho vivo, atual, é condicionado, subjugado pelo capital que ele mesmo formou, mas retém seu potencial criativo. “Uma parte do valor de uso com que o capital se apresenta no interior do processo de produção é a própria capacidade viva de trabalho, mas uma capacidade de trabalho de especificidade determinada, correspondente ao particular valor de uso dos meios de produção, e é uma capacidade de trabalho impulsora, uma força de trabalho que, ao manifestar-se, se orienta para um fim, que converte os meios de produção em momentos objetivos de sua atividade, fazendo-os passar, por conseguinte da forma original do seu valor de uso para a nova forma do produto” (Marx, Capítulo VI inédito de O Capital, pp.45).
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A CIRCULAÇÃO: ESPAÇO–TEMPO E SITUAÇÃO HISTÓRICA DO CAPITAL “O problema, tal como se coloca diretamente, é este: como se repõe a base do produto anual o valor do capital absorvido pela produção e como se entrelaça o movimento desta reposição com o consumo da mais valia pelos capitalistas e o do salário pelos operários? Trata-se, portanto, em primeiro lugar, da reprodução simples”. L.II. pp.351
Preliminares Do ponto de vista do amadurecimento da obra, o Livro II é o arremate. Não só por ter sido escrito por último e absorver o maior desenvolvimento conceitual, como por ser onde se substitui uma teoria da acumulação individual por uma teoria da acumulação social. Além disso, é onde Marx sintetiza e absorve o arsenal conceitual daqueles dos seus predecessores que reconhece como mais importantes. O fato de ser a parte onde há textos menos desenvolvidos, ou onde foi maior a intervenção de Engels não desmente a importância desse documento no conjunto de O capital, fora do qual não pode ser adequadamente apreciado. Por isso, talvez seja a parte menos compreendida daquela obra. Esse viés fica patente, por exemplo, na análise de Rosa Luxemburgo que focaliza no Livro II, ressalta o caráter capitalista da reprodução e explora seus
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desdobramentos e contradições, mas tende a separar suas teses da construção do conjunto. Na composição de O capital a reprodução é o movimento de reincorporação produtiva de mais valia, representando o poder de extrair e de reincorporar a mais valia. O movimento básico da reprodução surge da relação orgânica entre o capital desembolsado e o capital aplicado, resumindo as condições de aplicação de capital novo e as condições de uso do capital em sua forma financeira. Por trás da mecânica do movimento da reprodução encontra-se toda a problemática da composição do sistema produtivo. O significado da acumulação enquanto força de controle social surge da identificação das inter-relações necessárias entre a reprodução simples e a reprodução ampliada do capital. Tal como acontece com o Livro I, o Livro II de O Capital divide-se em duas partes, em que a primeira cobre os mecanismos de circulação integrados na produção e chega até a explicação dos mecanismos que ligam a acumulação individual ao movimento geral de acumulação, enquanto na segunda parte apresenta a explicação da reprodução simples e a acumulação e reprodução em escala ampliada. Por isso, é nessa segunda parte que se encontra o essencial da teoria da acumulação. Os mecanismos da circulação de capital constituem uma referência geral dos modos como a sociedade usa dinheiro e de como o modo de usar dinheiro torna-se um mecanismo de diferenciação entre aqueles que podem controlar os tempos das suas aplicações de capital e aqueles outros que dependem dos tempos que lhes são impostos pelo sistema de produção em seu conjunto. O controle dos tempos é essencial na condução dos conteúdos técnicos do capital em seu conjunto. A explicação principal da reprodução do capital encontra-se na reprodução
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simples, onde se apresenta a engrenagem dos relacionamentos entre os segmentos industriais do sistema produtivo. A maioria dos estudos da obra de Marx concentra-se no material do Livro I e desvia do material do Livro II, ou não chega até ele. Entretanto ali se encontra a ligação entre a produção social de capital e as transformações do mercado. É a combinação da esfera da produção com a da comercialização, onde se encontra a comercialização da produção capitalista. Nas palavras de Marx, o processo cíclico do capital (neste caso, o modo como ele retorna ao processo produtivo), desenvolve-se em três fases. Primeiro, o capitalista aparece no mercado de mercadorias e no mercado de trabalho como comprador D=> M, transformando dinheiro em mercadorias e em contratos de trabalho. Segundo, é o uso produtivo das mercadorias compradas, que é a realização da produção. Na terceira fase, o capitalista volta como vendedor M => D. A fórmula geral desses três movimentos é a seguinte D – M... P ... M’ – D” As linhas pontilhadas representam as interrupções do processo. Ali está a mecânica do capital como tal e enquanto capital incorporado ao sistema de produção. É uma análise necessária para entender o que vem depois, isto é, para entender, não somente como, mas porque acontecem necessariamente aquelas conversões entre formas de capital que sustentam o movimento geral de sua acumulação. O sentido de progressão inerente a
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esse processo combina o relativo a alterações de composição do capital com o relativo a alterações nas condições de mercado. Grande parte dos pressupostos da produção de capital, relativos à possibilidade de venda da produção, ou a sua “comerciabilidade”, surge nesta segunda parte, em que se observa o relativo à realização da comercialização da produção, que surge ao considerar-se a circulação de capital em seu sentido mais amplo. A manobra sutil dos capitalistas consiste em produzir aquilo que será comprado, mesmo quando essa demanda ainda não existe, ou quando essa mercadoria ainda não existe. Na construção de sua análise, Marx aceita o pressuposto de que há condições técnicas e operacionais para que o valor gerado seja absorvido como capital, isto é, que não haja frustração da formação de capital. Esse pressuposto – assumido explicitamente por ele – constitui uma simplificação que retira desta parte da análise os elementos de incerteza da reprodução, que logicamente não podem ser ignorados, principalmente pelo fato de que a continuidade do sistema pressupõe aumento de escala de produção e de complexidade. No entanto, há uma questão relativa à garantia ou à incerteza da venda dos produtos, que não pode ser esquivada, sob pena de introduzir-se uma distorção fatal na compreensão do capitalismo. Essencialmente, trata-se de que só se produz àquilo que pode ser vendido, pelo que há um mecanismo em cadeia entre o que é comercializável e tudo aquilo que se trata de tornar comercializável, influindo nas condições em que os compradores compram. O que se tornará comercializável é objeto de publicidade e de manobras de intervenção institucional no mercado, desde a busca de contratos de governo até manobras para condicionar os consumidores. Nada mais longe da suposta soberania do consumidor a que se apegam os neoclássicos!
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Neste capítulo deste ensaio apresentam-se comentários ao Livro II de O Capital, ressaltando dois problemas fundamentais ali enfrentados, que são os de romper com o espaço – tempo da sociedade pré–industrial, para trabalhar com a pluralidade de tempos do ambiente industrial; e de retomar a articulação da esfera individual com a do coletivo, através do movimento financeiro do capital. Mais claramente que antes, configuram-se, a distinção entre a esfera do individual e do coletivo e sua combinação no contexto da progressão e do aumento de complexidade do capital enquanto sistema115. Passar diretamente da síntese do Livro I à do Livro II parece ser o caminho logicamente mais curto, entretanto, convém ressaltar as interdependências entre o material ali exposto e o que consta do Livro III116. No Livro II concentra-se um esforço de depuração conceitual, que obriga o leitor a mover-se com os momentos de maior densidade conceitual do livro anterior, porque se vêm os movimentos como tal do capital enquanto magnitude. A incorporação de mais valia revela-se como o meio de modificação dos atributos do capital, cuja funcionalidade histórica revela-se como um fundamento da própria valorização. A visão de que o movimento do capital se desenvolve como uma espiral retoma-se de outro modo, mostrando a expansão do capital como um movimento geral de hélice dupla, que surge da combinação de um processo cíclico e de um processo periódico, que toma a forma de reprodução do sistema produtivo. O que Marx denomina de processo cíclico é o conjunto dos modos de capital dinheiro, capital produtivo e capital mercadoria que são parte da produção de mercadorias. O processo periódico é o movimento resultante dos ajustes de componentes de capital fixo e capital circulante, sobre períodos de produção das mercadorias e períodos de
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115 A individualidade é algo determinado pelas condições objetivas em que as pessoas participam dos mecanismos de coletividade, tais como os modos como têm acesso ao que podem produzir ou ao que podem comprar. 116 Nesse sentido, melhor transcrever algumas observações de Engels, que, como codificador da forma final de O Capital, conhecia melhor que ninguém essas interdependências. “Livro II, seção I. Deve-se ler cuidadosamente o capítulo 1, que tornará mais fácil a leitura dos capítulos II e III. O capítulo IV também deve ser lido com cuidado. Os capítulos V e VI são fáceis e o capítulo VII trata de coisas acessórias Os capítulos VII a IX da seção II são importantes, bem como o X e o XI. Também o XII e o XIV. Em troca, os capítulos XV,XVI e XVII basta apenas ler. A seção III contém uma magnífica exposição... do ciclo total de mercadoria e dinheiro na sociedade capitalista. A exposição é magnífica quanto a conteúdo, mas terrivelmente pesada quanto a forma.....Eu deixaria a leitura dessa seção para o final, depois de estudar o Livro III. Friedrich Engels, Carta a Victor Adler em O Capital.
trabalho inseridos nesses períodos de produção. A combinação do processo cíclico e do processo periódico dá lugar à reprodução do capital e com ela, à reprodução do sistema produtivo. Esse movimento é alimentado por relações de causalidade diferentes, mas interdependentes. Esses dois movimentos são os que representam os tempos do capital na forma mercadoria e na forma dinheiro. O movimento de hélice dupla está constituído do ciclo do capital dinheiro e do ciclo do capital produtivo, que são antagônicos e complementares, representando movimentos contrários que se complementam. O movimento dessa segunda parte de O Capital é o movimento da circulação de capital entendida como parte da progressão do capital e não como circulação em geral, nem de um capital invariante - vista em seu conjunto, que mais uma vez aparece em três movimentos, que são os das metamorfoses do capital. O ciclo do capital dinheiro é o movimento de valorização do dinheiro. Compreende três fases em que (a) o capitalista vai ao mercado como comprador de mercadorias, (b) usa as mercadorias compradas para produzir e (c) vende as mercadorias produzidas, manejando uma quebra do processo, em que realiza a mais valia produzida. O ciclo do capital produtivo é o movimento de reprodução do capital no sistema produtivo. Compreende a reprodução simples, em que o capitalista absorve completamente a mais valia para seu consumo e o da reprodução ampliada, em que uma parte da mais valia se reintegra ao sistema produtivo, ampliando e modificando sua capacidade de produzir. O ciclo do capital mercadoria é o movimento do capital transformado em capacidade de realizar novos empreendimentos.
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Adiante, ao tratar dos ciclos do capital em seu conjunto, Marx de fato antecipa uma visão de diferenciação entre os sucessivos movimentos cíclicos, em que cada ciclo corresponde a diferentes composições de capital e de trabalho, representando situações não comparáveis de complexidade e de inter-relação entre os componentes do sistema de produção. Os ciclos não são “incidentes” da produção capitalista, senão conseqüências de contradições entre os objetivos dos capitais individuais e o modo de funcionamento do sistema em seu conjunto. Adiante, no Livro III, Marx apresentará um capítulo específico sobre a lei interna de transformação do capital. Ao usar as mercadorias para produzir, o capitalista enfrenta-se com o fato de que os trabalhadores compram para seu consumo, isto é, que o sistema precisa que eles realizem suas compras. Desde aí, anuncia-se a diferença entre a produção de bens necessários e de bens supérfluos. O progresso da tecnologia, que aparecerá na diminuição do tempo médio necessário para produzir, torna-se um elemento de diferenciação entre os consumidores e os produtores, naquilo em que os ganhos de tecnologia são apropriados pelos capitalistas enquanto os trabalhadores consomem na medida de seu salário. A visão das metamorfoses do capital em seu conjunto revela a diferença entre os modos como os capitalistas e os trabalhadores chegam ao mercado, comprando para consumir ou comprando para produzir, já que essas metamorfoses envolvem as mudanças progressivas de composição do capital que se incorpora ao sistema produtivo. A reprodução do sistema produtivo, isto é, a reposição das suas forças, depende do que acontece com a mais valia. A reprodução do capital depende da circulação da mais-valia, que
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muda de forma, acompanhando as mudanças de composição do capital em seu conjunto. Para Marx, reprodução compreende a reposição dos meios de produção e da capacidade de usá-los. Marx distingue duas situações básicas em que na primeira a mais valia é consumida pelos capitalistas, que é a reprodução simples, e a segunda, em que a mais valia é reintegrada ao sistema produtivo, que é a reprodução ampliada. A reprodução se faz mediante o conjunto dos diversos movimentos de rotação, que revelam o tempo médio com que o sistema opera. Entendemos que a aceleração dos componentes mais rápidos do sistema não necessariamente implica em aceleração do sistema em seu conjunto, mas que a aceleração dos componentes mais lentos, tais como os da produção rural, se propagam no sistema em seu conjunto, modificando seu tempo médio. Essa pode ser uma linha importante de explicação do processo de subdesenvolvimento, naquilo em que ele consiste na incapacitação dos subdesenvolvidos para retransmitirem a velocidade de seus setores mais dinâmicos ao conjunto de sua produção. A parte relativa às metamorfoses do capital trata dos movimentos internos de transformação do capital em geral no ambiente da produção industrial. A parte que trata da rotação do capital explica a variedade das velocidades dos diversos capitais em suas aplicações. Tem-se que entender que se trata da produção industrializada em seu conjunto, onde a produção fabril é, simplesmente, a modalidade transitoriamente mais moderna do processo de produção. Esses movimentos internos do capital explicam como se situam historicamente os custos da circulação. Finalmente, a parte que trata da reprodução e da acumulação, expõe como essa
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pluralidade de movimentos se reintegra num movimento conjunto do capital, que resulta no movimento geral de acumulação com seu perfil cíclico. No conjunto, no Livro II há duas partes, que podem ser caracterizadas, respectivamente, como de análise dos circuitos da formação do capital produtivo na esfera dos capitais individuais e de desenvolvimento da movimentação do capital na circulação em seu conjunto. Esta divisão entrecruza com a outra anteriormente apresentada, deste mesmo livro em duas partes, porque a circulação em seu conjunto é, justamente, como se explica a reprodução simples. O tempo é fundamental no Livro II. É o tempo histórico dos acontecimentos, que nunca se reproduz como foi antes e que encerra uma incerteza acerca de como terminará. É o tempo que transcorrerá durante a depreciação do capital novo. É através de uma apropriação do tempo no sistema produtivo, que se descobrem os circuitos do capital dinheiro, do capital produtivo e do capital mercadoria estão regulados pelos tempos de rotação e de circulação, estabelecendo como e quanto o capital pode captar mais valia. Trata-se de uma circulação historicamente determinada, que se transforma ao incorporar atividades que operam com maior velocidade de circulação, que terminam por alterar as velocidades com que funcionam as atividades tradicionais. Observe-se que Marx introduz a categoria composição na 3a seção, quando se dispõe a integrar produção e circulação, mas que somente essa categoria amarra os elementos apresentados na 1a seção. Entenda-se que as explicações dos ciclos do capital só se completam quando se entende porque há diferentes velocidades do capital – que tendem a se tornarem mais desiguais e diferentes umas das outras - o que só a composição explica.
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DIAGRAMA 4 A circulação do capital
Metamorfoses do capital (ciclos do capital-dinheiro, do cpital produtivo e do capital-mercadoria)
Rotação (tempos de rotação e tempos de circulação
tempos e gastos de circulação período de trabalho e tempo de produção Reprodução (simples e ampliada)
Há, portanto, um problema de combinação das velocidades dos componentes do capital e de velocidade diferenciada do capital, em suas diferentes formas operacionais. No Livro II, mais que em qualquer outra parte de O Capital, desprega-se o perfil de economia dinâmica e de análise dinâmica da economia, que fazem da análise de Marx um desenvolvimento crítico da economia clássica em total oposição ao rumo seguido pelo marginalismo e pela análise estática. Aqui, o sistema produtivo se reproduz essencialmente mediante mudanças de composição.
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Observa-se, ainda, a diferença entre essa dinâmica baseada na progressão de um sistema que se amplia e que se torna mais complexo, e a análise dinâmica de matriz marginalista, que exprime um dinamismo de serialidade, sem entrar jamais em problemas de transformação de estruturas. Identifica-se, assim, a diferença entre as análises de estruturas e de sistemas e as análises de séries estatísticas.
As metamorfoses do capital A noção de metamorfose, que é essencial na crítica da sociedade econômica empreendida por Marx, abrange ao sistema em seu conjunto, bem como se aplica aos dois componentes desse conjunto que são o capital e o trabalho, bem como se aplica ao sistema institucional. Observa-se que, no desenvolvimento da análise apresentada em O Capital a metamorfose do capital é a transformação do capital enquanto expressão econômica, mas carrega, potencialmente, uma metamorfose política.
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A engrenagem das metamorfoses do capital (industrial) A primeira parte do Livro II de O Capital dedica-se às metamorfoses do capital, isto é, aos seus movimentos internos – comparados com os movimentos externos, que são os de reprodução – determinados pelas características próprias da produção industrial. Essas transformações internas não acontecem por separado do ambiente em que o capital opera, pelo que são parte da progressão de efeitos externos projetados pelo próprio capital. É um ponto demarcatório do pensamento de Marx no contexto da Economia Política: contrapor-se à separação – tão comum que passa despercebida – entre a análise do capital e a do mercado. A economia não histórica, que sempre vê a forma atual como forma final do processo econômico, não se sente na obrigação de trabalhar com alterações do modo de funcionamento do capital, seja integrado em empresas ou fora delas. Por isso, mesmo quando analisa estruturas de mercado, refere-se a perfis invariantes de comportamento dos diversos participantes. Não contempla alterações progressivas dos comportamentos dos participantes. Na
seção
sobre
as
metamorfoses
do
capital
consideram-se,
explicitamente,
comportamentos que são próprios do capital industrial, e que se transformam junto com a concentração do capital em geral.
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O ciclo do capital-dinheiro Trata-se de extrair o movimento do capital na forma dinheiro, ou simplesmente da forma dinheiro, do movimento do capital em seu conjunto, mediante a análise das formas que ele assume. A nosso ver, a chave explicativa dessa análise é que Marx aqui se dispôs a realizar uma tarefa equivalente à que Hegel fez com a Ciência da Lógica na exposição do processo de formação da consciência, que foi, justamente, de separar o movimento do conceito da coisa do movimento da coisa propriamente dita. O ciclo do capital dinheiro compreende três situações, que são o ciclo do capital na forma dinheiro, o ciclo do capital na forma produtiva e o da realização da mercadoria valorizada. O ciclo do capital produtivo conclui com a formação do fundo de reserva, com que os capitalistas garantem sua capacidade de realizar despesas não determinadas pelas condições atuais do processo de produção. Marx começa por enunciar sinteticamente o movimento do capital em suas três fases já apresentadas no Livro I do ponto de vista da produção do capital. Tais fases são as seguintes: 1.
D => M . O capitalista compra mercadorias
2.
O capitalista usa as mercadorias no processo produtivo
3.
O capitalista volta ao mercado como vendedor M=> D.
Isto quer dizer que D=> M => D realmente é D – M...P...M’ =>D’
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onde dinheiro e mercadoria estão acrescentados de mais valia, isto é, estão valorizados. Nesse ponto Marx declara-se interessado em explorar o mecanismo de conversão de dinheiro em mercadoria + mais valia. Ora, para isso é preciso explicitar os momentos em que entra a força de trabalho, ou seja, ainda, é preciso separar os movimentos de valorização dos de comercialização. De fato, o sistema avança mediante as alterações da esfera da comercialização, que facultam aos capitalistas a possibilidade de fazer cálculos de rentabilidade por antecipação. Verifica-se que os capitalistas podem trabalhar com perspectivas objetivas de efetivização de demanda, e não apenas com condições atuais de demanda efetiva. Certamente este ponto terá que ser explorado, para superar a contradição aparente – que está no centro da teoria de Keynes - entre condições históricas de distribuição da renda e condições subjetivas de decisão dos capitalistas. Sem avisar ao leitor, Marx entra a explicar a parte que omitiu, que é: ( M => P ), dizendo que as mercadorias que o capital comprou (para produzir) resolvem-se em T (trabalho) e Mp (meios de produção). Isso quer dizer que T D => M Mp Ou
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D -> M (T, Mp), Já que o capital só faz isso para voltar ao mercado de mercadorias. Significa que há um mercado de trabalho e um mercado de mercadorias, que tem aspectos quantitativos e qualitativos, em que os aspectos qualitativos levam a distinguir trabalho necessário e trabalho excedente. No entanto, é um ponto onde o argumento de Marx exige uma explicação adicional, qual seja de que o capital – P – na representação simbólica de Marx representa as possibilidades de usos alternativos do capital, segundo as opções técnicas que lhe são possíveis em mercado. Diremos que o capital representado por P não é o capital valor em geral, senão é a representação das possibilidades tecnológicas incorporadas ao longo da história do sistema de produção. P é o capital historicamente concreto. De qualquer modo, P representa certas margens de flexibilidade, que se comparam com a forma financeira que é o capital dinheiro117. Este, em princípio, tem toda flexibilidade que o sistema enseja. Mas, na prática depende da mobilidade dos capitalistas individuais. Essa mobilidade do capital dinheiro denota uma circulação geral de mercadorias, bem como registra a presença de ciclos independentes do capital em sua forma dinheiro e em sua forma material, que é quando ele é, efetivamente, capital produtivo. O dinheiro será, portanto, a forma como o capital se desembolsa, que é o fundamento da função do dinheiro como meio de pagamento. D
M
T Mp
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117 A flexibilidade do capital dinheiro depende da conversibilidade da moeda e do acesso a adquirir os equipamentos mundialmente disponíveis.
onde a circulação na sociedade em geral se decompõe em D => Mp e D => T, quando compra meios de produção e quando compra trabalho. Do ponto de vista do capitalista, a fórmula D => T exprime a compra de trabalho gerador de mais valia. Mas D => indica uma opção de um modo específico de obter mais valia, enquanto o capital dinheiro, por definição, funciona com a equivalência geral das mercadorias. Ao materializar–se em capital produtivo, o capital ganha acesso a uma condição com que pode ter lucro. Para o trabalhador os meios de produção são necessários para que ele possa trabalhar, mas são propriedade alheia. “No momento em que ambas as partes se enfrentam no ato D => T, ou T =>D na perspectiva do trabalhador, existe já e se dá por suposta uma relação de classe entre capitalista e trabalhador assalariado” (L. II, pp.32) 118 O movimento inverso é o ciclo do capital na forma produtiva, quando ele sai da circulação monetária e entra no tempo do chamado consumo produtivo, que é seu desgaste na produção. Tal uso acontece mediante a já conhecida compra de meios de produção. Comprova-se que são dois circuitos diferentes. Ao imobilizar o capital, o capitalista passa a precisar de dinheiro119. A sustentação da posição do capitalista frente às alterações do mercado exige que ele disponha, constantemente, de dinheiro, inclusive para manter o fluxo de pagamento aos trabalhadores, que na verdade está ligado ao pagamento de Mp e à essência da produção. O produto que gera está carregado de mais valia, que deve ser realizada, mediante a venda do produto no mercado. Resumindo, o dinheiro só pode funcionar como capital quando é usado para comprar trabalho; e isso depende de pré-condições, tal como só pode ser usado para
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118 Neste ponto a relação de classe aparece como decorrência pura e simples da relação capitalista imediata. No entanto, o essencial é a desigualdade desse relacionamento, em que “as condições de realização do trabalho estão separadas de seu proprietário” (L. II, pp. 33). Marx insiste em que não interessa saber como se deu a separação entre o trabalhador e a capacidade de realizar o trabalho, mas acaba por admitir que a relação desigual apenas se explícita, mas que já estava latente na relação comercial. Veremos, adiante, como este último ponto é essencial, para trabalhar com a formação das relações de classe no âmbito das sociedades mercantis escravistas exportadoras. Reduzir as relações de classe à atualidade de sua forma industrial, significa ignorar, deliberadamente, a continuidade dos processos sociais sob as formas de organização política. 119 Essa necessidade de dinheiro foi, depois, trabalhada por Knut Wicksell, que nela viu o mecanismo objetivo de dinamismo das empresas, contrastando com a versão subjetivista de Joseph Schumpeter, que a atribuiu à criatividade de
comprar escravos se há escravidão antes desse ato específico de compra. Esse exemplo do próprio Marx levanta, entretanto, uma questão de razão prática. Se alguém, incidentalmente, por um ato criminoso esporádico ou por desespero de penúria, vende uma criança a alguém em melhores condições para cuidar dela, isso significa que se instala um sistema de escravidão? Os fatos esporádicos denotam sempre a presença de um sistema? O segundo movimento da análise das metamorfoses do capital ocupa-se do capital em sua forma produtiva. Nessa parte, especificamente, é preciso não perder de vista que se trata da produção. Ora, o capital torna-se produtivo quando está investido das propriedades técnicas incorporadas nas mercadorias, mas, lembramos, não são mercadorias isoladas, senão mercadorias constitutivas de capacidade instalada de produção. O ciclo do capital produtivo é o momento em que o capital se cristaliza em certa forma técnica, numa fábrica de bicicletas ou numa padaria. Não só numa fábrica de bicicletas, mas numa determinada fábrica capaz de produzir determinados tipos de bicicletas. Finalmente, considera-se a função do capital-mercadoria valorizado. A observação conclusiva dessa primeira parte é que o capital investimento na forma mercadorias valorizadas está investido das propriedades técnicas desse conjunto específico de mercadorias. Noutras palavras, o capital pode fazer o que está tecnicamente incorporado nas mercadorias de que ele se compõe, ou seja, tornou-se investimento. Nessas condições, há um problema de compatibilidade da composição do capital com a composição da formação de capital, que se apresenta a cada capitalista individual como um problema de desafio na incorporação de novas tecnologias no sistema de produção já instalado.
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empreendedores. É fundamental ressaltar que a análise de Marx nesse aspecto é conceitualmente muito mais desenvolvida que a desses autores posteriores.
O ciclo do capital produtivo O
ciclo do capital produtivo desenvolve-se nos níveis de reprodução simples e no da
reprodução ampliada, segundo se vêm as esferas de circulação. A reprodução simples é quando a mais valia se gasta integralmente com renda. No ponto em que considera os destinos que são dados às mercadorias valorizadas – M’ – (L.II, pp. 58), Marx introduz uma consideração sobre os usos dessas mercadorias, em que sua reintrodução no processo produtivo previne que se tornem simples dinheiro aritmético. Tal observação envolve a possibilidade do contrário, isto é, de como sua não reincorporação impede a obstaculiza a reprodução do sistema. Esse é, a nosso ver, o ponto de partida da análise do mecanismo econômico do colonialismo, baseado na filtração de recursos do sistema para o exterior. Na prática, tanto pode acontecer que a mais valia se gaste integralmente, como que se capitalize integralmente; e que sua capitalização se realize no sistema ou que passe a integrar outros sistemas. A grande questão que se coloca, para o futuro do sistema e dos capitalistas específicos, é a decisão acerca dos destinos que serão dados à mais-valia. É preciso ter claro que o ciclo do capital produtivo está tecnicamente ancorado na composição do capital, segundo ela indica as tecnologias utilizadas e a competência em seu uso. Numa visão da pluralidade de linhas de atividade, entende-se que o ciclo do capital produtivo
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em seu conjunto é a integral dos seus diversos ciclos e do modo como eles dependem uns dos outros.
Gastos de circulação O capítulo VI do Livro II de O Capital trata dos custos representados pelo tempo despendido nas operações mercantis de conversão de mercadoria em dinheiro e de dinheiro em mercadoria. São as operações que são dadas por supostas na igualdade keynesiana P (poupança) = I(investimento), bem como são campos de incerteza e de custos sociais que parcialmente tratados na chamada economia das transações de hoje em dia. Marx trata desse campo temático de modo muito mais abrangente, primeiro, porque o coloca como parte da reprodução do sistema produtivo em seu conjunto e não só como um problema incidental, como faz a teoria neoclássica. Segundo, porque revela as áreas de incerteza subjacentes nessas duas etapas mercantis, que foram ignoradas pela teoria keynesiana. Observe-se que isso compreende os custos ativos, incorridos pelas operações realizadas, e os custos passivos, decorrentes de tempo perdido na manutenção do capital. A questão levantada por Marx refere-se a uma tendência inerente à produção capitalista, de um aumento dos custos de circulação. “À medida que aumenta a escala de produção e que se acentua a força produtiva do trabalho, através da cooperação, da divisão do trabalho, da maquinaria etc.,
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cresce a massa das matérias primas, das matérias auxiliares etc., absorvidas pelo processo diário de reprodução. Esses elementos têm que estar disponíveis no lugar da produção” (L.II, pp.126).
Tempo de rotação Há uma questão essencial relativa ao papel do tempo na movimentação de dinheiro. Como influi o tempo de rotação na magnitude do capital desembolsado. Na análise desenvolvida no Livro II esse fenômeno surge desde dentro dos tempos tecnicamente previstos no movimento produtivo do capital. Mas ao manejar seus próprios argumentos relativos à relação orgânica entre os períodos do capital dinheiro e do capital mercadoria, vemos que a ordem do tempo na produção é externa a qualqujer solução técnica específica; e se refere ao ordenamento comandado pela acumulação, que é a ordem da gestão da mais valia. Na produção industrializada ampliam-se as diferenças de velocidade de rotação do capital entre atividades, segundo elas estão reguladas por tempos de produção externos aos processos produtivos, ou podem ser reorganizadas, segundo os tempos de produção são controlados e ainda, segundo se trata de processos de produção cujos produtos finais podem ser realizados em menos tempo. O tempo de rotação determina o relacionamento dos capitalistas com o sistema financeiro.
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O tempo de rotação, por extensão, significa o modo como cada capitalista consegue usar a velocidade do seu capital, como parte de sua formação de capital. Podemos adiantar que um diferencial de velocidade a seu favor é uma vantagem em relação com os juros médios do mercado; e que um diferencial negativo resulta num custo, ou numa transferência de valor aos bancos.
Capital fixo e capital circulante O capital aparece sob inúmeras formas, que ao mesmo tempo assinalam o modo como ele participa da produção. Em sua materialidade o capital aparece como capital fixo e como capital circulante. O capital cujas propriedades são invariantes é o capital fixo, enquanto o que muda de forma na produção é o circulante. Na prática, o capital fixo são os conjuntos de equipamentos e de instalações, enquanto o capital circulante são as matérias primas e as secundárias. A relação orgânica entre o capital fixo e o capital circulante evolui de determinados modos e formas segundo se desenvolvem os meios de produção. A operação do capital materialmente constituído estabelece necessidades de desembolso de capital. Essa relação entre os desembolsos de dinheiro e as combinações de capital fixo e de capital financeiro é o mecanismo interno da reprodução simples do capital.
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Rotação global do capital desembolsado e determinação de ciclos de rotação do capital em geral A rotação geral do capital desembolsado não é somente a rotação média do conjunto das atividades de cada sistema de produção em particular, senão que para cada capitalista é essa rotação afetada pelo desempenho do sistema financeiro, já que os efeitos do sistema financeiro são diferentes para os diversos capitalistas. Vale dizer que a rotação geral do capital não é um movimento uniforme do sistema, senão é uma determinante do modo como opera cada um dos diversos capitalistas.
Tempo de trabalho e período de produção O tempo utilizado trabalhando é sempre um tempo de produção, mas o período de produção envolve outros componentes, tais como maturação da produção, que prolongam o tempo necessário para a conclusão do produto. Tal extensão do período de produção, em todo caso, significa imobilização do capital constante, portanto, traduz-se numa restrição para acelerar o uso do capital variável, em outras palavras, restringe a produtividade do trabalho. Diremos que o tempo de trabalho efetivo será sempre afetado pela presença de novos empreendimentos e
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pelos tempos que os capitalistas absorvem para encaminhar novos empreendimentos. No exemplo dado pelo próprio Marx, o período de produção do trigo de inverno pode ser de oito meses, dos quais somente uma parte consiste em tempo de trabalho, já que uma parte dos oito meses corresponde ao tempo de maturação do cereal, antes que se possa intervir no processo de colheita.
Circulação de mais-valia Logicamente, os tempos absorvidos em períodos de produção limitam a velocidade com que o capital pode fazer circular a mais valia, portanto, são limitações reais da formação de lucros dos capitalistas. A circulação da mais valia é afetada pelo crédito, que interfere nas possibilidades dos capitalistas individuais de transformarem a mais valia em capital produtivo, isto é, de ampliar sua capacidade de acumularem. Marx acompanha a circulação de mais valia na esfera da reprodução simples e na da reprodução ampliada, isto é, examina o papel da circulação de mais valia para a reposição do capital em sua forma atual e em sua progressão de mudança de forma. É preciso ter em conta que essa investigação não pode ser confundida com a análise dos mecanismos da reprodução simples e da ampliada, que concluem o circuito da análise desenvolvida no Livro II. A circulação de mais valia é um dado das condições operacionais do
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capital em geral, enquanto a reprodução é uma situação do sistema socioprodutivo concreto do capital.
A reprodução e circulação do capital social em seu conjunto Antecedentes e preliminares Nesta parte Marx retoma a perspectiva da totalidade do processo em seu caráter orgânico propriamente dito, isto é, da sociedade econômica como um organismo em expansão. A esfera dos capitais individuais e a das mercadorias são dois aspectos do movimento do capital, em que essas individualidades são fugazes e representam formas precárias.
“Os ciclos dos capitais
individuais se entrelaçam uns com os outros, se pressupõem e condicionam mutuamente, e esse entrelaçamento é, precisamente, o que forma a dinâmica do capital social em seu conjunto” (L.II. pp. 316). Nessa seção III Marx dispõe-se a explicar o processo de circulação do capital social em seu conjunto. Para entendê-lo, é preciso expor o processo geral de circulação, com tudo que ele implica em termos de operacionalidade do capital dinheiro.
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Um primeiro ponto crítico é a necessidade de capital dinheiro das empresas, ligada à duração do período de trabalho, que é o financiamento da produção, compreendendo o financiamento de risco. O nível de desenvolvimento do sistema produtivo, compreendendo a composição do capital, indica uma necessidade irredutível de capital, que é uma restrição “técnica” da reprodução do sistema de produção120.
A questão geral da reprodução do capital A questão geral da reprodução do capital compreende a reprodução simples e a reprodução ampliada. A reprodução simples pressupõe que as relações entre os setores de bens de consumo e de bens de capital não mudam, porque não há alteração significativa do capital constante. Tecnicamente, essa falta de alterações do capital constante – maquinaria etc. – impede que os eventuais investimentos tenham um efeito global de modificarem o sistema. A segunda parte do Livro II está ocupada pela teoria da reprodução do capital, em que a acumulação se torna visível na reprodução ampliada. Marx nos diz que a reprodução simples não é uma simples situação hipotética, mas reconhece que a produção capitalista não pode prescindir de modificações técnicas, que terminam por caracterizar a reprodução ampliada. Para expor a engrenagem da reprodução Marx, recorre ao seu famoso modelo de dois setores – o de produção para consumo e o da produção para capital – onde os usos de trabalho e
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120 Encontra-se aqui um ponto fundamental da análise do desenvolvimento e do subdesenvolvimento, que se tornou parte essencial do pensamento latinoamericano sobre planejamento. Trata-se da distinção entre o financiamento estruturalmente necessário para a reprodução do sistema produtivo em sua composição atual, o financiamento estruturalmente necessário para alterar essa estrutura produtiva, e o financiamento dos programas específicos de investimento destinados a desempenhar esse papel.
de meios de produção estão regulados pelas relações técnicas entre essas duas esferas da produção. Veremos, entretanto, que o essencial é que mudam as condições de uso de trabalho na reprodução ampliada, porque ali é onde se manifestam as pressões do ciclo econômico. A questão financeira está submersa nesse modelo, porque na reprodução ampliada há novos usos de capital, que desencadeiam nova demanda de dinheiro; e porque desse modo o sistema produtivo passa a demandar capital novo a um ritmo mais acelerado que o do desgaste do capital constante. Esse é o principal fundamento da teoria dos ciclos em Marx, que vai aparecer adiante (Livro III) como a lei geral da tendência à queda da taxa de lucro. Nesta parte, portanto, o principal problema que se enfrenta é o da articulação entre o Departamento I e o Departamento II, já que essa articulação vista na perspectiva da reprodução simples é uma relação invariante, e vista na perspectiva da reprodução ampliada, é uma relação que muda constantemente. Voltando ao modo de análise escolhido por Marx, cabe perguntar por que ele deu tanta ênfase à análise da reprodução simples, quando o modo de operar do capitalismo é a reprodução ampliada? Entendemos que a resposta é que a análise da reprodução simples é onde se coloca a engrenagem básica da reposição do capital e é a instância em que de fato opera uma grande parte do capital. Grande parte dos capitalistas consome integralmente ou em parte a mais valia que capta. O capitalismo também é autofágico. Por isso, somente a análise da reprodução simples pode ajudar a desvendar o processo de seleção entre capitalistas, que se estende desde o pequeno ao grande capital.
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A reprodução simples Esta é a parte mais complexa do Livro II, onde Marx coloca a questão geral da reposição do valor junto com a reposição dos meios materiais de produção. Logo, diz que se trata de “como se repõe a base do produto anual sobre o valor do capital absorvido na produção e como se entrelaça o movimento dessa reposição com o consumo de mais-valia” ( L II,pp.351). Ora, isso tem tudo a ver com o modo como os capitalistas se apropriam de tecnologia, que é o mecanismo que permite que o volume de trocas se mantenha com preços menores. Para isso, é preciso que a demanda se mantenha. Por isso, torna-se logicamente necessário penetrar no mecanismo da formação da demanda, que é o que Marx passa a fazer com seu modelo de dois setores da produção social: o setor I produtor de meios de produção e o setor II produtor de meios de consumo. A idéia básica é que em cada um desses dois grandes setores as diversas atividades formam um conjunto, pelo qual se passa a ver a organização produtiva da sociedade em seu conjunto. Diremos que a macroeconomia surge de condições produtivas concretas, ao contrário da generalização macroeconômica abstrata de Keynes. Em cada um dos dois setores há um componente de capital constante e outro de capital variável e o foco da análise que se segue está nas interdependências orgânicas entre os dois. A análise da relação entre os mecanismos dos setores está em que uma parte do capital constante é absorvida na produção, mas que uma parte do capital fixo passa para os produtos, isto é, o desgaste de capital para produzir passa como valor para o produto realizado. No
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entanto, no sistema em seu conjunto, a reprodução funciona através da captação dos resultados da produção, que se dá na captação de mais valia e no pagamento de salários, que é como se realiza o poder de compra com que se vendem os produtos finais. O sistema funciona, portanto, sobre as condições como se distribuem os salários entre os setores da produção. Veremos adiante que o setor II encerra um outro mecanismo de diferenciação do conjunto, que se dá através da diversificação do consumo, com a introdução de artigos de luxo. Esses artigos modificam a composição do consumo por classes sociais e por estratos de classe. Absorvendo essas mudanças, a análise de Marx volta-se para a circulação de dinheiro no sistema combinado, levantando a contradição fundamental entre as necessidades do sistema de se reproduzir preservando as condições de captação de mais valia e o imperativo de realizar esse objetivo controlando a renovação tecnológica. O que determina a reprodução simples é a circunstância de que o capitalista absorve mais valia para seu consumo em parte em seu conjunto. O produto inclui as partes que repõem o capital, bem como o fundo de consumo – consumo intermediário, na linguagem da contabilidade social de hoje. A reprodução simples acontece com um quadro invariante de valores objetivos dos meios de produção. As bases materiais das relações entre capitalistas não mudam. Na descrição da reprodução simples, Marx trabalha com seu conhecido modelo de dois setores, em que o setor I corresponde aos meios de produção e o setor II corresponde aos meios de consumo, sendo que cada um deles se compõe de capital constante e capital variável. A reprodução simples pressupõe que as relações entre os setores produtores de bens de consumo e
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os de bens de capital não mudam, porque não há alterações significativas do capital constante. Tecnicamente, essa falta de alterações do capital constante – maquinaria, etc. – impede que os eventuais investimentos tenham um efeito final de alteração do sistema121. Esse modelo de dois setores deve ser lido à luz do material apresentado nas seções anteriores, quer dizer, que incorpora o relativo à articulação entre produção e circulação. Daí, Marx trabalha com dois planos de análise da circulação, que são os da circulação entre os setores e dentro de cada setor. A circulação entre os setores contempla as interdependências técnicas, constituindo a base de que partiu a análise de Fel’dman e depois a de Leontief. Mas a circulação dentro de cada setor envolve uma distinção entre consumo necessário e consumo suntuário, que não poderia ser absorvida na estrutura da análise marginalista. No esquema de Marx não é uma distinção caprichosa, porque se refere aos meios de consumo necessários à reprodução dos trabalhadores, assim como envolve uma definição de quais elementos do consumo não alteram a capacidade de produzir.
Acumulação e reprodução em escala ampliada Uma vez exposto o modo de funcionamento do modelo de dois setores. Marx extrai suas conseqüências dinâmicas, apontando seus resultados cumulativos, no que passa a ser a acumulação de capital em geral, a partir do acréscimo de capital constante em cada um dos dois
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121 Em seus estudos sobre a acumulação de capital, Rosa Luxemburgo focalizou nos mecanismos da reprodução, a nosso ver, mostrando contradições da reprodução simples que a tornam apenas um caso especial da reprodução ampliada. Essa não é a proposta de Marx, que atribui um papel próprio à reprodução simples, que é o ambiente onde se trabalha com um referencial de tecnologia sem mudanças nas tecnologias básicas, isto é, naquelas de maior impacto indireto no sistema produtivo.
setores; e suas perdas, ou esterilizações, no entesouramento. O movimento de acumular se revela como um resultado do agir da variedade dos capitalistas. A acumulação brota dos movimentos dos capitais, no sentido em que eles tendem a fundir-se no aumento da capacidade de acumular do sistema de produção organizado. Mas ela não é um movimento linear: é um movimento que se alimenta da retirada de dinheiro do processo produtivo num movimento geral de controle da mais valia. Como conclusão provisória, vemos que no nível do desenvolvimento da argumentação que se encontra no Livro II a reprodução ampliada, isto é, a acumulação aparece como um movimento interno de cada um dos dois departamentos em que está organizada a produção. No entanto, o movimento geral de acumulação transcende as formas específicas de organização da produção material, colocando-se ao nível do movimento conjunto do capital, que compreende a forma financeira. Além disso, a reprodução ampliada envolve as alterações institucionais e os elementos de incerteza inerentes ao movimento do sistema, que podem ser provisoriamente ignorados enquanto se trata de um plano de tecnologias invariáveis, mas que não pode ser ignorado quando se trata de juntar as modificações quantitativas com alterações qualitativas do sistema produtivo. Por isso, o significado pleno da acumulação só aparecerá no Livro III, quando se tenha concluído a análise das conversões do capital entre suas formas operacionais.
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O PROCESSO DA PRODUÇÃO CAPITALISTA EM SEU CONJUNTO A formação do capital fictício chama-se capitalização Marx, L.III., pp.439
Preliminares O Livro III trata da acumulação de capital como tal e em seu sentido mais amplo.
Esse
processo acontece através da acumulação de capital dinheiro, que permite realizar as mudanças de composição “descobrir e expor as formas concretas que brotam do processo do movimento do capital considerado como um todo”. Nessa exposição encontra-se uma combinação de elementos de micro e de macroeconomia. A acumulação começa no plano individual através da diferença entre o custo do investimento e o custo da produção, onde uma parte do custo de produção é absorvido pelos trabalhadores.
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Uma primeira reflexão sobre o tema problematizado no Livro III de O Capital. A questão central que se coloca no Livro III refere-se aos usos dos diversos capitais, como parte da engrenagem comportamental incorporada no sistema produtivo e não como uma mera coleção de eventos individuais de uso de capitais disponíveis que poderiam ser usados de outros modos. A noção de alternativas de usos dos capitais ganha outro significado quando é vista como uma progressão de alternativas condicionadas correspondendo a condições específicas da composição do capital em setores de produção. Os capitais individuais são parte de um movimento geral do sistema e os investimentos específicos se situam nesse conjunto. Isso significa que o emprego dos capitais depende das condições em que operam os capitalistas. Não se pode esperar que agricultores pouco informados participem de investimentos de alta tecnologia, como tampouco se pode esperar que seja igualmente fácil para todos diversificar suas linhas de atividade. Mesmo para as grandes empresas, a diversificação é sempre um teste decisivo, quando se compara sua competência para realizar tarefas já definidas, com sua competência para compreender o mercado em seu conjunto e trabalhar com cenários do futuro. No essencial, é a questão levantada por Adam Smith: todos capitalistas decidem o tempo todo sobre a totalidade de seu capital, mas que está modificada pela compreensão de Marx do sistema produtivo em transformação. Mas, diremos, com diferente capacidade de decidir. Por
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isso, a produção capitalista depende do que os capitalistas conseguem fazer com seu capital. Há nisso um aspecto de capacidade de cada capitalista e de incerteza do ambiente em que ele opera. A incerteza está impregnada na continuidade da formação de capital. Esse problema está tratado por Marx no trajeto da análise que vai dos usos do capital constante à formação da taxa de lucro, com seu subseqüente nivelamento e com a tendência geral do sistema à queda da taxa de lucro. Nesse movimento, é da necessidade dos capitalistas de se protegerem dos riscos de cada empreendimento, retirando sempre uma parte de seu capital na forma de dinheiro, que vai se alimentar o capital bancário, gerando um circuito de financiamento que não é mais parte da circulação no interior das empresas. Esse capital busca taxas de lucro superiores às que pode obter no ciclo produtivo. Nesse ponto, há um aumento de velocidade da circulação do dinheiro no sistema produtivo em seu conjunto. Daí, diremos, aumenta a incerteza do sistema, quanto à capacidade dos capitalistas para comandarem efetivamente o emprego de seus capitais. Seguindo a visão de Marx, percebe-se que esse processo não pode acontecer de modo suave, ou sem que alguns capitalistas sejam prejudicados. A reprodução do sistema produtivo requer que seus integrantes estejam à altura de sua complexidade, assim como o exercício das capacidades dos capitalistas depende de que o sistema produtivo ganhe em complexidade o suficiente para absorver o capital acumulado. Mais uma vez, seguindo as linhas de raciocínio de Marx sobre a reprodução simples – Livro II – vemos que a transubstanciação do capital dinheiro valorizado em capital a juros depende de que o sistema produtivo em seu conjunto ofereça oportunidades de lucro compatíveis com a remuneração de todos os capitais anteriores e todas as condições de trabalho. Ora, essas
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oportunidades de gerar lucro diminuem do mesmo modo como diminuem as oportunidades de construir usinas hidrelétricas, É a imprevisibilidade inerente ao sistema, que se configura quando se realizam substituições entre equipamentos122. Não há uma continuidade necessária entre as aplicações anteriores e as futuras, senão que as aplicações futuras são o campo em que se realizam as diferenciações entre os diferentes capitalistas no relativo à sua capacidade de conduzir a reprodução de seu capital. O ciclo não será, portanto, somente o ciclo gerado pela superprodução, mas também resultará dessa decalagem entre a forma futura possível e a forma anterior do capital. A capacidade dos capitalistas para modificarem a composição de suas aplicações é um aspecto da própria transformação do sistema produtivo, em que se incluem diferenciações entre o grande e o pequeno capital.
A teoria da exploração e a apropriação da reprodução ampliada do capital O grande tema que se desenvolve no Livro III de O Capital é a teoria da exploração, que aparece através da exposição das formas concretas de estruturação e de transformação do capital e que é levada a suas contradições, quando se converte em tendência decrescente do lucro. Para
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122 Observe-se que na explicação da formação de movimentos cíclicos de média duração a substituição de equipamentos indica os momentos em que os capitais têm que optar entre diferentes formas de organização da produção.
realizar a exploração o capital tem que envolver trabalhadores. A tendência à queda da taxa de lucro é a contradição da exploração. Como a exploração é o modo de realimentação do capital, a explicação da exploração ataca o movimento interno do capital, no modo como ele se realiza na organização social da produção. O Livro III cobre a teoria da exploração e estabelece que a lógica irracional do capital – a acumulação – só pode se realizar através da exploração, que é a explicação social da captação de mais valia. A teoria da exploração compreende três partes, em que a primeira se estende da primeira à terceira seção do Livro III, isto é, vai da explicação da taxa de mais valia até a identificação da lei da tendência decrescente da taxa de lucro, com suas contra tendências. A segunda compreende o desenvolvimento do capital na esfera do comércio e da comercialização do dinheiro, onde se vêm aspectos concretos da circulação, portanto, como uma abordagem diferente e complementar daquela do Livro II. A terceira contempla a mobilidade do capital financeiro e seu poder de participar de diferentes setores e de combinar formas de produção e chega até a renda da terra. As condições históricas da exploração dependem, segundo Marx, portanto, das condições de desenvolvimento do sistema capitalista de produção, nisso incluídas a presença de formas pretéritas de produção e a presença de condições específicas de articulação entre o novo e o velho. Em todo esse movimento há duas referências que se combinam, que são a relação entre a taxa de mais valia e a taxa de lucro e a relação entre a composição do capital e a taxa de mais valia. A composição do capital - que foi identificada no Livro I como expressão da tecnificação do capital – reaparece aqui como uma categoria do capital em seu conjunto, que situa e
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diferencia as sucessivas situações de organização da produção. A exploração se realiza mediante situações concretas de controle da produtividade dos trabalhadores, que é uma condição que se desenvolve em certas condições históricas de composição do capital. Para alcançar esse objetivo principal do projeto do livro em seu conjunto, nessa parte do trabalho há três grandes movimentos, que são a determinação da taxa média de lucro, chegando à identificação da tendência à queda da taxa de lucro; as conversões entre formas de capital, chegando até a renda extraordinária; e a passagem da renda extraordinária para a renda da terra. Para Marx o que interessa explicar da renda da terra não é uma renda originária da terra, senão a renda da terra que surge da expansão do capital no campo, com suas conseqüências de substituir as antigas relações de produção por relações capitalistas, isto é, substituir camponeses por trabalhadores assalariados. Neste estudo trata-se da renda da terra em outro capitulo específico. Somente a partir dessa observação central é possível colocar o problema fundamental da apropriação dos resultados da reprodução ampliada do capital, que surge da mobilidade do grande capital de alta tecnologia, que já incorporou as formas mais avançadas de capital financeiro e que desloca a esfera da circulação para o nível das contradições do capital concentrado. O problema levantado por Rosa Luxemburg relativo à apropriação da mais valia gerada na reprodução ampliada, que seria um ponto não superado por Marx 123, desaparece, quando se vê que a esfera da circulação se reorganiza, conduzida pela lógica da concentração e já não só pela da acumulação. Por isso, entendemos que é no âmbito da movimentação do grande capital
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123 Rosa Luxemburg, A acumulação de capital, São Paulo, Nova Cultural, 1985.
concentrado que surgem novos delineamentos de exploração, que permeiam o sistema produtivo até as suas formas mais simples, de pequeno capital e de baixa tecnologia.
A arquitetura temática do Livro III Diz Marx, (pp.45) que “(...) o processo de produção capitalista em seu conjunto representa a unidade do processo de produção e do processo de circulação. Aqui no Livro III não se trata de formular reflexões gerais acerca dessa unidade, são, pelo contrário, de descobrir e expor as formas concretas que brotam do processo de movimento do capital considerado como um todo”. Em sua arquitetura, o Livro III mostra como se formam as rendas do capital, como essa formação de renda resulta numa tendência geral e como, ao mesmo tempo, ela reverte nas diversas formas de ativos rentáveis, tanto na esfera do capital a juros como na da renda da terra, configurando a complexidade do mercado de capitais na produção industrial. Nesse percurso, Marx apresenta uma teoria do lucro, uma teoria da formação do capital bancário e uma teoria do modo de aplicação do capital.
Observamos que nas Teorias da Mais Valia, vol. II, Marx
desenvolveu comentários minuciosos às teorias de Adam Smith e David Ricardo, sendo que no relativo ao primeiro há uma observação que o situa acima de Ricardo, contrariando a opinião difundida de que Marx teria Ricardo como seu antecessor privilegiado.
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Nessa análise das rendas do capital, distinguimos três movimentos, que são os de explicar a formação e as transformações do lucro até sua forma de lucro médio; de explicar a tendência decrescente da taxa de lucro; e de decomposição da taxa de lucro nas formas com que opera o capital, das mais móveis às mais imóveis. Nesse conjunto o movimento do comércio, compreendendo a comercialização da produção e o comércio enquanto forma própria de atividade, ocupam um lugar especial, em que Marx dedica o cap. XVI a analisar – e distinguir – o capital que se dispõe a imobilizar-se em mercadorias com a única finalidade de trocá-las por dinheiro; e o capital que assume o custo da imobilização para liquidar a produção industrial. Nessa análise a nosso ver é preciso introduzir a diferença entre o comércio das economias préindustriais e o que se realiza como parte do conjunto das atividades da produção industrializada. A primeira parte cobre a formação do lucro e a identificação de seus efeitos na definição de um perfil geral de comportamento do capital, que é um processo cuja conclusão é a teoria da tendência decrescente da taxa de lucro. A segunda parte ocupa-se das conversões entre formas operacionais do capital, analisando a formação do capital financeiro nas transformações do mercado de dinheiro. Finalmente, a terceira parte estuda as formas de reprodução do capital baseadas no controle da terra, acompanhando a formação de valor nos ativos imóveis em sua relação com o movimento geral de aplicação dos capitais. O capítulo sobre o nivelamento da taxa de lucro é fundamental nesse conjunto e tem diferentes significados, segundo se trata de um sistema produtivo que opera com um tema produtivo que opera com um elenco de empresas que trabalham com taxas próximas da média, ou se trata de um sistema que opera com grande dispersão de taxas de lucro. “O fato de que os
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capitais que põem em movimento quantidades desiguais de trabalho vivo produzam quantidades desiguais de mais valia pressupõe que o grau de exploração, ou a taxa de mais-valia, são os mesmos e que as diferenças são compensadas. Isso pressupõe concorrência entre operários e migração.” (L.III, pp.180) Ressaltamos de nossa parte que o extenso trabalho de Marx sobre a renda da terra tem um fundamento histórico na teoria da acumulação primitiva e dois desdobramentos, a serem mencionados agora e retomados adiante neste estudo como um capítulo especial. São eles, a necessidade de explicar o papel do controle da terra – na realidade, o controle dos recursos naturais – a reprodução de capital progressivamente mais complexo; e a necessidade de desenvolver a teoria do controle dos recursos naturais, especialmente na do monopólio energético em suas várias formas, e de explicar a formação do capital imobiliário em seu conjunto124. Isso tem diversas implicações, dentre outras, por exemplo, de considerar que a formação da renda da terra tem uma relação indireta, entretanto orgânica, essencial, com os movimentos de formação do capital financeiro. Longe de ser um aspecto da formação do capitalismo industrial, a formação de um capital imobiliário continua sendo um componente essencial da estratégia de reprodução do capital nas sociedades industriais avançadas. A exploração capitalista da agricultura seria uma conseqüência da mobilidade do capital “financeirizado”, que teria a capacidade de se deslocar entre esferas de aplicação de recursos, que poderia comparar em sua perspectiva de retornos financeiros a escala. Não se pode, entretanto, confundir essa visão de Marx, que depende de sua teoria de equivalência de valor – apresentada
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124 Destacamos duas referências marxianas nesse ponto: as observações de Marx sobre a interrelação dinâmica entre cidade e campo, na progressão histórica da divisão do trabalho; e o trabalho de Engels sobre a moradia.
no Livro I – com a comparabilidade atribuída pela teoria neoclássica de uma taxa interna de retorno – Robert Solow, 1967 – que desdenha os aspectos de heterogeneidade do capital.
DIAGRAMA 5 Visão panorâmica da produção capitalista em seu conjunto SEÇÕES
TEMAS
1. Transformação da mais-valia em lucro
Explicação da formação do lucro da taxa de
2. Transformação do lucro em lucro médio
lucro
3. Tendência da taxa de lucro 4. Capital comercial 5. Transformação do lucro em juros e capital financeiro 6. Transformação do lucro em renda do solo 7. As rendas
Na formação da taxa de lucro são essenciais a rotação do capital constante e as economias de capital constante, que se realizam à medida que aumenta o capital total envolvido na produção. A rotação do capital constante é um dado objetivo das alterações de composição dos capitais envolvidos na produção, que reverte em incrementos de produtividade do trabalho. Por
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sua vez, as economias de capital constante compreendem diversas formas de atuação das empresas individuais, que se traduzem em modificações do ambiente de produção, inclusive para alterar as tendências da formação da taxa de lucro. Há economias internas e externas, com economias de uso de energia e das instalações125, aproveitamento de resíduos da produção126 e economia mediante inventos. O fundamental é entender que a economia de capital constante é parte essencial da perspectiva capitalista de gestão do valor acumulado. A administração do capital constante reflete-se no sistema de preços, tornando necessário ligar o movimento geral de acumulação, que se estende no tempo, ao tratamento das condições imediatas de mercado. É preciso distinguir entre a amortização dos equipamentos já em operações e a política das empresas para manejar problemas de amortização em seu capital em seu conjunto. Nesse último ponto, aflora todo o relativo à formação de monopólios, que permitem que as empresas monopolísticas manejem depreciação e amortização como se não fossem operações sujeitas a risco. O Livro III difere dos anteriores em vários aspectos, dentre outros, porque a participação mais generalizada e profunda de Engels dá um toque de equilíbrio à estrutura do texto, e porque a proposta de trabalho mesmo é de separar–se de volta da análise do desenvolvimento do conceito, realizada no Livro II e retomar o desenvolvimento do processo em si, numa perspectiva de totalidade127. No Livro III, Marx trata dos elementos constitutivos da produção capitalista, já na qualidade de substantivos; e os sujeitos do processo – capitalistas e trabalhadores – aparecem como coletivos organizados e não mais como participações genéricas. A visão de um processo de estruturação social que muda intrinsecamente, tal como a
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125 A questão das economias no uso de energia é uma notável antecipação do tratamento do modo energético da produção, que envolve a relação entre a composição de fontes, o modo e o sistema de transmissão e os perfis de uso de energia, na produção e para consumo pessoal. A economia no uso dos edifícios, obviamente está ligada à anterior, mas refere-se ao departamento específico do desenvolvimento de uma tecnologia da construção civil adaptada às condições ambientais. 126 O aproveitamento sistemático de resíduos modifica o sistema de produção, levando a internalizar novos processos de produção derivados, com um significado econômico muito além das economias imediatas. Nesse sentido, a reciclagem é um desdobramento natural da expansão da produção industrial. 127 A participação de Engels no Livro III é decisiva. Em carta a Victor Adler, ele faz as seguintes recomendações sobre a leitura do Livro III. Aqui são importantes na seção I os capítulos I a IV, em troca são menos importantes para a.
composição do capital, é uma idéia muito forte, que se impõe, a partir do momento em que a composição do capital é usada como meio para fundamentar a diferença entre a esfera dos comportamentos individuais e os comportamentos coletivos, que se apresentam como comportamentos de classe. Não se trata de construir um modelo explicativo, mas de expor o movimento histórico da formação do capital no ambiente que ele próprio cria. Em vez de construir o complexo andaime do edifício, trata-se de mostrar como ele se constrói de dentro para fora. Por isso mesmo, dessa parte de O Capital emerge outro modelo, que é o de explicação da dinâmica do capital através de uma teoria do lucro. Ora, a formação do lucro é o resultado de uma dinâmica das relações de produção cujo eixo é a exploração. No Livro III apresenta-se o grande movimento da acumulação do capital em contraponto com sucessão de movimentos de conversão de umas formas de capital em outras, que sustenta aquele grande movimento. Nele, ascendem as formas mais móveis e mais voláteis do capital, frente às imóveis e mais lentas. A revelação do capital financeiro surge junto com a das simbólicas, cuja presença se descortina plenamente em todas as formas do capital no capitalismo maduro. Segundo o próprio Marx, trata-se de “descobrir e expor as formas concretas que brotam do processo de movimento do capital como um todo” (L.III, pp.45). Mas uma leitura progressiva – regressiva tal como propõe Sartre, mostra outro objeto de análise. No Livro III desenvolve-se uma teoria da dinâmica interna do capitalismo que, além disso, oferece os elementos de uma teoria da mobilidade social, que será um tema obrigatório do estudo das economias periféricas.
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armação geral.os capítulos V,VI e VII. Seção II. Importantíssimos, os capítulos VIII,IX e X. Pode-se ler de passagem os XI e XII. Seção III. Toda ela importantíssima. Seção IV. Muito importante também e de fácil leitura os capítulos XVI a XX. Seção V Importantíssimos os capítulos XXI a XXVIII. Menos importante o XXVIII.Importante o capítulo XXIX. Carecem de importância os capítulos XXX a XXXII.São importantes os capítulos XXXII a XXXIV. Sobre as trocas internacionais, o XXXV e é interessante o XXXVI.Seção VI... são importantes os capítulos XXXVII e XXXVIII. Menos importantes, o XXXIX, o XL, o XVLI, XVLII. Seção VII. Muito bela. Infelizmente, fragmentária e com fortes marcas da insônia.
O Livro III acompanha a formação das remunerações do capital, segundo elas surgem nos âmbitos operacionais do capital e vão ao âmbito da formação dos juros. O capital move-se em busca de aumentar o lucro total que obtém do que desembolsa128. Para isso, usa seu controle das condições de trabalho e do contrato de trabalho. A condução dos interesses do capital para autoreproduzir-se, faz-se a partir da taxa de lucros, que deve ser vista como a expressão financeira da mais valia. Isso significa que os capitalistas específicos operam com o referencial de um espectro de lucros nas condições específicas de cada economia nacional em cada momento histórico. A cada capitalista em particular, esse espectro de situações de lucro aparece representado por uma taxa média de lucro, frente à qual se situam as situações específicas de lucro de cada aplicação de capital. O problema teórico de esclarecer a taxa média de lucro, por extensão, é o de situar a lucratividade do capital frente a situações específicas de acumulação e de constituição do mercado, ou ainda, de expor à luz a relação entre a acumulação realizada e a capacidade de acumular. A análise da formação da taxa de lucro parte da diversidade específica de situações em que os capitais são aplicados, que se representa pela composição orgânica e pela rotação do capital. A diversidade dos capitais está, em todo caso, demarcada pela esfera nacional, onde a estruturação institucional corresponde à estruturação dos meios de produção. Assim, podemos dizer que há um fundamento institucional na opção doutrinária de trabalhar com a noção de taxa média de lucro. Ora, na perspectiva dinâmica cm que trabalha Marx, a taxa média de lucro é proporcional à composição orgânica e às transformações do mercado, pelo que, será sempre inseparável da tendência à queda da taxa de lucro.
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128 Há uma questão relativa a quanto os capitalistas conseguem desembolsar. Na realidade, os capitalistas têm que desembolsar o suficiente para pelo menos reproduzir o capital que já acumularam. Isso envolve que haja condições objetivas de mercado para isso e que os capitalistas saibam usar seu capital. Nesse ponto, entra o argumento de Max Weber, sobre a competência dos capitalistas.
A conversão da mais-valia em lucro e da taxa de lucro em taxa de mais-valia No Livro III, Marx parte de uma revisão da formação do lucro dos capitalistas individuais, distinguindo o preço de custo do custo em valor. Distingue o que custa ao capitalista e o que custa de fato produzi-la. “O custo capitalista mede-se pelo investimento e o custo real pelo investimento em trabalho” (L.III, pp.46). Formação de preço, que depende de mercado; e formação de valor, que resulta da organização social da produção. Logicamente, a mais valia não é parte do custo do capitalista, mas entra a formar seu lucro. A determinação do lucro aparece através da distinção entre preço de custo (custo ao capitalista) e custo em valor (custo social). A diferença surge, primeiro, de que nos custos do capitalista não está o valor representado pela mais valia. Segundo, ele aparece porque o capital variável desembolsado (trabalho realizado em etapas anteriores do processo produtivo) não entra na produção, senão é substituído por força de trabalho (trabalho novo). A seguir, Marx embrenha-se numa análise do mecanismo de uso da mais valia na produção, que conclui numa proposição que situa o rumo da análise do Livro III, qual seja, de que “Assim, a mais valia sai, tanto do capital desembolsado, que entra no preço de custo da mercadoria, como da parte que não entra nela; noutras palavras, sai tanto do capital fixo como do circulante” (L.III, pp. 53).
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Marx começa por examinar a formação da taxa de lucro, que é o ponto de partida da explicação do mecanismo motor da produção capitalista. Aqui temos uma diferença fundamental em relação com a teoria de Ricardo. Enquanto Ricardo vê os lucros dos capitalistas como um componente variável na formação do produto social, que tende a minguar, por efeito da rigidez dos salários e das rendas, bem como da concorrência entre capitalistas, Marx parte da formação do lucro individual, para mostrar que os capitalistas extraem primeiro seu lucro, para então remunerarem o trabalho. A questão está realmente na relação entre a taxa de lucro e a de mais valia.
O
desempenho dos capitalistas individuais em geral decorrerá dos resultados que obtenham na captação de mais valia na formação da taxa de lucro. Para acompanhar essa análise de Marx, é preciso considerar dois aspectos: o fundamento que lhe permite trabalhar com a hipótese de uma taxa de mais valia invariante e os elementos que permitem trabalhar com variações do capital constante, em quantidade e composição. A hipótese de uma taxa de mais valia invariante explica-se em função de pressupostos sobre a composição do capital, que a rigor só se modifica em conseqüência de alterações do sistema produtivo em seu conjunto, jamais por um fator isolado. Mesmo assim, a suposição de uma taxa de mais valia invariante é um recurso provisório, e só pode ser aceita enquanto se trabalha com uma dada etapa da acumulação. O que situa a posição do capitalista frente à acumulação não é o fato geral do lucro, senão o fato específico da taxa de lucro, isto é, a medida da capacidade do capitalista para extrair lucro daquela proporção de capital variável que mobiliza mediante seu desembolso de capital
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constante. A venda, que é a unidade mínima do movimento de circulação, se realiza também como manifestação do tempo de circulação129. Já vimos, pelo exposto no Livro II, que o tempo de circulação resulta das condições de rotação do capital. Não se pode perder de vista que o objetivo do Livro III é verificar como a formação da taxa de lucro influi no movimento da produção capitalista em seu conjunto, que é a grande resposta à tese do estado estacionário da Escola Clássica e à tese da tendência do sistema à crise. Por isso, uma vez estabelecido como a taxa de lucro é internamente regulada pela taxa de mais valia, Marx passa a examinar como ela é externamente regulada pela gestão do capital constante no sistema, primeiro pela rotação do capital, que acontece no processo de circulação, e logo, pelo modo de uso do capital constante, onde se obtém economias. No desenvolver dos argumentos do Livro III vê-se que a gestão do capital constante se torna o ponto focal da condução do capital em seu conjunto. A questão das variações do capital constante revela-se progressivamente mais complicada, porque envolve as modificações do ambiente de mercado e as estratégias dos capitalistas individuais, tanto quando elas resultam em tendências gerais como quando aparecem como eventos esporádicos. Marx considera duas linhas básicas de estratégia dos capitalistas, que são as de usar os acréscimos de capital constante como meio de ampliar a captação de mais valia; e as de fazer economias de capital constante. Observe-se que o conjunto dos argumentos que regem a relação entre a gestão do capital e o meio ambiente aparece como iniciativas determinadas pelo interesse dos capitalistas de obter renda do aproveitamento de resíduos do que por qualquer espécie de altruísmo. (L.III. Cap. VI).
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129 Encontra-se aqui uma questão que foi passada por alto pela teoria econômica, ou que ficou fora do campo de visão da análise estática, que corresponde ao ajuste entre os tempos de produção e os de circulação, que, logicamente, se realiza de diferentes modos e 128 Há umasegundo questão relativa a a velocidades, avançam quanto os capitalistas conseguem acumulação e o aumento de densidade Na realidade, os No dedesembolsar. capital por homem ocupado. capitalistas têm que desembolsar o entanto, esse ajuste se desloca suficiente para pelo menos reproduzir segundo a circulação se desenvolve e o capital que já acumularam. Isso se envolve reflete que na estruturação haja condiçõesdo objetivas mercado, tanto como modificações de mercado para isso as e que os nacapitalistas produção. saibam Marx assinala que o usar seu capital. processo diretoentra de produção e o de Nesse ponto, o argumento Max Weber, sobre a competência dos circulação “se cruzam” modificandose capitalistas. mutuamente.
Assim, não se pode desconsiderar que há alguns dados básicos das condições de gestão dos capitais individuais, que permitem inferir alguns comportamentos básicos, mas que os situam em relação com os movimentos de preços, isto é, com as tendências de mercado. Já ao distinguir as diferenças entre os componentes móveis e imóveis do capital – patrimônio e capital produtivo – Marx estabelece referências dos padrões individuais de comportamento, que põem limites da própria generalização. Mas essas situações individuais não são base suficiente para explicar os comportamentos dos capitalistas independentes, porque não se trata de situações similares, senão de uma pluralidade de capitais de diferente composição orgânica130. Pelo contrário, Marx parte, justamente, da diversidade da composição orgânica, como dado inicial da análise da conversão do lucro em lucro médio. As diferenças de composição orgânica devem ser vistas em dois níveis: ao nível dos capitais individuais e ao dos setores de produção. Essas diferenças resultam numa diversidade
130 Esse é um ponto específico em que o conceito de totalidade separa a análise de Marx da que se desenvolveu na esfera do marginalismo. A premissa de que o sistema funciona com diferentes composições orgânicas de capital torna inaceitável um raciocínio linear de agregação da esfera do individual para a do coletivo, como foi feito por Schumpeter em sua reapresentação do princípio do fluxo circular e como faz a macroeconomia neoclássica.
das taxas de lucro, cuja consistência em princípio só se explica mediante diferentes tempos de rotação do capital aplicado131. Esse é o argumento usado por Marx para explicar o que podemos chamar de equilíbrio interno da taxa de investimento.
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131 Observe-se que esse argumento praticamente não se modifica quando se admitem diferentes estruturas de mercado.
A taxa média de lucro A formação da taxa de lucro é o grande argumento que se desenvolve no Livro III, para explicar a transformação da produção capitalista em seu conjunto. No que se pode denominar de administração do capital, Marx deixa, outra vez, em aberto a diferença entre as condições de gestão de capitais individuais e uma visão de conjunto da auto-organização em relação com a pluralidade de condições de rentabilidade. Tal auto-organização, obviamente, só pode ser explicada à luz de dados da formação histórica do mercado, que, na prática, significa considerar como se formam as margens de controle do mercado. Nesse ponto, entretanto, (L.III, pp.164), Marx limita essa argumentação às condições de concorrência, que podem ser tomadas como essa referência ao mercado, mas que não necessariamente contemplam a progressão de desigualdade no mercado. A formação da taxa de lucro descansa sobre a composição do capital e a escala de produção, em que os capitais individuais têm que ser administrados de modo a procurarem aquelas condições de participação no mercado que evitam um desempenho inferior ao geral. Para explicar esses comportamentos individuais, Marx recorre, de volta, à discussão da composição, recuperando a análise da composição técnica, que toma como aquela restrição operacional do sistema que regula a composição de valor. Nessa argumentação, observamos dois ou três momentos que devem ser explicitados. Primeiro, as diferenças de taxa de lucro em um
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país resultam de diferenças de rotação dos capitais, além das diferenças de composição orgânica132. A necessidade lógica de explicar um comportamento homogêneo dos diferentes capitais, portanto, de capitais estruturados sobre diferentes composições técnicas, leva Marx, adiante, no capítulo X, a trabalhar com a hipótese de uma compensação dos lucros, que funciona como referência das novas aplicações. Tal hipótese sustenta-se sobre dois pressupostos, que são os de perfeita substutibilidade de produtos, isto é, de que as funções dos produtos são equivalentes, como meios de produção ou como meios de consumo; e de perfeita mobilidade dos trabalhadores, que, logicamente, significa que as expressões trabalho simples e trabalho complexo representam situações de domínio de técnicas de produção e capacidade econômica de deslocar-se de um local de trabalho a outro. Ambas as premissas são simplificações, que só podem ser admitidas como provisórias. Na realidade, essas hipóteses só são válidas em condições plenamente concorrenciais, isto é, igualmente concorrenciais para os capitais e para os trabalhadores. Tal pressuposto, sabemos, é externo a cada situação específica de cada capital específico, obrigando a deslocar a análise para o plano de uma macroeconomia dinâmica. Nesse ambiente concorrencial, a taxa de lucro se forma na negociação de um certo elenco de mercadorias, que têm diferentes funções, como meios de produção ou como meios de consumo, ou alternando-se entre essas duas funções. Na análise da formação da taxa de lucro (L.III, pp. 192 a 194), Marx recorre às propriedades técnicas desse elenco de mercadorias, onde as diferenças de qualidade e de condições de produção ensejam o lucro do comércio. É preciso ressaltar que esse capítulo X oferece os fundamentos de uma teoria da economia do comércio,
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132 Nesse ponto, é fundamental lembrar que a composição orgânica é a composição de valor qualificada pela composição técnica.
que, surpreendentemente, deixou de ser um tema explorado pelos economistas, que desconsideraram o poder do comércio na determinação do sistema de produção. O lucro do comércio surge da circulação de mercadorias e de dinheiro, e tem o poder de sinalizar quais mercadorias podem ativar o capital já incorporado no sistema. Por exemplo, a comercialização de óleo de arroz indica uma possibilidade de uso da capacidade de produção existente na produção de óleos vegetais. Como o lucro do comércio depende da rotação de mercadorias, há uma tendência a preferir mercadorias que se vendem com mais facilidade. O capítulo XI trata da relação entre a formação da taxa de lucro e a taxa de salário, isto é, trata da relação entre o padrão distributivo e a composição dos investimentos. Aí, há uma pergunta inevitável, sobre se a composição dos investimentos necessários pode ser alcançada sem que se altere a composição dos salários. Os deslocamentos entre preços e lucros explicam se os capitalistas estão dispostos a absorver salários mais altos, ou se eles precisam pagar os salários necessários para realizar os investimentos necessários. Marx mantém essa argumentação no nível da relação entre a taxa de lucro e a taxa de mais valia, o que, logicamente, leva a discutir a tendência da taxa de lucro, que, efetivamente, aparece no famoso capítulo XIII, dedicado à tendência decrescente da taxa de lucro. Parece-nos fundamental marcar que a explicação do nivelamento da taxa de lucro exige introduzir um argumento que dê conta da ligação entre a composição técnica do capital acumulado e a do novo capital que se forma. Tal leitura da progressão técnica do sistema só surge da compreensão da totalidade do modelo e não está em nenhum capítulo específico.
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A tendência decrescente da taxa de lucro A tendência à queda da taxa de lucro é a lei inerente ao sistema de produção capitalista. O essencial do pensamento de Marx sobre a tendência da taxa de lucro é que ela tende a declinar porque o capital tem sucesso em aumentar a proporção de capital constante sobre capital variável. A questão da tendência geral do sistema de produção é um tema essencial da Economia Política, que se trata em duas grandes vertentes, segundo essa tendência é associada a uma tendência igualmente essencial, a que o sistema opere mediante flutuações cíclicas, ou segundo se considera que as flutuações são incidentais133. O fundamento dos ciclos está em causas naturais, ou eles derivam do modo de funcionamento do sistema produtivo? Marx distanciou-se de Ricardo em dois pontos principais: atribuiu os movimentos cíclicos às mudanças de composição do capital, portanto, ao dinamismo do movimento do sistema; e juntou um argumento micro econômico com a visão macro econômica do problema. Para Marx, trata-se de uma tendência a uma queda relativa da taxa de lucro, conseqüente da diminuição da proporção de capital variável na formação do produto social, isto é, de um movimento que está umbilicalmente ligado às tecnologias empregadas na produção. A questão geral da tendência à queda da taxa de lucro traduz-se na questão específica do perfil do ciclo.
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133 São flutuações de uma determinada demanda, ou são alterações progressivas da composição do capital? A noção de variações progressivas, significa alterações de uma progressão, cujos deslocamentos requerem alterações progressivas da composição da demanda.
Ao completar o percurso teórico que vai até a lei da taxa decrescente de lucro, Marx apresenta movimentos que contrapõem essa tendência, destacando o aumento da taxa de exploração. Ora, o aumento da taxa de exploração é, justamente, o que acontece quando os salários são contidos e reduzidos, enquanto aumenta a produtividade do trabalho.
O aparecimento e o funcionamento do capital a juros Uma vez que estabelece como se forma o lucro e determina seu papel na reprodução do sistema de produção, Marx passa a analisar como se divide o lucro, examinando aquela parte do dinheiro que passa a ser usado como capital. A taxa média de lucro define um mercado para as operações a juros, em que a uma proporção constante entre os juros e o lucro total, o capitalista produtivo estará disposto a abrir mão de uma parte dos lucros, para realizar um ganho que de outro modo não obteria. A taxa de juros obedece a tendências históricas do mercado. A taxa de juros sobre quando é preciso tomar dinheiro custe o que custar, para pagar pendências da reprodução do capital. Seguindo essa mesma lógica, diremos que só quando se trata de pagar necessidades de capital para investimentos impostos pela própria acumulação e para pagar dívidas acumuladas.
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Segundo Marx, os juros caem primeiro, pela oferta de dinheiro dos rentistas; e segundo, porque o desenvolvimento do sistema de crédito permite concentrar poupança e aumentar a oferta de dinheiro. Assim, o desenvolvimento do sistema faz mudar o papel das operações com capital mercadoria. Para Marx, o essencial da formação de um mercado de juros é que a divisão entre partes do capital produtivo e do capital a juros dá lugar a uma divisão qualitativa do mercado, pela qual se definem as funções dos capitalistas produtivos e dos prestamistas, com o esclarecimento de que ambas as funções estão predeterminadas pelos tempos do capital produtivo. A equivalência em termos de tempo de imobilização faz com que todos os capitalistas, inclusive os que trabalham com dinheiro próprio, considerem a imobilização do dinheiro mercadoria como referência desse mercado. A estratégia do capital, por conseguinte, consistirá em aumentar a velocidade de rotação, reduzindo os custos da imobilização. No entanto, precisamos observar que a possibilidade prática de executar essa estratégia depende da disponibilidade de opções de aplicação de capital, que é um dado da extensão e da diversidade do mercado. Nesse ponto Marx enfrenta o problema da separação dos papéis do capitalista prestamista e do empresário. A divisão qualitativa entre capitalista e empresário acontece no contexto específico do mercado em que se formam os juros. Como todo capitalista em princípio tem acesso à função de prestamista, verificam-se duas posições, que são parte da lógica do capital. Diz Marx, que “o capital a juros é o capital como propriedade, frente ao capital como função”
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(L.III, pp. 363). Daí, nesse conflito de interesses com o prestamista, o capitalista reveste-se de funções de vigilância, tornando-se um superintendente. O capital a juros passa a ser a denominação geral do movimento de formação de capital que está sujeito – ou que pode ser operado – mediante essa relação de mercado. Diz Marx (L.III, pp.379), que “o processo de acumulação de capital pode ser concebido como uma acumulação de juros compostos sempre e quando se puder chamar de juros àquela parte do lucro que se converte de novo em capital, isto é, que serve de novo para absorver trabalho sobrante” (L.III, pp.379). Crédito e capital fictício. No capítulo XXV Marx volta-se para o processo específico do comércio de dinheiro, advertindo que ele progride por suas leis próprias, mas fundamenta sua análise nos resultados na observação da crise de 1847, cujo fundamento foi um desastre agrícola. No capítulo seguinte apresenta-se uma antecipação do funcionamento da produção conduzida por grandes corporações, cujo principal traço é a separação entre as funções de gestão do capital e de gestão das empresas, em que os usos do crédito transcendem suas finalidades imediatas, tornando-se um modo de abaratamento do uso do capital em geral. Mas essa revisão das funções do crédito resulta em retomada da avaliação do papel dos meios de circulação no funcionamento do sistema, o quer dizer, a capacidade das moedas como meio de circulação, ao tempo em que uma reconsideração do papel do circulante. Aí se coloca a questão do financiamento do sistema produtivo em seu sentido mais amplo, isto é, compreendendo a provisão de dinheiro para reprodução do capital produtivo e de dinheiro para novos empreendimentos.
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A questão não se esgota com reconhecer que se trata de capital monetizado, já que o dinheiro nesse caso torna-se o meio pelo qual o capital ganha capacidade de se deslocar entre formas de inserção no sistema produtivo. Na verdade, o problema se desloca para a análise do papel do capital a juros na reprodução do capitalismo avançado. Como surge o capital a juros e qual seu papel? A transformação do lucro em capital a juros é o grande movimento que Marx analisa nos capítulos XXX a XXXIII e que abrange dois grandes movimentos: a expansão de capital dinheiro correspondente ao aumento genuíno da circulação; e a expansão do capital a juros, que constitui uma denominação de dívidas anteriores geradas no processo produtivo, mas que de fato já não são parte dele. No sistema capitalista passa a haver um problema concreto, relativo à reprodução desse capital fictício ou dessa sombra de capital. A produção capitalista leva a uma acumulação de capital dinheiro cuja reprodução requer que esse capital encontre aplicações produtivas. A taxa de juros acompanhará a demanda de dinheiro para novos negócios. Uma vez identificado que a produção capitalista gera capital dinheiro, com sua própria lógica, com seu modo de reprodução que é a operação do crédito, torna-se inevitável a discussão do papel do crédito na produção capitalista. Marx identifica o papel do crédito nos seguintes pontos: Necessidade do sistema de crédito como veículo para compensar as taxas de lucro. Diminuição dos gastos de circulação. (Trata-se de economia de dinheiro, que se obtém reduzindo o uso de dinheiro em muitas transações; acelerando a circulação do meio circulante; substituindo dinheiro ouro por papel moeda)
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Aceleração da circulação na metamorfose das mercadorias, que resulta em contração do fundo de reserva. Ampliação da escala de produção com as sociedades anônimas cobrindo áreas inacessíveis às empresas individuais e abrindo espaço para a transformação de capitalistas em gerentes134. É um problema da reprodução ampliada do sistema, que se infere desse desenvolvimento da argumentação de O Capital. O aumento da quantidade de capital dinheiro – característica das economias que já enriqueceram – que pode optar por voltar ao mercado apenas como capital de empréstimo, cria uma divisão entre os capitalistas prestamistas e os capitalistas empresários, cujos desdobramentos Marx associou ao desenvolvimento da sociedade por ações e aos meios à disposição do capital bancário. Observamos que os comentários incluídos por Engels, especialmente no cap. XXVIII sugerem que se ponha mais atenção ao aspecto de composição do capital dos novos investimentos. A parte mais desenvolvida do capital é a que se movimenta na esfera mais intensamente penetrada pelas formas financeiras do capital. Essa parte do capital apóia-se numa combinação de dois movimentos, que são os de acumulação de capital dinheiro e de desenvolvimento de novos papéis do crédito na produção capitalista. Parece-nos essencial destacar que o crédito assume novos papéis, justamente, nas economias mais avançadas, desde as quais se irradia sobre as demais. O dinamismo do crédito é o do capitalismo avançado. O desenvolvimento do crédito resulta em alterações do circulante. A função dos bancos apóia-se no circulante.
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134 Nesse ponto insere-se uma excepcional nota de Engels sobre o adiantamento das formas de empresa como um elemento dinâmico desse processo, a nosso ver precursora das análises de empresa que se colocam numa perspectiva macroeconômica. É algo a ser retomado, noutro desenho de análise, em que se supere essa aparente circunstância, de que a empresa seja unicamente uma referência de análise microeconômica, e que não a situam como um componente de uma visão macro econômica dos interesses do capital.
Uma vez colocada a questão relativa ao papel do crédito nas transformações da produção capitalista, Marx enfrenta a necessidade de penetrar na constituição do capital bancário, que é o lugar da produção capitalista onde o dinheiro aparece como capital monetizado (“moneyed capital”), isto é, como capital a juros. Compreende moeda e títulos e valores, que se transformam em valores comerciais, letras de câmbio, valores públicos, letras do Tesouro e ações. Esse conjunto compreende o capital dos bancos e os empréstimos (“banking capital”). Todo esse material está integrado por uma relação de equivalência. Essa análise toma novo impulso a partir do capítulo XXIX – As partes integrantes do capital bancário – que penetra na constituição do capital bancário. A formação do capital bancário põe a produção capitalista diante de outra escala de oportunidades de reprodução do capital, cujo pleno significado só pode ser apreciado na perspectiva de dinâmica da transformação do sistema de produção, que é a do ajuste do capital dinheiro com o capital efetivo. Em sua evolução, o capital aplicado traduz-se em requisitos diferenciados e crescentes de capital dinheiro (o financiamento da produção) que, entretanto, enseja uma circulação adicional (a especulação). Há, portanto, um problema genuíno, relativo à acumulação de capital-dinheiro, que envolve a relação geral entre o dinheiro como tal e as moedas específicas e que controla as condições específicas em que a acumulação pode se sustentar no uso de certas moedas. A conversibilidade das moedas indica essas condições de uso das moedas por parte dos capitais e que foge das condições institucionais com que cada país administra seus problemas monetários.
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A acumulação de capital-dinheiro resulta numa riqueza – dinheiro, que denomina dívidas sociais em geral, especialmente, dívida pública, que passa às mãos do sistema bancário, portanto, que é uma riqueza que depende das condições de sustentação das moedas específicas. Isso explica porque, diz Marx, está constituída de vestígios de transações concluídas, portanto, que é um capital fictício. No entanto, esses títulos e obrigações funcionam como capital para seus proprietários, que são os banqueiros ou outros agentes que se tornam análogos a eles135. A mutação na transformação do sistema acontece mediante a transformação do capital dinheiro em capital de empréstimo, que é como as dívidas socialmente acumuladas tornam-se um meio de viabilizar a acumulação. Como vimos antes, nessa transubstanciação do capital dinheiro valorizado encontra-se o germe da incerteza do capital financeiro em seu conjunto. Diremos que o capital financeiro cria as condições objetivas para que o capitalista como tal emerja do constrangimento de sua situação de proprietário de equipamentos e de seus vínculos com empreendimentos específicos, e aja exclusivamente com a lógica do capital. É uma idéia que surge da observação das conversões entre formas do capital, que o controle de certo conjunto de equipamentos se torna um constrangimento para os capitalistas, tal como suas próprias condições de treinamento e de qualificação. Toda essa análise vai se converter no estudo da transformação do capital dinheiro em capital de empréstimo e vai apontar o caminho pelo qual se identifica a concentração do capital com a formação do lucro extraordinário.
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135 A chamada desintermediação é o mecanismo pelo qual empresas comerciais – supermercados e outros – emitem cartões de crédito e financiam vendas a prazo , operando como bancos de varejo ao consumidor.Essa função se torna um mecanismo adicional de controle do consumo através do controle do crédito aos consumidores. Uma parte cada vez maior das transações financeiras se realiza sem a participação das instituições financeiras oficializadas.
A FORMAÇÃO DA RENDA FUNDIÁRIA Preliminares A questão da renda recebe uma atenção especial de Marx desde sua revisão das idéias dos Fisiocratas, que aparece nas Teorias da Mais Valia e reaparece no Livro II de O Capital. A questão fundamental é que os Fisiocratas viram a agricultura como única fonte possível de produção de mais valia e, por isso, direcionaram a tributação para esse setor. Depois de traçar a influência das idéias dos Fisiocratas em Adam Smith, Marx aponta que o desenvolvimento da produção industrial subordinou a formação de capital na produção rural e deslocou o eixo na produção de mais valia na sociedade em seu conjunto. A nosso ver, aí se encontra uma mudança radical na análise econômica, que passa a poder perceber a produção de mais valia como um resultado dos incrementos de produtividade e como um traço da produção capitalista em seu conjunto. A rigor, essa inversão da análise da renda da terra submete a análise setorial às grandes determinações da formação de capital. Com Marx, a análise da agricultura, tal como a da indústria, torna-se uma análise intersetorial. Há dois problemas iniciais para esclarecer no relativo ao tratamento dado por Marx à questão da renda da terra, que surgem, respectivamente, de sua suposição de que toda produção rural é capitalista, e de entender que há um resíduo que não é absorvido, que finalmente é a taxa
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diferencial do capital. Esses fundamentos têm que ser revistos por nós, porque desconhecem a pluralidade da economia rural – desigualmente conduzida e os efeitos da colonização, hoje da concentração do capital. Esses problemas iniciais estão ligados à questão que aparece na parte final da análise marxiana da renda da terra, que corresponde à explicação da renda capitalista da terra e que se resume em que o capital alcance uma renda compatível com o capital acumulado. O condicionamento da renda da terra às condições da exploração capitalista levanta um problema histórico concreto relativo ao preço das terras. Veremos que Marx aborda esse problema de preços em dois níveis, expondo a ambigüidade da relação entre a fixação de preços das terras pelos proprietários capitalistas e pelos capitalistas arrendatários. A teoria da renda fundiária de Marx desenvolve-se num sentido oposto ao da teoria da renda da terra de Ricardo, levando-a à condição de parte integrante da formação do capital nos segmentos mais avançados do sistema tanto como nos mais atrasados. Historicamente, o problema se coloca com a inserção da produção rural no contexto da produção capitalista, quando ela deixa de ser a única possibilidade de se gerar e captar mais valia, para ser uma modalidade de produção condicionada pela produção industrial136. Para Marx são duas situações completamente diferentes, de pretender-se explicar como surge a formação de valor nos usos da terra, ou de se tratar de explicar a formação de uma renda capitalista da terra, que só pode ser compreendida como parte do espaço de opções do capital avançado, que controla a renda extraordinária. Algumas citações iniciais são reveladoras desse caráter da renda fundiária.
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136 Ver a exposição de Marx nas Teorias da Mais Valia, na parte que crítica a formulação dos Fisiocratas.
“Partimos do principio de que a agricultura, tal como a indústria, está dominada pelo regime capitalista de produção, isto é, que a agricultura é explorada por capitalistas que de momento só se distinguem dos demais capitalistas pelo elemento em que investem seu capital e sobre o qual recai o trabalho assalariado.” Isso significa que a agricultura será regida por uma composição técnica do capital que não pode ser percebida por separado da composição orgânica do capital no sistema produtivo em seu conjunto, portanto, que interdepende da composição técnica do capital na indústria137. A premissa de que a agricultura caiu sob o império do regime capitalista de produção implica que domina todas as formas de produção(...) e que se dão em sua plenitude as condições que o caracterizam, tais como a concorrência dos capitais, a possibilidade de que estes se transfiram de um ramo de produção a outro... Não vale, portanto, objetar que existiram e existem outras formas de propriedade territorial e de agricultura. Essa objeção pode ser dirigida aos economistas que consideram a produção capitalista na agricultura e a forma de propriedade territorial, não como categorias históricas senão como categorias eternas138. O objetivo de Marx, portanto, é conhecer como a forma adequada da propriedade territorial é criada pelo próprio regime de produção capitalista, ao submeter a agricultura ao império do capital, com o que a propriedade feudal e a pequena propriedade camponesa combinadas com o regime comunitário, convertem-se, também, em forma adequada a esse regime de produção, por mais que suas formas jurídicas possam diferir. L III, pp.575
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137 A escala de complexidade do problema só se revela por completo quando se vê que o recuo do assalariamento envolve a necessidade de novos modos de uso do tempo dos trabalhadores. 138 Veremos adiante que essa observação leva a organizar a análise da produção rural considerando que as formas de produção rural passam por modificações, assim como, que algumas formas de produção são substituídas por outras. No nosso caso, por exemplo, até a pecuária extensiva incorpora inovações técnicas e o conceito de eficiência na produção produto por produto se substitui por um conceito de eficiência no uso da força de trabalho em seu conjunto.
Aspectos gerais Há duas observações principais sobre a teoria da renda da terra em Marx: a renda da terra surge de movimento do capital no campo e se realiza em condições de mercado. O movimento de expansão do capital faz com que haja capitais disponíveis para investir na produção rural. Haverá demanda de terra na medida em que os resultados efetivamente obtidos da produção rural sejam comparáveis com outras aplicações; e na mesma proporção em que a incerteza dos custos e dos resultados da produção rural seja aceitável frente aos padrões de incerteza dos demais setores da produção. O essencial da abordagem de Marx sobre a formação da renda fundiária consiste em distinguir que as formas de propriedade são historicamente determinadas, portanto, que não são permanentes; e que o mecanismo da formação da renda territorial está na “diferença entre a renda do solo e os juros do capital incorporado nele”. (L.III, 589). “A propriedade territorial, tal como todas demais formas de propriedade, responde a uma necessidade histórica transitória e também, por conseguinte, às relações de produção e de troca que dele se derivam” (L.III, Idem). Diferente e ao contrário de Ricardo, Marx vê a renda da terra no contexto do capitalismo, como resultado da aplicação rural do lucro extraordinário obtido do conjunto das aplicações de capital. Logicamente, Marx raciocinou em termos da formação da renda na Europa – tomando a América e a Ásia como contrapontos – portanto, sem ter razão alguma para considerar aquela propriedade fundiária patrimonialista do sistema colonial139. Está claro que, se se começa por
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139 A reflexão sobre a formação da renda fundiária no Brasil impõe que se faça uma revisão dos fundamentos históricos do problema. Primeiro, pela combinação de formas autenticamente capitalistas com formas pré-capitalistas garantidas pelo controle político e com formas de produção baseadas em extrativismo, que se organizou, com diferentes matizes, desde o fim do tráfico de escravos. Segundo, pelo conjunto dos privilégios que cercaram a condução da modernização conservadora no campo, em seus diversos aspectos, que esteve associada ao controle da mercantilização das terras. O essencial no caso é um processo de redistribuição de terras, que compreende os dois aspectos, de reforma agrária e de concentração de terras por parte de grandes capitais, em que a reforma agrária se identifica com soluções tecnológicas pouco rentáveis, enquanto a concentração de terras se identifica com opções tecnológicas de alta eficiência. No Brasil não há como ignorar que o processo de
estabelecer que o estudo da renda fundiária parte das condições de desenvolvimento do capitalismo, será inevitável ter que considerar que as condições de desenvolvimento do capitalismo nas sociedades ex coloniais e periféricas é determinante da progressão das opções de escolha de produtos e de formas de produção. Uma elaboração adicional desse argumento mostra que o controle patrimonialista da terra não é apenas um vestígio pré-capitalista senão que reflete uma capacidade do sistema capitalista periférico de usar poder político como meio de garantir vantagens de monopólio. Isso quer dizer que as formas de produção, tais como a pecuária estabulada ou a pequena produção diversificada, são realidades que correspondem ao que se entende hoje e aqui por produção diversificada e por pecuária intensiva, que são dois conceitos sujeitos a qualificação, que podem ter diferentes significados ao longo do tempo e em diferentes lugares. O fundamental é reconhecer as condições concretas em que se realiza a produção no meio rural. No essencial, a formação de renda é um resultado da produção capitalista, que deve ser apreciada em sua complexidade e não em suas formas mais simples. O importante não é conhecer cada forma de produção, senão de compreendê-la como parte de um processo que cria e destrói formas de produção. Contrasta com a proposta – que tem se renovado ao longo do tempo sob diversas formas – de tomar as formas de produção como categorias invariantes. Isso significa que a análise da renda territorial em Marx não sofre a ruptura alegada por muitos, entre a análise da renda rural e a da renda urbana, havendo, uma equivalência entre a renda do solo e a dos espaços criados, que surge, justamente, quando se vê que a capacidade de
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modernização da produção rural é conduzido por capitais que se realizaram nas cidades, assim como não há como não saber que essa modernização é um processo desigual e irregular, que constitui uma mancha mas que permite - e estimula – a persistência de uma pequena produção rural – mais ou menos identificada com produção familiar – que funciona como ambiente da reprodução social dos grupos sociais de excluídos da modernização rural. A escolha de produtos por parte dessa pequena produção marginal é reveladora. Ela escolhe produtos de baixa rentabilidade – independente da produtividade do trabalho – mas que são os únicos cuja comercialização está ao alcance desses pequenos produtores. Aqui, como alhures, torna-se evidente que o controle do capital no campo se realiza através do controle da comercialização.
gerar juros sobre capital incorporado resulta do conjunto das modalidades de controle do território e não de uma modalidade isolada. A originalidade da análise da renda fundiária em Marx está em identificar historicamente a relação entre o controle do patrimônio fundiário e o modo como ele é inserido no processo de produção. A explicação do desenvolvimento da produção capitalista em seu conjunto levou Marx a dedicar uma grande parte do Livro III a propor uma explicação da renda fundiária, em que retoma a discussão desde a base colocada por Adam Smith e revê as bases da teoria da renda diferencial da terra de Ricardo à luz da formação do controle monopolista da terra. Smith dissera que o preço da terra é determinado pela renda que ela pode gerar. Isso logicamente se aplica na explicação do mercado de terras, tanto como na explicação da renda monopolista das terras. Ricardo tratou essa formação de preços focalizando em condições comparativas de uso. Desconsidera o monopólio. Marx inverte a análise, partindo do monopólio e colocando a perspectiva macro econômica do problema. A principal diferença entre a leitura de Ricardo e a de Marx não é que a primeira se limite aos aspectos de renda diferencial e a segunda trate do monopólio da terra, senão que a primeira se refere a uma dada situação da acumulação do capital e a segunda examina a renda da terra ao longo da acumulação. Com Marx, forma-se uma teoria da renda fundiária, que acompanha as conseqüências da acumulação sobre a capacidade de acumular. Hoje, os problemas da renda da terra se bifurcam primeiro, porque se torna mais difícil distinguir o papel do monopólio, quando o aumento de densidade de capital - representado por elevação de tecnologia - amplia as possibilidades de aproveitamento das terras; e segundo,
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porque há um forte apelo, para usar a teoria da renda da terra para explicar a valorização urbana. No âmbito das cidades a questão se complica, porque a base da renda da terra torna-se menos visível, ao depender menos do solo natural e depender mais de valor agregado sobre a formação dos espaços volumétricos. Mas isso não é a sua substituição pelo trabalho posteriormente incorporado à terra, senão o seu encobrimento pelo mecanismo indireto de agregação de valor. Um arranha-céu de 40 andares depende de sua base geotécnica proporcionalmente mais que um galpão que ocupe uma superfície igual. A nosso ver, a análise desse problema no campo do pensamento marxista fica a dever à contribuição de Engels, em seu texto sobre os problemas sociais de moradia140. Como a moradia é indispensável, ela é uma constante do problema. O capital estende sua capacidade de criar monopólios às cidades. "Como, pois, resolver o problema da moradia? Na sociedade atual, resolve-se exatamente do mesmo modo que qualquer outro problema social: pelo nivelamento gradual de oferta e procura, que reproduz constantemente o problema que, portanto, não é solução. A forma como uma revolução social resolveria não depende somente das circunstâncias de tempo e lugar, senão de questões de maior alcance, entre as quais está a supressão das diferenças entre cidade e campo."(pp.337) Engels vê que as classes sociais resolvem de diferentes modos seus respectivos problemas de moradia, onde as soluções encontradas pela burguesia condicionam as soluções dos trabalhadores. Entretanto, os problemas teóricos que permanecem decorrem da mesma problemática que levou Marx a buscar uma integração da análise dos problemas fundiários no plano do controle monopolista. A renda do fator terra - representativo de recursos naturais - passa a verse sobre o conjunto da integração dos interesses monopolistas organizados nas cidades. A
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140 Friedrich Engels, Contribución al problema de la vivienda, em C.Marx, F.Engels, Obras escogidas, Progreso, Moscou, 1974, 3 vols., vol. II, pp. 314 a 396.
questão consiste em que as cidades oferecem mais oportunidades para a formação de monopólios que o campo. A análise da renda da terra torna-se a análise do capital gerado pela urbanização, que é o capital imobiliário. O processo se repete em condições de maior complexidade. O capital passa a controlar indiretamente a formação de valor, mediante a construção dos sistemas de infra-estrutura e controlando as regras de verticalização urbana, que selecionam as oportunidades de formação de valor para os diferentes capitais.
O mecanismo central da renda fundiária A análise
de Marx parte de situar a renda da terra no contexto da produção capitalista,
portanto, como um resultado de aplicações de capital em mercado, isto é, em condições que comandam a estruturação e a transformação da produção capitalista em geral, no que ela subordina e inclui todas as demais formas de organização da produção. A temporalidade da renda da terra não é a de um ano agrícola, senão a dos retornos dos capitais que procuram reproduzir-se mediante as rendas que obtêm da propriedade da terra.
Diremos que essa
perspectiva de análise deve ser seguida para decodificar a comparabilidade entre as diversas glebas, que na verdade refere-se a comparações entre unidades produtivas. Trata-se de renda fundiária, que se manifesta no solo rural trabalhado pela agricultura e no solo urbano ocupado
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por edificações, que envolvem um período de depreciação, e, acrescentamos, as possibilidades de concentração de valor dadas pela verticalização e pela diversificação dos capitais que se concentram nas cidades141. Nessa perspectiva de análise, a primeira e mais importante observação sobre o tratamento dado por Marx à renda do solo, consiste em vê-la como parte de um movimento de reprodução do capital que usa as oportunidades que encontra, de realizar operações financeiras e de realizar aplicações com rentabilidade previsível. Apesar de declarar que “a análise da propriedade territorial cai fora do escopo desta obra” Marx na verdade instala uma visão moderna da produção agrícola, vendo-a como uma aplicação de capital formado na produção capitalista em seu conjunto, que, por isso, são comparáveis a quaisquer outras aplicações. Mas logo distingue, seguindo a linha de análise de Adam Smith, que a produção dos produtos básicos (alimentos) torna-se referência das demais linhas de produção. A agricultura tem que ser analisada como algo historicamente formado; e não como algo eterno, que se realiza de um modo que determina um processo de valorização da terra. O movimento de expansão e de mudança de composição do capital no campo torna-se a referência central dos diversos movimentos de formação de renda, que, logicamente, não estão separados dos movimentos de expansão do capital dinheiro, portanto, do controle dos bancos sobre a agricultura142. No entanto, a expansão do capital igualmente significa o reordenamento do capital em seu conjunto, o que significa que os usos de capital já aplicado têm que ser constantemente revistos.
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141 O conceito de solo criado surge como primeiro ponto de apoio de uma análise da formação de uma renda imobiliária urbana que se torna incomparável com a renda do solo rural. A complexidade do sistema fundiário urbano não se esgota na verticalização - positiva e negativa – mas parte de relações de domínio que surgem da permanência ou da não permanência dos moradores e das preferências do capital por determinadas áreas de uma cidade. 142 No Brasil, esse movimento reveste-se de peculiaridades, que é preciso esclarecer. A produção agrícola formou-se a partir da produção de mercadorias que se comercializavam em escala internacional, mas que só podiam ser realizadas quando em combinação com outras mercadorias. A produção açucareira dependeu da produção primitiva e do extrativismo de alimentos. Mas a valorização da terra dependeu do efeito combinado das diversas formas de exploração sobre o controle das condições de ocupação da terra. Mas esse processo no Brasil não pode ser separado do processo de comando da
Trata-se, portanto, de qual perfil e velocidade do processo de monopolização, e nele, qual ou quais os papéis da agricultura no movimento de acumulação. A idéia básica é que o papel da agricultura não pode ser percebido por separado do papel que assume a produção industrializada. Assim, há uma formação de rendas do capital, decorrentes da exploração capitalista do campo, em que se encontram uma renda diferencial e uma renda absoluta, criando uma escala de renda imobiliária, que não depende dos usos de cada imóvel específico, mas que no conjunto é afetada pelo conjunto dos usos das glebas.
disponibilidade de trabalho compulsório. Tal comando, obviamente, compreendeu o constrangimento dos índios e dos negros, e, de diversos modos, das diversas minorias que foram objeto da violência da expansão colonial. Esse constrangimento continua, na forma de falta de ocupação remunerada para uma parte da população.
Marx traz uma inversão fundamental do argumento de Ricardo, quando diz que a renda do solo só pode realizar-se como renda em dinheiro mediante a produção de mercadorias, concretamente, por ser parte da produção capitalista. Para que haja renda da terra tem que haver uma produção de mercadorias suficiente para reproduzir o capital aplicado. Aqui Marx introduz uma hipótese destinada a colocar a condição de viabilidade capitalista da produção agrícola, que é de que a produção seja vendida por seus custos de produção, isto é, que não seja vendida por menos que seus custos143. A principal diferença do tratamento dado por Marx à renda da terra, comparado com seus predecessores, está em sua abordagem histórica do problema, comparada com a abordagem de análise instantânea.
A abordagem histórica permite articular as diversas variáveis que
intervêm nesse problema. Isso resulta no tratamento de dois aspectos fundamentais, que são os de produtividade do trabalho e de transformações do mercado. A análise de Marx da renda fundiária é, essencialmente, complexa, envolvendo diversos tipos de variáveis, assim como envolvendo o momento e o modo como essas variáveis devem ser inseridas. Diferentemente de
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143 Essa hipótese tem que ser revista à luz das condições imperantes nas economias periféricas de hoje, em que os preços das principais mercadorias, que pré-condicionam a demanda interna, são definidos na esfera internacional. Que a produção seja colocada a preços não inferiores aos custos não é suficiente para garantir que essa produção se realize.
Ricardo, Marx considera os efeitos de diferenças de produtividade na formação da renda diferencial da terra, assim como considera os efeitos da exploração simultânea de terras de diversos tipos. Considera, ainda, o efeito da localização das terras em relação com o mercado, assim como os efeitos dos sistemas de transportes na formação do conjunto das rendas. Enquanto Ricardo calcula a renda diferencial como originada por uma diferença de custos de produção, Marx calcula a partir de preços, portanto, ligando-a a condições específicas de mercado. Sua premissa básica é que aos proprietários interessa a renda que obtém da totalidade das terras que possuem e não só de um tipo de terras. O fato da propriedade impõe um perfil de comportamento relativo à receita operacional que se obtém, portanto, que resulta em oferta de mercadorias produzidas pelo conjunto da propriedade 144. Marx analisa a formação da renda diferencial em condições de preços de produção constantes, decrescentes e crescentes, portanto, frente a variações negativas e positivas dos capitais adicionais, examinando variações dos resultados da incorporação de terras de pior qualidade. Sobre esse conjunto de condições da formação da renda diferencial, Marx passa a examinar a renda absoluta, que explica como a seguir (L.III, PP. 715) “A essência da renda absoluta consiste no seguinte: capitais de igual magnitude, invertidos em diferentes ramos da produção produzem, com a mesma taxa de mais valia e o mesmo grau de exploração, massas diferentes de mais valia, segundo sua composição orgânica média. Na indústria, essas massas de mais valia se compensam pelo lucro médio e se distribuem por igual entre os diferentes capitais, como entre partes alíquotas do mesmo capital social. Mas a propriedade territorial, onde a produção necessita de terra, seja para fins agrícolas, seja para a extração de matérias primas, impede que essa compensação se efetive, no relativo aos capitais investidos
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144 Esse argumento torna-se evidente quando se estuda a produção de mercadorias agrícolas para exportação. Em casos como os de cacau e de frutas, cada estabelecimento tem uma parte de suas terras dedicadas a esses produtos e outra parte voltada para a produção de produtos definidos como de consumo interno, basicamente de alimentos. Os critérios usados nesses dois tipos de produtos são completamente diferentes e o único elemento que dá a união do conjunto é o tempo de trabalho. Na análise econômica da pequena produção, dita familiar, encontra-se que há um limite mínimo de ocupação efetiva dos integrantes da família – ao redor de 180 homens dias – que indica a capacidade de satisfazer as necessidades básicas. Uma ocupação inferior a esse número indica carências alimentares. A gestão da produção familiar, acima de tudo, é a gestão de um potencial de trabalho entre aplicações, em que se procura usar esse trabalho de modo mais eficiente para o conjunto e não apenas de modo mais eficiente para cada produto. Como as atividades têm calendário estacional e demandam certa carga por produto
na terra, e absorve uma parte da mais-valia, que de outro modo entraria no jogo da compensação para formar a taxa média de lucro. A renda forma, então, parte do valor, e mais concretamente, da mais-valia das mercadorias, com a diferença de que essa parte, em vez de ir parar na classe capitalista, vai parar com os proprietários, que a extraem dos capitalistas”. Isso nos leva a uma reflexão sobre as condições da análise rural de hoje. Ora, a partir da situação em que a formação da renda fundiária se torna parte das determinações do capital em sua composição técnica de hoje, torna-se supérfluo discutir a renda da terra sem levar em conta as condições de formação do lucro médio no sistema produtivo em seu conjunto. A valorização de terras, nos campos e nas cidades, surge como um conjunto de movimentos interdependentes, em que as decisões do capital são lideradas por decisões do grande capital e em que as condições de valorização do trabalho são reguladas pela qualificação do trabalho mais qualificado. A análise de Marx da renda da terra incorpora os elementos de composição do capital indicados no estudo da reprodução simples – Livro II – em que se distingue a produção de meios de consumo e meios de produção, mas em que o mercado de trabalho está virtualmente unificado. Este último aspecto teria que ser revisto no relativo às economias periféricas no que elas contêm diferenças significativas de integração do mercado de trabalho.
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homens hora por ano para cada hectare de feijão, por exemplo) o programa de produção da produção familiar tem que ser posto numa seqüência de atividades compatível com os usos do tempo de trabalho disponível.
TECNOLOGIA Na leitura de Marx é preciso estabelecer que tecnologia, em seu sentido mais amplo e mais rigoroso, é o modo da práxis como tal. Isto é, tecnologia é a expressão mais ampla que denota a realidade enquanto ação social produtiva, enquanto modo de fazer as coisas. Assim, há uma visão tecnológica do processo social que se completa e confronta com os elencos de técnicas, assim como os elencos de técnicas correspondem a determinadas condições de desenvolvimento das forças produtivas. Concretamente, há tecnologias básicas, tais como as da energia e dos transportes, e tecnologias complementares, tais como as da produção de vestuário ou de mercadorias para o lazer. Há tecnologias que variam pouco ao longo do tempo, tais como as da produção de pão e vinho e outras que variam muito em pouco tempo, tais como as da produção de alimentos nocivos e de bebidas enganosas. Há tecnologias que são desenvolvidas pelo grande capital e constituem meios de controle de poder sobre investimentos e outras que são mercadorias descartáveis, que o sistema capitalista desenvolve e abandona. A tecnologia em si não é um fato ideológico, mas o modo de produzir, usar e controlar tecnologia é ideológico naquilo em que representa interesses organizados e em que decide quais tecnologias serão escolhidas para serem desenvolvidas. A “escolha” de desenvolver o automóvel como meio de transporte privado deu lugar a um grande número de efeitos em cadeia, que passou a condicionar o sistema produtivo em seu conjunto.
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A questão tecnológica em Marx aparece ao nível do funcionamento do sistema capitalista em seu conjunto e ao nível dos usos de técnicas em formas específicas de produção. São dois planos que interagem na progressão do desenvolvimento do sistema de produção, onde, portanto, distinguem-se as condições materiais de uso de tecnologia, as possibilidades sociais e técnicas de uso de tecnologia e as características operacionais dos usos de técnicas específicas. A capacidade da sociedade de usar tecnologia se amplia e muda de forma, à medida que o sistema se torna mais complexo e que se amplia a escala de uso de recursos. Há uma complementaridade entre o conhecimento incorporado nas técnicas, que se congela em técnicas específicas, e o conhecimento incorporado pelos trabalhadores, que varia continuamente, portanto, variando as possibilidades reais de aproveitarem-se as técnicas disponíveis. Por isso, a questão tecnológica deve ser apreciada a partir do conjunto de O Capital, sem prejuízo de levarem-se em conta alguns textos inéditos específicos sobre técnica, que tratam mais diretamente da relação entre técnicas e uso de recursos naturais e sobre máquinas145. Para nós, o conteúdo desses textos é considerado como parte do conjunto maior do tratamento da tecnologia, que não deve ser confundido com as observações específicas sobre técnica. A questão tecnológica em seu sentido mais amplo, como uma categoria do capital, é uma dimensão essencial da explicação da produção capitalista desenvolvida por Marx. Por isso mesmo, não é tratada por separado por ele, senão está incorporada no movimento que desloca a composição técnica do capital, e está na diferenciação entre o manejo da maquinaria pelo grande capital e pelo pequeno capital, assim como está nos modos como o sistema de produção maneja alterações de velocidade na articulação da esfera de produção com a da circulação. Está claro que
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145 Karl Marx, Capital y tecnologia, manuscritos inéditos (1861-1863) México, Ed. Terra Nova, México, 1980.
na visão de Marx de uma totalização progressiva do sistema de produção, a tecnologia tem o significado ontológico de modo de fazer como tal, que se manifesta nas diversas formas específicas de fazer. Tecnologia está na vida social em sua variedade, mas na produção capitalista tem um significado especial, que é o de que a produção capitalista precisa de renovação tecnológica, para acionar o mecanismo da mais valia relativa. O mecanismo examinado por Marx é aquele pelo qual a entrada de novas técnicas reduz o tempo socialmente necessário para produzir determinadas mercadorias – elevando a produtividade dos trabalhadores – que, entretanto continuam recebendo salários estabelecidos pela oferta e demanda de trabalho no mercado. A tecnologia, portanto, tem subsumido o código de preferências do capital, no relativo a escolher aquele modo de fazer que lhe permite exercer seu controle sobre o trabalho e sobre os recursos naturais. O capital prefere aquelas soluções técnicas que lhe permitem extrair mais valia de um dado conjunto de usos de trabalho. No limite, a escolha de tecnologias é um dos principais aspectos do imperialismo, que começou pela classificação de produtos e passou a usar essa classificação para criar diferenciais de preços que não correspondem a diferenças substantivas de qualidade. A classificação de produtos tais como chá, arroz, café, cacau, fumo, foi um mecanismo que permitiu que países que não produzem esses produtos passassem a controlar seus preços. O mecanismo de deslocamento da composição do capital incide na composição técnica do capital que se forma e altera as condições de uso do capital acumulado. O problema é que o capitalismo necessariamente funciona mediante deslocamentos de tecnologia, que introduzem
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um padrão de imprevisibilidade no sistema, por mais que cada movimento específico seja previsível. O movimento geral da produção de mercadorias compreende substituição de mercadorias e mudança da funcionalidade das mercadorias, que se projeta na relação de preços, porque (L.III) o aumento do capital constante na composição do capital permite aos capitalistas realizar a taxa de mais valia cm menores taxas médias de lucro. Essa regra geral se aplica de diferentes modos para o pequeno e para o grande capital, em parte porque o grande capital pode trabalhar com maquinaria nova e deliberar sobre o uso de maquinaria velha, e em parte, porque o grande capital pode escolher técnicas específicas como integrantes de conjuntos, ou situar as decisões sobre tecnologia como parte de “famílias” de tecnologia – tais como ele considera as tecnologias da produção de tecidos, da indústria editorial e das ferrovias146. Esses aspectos materiais da tecnologia, no entanto, foram vasculhados por Marx em seu significado em termos de continuidade ou de descontinuidade do trabalho, portanto em seu significado social. Na perspectiva do processo de acumulação, a tecnologia é uma manifestação externa da estratégia do capital em sua gestão do capital constante, em que ele procura usar o aproveitamento do capital constante para transformar os aumentos de produtividade dos trabalhadores em diminuição do pagamento de salários. Assim, o debate em torno da tecnologia é um modo indireto de colocar a tendência do sistema a substituir trabalho por capital. Esse mecanismo se revela em sua inteireza no processamento da maquinaria no processo de produção, em que a incorporação de técnicas funciona como um mecanismo pelo qual, os ganhos de produtividade são transformados em capital constante e são captados pelo capital,
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145 Karl Marx, op.cit..pp. 71-120.
enquanto os trabalhadores são remunerados com salários médios de mercado. Nesse sentido, a tecnologia aparece como uma sucessão de técnicas novas, que entram no mercado seguindo estratégias do capital para prosseguir o movimento de captação de mais valia relativa 147. Mas que é uma progressão que tem conseqüências inevitáveis, em termos de pressionar negativamente a taxa de salário. Essa linha de argumentação tem dois desdobramentos, que devem ser enfatizados: o da transferência dos incrementos de valor e compressão da renda familiar e o da exclusão de trabalhadores, que se apresenta como um efeito geral do sistema, que retira do mercado um certo número de trabalhadores e que bloqueia a entrada de outros. Os dois movimentos são concomitantes e combinados e geram um leque de resultados que se desdobram ao longo do tempo. Certamente, essa linha de argumentação subentende a diferenciação entre os modos operacionais do grande e do pequeno capital, já que somente o grande capital está em condições de exercer controle sobre o monopólio da produção e da compra de tecnologia. Observe-se que os elementos conceituais essenciais desse argumento são apresentados por Marx na análise da produção social do capital, mas são, de fato, desenvolvidos quando estuda o nivelamento da taxa de lucro, que justamente envolve esse controle do grande capital. A tecnologia corporifica a relação entre a ciência e a economia, mas essa relação é conduzida pelos interesses instalados no sistema produtivo, que dão lugar ao estilo predominante de desenvolvimento e da condução do processo de acumulação de capital e de 147 “
renovação da qualificação dos trabalhadores.
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” op.cit. pp.130.
CAPÍTULO 11. A QUESTÃO DAS CLASSES SOCIAIS A percepção da formação de classes na estruturação social conduzida pelo capitalismo apóia-se primeiro na objetivização de interesses coletivos, para depois penetrar em seus aspectos subjetivos. Mas está claro que se move desde a fundamentação material das ideologias até a ação das ideologias na transformação do sistema de produção. Não é, portanto, uma parte da Economia Política, senão um aspecto que envolve o caráter crítico da análise, no que ela reflete as representações dos interesses dos participantes do processo socio-produtivo. Na busca de uma teoria das classes sociais em Marx, é preciso ver que o capítulo com esse título no Livro III é apenas um fragmento e que as idéias dele sobre classes são parte de uma visão mais ampla da estruturação social, onde a formação de estamentos aparece como uma etapa anterior da formação de classes propriamente dita. As relações de classes são a modalidade de relações que se desenvolvem na sociedade do capital, logicamente, sobre os fundamentos históricos do capitalismo, desde a escravidão ou desde a servidão feudal. Tacitamente, as relações de classe mudam, acompanhando o processo que torna o sistema do capital um sistema de relações despersonalizadas e indiretas. A teoria das classes sociais em Marx aparece na Ideologia alemã e como um desdobramento da divisão do trabalho, que dá lugar à consolidação de interesses contraditórios.
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A teoria das classes sociais é a teoria das lutas de classes no capitalismo. Mas Marx não limita esse conflito aos termos da produção capitalista, senão vai aos conflitos de classes nas sociedades mercantis, desde a escravização. A história das classes é a história de conflitos que se projetam ao interior do sistema produtivo, que mudam de forma ao expandirem-se os espaços efetivamente capitalistas das relações. As classes sociais surgem como conseqüência de diferenciação e conflito de interesse, distinguindo-se da diferenciação por privilégio. Há classes nas sociedades onde predominam interesses sobre privilégios e tradições. A relação entre senhor – escravo, trabalhada por Hegel, é uma relação de classe, em que o senhor se identifica como tal por poder extrair trabalho do escravo. Mas a sociedade capitalista sistematiza a relação de classe, em que a contradição de interesses faz com que a própria presença das classes envolva uma luta de posições e de capacidade para mudar de posições. A relação de classes é a relação de coletivos, que permite aparecer o ser social. A teoria econômica registra uma análise de classes desde os Fisiocratas, Adam Smith e Ricardo, que, entretanto, somente nesse último traduziu-se num modelo de análise em que a diferenciação de interesses traduz-se em alguma forma de conflito de interesses. Em Marx, a doutrina das classes passa a registrar a progressão do conflito de interesses inerente à combinação de exploração – acumulação – exclusão. Por isso mesmo, as relações de classe desenham os limites de relacionamentos que compreendem um componente estável e outro instável ou transitório.
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A doutrina das classes em Marx é um dos principais pontos que sustentam a tese de que só se pode captar o essencial de O Capital de uma visão de sua totalidade. Diremos que não só há uma doutrina de classes em O Capital, como que a função dessa doutrina no conjunto da obra é muito diferente do que geralmente se lhe atribui. Não se trata simplesmente de que a relação capitalista produz classes e relações de classe, senão que a estruturação das classes é um elemento necessário da formação do capital. Podemos em princípio considerar que essa questão se realiza em dois níveis, que são os de um desdobramento das relações de classe na operação do capital e nas condições de engajamento do trabalho; e de ruptura de relações de classe estabelecidas, quando irrompe um movimento de desorganização da produção, que destrói posições de classe estabelecidas. Essas mudanças aparecem do lado do capital e do lado do trabalho. A separação entre capitalistas prestamistas e capitalistas empresários e o aparecimento de situações de acumulação primitiva, são exemplos que reforçam esta visão da doutrina de classes. Estas observações somam-se a outras, sobre a ligação entre a formação de classes e a tensão entre os componentes do capital mais imóveis, como os que estão ligados à renda da terra; e os que se identificam com as formas mais voláteis do capital, como os financeiros. Como a formação de classes é inerente à sociedade moderna, as relações de trabalho estão sujeitas a transformações, são necessárias duas qualificações da análise das relações de classe, respectivamente, para distinguir os aspectos históricos e de atualidade; e os aspectos objetivos e subjetivos dos relacionamentos fundados em relações de classe.
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A teoria das classes sociais não resolveu o problema causado pela ambigüidade entre as bases patrimoniais da formação da renda da terra e seu fundamento capitalista. Essa ambigüidade aparentemente se supera mediante a expansão do capitalismo no campo, que substitui a propriedade patrimonial herdada, pela propriedade comprada para empreendimentos. Em termos de hoje, a substituição dos velhos latifúndios formados no período colonial por propriedades compradas para valorizar capital.
No entanto, a experiência oferecida por
pesquisas em diversas regiões do Brasil, bem como em diversos outros países latino-americanos, leva a rever – restringir - esse pressuposto. A precariedade, e mesmo a ausência, de cálculo econômico em grande parte dos estabelecimentos agro-pecuários coloca seus proprietários numa posição que dificilmente pode ser caracterizada como de produção capitalista, por mais que uma parte de sua produção ingresse no mercado capitalista. Marx não resolveu esse elemento anódino da composição de classes, senão que continuou considerando o componente patrimonial da sustentação das classes. A questão do patrimônio permanece na perspectiva econômica das classes, enquanto sua consistência sócio-cultural pode dar lugar a controvérsias na relação entre a perspectiva das classes no espaço-tempo de sua formação e em sua atualidade. A doutrina das classes ficou aberta em dois aspectos fundamentais: no relativo à posição dos que não fazem parte diretamente das relações capitalistas de produção e no relativo à situação dos que são projetados para fora dessas relações. A leitura da questão das classes nas economias periféricas de hoje obriga a trabalhar com a perspectiva de formação de classes, mas com o entendimento de que as classes se formam sem
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jamais incluir a todos os integrantes do corpo social. A complexidade dos processos de exclusão soma-se a novos limites de participação em relações estáveis e legitimadas, tornando-se uma nova regra que reage de volta nas relações das classes propriamente ditas. Longe de se diluir, a teoria das classes sociais torna-se um instrumento indispensável para penetrar em sociedades submetidas a rupturas e a desigualdade crescente.
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A LEI DO CAPITAL Em diversos momentos Marx desfia os dois principais elementos da dinâmica social do capital: a vertigem da mudança social – o novo já nasce velho – e a crise inerente à autofagia do capital, tensionado entre interesses individuais e necessidades da perpetuação do sistema. Ao olhar esse movimento do sistema em sua totalidade não há como limitar a teoria da tendência à crise aos aspectos terminais do processo do capital. A tendência à crise é uma imanência do sistema, isto é, o modo de funcionamento social do sistema contém um modo de relacionamento baseado em conflito de interesses que pressupõe uma crise de objetivos do sistema. Esse conflito de interesse já tinha sido mapeado no modelo de análise de Ricardo como fundamento de uma tendência à estagnação, que é uma conseqüência final do processo da formação de capital. Em Marx a questão não é o resultado senão o processo. Já na Contribuição à critica da economia política Marx aponta à defasagem entre a transformações na composição do capital e a organização social da produção, quando diz que “as forças materiais de produção entram em contradição com as relações de produção existentes” e quando diz no Manifesto que o novo nasce velho. A lei do capital é um presságio que se visualiza desde quando se reconhecem que a renovação da composição técnica do capital pode avançar mais depressa que as condições de renovação das qualificações do trabalho. Ao identificar essa defasagem descobre-se que o sistema produtivo do capital se move guiado por interesses que se manifestam em condições sociais concretas, entretanto, com
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motivações gerais que não podem ser explicadas em termos de consumo, que são as da acumulação de capital. Marx concebe a lei do capital como uma derivação dos efeitos da taxa de mais valia na acumulação, abordando esse problema desde o mecanismo da acumulação dos capitalistas individuais, considerando as condições de mercado em que cada um deles pode mobilizar sua taxa de mais valia para realizar seus objetivos de acumulação de capital. Noutras palavras, descobre o campo de problemas que se encontra entre gerar e captar mais valia e reintegrar a mais valia ao sistema produtivo. A continuidade da acumulação depende de que haja soluções consistentes para os capitais específicos. Assim, a esfera de grandes movimentos da macroeconomia não obscurece o mundo da pluralidade da microeconomia. A lei do capital tem efeitos externos e internos que atingem as possibilidades de reproduzir-se dos diversos capitais e que modificam as condições concretas do movimento social de acumulação, naquilo em que ele envolve relações de poder.
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UMA VISÃO RETROSPECTIVA DO EIXO TEORIA-MÉTODO “Uma vez que conseguiu afirmar-se como tese, essa tese, esse pensamento, oposto a si mesmo,desdobra-se em dois pensamentos contraditório,o positivo e o negativo, o sim e o não.A luta desses dois elementos antagônicos, encerrados na antítese, constitui o movimento dialético”. Marx, Miséria da Filosofia, pp.96.
Há muitas colocações sobre o método em Marx, que refletem o
desenvolvimento de um
processo de trabalho que avança, progressivamente, desde a construção da crítica como modo de análise e visão de mundo, até converter-se em crítica imamente: crítica, como ele diz, que surge da própria exposição do processo social da economia burguesa. A nosso ver, trata-se do movimento que resulta na constituição de sua abordagem estrutural histórica, conduzida dialeticamente, que descreve o movimento de desdobramento do pensamento teórico como produto de trabalho, isto é, como um produto ideológico de determinadas sociedades e civilizações. Outras abordagens sobre o método de Marx, tal como a de Godelier, apontam aos seus modos lógicos. Kautsky focaliza na formação da doutrina econômica em Marx. Hobsbawn desenha o modo de pensar história em seu ensaio sobre as formações pré-capitalistas de Marx.
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Dobb trata o pensamento de Marx como uma vertente crítica da economia clássica. O próprio Marx fala várias vezes sobre método, inclusive no texto dos Grundrisse em que trata de método em análise social e em outros momentos, em que sua visão de método surge de suas polêmicas. A questão de método em Marx a nosso ver tem que ser tratada no plano de um questionamento filosófico - ontológico e categorial – no rastreamento de seus fundamentos em Aristóteles e em Hegel, quando a abordagem realista da dialética revela com mais força a identificação com a perspectiva realista do primeiro. Daí, que a compreensão de totalidade concreta se reporta ao essencial se reporte aos fundamentos metodológicos, isto é, que contemple a inserção de Marx no contexto dos problemas de método que ele próprio reconheceu como necessários. Isto significa expor o Marx filósofo, antes do sociólogo e do economista. Marx não se afastou de Hegel num ponto fundamental, que foi de preferir enfrentar os problemas do real frente ao do ideal. Sua crítica a Hegel, tal como se encontra nos Manuscritos de 44, consiste em vê-lo como pseudoidealismo, que a rigor seria um idealismo que se autoreproduz por separado dos movimentos de pensamento genuinamente derivados do mundo real. Em todo momento está presente a proposta de reconstruir o pensamento social sobre bases historicamente consistentes. Esse, justamente, é um ponto crucial, da fundamentação histórica do método, porque a compreensão de que as ideologias são historicamente produzidas, implica em olhar para os aspectos não materiais da produção, que exatamente o que Hegel fez em suas Lições de História Universal. Esse aspecto da crítica a Hegel teria que ser revisto primeiro, se considerando a obra de Hegel em seu conjunto, especialmente as Lições de Filosofia da História, onde se encontra mais claramente exposta, a relação entre a produção de “idéia” e a cultural.
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Segundo, teria que ser revisto, porque em Hegel a dialética caminha sobre movimentos específicos que são ininteligíveis se separados da relação com o mundo real das sociedades148. Uma leitura do método incorporado no movimento da obra de Marx é indispensável para que se compreendam os significados dos resultados que sua análise objetiviza. O progresso da teoria depende da fundamentação de método. No capítulo inicial sobre método na Crítica da razão dialética, Sartre denominou o método de Marx de progressivo-regressivo, que considerou como uma dialética real, por contraste com uma dialética dogmática. Com isso, refere-se ao contexto da doutrina hegeliana, vendo Hegel com a integridade de sua interpretação, tal como ela se encontra no conjunto da obra, não apenas como ela foi apresentada como um tema, senão como ela foi empregada. A observação final destas notas é que se trata de uma filosofia da realidade, capaz de reintegrar as bases materiais e ideológicas da pessoa que é constrangida a participar do sistema social sem poder compreender onde se encontra nem que pode fazer sobre si próprio. Por contraste, essa filosofia desenha os contornos dos processos de alienação, que se desenvolvem junto com a concentração da capacidade de reproduzir o capital acumulado. Há dois aspectos de método a destacar na obra de Marx, no relativo ao tema deste ensaio. Um que corresponde ao modo de fundamentar-se e ao desdobramento de níveis de análise dos planos mais gerais aos mais específicos. Outro que consiste em explorar cada argumento em suas conseqüências para a identificação e o desdobramento de outros argumentos a seguir. O primeiro aspecto se configura no tratamento dos problemas de categorias e dos problemas de articulação lógica da análise. As idas e vindas entre argumentos antecedentes e conseqüentes, tal como se vê claramente no tratamento da mais valia absoluta e da relativa, mostram esse
148 Talvez essa dificuldade provenha de que alguns dos comentaristas vejam a dialética de Hegel somente através de sua exposição na Ciência da Lógica, sem levar em conta sua presença na obra de Hegel em seu conjunto. Entretanto, também na História da Filosofia ela aparece atavés da vinculação do pensamento teórico a suas condições históricas. .
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encadeamento de raciocínio, que se ajusta ao que Sartre denominou de progressivo-regressivo. O segundo aspecto está mais claro no tratamento dos aspectos financeiros, em que se trata, praticamente, de pesquisar sobre possíveis desdobramentos da tendência inevitável à mudança. Ao olhar para o potencial explicativo inerente às escolhas de método, ganha mais força a distinção entre o trabalho de método no corpo central da teoria, onde tem seu maior impacto no deslocamento do discurso teórico; e nos seus campos subsidiários, onde seu efeito é mais exploratório e não altera muito a linha central da análise. Entendemos que o essencial da discussão teórica é alcançar a maior clareza possível no relativo ao corpo central da teoria, que em última análise determina a clareza sobre suas bifurcações e campos específicos. Abaixo dessas questões mais profundas do tratamento da questão de método, há aspectos que não podem ser ignorados, da relação entre o plano superficial e operacional do método e o plano profundo, da teleologia da análise social, que a liga a uma teoria da ação social, e através desta, ao sentido ou falta de sentido da acumulação.
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