A economia periferica latino americanana

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A economia periférica latino-americana

Fernando Pedrão Versão preliminar 2002


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El desarrollo perifĂŠrico es parte integrante del sistema mundial del capitalismo, pero se desenvuelve en condiciones muy diferentes a las de los centros, de donde surge a especificidad del capitalismo perifĂŠrico. Raul Prebisch


3 Sumário 1.

Apresentação A questão central do desenvolvimento na periferia 1.1. Desenvolvimento como reprodução de subordinação 1.2. Desenvolvimento como mudança de composição do sistema produtivo 1.3. Desenvolvimento como emancipação

2.

Fundamentos e sustentação da periferia econômica 2.1. Produção e reprodução da condição de periferia 2.2. O cenário político da luta econômica 2.3. A formação sócio-cultural e a questão nacional 2.4. Castas, classes e movimentos sociais

3.

Totalidade histórica na formação do sistema produtivo 3.1. Algumas observações sobre a conceituação de totalidade 3.2. Totalidade e pluralidade no sistema colonial 3.3. Tendências convergentes e dispersivas 3.4. A totalidade na economia latino-americana moderna

4.

O capital mercantil e a acumulação 4.1. O papel do capital mercantil na formação da América Latina 4.2. O aspecto mercantil no interesse do capital 4.3. O mecanismo econômico do comércio 4.4. O capital mercantil contemporâneo

5.

As peripécias da industrialização 5.1. Mutações na reprodução do capital 5.2. Formação do capital industrial 5.3. Condições financeiras e composição setorial

6.

A renovação do processo rural e de suas contradições 6.1. Modernização e diversificação 6.2. Novas modalidades de subordinação 6.3. A expansão do capital no campo

7.

Suprimento de trabalho e controle da força de trabalho 7.1. Trabalho compulsório e trabalhadores 7.2. Trabalho proposto e interesses dos trabalhadores 7.3. Mobilidade do trabalho e dos trabalhadores

8.

Acumulação, concentração e fuga de capitais e de trabalho 8.1. Concentração de capital social básico 8.2. Formação e evasão de capital 8.3. Movimentos de formação e de evasão de trabalho Bibliografia


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Apresentação A condição de periferia é um problema histórico concreto, de uma posição econômica inferiorizada de algumas nações frente a outras; e é um problema ideológico, de grupos sociais que vêm essa situação inferiorizada como um problema de classe social, sentindo-se parte das economias centrais, numa identificação que se concretiza em certas modalidades de alienação. Por isso, a condição de periferia ressurge no discurso político das elites subalternas como um problema de status e não como uma situação relativa de poder econômico e político. Há, portanto, duas atitudes perante a questão da periferia, que são as de tomá-la como algo inerente ao modo de desenvolvimento da produção capitalista, cujo tratamento se insere nas políticas de desenvolvimento econômico e social, ou de vê-la como um problema específico de status de algum país determinado, que se deve superar mediante o crescimento do produto social. Neste estudo toma-se a primeira dessas duas posições. Trata-se das transformações e mudanças de composição do sistema socioprodutivo na América Latina, tomando como referência inicial o desafio levantado por Raul Prebisch em artigo intitulado A periferia econômica latino-americana (1981), que focaliza na combinação de movimentos desiguais constitutiva do movimento geral do capitalismo de hoje. Tal questionamento retoma, de outro modo, temas que tinham sido parte da analise do capitalismo na década de 1920, mas que, através da abordagem de Prebisch, tratam desta periferia específica, que é a latino-americana, com suas peculiaridades históricas e com seus problemas atuais específicos. Tanto se trata de colocar um componente específico e essencial do desenvolvimento do capitalismo, como se trata da questão da identidade latino-americana. É uma questão relativa à compreensão histórica do universo latinoamericano, em sua gênese e no modo como ele tem sido, sucessivamente, alterado por processos externamente determinados. É preciso reafirmar que a América Latina teve um papel essencial no surgimento do capitalismo na Europa, através da pilhagem de que foi objeto direto por parte dos diversos países europeus, e através da pilhagem indireta realizada pela Inglaterra através de Portugal.1 Sem essa pilhagem, torna-se difícil imaginar como os países europeus obteriam os recursos para desenvolver sua indústria e suas redes de comércio. A pretensão dos países hegemônicos, de ontem e de hoje, de darem orientações sobre como se desenvolver, discretamente omite como eles próprios conseguiram os recursos para se capitalizarem.

Refere-se a pilhagem de recursos materiais e de pessoas, através dos diversos mecanismos do colonialismo e a pilhagem legalmente organizada, através de tratados e outros instrumentos de força, que se traduziram principalmente em monopólios de exploração de recursos naturais. Até a Dinamarca praticou escravização com objetivos econômicos coloniais. 1


5 A renovação dos problemas resultantes da agressividade da expansão de capitais europeus nas últimas décadas revalida a necessidade de trabalhar sistematicamente com a categoria colonialismo, abandonando as prótesis de neo e de neo neo, para tratar com o colonialismo em seu significado histórico completo, com sua capacidade de se renovar, de assumir novas formas e de procurar novas modalidades de exploração de recursos naturais e humanos de outros países e de garantir condições privilegiadas para seus investimentos. Paralelamente, por trás do discurso aparentemente universalista da proteção ambiental, surgem novas formas de pretensões imperiais dos norte-americanos como e especialmente sobre a Amazônia. O desvestimento das formas exteriores dos discursos de cooperação, mais uma vez, e a exemplo do ocorrido nas duas primeiras décadas após a segunda guerra mundial, revela um modo geral de domínio, que se desenvolve através da imposição de formas culturais, concomitante com o domínio direto dos investimentos. A polêmica acerca do desenvolvimento é a da possibilidade de alcançar progresso material, reduzir desigualdades e chegar a auto-determinação. É uma questão que se coloca nas condições históricas em que se vive, portanto, que corresponde integralmente à realidade social e não é um dilema abstrato entre uma ideologia externamente gerada e uma utopia. Um equívoco de base da teoria do desenvolvimento foi sempre de partir de uma opção prévia, tanto no plano dos objetivos ideológicos como no das soluções operacionais, para gerar propostas genéricas para as nações. As teorias do desenvolvimento não se fundaram em interpretações das relações historicamente construídas, pela simples razão que tomaram a formação social como um dado, ou porque viram o próprio desenvolvimento como um movimento uniforme que pode ser antecipado. Desse modo são idealizações que constituem visões de classe não auto criticadas, tal como a República de Platão. O desenvolvimento é um movimento progressivo que revela mudança e falta de mudança, aspectos positivos e negativos e que exprime liberação de forças sociais independentemente das preferências dos diversos grupos que vivem esses processos. A teoria do desenvolvimento será, portanto, uma teoria da liberação social, revelará as contradições materiais e ideológicas inerentes àq mudança; e terá que se desenvolver em contraponto com uma explicação da concentração de capital e da exploração. Por isso, não se pode pensar em termos de uma suposta viabilidade do desenvolvimento dos países latino-americanos, como se tal resultado dependesse apenas do desempenho deles e não se situasse no contexto dos movimentos da economia mundial. As políticas de desenvolvimento só podem ser compreendidas e avaliadas, quando são colocadas no contexto histórico em que são aplicadas. Mais que uma melhoria generalizada de condições de vida e de reversão de tendências destrutivas dos processos de produção, desenvolvimento significa a superação de condições de subordinação identificadas com o colonialismo inicial e com as sucessivas formas de dominação de que a América Latina tem sido objeto. Há ganhos e perdas de capacidade de realizar políticas por parte dos diversos países, ao longo de sua história, pelo que as políticas devem ser julgadas em sua atualidade e em sua pertinência.


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Em seus aspectos formais e superficiais, o desenvolvimento tem sido reduzido à modernização. Entretanto, as marchas e contramarchas da modernização passaram, desde então, pelos movimentos da modernização tecnológica e pelas contradições sociais advindas dos novos níveis de concentração do capital. Vimos que a concentração de capital não é simétrica, que toma novos matizes, assume novo perfil, segundo mudam a composição do capital e as condições de articulação internacional das economias nacionais. A mundialização do capital deu novos significados equivalenciais à formação de capital e aos usos de tecnologia, bem como às modalidades específicas de qualificação dos recursos humanos. A formação de um capitalismo periférico é um tema que aparece, simultaneamente, em dois planos, que são o do desdobramento de processos seculares instalados com a colonização, e o dos efeitos de processos recentes, identificados com as etapas mais recentes da industrialização e da financeirização da produção. As transformações recentes são os resultados mais imediatos de movimentos de inserção e de distanciamento da economia mundial, que passaram por dois grandes momentos de ruptura, que foram, sucessivamente, a saída da área de influência das antigas metrópoles ibéricas, e concomitante entrada nas áreas de influência do Império Britânico e dos Estados Unidos; e a substituição de trabalho escravizado e dominado por trabalho assalariado e controlado. Esses dois grandes momentos representam mudanças nas condições de mudar, que ampliaram ou aprofundaram diferenças entre os latinoamericanos. O aumento progressivo, em diversas partes do continente, de movimentos populacionais, de trabalhadores de diferentes classes sociais, bem como a entrada de numerosos contingentes de imigrantes, de diversas origens, em diversos países, marcou os dois níveis da mudança: mudança na formação de capital controlada pelos blocos de poder em cada país, ou mudança na mobilidade dos trabalhadores, que puderam transitar entre diferentes condições de subordinação e mobilidade. Focalizar nesses aspectos constitui uma opção de abordagem e de modo operacionalizar a análise social, em que se toma como eixo central o processo social em sua materialidade e em sua historicidade, contrastando com as análises que partem da leitura das estruturas conceituais para olhar os processos, bem como, distanciando-se das leituras que se limitam aos aspectos genéricos dos processos sociais. Mas os processos sociais não são genéricos, no sentido em que sempre se realizam com dados locais específicos de combinações de recursos, que permitem certas combinações de atividades produtivas. Assim, os processos de produção aparecem, sempre, como certas culturas de produção que são historicamente determinadas. A cultura da produção do café não é a mesma de 1950. Nem a cultura da produção de automóveis em 1930 se compara com a de 1990.


7 Entretanto, a abordagem histórica expõe, necessariamente, problemas que geralmente são dados como esclarecidos ou se considera desnecessário tratar. Especificamente, trata-se de estabelecer que se entende por América Latina e qual o significado desse conceito para o futuro das nações latino-americanas. A América Latina é o conjunto das nações que se formaram com a influência predominante dos países latinos europeus, com a unidade que lhes foi dada pelos impérios espanhol e português e com uma forte influência de outras nacionalidades latinas, francesa e italiana, que, em todo caso, se sobrepôs às presenças étnicas e culturais dos indígenas e dos grandes contingentes de africanos que aqui se incorporaram. O distanciamento intencional da África empreendido pelas elites latino-americanas desde sua independência política sempre foi parte de um movimento de legitimação mediante uma descontaminação de uma ligação forjada pelo escravismo. Hoje, em alguns países, como no Brasil, o discurso oficial torna-se de uma aproximação coincidente com interesses de empresas, mas, continua sendo um compartimento colateral inferior ao que se abre nas intenções de relacionamento com nações asiáticas e com nações islâmicas. Além disso, a América Latina é um conjunto étnico e cultural dinâmico, que já incorporou grandes números de asiáticos e que passa por uma complexa recomposição cultural, em função das migrações recentes e da interpenetração com o mundo saxônico, ou mais precisamente, com a outra composição étnica e cultural representada pelos Estados Unidos. É preciso ter claro que se trata de um conjunto de culturas e de identidades, que não necessariamente evolui no sentido indicado por momentos anteriores de maior unidade, senão que tende a explicitar sua complexidade, com uma combinação de contradições determinadas pela expansão da economia mundial e de contradições localmente desenvolvidas. A herança colonial e a subordinação determinada pelos efeitos da expansão da esfera mundializada da economia, em seu conjunto, dão lugar a novas combinações de forças, que agregam novos matizes ao conjunto da sociedade econômica na América Latina. A relação com a África é uma questão mal resolvida, especialmente para aquelas nações latino-americanas que se caracterizaram por racismo ostensivo. 2 Nessa perspectiva, este ensaio coloca-se na tradição de certa linha de debate, que se voltou para a questão continental latino-americana, que é a de uma perspectiva de uma síntese dos grandes movimentos de estruturação e de transformação do continente, ao longo dos processos de unidade e de multiplicidade, de convergência, divergência e contradições, frente a tensões geradas no interior do continente e das que chegam do exterior, principalmente das regiões mais poderosas e prósperas do mundo. Vemos que a própria compreensão de América Latina está sujeita a controvérsias, desde que seja uma designação generalizante surgida nos Estados A polêmica sobre o racismo terá que ser retomada neste trabalho, como parte de uma agenda de autoconhecimento das nações periféricas. 2


8 Unidos, a que seja uma referência do contraste e ajuste entre unidade e multiplicidade. O mundo colonial deu lugar a processos sociais localizados, destituídos do respaldo de uma unidade nacional, em que se apoiavam os colonizadores. A história da decadência colonial (Halperin, 2000) é uma história de interesses e conflitos locais, que resvalam, repetidamente, no caminho da formação de uma unidade nacional. O conflito da representação interna e da externa passa pela capacidade de afirmação da unidade nacional. A história econômica convencional, que se afirma reportando-se a supostas unidades nacionais invariantes, na prática desconhece os processos formativos dessas unidades, reduzindo-as a representações formais separadas de sua identidade real. A escolha do tema e do modo de tratamento envolve uma crítica dos rumos tomados pelas ciências sociais, especialmente pela economia, nos últimos trinta anos, que compreende a substituição da análise da realidade pela de comportamentos, separados de seu enraizamento histórico. A maré neoclássica, o organicismo e o desligamento da análise econômica de seus fundamentos sociais, têm grande parte da responsabilidade desse processo. Subjacente nesta pesquisa, está a necessidade de chegar a uma ancoragem mais consistente da análise social na realidade da formação social, isto é, de recuperar a própria historicidade da análise social. Garantir o modo histórico da análise é uma tarefa que envolve a necessidade colocar os problemas da formação social como conseqüências e como ingredientes da continuidade do processo. O trabalho, portanto, deve muito a alguns antecessores, em especial, a Raul Prebisch e a Celso Furtado, que são, a todas luzes, os principais pensadores da economia do continente latino-americano, especificamente, a algumas de suas obras, que focalizaram nos movimentos continentais da economia. Ambos levantaram mais questões que responderam, mas, certamente, revelaram algumas questões fundamentais, que não tinham sido pensadas ou expostas com clareza. No entanto, não se pode deixar de registrar a fragilidade dessa síntese econômica em dois aspectos, que são os de ligar o movimento econômico propriamente dito aos movimentos políticos e culturais; e de combinar os aspectos macroeconômicos com os microeconômicos, em sua situação histórica. No relativo a Prebisch, o principal débito é com o trabalho inacabado, iniciado em agosto de 1970 e bruscamente interrompido doze meses depois, afetuosamente apelidado de “O Volume” e com o artigo supracitado. Nos idos de 1970, Prebisch empreendeu um trabalho ambicioso, com uma equipe numerosa do Instituto Latino-americano de Pesquisas Econômicas e Sociais, destinado a superar o trabalho formulado no contexto da CEPAL sobre os mecanismos do subdesenvolvimento. Tal trabalho, em que tive a oportunidade de cooperar, ficou inacabado, mas deixou uma semente preciosa, no que representou um esforço para integrar a experiência histórica dos países latino-americanos em seu conjunto, em lugar das referências exemplificativas do trabalho da CEPAL de 1948. O momento histórico e outro, mas rumo do trabalho continua válido, assim


9 como a proposta de desenvolver uma reflexão sobre os elementos essenciais do processo. Do conjunto da obra de Celso Furtado, o maior débito é com o livro intitulado A economia latino-americana, uma síntese desde a conquista ibérica até a revolução cubana. Furtado de fato inaugura uma linha de reflexão sobre os elementos de continuidade continentais, que tinha ficado de fora das anteriores tentativas de explicação dos mecanismos econômicos. Seu trabalho levanta uma indagação básica, acerca de quais tenham sido os fios condutores do processo que substituiu a ordem de dominação colonial pela ordem de dominação póscolonial, ou que substituiu a dominação imperial pela dominação hegemônica. Em qual momento e como, substituiu-se a exploração de minerais preciosos pela de matérias primas, e quando e como se desenvolveu uma economia rural adequada para desenvolver-se como supridora de mercadorias para complementar as indústrias de bens de consumo e as redes de comercialização dos bens de consumo em geral. Diversos outros trabalhos devem ser mencionados, como os de Juan Noyola Vasquez, Oswaldo Sunkel, Aníbal Pinto, Agustín Cueva, de Maria da Conceição Tavares, e de diversos outros autores latino-americanos, aparecidos antes da enxurrada de golpes de Estado, de 1964 a 1976, tais como Jorge Enrique Hardoy, José Luis Romero. Outros trabalhos de inestimável valia são a História contemporânea da América Latina de Túlio Halperin Donghi, que trata da formação do sistema neocolonial e o de Ciro F.Cardoso e Héctor Brignoli, que focaliza na formação dos sistemas agrários. A lista de outras contribuições é muito longa e contém muitos autores e títulos pouco reconhecidos, refletindo um aspecto essencial da tragédia latino-americana, que é, justamente, a falta de conhecimento da própria realidade social e a dificuldade de lidar com as presenças colonizadoras de europeus e norte-americanos. No relativo a autores de outras partes do mundo, há diversas referências, que devem ser feitas, para superar a aparente hegemonização de um pensamento sobre a América Latina formado sobre uma relação com uma visão norteamericana do problema. Há muito a ser dito, no relativo à complexidade das relações das elites latino-americanas com os países europeus e, hoje, se vê, de relações com outras partes do mundo. Nesse sentido, inúmeros autores podem ser citados, mas é preciso destacar as contribuições de alguns deles, como de Samir Amin e de Pierre Salama. A empreitada de tratar a questão social numa escala continental e tomando os processos locais como parte de movimentos internacionais, não pode ser atribuída ao fato de um mandato burocrático das Nações Unidas, que ofereceu o ensejo para o trabalho da CEPAL, senão porque aquela oportunidade correspondeu a uma necessidade histórica dos países latino-americanos. Tais necessidades correspondem a determinações do movimento geral de acumulação na escala mundial, que assumem certas características nesta parte do mundo.


10 Além disso, é uma tarefa que demanda uma ampla e extensa reconstrução do conhecimento do continente, com suas inter-relações internas e externas. 1.

A questão central do desenvolvimento na periferia

1.1

Reconsiderar a questão do desenvolvimento

Que é desenvolver-se? É aumentar a quantidade de recursos materiais disponíveis, em prol de um consumo individual genérico, de incrementar o consumo de determinados grupos, ou esse objetivo compreende o substrato ideológico da vida em sociedade e a emancipação ? É aumentar a capacidade de produzir e de consumir? Ou é superar a dominação e a alienação? O modo de produção capitalista resulta num sistema de produção internacionalizado, desigual e combinado, 3 Desenvolver-se é interferir nessa desigualdade, portanto, não se trata do desenvolvimento econômico de algum país em seu conjunto, senão das relações de poder que estão inseridas na estrutura nacional e nas relações internacionais. O desenvolvimento de um dado país se alcança num contexto internacional e representa uma resposta específica a problemas de subdesenvolvimento. Desenvolvimento de quem e para quem? O desenvolvimento é um processo econômico, ou é um processo que volve a reprodução da sociedade, com seus componentes econômicos, sociais e políticos? Essa questão, levantada anos atrás por Marshall Wolfe, resume os questionamentos que surgiram desde dentro dos esforços para alcançar o que se aceitava genericamente como desenvolvimento. A distinção entre a esfera pública e a esfera social revela-se essencial para captar o significado da relação entre o Estado e a sociedade civil, com as alterações do significado da esfera estatal para a sociedade em seu conjunto e para seus diversos integrantes. A controvérsia relativa aos efeitos do desenvolvimento econômico na distribuição da renda e nas perspectivas de renda dos diversos grupos sociais, torna necessário entrar nas contradições entre o crescimento do produto social e a situação de renda das maiorias. Na década de 50 e seguindo as grandes linhas dos trabalhos das Nações Unidas na América Latina, na Europa e no Extremo Oriente, desenvolveu-se uma análise quantitativista dos problemas de desenvolvimento, que focalizou em resultados calculados em termos de taxas de crescimento do PIB, e que privilegiou o papel dinâmico da indústria. É bom lembrar que as “teorias” do big push e da industrialização foram propostas para os países da Europa oriental As interpretações dos processos sociais e econômicos latino-americanos foram, desde sua origem, marcadas por origens ideológicas nem sempre conhecidas ou explicitadas. A construção dessa interpretação foi positivista ou girou em torno de uma crítica do positivismo, oscilando entre posições conservadoras e liberais. Uma visão histórica e mais especificamente marxista surge como um contraste com esse debate do positivismo. Ver Leopoldo Zea, El pensamiento latino-americano (Barcelona, Ariel, 1976) 3


11 antes que para a América Latina. Na América Latinas mesmo, as idéias sobre industrialização vieram associadas com propostas de política comercial, que foram o eixo principal da análise e das políticas da CEPAL.No entanto, todas essas teorias se afastavam de uma visão genuinamente histórica do continente, portanto, passavam por cima da formação das sociedades nacionais de classes. No início da década de 1970 já tinha se esvaído a candidez que permitiu a simplicidade das formulações teóricas de vinte anos antes. Tal como acontecera com a crítica da Economia Política cem anos antes, abria-se a questão relativa à estruturação social e à composição dos interesses incorporados nos Estados nacionais, abrindo-se a questão relativa à da relação entre o movimento de produção de riquezas e o movimento de apropriação dessas riquezas, e, por extensão, sobre a composição do capital. Supunha-se, em todo caso, a substituição das antigas sociedades patrimonialistas – de fato, mercantis e escravistas – por sociedades capitalistas modernas, ou pelo menos, por sociedades que passam a ser conduzidas por seu segmento capitalista modernizante. No entanto, não se considerava adequadamente, ou mesmo se desconsiderava, que tal substituição ocorreria no contexto das transformações da economia mundial em seu conjunto. Junto com pensadores como Prebisch, Myrdal e Celso Furtado, entenderemos que desenvolvimento é um processo de emancipação, que se forma no interior do desenvolvimento da produção capitalista, representando, portanto, uma grande contradição histórica do capitalismo. Se há um grande movimento de concentração de capital e se as condições de acumulação de capital nos países periféricas são restritas, o desenvolvimento com emancipação será uma anomalia da economia mundial. Assim, certamente há um componente ideológico no debate sobre desenvolvimento, que se distingue das questões técnicas do crescimento do produto social. Talvez por isso, não se questionou como se forma ou se transforma esse segmento capitalista, descartando-se os movimentos que transformam, constantemente esse capitalismo, ou que fazem com que ele se reproduza do mesmo modo como é. Ao abrir questão sobre isso, substitui-se a visão organicista do processo econômico por uma visão histórica, em que a formação de capital significa, necessariamente, uma modificação da composição do capital, com uma conseqüente modificação das condições de engajamento de trabalho. O pleito que se formou em torno da questão do desenvolvimento no momento posterior ao fim da segunda guerra mundial, veio marcado pela perspectiva e pela linguagem das potências colonialistas e por uma atitude condescendente dos países vitoriosos naquele conflito, no relativo às pretensões de nações que tinham sido prejudicadas pelo sistema específico de desigualdades da ordem colonial. O discurso do desenvolvimento apareceu como um discurso de superação da dependência de origem colonial. Surge, também, como um movimento vinculado a uma ética distributivista, mas permaneceu na esfera das reivindicações possíveis na esfera de poder das potências ocidentais. Assim,


12 naturalmente, passou por alto a questão essencial do desenvolvimento, que seria de uma transformação capaz de levar a alterações nas condições de subordinação, e à emancipação das nações. Que significaria, efetivamente, esse desenvolvimento material do sistema produtivo, visto por separado da apropriação de seus resultados? Na realidade, seria apenas tomar a modernização tecnológica como a única possibilidade de desenvolvimento, ou tomar desenvolvimento, tacitamente, como modernização conservadora. O posterior descrédito da idéia e dos objetivos de desenvolvimento indiretamente confirmou os fundamentos do projeto de desenvolvimento como uma resposta à colonização e não como um propósito genuinamente independente. Um primeiro momento do questionamento do desenvolvimento foi aquele que expôs as limitações do conceito de crescimento econômico, para dar conta de processos de transformação, que envolviam, conjuntamente, os aspectos materiais e ideológicos da produção e do consumo, portanto, que envolviam a formação de classes sociais e de relações com o exterior, junto com as transformações materiais imediatas do sistema de produção. Nesse sentido, o desenvolvimento seria um crescimento atrelado a uma melhoria das condições de distribuição da renda, ou seria um tipo de crescimento que levaria a situações socialmente menos injustas. Quais seriam elas, entretanto? Aquelas que herdamos do sistema colonial, ou as desigualdades que se desenvolveram desde a segunda metade do século XIX? Anteriormente, já levantamos questão sobre os aspectos de restauração da prosperidade alcançada por alguns países, subjacentes nas teorias de desenvolvimento, justamente por aqueles países que inspiraram as teorias da CEPAL. 4 Mas falta situar o significado de restauração ao longo do tempo, para distinguir que pode ter sido recuperar o nível de riqueza alcançado no ambiente da primeira revolução industrial, ou recuperar uma capacidade de crescer no ambiente do capital monopolista e dominado por megaempresas oligopolistas. A abertura desse aspecto da questão, de que a questão geral do desenvolvimento encobre interesses na formação de capital identificada com a expansão do sistema produtivo e interesses em restaurar condições anteriores de riqueza, significa, de fato, que se deve enfrentar a complexidade social desse movimento, isto é, revelar que o desenvolvimento econômico é ou foi um projeto de classe, identificado com certa composição de interesses, formada no âmbito de cada uma das nações latino-americanas. Tal composição de interesses veio do período colonial e reestruturou-se ao longo da formação de economias nacionais primário-exportadoras, e adiante foi responsável das contradições e dos conflitos do período de afirmação da independência política. Os conflitos e os ajustes entre os interesses mercantis e os das oligarquias repetiram-se, mediante formas de controle do Estado de variada durabilidade. Assim, a inviabilização do projeto político e econômico bolivariano Referência a O pensamento da CEPAL, Pedrão, Marinho, Rodriguez e Baltar, Salvador ,Ianamá, 1988. 4


13 deve ser reconsiderada, em seu papel histórico mais amplo. Em torno dele, revelaram-se as combinações de contradições externas e internas, acerca da formação dos Estados nacionais e dos blocos de poder. Mas esses conflitos revelaram-se em extensão e complexidade crescentes, ao surgirem os primeiros conjuntos significativos de obras de infra-estrutura e ao aparecerem os primeiros impulsos de industrialização. As diferenças mais significativas entre as nações latino-americanas definiram-se entre 1870 e 1914, quando o continente foi objeto de uma série de fenômenos de grande porte, desde os efeitos da expansão de capitais dos países líderes do capitalismo mundial até quando sofreu os efeitos negativos da primeira guerra mundial em suas relações comerciais. Nesse período organizaram-se relações de exportação de matérias primas e de alimentos em geral para os países líderes da produção industrializada, com as conseqüências de que se organizaram aqui os interesses de classe que controlaram o fluxo de renda e a formação de capital correspondente desse enriquecimento, ao mesmo tempo, estabelecendo as formas internas de dominação e de exclusão que redesenharam as sociedades nacionais. Sob diversas formas, realizou-se uma modernização das oligarquias, que desenvolveram alianças externas. No México, foi uma aliança das oligarquias modernas com os Estados Unidos, que resultou em situações aparentemente contraditórias, em que os diversos governantes, oficiais e revolucionários, alternaram pactos com o governo norte-americano em torno de posições econômicas aparentemente conflitivas. Na Argentina e no Uruguai foi uma articulação com a Inglaterra, que se desenvolveu a partir de uma agropecuária seleta e abrangeu os movimentos de capitais na construção dos sistemas de infraestrutura. No Chile, na Bolívia e no Peru foi a entrada maciça de interesses norteamericanos na nova mineração de matérias primas industriais. No Brasil foi a substituição de relações com a Inglaterra por relações com os Estados Unidos, entretanto, matizadas por crescentes relações comerciais e militares com a Alemanha e com a França. O fim da primeira guerra mundial iniciou o declínio desse modo de expansão econômica, que encontrou seu fim na depressão de 1930. Mas o modelo exportador dependente tornara-se inviável, não só pela perda de estímulo de compras da Grã Bretanha e da Alemanha, como e principalmente, porque os Estados Unidos passaram a concentrar os investimentos do mundo industrializado em geral, e os países latino-americanos, continuaram apoiados num modo de formação de capital que transferia recursos para o exterior. A substituição da ordem colonial pela ordem hegemônica resultava em novos modos de saída de capitais desde as áreas periféricas para as áreas centrais. Surgia o mito da escassez de poupança, que encobria os vazamentos de capitais e de recursos humanos qualificados das nações latino-americanas. Em diversos pontos na América Latina a crise começou na década de 1920, com o esgotamento do modelo exportador dependente, antes da crise de 1930 que atingiu os exportadores integrados no segmento mais modernizado da economia mundial. Esse mito passaria a justificar que se aceitem, como salvadores, capitais


14 provenientes das regiões mais ricas, que vêm com objetivos declarados de obter retornos superiores aos retornos médios do mercado, isto é, para exercerem vantagens coloniais. 1.2

Desenvolvimento como reprodução de subordinação

O desenvolvimento colocou-se inicialmente como uma questão interna dos países, portanto, na esfera dos Estados nacionais, apesar de colocar-se, organicamente, em termos de relacionamentos internacionais. Desenvolver-se aqui não é somente sair de um estado de prostração e pobreza, senão mudar as condições de formação e apropriação de riqueza. Chegar a ser rico e permanecer colonial não é o mesmo que alcançar maiores margens de controle sobre a riqueza que se produz. Há uma questão inicial, relativa a desenvolvimento na produção capitalista, porque a economia capitalista não pode deixar de mudar, isto é, a continuidade envolve mudança. Há desenvolvimento em dois sentidos. No sentido em que a mudança se desenvolve, isto é, tem lugar; e há desenvolvimento naquilo em que essa mudança tem certos rumos em que melhoram as condições de distribuição da renda e aumenta a mobilidade da maioria das pessoas, para alcançar melhores condições de vida. Tacitamente, significa a mobilidade de pessoas entre situações de trabalho e entre condições de gestão de capital. A principal questão relativa aos rumos do capitalismo em seu desdobramento mundial refere-se ao modo de acumulação de capital e de qualificação do trabalho, em seus aspectos gerais e em suas manifestações específicas, e, nesse contexto, refere-se ao padrão de acumulação de capital no capitalismo mundial, também com seus aspectos gerais e no modo como se materializa em cada continente. É uma questão que trata dos aspectos fundamentais do desenvolvimento do capitalismo em seu contexto mundial, que situa a problemática latino-americana, ao tempo em que permite ver o verdadeiro papel do processo latino-americano no contexto mundial. Trata-se, especificamente, do futuro da América Latina, cujo tratamento demanda uma reflexão sobre seu passado, especialmente, que requer um tratamento da história que enfrente o problema maior das possibilidades e dos horizontes do desenvolvimento dos países latino-americanos, que é uma questão inseparável de sua história. Trata-se de como a formação de capital nesses países resulta em acumulação de capital e em ampliação da qualificação do trabalho, de como a formação de capital se fixa ou se filtra ao exterior. Uma visão preliminar da história da América Latina leva, desde logo, a descartar a hipótese de escassez de poupança, que se substitui pela hipótese principal de que a formação de riqueza do continente sempre passou ao exterior, e que é essa perda de capital que responde pela dificuldade de superar a subordinação econômica.


15 Há aspectos genéricos do movimento de acumulação e aspectos que o relacionam com as condições de concentração do capital a que ele dá lugar. A concentração do capital realizada pela colonização confirma alguns padrões originados antes da Conquista, e desenvolve diversos outros, criando um modo fundamental de exploração econômica e social, que passa a constituir o aspecto comum essencial do continente. As peculiaridades e as diferenças foram dadas, essencialmente, pelas modalidades de colonização. Por isso, a análise das tendências, das possibilidades e das limitações e das contradições das transformações do continente tem que tomar como primeira referência a colonização, nas formas em que foi instalada e em que evoluiu, desde 1500 até o fim do século XIX. É preciso distinguir que houve diversos projetos de colonização, dos diversos países colonizadores, e que há dois grandes períodos de colonização, que são o da colonização conduzida pelo capital mercantil dos Tempos Modernos, praticamente de 1500 até 1800 e a colonização conduzida pelo capital industrial em expansão, sob diversas formas, durante o século XIX. A América Latina não sofreu uma reocupação completa e explicita como a África, mas foi objeto de novas modalidades de subordinação econômica, que foram o instrumento dessa nova colonização. A subordinação mudou, de forma e intensidade, ao longo do tempo, condicionando as margens de liberdade de decisão com que os países latino-americanos operam. A revolução cubana foi o penúltimo ato dos processos políticos que surgiram depois da segunda guerra mundial – o último seria o movimento sandinista – que, ao mesmo tempo, revelou as possibilidades e os limites de emancipação das velhas economias monoprodutoras exportadoras. Revelavam-se limitações e contradições desses projetos nacionais, cuja continuidade não podia ser alcançada através do aprimoramento desse modelo, que não se resolviam pelos argumentos convencionalmente aceitos como explicativos da produção capitalista. Esses limites do desenvolvimento baseado nesse momento de transformação dos países latino-americanos levavam a ver certos aspectos essenciais da condição periférica, que, entretanto, foram geralmente lidos como limitações do modo nacional de desenvolvimento, sem a necessária ligação com as condições mundiais da acumulação, ou sem considerar a escala e o nível de acumulação das economias periféricas. A experiência mostrou que o modo de resolver o problema energético e as escalas de produção tornaram-se referências essenciais, que país algum pôde contornar. 1.3. Desenvolvimento socioprodutivo

como

mudança

de

composição

do

sistema

Numa visão retrospectiva do processo, levando-se em conta os aspectos estáveis e a variedade de formas com que o processo de formação de capital se apresenta para os países periféricos, impõe-se considerar as condições materiais


16 de funcionamento em que esses processos nacionais se desenvolveram, ou que se tornaram restrições de sua expansão. Destacam-se o imperativo energético, como uma restrição fundamental, que surge ligado à restrição tecnológica, constituindo um conjunto central de restrições internas de cada economia nacional, determinando uma questão – nem sempre visível – de uma relação de composição entre escalas de produção e escalas de mercado. Assim, esta não é uma discussão opcional, senão uma colocação fundamental da realidade social do continente, com a relação entre seus resultados econômicos, suas condições sociais e as condições de subordinação ou de emancipação em que se movem as sociedades desta parte do mundo. A formação de processos de bloqueio político da economia, tal como se verificaram na Argentina, no Uruguai, na Colômbia e no Peru, teria que ser reconhecida como parte do processo socioeconômico em seu conjunto, com suas possibilidades de sustentar crescimento com a composição tradicional de investimentos, ou com outra composição, que se verificasse como mais compatível com a reprodução social e com a proteção da ecologia. As expectativas e as tentativas de desenvolvimento que se realizaram desde o fim da segunda guerra mundial até inícios da década 70, deram lugar a uma frustração de expectativas, ligada ao encarecimento da moeda de conversibilidade irrestrita e ao aumento rápido e irreversível da dívida externa. Tornou-se inevitável discutir as possibilidades de um crescimento significativo e continuado, assim como de recuperação de margens de autonomia de que se desfrutou nos anos anteriores. A questão do desenvolvimento da periferia envolve, necessariamente, os problemas de crescimento e de distribuição da renda que já estavam previstos nas formulações iniciais sobre desenvolvimento da década de 1940, mas cuja solução requer uma qualificação adicional, relativa às condições em que se realiza a formação de capital em cada país. Por extensão, envolve o questionamento subjacente relativo à possibilidade de que esse desenvolvimento prossiga indeterminadamente, ou que contenha freios que levem, inexoravelmente, a sua interrupção. 5 O movimento geral do capital alimenta-se de sucessivas combinações de investimentos, que são decididos sobre as possibilidades historicamente determinadas dos diversos sistemas produtivos. Ao examinar os movimentos gerais do capital em seu conjunto, torna-se inevitável levar em conta que os efeitos dinâmicos das aplicações de capital dependem das condições ambiente de capital, isto é, da densidade e da composição de capital na combinação das diversas atividades, não podendo, de A questão relativa ao impulso e ao freio é um tema tipicamente latino-americano, que foi explorado por economistas do Instituto de Economia da UCRU, que representa uma idéia poderosa no meio latino-americano, de que o movimento geral aparente de desenvolvimento encobre uma realidade de impulsos que já contêm seu próprio freio, devido a uma variedade de causas, que vão desde o estrangulamento da relação com o exterior aos efeitos internos negativos dos interesses formados das oligarquias locais. 5


17 fato, reduzir-se aos aspectos microeconômicos contemplados pela teoria do multiplicador. Tanto os efeitos em termos de rentabilidade de cada capital aplicado, como em termos de efeitos sobre a dinâmica do conjunto, levam a descartar a teoria microeconômica da dinâmica do capital, voltando a olhar esse dinamismo como resultado de uma interação entre efeitos microeconômicos e efeitos macroeconômicos. Esse aspecto terá que ser retomado com maior detalhe adiante neste trabalho. \ O esgotamento das perspectivas de crescimento visualizadas na década de 60 fez ressurgirem polêmicas até mesmo sobre o significado de periferia. No entanto, há alguns dados concretos da condição de periferia do processo de formação de capital e de qualificação do trabalho, que se refletem, adiante, em situações periféricas nas estruturas de comércio e na concentração do capital das empresas. A condição de periferia decorre dos mecanismos de reprodução da subordinação contida no padrão de acumulação de capital. Além das colocações iniciais sobre esse tema, que se fizeram no final da década de 1940, vemos hoje que a relação entre centro e periferia é uma relação móvel, entre um centro que se transforma e um conjunto de periferias, que, concomitantemente, se transformam.6 O conjunto dos relacionamentos é muito mais complexo do que foi visualizado por Prebisch, porque, assim como há diversas relações concomitantes entre componentes da periferia e componentes do centro, há um dinamismo no relacionamento entre os componentes da periferia que é, precisamente, sua principal margem de autonomia frente ao centro. Trata-se desse tema, mediante um ensaio de história econômica contemporânea, cujo principal tema - as transformações na situação periférica dos países latino-americanos - é observado em termos das inter-relações entre os movimentos do plano econômico e os da formação de poder. O movimento geral de formação e transformação do capital fez-se mediante a construção de um poder econômico organizado, numa combinação de elementos internacionais, locais e nacionais, em que o comando da formação de capital e da renovação tecnológica constitui uma posição central, em relação com a generalidade das sociedades que são atingidas por esse grande movimento. Há diversas posições periféricas em relação ao centro, que resultam da variedade de situações de composição do capital e de complexidade da Torna-se necessário rever a formulação inicial da teoria centro-periferia de Prebisch, para situala no contexto das transformações em curso em 1948; e em comparação com posteriores transformações do sistema de relações econômicas internacionais. O próprio Prebisch empreendeu uma tentativa de rever a fundamentação teórica e empírica dessa teoria, num trabalho que se iniciou no segundo semestre de 1970, mas que foi interrompido a fins de 1971, por dificuldades burocráticas e financeiras. Já em 1970 se reconhecia que o conhecimento sobre a América Latina aumentara muito, que era preciso considerar a pluralidade dos processos de subdesenvolvimento, bem como rever os pressupostos sobre escala de produção, formação sóciocultural, educação e modernização em geral. A questão do comércio internacional revelava-se decisiva para o sucesso da industrialização. 6


18 industrialização. Trata-se de uma situação central no relativo a formação de capital e aos modos de reter seus resultados. O centro tem variado de localização e de perfil, assim como as posições relativas dos componentes da periferia também variam. A dinâmica interna do centro tem mudado, segundo o patamar de escala de concentração de capital, de nível de tecnologia e, principalmente, de capacidade de sustentar o crescimento. Num primeiro momento, em 1949, essa passagem foi vista através do mecanismo de comércio, mas tem maiores implicações, na formação de capital e na do emprego, que devem ser levadas em conta. A passagem do centro da acumulação mundial do Império Britânico para os Estados Unidos significou um notável aumento da flexibilidade dos modos operacionais do centro para incorporar capitais de outras partes do mundo e para injetar flexibilidade nos modos operacionais do capitalismo, tanto porque a economia norte-americana se expandia mais rapidamente que a inglesa, como porque ela se desenvolvia sobre matrizes tecnológicas mais novas que as européias. Mais ainda, o relacionamento entre o centro e as periferias, acontece mediante relações entre grupos de poder e entre grupos de poder e dominados, que permeiam as relações institucionais mais visíveis. A mobilidade do capital e a do trabalho são desiguais em tempo e espaço, bem como são desiguais no contexto das diferentes sociedades nacionais, qualificando esses relacionamentos entre os protagonistas da vida econômica. Assim, a expressão economias periféricas indica aquelas sociedades que não têm controle sobre a acumulação de capital nem sobre a qualificação do trabalho que acontecem em seu espaço, ou em todo caso, que se formaram nessa condição, ou que foram lançadas nela. A condição de periferia não se manifesta em todos os campos. Há aspectos em que os países, ou os componentes da sociedade podem não ser periféricos. Mas, no essencial, ficam numa condição basicamente de periferia, inclusive no plano das ideologias, numa posição determinada pela importância primordial dos movimentos de capital e de trabalho na constituição dos demais aspectos do relacionamento social. A reprodução da condição de periferia significa a impossibilidade de ganhar autodeterminação em decisões estratégicas para mudar as condições de vida, portanto, em que prevalecem condições tendentes a manter as condições de desigualdade de renda e de mobilidade. Longe de haver uma situação simplesmente econômica, explicável em termos de ajustes tecnológicos e de seus custos, trata-se de que a definição das posições de centralidade e de periferização em que esses custos se situam. As posições de centralidade e de periferização sustentam-se no conjunto desses elementos, criando referências adicionais sobre os elementos não materiais do processo. Estabilidade e instabilidade das instituições e de seus modos, são componentes fundamentais desse quadro de relacionamentos, que deve ser examinado nos dois planos interdependentes, de estruturação nacional e internacional. Mas, na perspectiva ideológica do desenvolvimento, surge uma questão relativa a qual estabilidade? A estabilidade pode, e tem sido, o modo de aceitação de dominação e de preservação das desigualdades, de renda e sociais.


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Hoje, quando se discute a América Latina, depois da frustração de suas expectativas de desenvolvimento que foram gestadas na década de 1950, torna-se indispensável retomar a perspectiva cultural, como caminho para lidar com a variedade de condições de identidade de grupos tão profundamente marcados, em sua origem e em seu desenvolvimento, pela colonização escravizadora e pelas estruturas pós escravistas integradas nas sociedades de hoje. As contradições que se acumularam no caminho dos projetos de desenvolvimento foram, principalmente, gerados no confronto de movimentos internacionais do capital com estruturas localizadas (Cueva, 1979). Se não se pode reduzir a história econômica ao relato factual, tampouco se podem ignorar as qualificações locais dos conflitos gerais do capital. O panorama das peculiaridades é uma parte essencial do modo como se constrói a totalidade histórica que se desprende do sistema colonial. A questão geral do desenvolvimento fica mais claramente ancorada nos problemas do suprimento de energia e nos dos movimentos de capitais especulativos. Esses dois temas ganham novo significado desde o inicio da década de 1970 e se tornam o principal divisor de águas que separa os países que podem aspirar a mudar sua trajetória de desenvolvimento e os países que são constrangidos a se adaptarem a um quadro externo já estabelecido. 1.4.

Desenvolvimento como emancipação

Historicamente, os projetos de desenvolvimento exprimem os interesses de determinados grupos, com o encabeçamento de blocos de poder que se formam na esfera de regiões e que se resolvem na esfera de países, combinando as articulações internacionais com uma estruturação de interesses locais, portanto, estruturando relações estáveis de poder. A partir da década de 1930, com os diversos movimentos políticos que apareceram na onda da crise política da Depressão econômica, surgiram os primeiros elementos formativos do que se caracterizou, depois da segunda guerra mundial, como o nacional desenvolvimentismo, ou como a onda das políticas nacionais de desenvolvimento econômico e social. Sobre as bases de alianças das oligarquias reanimadas ou criadas no período de 1870 a 1914, com capitais organizados para a indústria e para explorar serviços de utilidade pública, formava-se, de fato, uma frente de interesses econômicos, tendo como epicentro a formação de bancos modernizados e, finalmente, a criação de bancos centrais. Nos diversos países latino-americanos, o componente essencial do processo foi, realmente, a organização do capital financeiro, que começou antes mesmo da proliferação de indústrias. A América voltou a inserir-se na economia mundial como fornecedora de matérias primas para as indústrias dos países mais ricos, por isso aparelhando sua infra-estrutura e urbanizando-se antes de Ter indústrias. Essa, certamente, é grande explicação da capitalização da grande mineração na produção de minerais industriais.


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Sobre essas bases, de relações internacionais renovadas, entre 1870 e 1914 pavimentou-se o caminho para a consolidação de uma nova estrutura oligárquica, integrada com o dinamismo do comércio internacional, que entretanto, representava novas combinações de forças produtivas, ao tempo em que surgiam grandes capitais mineiros, tanto de capitais multinacionais como de capitais locais.7 Essa grande mineração mecanizou-se progressivamente, mas, certamente, não pode ser confundida com industrialização. Na Argentina, que se desenvolveu como um país não mineiro, esse foi o período em que se constituiu uma combinação de expropriação de terras para formar grandes explorações voltadas para as exportações, com articulação de mecanismos internacionais de comercialização e com a expansão de capitais bancários internacionalizados, que controlaram esse conjunto. É o período que começa com a chamada “guerra do deserto”, prossegue com a criação de cidades e povoados numa rede administrada pelas Forças Armadas e se consolida como um modelo de economia exportadora de cereais e de carne, integrada com a Grã Bretanha. A superação desse modelo viria a formar o quadro de instabilidade e de falta de clareza no sistema de poder durante o século XX.8 A industrialização é a cara externa de um movimento do capital, que integra os interesses das oligarquias com a formação de um Estado moderno, operacional, capaz de atender aos requisitos das aplicações de capital, e que, por esse meio, constrói uma burguesia industrial e controladora da formação de capital urbano. Na América Latina, a continuidade da industrialização seguiu os dois movimentos complementares, de obstáculos crescentes ao serem demandados níveis mais elevados de tecnologia, e de movimentos desiguais de expansão no campo, onde a própria modernização se converte em instrumento de capitais internacionais. Assim, tanto na Argentina como no Brasil e como no México, houve bloqueios e movimentos regressivos da industrialização. Os novos blocos de poder aparelhavam-se para realizar um novo patamar de composição do capital, em que o desenvolvimento rural tomava nova feição, agora mobilizado para produzir matérias primas industriais. Surgiam as plantações modernas de algodão, surgiam indústrias para o aproveitamento de fibras até então desprezadas, passava-se a investir na mercantilização da produção de alimentos e empreendia-se uma modernização da pecuária para sustentar uma indústria de laticínios.

Um dos exemplos mais notórios nesse sentido foram os grupos constitutivos da chamada “Rosca” boliviana, constituída dos grupos de Rotschild, Patiño e Aramayo, que foram expropriados pela revolução de 1952 e que cresceu à sombra da expansão de grandes capitais norte-americanos e europeus. É preciso registrar que a mais recente tentativa de modernização conservadora na Bolívia, representada pelo governo de Sanchez Losada , retoma vários dos elementos fundamentais da estrutura de poder da Rosca, mas se defronta com a estruturação do poder representado pelo controle da produção de drogas. 8 Ver o ensaio de Marcos Kaplan sobre esse tema inserido em América Latina: historia de medio siglo (Unam, 1982) 7


21 A percepção desse conjunto foi obstaculizada durante muito tempo pela visão setorializada da economia, que se formou sobre as bases da análise marginalista em suas diversas variantes, desde a tradicional, até a keynesiana e a neoclássica. 9 A suposição que o desenvolvimento se faz mediante um aumento da produção da indústria de transformação oculta o fato de que esse incremento é obtido mediante modificações estruturais do sistema produtivo em seu conjunto, com um aumento e reorganização da produção rural, com aumento e reestruturação dos sistemas de infra-estrutura, que são conduzidos por uma reorganização do Estado, para dar-lhe a operacionalidade necessária, e por uma organização do sistema financeiro. Assim, O miolo das transformações encontra-se na substituição das velhas formas de produção agrícolas e mineiras, herdadas do período colonial, por outras, capazes de realizar a exploração de recursos demandada pelo grande capital em expansão. Mas, onde começam essas transformações? Pode-se falar de um “desenvolvimento rural” ou de um movimento de modernização dos capitais formados no campo, ou apenas de um transbordamento do capital formado na esfera da concentração urbana, em busca de aplicações rentáveis no meio rural? A colocação correta parece ser aquela de que o capital precisa realizar aplicações suficientes para se reproduzir; e que as oportunidades oferecidas pela modernização rural são uma parte essencial e necessária desse processo. 2.

Produção e reprodução da condição de periferia econômica

2.1.

O mecanismo econômico da formação da periferia

Historicamente, as colônias tornaram-se economias periféricas mediante um processo que as tornou complementares do funcionamento das economias mais capitalizadas que se tornaram centro do processo mundial de acumulação de capital. Isso se deu mediante um processo que as deslocou de suas funções tradicionais de exportadoras de metais preciosos, para a função de fornecedoras de matérias primas para as economias líderes do sistema mercantil que, ao se industrializarem, passaram a demandar matérias primas, portanto, a demandar o trabalho destinado a produzir matérias primas. As dificuldades que se A análise setorializada do “progresso” econômico geralmente é atribuída a Colin Clark`(Conditions for economic progress, 1949), entretanto essa é uma grande simplificação do problema, que ignora o significado de setores nas análises clássica e marxiana, que tratam setores como categorias de interdependência. Assim, a industrialização pôde ser apresentada como um movimento exógeno à reprodução do capital, que teria que ser “trazida” dos países industrializados. Aí, também, se ignorava o fato de que vários dos países que se tornaram atrasados, bem como vários dos que permaneceram atrasados, começaram movimentos de industrialização quase ao mesmo tempo em que o famoso norte da Inglaterra. As experiências de Barcelona na Europa e dos focos de industrialização no Brasil e no México, levam a recusar essas simplificações, ou a ver sua tendenciosidade. Não surpreende, portanto, que a crítica da análise setorializada venha, justamente, da observação da interdependência entre os movimentos de alteração dos setores. 9


22 encontraram, para que as economias periféricas prosseguissem em sua industrialização, deram lugar a um modelo alternativo de ampliação em sua participação na economia mundial, mediante novos papéis como exportadoras de produtos primários, desta vez, entretanto, com maior participação de capitais localmente formados. A atualização da condição de periferia foi proporcional às mudanças da estruturação do poder no centro hegemônico, com a economia norte-americana substituindo a inglesa, afastando a influencia alemã, criando novos canais de associação entre empresas, entre pessoas, desenvolvendo uma influência cultural que se reflete indiretamente na liderança política. A novidade a ser considerada é que a atualização da condição de periferia depende das alterações da composição do poder no centro, segundo ele precisa interagir com a periferia mais avançada. Fazendo caso omisso da habitual arrogância de representantes de empresas do centro do poder, há, realmente, uma questão prática, relativa a uma composição entre centro e periferia que permita ao centro prosseguir com seu modelo econômico. O processo de formação de economias periféricas é o mesmo processo de subordinação da economia mundial, realizado pela expansão da industrialização no conjunto dos países mais capitalizados. Nessa qualidade, os países periféricos tornaram-se componentes essenciais da oferta de matérias primas e componentes complementares da demanda de produtos manufaturados. Em vez de ouro e prata, cobre, estanho, chumbo, ferro. A mercantilização da produção agropecuária significou uma reorganização da economia rural, com uma profunda uma reorganização dos usos de recursos na produção agrícola e na não agrícola, que vem resultando em modificações no perfil da participação na demanda mundial, que por sua vez acompanhou a distribuição internacional da renda, portanto, tendendo, finalmente, a gerar diferenças substanciais entre os países cuja demanda acompanha a concentração internacional da renda e os países que ficam na posição de fornecedores de matérias primas. Os aspectos materiais desse processo variaram ao longo do tempo, segundo mudou a composição das necessidades de matérias primas e segundo os fornecedores de matérias primas alcançaram capacidade para incorporar valor às matérias primas que exportam, e, eventualmente, alcançaram capacidade de incorporar capacidade de alterar os componentes de valor de seus produtos finais. Isso significa a tecnificação da produção, que aparece como industrialização, mas que, no essencial, significa o processo de aumento de complexidade do sistema produtivo, alcançando os usos e a produção de tecnologia e a qualificação dos recursos humanos para essa finalidade. Tal processo, obviamente, é muito desigual entre os países e as regiões latino-americanas, vendo-se que a formação econômica dos países latinoamericanos tem sido, essencialmente, desigual, em todos aspectos. Os sucessivos movimentos de renovação tecnológica, desde a substituição de carvão por petróleo, a substituição de cobre por outros materiais, a redução do componente


23 de ferro e aumento de componente de materiais plásticos nos produtos finais, a substituição de algodão por fibras sintéticas, a difusão do uso de café solúvel, e muitas outras alterações dos produtos finais, tiveram efeitos imobilizadores no sistema produtivo dos países latino-americanos que dependiam de tecnologia importada para reorientar sua capacidade de produção. Mesmo em casos de mudanças de variedades dos produtos primários, como da banana, das laranjas e outros, resultaram em reorganização do aparato produtivo, que os latinoamericanos nem sempre conseguiram realizar. A expansão do capitalismo entre 1870 e 1914 estabeleceu un sistema de relacionamentos baseados na tecnologia do carvão e em vendas de matérias primas agrícolas e da mineração, que resultou em certo perfil de prosperidade em alguns países latino-americanos, especialmente nos países mineiros e nos países que detiveram alguns produtos agrícolas de uso mundializado, como foram os produtores de trigo e de café. Tal sistema foi interrompido pela primeira guerra mundial e praticamente interrompido pela crise de 1930, colocando os latino-americanos diante de um problema de recuperação da renda que tiveram antes, e de perspectivas muito mais difíceis de exportação. Os problemas reconhecidos como de desenvolvimento após a segunda guerra mundial foram, em grande parte, problemas de recuperação de renda em condições progressivamente mais adversas. 2.2.

O cenário político da luta econômica

No processo formativo do sistema produtivo latino-americano, é preciso reconsiderar o significado do componente de superestrutura, levando em conta que o sistema de colonização projetou uma influência ideológica sobre as nações ex colônias, que se mostra extremamente difícil de ser removida e que se reflete sobre os sistemas de produção que se formaram em cada colônia. Na medida em que os sistemas de mando vieram prontos, como parte dos sistemas jurídicos e administrativos das metrópoles (Schwartz, 1986), e em que a organização empresarial que gerenciou os empreendimentos coloniais, também foi moldada segundo os países de origem, o substrato ideológico e os interesses incorporados na superestrutura do sistema têm características especiais, que os tornam capazes de sobreviver à modernização e capazes de exercerem uma influência difusa entretanto crucial, sobre as sociedades periféricas. Não se poderá entender o significado da década de 1960 na América Latina e a recorrência da tendência à crise, sem considerar a combinação dos aspectos econômicos e dos aspectos políticos, tal como eles se manifestaram nos movimentos do período de 1945 até 1959, isto é, desde o Plano Marshall até a revolução cubana. O período após a segunda guerra mundial iniciou-se com o fortalecimento do predomínio norte-americano, representado politicamente pela doutrina Truman e pelo conjunto das conseqüências da Guerra Fria, que marcou uma onda de golpes de Estado e a ascensão de regimes autoritários, desde


24 Castillo Armas na Guatemala a Perez Jimenez na Venezuela a Stroessner no Paraguai e Ibáñez no Chile. Diferentemente do que geralmente se vê desde os países latino-americanos do sul, a América Central tem um papel fundamental nesse conjunto, funcionando como uma parte mais fortemente e diretamente subordinada à expansão norte-americana. O “Bogotazo”em 1948, o massacre de Santiago do Chile em 1957, o de Tlatelolco em 68, o de Ezeiza em 73, e o Caracazo em 79, foram momentos críticos desse período, que marcaram o desenvolvimento da vida política nos anos seguintes e que mostraram a intensidade dos conflitos internos. As principais exceções, em termos de iniciativas autônomas e de políticas de desenvolvimento foram o Brasil – do segundo período de Vargas e de Kubitschek – o México e certo desenvolvimentismo do Peru do governo Odria. A década de 1960 caracterizou-se por uma notável expansão e aceleração das comunicações e das informações, atingindo o cérebro operacional da condução da produção, nos serviços, na indústria e na agricultura. Tal aceleração foi a cara tecnológica de um processo científico muito mais profundo, que trouxe novas ligações entre o conhecimento do meio físico e o do social, assim como rompeu com barreiras disciplinares já consolidadas, principalmente representadas pelo positivismo. 10 Observe-se que o papel do positivismo na América Latina mudou, radicalmente, ao longo do século XX, passando de ser uma doutrina identificada com os aspectos mecânicos do progresso, de fato uma doutrina uma doutrina mecanicista do progresso, para a posição de uma doutrina que reduz a transformação social aos seus aspectos mecânicos. Essa aceleração, logicamente, traduziu-se numa redução dos tempos entre decisões e execução e das próprias decisões. Em seu conjunto, ela apressou a integração econômica mundial, precipitando alguns cataclismos, dentre os quais o maior e mais visível foi a queda dos regimes socialistas burocráticos e autoritários. Mas ela só pode influir em cada país segundo ele se ajustar às novas regras da burocracia nacional internacionalizada. O movimento integrador, naturalmente, passou a ocupar o centro das discussões sobre o quadro contemporâneo. Na perspectiva de quem se coloca em função desse movimento, a principal questão consiste em encontrar o modo adequado de perceber e analisar a integração econômica, que pode ser vista como a superação das empresas transnacionais por multinacionais, como a internacionalização do capital e ainda, como a globalização da economia, com todas suas dimensões. Noutras palavras, trata-se de ver o processo expansionista como um grande movimento da maturidade do capital financeiro, que se As mudanças no quadro do conhecimento científico em geral podem ser identificadas como de incorporação e desenvolvimento de matrizes de conhecimento iniciadas no fim do século XIX, especialmente da Física Quântica e do campo social, com a incorporação da Psicologia e da Antropologia, que, em seu conjunto, deram um sentido de relativização do conhecimento estruturado. As noções de incerteza (Heisenberg, 1935), acaso e necessidade (Muonod, 1965) convergem com uma renovação do significado de história e de cultura. 10


25 desprende de suas formas industriais e bancárias, e desenvolve seu próprio metabolismo, num universo dotado de regras próprias, diferentes das que regiram o universo da produção fabril; ou vê-lo como uma pluralidade de processos, que mostram maior ou menor convergência, numa ou noutra direção, mas que contêm variados graus de divergências, ou simplesmente não interagem uns sem os outros. Ressalta, portanto, a questão objetiva da pluralidade de pontos de vista, em cada momento, frente à diversidade de modos como a economia se organiza e funciona. A percepção dessa pluralidade, a compreensão de sua importância, contrapõem-se à anterior tendência, de buscar simplificações a todo transe, como procedimento padrão de análise. Há uma alteração irreversível no quadro da análise desse processo, no que ela passa a denotar um progressivo alargamento do elenco de protagonistas e das formas institucionais em que eles se relacionam. O próprio movimento de modernização e expansão do espaço ocupado pela produção internacionalmente organizada, ao revelar com mais clareza a complexidade de suas conexões internas, bem como de suas ligações com a diversidade do entorno cultural, mostra matizes e contradições, que não poderiam ser percebidos numa análise fundada apenas num horizonte de experiência do campo coberto pela produção internacionalizada e homogeneizada. Para entender a expansão, é preciso compreender o espaço que ela gera e o que ela invade. Por extensão, é preciso entender que se trata de espaços de diferentes densidades. A aceleração da expansão do espaço internacionalizado traz duas novidades, historicamente únicas: a pluralização dos rumos do desenvolvimento científico e tecnológico e a modificação do quadro das qualificações e de sua relevância para o processo de produção. A superação dos padrões de desenvolvimento industrial que vigoraram até após a segunda guerra mundial, fez-se no marco de uma mobilização da capacidade de produção desenvolvida através da indústria bélica, com tudo que ela canaliza, de sistemas de informações, de técnicas de comunicações; e com suas demandas de qualificação de pessoal e rapidez de decisões. Desde a segunda guerra mundial, a visão tecnológica da guerra global já tinha estabelecido como central a questão dos combustíveis, especialmente, de unir a oferta de matérias primas energéticas com a das tecnologias, para elevar a eficiência de seu uso. Justamente, o avanço das tecnologias de comando dos usos de energia, tal como refletido na eletrônica e micro-eletrônica, impulsionou os movimentos que levaram à indústria aeroespacial e dos submarinos de alta profundidade, determinando o aparecimento de novas indústrias terminais aeronáutica de alta velocidade, aeroespacial, submarina, naval de grandes cargas - que passaram a constituir essa nova demanda de efeitos altamente difundidos, sobre os sistemas de produção. Isso explica a ampliação do espaço de referência para o mercado financeiro. Sugere, também, uma explicação para a rápida descolagem entre as grandes economias ocidentais, que puderam aproveitar mais e melhor , as vantagens de dispor de um sistema industrial mais vasto e


26 diversificado; e as economias socialistas, que tinham ficado presas a um modelo industrial mais estreitamente formado em torno do parque bélico. Por essas e outras razões, a década de 1960 pode ser tomada como um período chave, de ruptura entre um modo integradamente articulado, de criação de valor no âmbito da produção industrializada, e a formação de valor nos diversos espaços que funcionam com margens significativas de autonomia em relação com ela. Pode-se dizer que foi o fim de certa etapa do processo econômico e político latino-americano e de ajuste às condições mundiais de guerra fria e de ajuste continental ao poderio norte-americano. Nesse período, gestaram-se profundas modificações nos sistemas de controle dos usos de energia. As causas da mudança foram profundas. Nesse período a indústria bélica foi puxada pela concorrência entre as grandes potências, que pôs em novos termos a questão energética. Tornou-se necessário obter maior eficiência nos usos e modos de uso dos combustíveis, para seu melhor aproveitamento. A conseqüente revolução dos transportes desdobrou-se nos diversos modos de transportes, entretanto, com uma clara ênfase no aumento da eficiência técnica dos sistemas - que ademais passaram a ser vistas num enfoque sistêmico - já em relação com a reconstrução do sistema de produção em torno do uso dessas tecnologias. Nesse contexto, o desenvolvimento da micro-eletrônica e da informática foram induzidos e indutores de novas pautas de organização da produção industrial, que passou a apoiar-se mais nos setores em transformação mais rápida, que logicamente eram os que absorviam mais capital. Os países mais ricos empreenderam políticas de empréstimo internacionais, que cumpriram os dois papéis, de promover vendas de suas próprias empresas industriais e de serviços, e de criar vínculos tecnológicos, ligando vendas futuras às atuais e induzindo exportações de serviços. Surgiram grandes empresas de consultoria internacional de serviços - inglesas, francesas, norte-americanas, israelís - que operaram nessa conexão entre a venda de serviços e a realização de grandes investimentos e a correspondente venda de equipamento. No período de 1960 a 1973 - quando se formou a aliança tripartite entre empresas norte-americanas, européias e japonesas, conhecida como a Tri-lateral 11 - constituiu-se uma demanda de projetos no campo militar e no energético propriamente dito, em que grandes empresas se expandiram ou formaram, mediante contratos com seus respectivos governos, disputando espaço em contratos internacionais. Nesse processo, destacaram-se as operações que se fizeram na órbita dos grandes países industriais, que com diferentes estratégias, captaram as oportunidades de investimento de seus próprios mercados; e as operações que foram realizadas nos países semi-industrializados emergentes, como os latino-americanos, em que a despesa pública funcionou como principal mecanismo de financiamento, tanto para viabilizar a renovação técnica e financeira das velhas oligarquias, como propiciou o aparecimento de uma nova classe de capitalistas, os empreiteiros. 11

Sugere-se ver o trabalho de Theotonio dos Santos sobre esse mesmo título.


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A demanda de novos projetos foi alimentada pela necessidade de expandir rapidamente a produção e distribuição de energia - e complementarmente, os transportes - e foi qualificada pelo transbordamento dos efeitos da renovação tecnológica nos países que comandavam os componentes técnicos e financeiros da acumulação, junto com o comando da qualificação dos trabalhadores. Por exemplo, a modernização da agricultura na década de 60 foi, em grande parte, um movimento destinado a ampliar rapidamente a venda de maquinaria agrícola a países que não produziam esses equipamentos. Há um dado fundamental sobre a economia mundial nesse período, que foi o aumento vertiginoso do consumo de energia nos países mais ricos e nos emergentes, na indústria, na agricultura e no consumo familiar e pessoal, modificando o mercado dos combustíveis, levando a pressões na composição dos preços, a alterações na política de estoques e à crise do petróleo em 1972. Obviamente, os elementos de confronto de interesse que desembocaram nessa crise já estavam indicados ao longo da década de 1960; e foram registrados, de modo indireto mas inequívoco, nos movimentos de colocação de limites do crescimento, como pelo Clube de Roma, que revelaram falta de disponibilidade para modificar o quadro internacional de desigualdades; de pressão pelo controle demográfico nos países subdesenvolvidos, complementar à definição de limites globais do crescimento; e no relativo à temática do ambiente, potencialmente mais restritiva dos países mais ricos, mas apresentada como mecanismo de controle dos pouco industrializados. As diversas reações ao controle ambiental dos investimentos refletiram uma ampla variedade de argumentos, desde aqueles representativos dos interesses em investimentos genuinamente predadores de recursos, até os que percebiam no argumento ambiental uma nova forma de controle dos usos de recursos em todo o mundo pelos países mais ricos, como os Estados Unidos, Alemanha, França e Grã Bretanha, que apesar de estarem entre os maiores poluidores do mundo, dentro e fora de seus territórios, tornavam-se árbitros da poluição, sem reduzirem seus usos de energia, nem cessarem de exportar poluição. O início da década de 1970 marcou o aparecimento de novas formas de controle dessas ideologias, transmitidas mediante esses aparelhos internacionais de poder político e econômico, substituindo-se, progressivamente, os elementos de controle militar pelo controle econômico, apesar de algumas tendências contrárias decisivas no equilíbrio mundial de poder. O último ciclo de golpes de Estado, de 1964 (Brasil) a 1976 (Argentina), foi substituído pelo controle internacional das políticas de equilíbrio macroeconômico, que terminaram sinteticamente denominadas de Consenso de Washington. Há, portanto, um novo papel dos interesses privados organizados, em que há vários processos a registrar: transformações da empresa como tal, desde suas formas monosetoriais básicas a estilos multisetoriais de atividade e desde estilos de operação guiados pela demanda atual, a visões de “marketing” em que o fundamental é um funcionamento em relação a uma demanda que, além de


28 poder mudar, efetivamente muda; e cuja mudança pode ser afetada de modo significativo pelo poder de modificar a oferta. Torna-se , portanto, necessária uma explicação da organização dos interesses privados e de seus deslocamentos, em relação aos do interesse público ( Habermas, 1978; Offe, 1987), mais que uma explicação funcional da empresa como tal, em sua funcionalidade atual ( Furtado, 1974). Justamente, frente a essas transformações, torna-se necessário rever os contrastes entre os diversos interesses organizados definíveis como empresas produtivas, os que se identificam como empresas especulativas, ao lado dos componentes de individualidade e de organização familiar na propriedade e gestão do capital. Mais que problemas genéricos da empresa, há uma esfera de interesses privados, que se organizam para conduzir a formação de capital, antes que para gerir um dado capital atualmente disponível. Nisso, contam as peculiaridades da formação histórica das empresas e das demais formas de manifestação de interesses privados, que representam experiências específicas em cada sociedade, junto com as experiências relativas ao modo como se dão as diversas relações entre sociedades nacionais e locais. Esses interesses organizados a partir do controle de determinadas frações de capital ou do acesso a elas, contrastam com os que se organizam a partir do consumo atual e do consumo potencial. Desse lado percebem-se as diferenças de condições, materiais, organizacionais e culturais, para transformar necessidades e pretensões, assim como levar em conta que os interesses privados compreendem os lados da produção e do consumo, em que há diversos participantes da produção - como produtores tradicionais e autônomos - que não podem ser qualificados como empresas; e em que, do lado do consumo, combinam-se formas de consumo individual e de consumo coletivo, que não podem ser simplificadas a uma única categoria de consumo plenamente equivalente. É preciso distinguir entre os diversos produtores e entre os diversos consumidores, localizados em diferentes grupos de renda e condições de consumo, de modo a poder registrar as diferenças objetivamente causadas pelas diferenças da racionalidade com que agem os protagonistas da vida econômica. No relativo aos produtores, há duas observações principais a fazer. Primeiro, são produtores integrados ao grande capital, com capacidade de escolher em quais atividades operar, ou são pequenos produtores que estão constrangidos a trabalhar onde podem. Segundo, são produtores que trabalham para compradores que detêm rendas crescentes ou para compradores que têm rendas insuficientes e sem perspectivas de crescimento. 2.3.

A formação sociocultural e a questão nacional

Tem-se dito, com freqüência que a análise econômica da América Latina pecou – e parece que peca ainda mais – pela falta de complementação com uma


29 análise sócio-antropológica capaz de dar conta da profundidade e da amplitude de formação sociocultural do continente. É como se a análise social se autolimitasse à esfera da estruturação social realizada a partir da independência, e considerasse que o período colonial fosse uma espécie de pré-história da sociedade moderna, que pudesse ser descartada sem maiores conseqüências. Nem falar da América pré ibérica, que se torna simples matéria de curiosidade. Como se a formação cultural americana e a escravização colonial não marcassem esta outra América iniciada com a independência. A separação artificial entre a formação das nações americanas e a formação da América colonial tornou-se um elemento fundamental da construção de um modelo ideológico subalterno, que teria um grande componente de exclusão, a América indígena, dos povos africanos e de quaisquer outros identificados como coloniais, inclusive os asiáticos, e um grande componente de inclusão, que enfeixa a Europa ocidental e tem aos Estados Unidos como herdeiro maior dessa tradição eurocêntrica. No entanto, essa atitude discriminativa tornou-se cada vez menos sustentável. Há uma notável ampliação do conhecimento organizado da realidade social dos latino-americanos desde a década de 1950, inclusive com inegáveis conquistas de emancipação de grupos sociais marginalizados, Entretanto, há um importante conhecimento nesse campo, que, simplesmente, não é incorporado na maior parte da análise das perspectivas econômicas e sociais do continente. E há razões obvias, para procurar essa integração. A dimensão sociocultural é um componente essencial da questão latinoamericana que sempre foi subestimada, ou mesmo desconsiderada pela análise econômica, e que, em todo caso, foi tratada de modo fraturado, separando os processos socioculturais do período colonial dos posteriores ao colonialismo e ainda, separando todo o relativo à América pré ibérica da América formada pela colonização européia. Contrariamente a essa postura, cabe argumentar que a formação sociocultural é o único elemento de continuidade, que permite traçar a relação entre as sociedades pré ibéricas e mundo criado pela colonização. Seguindo observações de Darcy Ribeiro sobre essa matéria, cabe dizer que, justamente, são os movimentos de incorporação de elementos culturais de uma sociedade a outra, mesmo naqueles casos em que esse entrelaçamento resulta de processos destrutivos, como de fato aconteceu na América em geral. Justamente, a dimensão sociocultural deve ser apreciada como um processo contínuo, que perpassa as diversas sociedades organizadas postas em contato pelos movimentos do capitalismo, segundo eles incorporam coletivos em diferentes condições de uso de tecnologia e capacidade de articulação. A leitura da formação sociocultural passa pelo que chamaremos de sensibilidade à mudança, que indica como os grupos sociais participam dos movimentos de modernização. As sociedades latino-americanas nacionalmente organizadas interagem, constantemente, com alterações que são determinadas por suas relações com os países que conduzem a acumulação e com as sociedades menos desenvolvidas, que, justamente, costumam ser desqualificadas como culturas.


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2.4.

Castas, classes e movimentos sociais

A perspectiva histórica da estruturação social mostra uma relação entre a progressão de situações de mobilidade de grupos constitutivos das sociedades americanas e as passagens do mundo colonial ao da entrada da produção capitalista propriamente dita, e, finalmente, à formação das sociedades econômicas periféricas. Castas, classes e movimentos sociais são as três grandes referências dessa formação social, onde as situações de mobilidade nula ou quase nula são subsumidas no mundo de trabalho contratado – onde há mobilidade positiva e negativa – e ao mundo onde a falta de mobilidade reaparece, na forma de exclusão social. As classes sociais surgiram sem muita nitidez, como parte das contradições de um mundo de privilégios não formalizados, entretanto fundamental nas alianças que surgiram por iniciativas dos militare; A estruturação social na América Latina passa por diferentes movimentos, desde os que traduziram a colonização na formação de regiões, aos que criam redes de articulação política e aos que, finalmente, levaram a Estados nacionais. As separações do mundo feudal ibérico foram transferidas para a América na forma de privilégios de controle de recursos naturais de dolo e de subsolo e, aumentando as distâncias sociais das metrópoles, na nova forma de dominação sobre pessoas. Tal como acontecera com outras civilizações antigas, os conquistadores relegaram os dominados à condição de casta inferior, e criaram barreiras ideologicamente reconhecidas pelos próprios dominados. Para isso, o Império Espanhol usou os princípios de autoridade desenvolvidos nas sociedades militares americanas, agregando a legitimidade religiosa e dando um novo sentido à autoridade da monarquia. As castas surgem ligadas ao sistema de obediência emanado da monarquia, que ganha um caráter mítico, separada dos processos políticos concretos que assistiram sua criação na Europa. Vimos que já no final do período colonial, no contexto das lutas de independência, os partidos políticos que alcançaram uma representação de nível nacional emergiram de equações regionais de forças, onde se manejaram com referências do contexto colonial de relacionamentos, em que essas condições de castas refletiram as diferenças de mobilidade próprias da estruturação colonial. As sociedades regionais foram, realmente, regiões, de extensão variada, que passaram a ser progressivamente articuladas pelo sistema de comando das metrópoles. As condições de mobilidade dos diversos grupos de indígenas, de povoadores ibéricos, de negros e de imigrantes de outras nacionalidades, logo, dos diversos mestiços, foram fortemente diferenciadas e há diferenças fundamentais entre as condições que prevaleceram em diversos ambientes coloniais, numa mesma grande região e mesmo em pequenas regiões, nas cidades e nas zonas rurais. A concentração de poder do sistema colonialista, com a combinação do poder político e do religioso, criou sistemas rígidos, de mobilidade diferenciada, com barreiras intransponíveis para a maioria.


31 Na América Hispânica, do México à Argentina, surgiram divisões baseadas em referências étnicas e culturais, ligadas a situações econômicas, que sustentaram o sistema colonial de poder e deram lugar ao aparecimento de diferenças locais de caráter permanente. A mistura étnica se fez com uma série de restrições de mobilidade que consolidaram novas posições, tais como as de ladino e mulato, ao tempo em que estabelecia diferenças de privilégios entre diferentes europeus e entre europeus e americanos. Essa foi a sociedade de castas, cujo perfil e cujos conflitos reapareceram, alternadamente, até o século XX, com claras manifestações na Mesoamérica e nos países andinos. As guerras da independência e a abolição da escravidão alteraram esse padrão, ao acelerar-se a expansão do capitalismo. As sociedades de classes estruturaram-se, em quase todos os países, na segunda metade do século XIX, entretanto, sem eliminar os componentes das formas anteriores. A substituição de trabalho escravo por trabalho não escravizado na verdade fez-se com a continuidade de muito trabalho compulsório, que pode, facilmente, ser comparado com trabalho escravo. A mobilidade é fortemente desigual entre os grupos superiores e os inferiores da escala de renda. As limitações da formação de mercados internos devem-se, evidentemente, a essas desigualdades de posições e de renda, que restringiram a difusão dos efeitos internos da formação de renda. A linha divisória entre relações de classe e relações de privilégio – representados pelas oligarquias e pelas castas – flutuou ao longo do tempo, com uma expansão das relações de classe, quase sempre atreladas às relações com o exterior, mas não impediu que se reproduzissem as relações de privilégio. As classes são a expressão dos interesses definidos pela produção capitalista e surgem desde dentro das transformações do capital mercantil organizado na transição aos Estados nacionais, que alcançaram uma representação de nível nacional, emergiram de equações regionais de forças, onde se manejaram com referências do contexto colonial de relacionamentos, onde essas posições de castas se apresentaram, refletindo as diferenças de mobilidade próprias da colonização. As oligarquias latino-americanas deveram procurar meios de reproduzirem seu patrimônio nos movimentos de acumulação que, em sua maioria, foram capturados por interesses europeus. As classes surgem com a formação de um mercado de trabalho contratado antes que com a indústria. No México, a grande mineração instalada na segunda metade do século XIX, para abastecer de matéria prima os países industriais e as ferrovias ligadas a eles, criaram classes de assalariados, que viriam a formar as fileiras da Divisão do Norte na Revolução Mexicana. 12 Mineiros e ferroviários em No conjunto dos movimentos que constituíram a Revolução Mexicana (1910-1917) houve uma diferença clara entre os movimentos sociais de reinvindicação de terras comunais no Sudoeste, que se configurou como o movimento liderado por Emiliano Zapata e Genovevo de Ó e o movimento que reuniu desempregados e posseiros falidos do Norte, liderado por Pancho Villa. O primeiro foi um movimento gestado em conflitos causados pela expansão de um capitalismo apoiado por um governo autoritário e o segundo foi um movimento surgido de uma crise econômica de explorações de grande capital. 12


32 toda parte formaram o primeiro operariado, numérica e economicamente significativo, que iniciou uma presença política antes mesmo que os operários de fábricas se tornassem uma força visível. A modernização trouxe novas condições de estruturação do trabalho, em que o mercado de trabalho torna-se o referencial de incorporação de outras formas de trabalho, de modo colateral ou subordinado, não necessariamente substituindo essas outras formas, senão administrando essa substituição segundo as estratégias do capital, no que ele compreende formas de atividade que permitem combinar as diversas formas de contrato de trabalho. Em diversos países latino-americanos repete-se a situação pela qual as formas mais avançadas de contrato de trabalho combinam-se com a reprodução de formas arcaicas. O trabalho doméstico em geral continua sendo o principal traço de ligação entre as formas mais despersonalizadas de contrato de trabalho o trabalho mais nitidamente subordinado. Há um recrudescimento de formas autoritárias de trabalho submetido, que não se explica como uma insuficiência da modernização, senão como uma contradição da própria modernização. 3. 3.1.

A totalidade histórica na formação do sistema produtivo Sobre a totalidade histórica da periferia

Existe uma totalidade histórica latino-americana resultante dos processos de colonização realizados pela Espanha e por Portugal, e que se forma no contexto de relações complexas e principalmente conflitivas com a Inglaterra, a Holanda e a França, e que depois se encontra com uma dependência dos Estados Unidos. Nessa totalidade combinam-se os componentes materiais e os componentes ideológicos da vida social, segundo a constituição desse conjunto se torna um elemento integrante do cotidiano das sociedades. Objetivamente, a totalidade histórica é o espaço mundial em que uma sociedade se insere. Subjetivamente, é o espaço de referências dos grupos sociais em seu envolvimento cultural, econômico e político. O mundo da economia periférica é o de antigas colônias, que antes foram parte da totalidade de um império e depois passaram a ser parte da totalidade do mundo do capitalismo, funcionando em dois níveis, no do conjunto das relações com os países hegemônicos e no conjunto das relações com outros países periféricos. Os países hegemônicos e seus sócios menores dos próprios paises periféricos tentaram sempre minimizar a importância das relações entre os países periféricos, que passaram a ser chamadas de relações sul-sul. A ideologia do desenvolvimento, tal como desenvolvida pelas elites dos países periféricos compreendeu sempre uma tentativa de aproximação aos países mais ricos e de separação e de desqualificação das demais nações e grupos sociais seus equivalentes. Essa rejeição dos subdesenvolvidos é o modo histórico da alienação nas sociedades


33 periféricas A fixação da elite brasileira de ser parte do “primeiro mundo” é claramente parte desse mecanismo de alienação.. A discussão da América Latina enfrenta a realidade de que o grande espaço econômico, social e cultural latino-americano constitui uma totalidade historicamente determinada, cujas transformações representam um movimento seletivo, que realiza a identidade da sociedade mediante incorporações e descarte de atributos. A América Latina surge com duas peculiaridades, que são dadas, respectivamente, pelo papel da experiência ibérica na formação da Europa e pelo modo como essa experiência internalizou a progressão de situações que conduziu à formação das sociedades coloniais dependentes. Tanto o Império Espanhol como o Português tiveram visões de conjunto européias, isto é, perceberam a totalidade do conjunto efetivamente articulado pela economia ordenada e regulado pelas metrópoles européias. Por isso, a outra totalidade, própria das sociedades coloniais, se revela, progressivamente, pela rebeldia e pela contravenção. O contrabando é a parte mais importante e mais complexa desse conjunto, porque envolve interesses locais e cadeias de interesses alternativos dos governos metropolitanos. Há uma variedade de atividades que se classificam em geral como contrabando desde as pequenas evasões locais, e desconhecimento da atividade que não chega efetivamente aos lugares mais remotos em um continente que sempre foi carente de transportes, até os grandes sistemas oficiosos de contrabando, tais como foram o grande sistema de contrabando da prata de Potosí e o fluxo de contrabando de madeiras nobres do Brasil. Visto em suas grandes proporções como constituído de fluxos organizados, o contrabando cobre um amplo espectro, que vai desde uma atividade que conflita com os interesses organizados em torno do poder constituído. Desde o plano econômico, o contrabando representa a materialização de interesses que se afirmam mediante a negação do poder estruturado sobre o sistema de colonização. No sistema colonial maduro o contrabando foi um instrumento essencial da formação dos interresses mercantis regionais que vieram a ser a base dos blocos de poder nacionais. Na trajetória das colônias, o contrabando aparece ideologicamente estigmatizado pelo poder constituído, entretanto, como um veículo da formação de uma ideologia refratária à reprodução do sistema colonial mercantil escravista, abrindo espaços para o aparecimento de novos participantes organizados, bem como criando meios de afirmação desses personagens no novo sistema produtivo. A expressão pequenos produtores tem diferentes significados em sociedades coloniais que têm pouco acesso ao mercado internacional, tal como a Serra Andina e nas serras do sudoeste e do sul do México, comparado com as sociedades das planícies Argentina e uruguaia, que se consolidaram em torno de determinado patamar de organização do comércio internacional de mercadorias agrícolas.


34 Surge, inevitavelmente, uma leitura desse corte de diversidade, que situa as características físicas no processo de captação de recursos que vai se definindo sob as pressões da reprodução social e da formação de capital. A formação regional, que surge dessa progressão secular de uso de recursos representa, historicamente, uma totalidade material que não se subordina aos efeitos em cadeia da estruturação institucional, senão que, pelo contrário, situa a materialidade do sistema econômico através da produção de instituições. Nessa perspectiva, a América Latina se explica mais pela combinação de mineração e produção local, principalmente de subsistência, que de agricultura ou pesca. A totalidade histórica surge da internalização dos processos de trabalho que são postos em marcha por essa apropriação de recursos, que vão gerando novas condições de mediação entre as diferentes camadas de organização dos interesses de capital e as diversas condições de inclusão de trabalhadores. Em linhas gerais, o aprofundamento do modelo colonial implica na perpetuação de relações de mobilidade desigual, com as situações de baixa mobilidade concentradas nas colônias. As alterações desse padrão surgem com a apropriação de segmentos dos comandos financeiros. A experiência é que esse modelo jamais se manteve, por mais que fosse sustentado por mecanismos de autoritarismo e repressão. A Inquisição funcionou como um mecanismo de opressão dos ricos, 13 enquanto a autoridade temporal atingia os pobres. A unidade interna do sistema passa para o capital, que descola do autoritarismo patriarcal quanto consegue mercantilizar seu patrimônio. Mas essa foi uma operação que só foi realizada mediante a articulação dos interesses coloniais com os do capital do colonialismo avançado, e já não somente por sua liderança, na exploração e ampliação de mercados, mas porque essa expansão da periferia precisou da volatilidade financeira do capital, para viabilizar a mercantilização dos recursos de solo e de subsolo para novas finalidades de produção.14 Mediante esse atrelamento ao capital da produção industrializada foi possível revalorizar o patrimônio formado pelo capital mercantil e criar os segmentos modernos do capitalismo periférico. As minas de prata e ouro foram substituídas por minas de cobre e ferro e de manganês e de chumbo, assim como se valorizou o quartzo. A economia capitalista periférica surge como uma categoria que pertence ao capitalismo desigual e não como um componente atrasado do capitalismo tardio. Haveria diferentes condições de periferia em diferentes condições de desenvolvimento da produção capitalista industrial e entre variadas condições de relacionamento das nações e das empresas. A situação periférica de cada país mudaria ao longo do tempo, segundo se modificam as condições de comando no 13

Ver o trabalho de Novik Observe-se que a dificuldade para mercantilizar o patrimônio continuou nos Cerrados no Brasil até a década de 1980, quando os grandes proprietários continuavam sem liquidez para explorar terras acumuladas durante a expansão da pecuária na colônia. 14


35 centro hegemônico da economia mundial. A condição ideológica de periferia surge como um componente concreto do processo, que se atualiza, quando as elites, dotadas de novos elementos de qualificação, encontram novos modos de se inserirem na esfera ideológica do poder hegemônico, desenhando novas formas de subalternidade. A condição de periferia é o resultado de trajetórias específicas que formam o conjunto da produção capitalista, que subordinou a produção das diversas matérias primas a um conjunto de usos interdependentes de matérias primas, que são alterados ao longo do tempo por alterações tecnológicas nos países que comandam a renovação tecnológica. Daí, resultam variações de preços, que se confrontam com a rigidez de custos, que correspondem às escalas de produção inicialmente previstas nos projetos de exploração dos recursos naturais, que geralmente são ampliadas ao longo do desenvolvimento dos projetos, que representam estruturas de custos fixos, que raramente podem ser objeto de reduções de escala para se adaptarem às mudanças de composição do mercado. A história da economia latino-americana está marcada por uma sucessão de reversões de tendências desse tipo, que atestam, reiteradamente, a posição passiva dos países latino-americanos no relativo à exploração de seus recursos. Os movimentos de independização política revelaram uma grande fragilidade na estruturação dos blocos nacionais de poder sobre a estruturação de classes, conseqüente da escravização, que expôs os países às p;ressoes do imperialismo. Assim aconteceu com o cobre no Chile e no México, com o chumbo e o estanho na Bolívia, com o ferro em diversos países. Isso significa que a totalidade do sistema produtivo está constituída de movimentos de valorização e de desvalorização irregulares e desiguais em tempo e espaço; e responde por grande parte da imprevisibilidade da formação de capital. A imprevisibilidade não é somente resultado de ciclos de prosperidade e depressão, senão é parte integral do modo de formação de capital dos países periféricos à acumulação mundial. Não há, portanto, como desconhecer que os processos de trabalho são, aqui, externamente condicionados, e estão sujeitos a condições de incerteza que não se reduzem às condições econômicas e técnicas de cada recurso em particular. 3.2.

Totalidade e pluralidade no sistema colonial

A América Latina surge da projeção dos interesses econômicos e políticos formados na península ibérica entre o sistema feudal cristão e as monarquias islâmicas. Se, por seu lado, as monarquias islâmicas incorporavam maior diversidade tecnológica e contavam com maior variedade de produtos, o capital mercantil cristão tinha a seu favor a formação de capitais financeiros, que se expandiam sobre a comercialização e passavam a expandir a produção capitalista através do uso mercantilizado do trabalho escravo. Atribuir a expansão aos desdobramentos políticos da Reconquista, é ficar nos aspectos superficiais de um


36 processo de formação de espaços de poder, que não se subordinavam a nenhum dos dois pólos da relação entre os poderes temporais e seculares, senão que representavam, justamente, os interesses econômicos que se desenvolviam desde dentro do sistema feudal. A criação de colônias foi o movimento que permitiu que os capitais formados no sistema feudal encontrassem soluções produtivas que lhes permitissem operar sua capacidade mercantil. A expansão ultramarina portuguesa concorria, de fato, com as cidades mercantis mediterrâneas – Barcelona, Gênova, Veneza – oferecendo a novidade de criar um sistema produtivo para atender aos interesses mercantis. Entretanto, Portugal representava uma nova composição de poder, onde sua presença na costa africana se tornava essencial. Nisso, Portugal antecipou-se à Espanha, cujos êxitos na conquista de reinos social e tecnicamente avançados imprimiu um caráter de espoliação direta, que se prolongou na mineração. A corrida pela criação de capacidade produtiva só se desencadeou , realmente, no século XVIII, quando esse movimento já teve que enfrentar a presença de holandeses e franceses. A colonização, portanto, constitui um fenômeno produzido pela expansão do capital, que gera novos modos de incorporar trabalho compulsório. Numa visão retrospectiva do processo de formação do sistema de produção, a colonização surge como o fator externo determinante da unidade da América. A divisão entre colônias que pertencem a diferentes impérios também é superficial, porque todas elas foram parte da totalidade constituída pelo sistema colonial. Justamente, o fato de que há totalidades reconhecíveis nos planos econômico e político, tanto nos impérios como no sistema colonial, introduz uma virada fundamental na tendência medieval à fragmentação econômica e política. 15 Pela colonização, os países europeus colonialistas criam um oposto interno – que é a sociedade colonial – que se torna determinante da primeira unidade da América Latina. A divisão entre colônias que pertencem a diferentes impérios também é superficial, porque todas elas são parte da totalidade constituída pelo sistema colonial. Justamente, a visão de que há totalidades reconhecíveis nos planos econômico e político, tanto os impérios como o sistema colonial em seu conjunto, introduz uma virada fundamental na tendência medieval à fragmentação econômica e política. Pela colonização, os países colonialistas criam um oposto interno, que passa a ser seu complemento e passa a ter que negá-los, para afirmar sua própria identidade.

15

Parece importante distinguir que se trata de uma tendência generalizada do ambiente econômico e político da Idade Média, afetado pelo centralismo imperial da Igreja, que, de modo algum pode ser limitado às determinações do feudalismo. A monarquia portuguesa passou de sua base feudal inicial para uma composição de poder com os interesses mercantis que foi o modo de criar um sistema político e econômico capaz de sobreviver frente à expansão castelhana.


37 Esses movimentos geraram crises de identidade de diversos modos, que atingiram grupos e pessoas que eram parte das metrópoles e se tornaram protagonistas da esfera colonial, assim como alcançaram – e em maior escala grupos e pessoas que eram parte das metrópoles e se tornaram protagonistas da esfera colonial e procuraram legitimação de classe, passando para a esfera das metrópoles. A história do processo de independência política é a de um complexo processo de identificação de posições, em que a produção de identidades não subordinadas, saídas da totalidade colonial, esteve condicionada, simultaneamente, aos processos econômicos das colônias e aos processos ideológicos da alienação das elites coloniais. Mas a independência política é um objetivo, ou, em todo caso, uma referência positiva do processo político, que tende a ser superada pelo desenvolvimento de contradições na relação entre a estruturação política e a estruturação econômica. Daí, a importância de analisar comparativamente os efeitos da agricultura de exportação, da pecuária e da produção mineira. No Brasil, a produção mineira também aglutinou maior variedade de grupos e de condições sociais que a produção agrícola, e, certamente, muito mais que a pecuária, apesar de que a concentração de autoridade dessas atividades sustentou a formação das oligarquias, que se tornaram as detentoras do poder localmente formado. Essa caracterização das oligarquias, de construírem o poder político a partir de bases locais, evidenciou-se no período das lutas de independência, 16 quando as câmaras municipais – cabildos ou câmaras de vereadores – tiveram um papel decisivo nas manifestações de rebeldia. A independência valorizou os poderes locais e revelou reivindicações de direitos, que se colocaram na passagem das sociedades de castas herdadas do absolutismo , para as sociedades de classe do capital mercantil. As tensões entre as formas de autoritarismo do mundo colonial, onde se organizaram o caciquismo e o caudilhismo e as formas de concentração nacional de autoridade, projetaram-se no desenho dos Estados nacionais que, quase sempre, se afirmaram através da principal instituição da esfera nacional, que foi o exército. A emergência dos Estados nacionais representou um salto qualitativo do processo político, que alcançou escalas superiores àquelas bases locais. As 16

Na Argentina o peso dos poderes locais formou-se no vazio deixado pela distancia do poder constituído do Vice Reinado sobre os extensos territórios pouco povoados e tenuemente articulados com o comercio internacional. No México, a geografias das minas passou a funcionar como polarizadora da geografia social da distribuição territorial das sociedades indígenas, submetidas à função de fornecerem trabalhadores para essa exploração.A separação entre as províncias, refletidas pelas “alcabalas”, reforçou os poderes locais. No Brasil vamos encontrar uma complexa malha de relações entre agricultura para exportação, mineração e pecuária, que resultou nas diferenças mais profundas entre o mundo do Nordeste, o de Minas Gerais e o de São Paulo. Não é, portanto, por acaso, que as câmaras municipais fossem os ambientes onde as elites rurais viessem a participar da vida política e que, por isso, se tornassem uma esfera de poder predominante na constituição dos governos provinciais no Império.


38 exceções confirmam essa tendência geral. Na Colômbia jamais houve uma concentração de poder dessa ordem, mesmo com a emergência de novos setores exportadores; e o projeto nacional sobreviveu cm menor estabilidade que em qualquer dos novos setores exportadores; e o projeto nacional sobreviveu cm menor estabilidade que em qualquer dos demais países de médio ou de grande porte. As lutas que se desencadearam entre 1810 e 1840 em geral refletiram a complexidade desses choques de interesses de base local, que deram lugar à polaridade entre unitarismo e federalismo, nas diversas formas que assumiu de um país a outro. 3.2.

Tendências convergentes e dispersivas

Os projetos coloniais de poder foram totalmente convergentes com a continuidade do poder absolutista que, aparentemente, não era muito diferente do absolutismo francês. Mas, como parte mesmo do processo de extração de riqueza das colônias, engendraram oligarquias, cujas bases locais distanciavam seus interesses do poder metropolitano. Se as elites oligárquicas contribuíam para sustentar o poder colonial, ao se integrarem nas formas de consumo das metrópoles,17 esse mesmo mecanismo, de seguir os processos ideológicos da Europa, mostravam as limitações das decadentes metrópoles ibéricas, para exercerem uma liderança representativa das colônias americanas. A independência trouxe à tona contradições de interesses formados em cada colônia, por sua participação no respectivo império e pelas disputas pelo controle das fontes de renda. Trata-se, na verdade, do controle do processo de produção. O controle do trabalho compulsório é o fundamento do processo, que sustenta a reprodução das oligarquias “criollas” nos países hispano-americanos e oligarquias escravistas no Brasil. Como as oligarquias se apoiaram sempre no controle de recursos de solo e de subsolo, é mais adequado pensar sempre em termos de uma pluralidade de oligarquias, em vez de uma única oligarquia. A oligarquia do açúcar no Nordeste do Brasil formou-se e reproduziu-se mediante mecanismos diferentes dos que sustentaram a oligarquia do Vale Central do Chile ou das províncias do Noroeste da Argentina. Surge, portanto, um outro processo de estruturação do poder econômico, que se sustenta em novas modalidades de controle do trabalho compulsório. Os Estados nacionais latino-americanos instalaram-se sobre equações frágeis de poder econômico e político, justamente porque herdavam estruturas baseadas em exclusão, e dependiam de pequenos segmentos de cada população. Nos países mineiros continuava, intocada, uma forma de produção que dependia de trabalho que só podia ser obtido mediante a violência da servidão. Essa 17

Tornou-se proverbial, como os ricos venezuelanos, bolivianos e argentinos se instalavam como grandes consumidores em Madrid, e como tanto eles como os ricos mexicanos e os brasileiros, respectivamente, mandavam seus filhos estudarem nas universidades da península ibérica e do sul da França.


39 fragilidade aflorou de diversos modos, mas, no essencial, esteve ligada à substituição da busca de metais preciosos pela busca de matérias primas para a indústria. No México destaca-se a substituição da mineração de prata no Centro Norte – em Zacatecas e San Luis Potosí – pela mineração de cobre no Noroeste e no Norte, resultando na concentração mineiros e gerimpeiros, que, adiante, quando desempregados, se tornariam a espinha dorsal da Divisão do Norte na Revolução. A nova geração de mineração da segunda metade do século XIX aparece nos diversos países com justificações locais, mas, de fato, representa a substituição da função hegemônica por parte dos velhos impérios coloniais pela função hegemônica exercida por potências industriais, isto é, pelo imperialismo, em sua expansão desde 1850. O fundamental, portanto, é a sincronia entre a emergência de novas preferências de produtos e novas técnicas, com novas formas de controle financeiro da produção. A cronologia latino-americana ajustase à dos países poderosos, através de seus principais eventos, que foram a Guerra com o Paraguai (1865-1870), a Guerra do Pacífico, entre Chile, Bolívia e Peru (1879), a guerra contra o Império de Maximiliano no México (1865-1870) e finalmente a Revolução Mexicana (1910-1917).18 Na revisão dos principais movimentos da segunda metade do século XIX destacam-se as dificuldades da maior parte dos países, para criar uma pauta de exportações que não fosse, simplesmente, a resultante das atividades de capitais de fora. Destaca-se a formação de um padrão de relações internacionais, que se caracterizou pela exportação de matérias primas pouco elaboradas, pela absorção de contingentes mais numerosos de trabalhadores e pela concentração de investimentos em poucas cidades. Há, portanto, um outro padrão de totalização em torno da unidade nacional, que passa a herdar os problemas de viabilidade econômica e política; e há outro padrão de totalidade que surge da formação de classes sociais em cada um dos países da região e do modo como essa estruturação de classes afeta as relações entre os países. A questão latino-americana torna-se uma questão de viabilidade econômica e política dos países. 3.3.

A formação da totalidade na sociedade latino-americana moderna

A produção capitalista tende a ocupar a totalidade da vida econômica e a gerar as regras necessárias para uma expansão prolongada do sistema capitalista. No século XX o capitalismo mostrou muito mais flexibilidade e capacidade de adaptação que se pôde antecipar no século XIX, mostrando maior capacidade de 18

É importante registrar que a Revolução Mexicana foi, de fato, o final de uma cadeia de eventos e não o começo de um período. É impossível decodificar as razões e as conseqüências da Revolução sem considerar os efeitos da Reforma de 1870.e da formação de um governo dedicado a uma modernização cujos efeitos reverteram em concentração da propriedade fundiária e em espoliação das comunidades indígenas.


40 proteger os interesses de capital e patrimônio já formados e criando novas formas de privilégio.19 Assim, ao avançar o capitalismo, surgem novas formas operacionais e de seus componentes, dando lugar a novas regras da reprodução da totalidade, e, em conjunto com isso, de determinação dos componentes dessa totalidade. Hoje, tornou-se claro que os países que constituem o centro da acumulação passam, constantemente, por mudanças que modificam o modo de conduzir o processo do capital e de controlar a expansão do uso de recursos. Desde as primeiras observações sobre a relação centro-periferia, passou-se a ver como a dinâmica do centro tem características insubstituíveis, que mostram o sentido tendencial dos deslocamentos do sistema produtivo no sentido de usar qualificações de trabalho e de usar energia em suas diversas formas. Até 1972 o sistema caminhou na direção de aumentar o produto social total mediante usos incontrolados de energia, mas, desde então, passou a tentar alcançar seus objetivos de produto reduzindo seu componente de energia. No entanto, esse objetivo de economia relativa de energia não substitui o fato de que o consumo total de energia aumenta, de modo concentrado nos países que comandam a tecnologia da energia. A composição dos usos de trabalho qualificado surge como um movimento concomitante, que, primeiro é determinado pela pauta dos usos de energia, e, logo, torna-se o modo de engajar a sociedade para realizar o conjunto dos trabalhos necessários à reprodução do sistema produtivo em seu conjunto. Nesse contexto tornou-se necessário recuperar a categoria de totalidade como aproximação de uma explicação significativa do processo econômico. Rever a conceituação de totalidade significa romper com as correntes marginalistas da análise econômica, neste caso, especialmente, com o conceito de globalidade posto em circulação pela corrente keynesiana. O conceito de globalidade significa um conjunto positivo, onde não há contradições, enquanto o conceito de totalidade compreende as contradições historicamente acumuladas. Por exemplo, o consumo global descreve o conjunto do consumo realizado que não contempla os efeitos negativos de alguns componentes do consumo sobre outros. Por exemplo, o consumo de água para irrigação traduz-se em uma restrição de consumo de água para produzir energia, assim como o consumo de energia em um grupo de fábricas é uma restrição ao uso de energia em outras. Os usos da capacidade de produção são mutuamente excludentes e as magnitudes globais simplesmente desconsideram os elementos contraditórios que estão submersos nas quantidades globais. A questão da totalidade surge, portanto, como de uma totalidade móvel, que se altera em muitos aspectos, mas que tem um sentido de continuidade, que se expressa na tendência ao aumento da densidade de capital por homem ocupado e no da substituição de tecnologias. Na prática, essa observação sobre a 19

Algumas especulações mais audazes e perspicazes devem ser citadas na elaboração de uma visão global do capitalismo, que aportam referências úteis para desvendar a complexidade latinoamericana, apesar de não se referirem a ela. Distinguiremos Alain Minc (1993), Karl Polanyi (2000) e Giovanni Arrighi (1996), além do clássico trabalho de Bukharin(1926)..


41 totalidade envolve a composição do sistema produtivo, no núcleo de concentração do capital e nas diversas formações periféricas, com seu dinamismo diferenciado. A totalidade envolve diversidade, 20 com a participação de interesses contraditórios e com diferentes condições de reprodução do capital e do trabalho. A partir dessa visão de totalidade falta um outro tratamento de setores 21 e da combinação dos setores nos movimentos do capital nesta periferia. Longe de aceitar o tratamento tradicional, de reconhecer setores da economia como setores derivados de um corte macroeconômico de composição aparente do produto social, ou de tratar os setores como unidades técnicas e operacionais, pretendese aqui tratar de setores como de dimensões da economia geral, que também são, cada uma delas, multisetoriais, no sentido em que compreendem atividades de todos os setores formais e no sentido em que podem ser subdivididas em subsetores que são outros tantos setores. Assim, é preciso começar por uma releitura do componente mercantil do sistema, que pode aparecer como comércio, mas que compreende partes da indústria, da agricultura e dos serviços. A seguir, trata-se de rever a industrialização da produção, antes que ver a indústria entendida como um conjunto de estabelecimentos produtivos. E ver o desenvolvimento rural como interligado aos anteriores. A análise aplicada da totalidade da economia é, por isso, a análise da formação de capital. Entretanto, é uma abordagem que impõe situar historicamente a formação de capital e não tomá-la como simples proporção aritmética. Ao longo do tempo, a formação de capital acontece em determinados contextos que variam. Observando o ocorrido na segunda metade do século XX, vemos que a América Latina foi submetida a uma pressão constante para adiantar seu sistema produtivo, para se adaptar ao dos países que controlam financiamento e tecnologia. Essa tarefa, de si já inviável, foi adicionalmente dificultada pela pressão representada por despesas que não são funcionais a essa finalidade e pela evasão de recursos para aplicações nos próprios países do centro da acumulação. A questão da evasão de capital suplanta a tese clássica de escassez de poupança, e da conseqüente necessidade de captar poupança dos países ricos. A realidade das 20

Recuperar a compreensão de totalidade como primeira medida para estabelecer uma linha genuinamente histórica de análise. 21 Esta colocação da combinação da visão de totalidade com o tratamento de campos específicos de análise envolve uma questão de método de maior expressão, que deve ser esclarecida. São duas observações principais. Uma, de que a totalidade social resume um processo evolutivo, em que se combinam as diversas formas de aplicação de capital que vão aparecendo, ao evoluir a composição dos meios de produção em geral. A outra observação é que as mudanças na composição de cada uma das áreas de atividade afeta o conjunto das demais. A industrialização do campo, a tecnificação dos serviços, são aspectos de um movimento, cujo epicentro são as formas de produção que surgem ao alcance dos capitais, segundo a capacidade dos gestores de capitais específicos para reproduzir o valor que representam.


42 economias periféricas está constituída de relações internacionais desiguais, onde a evasão de capitais e de recursos humanos qualificados vem a ser o mecanismo essencial da reprodução da condição de periferia.

4.

O capital mercantil e a acumulação

4.1.

O aspecto mercantil no interesse privado

Historicamente, a construção do sistema colonial na América Latina foi obra da ascensão dos interesses mercantis na Europa ocidental. A acumulação de capital se realizou em forma subordinada aos processos da Europa, mas derivou na formação de interesses mercantis locais, que se distanciaram e contrapuseram aos interesses econômicos organizados nas metrópoles européias. Assim, o capital mercantil veio a representar um universo de interesses cada vez mais complexo, onde interagem capitais dos países mais ricos e capitais locais, em diferentes combinações, em sistemas de comercialização internacionalizados e em sistemas locais. 22 A independência política foi seguida da entrada de interesses mercantis de outros países europeus, principalmente da Inglaterra, que desenharam um novo mapa econômico. Nas últimas décadas temos visto que se desenvolvem complexos movimentos de articulação de interesses mercantis, que reúnem desdobramentos de capital internamente acumulado com a entrada de interesses mercantis internacionalizados. 23 O papel da atualização do capital mercantil na formação da economia periférica latino-americana, está indicado, por exemplo, pela penetração de grandes capitais em setores de serviços em geral e especialmente em comércio, chama a atenção para a necessidade de revisar os fundamentos conceituais da análise dos processos de desenvolvimento, tal como eles se desdobraram nos países latino-americanos na última metade de século. Precisamos de uma visão em perspectiva histórica da formação do capital mercantil, tanto como precisamos compreender os movimentos que levam, constantemente, os capitais mais articulados em circuitos avançados de tecnologia, a voltarem ao campo, a procurarem os meios de valorização postos à disposição pela capitalização da economia rural.

Em trabalhos anteriores, A formação do capital mercantil na Bahia (2002) e As bases do comércio na Bahia (1996), procurei reunir elementos de uma interpretação teórica do comércio, focalizando no controle financeiro da produção de mercadorias e na necessidade de comercializar a produção. 23 A expansão da rede Wal-Mart e da rede Carrefours são os fatos mais recentes e mais visíveis nesse movimento, que compreende a comercialização de mercadorias tradicionais de exportação. 22


43 Assim, a discussão atual em torno da questão do capital mercantil atual requer uma revisão das bases da operação mercantil como tal. A análise do comércio forma-se a partir do movimento de mercantilização do trabalho para fazer mercadorias e não da comercialização de mercadorias prontas. O comércio mesmo consiste de circuitos de operações de intermediação que “encomendam” mercadorias, promovem outras mercadorias e desqualificam outras. O comércio é a negação da propalada “soberania” do consumidor. Os princípios fundamentais do comércio não mudaram. O que aumentou, ao longo do tempo, foi a capacidade do comércio para dominar trabalho e conduzir a produção de mercadorias cujo consumo a seguir impõe através das redes de venda. O uso de tecnologia sempre foi controlado em função da relação entre os custos de produção e os lucros que se obtém na etapa de comercialização, isto é, a margem de lucro é parte da esfera do comércio e não da esfera da produção. Na formação da economia latino-americana essa separação foi fundamental, porque a organização do comércio sempre foi internacional, enquanto a organização da produção reproduziu-se sobre as bases de usos de recursos locais. Há várias razões para rever o papel dos interesses mercantis na sociedade econômica, desde seu papel líder na realização do lucro até suas grandes mudanças tecnológicas. Além de conduzir a expansão do capital pré-industrial nos séculos XVI e XVII, organizaram as relações de dominação dos europeus no século XIX, no controle das trocas internacionais de bens de consumo e de armamentos; e junto com elas, estimularam a ampliação da capacidade de produção. As cidades industriais latino-americanas surgiram primeiro como centros do capital mercantil; e somente aquelas que mantiveram essa função, junto com a concentração de fábricas, conseguiram superar os desafios do ciclo econômico, e reorganizar suas relações com o Estado. A preeminência da visão do aspecto fabril da produção, ressaltada pela integração tecnológica da segunda revolução industrial, obscureceu o fato de que esses resultados materiais foram viabilizados pela expansão e reorganização do comércio, que se adaptou para operar com elencos mais vastos e variáveis de mercadorias. A reorganização dos sistemas de infra-estrutura é uma imposição do comércio, que, finalmente, estabelece as condições operacionais da indústria. Numa perspectiva secular, a produção fabril passou por dois grandes movimentos de expansão ma América Latina, entre 1880 e 1930 e desde 1946, que correspondem à matriz de produção integrada, conduzida pelo uso de carvão e pela ascensão do uso de petróleo e energia hidroelétrica e finalmente nuclear. Esses dois grandes movimentos corresponderam ai diferentes horizontes de diversificação e expansão da produção, correspondendo ainda, a diferentes horizontes de consumo, demandando condições igualmente diferenciadas de comercialização. O primeiro desses dois períodos tem sido identificado como de aparecimento de classes médias urbanas, entretanto, a análise das condições de consumo desses grupos médios de renda mostra que a expansão do consumo


44 urbano é assunto desse segundo período, quando aumenta o assalariamento nos setores público e privado e criam-se as condições para uma indústria de bens de consumo duráveis, desde móveis a eletrodomésticos, a medicamentos, a vestuário industrializado. 4.2.

O mecanismo econômico do comércio

A perspectiva mercantil da produção ficou submersa na expansão da indústria e nas aparências das atividades do setor terciário tecnificado e industrializado. Mas a própria análise da industrialização, com seus limites e contradições, com a revelação de suas bases multisetoriais e financeiras, obriganos a desenvolver uma análise da empresa, que substitui a ênfase nos aspectos operativos e organizacionais pela atenção aos interesses e aos modos de conduzir a comercialização e o financiamento da produção. Os interesses mercantis antecedem os industriais, passam a ser conduzidos por estes, enquanto a produção se realiza mediante a integração industrial. Mas reaparecem, além da organização da produção industrial, quando se afirma a pluralidade de rumos da tecnologia, e se definem novos papéis das informações e da especulação. O ambiente especulativo revela-se, essencialmente mercantil, no que coloca a mercantilização do dinheiro como elemento regulador da produção de bens de consumo. A essencialidade do interesse mercantil nesses grandes movimentos do capitalismo sugere que se exponham os elementos básicos da formação da renda do comércio, tomando-a como núcleo da mercantilização, seja, do comércio como atividade independente como ingrediente das atividades de produção de bens e serviços. O comércio consiste na troca organizada em seqüências controladas, sobre conjuntos previsíveis de parceiros e de mercadorias. O comerciante trabalha com certos conjuntos de mercadorias e ganha mediante a repetição das trocas, que lhe permitem estabelecer algumas mercadorias como gancho das trocas seguintes. Tais mercadorias constituem seu estoque, que compreende componentes com diferente rotatividade. O controle da substituição dos elencos de mercadorias é uma parte essencial do comércio, que distingue o modo de comerciar daqueles que criam as mercadorias e o modo de comerciar daqueles que têm que se adaptar a mudanças de listas de mercadorias que chegam até eles de modo aleatório. Há uma relação móvel entre mercadorias, que se realiza em espaços e tempos previsíveis. A questão fundamental na análise do comércio é situar o manejo das mercadorias em espaço e tempo, entendendo que a renda do comércio decorre da relação entre o valor das mercadorias e os tempos em que elas são trocadas, e onde o espaço - no caso os lugares onde elas estão - ficam submergidos nos tempos das trocas.


45

Os tempos da produção e da comercialização ficam incorporados às mercadorias, refletindo-se nos diferenciais de preços que elas obtêm no pontomomento em que são avaliadas como parte de estoques ou em que são trocadas. Não se pode esquecer que os preços das mercadorias estão determinados no momento em que elas são produzidas e frente a uma suposição de demanda que há naquele momento. Há um tempo para comercializar as mercadorias produzidas, sob pena de que elas tenham outra expressão de custo para o sistema. Como a renda do comércio decorre da velocidade das trocas, o tempo converte-se em custos, que são dados pelo tempo entre tocas, que eqüivale à imobilidade do capital. A imobilidade materializa-se em armazenamento, que é uma magnitude que se tende a reduzir até um limite mínimo, estabelecido pela necessidade de dispor de mercadorias suficientes, em quantidades e diversidade, para atender as trocas para as quais há compradores. O detalhamento dos custos da armazenagem torna-se uma necessidade operativa da análise da formação da renda do comércio. Esta aparece, simultaneamente, como custos crescentes, neles incluídos os custos operacionais dos transportes e os de perda de qualidade dos produtos; e como renda não realizada pela não utilização das mercadorias, portanto, pelo custo de oportunidade do tempo do comerciante e pelos custos fixos de sua capacidade instalada. O comércio enfrenta sempre um problema de custos, expressos em termos de tempo, que se refletem nas variações dos estoques. Em cada situação dada de previsão de demanda, o comércio tem que decidir por um estoque, que se situa entre um máximo, limitado pelos custos de imobilização de capital e um mínimo, limitado pela demanda mínima que não pode deixar de ser atendida sem incorrer em custos adicionais de perda de mercado. Adicionalmente, a composição dos estoques, tem que se aproximar da composição da demanda prevista, ao tempo em que procurando obter vantagens de preços na compra dos componentes do estoque. Por isso, quando se trabalha com a variedade dos estoques e dos movimentos dos diversos estoques, trabalha-se, realmente, com os estoques médios de cada sistema de produção. Assim, o estoque médio representa, simultaneamente, a relação entre a imobilização de capital e o potencial de rentabilidade; e a relação entre o valor total manejado pelo comércio e os custos unitários das mercadorias. Os gestores de capital têm que agir em função da relação entre os estoques médios e a média de imobilização dos capitais. Daí, que as variações e mudanças de composição dos estoques de mercadorias indicam, de uma vez, as transformações do sistema produtivo e as do mercado. A operacionalidade do comércio está, portanto, representada pela regularidade com que os componentes dos estoques são substituídos, por sua


46 confiabilidade, enquanto realizável. Daí, que a reposição dos estoques deve manter a conversibilidade de seus componentes num nível suficiente para garantir a velocidade de circulação de capital necessária permitir que o capital possa ser efetivamente avaliado como mercadoria. Essa inter-relação entre imobilização e liquidez regula a escala de operação do comércio; e através dela, a circulação das mercadorias. Com esses parâmetros, os comerciantes precisam decidir com a maior rapidez possível, acerca da quantidade e da composição de estoques, e preservar os índices de liquidez necessários à reprodução de seu capital. O aumento excessivo de liquidez significa redução da escala de trocas, portanto, queda de rentabilidade do comércio abaixo de seu potencial, até a anulação de sua capacidade de reproduzir seu capital. A imobilização excessiva resulta em crescente dependência de empréstimos, portanto, introduzindo custos financeiros adicionais, até a anulação da rentabilidade. No conjunto, o dinheiro é a mercadoria fundamental, que permite comparar essas duas situações. Quanto maior o controle do dinheiro, maior a rentabilidade potencial. Inversamente, quanto maiores os custos financeiros, maior a pressão sobre o manejo dos estoques de mercadorias para a baixa de preços, e menor a rentabilidade. Com essas referências, o comércio precisa de um gerenciamento de estoques que permita realizar ao máximo o potencial de renda do capital imobilizado, ao tempo em que reduzir ao mínimo os custos representados pela imobilização de capital em elencos de produtos que podem deixar de ser demandados. Daí, a composição dos estoques tem um dinamismo, a ser observado em termos de (a) reduzir ao mínimo os componentes menos utilizados, (b) reduzir ao mínimo os tempos médios dos estoques retidos e © aumentar ao máximo os componentes de maior rotatividade. Assim, em seu papel no desenvolvimento da produção capitalista, o comércio precisa conciliar um esforço sistemático de reduzir os riscos em termos da magnitude e da composição dos estoques, ao tempo em que renová-los o suficiente para acompanhar as alterações do mercado. Na prática, o comércio precisa procurar mais mercadorias ou modificar as mercadorias, para escapar de uma reprodução invariante do capital que resulta em desgaste do capital. Finalmente, todo o esforço para aperfeiçoar mercadorias exportáveis resultou dessa necessidade, que determinou diferenças entre as regiões que acompanharam o comércio mundial e as que se introverteram em circuitos locais de comércio. Assim, é a gestão do risco que vai definir como se estabelece uma trajetória entre preferência por lucratividade imediata ou por capitalização. Operacionalmente, ela se exprime como um ajuste entre imobilização e liquidez , para isso dependendo das soluções de composição que são dadas em cada um desses dois campos. No relativo a imobilização, destaca-se uma questão fundamental, relativa à participação dos ativos na produção e a sua conversibilidade. O patrimônio é aquele conjunto de ativos constituído mediante


47 o processo de produção, ou legalmente referendado, que pode não ser parte do processo atual de produção e tem certa conversibilidade, que permite usá-lo integralmente ou em parte. A conversibilidade do patrimônio pode ser dada por funções diferentes das originais, mas em todo caso, indica um respaldo virtual da produção. A conversibilidade do patrimônio está associada a padrões técnicos tanto o patrimônio mobiliário como o imobiliário - e aos fatores de risco do mercado. Do ponto de vista da prática do comércio, o patrimônio justifica-se como reserva de valor para operações futuras, ou como indicador de um estilo de operações. Na prática, a composição dos estoques pré-condiciona o universo de trocas possíveis. As instalações e os equipamentos devem ser adequados para operar os estoques, podendo-se considerar que todas as sobras de valor imobilizado além dessa justificativa devem ter rentabilidade própria suficiente que os justifique. Quanto à liquidez, a regra principal é garantir o controle da rentabilidade das transações, que só se pode ter quando se controla o dinheiro envolvido nas trocas. Seja dinheiro próprio ou não, ganhar juros somando resultados financeiros aos das trocas propriamente ditas. A falta de controle financeiro das trocas resulta em pagamento dos custos financeiros do manejo dos estoques, portanto, em perda de rentabilidade. No extremo, o controle financeiro estendese ao ponto em que a concentração de dinheiro leva à descaracterização da atividade mercantil ou à conversão das empresas em bancos. Assim, a taxa de juros jamais é um elemento neutro para o comércio, podendo causar custos ou propiciar renda; e indicando quais mercadorias e quais estilos de transação preferir. A taxa de juros é o preço atual do dinheiro, que permite compará-lo com as demais mercadorias. Para o comércio, a relação preço atual/conversibilidade inclusive das moedas, é a referência que permite escolher linhas de operação, pelas quais criar aqueles perfis de estoques que précondicionam as trocas futuras. 4.3.

O capital mercantil contemporâneo

Há, pelo menos, duas justificativas para revisar o papel do capital mercantil na economia periférica contemporânea: o modo como se realizam as operações de compra e venda em torno da produção; e o modo como se organizam os interesses privados, nas empresas e fora delas. Os controles de mercado que se formam em torno do controle de tecnologia adicionam um elemento decisivo para todos os pequenos e médios produtores, que especial interesse pelo modo como se concentram nas economias periféricas, ou pelo modo como materializam a subordinação dessas economias aos rumos seguidos por aquelas outras que controlam a substituição de tecnologias e a formação de capital em geral.


48 No relativo à comercialização da produção, há algumas observações necessárias. As transformações da economia mundial registradas desde a década de 1960, fizeram-se com novos modos de acumulação e novas formas de organização social e técnica da produção, com empresas que diversificaram rapidamente suas áreas de atuação, aproveitando novos caminhos de desenvolvimento da tecnologia e do conhecimento científico, utilizando novos modos de financiamento. Esse desenvolvimento do capital revelou uma pluralidade de situações dos atores da economia, em especial dos condutores do capital, que obrigam a rever os pressupostos relativos aos motivos e critérios com que são conduzidos os empreendimentos. Frente a uma rápida ampliação da pluralidade tecnológica, há realmente duas situações em que as empresas podem estar: usando a pluralidade tecnológica e considerando as formas industriais como meios de produzir, que podem ser completamente substituídos; ou reproduzindo-se em um determinado quadro tecnológica, que não podem mudar, sem ter qualificação suficiente para transferirem-se entre áreas de atuação. A possibilidade de ver as atividades produtivas como transitórias ou intercambiáveis. A posição dominante ocupada pela acumulação industrial, com os resultados obtidos na integração vertical da produção, justificaram a visão industrial do processo econômico, que no essencial consiste na lógica da produção fabril como único caminho da acumulação nos países economicamente mais avançados. Essa perspectiva foi, ainda, adicionalmente reforçada pelos conjuntos de fenômenos que ficaram conhecidos como industrialização da agricultura e dos serviços. Mas a pluralização dos caminhos do desenvolvimento da tecnologia da produção e da organização, ao lado da intensificação das operações de compra e venda de empresas, leva a registrar esse outro tipo de interesses, que se coloca num nível de intervenção no mercado, em que o essencial são transações com dinheiro em suas diversas formas, especialmente com equivalências de moeda. Tais transações conduzem uma aceleração das operações efetuadas sobre a base da liquidez do mercado, independentemente da relação entre a velocidade de circulação e os tempos de produção. A necessidade de sustentar a velocidade de circulação obriga a procurar negócios de retorno rápido, por extensão discriminando os investidores entre os que têm disponibilidade de capital que lhes permita esperar os tempos mínimos dos investimentos de média e longa duração; e os que são constrangidos a operar num ambiente de curto prazo. Essa diferenciação se reproduz em dois níveis interligados: no da escolha de novos empreendimentos, inclusive na comparabilidade entre investimentos em diferentes setores da produção de bens, como agricultura e indústria; e no nível da gestão dos empreendimentos em operação, compreendendo a política de atualização tecnológica dos investimentos e a de organização de redes de


49 comercialização. As decisões sobre novos investimentos consultam a capacidade das empresas para operar a curto prazo ou a longo prazo, tanto como as características das opções de investimento disponíveis. Noutras palavras, qual mercado, para quem. O comportamento frente as novas opções de investimento observa, portanto, as possibilidades dos capitalistas, de participarem no mercado, com maior ou menor intensidade, com mais ou menos pressa pelos retornos do capital, portanto, de planejar a relação entre a gestão financeira e a de investimentos na produção de bens. A negação dessa capacidade de planejar significa o constrangimento de operar no curto prazo, mesmo tendo competência técnica para planejar. Os casos de falta dessa competência devem ser descartados, como representativos de falta de qualificação dos capitalistas, que em princípio indica que eles deixarão de obter a rentabilidade potencial de seu capital, tendendo a serem eliminados do mercado. A percepção do quadro de novas opções indica, por contraste, como se tende a tratar os empreendimentos atuais. A questão fundamental aqui, é que as empresas não podem deixar de decidir um só momento pela gestão de seu capital - a ausência de decisões é uma forma negativa de decisão - e devem dar a máxima funcionalidade ao seu patrimônio. Frente a essa questão, de articular as perspectivas de futuro com a gestão do quadro atual, colocam-se as decisões relativas ao capital aplicado em empreendimentos produtivos, que está atrelado aos tempos de maturação desses investimentos e aos horizontes de alternativas que eles representam. Esse elenco de questões remete-se ao nível de decisões sobre a gestào do capital no mercado, não pela produtividade que ele mobiliza, senão pelos preços que pode obter como mercadoria. Isto significa que o capital imobilizado na produção de bens, em última análise, em julgado por sua equivalência com o que está aplicado na forma de valores mobiliários. Esse mecanismo descreve como se forma a perspectiva mercantil contemporânea, inclusive no que ela compreende o controle mercantil das aplicações industriais. Do ponto de vista da gestão mercantil do capital, as variações da produtividade do trabalho são julgadas por seus efeitos em variações de rentabilidade do capital; e com variações de valor do capital imobilizado. Delineia-se uma nova forma de gestão do capital, em que as operações de capital entre empresas tornam-se um indicador de avaliação de rentabilidade, por sua vez útil como referência, mesmo para os capitais que não participam delas. O ponto crítico da questão está, portanto, em encontrar respostas igualmente satisfatórias, para manter o capital plenamente aplicado e com a máxima capacidade possível de adaptação às variações das condições ambiente de opções de divisão. É uma nova leitura da questão colocada por Adam Smith no


50 Livro II da “Riqueza das Nações” com o nome de “emprego dos capitais”. O problema é que as oportunidades de aplicações com essas características são limitadas, pelo que os gestores do capital têm que resolver um problema cada vez mais complicado, de manter maiores massas de capital em aplicações rentáveis. Tais aplicações ficam restritas ao grande capital, tornando-se matéria que se resolve mediante as aplicações no mercado financeiro. Tal necessidade explica porque a diversificação de atividades das empresas tem-nas levado a operar, simultaneamente, em atividades em diferentes níveis de tecnologia, mas sob uma orientação comercial comum. As dificuldades de adaptação a tecnologias e culturas diferentes de produção são rapidamente superadas, quando há suficientes vantagens de financiamento e de controle de mercado, tal como se pode observar quando se estudam as operações dos grandes grupos empresariais latino-americanos, que se organizam, essencialmente, a partir de estratégias de financiamento. A formação de um mercado aberto de tecnologia corrobora essa observação, demarcando as diferenças de posição entre empresas que participam como produtoras, como intermediárias e como compradoras de tecnologia, onde ao lado destas últimas também aparecem os governos. Como as produtoras são um pequeno número, operando de modo monopolista ou oligopólico, o comportamento das empresas em matéria de tecnologia torna-se essencialmente mercantil, manifestando-se, de modo diferenciado, segundo operam com tecnologias de uso restrito, dominadas ou dependendo de ajustes experimentais. A pressão por uma rápida substituição de produtos, numa lista cada vez maior de atividades, induz as empresas a desenvolverem seu lado comercial com maior ênfase que o produtivo; a consumirem maiores proporções de despesas com comercialização e a dependerem mais de seus acordos comerciais. A competência comercial lidera o processo que determina e limita a escala de operações e com ela, os estímulos à renovação técnica. Assim, especialmente nos países periféricos, que são levados a incorporar maior proporção de produtos e de marcas determinados pelo perfil de mercado dos países mais desenvolvidos, há um condicionamento externo da composição dos investimentos, que prédetermina os espaços em que se movem os interesses ligados à comercialização de bens e serviços. Paralelamente, os interesses comerciais têm sido apoiados pela expansão e renovação dos sistemas de infra-estrutura, especialmente dos ligados à produção de energia em suas diversas formas, que resultaram em grandes obras, em seqüências que canalizaram a maior parte dos investimentos públicos e tornaram-se responsáveis da sustentação do nível do emprego. Os contratos públicos tornaram-se um elemento fundamental da formação da demanda, tanto nos países centrais como nos periféricos, estabelecendo algumas seqüências de despesas, cujos efeitos totais em cadeia tornam-se determinantes da composição da produção. Assim acontece com as indústrias


51 supridoras dos serviços públicos e em setores submetidos a transformação mais rápida, como a aviação e a informática. Isso se repete desde a construção de ferrovias até as reconstruções de hoje no Oriente Médio. Um dos principais aspectos das ditaduras latino-americanas, ao longo do século XX foi, justamente, como elas manejaram o poder de contratar serviços para criar uma nova classe de empresários e proprietários, portanto, como vieram a modificar a composição das elites nacionais.24 Esse papel indutor do governo mostrou que o comércio foi favorecido - ou induzido - pela demanda iniciada pelo governo, que sua magnitude e regularidade pré-determinam quais seqüências de compras determinarão, finalmente, seqüências de decisões dos produtores. Por gerar compras em campos tais como educação, saúde, energia, transportes e principalmente defesa, o governo funciona nos países mais ricos como comprador e como atrator de compras, definindo um componente de despesa relativamente muito previsível, portanto, um estabilizador da demanda. Tal componente contrasta com o padrão variável de despesas dos setores que operam com a demanda variável dos negócios mais expostos a variações cíclicas. Essa divisão reflete-se no perfil do comércio. O comércio organiza-se para operar com mercadorias que seguramente estarão disponíveis e com outras que podem chegar ao mercado, mas sem garantia. Obviamente, tende a concentrar sua imobilização naquelas mercadorias que têm demanda garantida, ou que podem ser consideradas de alta previsibilidade. Quer dizer que a atividade comercial das empresas é atraída a operar em conjunção com compras garantidas, procurando situações vantajosas, que podem ser alcançadas como vantagens de oligopólio ou como vantagens nas relações com o Estado. O mesmo critério pode ser estendido para sustentar uma análise da distribuição do comércio em relação aos diversos grupos de renda. São diferentes condições de comercialização dos bens e serviços para grupos de alta renda, para os grupos médios detentores de rendas confiáveis e para os grupos que sobrevivem com rendas baixas e incertas. Nas diversas faixas de rendas confiáveis, o comércio pode apostar numa demanda com um forte componente de diversificação; enquanto para os grupos de baixa renda e de rendas incertas, trabalha-se sempre com uma demanda pouco diversificada e pouco sensível aos estímulos da diversificação. . 5.

As peripécias da industrialização

No Brasil foi quando se institucionalizou a figura das grandes empreiteiras, que formaram capital em contratos de construção civil com o governo e que estenderam seus interesses à produção industrial. Esses interesses vieram a constituir um tipo especial de empresas, que operam simultaneamente através de uma variedade de empresas, de diversas escalas de tamanho e com diversos perfis tecnológicos. 24


52 5.1.

A segunda revolução industrial e a questão da industrialização

5.2.

As grandes linhas da formação da indústria na América Latina

A industrialização na América Latina é um processo irregular, desigual, que tem experimentado avanços e retrocessos e que tem sido conduzido através de uma progressiva concentração do capital, onde a participação de capitais localmente formados e de capitais dos países mais ricos, leva o processo a uma maior internacionalização seletiva do capital industrial. 25 Ao longo do tempo, desde a segunda metade do século XIX, houve vários impulsos de industrialização que não se consolidaram, até quando se tornou evidente que a própria industrialização em seu significado mais estrito enfrenta bloqueios que a atrasam, ou que a tornam intermitente, ou mesmo que a bloqueiam por completo. O desenvolvimento da indústria tornou-se um símbolo da emancipação, entretanto, numa compreensão defasada de indústria que confunde o poder financeiro sobre as empresas com estratégias de financiamento dos empresários. Há uma diferença sutil e fundamental a ser estabelecida, entre os movimentos do capital industrial e os movimentos da produção fabril, onde a análise focalizada nos dados da produção fabril, onde uma grande parte da argumentação desenvolvida para analisar a indústria recorre às condições da produção fabril. Resumindo, diremos que a análise da empresa trata de financiamento e política tecnológica e a análise fabril trata de usos de tecnologia, processos técnicos e formas de organização. Em ambos casos, trata-se de análises que se organizam na perspectiva dos interesses do capital, onde os trabalhadores estão reduzidos à denominação genérica de mão de obra, onde, portanto, há um corte ideológico muito claro entre os objetivos das análises interessadas no desempenho da produção industrial, os objetivos das análises voltadas para a formação do capital industrial e, finalmente, os objetivos das análises que estudam as relações sociais de produção na indústria, com suas conseqüências na produção, no emprego e na renda. A perspectiva histórica do processo industrial leva a uma análise que se organiza a partir da perspectiva da acumulação de capital e que contempla as relações sociais de produção entre as empresas e os trabalhadores. 26 Houve movimentos incipientes de formação de indústrias desde a segunda metade do século XX em alguns pontos selecionados do continente, justamente, 25

Cabe uma referência ao ensaio de Gabriel Cohn, Problemas da industrialização no século XX , Brasil em perspectiva (São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1968) que constitui um exemplo da industrialização como processo que envolve a sociedade em seu conjunto. 26 Nessa última linha, pode-se citar de Liana Aureliano, No limiar da industrialização, São Paulo, Brasiliense, 1981.


53 onde algumas culturas de exportação formaram capitais que empreenderam em indústrias, e onde chegaram capitais internacionais, geralmente para explorar serviços industrializados e para operar em algumas linhas selecionadas de atividade. As primeiras manifestações de produção industrial estão na industrialização da produção de açúcar, em alguns ramos da produção de alimentos e no beneficiamento de minerais.A atividade militar induziu a instalação de forjas e de oficinas mecânicas no Brasil, no Chile, no México, na Argentina. Entre 1870 e 1914 formaram-se diversos núcleos de transformação da produção, em diversos países, onde alguns deles se mantiveram e vieram a constituir a base de grupos que operam até hoje, enquanto outros se dissolveram ou foram absorvidos por capitais forâneos. No México, o grupo de indústrias em torno da cervejaria de Monterrey evoluiu até incorporar uma siderúrgica e a instalar um complexo de fábricas complementares. No Brasil alguns grupos instalados na produção têxtil, como os grupos Matarazzo e Silveira se mantiveram até a década de 1980. No Peru surgiram grupos que se organizaram na pesca de anchovetas e na produção de rações, mas que não se sustentaram. Muitos outros foram destruídos pela especulação financeira, tal como foi o caso da indústria têxtil na Bahia e de muitas pequenas fábricas de processamento de alimentos em estados do Nordeste.. A mineração funcionou como uma matriz básica de conjuntos de empreendimentos, mas só avançou até constituir fábricas de bens de capital naqueles países onde houve uma política deliberada de fomento industrial, tal como no Chile, através da Corporação de Fomento, na Argentina, através do Banco Industrial da República Argentina e no Brasil, através do BNDE e do Banco do Nordeste..27 No último quarto do século XIX, a integração do espaço territorial norte-americano resultou numa forte ampliação da produção mineira naquele país, determinando que diversas empresas norte-americanas fechassem minas ou interrompessem atividades de prospecção em países latino-americanos. Isso atingiu especialmente o México, onde foram fechadas grandes minas no norte, tais como a Nazaré e a Rosário. A exploração mineira norte-americana e canadense continuou no Peru e no Chile, onde, respectivamente, se destacam a Cerro de Pazco e a Anaconda. O setor petróleo surge na década de 1940 e se converte no maior setor industrial Há um grande número de exemplos de fábricas têxteis e de processamento de alimentos que surgiram depois da segunda guerra mundial, mas que pouco resistiram, quando os mercados nacionais se integraram junto com a expansão 27

É importante registrar que o Nordeste do Brasil é a primeira região latino-americana que tem – ou teve – no Banco do Nordeste do Brasil uma política de desenvolvimento industrial com procedimentos e financiamento regulamentados. O planejamento do Nordeste foi precursor na escala da América Latina e não só do Brasil, utilizando procedimentos de elaboração e avaliação de projetos antes mesmo que essa disciplina fosse divulgada pela CEPAL. .


54 do financiamento internacional e da expansão do grande capital internacionalizado. Mais que uma revolução agrícola, a chamada revolução verde marcou a expansão das indústrias de fertilizantes e a venda de equipamentos agrícolas. As dificuldades de financiamento em moeda conversível que marcaram a década de 1970 convergiram, gradualmente, para políticas de estabilização, que restringiram cada vez mais o fomento às pequenas e médias empresas, deixando o campo aberto para a concentração do capital. Os avanços das indústrias de comunicações afetaram as indústrias em seu conjunto, realizando a substituição dos comandos elétricos por comandos eletrônicos e por comandos digitais, modificando o conceito de organização fabril, permitindo desmembrar a produção e rearticular usando melhor as comunicações e os transportes. O que pareciam ser vantagens sistêmicas das fábricas, surgem como vantagens das empresas, tanto para escolher seus investimentos como para captar economias de custos. As estratégias de localização de fábricas ficam mais claramente atraídas pelas soluções de logística e não por dados rígidos de demanda, levando a um outro desenho da concepção de mercado. 5.3.

Mutações na reprodução do capital

Os estudos da industrialização na América Latina geralmente confundem o aumento da produção fabril com a difusão de práticas industriais. A industrialização se inicia através da mecanização da produção açucareira 28 e da construção de serviços de utilidade pública mecanizados, que se tornam essenciais para a produção têxtil. Os primeiros empreendimentos têxteis surgem na segunda metade do século XIX no Brasil, depois que a Emenda Alves Branco derrubou o controle inglês sobre as manufaturas, mas instalaram-se como conjuntos de pequeno porte, voltados para o mercado interno: panos para embalar produtos de exportação, velas de barco, vestuário rústico etc.. As análises convencionais da indústria são, essencialmente, análises setoriais, que delimitam o que é produção industrial em bens de consumo e bens de capital e utilizam o mesmo conceito de transformação industrial do século XIX, quando a relação entre a produção de bens de consumo e a produção de bens de capital podia ser identificada com a posição de liderança de certos subsetores, tal como primeiro foi a indústria têxtil e depois a indústria dos materiais de transportes – trens, navios e equipamento complementar. 29 A análise industrial ficou devendo uma definição satisfatória de setor. 28

A visão industrial da produção de açúcar nos engenhos está minuciosamente registrada no ensaio de Miguel Calmon Du Pin e Almeida em seu Ensaio sobre o fabrico do açúcar, de 1834 e republicado pela FIEB em 2002. Cabe, também, citar, de Tatiana Brito de Araújo, Os engenhos centrais e a produção açucareira no Recôncavo Baiano, (Salvador, FIEB, 2002) 29 Cabe citar de Wilson Suzigan, A industria brasileira, (São Paulo, Hucitec, 2000) que oferece uma visão integrada da indústria como setor na economia brasileira.. Numa perspectiva mais ampla, que situa a expansão industrial no movimento geral do desenvolvimento, cabe citar de Werner Baer, A industrialização


55

A posição central da produção de bens de capital deveu-se à renovação tecnológica, que obrigou a sucessivas alterações da composição do sistema produtivo, independentemente da depreciação do material existente; e deveu-se, também, às guerras, que passaram a absorver quantidades monstruosas de equipamento. Por exemplo, o departamento de bens de capital teve que responder em tempo útil às demandas para produzir equipamento ferroviário, equipamento marítimo e aéreo. A industrialização é uma mutação do perfil técnico da reprodução do capital, que se concentra em alguns focos do sistema produtivo, mas que abrange todos os fornecedores de matérias primas para a transformação industrial e as cadeias de comercialização de seus produtos. A industrialização não é apenas o aumento do número de fábricas, senão é a generalização do modo industrial de produzir, que se estende à agricultura e aos serviços. A expansão da produção industrializada no conjunto da produção significa, também, um aumento da produção realizada em moldes não industriais, isto é, significa que a produção industrial regula tecnicamente a produção não industrial, mesmo quando aumenta a diferença tecnológica entre esses dois campos.30 Ao longo da formação da produção industrial varia sua territorialidade, isto é, varia a localização dos componentes da produção industrial em seu conjunto e a conseqüente composição do capital. Nessa perspectiva, a industrialização é um processo de escala mundial, que se identifica com a chamada revolução industrial e que se realizou de diferentes modos, nos centros da Europa nor-ocidental, em outros lugares da Europa e nos países latinoamericanos, mas sempre mediante um acordo dos capitais investidos na indústria e os governos nacionais. Não há como separar a industrialização de seu contexto histórico – institucional e político – sem perder de vista o mecanismo essencial que preside à mecânica da reprodução do capital.31 O movimento da industrialização depende de uma alimentação contínua de reinserção de dinheiro, tanto para atualização tecnológica como para sustentar os mecanismos de comercialização que respondem pelo suprimento de matérias primas e pela venda dos produtos da indústria. A relação entre a realimentação do fluxo financeiro e a realimentação operacional da indústria é um movimento que reflete a inserção da produção industrial no movimento do capital em seu conjunto. Alguns desvios dessa e o desenvolvimento econômico do Brasil, ( Rio de Janeiro . EFGV, 1977) que trabalha mais com as condições e as restrições da industrialização.. 30 As inter-relações técnicas entre a esfera de produção industrial e a não industrializada se dão através do mercado, mas, nesse contexto, a produção não industrializada se reproduz mediante mecanismos locais, que, em última análise, são parte da esfera de funcionamento do capital mercantil. 31 O cuidado com essa necessidade de captar a complexidade do processo está claramente exposta por Marx, que situa os processos materiais do capital na totalidade histórica da produção de mercadorias e de instituições. É preciso trabalhar com uma conceituação de totalidade que começa por reconhecer a totalidade histórica da materialidade da vida social e que vai, adiante, à totalidade inerente à ontologia do ser social.


56 tendência, tais como na expansão de setores periféricos de serviços, tais como em serviços a grupos urbanos e turismo, não negam essa tendência, que, de resto, reflete as mudanças que acontecem no próprio pensamento da indústria. Em seus aspectos externos, a industrialização é o aumento da proporção de produção industrial no conjunto da produção. Tal mutação tem características irreversíveis, porque impõe rumos sempre renovados de renovação tecnológica. Internamente, é uma mutação dos mecanismos de reprodução do capital, que encontra meios para se reproduzir mantendo seu poder produtivo. Em seus aspectos externos, a industrialização resulta em ampliação da lista de produtos mais rápida que das quantidades de produtos. Isso, logicamente, significa que são necessários ajustes do consumo, ou que as indústrias precisam vender seus novos produtos. Significa que a formação de capital deve ser compatível com a atual composição do capital, mesmo quando representa uma alteração dessa composição atual. Por exemplo, o desenvolvimento da indústria de automóveis pode fazer-se mediante mudanças radicais nos automóveis, com tanto que se preserve a capacidade da indústria de equipamentos e de autopeças para conduzir essa mudança, sob pena de perder o valor acumulado incorporado na capacidade de produção. Supostamente, o principal efeito da produção industrial na produção capitalista é que ela resolve esse problema básico de garantir que o capital acumulado seja reinvestido, mantendo sua função produtiva na reprodução do capital em seu conjunto, isto é, que a produção industrial oferece uma perspectiva de continuidade do processo de acumulação que não está ao alcance dos sistemas produtivos pré-industriais. Mas há uma progressão de efeitos sobre a capacidade de produção, que se ampliam, segundo a industrialização significa uma ampliação da capacidade de gerar tecnologia e não só de absorver as tecnologias existentes. No relativo à produção capitalista em seu conjunto, a industrialização é uma mutação técnica do capital, que envolve certos modos de uso de trabalho completamente diferentes dos que prevalecem na produção pré-industrial. Tanto pela ampliação das possibilidades de divisão do trabalho como pelas condições de mobilidade dos trabalhadores, e como pela possibilidade de separar o trabalhador da força de trabalho, isto é, de objetivizar a força de trabalho específica que se incorpora numa determinada situação de produção, independentemente da condição em que se encontra o trabalhador a quem ela pertence. Isso significa que a industrialização abre possibilidades que se bifurcam continuamente, a medida que as soluções técnicas da produção permitem reintroduzir os capitais acumulados em novas formas técnicas e em novas combinações de linhas de produção. Assim, o que há de fundamental na industrialização é a capacidade de determinar as linhas de produção e as soluções


57 técnicas que são utilizadas, para garantir a reprodução da totalidade do capital incorporado na produção industrial. 5.4.

Formação do capital industrial na América Latina

Na América Latina, a industrialização se iniciou como um grande objetivo dos grupos de poder que se identificaram com os projetos nacionais e que encontraram na produção industrial uma alternativa das limitações da acumulação obtida no velho modelo primário exportador. Foi um movimento dependente de associações com capitais dos países industrializados, configurando-se, desde o início, que a dependência desses países é um processo, que se renova, segundo se acelera a renovação tecnológica e segundo a reprodução do capital industrial depende de renovação dos circuitos de comercialização, isto é, depende de investimentos em comercialização. Por isso, a escala e o potencial de industrialização dependeriam das escalas de mercado de cada país e da capacidade de cada um deles para bancar uma indústria, ou de que represente atrativo suficiente para a imigração de capitais industriais. Daí, que o perfil da industrialização se repita em certos padrões para países de certo tamanho de mercado. O mapa da localização das siderúrgicas no continente reflete essas escalas das economias nacionais, assim como o desenvolvimento de setores metalúrgicos tem um significado semelhante, para situações mais avançadas de desenvolvimento tecnológico. Pode-se distinguir uma etapa de proliferação de pequenas e médias empresas de capitais nacionais em alguns países que se anteciparam a promover indústrias, inclusive com resultados em média positivos. A Nacional Financeira do México, a Corporação de Fomento do Chile, o Banco de Fomento do Equador e o Banco Industrial da Argentina surgiram no início da década de 30 e contribuíram para um estilo nacional de industrialização que, adiante, foi reproduzido, em maior escala pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico do Brasil. 32 Mas esse modelo encontrou limites mais ou menos semelhantes de financiamento e de garantia de suprimento de matérias primas e que, justamente por estarem dimensionados na escala de regiões ou na escala nacional, encontraram obstáculos decisivos para sobreviverem durante as duas guerras mundiais. Essa etapa de industrialização com capitais locais e com controle nacional dos capitais industriais, avançou sobre os dados imediatos de demanda, realizou a maior parte da substituição de importações, mas continuou dependente de 32

Desde a década de 1950 o modelo de bancos de desenvolvimento foi retomado a nível regional pelo Banco do Nordeste do Brasil e como bancos especializados pelo Somex (México) de apoio a pequenas e médias empresas.


58 equipamentos importados e, em todo caso, operando com tecnologias defasadas. Teve, portanto, claros limites internos para prosseguir em sua expansão que, entretanto, não foram determinantes. Na prática abriram e organizaram mercados locais, tornando-se, assim, elas próprias, mercadorias, que atraíram grandes capitais dos países mais ricos em seu processo de expansão. O Estado desempenhou um papel fundamental nesse conjunto, financiando infra-estrutura e criando empresas públicas ou compartilhadas com o capital privado, que criou essa base de mercado. Essa etapa de industrialização tornou-se, progressivamente, inviável, a medida que avançaram as operações do grande capital, em linhas de atividade internacionalizadas, que tornaram necessário que a indústria se adaptasse às condições internacionais de concorrência. Isso significaria que a indústria operasse com premissas de preço do dinheiro e de abundância de trabalho qualificado, que jamais aconteceram na América Latina. Pelo contrário, a premissa de expansão do mercado interno dissimulou a concentração de benefícios da despesa pública em pequeno número de grupos econômicos, que jamais fizeram mistério de suas ligações com o Estado.33 A inflação teve um papel determinante nessas modificações da composição da capacidade produtiva. Operando com desigual acesso a dinheiro, a indústria formada sobre bases nacionais foi obrigada a se associar com capitais internacionais que dispunham de financiamento mais barato em seus países de origem. Com essa referência financeira, a produção industrial desenvolveu-se guiada por uma equação de lucratividade da esfera internacional, antes que por referências de produtividade, deixando mais clara a diferença entre a perspectiva de gestão de capital das empresas e a visão técnica e econômica das fábricas. Desde seu início, a industrialização desempenha, pelo menos três diferentes papéis, que são os de representar uma ruptura com a dependência do período colonial, em que as colônias jamais controlavam as etapas de maior agregação de valor do processo produtivo. Com vários qualificativos, a industrialização nos países latino-americanos se divide em quatro grandes fases, em que a primeira foi preparatória e se estendeu, desde as manifestações da segunda metade do século XIX até a primeira guerra mundial; a segunda fase foi de tentativas nacionais de superar os efeitos negativos da depressão de 1930, a terceira foi de tentativas de ligar a superação do atraso com tentativas nacionais de modernização; e onde a quarta etapa é de nova subordinação via dívida externa e perda de controle das políticas nacionais frente a expansão das multinacionais. O quadro geral é monótono, não deixa muito lugar para distinguir as principais diferenças entre os países de maior população e extensão e os chamados países médios. No entanto, justamente, uma tese que se defende neste trabalho, é que as diferenças de tamanho foram, em grande parte, superadas pelo aumento do peso dos fatores externos sobre os internos, na 33

Cerca de 1980, cerca de 80% do crédito para pequenas empresas e medianas empresas outorgado pelo Fundo de Garantia de Pequenas e Médias Empresas do México foi outorgado a uns 20% das empresas (FOGAIN,1982), que é uma proporção semelhante à distribuição do crédito do FINOR no Nordeste do Brasil( M.V.Silva, 2001) .


59 determinação da situação de cada país. Em seu conjunto, os países latinoamericanos foram avassalados pela onda de pressões econômicas, sociais, políticas e militares dos EEUU, desde a segunda guerra mundial, cujos principais efeitos negativos tornaram-se plenamente visíveis nas décadas de 1970 e 1980. A grande virada da industrialização ocorreu na década de 1970, quando as transformações da produção industrial escaparam do controle das políticas econômicas nacionais, ou quando as políticas econômicas nacionais perderam a capacidade de influir nos rumos da industrialização. A ascensão, o limite e a queda das propostas nacionais – que passariam a ser menosprezadas como desenvolvimentismo – resultou da combinação da crise da sustentação política nos segmentos de capital nacional, com a aceleração da internacionalização do capital. O fato de que essa internacionalização se identifica com a hegemonia norte-americana é circunstancial e poderia perfeitamente ter ocorrido com a presença do Japão ou da Alemanha, ou até com o reaparecimento do império espanhol, colocando-se como subordinação consular do poderio norteamericano. A industrialização na América Latina aparece nas margens de capacidade de decisão econômica que os países chegaram a ter, a partir da formação de capital proporcionada por seu segmento exportador. Tais margens ficaram delimitadas pela distribuição da renda, pelo controle comercial do setor externo. O grande equívoco que se formou, em torno do debate sobre a industrialização decorreu da abordagem setorializada, que confundiu os problemas orgânicos do momento do processo de acumulação com seus aspectos externos de proporção dos setores na composição do produto final. 34 É preciso distinguir entre a formação de capital e a proliferação de estabelecimentos industriais. Na verdade, a formação de capital na indústria nos países latinoamericanos resultou de contradições da reprodução do capital mercantil – tal como no relativo ao velho capital escravista – que buscava opções de aplicação produtiva, ou de desdobramentos de interesses de capitais das metrópoles. 35 Diversas pesquisas realizadas por órgãos internacionais mostraram que os interesses ligados à produção rural bem sucedida, tal como na Argentina, se associaram aos empreendimentos industriais, diretamente ou através de composições com os bancos, garantindo uma continuidade da acumulação de capital. Na seqüência das transformações da produção industrial na escala mundial, com o desenvolvimento das empresas multinacionais e de suas ramificações, mudam as perspectivas dos diversos países e das diversas Nesse sentido, cabe ver, por exemplo, o artigo de R.Eckaus sobre proporção de fatores no desenvolvimento industrial. 35 Como exemplo, cabe citar movimentos de capitais escravistas que se transferiram para a indústria e, posteriormente, para aplicações em especulação urbana e no setor bancário.. Encontra-se esse tipo de movimentos na Bahia, no Peru, no Rio de Janeiro e em diversos outros lugares, ligados à formação dos bancos e na base da especulação urbana de terras.. 34


60 indústrias, substituindo-se as decisões locais por decisões regidas pela especialidade das multinacionais, que, justamente, é uma espacialidade não localizada. Logicamente, surge uma diferença de padrões operacionais e de padrões de qualidade, que não coincide com os padrões tecnológicos e de financiamento das indústrias de empresas locais. 5.4

As circunstâncias e as condições da análise industrial

Na análise do desenvolvimento da produção capitalista confundiu-se a expansão da produção industrializada com o crescimento do setor de indústria de transformação. Além disso, desenvolveu-se uma análise do setor de indústria de transformação mediante dados de produção de estabelecimentos produtivos – fábricas e outros - perdendo de vista, primeiro, a diferença entre empresas e indústrias segundo, limitando a importância do setor às quantidades produzidas e ao valor econômico da produção, desconsiderando seu papel na produção e difusão de tecnologia e na estruturação do financiamento do sistema de produção. A análise econômica da indústria foi prejudicada pela perspectiva neoclássica, que a reduz a condições microeconômicas, onde as empresas aparecem como exclusivamente industriais. 36 A análise da periferia econômica não pode conviver com essas simplificações, porque segundo elas o principal papel da industrialização consiste em alterar as condições e as perspectivas de reprodução do capital acumulado, mediante a criação de opções de aplicação produtiva dos capitais que alcançam forma financeira. 37 Nessa perspectiva, pode-se considerar que a industrialização da periferia latino-americana se divide em duas grandes etapas, que são as de uma industrialização que responde a demanda localmente formada, e uma outra que se move segundo objetivos de buscar demanda para seus produtos, na própria América Latina ou noutras partes do mundo, segundo aumenta a capacidade de compra dos produtos que a indústria pretende vender. Trata-se, portanto, de distinguir o movimento de acumulação de capital que é alimentado pela reprodução dos capitais que se formam na periferia, do movimento de acumulação de capitais provenientes dos países do centro, que vêm para captar a demanda dos países periféricos isto é, para captarem o mercado dos países periféricos para se reproduzirem.

36

Esse é um problema bastante mais profundo da análise industrial, que se apóia nas referencias de Alfred Marshall e em algumas das idéias de Joseph Schumpeter. A herança marshalliana aparece, principalmente, na abordagem de organização industrial e de condições de custos dos estabelecimentos. Parece ser preciso esclarecer que a contribuição de Marshall é muito mais ampla e complexa, encontrando-se registrada em seu Industry and Trade. Algo semelhante acontece com Schumpeter , que é trabalhado pelos chamados neo-schumpeterianos apenas em alguns de seus trabalhos. Nesse caso, também, é preciso lembrar a contribuição de Schumpeter registrada em seu Business cycles. 37 Há, aqui, um problema de método que transcende a questão latino-americana, mas que é indispensável para entender o processo latino-americano. É a distinção entre os aspectos externos e os internos do processo, que separa a análise do processo do capital industrial da análise do setor industrial constituído.


61 A luta pela industrialização é uma luta pelo controle de mercado atual e pelo mercado potencial, pelo que se desenvolve no controle do financiamento, no da tecnologia e no da comercialização. Na perspectiva dos capitais industriais, interessa vender aos países cujo mercado se expande, onde é possível realizar contratos plurianuais de venda, que são os instrumentos que permitem controlar riscos no planejamento da produção. Para isso, é preciso ampliar o controle sobre os períodos de previsão de investimentos, isto é, sobre a realização de seqüências de investimentos, portanto, com um controle das cadeias de investimento sobre os tempos em que eles podem ser concretizados. Nessa perspectiva, vemos que a substituição de importações é o aspecto externo desses movimentos de capital, que procuram alargar o mercado com que trabalham. Parte desse mercado é captada por uma associação de interesses locais com o Estado e parte foi captada por capitais que passaram a afluir para essa finalidade. Vemos, portanto, a industrialização como um processo de uso de capitais acumulados na esfera mercantil, que encontram novos modos de reproduzirem-se. Isso explicará porque a industrialização flui para os países onde há maiores perspectivas para o comércio, refletindo condições de comercialização da produção, antes que quantidades de população ou mesmo de renda. A industrialização puxa um processo de formação de capital que envolve igualmente o desenvolvimento rural, a urbanização e a tecnificação dos serviços, segundo se desenvolvem as estratégias de reprodução e de acumulação. As análises da industrialização no Brasil, tal como no México, caíram na armadilha de começar por registrar os fatos da produção industrial antes de explicar a formação do capital industrial, bem como de buscar explicações da formação do capital industrial num quadro de observações afirmativas dos respectivos processos nacionais, referindo-se aos resultados materiais alcançados como se eles fossem conseqüências necessárias de determinações de um suposto capital industrial, que teria se diferenciado do capital mercantil. Essa suposição ignora as condições em que se reproduziu o capital acumulado, que demandaram o aproveitamento do conjunto das oportunidades de aplicação de capital, que, sempre, compreendeu o conjunto das aplicações industriais, das agrícolas e das dos demais setores. 5.5.

Condições financeiras e complexidade da produção industrial

O fascínio exercido pelo dinamismo da indústria pode ter sido a razão pela qual a análise industrial desviou-se do essencial da relação entre a reprodução do capital aplicado e a preservação da capacidade de acumular, para tornar-se uma análise factual das condições operacionais do capital já acumulado. Assim, a análise da produção industrial limitou-se a ser apenas uma análise da produção industrial. Entretanto, precisamos ver a indústria como a industrialização da produção em seu conjunto, cujo cerne é a indústria de transformação, mas que, em grande parte, consiste da capacidade de desenho técnico, de pesquisas de


62 materiais e de processos de produção, que igualmente atingem a agricultura, a mineração e a prestação de serviços. Nesse sentido, é preciso levar em conta os movimentos negativos da indústria, que são muitos e de vários tipos, que consistiram em fracasso de empreendimentos, em emigração de capitais, em perda de capacidade para comercializar a produção, e, quase em todos esses casos, em dificuldades de financiamento oportuno e adequado. A concentração de capital, que se realiza mediante a compra de empresas e com a entrada de empresas estrangeiras, compreende a inibição de indústrias anteriores ou mesmo de seu fechamento. A produção industrial se desenvolve mediante um processo circular de disputa pela renda disponível na sociedade, de solução dos correspondentes problemas de produzir e de vender a produção e de impor produtos que são considerados necessários, ou pelo menos úteis, aos capitais incorporados na indústria. Na economia moderna, as pretensões dos consumidores são parcialmente mostradas por sua pauta de compras, mas não há dúvida que essa pauta está viciada pelas limitações de acesso a produtos por parte dos consumidores. Na prática, o sistema produtivo é acionado pelas pretensões dos gestores do capital, de alcançarem determinados resultados com os capitais sob seu comando; e as manifestações dos consumidores são referências para o planejamento da produção, mas seu papel é cada vez menor, na medida em que aumenta a disputa pela capacidade de influenciar os compradores.

6.

6.1.

A renovação do processo rural e de suas contradições

Os fundamentos da questão rural

No sistema de produção capitalista, a questão rural decorre principalmente, apesar de que não exclusivamente, da industrialização. Na América Latina o universo rural integrado com a economia européia formou-se como desdobramento de interesses mercantis instalados em cidades, portanto, como parte de uma dialética de relações entre cidade e campo que surgiu na economia do capital. Esse conjunto atingiu o componente de economia local, ao qual subordinou e impôs regras de uso de trabalho. A concentração da propriedade fundiária definiu-se como o modo de acumulação daquele sistema desigualmente integrado na produção capitalista. A questão rural se renova constantemente, levada pela expansão do capital no campo, pela formação de novas formas rurais de produção mais capitalizadas e com uso cada vez menor de trabalho vivo, e, finalmente, pela rearticulação das modalidades de controle da produção rural pela modernização do comércio. O miolo da questão rural é uma dupla relação entre (capital /trabalho) / meios de produção e (capital / trabalho)/recursos naturais, que se desloca


63 segundo a concentração de capital, resultando em (a) alteração do conjunto dos recursos naturais disponíveis e (b) mobilidade do trabalho. Essa relação se estrutura em cada país, combinando a pluralidade com conjuntos de restrições rígidas que impelem à emigração os melhores quadros do segmento moderno da economia. Historicamente, as formas de produção têm tido efeitos destrutivos dos recursos naturais e as migrações têm sido o principal meio de defesa dos trabalhadores frente as formas de exploração do trabalho próprias das formas de produção tradicional e das modernas. 38 A geografia da produção rural mudou drasticamente em diversos países e regiões, como resultado dessa característica depredatória. O Nordeste do Brasil é uma das regiões mais duramente atingidas por esses processos destrutivos, que agravaram seriamente os problemas hídricos da região. Há uma questão rural que se identifica com a perpetuação de certas condições de atraso, há uma questão rural que é determinada pela expansão do capitalismo no meio rural e há uma questão rural que se coloca nas condições de concorrência entre uma produção medida por critérios econômicos e uma produção reconhecida como um objeto de negociação política. Por todas essas situações e pelo fato de que a esfera das atividades rurais conta como o principal fundamento da formação da sociedade econômica e do poder político na América Latina, não há como tratar do processo rural sem reconhecer a ligação entre o econômico e o político. Na América Latina, há hoje uma renovação do debate sobre a questão rural, ou sobre a questão do desenvolvimento rural, na aparência e na substância, que se reflete no modo como a questão rural é vista pelos diversos setores da sociedade. Segundo as diferentes percepções do tema, trata-se de uma questão rural genérica, que interessa ao país em seu conjunto, ou há uma questão rural que se define em cada país, como a totalidade de um conjunto de situações de um conjunto de regiões, com determinados conjuntos de participantes, segundo eles são parte de uma economia local ou de uma economia internacionalizada. Produtores de manga trabalham ao lado de produtores de tomates e de produtores de mandioca, sendo que os primeiros são parte de um circuito internacional, os segundos de um circuito nacional e os terceiros de um circuito regional.

Registra-se que a destruição ambiental tornou-se um obstáculo maior ao desenvolvimento rural e que resulta do estilo predatório de exploração de recursos instalado desde o início do período colonial. Pesquisas e projetos de desenvolvimento rural realizados à escala de bacias hidrográficas registram, claramente, os efeitos em causação circular cumulativa negativa da expansão colonial da pecuária, aliada ao desmatamento realizado por sua sucessão de razões. O desmatamento é um processo que transcende e regula a agricultura, refletindo-se, principalmente, na determinação dos sucessivos leques de opções de viabilização econômica de atividades existentes e de indicação de possibilidades de atividades novas. 38


64 A questão rural se apresenta como resultado do modo específico de expansão do capital em cada país e não como resultado de um movimento genérico de atualização do capital. Há um aspecto da questão como de reprodução e formação de capital, como de condições de vida dos que são parte da sociedade rural. A questão rural aflora, trazida pelas pressões do capital que se adensa nos diversos departamentos da produção rural e pela emergência de participantes que foram desconsiderados desde o início da colonização, especialmente dos indígenas e dos negros e de seus descendentes. A renovação do debate da questão rural obriga a rever os fundamentos da questão, em seu conjunto e em suas grandes regiões, considerando os aspectos de modernização tecnológica e organizacional e de emergência de grupos oprimidos, especialmente de indígenas. A questão rural será o aspecto rural da expansão e do aprofundamento do capitalismo, ou revelará, junto com esse movimento, a progressão de ajustes entre a lógica do capital e a da atualização dos interesses incorporados no bloco de poder. Há consenso sobre o fato da renovação, e polêmica sobre seu significado, entre aqueles que consideram completado o ciclo do capitalismo na esfera rural, que tornaria a economia rural um problema de gestão de capitais e aqueles outros que entendem que o movimento de expansão dos capitais no campo prossegue, sob diversas formas, em conjunto com a atualização das oligarquias e das modalidades oligárquicas de controle do trabalho. O fosso sobre a questão rural se aprofunda, ao se esclarecerem mais as características da visão empresarial e da visão reivindicativa do problema. Essa questão, no entanto, não se resume aos dados atuais do problema, senão às trajetórias do desenvolvimento do sistema produtivo, que se faz em sociedades em que há um componente oligárquico que se reproduz ou que se atualiza, e, inclusive, que regula a expansão do capital no campo. A questão agrária se renova na medida em que a expansão do capital usa novas tecnologias e novas formas de organização. A visão das desigualdades que estão incorporadas no processo rural é parte fundamental da leitura periférica de modernização. A questão rural surge na América Latina, desde o início do período colonial, como uma conseqüência da necessidade do sistema colonial de localizar e estabilizar uma população suficiente para realizar os dois grandes objetivos de produzir mercadorias agrícolas para exportar e de viabilizar o funcionamento da produção mineira; nela incluída a sobrevivência dos trabalhadores das minas, e, ao mesmo tempo, de manter um estrito controle sobre a população rural. Na esfera da produção capitalista, a questão rural surge, portanto, quando a permanência de um capital e de uma organização social dão lugar ao aparecimento de relações de poder e de interesse, que conduzem a mudanças nos usos de recursos. No desenvolvimento da economia rural latino-americana há duas grandes vertentes do sistema produtivo rural, que são a formação de capital realizada por


65 povoadores do campo, que se organizam para sobreviver e geram excedentes físicos comercializáveis; e a entrada de capitais dirigidos para aproveitar as oportunidades de investimento ensejadas pela exploração de recursos físicos e humanos suscetíveis de captura no campo. A formação de uma economia rural colonial permanente baseou-se no uso de trabalho compulsório, tanto do trabalho escravizado de negros e índios, como do trabalho de pequenos produtores e demais integrantes da periferia extrativista. Com a fragilização dos impérios ibéricos e os processos de independência, organizam-se os interesses mercantis para realizar a nova articulação internacional das regiões latinoamericanas, usando a alavancagem representada pelas estruturas institucionais sobre os recursos naturais. A modernização do sistema produtivo chega ao meio rural basicamente de dois modos. Através de novas tendências de produção capitalista, de monoculturas tecnificadas, geralmente irrigadas, e de diversificação, compreendendo a diversificação de cada estabelecimento agropecuário e de diversificação na escala de grandes empresas utilizando diversos estabelecimento. No primeiro encontra-se a moderna produção açucareira, a produção de soja, de arroz e de cereais em geral. No segundo caso encontram-se iniciativas capitalistas de médio e de pequeno porte. No entanto, não se pode desconhecer que esses processos, que se tornam visíveis ao nível do desempenho dos produtores, são o aspecto externo de movimentos da formação de capital, em que participam os interesses das oligarquias, que se atualizam tecnicamente, usando sua alavancagem política, e os interesses dos capitais integrados na produção modernizada, que operam sobre o conjunto de suas opções de aplicação de capital. Novas monoculturas ou estratégias de diversificação, são estratégias do capital, que devem ser situadas no contexto de composição do capital a que correspondem. Assim, para resumir esta abordagem, cabe considerar que a questão rural hoje na América Latina compreende quatro aspectos, que são os de expansão do capital, de expansão da produção capitalista, de atualização das estruturas oligárquicas de poder e de emergência de protagonistas que tinham pouca presença e que passam a ter expressão, através de sua capacidade de representação política. A expansão do capital significa o alargamento e o aprofundamento da densidade de capital na produção e aparece na relação capital/produto. A expansão da produção capitalista é mais complexa e significa o modo como a realização da produção implica em engajamento de trabalho. A atualização das estruturas oligárquicas significa como as estruturas tradicionais de poder captam a expansão do capital e a da produção capitalista, para encontrar novos modos operacionais que lhe permitem manter ou aumentar a massa de lucros na renda gerada. 6.2.

Mobilidade e diversidade no campo


66 No relativo à América Latina, há uma indiscutível renovação da questão rural, desde a década de 1960, que corresponde a duas relações de causalidade, que são as da pressão da expansão do grande capital no campo, com os correspondentes ajustes dos diversos capitais estruturados no conjunto dos ambientes rurais; e os conseqüentes da formação de interesses originados no próprio campo, que procuram modos de viabilizar sua própria reprodução. A primeira pressão é, principalmente, externa ao campo, enquanto a segunda é, majoritariamente, da própria sociedade rural. As décadas de 1960 e 1970 assistiram a uma renovação dos estudos da economia rural, com o reconhecimento de movimentos de transformação que não seguiam os supostos padrões convencionais de progresso do capitalismo ditados pela visão industrial da produção capitalista. A questão rural decorre da tensão entre objetivos de aumento de produção e objetivos de melhora de condições de vida, que devem ser atualizados em função das alterações de composição do capital. O meio rural foi atingido por sucessivas pressões da reorganização do capital de alta tecnologia, que determinam impactos secundários de reorganização de capitais que operam em menor escala e com baixa tecnologia. Tudo isso exige reconsiderar a estruturação e o funcionamento do sistema produtivo no meio rural. A compreensão da estruturação e do funcionamento da esfera rural da sociedade de hoje parte do reconhecimento da territorialidade do sistema produtivo, com sua composição de capital, portanto, de usos do trabalho. Não existe a situação em que algumas atividades novas surgem no campo sem que passem a ser parte do mercado de capital. A mudança de composição é realizada por agentes que já são parte da sociedade rural, ou por agentes urbanos que passam ao campo. Há investimentos realizados por proprietários de terras, há profissionais liberais, comerciantes, profissionais do entretenimento, que passam a integrar a sociedade rural e há capitais formados por políticos, e por membros das velhas oligarquias que são beneficiado por políticas públicas. A composição do capital significa uma base de usos de recursos físicos, que situa o sistema produtivo em um contexto de formação da base material da economia, em que as esferas rural e urbana se desenvolvem de modo interativo, e, ao mesmo tempo, criando perfis culturais e ideológicos próprios. Justamente, uma diferença fundamental entre a experiência latinoamericana, especialmente a brasileira, e a dos países mais capitalizados de pequena extensão territorial, como os europeus, refere-se ao modo como se transforma o mundo rural. Em países latino-americanos, tais como o Brasil e o México, não a Argentina nem o Chile, a esfera rural se reproduz com uma formação cultural e com uma base ideológica próprias, as quais se reproduzem e modernizam segundo padrões de sociabilidade e de organização da produção e do consumo, que não são absorvidos pelas transformações da esfera urbana. O mundo rural brasileiro de hoje é o resultado de um percurso de formação do sistema produtivo, cujas bases territoriais representam a


67 combinação de uma formação de capital com certos padrões de usos de recursos naturais, sobre uma base de usos de trabalho. A colonização caminhou junto com os dois aspectos complementares, de uma produção agrícola organizada e de assentamentos baseados em extrativismo, dando lugar, na prática, a dois tipos de vida rural, com uma delas claramente regulada pelas relações com o exterior, e com outra que se reproduz sobre bases exclusivamente locais. A origem colonial desse sistema foi determinante do perfil da composição do capital, assim como a participação subordinada nos mercados de produtos de baixo valor adicionado foi, adiante, essencial na constituição de uma economia periférica, com suas regras próprias de formação do meio urbano e do meio rural. Diferentemente da imagem tradicional simplificadora, graças a diversos estudos de história, dispõe-se hoje de uma visão mais realista da complexidade do mundo rural do escravismo colonial e da sobrevivência de formas primitivas de exploração econômica, que assumem uma grande variedade de formas de produção e de organização social local. Os embates da modernização e do reposicionamento no contexto internacional e de modificação da estruturação social do País deram lugar a processos específicos de formas de produção diretamente apoiadas em usos de recursos de solo e de subsolo, que se tornaram os componentes materiais da economia rural. O meio rural torna-se o objeto da realização de uma formação de capital que não está restrita a essa condição rural, senão que se apóia no sistema produtivo em seu conjunto. Assim, a mecanização da agricultura foi tratada como um fenômeno apenas agrícola, em vez de ver-se como parte de transformações da economia nacional em seu conjunto. Alguns aspectos devem ser ressaltados. O desenvolvimento rural é desigual e avança segundo as mercadorias são aceitas pelo mercado e induzem os sistemas que as produzem. Quem cria mercadorias novas é o grande capital, mas quem seleciona mercadorias e direciona a produção é o sistema de comércio, que compreende grandes e pequenos capitais. Segundo, a pequena produção se moderniza segundo é captada pela expansão do capital em geral. Mas não deixa de estar articulada através da grande produção. O essencial é que o capital que se moderniza subordina as formas tradicionais de produção, mas que os interesses estruturados se articulam, através do sistema de poder político e de associações com o sistema financeiro e se atualizam, beneficiando-se da infra-estrutura e do financiamento da modernização. O Nordeste do Brasil é um dos exemplos mais reveladores desse processo, tanto pela concentração e pelas vantagens de crédito e de subsídios indiretos, como por condições privilegiadas de uso de água, por parte de grupos econômicos formados a partir de contratos com o governo. Assim como no Porfiriato no México de fim do século XIX o governo criou ou fomentou novas oligarquias, no Brasil das décadas de 1960 e 1970, foram formados novos grupos econômicos, a partir de contratos com o governo.39 Tomar como equivalentes a oligarquia e o feudalismo é um equívoco que, adiante leva a supor que as oligarquias foram formadas apenas no início do período da colonização, ou que os Estados independentes não são responsáveis da criação de novas oligarquias. A oligarquia Argentina, por 39


68 Curiosamente, as explicações teóricas desse processo, que tinham feito progressos significativos no período dos autoritarismos, regrediu para posições que aparentemente tinham sido superadas na década de 1950. 40 O projeto social de realizar um planejamento rural socialmente significativo, estruturado à escala de complexidade da economia brasileira de hoje, exige que se reconheçam as condições de permanência e de mudança dos componentes permanentes e transitórios da sociedade rural, isto é, que se coloquem as transformações do meio rural como parte das transformações gerais do sistema produtivo, e não como um campo residual, que tende a se desvanecer com a modernização. Logicamente, exige, também, que se trabalhe a partir de experiências acumuladas nas últimas décadas sobre esse tema. A referência desta análise ao nível regional é inevitável, porque não há caso algum em que os temas rurais deixem de ser regionalizados. No entanto, trata-se de um corte regional especial, que combina as condições naturais de habitabilidade com dados do desenvolvimento histórico do sistema produtivo. A formação dos sistemas agrários na América Latina foi um desdobramento econômico do sistema de colonização, em seus movimentos de controle e de dominação dos sistemas de controle de trabalho que encontrou na América. 6.2.

Novas modalidades de subordinação

A partir da década de 60 a América Latina foi atingida por uma nova onda de desenvolvimento da indústria nos países mais ricos, que compreendeu a formação do complexo agro-industrial, o início da agroquímica e o da biotecnologia, além da passagem de técnicas industriais para a gestão rural. Desde a década de 70, esse conjunto foi acrescido da generalização do uso de satélites e da informatização da gestão agropecuária. Esse movimento significou que a produção rural modernizada passou a ser comandada por interesses industriais, que põem o ambiente rural como um espaço do capital, que pode ser observado como qualquer outro espaço do capital.

exemplo, se estrutura a partir da segunda metade do século XIX e mostra grande capacidade de adaptação às mudanças das relações internacionais, mantendo-se na composição do bloco de poder. 40 Surpreendem alguns trabalhos de autores que defendem versões renovadas de teses mecanicistas do desenvolvimento rural, aparentemente herdeiras das teses de W.W.Rostow (1956) sobre o “Take off into sustained growth” e de Paul Rosenstein-Roden sobre o “big push”, que foram rebatidas por Myrdal e outros autores, que apontaram as contradições que são geradas por esses “empurrões”. A suposição de que a expansão do capital no campo brasileiro já se completou,( Abramovay, Baiardi e outros autores) envolve duas simplificações graves, que consistem em desconsiderar os movimentos de atualização das oligarquias e de considerar irrelevantes as alterações na composição social da produção. No limite, essas teses significam também supor que os movimentos do capital não mudam de composição nem de modo de funcionar, ou ainda, supor que o capital é sempre o mesmo. No essencial, são novas formas de organicismo, não muito melhores que as anteriores.


69 No entanto, esse registro da expansão do capital moderno observa apenas os aspectos técnicos do movimento do capital, desconsiderando seu aspecto de poder, isto é, ignorando o modo como essas formas modernas de capital se ajustam e combinam com as formas de organização econômica, social e política prevalecentes. Noutras palavras, significa ver como a expansão das formas modernas de capital no campo representam expansões de monopólios que se sobrepõem e ajustam ou conflitam com as oligarquias. Ressalta que a atual renovação da questão rural, geralmente desenvolvida na perspectiva dos interesses do capital, passa por alto o significado histórico da modernização, tanto no relativo à formação de novos grupos de poder, como na atualização de grupos tradicionais, é como no relativo às atividades nacionais e internacionais da nova composição de poder. No entanto, a modernização tem sido irregular no tempo e no modo como chega aos diversos setores da sociedade. Há avanços que se consolidam e outros que são bloqueados ou que sofrem retrocessos. Desde a década de 70 verificam-se duas grandes linhas de expansão do capital moderno no campo, que são a expansão do capital financeiro na capitalização da terra e na produção agrícola, com o controle da produção agrícola pelas grandes redes de supermercados e pelos bancos; e a subordinação da produção à biotecnologia, cuja difusão é controlada pelas empresas que vêm a constituir o complexo agro-industrial. Surge, portanto, uma diversificação subordinada, que se desenvolve mediante o controle dos recursos físicos e do trabalho, tal como eles são usados nas diversas formas de produção agrícola e da produção não agrícola. Daí, que a diversificação não pode ser tratada como uma variável autônoma, senão deve ver-se como um expressão de interesses dos diversos segmentos do capital que têm capacidade de gerir tecnologia. No essencial, a diversificação é um mecanismo que viabiliza a realização de lucros em um sistema econômico em que não há efeitos cumulativos de distribuição da renda. Tudo isso leva a ver o meio rural no Brasil hoje resulta de uma percepção da combinação de modernização e reprodução de estruturas tradicionais, em que a identificação de tradição com atraso e de modernização com progresso teve que ceder lugar a uma revisão dos significados de modernização e de progresso, basicamente, substituindo a velha identificação de progresso com riqueza total por uma associação de progresso com condições de vida e preservação do ambiente. A noção genérica de progresso, entendido como oposto de estagnação, tacitamente identificado com as virtudes da renovação tecnológica e da racionalização da produção, substitui-se por modos específicos de crescimento, que se passa a considerar frente ao comportamento da população e à distribuição da renda. A riqueza geral das nações, representada pelo crescimento do produto social, passa a ser qualificada pela participação do corpo social no sistema produtivo e pela distribuição da renda. Esse modo de ver a questão rural envolve


70 uma crítica do modo de expansão do capitalismo em geral e uma crítica da modernização, também em seu sentido mais amplo. 6.3.

Os movimentos da expansão do capital no campo

É preciso entender que a expansão do capital no meio rural é determinada por um cálculo médio dos capitais, relativo à relação entre a necessidade de manterem-se ocupados e às referências de rentabilidade e de riscos, e não por um cálculo exclusivo daqueles capitais que já se encontram investidos em atividades rurais. Por isso, há uma sucessão de movimentos de expansão dos capitais no campo, que varia segundo as condições gerais da acumulação em cada país. Nas décadas de 1960 e de 1970 essa expansão se fez, principalmente, mediante a mecanização da produção e a difusão do uso de sementes híbridas, no que se veio a denominar de “revolução verde”. A partir da década de 1980 essa expansão tem se feito mediante uma mercantilização de terras em larga escala e valorização de terras e mediante os efeitos da agregação de valor viabilizada pela biotecnologia e pela tecnologia da informação. Mudaram decisivamente os modos de exploração de distritos de irrigação, surgiram formas de produção rural em comercialização internacional e aumentaram decisivamente os requisitos de qualificação do trabalho. Os dados históricos do problema apontam a uma pluralidade de situações, em que os diversos capitais que se formam na esfera rural têm que ser distinguidos por suas condições de inserção em circuitos de aplicação que lhes permitem mobilidade. A formação dos Estados nacionais coincidiu com a expansão de interesses internacionais de empresas, que chegaram à economia rural na medida em que ela permitiu negócios internacionais. Desde o último quarto do século XIX circulou mais dinheiro na economia pampeana argentina, na cafeeira brasileira e na produção de cereais chilena ligada ao oeste americano, e esses segmentos mais monetizados tornaram-se líderes de uma formação de capital que transvasou para as capitais, com variados resultados na industrialização, mas, em todo caso, realizando uma nova modalidade de articulação da esfera rural com a urbana. Historicamente, nos países latino-americanos tem havido um movimento de mão dupla, entre a transferência de capitais formados na esfera rural para aplicações urbanas, no comércio, em bancos, na construção civil e finalmente na indústria, paralelo a diversos movimentos de capitais formados na esfera urbana que passam para a esfera rural. Há movimentos de grande capital, que vai ampliar e aprofundar a produção de mercadorias do agro e há movimentos de capitais de empresas e de capitalistas individuais, que vão para a esfera rural movidos pela funções da terra de reserva de valor e de fonte de status. Hoje está clara a necessidade de tratar com diferentes camadas de entrada de capital no campo, que correspondem a diferentes momentos da acumulação de capital. Não se trata simplesmente de que a economia rural se


71 diversifique, nem que aumente o número dos produtores rurais que se comportam segundo padrões capitalistas. Trata-se de que a produção rural em seu conjunto se torna um contexto mais complexo e desempenha novos papéis na vida da sociedade em geral. A expansão da produção capitalista é outra coisa. Significa a integração do capital e do trabalho a procedimentos capitalistas na produção. Não é algo que se dar como suposto. Pesquisas realizadas em diversos lugares na América Latina mostram que grande parte dos produtores opera sem uma apropriação de custos que lhes permita reagir a preços e que lhes dê condições de calcular seus custos de capital.41 Tais produtores, logicamente, participam da produção capitalista através de sua participação do mercado de trabalho e através dos efeitos finais que sua produção de excedente físico altera a formação dos preços. Mas não são produtores capitalistas, naquilo em que não reagem às variações de preços de modo coerente com a reprodução de seu capital. Assim, no mundo rural latinoamericano encontram-se, concomitantemente, a pluralidade de formas técnicas e de formas sociais da produção, em que na primeira estão as formas de produção agrícola e as formas de produção rurais em seu conjunto, e em que na segunda estão as formas de organização social da produção, onde estão a produção camponesa – aproximadamente à artesanal, mas traços próprios – a produção comercial tradicional, a produção comercial moderna e a produção capitalista propriamente dita. A distinção entre agricultura familiar e empresarial refere-se ao mercado de trabalho. Em princípio, a agricultura familiar é a que opera com a força de trabalho da família, mas que pode usar trabalho contratado complementar, estacionalmente variável. A agricultura familiar pode ser artesanal e tradicional, e operar com baixa tecnologia, segundo a qualificação do trabalho. Não se pode esquecer que os alimentos básicos da América pré-ibérica foram desenvolvidos por esse tipo de agricultura, e que significa a capitalização da pequena produção agrícola, antes que tudo, a eficiência da pequena produção torna-se suficientes para passar de 120 homens/dias ao ano para 180 homens/dias. A essência do problema é a quantidade de trabalho remunerado 42 que os estabelecimentos absorvem, que em última análise aparece como a renda familiar. Trata-se de que o incremento de valor que se forma com o aumento do número de horas trabalhadas venha a incorporar a renda familiar. Com a difusão de insumos e mercadorias e com a centralização dos mecanismos de comercialização, na América Latina manifestou-se, desde a década de 1960, um movimento de mão dupla, entre a expansão e mudança de forma de capitais que se formam na esfera rural para aplicações internacionalizadas 43, para aplicações urbanas, no comércio, em bancos, na Pesquisas realizadas no México entre 1973 e 1976 e pesquisas realizadas no Brasil, em diversas regiões, no Maranhão e na Bahia, entre 1992 e 1998. 42 Ressalta-se que a economia rural utiliza grande quantidade de trabalho não remunerado, tanto na esfera doméstica como na produção para mercado. 43 As pesquisas feitas sobre as monoculturas de exportação de baixa tecnologia, entre as décadas de 1950 a 1980, mostram que as regiões produtoras de mercadorias agrícolas para exportação, tais como cacau, açúcar, fumo etc., só conseguem formar capital quando ampliam o componente 41


72 construção civil, e, finalmente, na indústria. Pesquisas da história econômica das regiões monocultoras mostram como a formação de capital dessa agricultura de baixa tecnologia torna-se parte da formação de capital dos segmentos de indústrias de alta tecnologia. Ao levar em conta esses dados, torna-se evidente a necessidade de reconhecer que há diferentes e sucessivas camadas de entrada de capitais no meio rural, que correspondem a diferentes momentos da acumulação de capital na escala mundial. O meio rural não é inerte e opera com as mesmas referencias de mercado da indústria. 6.4.

A composição (orgânica) de capital na esfera rural

A maior parte da economia rural na América Latina supõe que o trabalho que se realiza é quase todo trabalho não qualificado, que significa que a qualificação do trabalho é um item que não merece maior atenção. Cabe demonstrar o contrário, que o trabalho na esfera rural sempre foi e tem que ser qualificado, é que, justamente, a qualificação específica dos trabalhos que se realizam na esfera rural que dá a peculiaridade da economia rural. Isso nos remete a uma questão fundamental, que é a da qualificação do trabalho nas formas tradicionais e nas formas modernas de produção, tendo em vista que os requisitos de qualificação são estabelecidos pela composição do capital das empresas e que a qualificação se realiza mediante processos que acontecem fora da relação direta entre empresas e trabalhadores. Veremos, adiante, que essa é uma função realizada ou viabilizada pelo Estado, numa lógica de viabilização indireta do sistema produtivo, segundo há serviços de educação ao alcance da população. A relação entre formação de capital e formação de renda aparece, ao mesmo tempo, em dois níveis, que são, ao nível de cada estabelecimento supondo-se que se trata de produtores que possuem apenas um estabelecimento; e ao nível da produção rural em seu conjunto, entendendo que quanto maior o capital, maior será a probabilidade de que haja produtores que possuem mais de um estabelecimento. A modernização da produção, de fato, é um aumento da densidade de capital por produto final que não necessariamente pode ser acompanhado por todos os produtores. As dificuldades de financiamento têm sido o principal aspecto de fragilidade dos produtores, que os leva a operar com perfis de crédito inadequados à reprodução de seu capital, ou em todo caso, que amplia e aprofunda o endividamento, isto é, o controle da produção e dos investimentos por parte dos bancos.

de valor adicionado no produto final. O contrário disso, são as filtrações de capital, isto é, capital formado em regiões subdesenvolvidas onde não encontram oportunidades de investimento, e que emigram para os grandes centros do capital. Esse é o mecanismo por excelência pelo qual as regiões colonizadas contribuíram para a concentração de capital nos países colonizadores.


73 Trata-se, portanto, de ver como o aumento de complexidade da economia rural se traduz em modificações na estruturação social, tanto na composição social, tanto na composição social dos diversos intervenientes nessa esfera de atividades, tanto dos que estão presentes nas atividades rurais, como dos que estão presentes nas atividades rurais,como dos que delas participam à distância. Não se pode reduzir esse problema à simples observação de que o capital se expandiu no campo, sem considerar quem representa o capital nessas transformações. Um aspecto que se repete em diversos países, se bem que certamente não em todos eles, é o aumento da complexidade das relações sociais no campo, onde se encontra maior variedade de situações de empresariado, de trabalho avulso, de trabalho contratado e de maior mobilidade dos trabalhadores, junto com maior pressão da parte do grande capital, para subordinar a pequena produção. Os grandes exemplos dos complexos agroindustriais privados ilustram essa situação, pela qual eles comandam a produção familiar. Esse é um aspecto essencial da questão rural na América Latina, dada a importância dos problemas de absenteísmo, que marcaram a agropecuária tradicional, tanto no Brasil como na Argentina e no México. A modernização significa novas condições de gestão dos estabelecimentos, que demandam uma gestão mais profissionalizada, exigindo mais presença dos gestores. No entanto, aumenta a distância entre capitalistas-proprietários e gerentes e pessoal técnico. As figuras de proprietário, capitalista e gerente tornam-se claras e diferenciadas, e não serem deixadas como indeterminadas, justamente porque são indicações das condições operacionais que distinguem o grande do pequeno capital.

7.

7.1.

Suprimento de trabalho e controle da força de trabalho

Trabalho compulsório e trabalhadores

As pessoas trabalham de dois modos: porque são contratadas para trabalhar ou porque conseguem comandar seu próprio trabalho. O trabalhador que comanda seu próprio trabalho é um autônomo que tem instrumentos materiais e técnicos que lhe permitem executar os trabalhos com que participa da produção. Como mostrou Marx, o capital em sua expansão separa o trabalhador de seus instrumentos de trabalho e de sua capacidade de incorporar conhecimento, criando o processo de estranhamento. Além disso, o autônomo tem que participar de um mercado de compra e venda de trabalho controlado pelo capital, isto é, um mercado que nega sua autonomia. Assim, a regra básica do trabalho na produção capitalista é que ele é um trabalho contratado. A produção capitalista opera com trabalho contratado, cujo custo procura sempre reduzir, o que significa pagar apenas os salários necessários e ao menor número possível de trabalhadores. Isso significa que o sistema de produção


74 empregará apenas uma parte das pessoas que pretendem trabalhar. Além disso, como os postos de trabalho têm um perfil técnico, os capitalistas aquelas pessoas que têm mais habilidades adequadas aos postos de trabalho, dando preferência àqueles que aceitam salários menores. Entretanto, as pessoas são compelidas a trabalhar, porque não têm outro modo de obter renda. Assim, há sempre mais pessoas em busca de trabalho que postos de trabalho, pelo que, há uma relação entre o número dos que recebem salários e o dos que não recebem, que torna a massa de salários um elemento de controle indireto das remunerações dos trabalhadores que não recebem salários. O controle da força de trabalho é um dado essencial da produção capitalista, onde o poder de empregar se torna um fator de poder político que transcende as fronteiras do sistema produtivo, tornando-se um componente essencial do sistema político em seu conjunto. Assim, para reproduzir-se, o sistema político tem, como uma de suas principais metas, o controle dessa capacidade de empregar. A destruição de muitos postos de trabalho nos padrões de tecnologia da segunda revolução industrial, que continua atingindo a indústria, os serviços e a agricultura, veio reforçar esse controle da força de trabalho, já que não se trata de substituir empregos na indústria por empregos em serviços, senão de que os requisitos de qualificação do trabalho e de organização atingem Nas últimas décadas, a defesa dos interesses dos capitais nas relações de produção foi reforçada por mudanças tecnológicas, que permitiram informatizar os processos de produção e de controle da produção e reduzir o número de trabalhadores em funções repetitivas. A informatização também permitiu centralizar as funções de comando, reduzindo o número de gerentes e superintendentes. Muitas grandes empresas controlam empreendimentos inteiros com gestão à distância. Determinadas fábricas de automóveis foram programadas para que a produção seja minuciosamente comandada desde seu país de origem, 44 Resumindo, a concentração do capital se manifesta em centralização da gestão, tornando superficiais todas as questões relativas a comandos locais do tipo fordismo ou toyotismo etc. Os baixos salários acontecem quando o capital controla as oportunidades de emprego de trabalhadores que têm pouca capacidade de mudar de profissão ou de mudar de local de trabalho. Isso significa que o mercado de trabalho em seu conjunto está condicionado pela localização dos postos de trabalho e pelo acesso a esses lugares que têm os candidatos a trabalhadores. Em seu conjunto, esses elementos são decisivos na identificação das economias periféricas latino-americanas, quanto ao modo como nelas se organizam as relações entre capital e trabalho, em seus aspectos materiais e em seus aspectos ideológicos. Não se pode descuidar de que, quem controla a produção controla segundo sua cultura. Daí, as condições sociais de contratação 44

Informação oficiosa sobre o projeto da Peugeot no Brasil.


75 dos trabalhadores podem ser parte de uma sociedade efetivamente regida por relações capitalistas ou podem ser parte de sociedades onde a produção capitalista se sobrepõe a um tecido de relações autoritárias pré-capitalistas, formadas no ambiente colonial escravista. Os incidentes de trabalho escravizado não são anomalias, senão são parte de ambientes sociais em que se perpetuam formas de controle social que revelam que a expansão do capitalismo aqui não é regular nem uniforme nem necessariamente abrangerá a todo o corpo social. As economias periféricas latino-americanas são ambientes onde a contratação de trabalho está, indiretamente, influenciada pelo controle fundiário, tanto da terra rural e do solo urbano, que, ao determinar a expulsão de pessoas, ou, ao reduzir a capacidade das pessoas para se localizarem em função de sua participação no mercado de trabalho, determina condições desvantajosas para os trabalhadores na contratação de seu trabalho. Há uma questão fundamental de falta de mobilidade dos trabalhadores, que prejudica aos trabalhadores na negociação de seu contrato de trabalho. Num continente marcado por escravidão e servidão como a América Latina, a expressão trabalho compulsório é uma referência conceitual mais ampla, que compreende esses situações limite e um amplo leque de situações mais recentes. Neste continente o suprimento de trabalho sempre foi realizado de modo violento, tanto pela violência explícita da escravização, como pela violência latente dada pelo controle dos meios de produção. A comprovação de que continua a haver casos de escravização de trabalhadores no Brasil, mostra a necessidade de trabalhar com uma referência conceitual capaz de dar conta da realidade social latino-americana. É mais realista que, em vez de comparar trabalho escravo com trabalho livre, se compare trabalho compulsório com trabalho independente. A produção capitalista sempre conviveu com a contradição de pretender contar com uma “oferta ilimitada” de trabalho e pretender controlar os trabalhadores, para impor seus salários. A tese de Marx sobre o exército de reserva de trabalhadores mostra como o capital opera de modo a dispor de uma quantidade de pessoas que estão à espera de serem contratadas, cuja simples presença deprime dos salários daqueles que estão ocupados. Para os países periféricos, essa tese se completa com a de W.Arthur Lewis sobre uma oferta ilimitada de mão de obra, que se refere à presunção dos capitalistas de que sempre disporão de todos os trabalhadores de que precisarem. Entendemos que essas teses têm que ser qualificadas com duas observações que são: (a) o exército de reserva se aplica no relativo a trabalhadores que podem efetivamente substituir os que estão ocupados; e (b) a oferta ilimitada de mão de obra só existe quando a mobilidade dos trabalhadores for menor que a oferta de trabalhadores. A premissa de salários baixos está entre as “vantagens” reconhecidas das empresas nos países latino-americanos. Além disso, há um problema, que não está igualmente reconhecido, mas que é determinante nesse contexto, que é o caráter aleatório da renovação tecnológica nesses países, que os expõe a terem


76 que se adaptarem a novas condições de custos inesperadas, interrompendo ou perturbando seu planejamento financeiro. O papel das economias periféricas no funcionamento da economia mundial com freqüência é visto como de fornecedoras de matérias primas, distinguindo-se aspectos positivos e negativos dessa função. O suprimento de matérias primas responderia por um aspecto essencial da produção industrial. Haveria uma previsibilidade de preços relativos das matérias primas, dada pela continuidade das tecnologias utilizadas. Nesse quadro de previsibilidade e comparabilidade far-se-iam grandes projetos de produção de matérias primas para exportação. Nessas condições, ainda, a produção de matérias primas seria uma atividade equivalente à produção industrial que as utiliza, portanto, remunerada em condições equivalentes de mercado. Nesse sentido, portanto, sujeita a esses condicionantes de continuidade tecnológica e equivalência de modos de organização no mercado, a produção de matérias primas corresponderia a uma vantagem de recursos naturais, com certo peso nas decisões de localização de estabelecimentos, e por esse meio, seria um indutor da própria industrialização. Mas, obviamente, os recursos naturais só têm preço quando há trabalho suficiente para explorá-los; e o capital só se interessa pelos recursos naturais quando controla trabalho suficiente para obter os recursos a preços que lhe convêm. A mercantilização das terras surge quando os capitalistas têm acesso a meios técnicos que lhes permitem organizar lucrativamente a exploração das terras. A exploração dos Cerrados no Brasil é um claro exemplo desse processo, onde o Estado absorveu os custos das pesquisas que permitiram controlar os custos da exploração dessas terras. Trata-se, de fato, de um problema muito mais complexo, cuja revisão leva a descobrir a inconsistência das premissas sobre a continuidade do processo de produção, bem como sobre a previsibilidade de comparações; e em que o suprimento de matérias primas se fez mediante situações especiais de remuneração do trabalho. A história da mineração ilustra cabalmente essa observação, com suas grandes diferenças entre a mineração de grande e de pequeno porte e com o papel que tem sido desempenhado pelos garimpos nos diversos países, desde as explorações coloniais até as explorações de hoje. Há um leque de continuidade e uso de tecnologia na mineração de superfície, que não se compara com a mineração de galerias. 45 A combinação dos dois elementos - matérias primas e trabalho - foi o cerne da construção do sistema colonial mercantilista do século XVI, que reuniu açúcar e escravidão, prata e servidão, ouro e escravidão. Subjugar índios ou importar escravos, e em ambos casos, controlar a população dominada, foram modos de criar e sustentar uma oferta de trabalho artificialmente barato, que poderia ser dirigida para a produção das mercadorias vendáveis nos países e Ver Heraclio Bonilla (2002), No caso do Mexico, na década de 1970 estimou-se que os garimpos contribuiam com algo em torno de 12% da produção de metais preciosos e semi preciosos. 45


77 regiões integrados à economia internacional. A escravidão na verdade funcionou como um sistema catalítico da população não regulada pelo sistema. O controle dos escravos permitiu o controle de todos esses outros mestiços e marginados, cujo esforço na verdade foi valorizado como quase nulo. A organização dos sistemas nacionais centralmente comandados fez-se justamente mediante uma intensificação da área ocupada, com sua respectiva população. O controle da produção de matérias primas significou o controle da força de trabalho. No período de 1870 a 1914, do primeiro impulso de industrialização, as economias periféricas foram literalmente invadidas pelo capital, desde seu centro europeu e norte-americano, para efetuar uma maior mobilização de recursos humanos e físicos. Estabeleceram-se novos papéis de fornecedores de matérias primas, indicados pelos requisitos técnicos da indústria. Substituições bruscas, como a de carvão por petróleo na década de 1930 e de metais por plásticos na década de 1970, deslocam a valorização da capacidade instalada e das qualificações, obrigando os fornecedores de matéria prima a realizarem novos esforços de adaptação, bem como condenando à inutilidade uma parte do valor acumulado. O sacrifício de capital e de trabalho, que se perdem nos movimentos de desvalorização, tem diferentes efeitos ao longo do tempo, em sociedades produtoras e receptoras de tecnologia, dado que as primeiras podem controlar esse processo, para adaptar a queima de valor à entrada de novos equipamentos, enquanto as segundas são levadas a adaptar sua capacidade de produção a um ritmo de investimentos não necessariamente adequado à reposição de seu capital. Por exemplo, quando se suspende um projeto de barragem de hidrelétrica, ou quando se interrompe um projeto de uma fábrica, além dos capitais que se perdem nessa interrupção, há uma perda de tempo das tecnologias que faz com que o projeto já surja envelhecido quando finalmente é realizado. A partir da década de 1960, sucessivamente, os argumentos relativos aos custos energéticos dos projetos e logo, ambientais, levaram a uma nova hierarquização de investimentos, pela qual a produção de matérias primas tomou outro significado, respectivamente, como um componente internacional da produção a ser localizado longe das regiões mais desenvolvidas; e como um uso de energia a ser subordinado aos interesses desses países, em poucas palavras, a exportação dos custos ambientais da produção. 7.2.

O trabalho compulsório na América Latina

A economia latino-americana fez-se sobre os mecanismos de extração de trabalho compulsório do sistema colonial, e, na seqüência, mediante a reorganização da comercialização que permitiu ao capital industrial manter sob controle o trabalho captado nas formas de produção pré industriais. A grande questão, que subjaz na trajetória do sistema, refere-se aos mecanismos que


78 permitiram que o controle do capital na economia passasse do ambiente colonial para o dos Estados nacionais e da expansão internacional do capital industrial. Daí, as grandes questões que se suscitam são, a continuidade da formação de capital e a continuidade do controle desse movimento. A condição de colônia significou que a formação de capital alimentou um processo de acumulação cujo centro foi a metrópole, mas que deixou o suficiente para que estas colônias formassem uma capacidade produtiva suficiente para sustentar modelos econômicos diferentes dos projetos coloniais. Na América Latina, a segunda etapa da revolução industrial foi de organização de alguns grandes interesses, que passaram a operar em diversos setores, geralmente ligados a exportação e com o apoio de contratos públicos. Surgiu, portanto, o problema de garantir que o Estado tivesse recursos suficientes para contratar as empresas que realizassem essas obras. Em última análise, a contratação de trabalho passava a ficar dividida entre aquela contratação de trabalho que tem equivalência internacional, portanto, que se rege por salários estabelecidos em mercado aberto; e aquela outra contratação de trabalho que não tem equivalência, por isso, que é constrangido a aceitar as condições localmente estabelecidas de retribuição. 46 Há, portanto, uma questão relativa aos modos de organização do capital na América Latina, que lhe permitiram exercer esse controle sobre o trabalho. Por isso, não há, praticamente, como explicar esse processo sem levar em contra o movimento geral do poder econômico e político, que cria, simultaneamente, o Estado e a empresa. O Estado e a empresa são as máximas expressões institucionais do capitalismo, que carregam os fundamentos culturais da relação entre individualidade e coletividade, tanto na esfera pública como na esfera privada. O bloco de poder se desdobra, ao mesmo tempo, na esfera privada e na pública, criando empresas baseadas em lideranças individuais e familiares, e criando um aparelho estatal que se organiza em governos igualmente baseados em estruturas personalizadas de poder. Essa homogeneidade dos modos do poder econômico e do político resulta em uma unidade do mercado de trabalho, que se torna uma fonte de poder e da capacidade de preservar o controle do poder. Nesse contexto, os trabalhadores convivem com condições de mobilidade restrita ou irrelevante, e, em sua maioria, estão constrangidos a sobreviver e a encontrar seu modo de reproduzir sua capacidade de trabalho por seus próprios meios em seus locais de origem ou em lugares e condições equivalentes. Por isso, há uma forte pressão latente pela emigração, que se manifesta em todas as situações em que tem condições de se efetivar. Na análise desse problema na América Latina é preciso dar uma importância especial às formas colaterais de retribuição, que nem sempre pode ser definidas como salário indireto, justamente, porque não têm expressão em mercado. Compreendem, desde formas de solidariedade local até falta de incerteza de moradia e de apoio familiar. 46


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Os efeitos da falta de mobilidade local e nacional do trabalho levaram a uma tendência crônica à emigração, inclusive dos grupos superiores de renda, eu se tornou um traço característico de quase todos os países e que se acentuou desde o fim da segunda guerra mundial. A análise das migrações revela problemas muito mais complexos e profundos que os indicados pela emigração forçada pelos golpes de Estado, por mais que esta é uma causa que tem tido conseqüências também mais profundas e prolongadas que aparentam. O imperialismo significou a transformação dos países em grandes centros manufatureiros e de prestação de serviços, aonde foram trabalhar operários de todo o mundo num movimento que resultou em novos fluxos de emigração latino-americana, principalmente aos Estados Unidos e em segundo lugar para o Brasil. Esses grandes movimentos foram seguidos de um grande número de pequenos movimentos que não alteram esse quadro geral. Como a população decresceu aparentemente numa proporção de dez a um, de 1492 a 1650, e como a população sofreu elevada mortandade e teve baixos índices de reprodução, 47 é preciso considerar que o pressuposto de abundância de mão de obra, contemplado por diversos autores, deveu-se, unicamente, ao crescimento vegetativo e à falta de mobilidade da população que se formou no continente. Como, ainda, esse crescimento vegetativo esteve restringido pelas condições desfavoráveis de alimentação e saúde em geral, é preciso, também, considerar o argumento alternativo de que na América Latina em geral desde o século XVII jamais houve tal abundância de população, e que a abundância de mão de obra ocorreu apenas por conta da falta de mobilidade dos trabalhadores e do controle das oportunidades de trabalho. 7.3.

Mobilidade do trabalho e dos trabalhadores

O princípio básico da economia colonial é a capacidade de extrair trabalho compulsório; e o princípio básico da economia periférica é o de manter um controle sobre o mercado de trabalho, que compreende o controle de uma grande variedade de formas de trabalho compulsório, articuladas pelo controle das oportunidades de emprego. Ambos princípios dependem de que se controle a força de trabalho. Ora, há uma contradição inescapável entre as condições em que Estimativas de Cook e Borah (apud Barbosa-Ramírez,1979) são de que em 1532 havia 16.800.000 pessoas na Nova Espanha (México) e que em 1605 havia apenas 1.975.000. Sobre outras bases, Eric Wolfe (1972) estima que uns 10 milhões de índios pereceram na Mesoamérica nos primeiros cem anos da conquista. As estimativas para a região andina não são muito diferentes. No relativo aos negros, aceitando as cifras de Alencastro (2000), para a entrada de negros na América entre 1526 e 1650, que seria de 464.700 haveria uma mortandade de 199.200 na travessia, admitindo a proporção de 30% utilizada por vários autores. As maiores cifras de desembarque de africanos, inclusive no Brasil estão entre 1650 1850; e os custos do tráfico negreiro seriam um aliciente a mais, para a captura e destruição dos indígenas. 47


80 A definição de blocos de poder nacionais, nos países latino-americanos deu-se entre 1840 e 1914, refletindo os sucessivos choques no ambiente político mundial, que se deram com a Restauração na Europa, com a Guerra Civil nos Estados Unidos, e, mais diretamente, com as pressões do imperialismo desde 1850. O controle exercido sobre os trabalhadores pelas alianças das oligarquias com capitais mercantis de base local, foi alterada pelos interesses de grandes capitais em mineração, em serviços urbanos, e, pela entrada de capitais no campo, nas regiões que se tornaram exportadoras. Nesse período surgiram as grandes mineradoras no México, como a Nazaré, e no Chile como a Anaconda. Os capitais internacionais passaram a ser responsáveis de uma parte do emprego, nas capitais e nos núcleos de atividades exportadoras. Assim, os principais eventos citados permitem-nos ver que, praticamente, a partir de 1870, os países latino-americanos passaram por processos que constituíram economias exportadoras que tiveram certo tipo de prosperidade até a primeira guerra mundial. O fechamento dos mercados para aqueles produtos de exportação resultou em reorganização do mercado de trabalho nos países periféricos, onde surgiu a função do Estado como empregador. A primeira guerra mundial e o intervalo dos autoritarismos e da depressão de 1930 desarticularam aquela relação lucrativa entre a produção de mercadorias simples e a produção da grande indústria, abrindo caminho para crises de escala nacional e para movimentos limitados de modernização, que somente em parte conseguiram compensar os efeitos negativos da depressão. Desde então, o processo econômico e político dos países latino-americanos foi dominado por movimentos de atualização dos blocos nacionais de poder, junto com o aumento da influência dos Estados Unidos. A onda de crises políticas e de golpes de Estado da década de 1930, com o aparecimento de movimentos nacionalistas e de movimentos conservadores, que os suplantaram em diversos países, revelou um novo nível de complexidade do continente, com a entrada em cena dos setores urbanos de rendas médias (Johnson, 1965), setores capitalistas rurais e com o confronto entre interesses formados no modelo exportador primário e interesses criados na expansão dos capitais voltados para captar as oportunidades de acumular capital dadas pela formação de mercados nacionais. Por isso mesmo, essas crises ocorreram nos países onde já tinha se formado um setor moderno significativo, e foi uma luta em torno do controle do Estado, que passava a ter poder de compra. Destacam-se as mudanças de rumo representadas pelo Cardenismo no México, o governo Grove no Chile, o de Irigoyen na Argentina, o de Gallegos na Venezuela, a Revolução de 30 no Brasil. No conjunto, foram movimentos pendulares, que levaram os países latinoamericanos de volta a posições conservadoras, ou a posições nacionalistas defensivas, em composições de forças que sustentaram um grande movimento de atualização das oligarquias, que se estenderia pelas décadas seguintes. A modernização que se realizou entre 1870 e 1914 representou os interesses de oligarquias articuladas no plano internacional, mas que pretenderam manter-se com a composição de poder que desenharam, isto é, queriam ter operariado mas


81 não queriam ter movimentos operários. Os conflitos de classe que surgiram nesse período coincidem com o aparecimento de sindicatos e de partidos de esquerda, desde o México até a Argentina. A atualização das oligarquias significa sua adaptação à modernização do sistema produtivo e a conquista de novas posições, que garantem a preservação das estruturas de poder político e econômico. É um aspecto dominante do processo latino-americano, até hoje relativamente pouco estudado, que tem que ser esclarecido, especialmente por seus efeitos nas condições de trabalho e de remuneração dos trabalhadores. Mas é um movimento que depende de controle político interno e de capacidade de se associar com o grande capital internacionalizado. Esses requisitos nem sempre estão presentes e uma parte importante das oligarquias foi destruída no processo de modernização do capital em geral. A atualização das oligarquias é um processo sumamente complexo, que compreende o controle das oportunidades de investimento e da conseqüente determinação das oportunidades de emprego. 48 São estratégias políticas que compreendem o controle de programas públicos na agricultura e em estradas, as políticas de preços agrícolas, as obras públicas, o financiamento dos setores exportadores em suas diversas modalidades. /essas estratégias políticas continuam até hoje, fazendo-se representar nas composições interpartidárias, tal como caracterizam o quadro político brasileiro de hoje.49 O outro movimento de modernização, que se instalou no rescaldo da segunda guerra mundial, se fez com uma outra referência ideológica, a da democracia liberal, que, na prática, tornou-se o instrumento da difusão do modo norte-americano de ligar sua supremacia econômica com uma leitura política. A expansão de empresas organizadas nos moldes das norte-americanas representou uma quebra do controle patrimonialista do mercado de trabalho, portanto, representou um novo espaço de liberdade para um maior número de trabalhadores, combinando a expansão imperialista com o fortalecimento de setores de classe média. Não há como escapar desse fato, de que o fortalecimento dos grupos médios urbanos de renda é parte de um movimento de internacionalização, que teve diferentes expressões nos grupos de “classe média alta” e nos de “classe média baixa”, onde as aspirações de aumento de renda identificam-se claramente com as de libertação dos controles da sociedade patrimonial tradicional. Na Argentina e no Chile, surgiram novas polarizações de forças políticas identificadas com partidos políticos representativos desses grupos médios de renda. Um estudo altamente significativo nesse sentido é o de Ronald Chilcote sobre as oligarquias do Nordeste brasileiro (1991) e o modo como elas se renovaram no ambiente do autoritarismo político nas décadas de 60 e 70. 49 Uma fotografia da guarda de cadetes que foi assassinada junto com o presidente Madero do México em 1910 permitiu ver que todos eles pertenciam a famílias que continuaram em posições de poder depois da revolução que se estendeu daquele ano até 1917. Uma análise política do Brasil mostra que há uma clara tendência dinástica das grandes empresas brasileiras. 48


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Os movimentos de mercantilização de terras integradas à produção de mercadorias foram característicos desse processo, que se estende desde a segunda guerra mundial, praticamente, até a década de 1970, quando ganharam impulso as empresas multinacionais. A atualização das oligarquias aparece em diferentes escalas e formas, segundo elas têm acesso a participar do controle das decisões políticas e econômicas. No ambiente marcado pela atualização das oligarquias e pela expansão de interesses multinacionais, há condições diferenciadas e socialmente seletivas de mobilidade do trabalho. Há mais mobilidade dos trabalhadores mais qualificados e detentores de maior renda e há maior mobilidade dos trabalhadores que têm acesso mais fácil para migrarem para alterar sua situação econômica e suas perspectivas de renda. Os movimentos dos grupos de baixa renda são determinados por tendências de expulsão, isto é, são sempre pessoas que desejam sair de determinados ambientes mais que de pessoas que desejam chegar a determinados outros ambientes. A mobilidade do trabalho torna-se uma caixa preta para o capital, porque reflete o ponto de vista dos trabalhadores, que, longe de ser apenas mão de obra são pessoas que visualizam seus interesses, agem em função deles, tornando-se mais conscientes ou mais alienados, mas, em todo caso, participando do processo do capital como portadores de sua própria consciência e estabelecendo objetivos que nada têm em comum com os das empresas. Se os capitalistas esperam poder contratar todos os trabalhadores de que necessitam, os trabalhadores esperam poder escapar do controle local dos salários, pelo que, tendem a considerar as migrações como parte de sua estratégia pessoal de renda.50 Nesse sentido as análises nacionais do emprego têm que ser completadas com análises das migrações internacionais, que completam esse quadro. A importância desse fenômeno tornou-se imperativa. Hoje há uns 36 milhões de mexicanos nos Estados Unidos, representando um quinto da população total do México. Há cerca de 2 milhões de brasileiros. Há cifras absolutas mais altas de peruanos e de argentinos e números relativos maiores de cubanos, colombianos, chilenos, centro-americanos. Em seu conjunto, todos eles compõem uma força de trabalho dependente, treinada em seus países de origem e que constitui um subsidio à produção nos Estados Unidos. 7.4.

Os controles materiais e ideológicos dos trabalhadores

Cabe aqui uma referência ao trabalho seminal de Jean Paul de Gaudemar sobre Acumulação de capital e mobilidade do trabalho (1977), onde ele traça o perfil da diferença entre os pontos de vista dos capitalistas e os dos trabalhadores, mostrando, ainda, como as migrações são objeto ideológico de desqualificação, que só em parte é artificialmente compensado pela pertenência a algum outro país mais rico. 50


83 A consciência de classe dos trabalhadores surge das condições objetivas de coletivização do trabalho que, por sua vez, decorrem da organização social da produção. A tese clássica de história e consciência de classe, antes que tudo, consiste em fazer derivar as observações gerais relativas às relações de classe das condições históricas específicas em que surgem os interesses das classes. 51 Assim, o conflito de interesses que aparece na relação geral das classes, se fraciona numa infinidade de situações locais, que são absorvidas como parte da construção da identidade de países e de regiões que são receptores de migrantes. Nessas situações, as condições de associação dos trabalhadores passam por mudanças muito profundas, que ainda não se esclareceram por completo, ou que, simplesmente, variam muito, em função mesmo, das condições de mobilidade dos diversos tipos de trabalhadores. As maiores perdas econômicas dos trabalhadores surgem como uma conseqüência final de sua perda de capacidade de defesa de seus interesses. 8.

Acumulação, concentração e fuga de capitais e de trabalho

A situação de periferia não é estática. É parte da composição internacional do capital, com suas diversas modalidades de produção e de organização da comercialização da produção, isto é, é uma situação que se transforma, junto com os deslocamentos gerais da economia mundial e em consonância com as transformações do centro da economia mundial. A reprodução da condição de periferia surge de uma atualização do bloco de poder constituem um círculo vicioso da pobreza, colocado na perspectiva da dinâmica do capital. A tendência geral de acumulação e concentração de capital é qualificada pelas condições concretas dos países para prosseguir, portanto, para aprofundar na composição do capital e dos meios de comercialização da produção. Os movimentos do capital não são lineares. Compreendem movimentos de concentração territorial, de convergência tecnológica e de dispersão, que resultam em padrões de territorialidade inseridos no movimento geral de acumulação. Na prática, as grandes empresas realizam todos esses movimentos ao mesmo tempo. Giovanni Arrighi (1998) trabalha essa relação entre acumulação e territorialidade dando ao território um estatuto de centralidade no processo que não se sustenta, quando se torna evidente que o capital se reproduz sobre meios menos materiais e desenvolve uma capacidade de reagir de modo instantâneo a alterações do mercado. A periferia latino-americana move-se relativamente aos movimentos globais de acumulação, segundo os países alcançam condições operacionais 51

Georg Lúkacs, História e consciência de classe,............


84 suficientes para manter e melhorar suas posições na composição internacional do capital. É um movimento que está submetido às condições de incerteza do sistema capitalista em seu conjunto e às condições de incerteza das relações entre as economias centrais e as economias periféricas no contexto das transformações da produção capitalista. A perspectiva de acumulação na periferia está qualificada pelo potencial e pelas contradições dos mercados nacionais. Assim como o movimento de expansão do capital articula movimentos de formação de capital, envolvendo, de modo combinado, os diversos setores, a perda de posição envolve movimentos proporcionais dos diversos setores, em certos tempos e escalas. Industrialização, desenvolvimento rural, tecnificação dos serviços, são diferentes caras de um mesmo processo, que se revela nos mercados de capital e de trabalho. Nesse contexto, progresso e atraso são movimentos que se difundem , segundo o nível de composição do capital em que acontecem, e correspondem a determinados momentos da trajetória do capital. A acumulação se realiza em certos espaços, que podem se ampliar ou restringir, segundo a gestão do capital consegue resolver os problemas de reprodução do valor do sistema produtivo. Obviamente, nessa capacidade de realização estão as relações internacionais, em seus diversos planos, com a participação dos diversos integrantes do mercado de capital e do mercado de trabalho. A primeira observação deste ensaio é que centro e periferia são posições móveis num processo geral do capital, que assume novas formas, mas que reflete o caráter essencialmente desigual do movimento do capital, que tende a se concentrar em seu centro de decisões. As posições relativas dos países mudam, por exemplo, como se vê no relativo às mudanças de posição dos países nórdicos e, de modo mais dramático, da Grã Bretanha. A expansão do capital tem se feito mediante movimentos que envolvem, de modo combinado, os capitalistas e os trabalhadores que participam dos diversos setores da produção. Mas, do mesmo modo como os capitais se organizam para operar com aplicações em diversos setores da produção, os trabalhadores procuram ampliar suas opções de obterem renda, desenvolvendo sua capacidade de participarem de diversos setores e tipos de participação. Progresso e atraso tornam-se relativos, segundo alguns se atrasam e outros avançam. Colocam-se em pauta as desigualdades inerentes às transformações do capitalismo, no que elas compreendem diferenças entre o centro da acumulação e a periferia desse movimento, que correspondem ao movimento central e às contradições do processo de acumulação e de concentração do capital. Há uma diferença fundamental, entre a leitura geral da diferenciação do processo e o foco na pesquisa sobre as peculiaridades dos campos periféricos, ou sobre uma diferença real e essencial entre os processos da periferia e os do centro.


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