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Rafael Henrique Martins Fernandes

INTELIGÊNCIA E REPRESSÃO QUALIFICADA DA CRIMINALIDADE, NA PERSPECTIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO

Monografia apresentada ao Curso de PósGraduação Lato Sensu de Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública, oferecido pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado de Minas Gerais em parceria com o Centro Universitário Newton Paiva, como requisito parcial à obtenção do título de Especialista em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública Orientador: Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco.

Belo Horizonte Centro Universitário Newton Paiva Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais 2010


Centro Universitário Newton Paiva Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais Curso de Pós-Graduação de Especialização em Inteligência de Estado e Inteligência de Segurança Pública

Monografia intitulada Inteligência e repressão qualificada da criminalidade, na perspectiva do Ministério Público, de autoria de Rafael Henrique Martins Fernandes, considerada aprovada, com a nota 90 (noventa), pela banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

____________________________________________________________ Prof. Dr. Denilson Feitoza Pacheco – Orientador

____________________________________________________________ Prof. Mestre Sérgio Antônio Teixeira

____________________________________________________________ Prof. Especialista Ronaldo Silveira de Alcântara

Belo Horizonte/MG, 26/maio/2010.

Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais Rua Timbiras, 2928, 4º. andar, Bairro Barro Preto 30140-062 – Belo Horizonte – MG Tel: 31-3295-1023 www.fesmpmg.org.br


À minha amada Vanessa, exemplo de esposa e mãe, que, mesmo diante das grandes provações que enfrentamos,

compreendeu

a

importância

desta

pesquisa e sempre me incentivou. Aos meus queridos filhos João Pedro e Bruna, grandes tesouros que Deus me deu, pela alegria e pelo sentido maior que dão à minha vida. À minha eterna filha Beatriz (in memoriam), cuja passagem foi efêmera, qual uma estrela cadente, mas deixou um rastro de luz que jamais se apagará. Aos meus pais, Paulo e Jiçara, que, com muito amor e dedicação, pavimentaram e sinalizaram o caminho seguro que me fez chegar até aqui. Aos meus avós, Arthur (in memoriam), Jacira e Julinda, pelo imenso afeto que sempre tiveram por mim. Ao Vô Saul (in memoriam), homem de primeira grandeza, meu mestre, com quem aprendi lições que moldaram meu caráter e que levarei por toda a minha existência.


AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, pela vida, pela saúde, pelo discernimento, por todas as coisas e pessoas boas que colocou em meu caminho e pela força de vontade, que me fez seguir nessa jornada, a despeito dos grandes percalços que enfrentei: as perdas da minha filha Beatriz e do meu avô Saul; a luta intensa, pela sobrevivência, da minha filha Bruna; o sofrimento da minha esposa Vanessa na árdua e admirável batalha que travou pela vida de nossas filhas. A todos os professores, especialmente ao Prof. e orientador Denilson Feitoza Pacheco, pela orientação e pelo pioneirismo científico, graças ao qual uma nova “fronteira do conhecimento” foi aberta. Aos amigos e companheiros de Ministério Público, Rodrigo Iennaco de Moraes – cujo apoio foi fundamental para a conclusão deste estudo – e Fernando Augusto Cipolini Ielo – pelo incentivo e disposição em colaborar. A todos os colegas de curso, pela amizade, troca de experiências e espírito de colaboração. A todos os colegas de Ministério Público em Ribeirão das Neves que me substituíram durante minhas ausências e que, assim, viabilizaram este feito. A todos aqueles que, de algum modo, direto ou indireto, contribuíram para a esta realização.


RESUMO

O problema objeto do presente estudo é assim formulado: como utilizar a inteligência na repressão qualificada da criminalidade, na perspectiva do Ministério Público? Tratase de pesquisa que tem por escopo apontar diretrizes para que o Ministério Público possa utilizar-se da atividade de inteligência, na sua atuação relacionada à persecução criminal, e parte da premissa de que a utilização da inteligência é essencial para a repressão qualificada da criminalidade, conceito de repressão que deve nortear a atuação ministerial na área criminal. Verifica-se, neste estudo, que a utilização da inteligência deve ser acompanhada de uma boa gestão do conhecimento, e que tal uso deve respeitar as limitações legais e constitucionais à atividade probatória da persecução criminal. Ademais, demonstra-se que a inteligência deve ser utilizada de modo proporcional, de sorte que seu uso deve ser balizado pelo princípio da proporcionalidade, a fim de que, com isso, a inteligência e o Ministério Público possam contribuir efetivamente para o incremento da segurança pública, mas com o necessário respeito aos direitos fundamentais dos indivíduos, como deve ser em um Estado Democrático de Direito. Palavras-Chave:

Inteligência.

Segurança

pública.

Repressão

qualificada

da

criminalidade. Ministério Público. Persecução criminal. Princípio da proporcionalidade.


ABSTRACT The main subject of this paper is: how to use intelligence for a qualified repression of crime, in the perspective of the Brazilian Public Prosecution Service? In other words, the present paper aims at pointing out guidelines so that the Brazilian Public Prosecution Service can use intelligence activities in its performance concerning the accusatory procedure. One assumes that the use of intelligence is essential for the qualified repression of crime, a concept of repression that must guide the performance of the Public Prosecution Service regarding the criminal area. One verifies that the use of intelligence must be accompanied of good knowledge management and that such use must respect the legal and constitutional limitations to the probative activity within the accusatory procedure. Moreover, one demonstrates that intelligence must be based upon the principle of proportionality, so that intelligence and the Public Prosecution Service can effectively contribute to improve public safety, having in mind the necessary respect to fundamental rights of individuals, as a duty of a Democratic Lawful State. Key Words: Intelligence. Public safety. Qualified repression of crime. Public Prosecution Service. Accusatory procedure. Principle of proportionality.


SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................................................9 2 ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA......................................................................................................12 2.1 INTELIGÊNCIA..........................................................................................................................................14 2.2 CONTRAINTELIGÊNCIA.............................................................................................................................17 2.3 OPERAÇÕES DE INTELIGÊNCIA..................................................................................................................18 2.4 O CICLO DA INTELIGÊNCIA.......................................................................................................................21 2.5 PRINCÍPIOS DA INTELIGÊNCIA..................................................................................................................23 2.6 CLASSIFICAÇÃO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA...................................................................................25 2.7 A ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO BRASIL..............................................................................................28

3 DIREITOS FUNDAMENTAIS.............................................................................................................31 3.1 CONCEITO.................................................................................................................................................31 3.2 FUNÇÕES..................................................................................................................................................33 3.3 A RELATIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.....................................................................................36

4 SEGURANÇA PÚBLICA......................................................................................................................38 4.1 CONCEITO................................................................................................................................................38 4.2 A SEGURANÇA PÚBLICA COMO DIREITO FUNDAMENTAL..........................................................................40 4.3 SEGURANÇA PÚBLICA E EFICIÊNCIA.........................................................................................................41 4.3.1 O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA EFICIÊNCIA.......................................................................................................41 4.3.2 SEGURANÇA PÚBLICA E DEVER DE EFICIÊNCIA.......................................................................................................45 4.4 INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA .................................................................................................46


4.4.1 NOÇÃO..................................................................................................................................................................................46 4.4.2 O SUBSISTEMA DE INTELIGÊNCIA DE SEGURANÇA PÚBLICA (SISP)...................................................................51 4.5 INTELIGÊNCIA E ANÁLISE CRIMINAL.........................................................................................................52

4.6 INTELIGÊNCIA E REPRESSÃO QUALIFICADA DA CRIMINALIDADE..............................................................56 5 MINISTÉRIO PÚBLICO......................................................................................................................60 5.1 MISSÃO CONSTITUCIONAL........................................................................................................................60 5.2 MINISTÉRIO PÚBLICO E SEGURANÇA PÚBLICA..........................................................................................61 5.3 PERSECUÇÃO CRIMINAL: CONCEITO, DIVISÃO E ESCOPOS.........................................................................62 5.3.1 FINS IMEDIATOS DA PERSECUÇÃO CRIMINAL.....................................................................................64 5.3.2 FINS MEDIATOS DA PERSECUÇÃO CRIMINAL......................................................................................65 5.4 A DICOTOMIA DA PERSECUÇÃO CRIMINAL................................................................................................67 5.5 ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA NO MINISTÉRIO PÚBLICO............................................................................69 5.6 MINISTÉRIO PÚBLICO, INTELIGÊNCIA E PERSECUÇÃO CRIMINAL...............................................................74 5.7 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E O USO DA INTELIGÊNCIA ...........................................................83

6 CONCLUSÕES.......................................................................................................................................88 REFERÊNCIAS.........................................................................................................................................94


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1 INTRODUÇÃO As intensas inovações tecnológicas nas áreas do transporte e da comunicação ocorridas, sobretudo, a partir do século passado produziram grandes transformações sociais e permitiram uma aproximação cada vez maior entre povos de todo o planeta, culminando numa era de significativa integração social, econômica, cultural e política entre países, conhecida como “globalização”. No entanto, se a facilidade de transporte e comunicações tem resultado num crescente processo de integração entre os povos, ela também tem contribuído para uma sofisticação cada vez maior da criminalidade. Com efeito, é fato notório que a criminalidade tem-se utilizado de métodos cada vez mais sofisticados na estruturação de suas organizações e no estabelecimento e execução dos seus modos de operação, sendo certo que já deu mostras do seu elevado grau de lesividade e da sua alta lucratividade. Apenas para contextualizar a gravidade da situação, vale destacar que a Central Intelligence Agency (CIA), em seu relatório “Tendências Globais 2025: Um Mundo Transformado”, prevê a tendência da penetração de redes criminosas em governos e, mais especificamente, no caso do Brasil, prevê que a redução do crime e a realização de avanços na execução da lei são fatores determinantes para que o Brasil consiga se estabelecer como moderna potência mundial (Central Intelligence Agency, 2009, p. 177). Apesar disso, de modo geral, o Brasil ainda convive com um modelo arcaico de repressão da criminalidade, de cunho meramente reativo, o qual se mostra ineficaz para o combate a uma criminalidade cada vez mais sofisticada e lesiva. Existe uma percepção crescente de que o controle da criminalidade, ou seja, a sua redução a um patamar tolerável, só ocorrerá com a utilização da inteligência e com o implemento de um novo modelo de repressão, orientado pelo princípio constitucional da eficiência, que se convencionou denominar “repressão qualificada da criminalidade”. A propósito, vale lembrar que, na 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, realizada em agosto de 2009, foram aprovadas várias diretrizes para a atuação


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do poder público no campo da segurança pública, duas das quais contemplam a necessidade da utilização da inteligência. E, a partir da premissa de que a utilização da inteligência e a adoção de um modelo qualificado de repressão são essenciais no enfrentamento da criminalidade, o presente trabalho objetiva apontar diretrizes para que um dos atores dessa repressão, o Ministério Público, possa utilizar-se dessa importante ferramenta que é a atividade de inteligência, com o escopo de colaborar efetivamente para o incremento da segurança pública, condição essencial para o exercício de direitos fundamentais e a existência, com dignidade, da pessoa humana. Assim, o problema de pesquisa do presente estudo pode ser formulado com a seguinte indagação: Como utilizar a inteligência na repressão qualificada da criminalidade, na perspectiva do Ministério Público? Para chegar à resposta, o presente trabalho analisou a atividade de inteligência e suas características, tendo, ainda, analisado a atividade de inteligência de segurança pública e o modo como ela se relaciona com a repressão qualificada da criminalidade, especialmente com as atividades de persecução criminal desempenhadas pelo Ministério Público. Ademais, a análise efetuada foi permeada pelo princípio constitucional da eficiência, já que esse princípio deve sempre nortear a ação estatal, não sendo concebível, pois, estabelecer diretrizes para a ação de um órgão de estado que não conduzam a uma atuação mais eficiente. Essa influência do princípio da eficiência no presente trabalho é evidenciada pela preocupação que o estudo expressou com a incorporação de boas práticas de gestão do conhecimento na atuação persecutória. Nessa esteira, o presente estudo buscou encontrar caminhos que permitam ao Ministério Público exercer sua atividade de persecução criminal com uma visão holística, que permita que cada persecução criminal não mais seja tratada como uma realidade isolada da criminalidade, mas como parte do contexto da criminalidade em uma determinada região, de modo a possibilitar cruzamentos de informações e resultados mais significativos para a segurança pública, fim geral da atividade persecutória.


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Empregamos o método jurídico-dogmático para o desenvolvimento do estudo, sendo que a temática foi desenvolvida por meio da utilização da técnica de documentação indireta, sobretudo com a técnica da pesquisa bibliográfica.


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2 ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA Em uma perspectiva tradicional, a atividade de inteligência é aquela que tem por escopo subsidiar a tomada de decisões, geralmente associadas ao Estado, mediante a obtenção, processamento e análise de informações. Essa atividade tem duas ramificações, a saber: 1) inteligência stricto sensu ou inteligência propriamente dita, que cuida da produção de conhecimento; 2) contrainteligência, de cunho defensivo, que cuida da proteção do conhecimento. A atividade de inteligência surgiu da necessidade da constante necessidade de obtenção de conhecimento pelo ser humano, e, por isso mesmo, é uma das atividades mais antigas do mundo, tendo sido historicamente utilizada por governantes dos mais diferentes povos para a garantia da segurança dos seus territórios contra seus adversários e preservação dos seus interesses, bem como para a formulação de políticas públicas em várias vertentes de atuação governamental. Historicamente, há registros do uso da inteligência em tempos bastante remotos. Na China antiga, já se falava no uso da inteligência, pois o estrategista Sun Tzu (2006, p. 7-9) preconizava a importância do conhecimento para a formulação de estratégias no contexto de guerra e asseverava que era fundamental que um exército conhecesse bem o seu próprio potencial e as suas vulnerabilidades, assim como as do inimigo, a fim de que pudesse formular e executar adequadamente sua estratégia de atuação. A partir dos séculos XVI e XVII, com o surgimento de Estados Nacionais na Europa, a atividade de inteligência viveu um processo de organização e institucionalização, com o aparelhamento de órgãos estatais criados especificamente para a atuação no campo da inteligência. No entanto, o grande salto da atividade de inteligência ocorreu a partir da 1ª Guerra Mundial e, sobretudo, após a 2ª Guerra Mundial, já que, com o início da Guerra Fria, que terminou no início da década de 90, as potências conflitantes – Estados Unidos e União Soviética - necessitavam de serviços de inteligência fortes, que lhes fornecessem o máximo possível de informações sobre o oponente. Embora a atividade de inteligência esteja originalmente vinculada à ideia de


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inteligência de Estado (inteligência clássica), associada a questões estratégias de Estado, como soberania e defesa nacional, ela tem sido progressivamente aplicada em diferentes áreas da atuação estatal e, atualmente, já é usada até no âmbito privado, numa vertente da inteligência denominada inteligência competitiva ou inteligência empresarial. Mas, apesar da importância e da expansão da atividade de inteligência, ela ainda é muito pouco estudada e conhecida no Brasil, em pleno século XXI. É certo que o fato de a atividade ser cercada por forte sigilo contribui para o seu desconhecimento, já que tal sigilo torna difícil o acesso de doutrinas e outros materiais de pesquisa à comunidade científica em geral (GONÇALVES, 2009, p. 6). Entretanto, a par disso, não se pode olvidar que o contexto histórico do Brasil explica, em grande parte, o alto grau de desconhecimento e a visão preconceituosa que existe em relação à atividade de inteligência. O preconceito em torno da atividade de inteligência resulta do período de autoritarismo que o Brasil viveu entre 1964-1985, em que a ditadura militar se utilizava do aparato de segurança pública e do seu aparato de inteligência para reprimir os opositores do regime. Tal situação é descrita por Wilson Rocha de Almeida Neto, que assim aborda o tema: Entre as incontáveis mazelas que a ditadura militar legou ao nosso país, a agregação de “culpa” a qualquer palavra de “ordem” está entre as principais delas. Termos como “defesa nacional”, “segurança estatal”, “ordem pública”, entre outros, tantas vezes utilizados como anteparos para as práticas mais hediondas naquele período, passaram a ser proscritos nos discursos políticos e objeto de acerbas críticas no debate acadêmico pós-ditadura. Em tal contexto, por razões óbvias, a “inteligência”, que materializou a principal engrenagem de repressão do governo militar, terminou por amargar – não de modo imerecido, é verdade – referido fenômeno de modo singular. Ao ter incorporado, de um modo quase indelével, ao seu âmbito de inteligibilidade, uma carga semântica negativa proporcional aos abusos a que serviu naquele capítulo da história brasileira, fica difícil, hoje em dia, tratar da mesma sem que se arregimente algum tipo de antipatia intelectual [ALMEIDA NETO, 2009, p. 21].

Priscila Carlos Brandão Antunes (2002) apud Almeida Neto (2009, p. 2122), por sua vez, retrata a situação da seguinte forma: O termo inteligência, entendido nesse sentido, passou a fazer parte do debate


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político brasileiro principalmente a partir da década de 1990, após a extinção do Serviço Nacional de Informações (SNI), não obstante haver referências a este tipo de atividade desde 1927. O termo emergiu de uma tentativa de acobertar e superar uma identidade deteriorada que havia se formado em torno da atividade de informações no regime militar, equivalente a repressão e violação dos direitos civis. No Brasil, assim como nos demais países do Cone Sul, existe uma forte desconfiança em relação a essa atividade, que decorre do perfil assumido por seus órgãos de informações durante o último ciclo de regimes militares. Nesses países, os serviços de informações converteram-se em Estados paralelos com alto grau de autonomia, enorme poder e capacidade operacional. [...] [...]Existe no país, por conta da última experiência autoritária, uma resistência a discussões que abordem aspectos relativos à atividade de inteligência e à segurança nacional. Esta resistência, além de ter atrasado o projeto de criação da Abin no Congresso Nacional, também dificulta o debate sobre a regulamentação dos mecanismos responsáveis pela classificação e proteção dos ‘segredos governamentais’.

Não obstante, à medida que o período ditatorial se distancia na história, e à medida em que a sociedade se vê diante de novos desafios, carecedores de soluções cada vez mais complexas, vem aumentando a percepção de que a atividade de inteligência é essencial para o Estado e a sociedade.

2.1 Inteligência Existem diversos conceitos sobre o que vem a ser atividade de inteligência, e, no Brasil, a despeito de o tema ainda ser bastante negligenciado, já existe, desde 1999, um conceito legal de inteligência, contido no art. 1º, § 2º, da Lei 9.883 de 1999, que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) e criou a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN): Art. 1º. Fica instituído o Sistema Brasileiro de Inteligência,que integra as ações de planejamento e execução das atividades de inteligência no País, com a finalidade de fornecer subsídios ao Presidente da República nos assuntos de interesse nacional. § 1º. O Sistema Brasileiro de Inteligência tem como fundamentos a preservação da soberania nacional, a defesa do Estado Democrático de Direito e a dignidade da pessoa humana, devendo ainda cumprir e preservar os direitos e as garantias individuais e demais dispositivos da Constituição Federal, os tratados, convenções, acordos e ajustes internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte ou signatário, e a legislação ordinária. § 2º. Para os efeitos desta Lei, entende-se como inteligência a atividade que


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objetiva a obtenção, análise e disseminação de conhecimentos dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado.

Segundo Marco Cepik, há duas definições, uma ampla e outra restrita, sobre o conceito de inteligência. Na acepção ampla, “inteligência é toda informação coletada, organizada ou analisada para atender as demandas de um tomador qualquer” (como se vê, essa acepção é insuficiente para a conceituação da inteligência, pois não a diferencia de outras atividades de provimento de informações). Já a definição restrita do autor diz que “inteligência é a coleta de informações sem o consentimento, a cooperação ou mesmo o conhecimento por parte dos alvos da ação”, ou seja, “inteligência é o mesmo que segredo ou informação secreta” (CEPIK, 2003, p. 27-28). Entretanto, tais acepções, segundo Cepik, levam a um entendimento equivocado sobre a atividade de inteligência, porquanto ela não se resume a uma atividade de mero provimento de informações, como sugere a acepção ampla, nem tampouco se resume a atos de espionagem, como pode sugerir a segunda acepção (CEPIK, 2003, p. 28). Essa aparente divergência na caracterização da inteligência, no entanto, é bem superada por Cepik, pois, segundo ele, há um segundo aspecto da definição restrita de inteligência que a diferencia do mero provimento de informações em geral, qual seja, a capacidade explicativa e/ou preditiva da inteligência (CEPIK, 2003, p. 28). Para Joanisval Brito Gonçalves (2009, p. 18), o conceito de inteligência passa obrigatoriamente pelos seguintes aspectos: 1) A ideia de conhecimento processado – a partir de fontes (abertas ou não), chega-se a um produto de uma análise com base nos princípios e métodos da doutrina de inteligência; 2) O manuseio de informações sigilosas (dado negado) referentes a ameaças e oportunidades – reais ou potenciais – relacionadas a assuntos de interesse do tomador de decisão. A inteligência lida, necessariamente, com assuntos sigilosos; 3) O objetivo central, que é assessorar o processo decisório e, no caso da inteligência de Estado, salvaguardar os interesses nacionais.

Tendo em vista esses aspectos essenciais da atividade, Joanisval Brito Gonçalves (2009, p. 19) refere-se à inteligência como um “conhecimento processado –


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a partir de matéria bruta, com metodologia própria –, obtida de fontes com algum aspecto de sigilo e com o objetivo de assessorar o processo decisório”. É preciso ressaltar, todavia, que, embora o sigilo, ou seja, a obtenção de dados negados, seja uma característica distintiva da inteligência, a atividade em questão se utiliza, em grande medida, de dados e informações obtidos em fontes abertas, de modo que o produto da atividade de inteligência, embora muitas vezes possa conter dados negados em sua composição, não os contém necessariamente, já que a inteligência pode produzir conhecimento a partir de fontes abertas (ALMEIDA NETO, 2009, p. 145). Outra concepção bastante conhecida de inteligência e citada na obra de Joanisval Brito Gonçalves é a concepção trina, concebida pelo professor estadunidense Sherman Kent, que explica a inteligência sob três diferentes prismas: produto, organização e processo (GONÇALVES, 2009, p. 7-8). A inteligência, enquanto produto, diz respeito ao conhecimento produzido com base em um processo que usa a metodologia da inteligência e que tem como destinatário um agente responsável pela tomada de decisão. Nessa acepção, um relatório de inteligência é inteligência. A inteligência como organização, por sua vez, refere-se às organizações especializadas na obtenção de dados negados, na produção de inteligência e proteção do conhecimento produzido. Dentro desse aspecto de inteligência, podem ser considerados como inteligência os serviços secretos, tais como a CIA, o MI5, o Mossad e a ABIN. Já a inteligência, enquanto processo ou atividade, concerne ao modo pelo qual determinados tipos de informação são requeridos, reunidos, processados e disseminados, bem como aos procedimentos para a obtenção de dados negados. Em outras palavras, a inteligência como atividade ou processo diz respeito à forma peculiar que a inteligência tem de – por meio de uma metodologia própria – obter dados, inclusive sigilosos, e de transformá-los em conhecimento útil para subsidiar o processo decisório. Em outras palavras, pode-se afirmar que inteligência tem como característica peculiar a associação da busca (em sentido amplo) de dados negados com a capacidade preditiva, constituindo-se em uma atividade que cuida da obtenção, análise


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e disseminação de informações que podem envolver alguma parcela de sigilo, com o escopo de subsidiar o processo decisório de diferentes níveis e atividades, sendo certo que o nível de acerto na tomada de decisão é potencializado pela capacidade preditiva da inteligência. Mas não é só, pois “o que torna a atividade de inteligência singular e está presente em seus ramos e manifestações é o modo característico de organização do material e de transformação do dado em conhecimento [...], por pessoas devidamente treinadas, com o fim de assessorar um tomador de decisões” (ALMEIDA NETO, 2009, p. 145).

2.2 Contrainteligência Contrainteligência, nas palavras de Almeida Neto (2009, p. 50), é definida como a “atividade de detecção, identificação, avaliação, prevenção, obstrução, exploração e neutralização das ameaças, internas e externas, às informações sensíveis que a organização detém ou às suas áreas, instalações, pessoas e interesses, inclusive provenientes de inteligência adversa”. No plano legal, a contrainteligência é definida pelo artigo 1º, § 3º, da Lei 9.883/1999, para o qual contrainteligência é a "atividade que objetiva neutralizar a inteligência adversa”. Já o Decreto nº 4.376/2002, que regulamenta a estrutura e organização do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN), traz, em seu artigo 3º, a seguinte definição de contrainteligência: Art. 3º. Entende-se como contrainteligência a atividade que objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a inteligência adversa e ações de qualquer natureza que constituam ameaça à salvaguarda de dados, informações e conhecimentos de interesse da segurança da sociedade e do Estado, bem como das áreas e dos meios que os retenham ou em que transitem [BRASIL, 2002].

A partir das definições doutrinárias e legais acima, depreende-se que a diferença principal da inteligência e da contrainteligência reside no fato de que, enquanto a inteligência, num sentido estrito, tem por escopo a busca de conhecimentos, a contrainteligência tem um caráter defensivo, pois objetiva salvaguardar os


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conhecimentos de uma determinada organização e proteger pessoas e instalações. Tendo em vista o escopo defensivo da contrainteligência, esse ramo da atividade de inteligência deve ser constantemente aprimorado na sua capacidade de antecipação de acontecimentos, capacidade que pode ser potencializada não só por meio do conhecimento das vulnerabilidades da organização, mas também por meio de constantes pesquisas sobre as possibilidades de ameaças à organização. Essa necessidade de uma grande capacidade de antecipação pode ser facilmente visualizada se levarmos em conta eventos de grande magnitude como os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, em Nova York, Estados Unidos, ou aqueles atentados protagonizados pelo PCC, Primeiro Comando da Capital, em várias cidades do Estado de São Paulo, em maio de 2006. A propósito, após os atentados de 11 de setembro de 2001, o contraterrorismo, segmento da atividade de contrainteligência, ganhou bastante terreno, tendo tido destaque cada vez maior na luta empreendida pelo governo estadunidense contra o terrorismo. Ademais, a contrainteligência tem sido empregada, de modo cada vez mais frequente, no enfrentamento de organizações criminosas, haja vista o seu crescente potencial lesivo, que restou patenteado por ocasião dos atentados promovidos pelo PCC em São Paulo, que deixaram sitiada uma das maiores megalópoles do planeta.

2.3 Operações de inteligência Denilson Feitoza Pacheco (PACHECO, 2006a, p. 82) define as operações de inteligência da seguinte maneira: As operações de inteligência são ações realizadas com a finalidade de obter dados não-disponíveis em fontes abertas. Elas podem ter por alvo pessoas, locais, objetos ou canais de comunicação. As operações de inteligência se utilizam de várias técnicas operacionais, como comunicações sigilosas, disfarce, eletrônica, entrada, entrevista, estória-cobertura, fotografia, infiltração, OMD, reconhecimento, recrutamento operacional e vigilância.

Embora as operações de inteligência sejam comumente classificadas como um segmento específico da inteligência, juntamente com a inteligência em sentido estrito e a contrainteligência, entendemos que as operações de inteligência e suas


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técnicas operacionais constituem um instrumento de que se vale a atividade de inteligência na busca por dados negados. Esse entendimento é compartilhado por Almeida Neto (2009, p. 58-59): Embora seja comum a utilização da expressão operações “de inteligência” para se referir ao “conjunto de ações planejadas, com o emprego de técnicas operacionais e meios especializados para a realização da busca”, não se vislumbra naquelas, propriamente, um ramo autônomo da inteligência em sentido estrito e da contra-inteligência para a realização da busca de dados negados ou indisponíveis e, em certas situações, para a “neutralização de ações adversas”.

É certo que a atividade de inteligência trabalha com um grande fluxo de dados provenientes de fontes abertas, para os quais não são necessárias técnicas operacionais. Entretanto, um dos elementos distintivos da atividade de inteligência é sua capacidade de obtenção de dados negados, sem a qual ela poderia confundir-se com outros ramos do conhecimento que cuidam da gestão da informação. E essa busca por dados negados é o momento mais crítico no processo de produção de conhecimento da atividade de inteligência, pois, além de envolver medidas potencialmente mais agressivas, ela pode ocorrer nos mais diferentes cenários e está sujeita a inúmeras variáveis, o que a torna uma atividade extremamente complexa e carecedora de minucioso planejamento, com a tomada de medidas detalhadas para assegurar o maior controle e segurança possíveis na busca pelas informações. Entre as técnicas operacionais utilizadas nas ações de busca, vale destacar aqui as mais conhecidas, a saber: a) Comunicações sigilosas: segundo definição da Doutrina Nacional de Inteligência de Segurança Pública (DNISP)1, a técnica em questão “consiste no emprego de formas e processos especiais, convencionados para a transmissão de mensagens ou para passar objetos, no decorrer de uma operação” (BRASIL, 2007) b) Disfarce: é a técnica pela qual o agente, utilizando-se de diferentes recursos, altera sua aparência e, assim, evita o seu reconhecimento (essa técnica geralmente é empregada na técnica de estória-cobertura); c) Entrada: é a técnica utilizada para ingressar em locais de acesso restrito e

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A DNISP utilizada no presente trabalho é a de 2007, não classificada, ao contrário da DNISP de 2009.


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obter dados que neles se encontrem, sem deixar sinais; d) Entrevista: consiste em uma “conversação, mantida com propósitos definidos, planejada e controlada pelo entrevistador”, de acordo com a definição da DNISP (BRASIL, 2007); e) Estória-cobertura: é o emprego de dissimulação, com o escopo de ocultar as identidades dos agentes e as intenções do órgão de inteligência, a fim de facilitar a obtenção de dados e, ao mesmo tempo, permitir que a operação corra com segurança e de modo sigiloso; f) Fotografia: é registro de imagens feito com equipamentos fotográficos; g) Foto-interpretação: técnica utilizada para “identificar os significados das imagens obtidas” (BRASIL, 2007) h) Interceptações de comunicações: técnica que, a partir do uso de equipamentos adequados, permite a interceptação e captação de sinais e dados transmitidos por diferentes meios; i) OMD – observação, memorização e descrição: diz respeito ao exame, minucioso e atento, de pessoas, locais, fatos ou objetos, por meio da máxima utilização dos sentidos, de modo a transmitir dados com o maior detalhamento possível; j) Reconhecimento: visa à coleta de dados de pessoas ou do ambiente operacional, ainda no estágio de planejamento de determinada operação; k) Recrutamento operacional: essa técnica diz respeito ao processo de convencimento de uma pessoa estranha ao órgão de inteligência, para que colabore com o órgão; l) Vigilância: é a manutenção de um ou mais alvos sob constante observação. Embora muitos se refiram à infiltração, ou seja, à colocação de uma pessoa junto ao alvo, como técnica operacional, acreditamos que ela, na verdade, é um procedimento operacional, que envolve o emprego de diversas técnicas, tais como estória-cobertura, OMD, vigilância etc. (ALMEIDA NETO, 2009, p. 61-62). Tendo em vista a complexidade e os inúmeros desdobramentos possíveis das ações de busca, tais ações e as técnicas operacionais devem ser utilizadas apenas de


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modo excepcional. Nesse sentido, Pacheco (2006, p. 82) leciona que “as operações de inteligência não são uma panacéia para “satisfazer” necessidades informacionais, razão pela qual devem ser cuidadosamente sopesadas sua necessidade, adequação aos fins, viabilidade, custos e riscos”.

2.4 O ciclo da inteligência O ciclo da inteligência é o conjunto de etapas que compõem o processo por meio do qual a inteligência obtém informações e as transforma em conhecimento apto a auxiliar um tomador de decisões em determinado nível. Existem várias descrições sobre o ciclo da inteligência, e geralmente elas diferenciam umas das outras pelo número de etapas identificadas dentro do processo. No entanto, a divergência no número de etapas não torna essas classificações essencialmente diferentes, já que algumas descrições do ciclo da inteligência agrupam etapas que, em outras descrições, são desmembradas. Segundo Cepik (2003, p. 32), a doutrina chega a identificar até dez diferentes etapas no ciclo da inteligência, a saber: 1. Requerimentos informacionais. 2. Planejamento. 3. Gerenciamento de meios técnicos de coleta. 4. Coleta a partir de fontes singulares. 5. Processamento. 6. Análise das informações obtidas de fontes diversas. 7. Produção de relatórios, informes e estudos. 8. Disseminação dos produtos. 9. Consumo pelos usuários. 10. Avaliação ou feedback.

No entanto, de acordo com Cepik (2003, p. 32), existem basicamente duas etapas fundamentais no ciclo da inteligência, quais sejam: a) a fase de coleta e busca (single sources), que diz respeito às fontes e meios utilizados para a obtenção de informações; b) a fase de análise (all-sources), em que ocorre a transformação das informações obtidas em conhecimento, por meio da análise das informações obtidas e a elaboração e disseminação de um produto final (geralmente, um relatório de inteligência), seguindo a metodologia própria da inteligência.

A fase de coleta e busca engloba as etapas de demanda pela informação, em que são feitos os requerimentos informacionais, assim como o planejamento e gerenciamento dos meios de coleta e busca, além, é claro, da fase de coleta e busca das


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informações e o seu processamento. Vale destacar que a diferença conceitual entre os termos coleta e busca, no campo da inteligência, reside no fato de que a coleta se refere à obtenção de informações de fontes abertas, de acesso irrestrito, ao passo que a busca diz respeito a informações sigilosas, a dados “negados”. Na fase de análise, por seu turno, podem ser incluídas as etapas de análise das informações obtidas, bem como as etapas de produção (produção de conhecimento, através da elaboração de relatórios, informes e estudos), disseminação, consumo e avaliação do conhecimento produzido. A doutrina estadunidense de inteligência, em geral, segundo Gonçalves (2009, p. 67/68), considera que o processo de inteligência é composto por cinco etapas: 1) planejamento e direção; 2) reunião (essa fase envolve a coleta e a busca de informações); 3) processamento; 4) análise e produção; 5) disseminação. Já a doutrina brasileira de inteligência, de acordo com Gonçalves (2009, p. 69), vê três grandes etapas no ciclo da inteligência: orientação, produção e difusão. A fase de orientação refere-se às demandas informacionais do usuário da inteligência, ou seja, o agente responsável pela tomada de decisão. A fase de produção, por sua vez, corresponde à essência da atividade de inteligência, porquanto é nela que os serviços de inteligência, a partir de orientações do cliente ou de diretrizes previamente estabelecidas, atuam para obter dados e, após o processamento e análise, convertem as informações obtidas em um produto final, ou seja, em um conhecimento de inteligência apto a ser disseminado e utilizado no processo decisório. A etapa de difusão, por seu turno, corresponde à disseminação do conhecimento produzido ao usuário final. No entanto, Gonçalves (2009, p. 74) entende que a difusão seria o passo final da etapa de produção de conhecimento, e pontifica que, após o encerramento dessa etapa, o ciclo da inteligência é finalizado na etapa por ele denominada “utilização”, em que o conhecimento produzido pela inteligência é utilizado pelo cliente final, sendo certo que essa utilização possibilita a retroalimentação do sistema. Do exposto, vê-se que não há consenso sobre o número e a denominação


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das fases que compõem o ciclo da inteligência, mas pode-se perceber que há uma espinha dorsal de métodos que norteiam o ciclo da atividade, de sorte que, independentemente da quantidade de fases que cada autor identifica no ciclo da inteligência, o dado mais importante é que, na prática, o conjunto de métodos do ciclo da inteligência seja fielmente seguido, com rigor no planejamento e execução dos procedimentos e obediência aos princípios norteadores da atividade, que serão mostrados na sequência.

2.5 Princípios da inteligência Os princípios da inteligência são os vetores que orientam a atividade de inteligência, sendo de grande relevância para a atividade, uma vez que possuem “aplicação geral” (ALMEIDA NETO, 2009, p. 67). Não existe unanimidade acerca dos princípios norteadores da atividade de inteligência, mas, segundo Gonçalves (2009, p. 95-98), podem ser destacados os seguintes princípios: objetividade, oportunidade, segurança, imparcialidade, controle, clareza, simplicidade e amplitude. Para Gonçalves (2009, p. 95-96), os princípios da objetividade, oportunidade, segurança, imparcialidade e controle compõem um eixo de princípios fundamentais da inteligência, com acentuada influência sobre a atividade em questão (2009, p. 95-96), ao passo que os demais, embora importantes, são agrupados num bloco secundário. O princípio da objetividade preconiza que a inteligência deve ter utilidade e deve ser apresentada ao tomador de decisão sob a forma de um produto preciso, claro e conciso. Além disso, esse princípio abarca a ideia de que toda ação de inteligência deve ser desenvolvida em função dos objetivos almejados pela ação, não devendo deles desviar. Já o princípio da oportunidade aponta para a necessidade de que a atividade de inteligência elabore e dissemine seu produto em prazo que permita ao cliente final, o tomador de decisão, fazer uso completo e adequado do conhecimento obtido. Esse princípio expõe ainda mais o caráter acessório da atividade de inteligência, pois


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demonstra que de nada adianta um produto de excelente qualidade, se ele não puder ser usado a contento. A título de exemplo, pode-se afirmar que de nada adiantaria um relatório que antecipasse a realização de atentados terroristas promovidos por determinada organização terrorista, como os praticados no metrô de Madri, em 2004, se esse relatório não fosse difundido a tempo para os tomadores de decisão responsáveis por tomar as medidas que poderiam evitar os ataques. O princípio da segurança, na lição de Gonçalves (2009, p. 96-97), preconiza que o ciclo de produção de conhecimento da inteligência deve ocorrer sob a égide do sigilo, de modo a restringir o acesso a essa Inteligência apenas ao mínimo necessário de pessoas que devam tomar contato com o processo de produção de conhecimento da atividade de inteligência. Assim, esse princípio traz em seu bojo a ideia de que o sigilo é componente essencial da inteligência, o que explica, inclusive, a necessidade de classificação de documentos produzidos pelos serviços de inteligência, assim como os procedimentos adotados para a salvaguarda e proteção de instalações e de pessoal, cujo escopo é a segurança das informações. O princípio da imparcialidade, outro vetor fundamental da inteligência, impõe, na visão de Almeida Neto (2009, p. 69), que a atividade de inteligência seja exercida livre de motivações pessoais, principalmente ideológicas, uma vez que esses elementos podem conduzir a um resultado preordenado e, assim, deturpar o produto da atividade. Aliás, sobre o princípio da imparcialidade, é importante destacar que a atividade de inteligência é primordialmente uma função de Estado e que, assim sendo, a inteligência deve servir ao bem comum, o que evidencia o risco do uso ideológico da atividade, reforçando ainda mais a necessidade da sua imparcialidade. Noutra banda, se de um lado a inteligência é informada pelo princípio da segurança, o seu caráter de função de Estado traz a necessidade de que a atividade, a par de ser submetida a um controle interno nas suas etapas de planejamento e execução, seja submetida a um controle externo, realizado pelo Poder Legislativo, para assegurar um grau desejável de transparência no desenvolvimento da atividade, que deve sempre servir aos ideais democráticos. Essa necessidade de controle da atividade, tanto interno quanto externo, traduz a ideia contida no princípio do controle.


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Outro princípio importante da inteligência é o da clareza, segundo o qual o produto da inteligência deve ser claro e conciso, não deixando dúvidas de interpretação em relação aos documentos elaborados. Tal princípio guarda íntima relação com o princípio da objetividade. O princípio da simplicidade guarda estreita relação com o princípio da clareza e preconiza que o produto da inteligência seja de fácil compreensão e dispense elementos supérfluos, como adjetivações, que possam dificultar a assimilação do conhecimento pelo tomador de decisão. Essa simplicidade, no entanto, não pode afetar um outro aspecto importante da atividade: a amplitude. Segundo o princípio da amplitude, a atividade de inteligência deve abarcar o fenômeno da forma mais completa possível, para que o produto contemple a maior gama possível de aspectos a ele associados. No entanto, a busca pela amplitude deve levar em conta o prazo disponível para a tomada de decisão, ou seja, o princípio da oportunidade. Além desses princípios identificados por Gonçalves, o autor também destaca a ética e o respeito aos valores democráticos como princípios norteadores da atividade (2009, p. 99-100). No mais, também é importante destacar outro princípio, mencionado por Almeida Neto (2009, p. 70), de fundamental importância para a inteligência, qual seja, o da interação, segundo o qual a atividade deve ser desenvolvida em estreita cooperação com outros órgãos e agências de inteligência, de modo a viabilizar um fluxo maior de informações, o que potencializa a capacidade de produção de conhecimento da inteligência.

2.6 Classificação da atividade de inteligência Embora a atividade de inteligência seja tradicionalmente associada a questões de interesse nacional ou de estratégia militar, seu escopo é bastante abrangente, podendo a atividade de inteligência auxiliar o processo decisório de diferentes níveis e atividades. Diante dessa multiplicidade de empregos que a atividade de inteligência


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oferece, a doutrina estabeleceu alguns critérios de classificação da atividade, que geralmente diferenciam as atividades de inteligência segundo seu escopo de atuação. Jeffrey Richelson, conforme lembra Gonçalves (2009, p. 21), identifica algumas categorias de inteligência, a saber: política, militar, científica e técnica, sociológica, econômica e ambiental. Há várias outras classificações concebidas por renomados doutrinadores da área, mas todas elas identificam distintas categorias de inteligência que extrapolam o âmbito da inteligência clássica. A inteligência clássica ou de Estado é aquela que visa ao assessoramento de chefes de Estado ou de governo na tomada de decisões sobre questões de Estado, tais como política externa, soberania e defesa nacional, formulação de políticas públicas, dentre outras. A atividade de inteligência clássica pode, ainda, ser subdividida em dois grupos: inteligência militar de Estado (nesse caso, a atividade tem por escopo subsidiar a tomada de decisões sobre questões ligadas à defesa do Estado, tendo sido amplamente utilizada, na história, em períodos de guerra) e inteligência civil de Estado (essa modalidade de inteligência de Estado tem por escopo auxiliar o chefe de Estado ou de governo em questões de Estado que não tenham conotação militar, tais como política externa, comércio exterior, formulação de políticas públicas etc.). A inteligência de Estado pode, ainda, desdobrar-se em inteligência externa ou interna, conforme o âmbito territorial de atuação da atividade (a atividade de inteligência com foco em territórios estrangeiros é denominada, por esse critério, como inteligência externa, ao passo que a inteligência focada no ambiente doméstico é inteligência interna). Outra modalidade importante de inteligência é a inteligência de segurança pública, cujo escopo é o de auxiliar o processo decisório em matérias ligadas à segurança pública. Essa modalidade de inteligência, segundo Almeida Neto (2009, p. 63), abrange os segmentos da inteligência policial (exercida pelas polícias preventivas e pelas policiais civis), inteligência fiscal (desempenhada por autarquias e órgãos fazendários, como a Receita Federal), inteligência financeira (exercida pelas unidades de inteligência financeira, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF –, e de grande utilidade no combate à lavagem de dinheiro) e inteligência


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ministerial de segurança pública, a qual é desempenhada no âmbito do Ministério Público, com o escopo de assessorá-lo em decisões referentes à esfera criminal. Vale ressaltar, no entanto, que a atividade de inteligência ministerial possui um espectro mais abrangente que o da segurança pública, pois essa atividade pode auxiliar o Ministério Público não só na tomada de decisões referentes à área criminal, mas também nas suas outras áreas de atuação, como defesa do patrimônio público e do meio ambiente. Além dessas modalidades de inteligência, que possuem em comum a característica de serem exercidas pelo Poder Público, a doutrina, ou pelo menos parte significativa dela, reconhece que a atividade de inteligência também é exercida pelo setor privado, em uma modalidade denominada inteligência competitiva. Aliás, apesar de a matéria ser tratada com sigilo, é sabido que grandes corporações lançam mão de técnicas desenvolvidas pela atividade de inteligência para obter conhecimentos de empresas adversárias e, assim, neutralizar ou prejudicar a concorrência. Essa prática deriva do fato de que as empresas convivem em um ambiente extremamente competitivo, num cenário em que a inovação e o conhecimento são fatores essenciais não para o crescimento, mas para a própria sobrevivência da empresa. Nesse contexto, muitas empresas também incorporam aos seus organogramas departamentos de contrainteligência, com o fito de preservar seus conhecimentos, pessoa e instalações e assegurar-se contra investidas de concorrentes. Outra classificação importante da inteligência diz respeito à inteligência estratégica e à inteligência tática. Por inteligência estratégica, entende-se como a atividade de inteligência orientada ao assessoramento de processos decisórios referentes a questões abrangentes e que geralmente repercutem no planejamento e na organização de uma determinada entidade, possibilitando, inclusive, decisões sobre formulações de políticas e de estratégias para o futuro. A inteligência tática, por seu turno, auxilia a tomada de decisões num âmbito mais restrito, referente a situações delimitadas que se encontrem no rol de competências ou atribuições de determinado ente ou organização, sem que isso tenha repercussões estratégicas para a entidade. No presente trabalho, mais adiante, serão analisados de forma mais detalhada a inteligência de segurança pública – dentro do seu sentido mais restrito, em


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que ela corresponde à inteligência policial ou criminal – e a inteligência ministerial, haja vista que são essas as modalidades de inteligência que guardam maior conexão com o tema da pesquisa.

2.7 A atividade de inteligência no Brasil Após o término do “regime militar” que governou o Brasil entre 1964 e 1985, a atividade de inteligência sofreu um período de ostracismo no país, pois, no período ditatorial, a atividade, exercida pelo Serviço Nacional de Informações, era especialmente direcionada à repressão aos opositores políticos do governo. Já em 1999, no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi promulgada a Lei nº 9.883/1999, que instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) – regulamentado pelo Decreto nº 4.376/2002 – e criou Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), órgão central do sistema. A referida lei conferiu ao SISBIN a função de integrar as ações de planejamento e execução das atividades de inteligência do país, com o escopo de assessorar o presidente da República em assuntos de interesse nacional. Assim, pode-se dizer que o SISBIN coordena a atividade de inteligência “clássica”, ou seja, inteligência “de estado”, que é desempenhada precipuamente pela ABIN. Como já dito, o órgão central do SISBIN é a ABIN, que é subordinada ao Gabinete de Segurança Institucional do Presidente da República e que tem como missão, a teor do artigo 3º da Lei n° 9.883/1999, “planejar, executar, coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do País” (BRASIL, 1999). A composição do SISBIN é bem ampla, tendo sido definida, no âmbito da Administração Pública Federal, pelo Decreto nº 4.376/2002, o qual, a par de dispor sobre a composição do SISBIN no âmbito federal, também previu a possibilidade de inclusão de Unidades da Federação no sistema, mediante ajustes específicos ou convênios. No âmbito federal, o SISBIN – seja por meio de gabinetes, secretarias, departamentos e outros órgãos internos – é composto pelos seguintes órgãos: Casa Civil; Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República; Agência


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Brasileira de Inteligência; Ministérios da Justiça, da Defesa, das Relações Exteriores, da Fazenda, do Trabalho e do Emprego, da Saúde, da Previdência Social, da Ciência e da Tecnologia, do Meio Ambiente e da Integração Nacional; Controladoria-Geral da União. Vê-se, pois, que o legislador teve a nítida preocupação de dar capilaridade ao SISBIN, qualidade essencial para permitir um maior intercâmbio de informações e de conhecimento, de modo a potencializar a eficiência do sistema. Outra característica importante do SISBIN diz respeito aos seus fundamentos. Segundo o artigo 1º, § 1º, da Lei 9.883/1999, são fundamentos do sistema em questão: a preservação da soberania nacional; a defesa do Estado Democrático de Direito; a dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1999). A par desses princípios, o dispositivo legal em comento estabelece que o SISBIN deve cumprir e preservar os direitos e garantias individuais e demais dispositivos da Constituição Federal, os tratados, convenções, acordos, e ajustes internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte ou signatário, e a legislação ordinária [BRASIL, 1999].

A propósito, ao comentar a Lei n° 9.883/1999, Gonçalves (2009, p. 107) assevera o seguinte: Com isso, o legislador deixa evidenciado que a atividade de inteligência no Brasil deve ser conduzida dentro dos princípios democráticos e respeitando direitos humanos fundamentais. Entende-se com o dispositivo, ainda, que pode haver, sim, atividade de inteligência em um regime democrático, e que aqueles que a exercem têm a obrigação de respeitar os princípios do Estado democrático de direito e a legislação constitucional e infraconstitucional em vigor.

Assim, embora a atividade de inteligência seja caracterizada pelo sigilo e tenha grande potencial de interferência nos direitos do indivíduo, tal atividade não só é plenamente compatível com o Estado Democrático e com os direitos fundamentais, como também necessária para a manutenção destes (GONÇALVES, 2009, p. 101), de modo que a atividade é desenvolvida e regulamentada nas democracias mais avançadas, como Estados Unidos, Canadá e os países da Europa Ocidental (CEPIK, 2003, p. 187). Entretanto, faz-se mister lembrar que a atividade de inteligência, ainda que sigilosa, deve ser exercida de modo a possibilitar o controle externo, já que tal controle


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é ínsito ao regime democrático e, caso não houvesse controle sobre as atividades de inteligência, poderia haver risco de uso deturpado da atividade por parte de governantes, para a maximização de poder, e de autonomização dos serviços de inteligência, que se poderiam converter num poder paralelo dentro da estrutura estatal (CEPIK, 2003, p. 159). No Brasil, já se tenciona, mediante a Proposta de Emenda à Constituição nº 398/2009, alçar a atividade ao patamar constitucional, mediante a inserção de capítulo especialmente dedicado à atividade de inteligência no texto constitucional. Essa proposta, em sua redação, ratifica a compatibilidade e o compromisso da atividade de inteligência com o Estado Democrático de Direito, com a dignidade da pessoa humana e com o respeito aos direitos e garantias individuais, corroborando a tese de que a inteligência é plenamente compatível com a democracia.


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3 DIREITOS FUNDAMENTAIS 3.1 Conceito A doutrina e os textos constitucionais geralmente utilizam o termo “direitos fundamentais” para designar o conjunto de direitos básicos do homem, frente ao Estado, contemplados pela Constituição (CARVALHO, 2009, p. 702). No entanto, não é apenas o reconhecimento por parte da Constituição que confere aos direitos fundamentais essa qualidade, pois, conforme lembra Almeida Neto (2009, p. 88): impende fazer menção à universalidade de seu reconhecimento e de sua tutela num determinado Estado, pois que tais direitos, por se revelarem essenciais na estruturação de uma determinada comunidade política e pressupostos do convívio social (no patamar histórico que a respectiva comunidade se encontre), devem ser atribuídos a todos enquanto pessoas, cidadãos e/ou pessoas capazes de agir.

Luigi Ferrajoli (2001, p. 291) apud Pacheco (2007, p. 10), em sua apreciada definição sobre direitos fundamentais, corrobora esse caráter universal dos direitos fundamentais, dizendo que “são direitos fundamentais aqueles direitos subjetivos que as normas de um determinado ordenamento jurídico atribuem universalmente a todos enquanto pessoas, cidadãos e/ou pessoas capazes de agir”. Apesar da sua universalidade dentro de determinado Estado, os direitos fundamentais variam de acordo com as peculiaridades de cada país, conforme pondera Bonavides (2006, p. 561), apoiado nas lições de Carl Schmitt: [...] os direitos fundamentais, segundo Schmitt, variam conforme a ideologia, a modalidade de Estado, a espécie de valores e princípios que a Constituição consagra. Em suma, cada Estado tem seus direitos fundamentais específicos.

No caso do Brasil, os direitos fundamentais relacionam-se intimamente com o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado pelo artigo 1º, III, da Constituição Federal, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Nesse sentido, leciona Kildare Gonçalves Carvalho (2009, p. 672): A dignidade da pessoa humana significa ser ela, diferentemente das coisas, um ser que deve ser tratado e considerado como um fim em si mesmo, e não para a obtenção de algum resultado, sendo que tal princípio decorre do fato


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de que, por ser racional, a pessoa é capaz de viver em condições de autonomia e de guiar-se pelas leis que ela própria edita.

Ainda segundo Carvalho (2009, p. 672), a consagração do princípio da dignidade da pessoa humana, no âmbito da Constituição Federal, “significa não só um reconhecimento do valor do homem em sua dimensão de liberdade, como também de que o próprio Estado se constrói com base nesse princípio”, razão pela qual toda a ordem jurídica é informada pelo princípio da dignidade da pessoa humana, de modo que “os direitos fundamentais constituem, por isso mesmo, explicitações da dignidade da pessoa, já que em cada direito fundamental há um conteúdo e uma projeção da dignidade da pessoa” (CARVALHO, 2009, p. 675). Há que se registrar que, apesar da menção genérica a direitos fundamentais, a nossa Constituição Federal utiliza uma série de termos para designar direitos fundamentais, tais como: a) direitos e garantias fundamentais (epígrafe do Título II e art. 5º, § 1º, da CR; b) direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI); c) direitos e liberdades constitucionais (art. 5º, LXXI); d) direitos fundamentais da pessoa humana (art. 17, caput); e) direitos da pessoa humana (art. 34, VII, b); f) direitos assegurados nesta Constituição (art. 129, II) (PACHECO, 2007, p. 11). Várias outras terminologias que se referem aos direitos fundamentais podem ser encontradas no texto constitucional, e, diante dessa variedade de expressões, Ingo Wolfgang Sarlet, como anota Denilson Feitoza Pacheco, prefere utilizar a expressão “direitos e garantias fundamentais” para abarcar todos esses entes normativos (2007, p. 12). Segundo Carvalho (2009, p. 714), a distinção entre direitos e garantias, no ordenamento brasileiro, remonta a Rui Barbosa, para quem “os direitos são disposições meramente declaratórias, imprimindo existência legal aos bens e valores por elas reconhecidos, enquanto as garantias são disposições assecuratórias que têm por finalidade proteger direitos. Embora grande parte da doutrina estabeleça diferenças entre direitos e garantias fundamentais, vale trazer a lição de José Joaquim Gomes Canotilho (1998, p.362) apud Carvalho (2009, p. 714), que assim discorre sobre garantias e direitos: rigorosamente, as clássicas garantias são também direitos, embora muitas


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vezes se salientasse nelas o caráter instrumental de proteção dos direitos. As garantias traduziam-se quer no direito dos cidadãos a exigir dos poderes públicos a proteção dos seus direitos, quer no reconhecimento de meios processuais adequados a essa finalidade.

Essa perspectiva de reconhecimento das normas constitucionais de garantia como direitos fundamentais é compartilhada por Denilson Feitoza Pacheco (2007, p. 12), para quem, apesar de as garantias serem conexas aos direitos fundamentais que almejam garantir, elas também podem ser consideradas direitos fundamentais, visão que compartilhamos e que nos leva, no presente trabalho, a utilizar a expressão direitos fundamentais para designar o conjunto de direitos e garantias básicas dos indivíduos (direitos subjetivos), reconhecido universalmente pela nossa Constituição.

3.2 Funções Os direitos fundamentais possuem um caráter multifuncional, sobre o qual discorrem muitos autores. Segundo Canotilho (1998, p. 373-376) apud Carvalho (2009, p. 720-721), os direitos fundamentais possuem as seguintes funções: 1) função de defesa ou de liberdade, que estabelece aos poderes públicos proibições à interferência na esfera jurídica individual e confere ao indivíduo o poder de exercer seus direitos fundamentais e de exigir do Estado que respeite a sua esfera jurídica, omitindo-se sempre que isso for necessário para evitar ingerências indevidas na liberdade do indivíduo; 2) função de prestação social, através da qual o particular pode exigir do Estado as prestações necessárias à concretização dos seus direitos, tais como saúde e educação; 3) função de proteção perante terceiros, que confere ao Estado o dever de proteger os direitos fundamentais de todos os indivíduos, a fim de que seus direitos não sejam violados por outros indivíduos; 4) função de não-discriminação, traduzida pelo dever estatal de tratar todos os cidadãos de forma igualitária, sem o estabelecimento de discriminações ou de preferências. No que concerne à função de defesa dos direitos fundamentais, vale lembrar que essa função está intimamente ligada à concepção liberal sobre direitos fundamentais, para a qual “os direitos fundamentais constituem, em primeiro plano,


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direitos de defesa do indivíduo contra ingerências do Estado em sua liberdade pessoal e propriedade” (SARLET, 2003, p. 175). Esse papel de defesa exercido pelos direitos fundamentais é coerente com o conceito ocidental de democracia, segundo o qual o poder deve ser exercido em nome do povo e com limitações a esse exercício, de modo a não violar direitos e garantias individuais e coletivas, do cidadão em relação aos demais cidadãos e frente ao próprio Estado (MORAES, 2001, p. 56). Nessa ótica, Canotilho (1993, p. 541) apud Moraes (2001, p. 56), ensina que os direitos fundamentais exercem função de defesa dos direitos dos cidadãos sob uma dupla perpectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objectivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjectivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).

No que tange à função de prestação social dos direitos fundamentais, também referida pela doutrina como direito a prestações, Ingo Wolfgang Sarlet (2003, p. 195) lembra que o Estado não deve apenas limitar-se a não ingerir na esfera de liberdade pessoal dos indivíduos, mas que ele deve fornecer os meios materiais e criar as condições adequadas para o pleno exercício das liberdades fundamentais, de sorte que essa função de prestação exige uma postura ativa do Estado, diferentemente do que ocorre em relação aos direitos de defesa, que demandam uma postura de respeito e abstenção por parte do Estado. Essa função de prestação social dos direitos fundamentais está intimamente ligada aos direitos fundamentais de segunda geração, tais como saúde e educação, que surgiram com o advento do Estado social. Com relação à função de não-discriminação dos direitos fundamentais, pode-se dizer que essa função é corolário do princípio da igualdade, segundo o qual cabe ao Estado tratar seus cidadãos de forma igualitária (ALMEIDA NETO, 2009, p. 92), já que, como assevera José Afonso da Silva (2008, p. 211), “a igualdade constitui o signo fundamental da democracia”, sendo incompatível com “os privilégios e distinções”.


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A função de proteção exercida pelos direitos fundamentais, por seu turno, decorre do fato de que a vida em sociedade não transcorre em perfeita harmonia, de modo que os direitos fundamentais do indivíduo são suscetíveis de violações por terceiros. Nesse contexto, reportamo-nos à lição de Ingo Wolfgang Sarlet (2003, p. 201-202): Ao Estado, em decorrência do dever geral de efetivação dos direitos fundamentais, incumbe zelar – inclusive em caráter preventivo – pela proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos, não só contra ingerências indevidas por parte dos poderes públicos, mas também contra agressões provindas de particulares e até mesmo de outros Estados, dever este que, por sua vez, desemboca na obrigação de adotar medidas positivas com vista a garantir e proteger de forma efetiva a fruição dos direitos fundamentais

Lênio Luiz Streck (2010), reportando-se a João Baptista Machado, afirma: O princípio do Estado de Direito, neste momento histórico, não exige apenas a garantia da defesa de direitos e liberdades contra o Estado: exige, também, a defesa dos mesmos contra quaisquer poderes sociais de fato. Desse modo, ainda com o pensador português, é possível afirmar que a idéia de Estado de Direito demite-se da sua função quando se abstém de recorrer aos meios preventivos e repressivos que se mostrem indispensáveis à tutela da segurança, dos direitos e das liberdades dos cidadãos.

Assim, para assegurar a todos o exercício dos seus direitos fundamentais, o Estado deve utilizar-se de mecanismos para a prevenção e repressão de atos de violação desses direitos. Em relação às funções de defesa e de proteção dos direitos fundamentais, há que se registrar que elas geram uma necessidade de atuação proporcional do Estado, desdobrada em duas perspectivas de difícil conciliação, traduzidas pelos princípios da proibição de proteção deficiente (Untermaßverbot) e de proibição de excesso (Übermaßverbot), concebidos pela doutrina germânica, e segundo os quais o Estado não pode prestar uma proteção deficiente aos direitos fundamentais, devendo lançar mão de todos os meios adequados a essa finalidade (atividades de prevenção e repressão, inclusive policiamento, sanções administrativas e tutela penal, conhecidas como garantismo positivo), sendo que, por outro lado, não pode exceder nessa tarefa de proteção, ingerindo indevidamente no exercício das liberdades do cidadão (garantismo negativo) (STRECK, 2010).


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3.3 A relatividade dos direitos fundamentais Os direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal não são absolutos, pois o exercício dos direitos, pelo cidadão, deve ser exercido em harmonia com os direitos das demais pessoas, ou seja, do restante da coletividade. Assim, cada indivíduo pode exercer livremente seus direitos fundamentais, mas desde que esse exercício não seja nocivo aos direitos de outros indivíduos e da coletividade, já que a harmonia social é um dos fundamentos do Estado brasileiro, consoante o preâmbulo da Constituição, sendo certo que todos os direitos fundamentais devem ser exercidos na perspectiva de construção de uma sociedade livre, justa e solidária, já que esse é um dos objetivos do nosso Estado, consoante o art. 3°, I, da Constituição Federal. Nesse sentido, aliás, vale trazer à baila a lição de Moraes (2001, p. 58-59): Os direitos humanos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5° da Constituição Federal, não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. Os direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal, portanto, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Magna (Princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas).

Vários são os exemplos dessa relatividade dos direitos fundamentais na nossa Constituição, tais como a possibilidade de interceptação de comunicações telefônicas, que interferem no direito à privacidade, ou a possibilidade de desapropriações, que interferem no direito à propriedade. No entanto, uma evidência que bem ilustra esse caráter relativo dos direitos fundamentais é o fato de que, em seu artigo 5°, XLVI, “a”, a Carta Magna prevê que caberá a lei regular penas de privação e restrição da liberdade, o que deixa claro que esse direito fundamental (a liberdade) é relativo e pode ter seu exercício restringido pelo Estado, caso o indivíduo viole as regras de conduta impostas a todos e incida na prática de crime, ao qual seja cominada pena privativa ou restritiva de liberdade. A Convenção Americana de Direitos Humanos, de 1969, mais conhecida


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como Pacto de São José da Costa Rica, em seu artigo 32, enuncia o caráter relativo dos direitos fundamentais, ao dispor que “toda pessoa tem deveres para com a família, a comunidade e a humanidade” e que “direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos dos demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, em uma sociedade democrática”.


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4 SEGURANÇA PÚBLICA 4.1 Conceito Embora a convivência harmônica em sociedade seja uma meta perseguida pelo Estado, a vida em sociedade, como é sabido, está longe desse ideal de harmonia, sendo certo que qualquer sociedade, por mais avançada que seja, registra tensões entre seus componentes, as quais muitas vezes se traduzem em práticas criminosas, com violações de bens jurídicos de determinados indivíduos por parte de seus semelhantes. Nessa perspectiva, o Estado deve lançar mão de meios para proteger os direitos fundamentais de toda a coletividade e manter a ordem pública, razão pela qual deve desempenhar a atividade de segurança pública. A segurança pública pode ser conceituada como uma atividade que é desenvolvida pelo Estado, que “destina-se a empreender ações e oferecer estímulos positivos para que os cidadãos possam conviver, trabalhar, produzir e usufruir o lazer” (CÂMARA, 2003, p. 350). Essas ações e estímulos que o Estado empreende no campo da segurança pública traduzem-se, sobretudo, na utilização de mecanismos de prevenção e repressão a atos criminosos, sendo possível afirmar que “o combate à criminalidade constitui uma atribuição estruturante do Estado nas sociedades contemporâneas” (SAPORI, 2007, p.17). Nesse contexto, e considerando que um dos objetivos da República Federativa do Brasil é o de assegurar os direitos sociais e individuais e, assim, viabilizar o bem-estar do indivíduo e a harmonia em sociedade, a Constituição Federal dedicou um capítulo especialmente à segurança pública, tendo consignado, em seu artigo 144, caput, que a segurança pública é “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”, sendo exercida através da polícia federal, da polícia rodoviária federal, da polícia ferroviária federal, e, nos estados, através das polícias civis e das polícias militares e corpos de bombeiros militares. As instituições que atuam na área da segurança pública têm a incumbência de inibir, neutralizar ou reprimir a prática de atos anti-sociais, de modo a assegurar a


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proteção coletiva e, consequentemente, dos bens e serviços públicos (CÂMARA, 2003, p. 350). No âmbito federal, as instituições que atuam no campo da segurança pública são responsáveis por apurar e reprimir crimes contra a ordem política e social ou em detrimento dos bens e interesses da União, assim como o tráfico ilícito de entorpecentes e outros delitos de repercussão interestadual ou internacional. Já no âmbito dos estados federados, a segurança pública é atribuição das Secretarias de Segurança Pública e das Polícias Militar e Civil, que atuam na prevenção e repressão dos delitos que não são de responsabilidade das instituições federais. Mas, apesar de, num sentido restrito, o sistema de segurança pública abranger apenas as instituições policiais enumeradas no artigo 144 da Constituição Federal, é patente que, numa visão mais ampla, Ministério Público, Poder Judiciário e a sociedade também compõem o sistema (RODRIGUES, 2008, p. 31). Na verdade, a redação da Carta Magna é fruto de um contexto histórico desprovido de uma visão suficientemente ampla do problema da criminalidade - o qual está em constante mutação e, como tal, é hoje diferente do observado à época da promulgação da Constituição -, que se tornou muito mais complexo e desafiador, ensejando uma atuação integrada e articulada de todos os atores envolvidos na prevenção e repressão da criminalidade, de modo que não se pode conceber que a segurança pública seja tratada sob uma ótica estreita, que desconsidere o papel exercido pelo Ministério Público, pelo Poder Judiciário e pela própria sociedade. Nesse sentido, é a lição de Carlos Alberto Batista (2007) apud Rodrigues (2008, p. 31-32): o problema da violência é multifacetado e só poder ser equacionado a partir de um trabalho conceitual e prático de natureza interdisciplinar. O isolamento do aparelho policial e da segurança como um todo, das outras entidades estatais, faz com que nunca se possa compreender a natureza da criminalidade e da violência, combatendo-as sempre da mesma forma pelo uso da força, de investigações viciadas e alocações de dispositivos repressivos para a consecução de informações. Assim, nem a criminalidade, nem a violência são compreendidas e racionalmente enfrentadas, nem a sociedade se adapta para enfrentar os desafios contemporâneos nessa área.

Paulo Sette Câmara (2003, p. 352), por seu turno, ao discorrer sobre defesa social e segurança pública, corrobora essa perspectiva ampliativa da noção de segurança


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pública: Segurança pública não se restringe à atividade policial, como se consagrou neste país. Vemos segurança pública como o dever do Estado de proteger a sociedade dos riscos diretos a que o cidadão está exposto, passando pelos quase-crimes, englobando a atividade policial na prevenção e repressão à criminalidade, perpassando as atividades do Ministério Público e da Justiça, até alcançar o sistema penal. A estas se somam as políticas públicas que influenciam a redução de riscos no ambiente social, equacionem situações conflitivas, fortaleçam a cidadania e conduzam à paz social.

Não se está aqui a desconsiderar o importante papel das polícias na prevenção e na repressão ao crime. No entanto, é preciso salientar que as medidas proativas que previnem as situações de conflitos individuais e coletivos, ou que dificultam práticas criminosas, ou, ainda, que influenciam o comportamento positivo do cidadão, estão nas mãos da União, dos Estados e, especialmente, dos Municípios, porém fora da polícia. Essas medidas envolvem ampla gama de ações que vão desde a eficiência do aparelho judicial – o que envolve o Poder Judiciário e o Ministério Público – até soluções eminentemente localizadas, como o controle do tráfego ou a iluminação das ruas, ou, ainda, lugares para deixar a criança enquanto os pais trabalham (CÂMARA, 2003, p. 354).

Em suma, pode-se afirmar que a segurança pública transcende a atividade dos órgãos policiais referidos pelo artigo 144 da Constituição Federal e hoje abarca um rol muito mais amplo de atores, entre os quais se inclui o Ministério Público.

4.2 A segurança pública como direito fundamental Desde os primórdios da história da humanidade, em que o homem vivia em tribos, passando pelos impérios da antiguidade e pelo Estado moderno, o direito à segurança pública sempre se fez presente, fazendo com que o poder político sempre detivesse uma instituição voltada para a imposição do respeito às normas pelos indivíduos e a prevenção e repressão a atos criminosos, com o escopo maior de preservação da ordem pública (SANTIN, 2004, p. 76). Ao longo da história, a identificação da segurança pública como direito fundamental é bem perceptível, e há registros do direito à segurança em todas as gerações de direitos fundamentais, conforme sustenta Valter Foleto Santin (2004, p. 78): em qualquer análise de geração ou onda de direitos não se pode prescindir da inclusão e atenção do direito à segurança pública, pela sua grande


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importância para a vida em sociedade, principalmente no momento atual em que a violência e a criminalidade explodem no mundo e no Brasil, especialmente em nossas cidades grandes e médias [...]

Esse caráter essencial da segurança pública é reconhecido no âmbito jurídico e, ainda, por sociólogos de destaque, como Luiz Flávio Sapori (2007, p. 17), para quem “a manutenção da ordem pública é, indubitavelmente, um dos principais bens coletivos da sociedade moderna”. No âmbito da Constituição Federal do Brasil, a análise de Valter Foleto Santin (2004, p. 80-81) evidencia que a segurança pública é um direito fundamental: Na sua dimensão atual, o direito à segurança pública tem previsão expressa na Constituição Federal do Brasil (preâmbulo, arts. 5º, 6º e 144) e decorre do Estado Democrático de Direito (cidadania e dignidade da pessoa humana, art. 1º, II e III, CF) e dos objetivos fundamentais da República (sociedade livre, justa e solidária e bem de todos, art. 3º, I e IV), com garantia do recebimento de serviços respectivos. A segurança pública é considerada dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, destinada à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144, caput, CF), que implicam num meio de garantia da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, direitos e garantias fundamentais do cidadão (art. 5º, caput, CF). Os valores protegidos também são considerados direitos humanos, pela garantia do direito à vida (art. 4º), direito à integridade pessoal (art. 5º), direito à liberdade pessoal (art. 7º), direito à propriedade privada (art. 21) e direito de circulação e de residência (art. 22), previstos na Convenção Americana dos Direitos Humanos, Pacto de São José, em vigor no Brasil por força do Decreto Legislativo 27, e Decreto 678, de 1992, o que evidencia que o direito à segurança pública tem característica de direito humano, pelos valores que protege e resguarda para uma qualidade de vida comunitária tranqüila e pacífica. [...] A norma fundamental tem dupla função porque estabelece o próprio direito à segurança pública como garantia fundamental individual e social, dando o conteúdo específico do direito (receber proteção do Estado para a manutenção da ordem pública e incolumidade pessoal e do patrimônio, art. 144, caput, CF), de forma eficiente (art. 37, caput, CF, e 144, § 7º, CF) [...].

4.3 Segurança pública e eficiência 4.3.1 O princípio constitucional da eficiência O princípio constitucional da eficiência, previsto no artigo 37, caput, da Constituição Federal, foi inserido no texto constitucional pela Emenda Constitucional nº 19/1998, sendo que tal princípio consagrou a ideia, que muitos já viam como implícita


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no texto constitucional, de que a Administração Pública deve atuar da forma mais eficiente possível, com otimização de recursos e constante busca de resultados que se traduzam na satisfação das necessidades da população. A incorporação expressa do princípio da eficiência ao texto constitucional resultou da crescente necessidade da adoção de novas estratégias e práticas gerenciais que permitissem ao Estado romper com o crescente processo de hipertrofia e obter ganhos em produtividade. Esse processo de hipertrofia caracterizou o Estado social, também conhecido como Welfare State. Esse modelo de estado caracterizou-se por um rompimento com o modelo de estado liberal-clássico – que contemplava apenas os direitos fundamentais do indivíduo numa perspectiva de defesa contra ingerências do Estado, que deveria ter uma postura absenteísta frente aos direitos do indivíduo – e o reconhecimento de que os indivíduos tinham direito a uma série de prestações positivas por parte do Estado, para a realização dos seus direitos sociais, tais como saúde e educação. Diante disso, coube ao Estado a estruturação de uma Administração Pública complexa e onerosa, que, alimentada pelo excessivo aumento da carga tributária, cresceu em proporção superior aos benefícios concedidos à população, o que acabou por resultar no esgotamento desse modelo de Estado e na busca de novas alternativas para a racionalização de suas atividades (ALMEIDA NETO, 2009, p. 72), o que se traduziu na incorporação de uma visão gerencial que consagrou em nosso texto constitucional, pelo menos de forma explícita, o princípio da eficiência. Mas, o que vem a ser exatamente o princípio da eficiência? Alexandre de Moraes (2004, p. 799) define o princípio em questão da seguinte forma: princípio da eficiência é o que impõe à Administração Pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, primando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para a melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitar desperdícios e garantir uma maior rentabilidade social.

Segundo Alexandre de Moraes (2004, p. 802-804), o princípio da eficiência


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é composto das seguintes características básicas: direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum, imparcialidade, neutralidade, transparência, participação e aproximação dos serviços públicos da população, eficácia, desburocratização e busca da qualidade. O direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum decorre do fato de que um dos objetivos da República Federativa do Brasil é “promover o bem de todos”, conforme previsto no artigo 3º, IV, da Constituição Federal. A imparcialidade, por sua vez, está ligada à ideia de que um dos objetivos do Estado é a promoção do bem comum, o que, segundo Maria Teresa de Melo Ribeiro (1996) apud Moraes (2004, p. 802), torna imperativo que a administração pública atue com imparcialidade e independência, sem se curvar a interesses setorizados, já que imparcialidade “é independência: independência perante os interesses privados, individuais ou de grupo; independência perante os interesses partidários; independência, por último, perante os concretos interesses políticos do Governo”. A neutralidade, por sua vez, integra o princípio da eficiência, na medida em que a ação do Estado não deve prestigiar interesses setorizados na sua função de resolução de conflitos de interesses, devendo assumir “uma posição valorativa de simultânea e igual consideração de todos os interesses em presença”. Diante disso, o referido autor conclui que “o Estado é neutro quando faz vingar a Justiça e estabelece regras do jogo justas” (Moraes, 2004, p. 802). Outra característica do princípio da eficiência é a transparência, segundo a qual a atividade da administração pública deve ser pautada por critérios objetivos e, além disso, que seja passível de controle. No que diz respeito à participação e aproximação dos serviços públicos da população, Alexandre de Moraes (2004, p. 803) assinala que essa característica é decorrência do princípio da soberania popular e da democracia representativa, consagrados no artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal, mas chama a atenção para que haja moderação nessa participação popular, já que uma excessiva participação e aproximação dos cidadãos em relação à Administração poderia aumentar a influência de grupos de interesses fortes, com prejuízo de grupos associativos menos


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fortes. A eficácia, por seu turno, “traduz-se no adimplemento de suas competências ordinárias e na execução e cumprimento dos entes administrativos dos objetivos que lhe são próprios” (Moraes, 2004, p. 803). Dessa forma, não basta que a administração funcione formalmente, pois é preciso que sua atuação seja resolutiva, já que os objetivos dos entes administrativos são todos relacionados à satisfação do bem comum, de modo que só são alcançados quando a atuação estatal produz um resultado prático, que altere para melhor a vida dos cidadãos. Outra ideia inerente ao conceito de eficiência é a da desburocratização, já que, para conseguir resolver os problemas da população e dar concretude a seus direitos, a administração não pode converter-se numa burocracia, no sentido apontado por Canotilho e Moreira (1991) apud Moraes (2004, p. 803) de “burocracia administrativa, considerada como entidade substancial, impessoal e hierarquizada, com interesses próprios, alheios à legitimação democrática, divorciados dos interesses da população”. Assim, para uma atuação eficiente, qualquer ente ou agente público deve ter consciência de que sua atuação não encerra um fim em si mesma, como em uma burocracia; pelo contrário, sua atuação é um instrumento para a realização de algum serviço à população, é um meio para a realização do bem comum. A busca da qualidade é outro elemento característico do princípio da eficiência, e traduz a ênfase na busca pela otimização dos resultados, com aumento da eficácia e economicidade no desempenho das funções públicas, de sorte que essas possam alcançar a melhor relação custo-benefício possível. Todavia, é preciso ressaltar que o princípio da eficiência não se sobrepõe aos demais princípios da Administração Pública, pois, como bem lembra Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2001, p. 84): a eficiência é princípio que se soma aos demais princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente ao da legalidade, sob pena de sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito.

Diante de tudo que se viu sobre o princípio da eficiência, pode-se afirmar que ele enfatiza, em nosso ordenamento, a necessidade de que o Estado brasileiro atue


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com a maior presteza possível para a consecução de seus objetivos, entre os quais o de assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais e, assim, viabilizar a vida harmônica em sociedade e a existência digna da pessoa humana.

4.3.2 Segurança pública e dever de eficiência Como já visto, o princípio da eficiência traduz um comando direto do constituinte, no sentido de que a Administração Pública deve sempre atuar de modo a obter os melhores resultados possíveis na prestação do serviço público (DI PIETRO, 2001, p. 83). No caso da segurança pública, chama a atenção o fato de que, antes mesmo de o princípio da eficiência ter sido inserido no texto constitucional, já havia o constituinte estabelecido, ao cuidar da segurança pública, no artigo 144, § 7º, da CF, que caberia ao legislador disciplinar a organização e o funcionamento dos órgãos da área de segurança pública, de modo a garantir a eficiência de suas atividades (SANTIN, 2004, p. 149). Diante disso, Valter Foleto Santin (2004, p. 148-150) sustenta, inclusive, que a Constituição Federal instituiu um princípio da eficiência específico para a segurança pública (princípio da eficiência da segurança pública), pois o constituinte expressou firmemente a sua preocupação com a segurança pública e o bom resultado dos serviços pertinentes, porque mesmo com a busca normal da eficiência dos serviços públicos procurou uma modalidade mais profunda de eficiência, a específica eficiência do serviço de segurança pública”, o que, para o autor, “traduz o anseio do constituinte de melhor proteger esta área de atuação estatal.

Entretanto, apesar de o Estado ter o dever de agir com especial eficiência no campo da segurança pública, é sabido que a atuação do aparato de segurança pública no Brasil tem sido caracterizada, de um modo geral, por uma atitude meramente reativa, incapaz de manter a criminalidade em um nível tolerável, o que contribui para disseminar uma percepção de insegurança por parte da população, que se sente cada vez mais desprotegida e sufocada pela violência. Essa sensação de insegurança vivida por grande parte da população, por si só, é um forte indicativo do insucesso do aparelho estatal no desempenho da atividade


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de segurança pública, já que “o termo “segurança” indica, em geral, a situação decorrente da ausência de riscos e perigos” (SABADELL, 2003, p. 1). No entanto, o que mais evidencia o insucesso do Estado no campo da segurança pública é o fato de que, ao agir de modo apenas reativo, o Estado permite que a ordem pública e os bens jurídicos dos cidadãos sejam vulnerados. Assim, essa postura reativa esvazia o conceito de segurança pública e revela a ineficiência do Estado no desempenho dessa atividade, já que essa atividade, segundo a Constituição Federal, é exercida para a “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (MORAES, 2001, p. 642). Ora, se a atividade de segurança pública visa à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, a atividade de segurança pública só será eficiente na medida em que conseguir atingir níveis satisfatórios de prevenção à criminalidade. A propósito, Ana Lúcia Sabadell (2003, p. 10), ao discorrer sobre o conceito ampliado de segurança pública ou interna (innere Sicherheit) na Alemanha, pontifica que “uma “boa política” de innere Sicherheit é aquela que consegue, no âmbito da “luta contra a criminalidade”, vencer ou enfraquecer o “inimigo”, ameaçador dos bens jurídicos individuais e coletivos”. Prossegue a autora, dizendo que “a prevenção é um aspecto importante” e que, “se a prevenção é eficaz, então o sentimento de insegurança deve diminuir”.

4.4 Inteligência de segurança pública 4.4.1 Noção Tendo em vista que a eficiência na atividade da segurança pública está necessariamente ligada à capacidade de prevenir delitos e de reprimi-los de forma eficaz, a inteligência, com sua peculiar capacidade preditiva e com sua aptidão ímpar para a obtenção de informações em cenários conflituosos, revela-se como instrumento fundamental para uma atuação eficiente no campo da segurança pública. A atividade de inteligência de segurança pública – que abrange os ramos da inteligência policial, a inteligência ministerial e a inteligência penitenciária – é relativamente nova e tem sido cada vez mais empregada, tendo em vista que, com o


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aumento e a crescente sofisticação da criminalidade, sobretudo do crime organizado transnacional, restou evidenciada a necessidade da adoção de ferramentas mais eficazes no combate à criminalidade. Segundo Luiz Carlos Magalhães (2008), inteligência de segurança pública é uma “atividade de Estado que visa obter, produzir e analisar conhecimentos relacionados de forma direta ou indireta às atividades de segurança pública e defesa social” Joanisval Brito Gonçalves (2009, p. 28), por sua vez, diz que a “inteligência policial tem como escopo questões táticas de repressão e investigação de ilícitos e grupos infratores”, e que essa modalidade de inteligência “atua na prevenção, obstrução, identificação e neutralização das ações criminosas, com vistas à investigação policial e ao fornecimento de subsídios ao Poder Judiciário e ao Ministério Público nos processos judiciais”. Por meio da inteligência policial, segundo Joanisval Brito Gonçalves (2009, p. 28): buscam-se informações necessárias que identifiquem o exato momento e lugar da realização de atos preparatórios e de execução de delitos praticados por organizações criminosas, obedecendo-se aos preceitos legais e constitucionais para a atividade policial e as garantias individuais.

Já a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), na apresentação da Doutrina Nacional de Segurança Pública (DNISP), assim define a atividade de Inteligência de Segurança Pública: A atividade de Inteligência de Segurança Pública (ISP) é o exercício permanente e sistemático de ações especializadas para a produção e salvaguarda de conhecimentos necessários para prever, prevenir e reprimir atos delituosos de qualquer natureza ou relativos a outros temas de interesse da Segurança Pública e da Defesa Social [BRASIL, 2007].

A origem dessa modalidade de inteligência é creditada, por Cepik (2003, p. 98/99), às atividades de policiamento político empregadas na Europa no início do século XIX. Contudo, foi nos Estados Unidos, após a Segunda Guerra Mundial, que a inteligência de segurança pública passou a ser empregada de modo significativo no combate ao crime, com a criação e estruturação de agências que promovem um


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constante e ágil intercâmbio de informações confidenciais. Esse processo de estruturação da inteligência de segurança pública nos Estados Unidos ocorreu em virtude da crescente profissionalização dos serviços de inteligência após o término da Segunda Guerra Mundial e início da Guerra Fria e da percepção de que a metodologia da atividade de inteligência exercida por esses serviços era adequada ao enfrentamento da criminalidade. Assim, em 1956, foram criadas as Law Enforcement Intelligence Units, com o escopo de promover a coleta (em sentido amplo) e o intercâmbio de informações sobre a criminalidade em diversas unidades federadas dos Estados Unidos (PACHECO, 2006b, p. 637-638), mecanismo que se revelou de grande importância no combate à criminalidade, já que permitiu a otimização do aparato estatal de repressão à criminalidade. No Brasil, assolado por uma criminalidade cada vez mais complexa, a utilização da inteligência policial como ferramenta de combate à criminalidade mostrase de suma importância, o que é comprovado pela intensificação do uso da inteligência na produção de provas para inquéritos policiais e processos criminais. Essa crescente utilização da inteligência de segurança pública como ferramenta de combate à criminalidade é bem ilustrada pelas grandes operações desempenhadas pela Polícia Federal nos últimos anos. De acordo com Denilson Feitoza Pacheco, “a Polícia Federal fez uma adaptação proveitosa da inteligência “clássica” às necessidades específicas de suas atividades policiais, especialmente pela inclusão da produção de provas para investigações criminais e processos penais (2006b, p. 639). De acordo com Pacheco (2006b, p. 639), a inteligência da Polícia Federal produz um conhecimento que, conforme o caso, objetiva a produção de prova durante a investigação ou processo criminais (especialmente quanto à ação criminosa complexa), subsidia o planejamento e a execução de outras ações, operações e investigações policiais, estima a evolução da criminalidade ou serve para assessorar autoridades governamentais na formulação de políticas de prevenção e combate à violência.

Mas, apesar de a inteligência de segurança pública - sobretudo o seu ramo conhecido como inteligência policial – ser frequentemente associado ao escopo de coleta de provas, certo é que a inteligência de segurança pública possui um escopo muito mais abrangente, qual seja, o de acompanhamento diuturno do fenômeno da


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criminalidade e de seus desdobramentos, entendimento que é corroborado pela DNISP, a qual estipula que a inteligência de segurança pública é exercida em caráter permanente, e não apenas eventual. Assim, fica claro que a atividade de inteligência policial pode ter cunho executivo, quando direcionada para a produção de provas, assumindo características de inteligência tática, ou pode ter características de inteligência estratégica, quando, por meio dos conhecimentos produzidos a partir de análises da criminalidade e suas tendências, subsidia autoridades governamentais na formatação de políticas de prevenção e combate à criminalidade (PACHECO, 2006b, p. 640). Por outro lado, impende lembrar que a atividade de inteligência de segurança pública, ainda que possa auxiliar na produção de provas, tem um escopo muito mais abrangente, qual seja, o acompanhamento da criminalidade e de eventos a ela relacionados, com o fito de propiciar um panorama detalhado da criminalidade para o tomador de decisões. Assim, embora a inteligência possa auxiliar a atividade investigativa, para suplementar os métodos investigativos tradicionais, quando esses se mostram insuficientes para a comprovação da materialidade e autoria , com o emprego de técnicas operacionais de inteligência adotadas (RODRIGUES, 2008, p. 18), é preciso frisar que inteligência e investigação são atividades distintas. Na verdade, o papel fundamental da inteligência é a produção de um conhecimento mais detalhado, que permite uma visualização panorâmica do problema da criminalidade. Nesse sentido, ao abordar a importância da inteligência no campo da segurança pública, Guaracy Mingardi (2008, p. 45) pontifica que “é através das atividades da produção de conhecimento que se pode sistematizar informações para auxiliar o trabalho da prevenção e repressão não só no combate ao crime organizado mas também ao crime comum”. Mingardi (2008, p. 50-51) ilustra o potencial da inteligência de segurança pública, identificando seis possíveis utilizações, no combate ao crime organizado, para as informações produzidas pela inteligência, a saber: - Reprimir casos concretos, ou seja, identificar integrantes de grupos de criminosos; - Prevenir crimes, por meio da identificação de “pontos quentes”, ou seja, locais com maior incidência de crimes;


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- Prever tendências, isto é, identificar possíveis desdobramentos do crime, tais como novas modalidades que serão praticadas, novos “modus operandi” que serão adotados, regiões para as quais o crime migrará etc.; - Identificar lideranças e elementos-chave de grupos criminosos; - Monitorar a movimentação cotidiana de membros de uma organização criminosa ou de um bando criminoso; - Identificar vulnerabilidades e informantes em potencial.

Tais utilizações ilustram o quanto a inteligência criminal pode auxiliar as forças de segurança pública na sua tarefa de repressão e prevenção da criminalidade, demonstrando que, se bem empregada, a inteligência pode ser uma ferramenta poderosa no combate à criminalidade. Sobre a importância da inteligência na área da segurança pública, Joanisval Brito Gonçalves (2009, p. 30), após discorrer sobre o fortalecimento do crime organizado nas últimas décadas, diz que, “diante do grau de complexidade e diversificação do crime organizado, a atividade de inteligência adquire grande importância não só para a repressão, mas, sobretudo, no que concerne à prevenção contra o desenvolvimento dessa atividade criminosa”. Ademais, prossegue o autor (2009, p. 30), “a inteligência é útil para o planejamento de estratégias de ação das autoridades no contexto da segurança pública”. Mas, para que a inteligência de segurança pública alcance os objetivos almejados, faz-se necessário que os dados obtidos sejam submetidos à avaliação de analistas de inteligência, que, por seu turno, devem utilizar métodos específicos para transformar os dados em informações em conhecimento. Frequentemente, sobretudo em se tratando de crime organizado, o volume de informações obtido nas ações de busca da inteligência ou de coleta de provas qualificadas, com o emprego de técnicas de inteligência, é enorme, podendo traduzir-se em milhares de informações contidas em documentos, computadores, filmagens, interceptações de comunicações etc., as quais ensejam uma análise minuciosa que, pela sua complexidade, só podem ser feitas de forma oportuna com o auxílio de ferramentas tecnológicas sofisticadas, como computadores e softwares especiais. Ademais, é fundamental que a atividade de inteligência de segurança pública seja exercida de modo integrado pelos órgãos e instituições incumbidos de garantir e promover a segurança do cidadão, pois só com a integração e o


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compartilhamento de informações é que o conhecimento produzido pela atividade de inteligência poderá alcançar o seu máximo potencial de auxílio no enfrentamento da criminalidade.

4.4.2 O Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (SISP) Diante da perspectiva de que a atividade de inteligência de segurança pública deve ser exercida de forma integrada, por parte dos diferentes órgãos que atuam na área em questão, foi criado, por meio do Decreto nº 3.695/2000, o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (SISP), com a missão de exercer a coordenação e integração das atividades de inteligência de segurança pública em todo o país, além de fornecer aos governos federal e estaduais informações que subsidiem a tomada de decisões nesse campo (BRASIL, 2000). O SISP tem como órgão central a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), vinculado ao Ministério da Justiça. Além da SENASP, ele é integrado pelos Ministérios da Fazenda, da Defesa e da Integração Nacional e o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (BRASIL, 2000). O Decreto n° 3.695/2000 também instituiu o Conselho Especial do Subsistema de Inteligência de Segurança Pública, que tem como objetivo a fixação de regras para as atividades de inteligência de segurança pública. Esse conselho é composto pelo Secretário Nacional de Segurança Pública, que o preside, e por representantes das Polícias Federal e Rodoviária Federal, do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), da Coordenação Geral de Pesquisa e Investigação (COPEI), do Ministério da Defesa, do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, da Defesa Civil, do Ministério da Integração Nacional e da ABIN (BRASIL, 2000). O SISP também prevê a participação dos entes federados e prevê o fornecimento de informações aos entes participantes do subsistema. No entanto, o Decreto nº 3.695/2000 pecou por não contemplar as unidades federadas com uma participação efetiva no Conselho Especial do Subsistema, já que esta participação só ocorre de forma eventual e sem direito a voto, quando os entes são convidados pelo presidente do conselho.


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O órgão central do SISP é a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), que é vinculada ao Ministério da Justiça e tem sua estrutura e atribuições definidas pelos artigos 2º, II, b, e 12 a 16, do Decreto nº 6.061/2007. A SENASP é responsável pela indução, articulação e coordenação das políticas de segurança pública em âmbito nacional e promove a integração entre os diversos órgãos de segurança pública. Além disso, é importante destacar que é atribuição da SENASP a modernização e o gerenciamento da Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização (Rede Infoseg). A Rede Infoseg, instituída pelo Decreto nº 6.138/2007 no âmbito do Ministério da Justiça, constitui um conjunto integrado de bases de dados que abrange os 26 estados da federação e o Distrito Federal, que interliga os órgãos de Segurança Pública, Justiça e de Fiscalização e disponibiliza aos seus usuários, por meio de consultas a internet, as informações contidas nessa rede, tais como informações policiais e judiciais de pessoas – o que inclui dados sobre existência de inquéritos, processos, mandados de prisão – e informações relativas a registro de armas, veículos, condutores com fotografia, CNPJ, CPF, identidade civil e criminal. Assim, a Rede Infoseg permite ao usuário o acesso a uma ampla gama de informações relevantes para a as áreas de segurança pública, justiça e fiscalização, que antes só poderiam ser obtidas após várias e demoradas consultas a cada um dos órgãos detentores das bases de dados, constituindose, pois, em uma importante ferramenta para o enfrentamento da criminalidade, já que possibilita um rápido acesso a informações que podem ser de grande relevância em investigações ou no curso de processos criminais, evidenciando a importância do uso da tecnologia da informação e da gestão do conhecimento no campo da segurança pública.

4.5 Inteligência e análise criminal Segundo a Resolução nº 1, de 15 de julho de 2009, da Secretaria Nacional de Segurança Pública, que regulamenta o SISP, a análise criminal é um conjunto de processos sistemáticos direcionados para o provimento de informação oportuna e pertinente sobre os padrões do crime e suas correlações de tendências, de forma a apoiar a área operacional e administrativa no planejamento e distribuição de recursos para a prevenção e supressão de atividades criminosas. [BRASIL, 2009]


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Embora a análise criminal seja identificada por muitos doutrinadores como uma importante ferramenta na área da inteligência de segurança pública (ISP), preferimos inseri-la em um tópico específico porque, não obstante reconheçamos a sua grande importância para o ramo da inteligência em questão, ela não constitui domínio específico da ISP, já que trabalha com fontes abertas, sendo uma técnica acessível não só à inteligência, mas a outras atividades, conforme salienta Dantas (2002), para quem a análise criminal e as estatísticas criminais “não constituem domínio específico da inteligência policial, já que envolvem conhecimento de fatos ocorridos no seio da comunidade, portanto de domínio público”. Todavia, é preciso ressaltar que, sendo a inteligência a atividade que, por excelência, assessora o processo decisório, não se justifica que a análise criminal seja exercida por outros órgãos, que não os de inteligência, nas instituições que contam com tal serviço. Sobre a importância da análise criminal, Dantas (2002), observa que o conhecimento detalhado da criminalidade, a partir da análise de estatísticas criminais, é essencial para que o Estado possa gerir de modo eficaz os seus recursos, a fim de que possa controlar a criminalidade e prevenir, o máximo possível, a incidência de crimes e de atos que turbem a paz pública. De acordo com Dantas (2002), a necessidade de análise das estatísticas criminais no campo da segurança pública é de tal forma consagrada que, de acordo com o Centro para Prevenção Criminal Internacional da Organização das Nações Unidas (ONU), um número cada vez maior de países colaboram com pesquisas criminais realizadas pela ONU, elaborando e encaminhando estatísticas sobre crimes. Assim, afirma Dantas, “a estatística criminal já é prática doméstica tão consagrada nos países da comunidade internacional que passou a ser sistematicamente consolidada em documentos globais da ONU”. Segundo Luiz Carlos Magalhães (2008b), a análise criminal “é, talvez, o maior vetor de produção de conhecimento específico para a gestão da segurança pública” e possibilita revelar com clareza as características do crime, criminalidade e questões conexas. A atividade em questão desdobra-se em três vertentes, quais sejam: a) Análise criminal estratégica - ACE; b) Análise criminal tática – ACT; c) Análise


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criminal administrativa – ACA. A Análise Criminal Estratégia (ACE) é “voltada para o estudo dos fenômenos e suas influências em longo prazo”, tendo como focos prioritários a formulação de políticas públicas, a produção de conhecimento para a redução da criminalidade, o planejamento e desenvolvimento de soluções,a integração com outros órgãos na formulação de ações de segurança pública, o direcionamento de investimentos, a formulação de plano orçamentário, o controle e acompanhamento de ações e projetos e a formulação de indicadores de desempenho. A Análise Criminal Tática (ACT) tem por escopo “o estudo dos fenômenos e suas influências em médio prazo”, tendo como foco orientar as atividades de policiamento ostensivo e, além disso, no âmbito do policiamento investigativo, fornece importantes subsídios para a elucidação da autoria e materialidade de crimes. Já a Análise Criminal Administrativa – ACA, por seu turno, tem como foco o fornecimento de informações sumarizadas para seus diversos públicos (Cidadãos, Gestores Públicos, Instituições Pública, Organismos Internacionais, Organizações Não-Governamentais, etc); Elaboração de Estatísticas (descritiva); Elaboração de informações gerais sobre tendências criminais; Comparações com períodos similares passados; Comparações com outras cidades similares (benchmarking). [MAGALHÃES, 2008b]

. A análise criminal trabalha com uma série de métodos estatísticos que propiciam um panorama detalhado e abrangente da criminalidade. A título de exemplo, Dantas (2002) cita a análise de dispersão de dados de ocorrências policiais, que, a partir do exame da série histórica de ocorrências em um determinado lugar, permite “determinar a influência de uma série de fatores como os horários de ocorrências sobre a frequência delas ao longo de 24 horas”. Assim, a análise criminal possibilita conhecer o comportamento da criminalidade em um determinado lugar, indicando os horários com maior probabilidade de ocorrência de diferentes tipos de delitos. Mas não é só. A análise criminal permite um completo georeferenciamento e mapeamento da criminalidade, ferramenta tida como a mais poderosa no planejamento da segurança, já utilizada nos Estados Unidos há muitos anos. Esse mapeamento, feito com o auxílio de Sistemas de Informação Geográfica [Geographic Information Systems – (GIS)], permite estabelecer os locais de


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ocorrência de delitos em uma determinada base geográfica, já existindo, inclusive, formas bastante sofisticadas de análise que permitem estabelecer associar uma variável temporal aos mapeamentos de criminalidade, o que dá uma dimensão tridimensional espaço-temporal, permitindo uma análise de densidade de ocorrência de fenômenos (density analysis), técnica que, por sua vez, permite conhecer, em determinado território, os pontos quentes (hot spots) da criminalidade (Dantas et al., 2007). Os pontos quentes da criminalidade são as áreas mais propensas à incidência de fenômenos criminais, ou, em outras palavras, “os pontos onde existem grandes quantidades de fenômenos criminais ao longo do tempo e do espaço” (Dantas et al., 2007). A partir do conhecimento desses pontos quentes de criminalidade, as instituições encarregadas do enfrentamento à criminalidade podem distribuir melhor seus recursos materiais e humanos, além de orientar seu pessoal acerca dos procedimentos mais adequados para a operacionalização desse enfrentamento, potencializando a atividade de prevenção e de repressão à criminalidade. Ademais, afirma Dantas (2002), “os produtos da análise de estatísticas criminais, de maneira geral, constituem as bases sobre as quais é realizada a gestão do policiamento ostensivo e da investigação criminal”, sendo que o estabelecimento de padrões geográficos e temporais do crime, feito pela atividade de análise criminal, proporciona não só a identificação de infratores, mas também reúne dados importantes para a inteligência policial. Com efeito, na medida em que a análise criminal propicia um conhecimento bem abrangente sobre a criminalidade em determinado local, ela permite o melhor gerenciamento dos recursos de todas as instituições incumbidas da segurança pública, além de constituir-se em importante fonte de informações para a inteligência criminal desenvolvida por polícias e Ministério Público, a par de permitir, até mesmo, um melhor direcionamento da atividade de inteligência de segurança pública, no sentido de que ela atue, para buscar dados negados, nas áreas geográficas e em relação às modalidades criminosas e aos infratores que, de acordo com levantamentos da análise criminal, representariam maiores ameaças à atividade de segurança pública.


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Por tudo isso, pode-se dizer que o acompanhamento ininterrupto dos fenômenos criminais pelo analista criminal possibilita a mudança de estratégia de ação dos gestores da segurança pública na condução do enfrentamento pelo Estado, do crime, da criminalidade e questões conexas procurando deixar o poder estatal sempre alguns passos à frente no cumprimento de seu dever de proteção à sociedade. [MAGALHÃES, 2008b]

4.6 Inteligência e repressão qualificada da criminalidade No âmbito da Polícia Militar de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2009), a repressão qualificada da criminalidade é definida da seguinte forma: Atuação precedida de conhecimentos de Inteligência de Segurança Pública com vistas a identificação de criminosos contumazes, grupos de infratores, atividades de gangues e quadrilhas, de modo a conhecer os respectivos líderes e seus cooperadores, “modus operandi”, locais de homizio, o grau de periculosidade e a forma de destinação dos dividendos da atividade criminosa, de modo a permitir a adoção de medidas pontuais de repressão ao problema identificado.

Saulo Antônio Mansur (2007) traz as seguintes explanações sobre a repressão qualificada da criminalidade: A “repressão qualificada” tem como premissa básica focalizar os criminosos mais “perigosos” para a sociedade e no mais breve espaço de tempo investigá-los, processá-los e condená-los para que toda a população consiga digerir a sensação de impunidade que hoje lhe assola. Seu pilar central é o gerenciamento de informações, que são submetidas a um crivo de procedência e caso pertinentes são materializadas através de um trabalho investigativo feito pelas polícias judiciárias. Importante frisar que essa metodologia não alcançará o êxito pleiteado se não houver uma participação conjunta e comprometida dos demais órgãos de segurança pública, bem como do Ministério Público e principalmente do Poder Judiciário.

Além

disso,

Mansur

(2007)

destaca

que,

ao

viabilizar

que

a

responsabilização penal de criminosos contumazes e de maior periculosidade ocorra de forma célere, a repressão qualificada da criminalidade faz com que o Estado atue de forma eficiente no combate à criminalidade e isso “ao mesmo tempo serve como mecanismo inibidor de futuras práticas delituosas”. As definições expostas ajudam na compreensão do tema repressão qualificada da criminalidade, mas é importante ressaltar que a repressão qualificada é


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um conceito moderno – e ainda em construção - de combate à criminalidade e resultou da constatação de que o modelo repressivo tradicional - baseado numa postura reativa e desprovido de qualquer caráter científico - era ineficaz. Essa postura reativa e ineficiente do aparato de segurança pública é bem descrita no texto-base da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (CONSEG), cujo eixo-4 trata, justamente, da repressão qualificada da criminalidade: Nos últimos anos, as respostas ao fenômeno da violência e da criminalidade no Brasil vêm sendo pautadas por uma postura somente reativa. Essa postura caracteriza-se pela ação do Estado, desencadeada apenas depois de o fato criminoso ter sido executado e repercutido na sociedade, muitas vezes a partir da cobrança da mídia, e sem lastro gerencial ou técnico. O resultado dessa repercussão acaba reforçando o modelo tradicional de segurança pública, no qual governos investem apenas em viaturas, armamentos e no aumento de efetivos policiais. Isso expressa uma lógica de inércia e ação reativa, com efeitos de pouco sucesso no combate e prevenção à violência e à criminalidade. Para além das deficiências técnicas, o fato mais grave é que tal modelo alimenta, de maneira decisiva, o ciclo de produção e reprodução da violência, expõe os profissionais da segurança pública e as próprias comunidades. Isso porque a ação do Estado fica aprisionada pelo senso comum, pelo medo e pela sensação de insegurança, tornando-o incapaz de responder com racionalidade científica, inteligência estratégica, produção qualificada de provas e com garantia de direitos. Diante da lógica constituída, na qual não há ganhadores, o cenário de aperfeiçoamento das políticas de segurança demanda qualificação dos mecanismos, bem como dos agentes da repressão. [BRASIL, 2009]

Na expectativa de sanar esse quadro, a CONSEG propôs um debate focado na repressão qualificada da criminalidade, tendo considerado algumas estratégias importantes para qualificar a repressão à criminalidade, dentre as quais podem ser destacadas, a saber: a) modernização da ação policial, com o a implantação do policiamento de proximidade, propiciando maior ênfase na prevenção de crimes, além do incremento da polícia técnico-científica e aperfeiçoamento dos mecanismos de investigação e persecução, contemplando a articulação entre polícia e justiça; b) adoção de estratégias que visem à diminuição da letalidade policial, especialmente em comunidades expostas a uma atividade repressiva mais intensa. Assim, vê-se que uma das características essenciais da repressão qualificada da criminalidade é a articulação entre as diferentes instituições encarregadas da repressão ao crime, já que todas elas, de alguma forma, exercem atividades complementares no contexto da segurança pública, não havendo como conceber uma


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repressão eficiente à criminalidade sem o concurso de cada uma das peças que compõem a engrenagem do sistema de segurança pública. Nesse sentido, aliás, é a diretriz nº 34 da 1ª CONSEG (BRASIL, 2009b), que dispõe sobre a necessidade de implementar uma Política Nacional de Combate ao Crime Organizado para intensificar, ampliar e realizar ações policiais qualificadas, criar sistema de bloqueios de celulares e rádios em presídios como medida de soberania e proteção a toda a população, com vistas à redução da violência e criminalidade, e ao combate estratégico ao crime organizado de todos os tipos. Para isto, se necessário, deve-se: identificar o ciclo criminal de cada região, [...], criar unidades especializadas integradas às unidades de inteligência para atuarem em centros urbanos e rurais [...]; envolver o Poder Judiciário, Ministério Público, Polícias e outros órgãos nas ações […]

Ademais, a repressão qualificada da criminalidade caracteriza-se pelo emprego de métodos científicos no enfrentamento do crime, razão pela qual o aparato estatal deve utilizar os conhecimentos mais avançados sobre as questões ligadas à criminalidade, produzidos por diferentes campos de conhecimento, como a ciência da administração, a inteligência, a análise criminal, a sociologia e a criminologia, dentre outros, já que só o emprego de métodos científicos permite um diagnóstico abrangente do problema e o estabelecimento de diretrizes adequadas para o seu tratamento. A propósito, um dos princípios priorizados na 1ª CONSEG (BRASIL, 2009b) corrobora a assertiva em questão, pois estabelece que a Política Nacional de Segurança Pública deve ser pautada na intersetorialidade, na transversalidade e na integração sistêmica com as políticas sociais, sobretudo na área da educação, como forma de prevenção do sinistro, da violência e da criminalidade, reconhecendo que esses fenômenos têm origem multicausal (causas econômicas, sociais, políticas, culturais etc.) e que a competência de seu enfrentamento não pode ser de responsabilidade exclusiva dos órgãos de segurança pública.

Noutro giro, é importante destacar que, além da utilização de conhecimentos intersetoriais, a repressão qualificada pressupõe o uso de ferramentas como a inteligência, a análise criminal, a gestão do conhecimento e a tecnologia da informação são de uso imprescindível para a repressão qualificada à criminalidade, conforme diretrizes 24 e 34 da CONSEG (BRASIL, 2009b). A utilização dessas ferramentas possibilita um grande incremento no combate à criminalidade, em todas as frentes de atuação, inclusive na persecução criminal, tanto na fase investigativa quanto na fase processual, com a possibilidade de obtenção de provas mais consistentes e de melhores


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índices de elucidação de casos, de modo a ampliar as possibilidades de responsabilização de criminosos, sobretudo em casos de crimes mais complexos, em que o modelo tradicional de repressão se revela completamente obsoleto. Nesse azimute, pode-se afirmar que a repressão qualificada da criminalidade nada mais é do que a incorporação do princípio da eficiência no enfrentamento à criminalidade, já que, por meio da repressão qualificada da criminalidade, o Estado passa a tratar de forma profissional um tema que por muito tempo veio sendo tratado com amadorismo e ausência de critérios científicos, dando com isso, à população, a perspectiva de melhores resultados no combate à criminalidade, o que é essencial para que o direito fundamental à segurança seja materializado.


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5 MINISTÉRIO PÚBLICO 5.1 Missão constitucional O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, conforme dispõe o artigo 127, caput, da Constituição Federal. A simples leitura do dispositivo em questão permite extrair qual é, na essência, a missão constitucional do Ministério Público: a tutela dos direitos fundamentais (ALMEIDA NETO, 2009, p. 101). Essa conclusão é corroborada quando se tem em mente o rol de atribuições que o constituinte, no artigo 129 da Constituição Federal, entre outras funções, conferiu ao Ministério Público: promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos na Constituição; defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma de lei complementar respectiva; exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade. Embora todas as atribuições conferidas ao Ministério Público sejam de grande relevância, no presente trabalho será focalizada a atuação do Ministério Público na seara criminal, haja vista que essa é a área de atuação ministerial que guarda pertinência com o tema da pesquisa.


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5.2 Ministério Público e segurança pública A missão de tutela dos direitos fundamentais que a Constituição Federal conferiu ao Ministério Público também abrange a defesa da segurança pública (ALMEIDA NETO, p. 129), pois a segurança pública tem previsão expressa no texto constitucional como direito da coletividade, e está intimamente ligada à necessidade de salvaguarda dos direitos fundamentais da população, tendo um caráter instrumental em relação a estes. Esse entendimento é perfilhado por Valter Foleto Santin (2004, p. 80-81), que assim discorre sobre a segurança pública como um direito fundamental: Na sua dimensão atual, o direito à segurança pública tem previsão expressa na Constituição Federal do Brasil (preâmbulo, arts. 5º, 6º e 144) e decorre do Estado Democrático de Direito (cidadania e dignidade da pessoa humana, art. 1º, II e III, CF) e dos objetivos fundamentais da República (sociedade livre, justa e solidária e bem de todos, art. 3º, I e IV), com garantia do recebimento de serviços respectivos. A segurança pública é considerada dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, destinada à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144, caput, CF), que implicam num meio de garantia da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, direitos e garantias fundamentais do cidadão (art. 5º, caput, CF). Os valores protegidos também são considerados direitos humanos, pela garantia do direito à vida (art. 4º), direito à integridade pessoal (art. 5º), direito à liberdade pessoal (art. 7º), direito à propriedade privada (art. 21) e direito de circulação e de residência (art. 22), previstos na Convenção Americana dos Direitos Humanos, Pacto de São José, em vigor no Brasil por força do Decreto Legislativo 27, e Decreto 678, de 1992, o que evidencia que o direito à segurança pública tem característica de direito humano, pelos valores que protege e resguarda para uma qualidade de vida comunitária tranqüila e pacífica. O termo ‘segurança’ constante do preâmbulo e dos art. 5º, caput, e 6º da Constituição Federal, deve ser interpretado como relativo ao direito à segurança pública, predominantemente de caráter difuso, que visa tutelar a manutenção da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144, CF), componente importante para proteção da dignidade da pessoa humana (art. 1º) e exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade,, a segurança, o bem-estar, preservação da harmonia social e solução pacífica das controvérsias (preâmbulo da Constituição Federal). Soa estranha a consideração do termo segurança como segurança jurídica, relativa à firmeza do ordenamento legal e das relações jurídicas, porque o próprio sistema constitucional e normativo já configura a própria segurança jurídica, embasada no estatuto fundamental, a Constituição Federal, prevendo direitos e garantias individuais e coletivas e a formatação do Estado Democrático de Direito, em que o direito tem grande importância.

Para viabilizar a defesa da segurança pública pelo Ministério Público, a


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Constituição Federal conferiu ao Parquet um papel central na persecução criminal, tendo-o incumbido da promoção privativa das ações penais públicas e, ainda, tendo-lhe atribuído um papel suplementar na investigação de crimes, com poderes para requisitar investigações e diligências investigatórias, exercer controle externo sobre a atividade policial (inclusive a de investigação) e presidir, diretamente, investigações criminais. Embora o Ministério Público possa atuar na defesa da segurança pública de outros modos, que não a persecução criminal, como, verbi gratia, a participação em programas de prevenção de crimes e a fiscalização da execução de políticas de segurança pública, é por meio do exercício de suas funções ligadas à persecução criminal que o Ministério Público, tradicionalmente, atua no combate à criminalidade, cabendo-nos, assim, proceder a uma análise sobre a persecução criminal.

5.3 Persecução criminal: conceito, divisão e escopos Para que seja possível a convivência social harmônica, compete ao Estado estabelecer normas para regular a conduta da população e as relações entre os cidadãos e entre eles e o Estado. Assim, o Estado impõe aos cidadãos um conjunto de normas que impõe aos seus destinatários uma série de deveres, que, em contrapartida, são correspondidos pelos respectivos direitos e poderes das demais pessoas e do Estado. Àqueles que violam normas de conduta, o Estado prevê sanções, já que, sem estas, as normas não teriam poder coercitivo, o que lhes retiraria a capacidade de desestimular a prática de violações dos bens jurídicos alheios, colocando em risco a paz social e, com isso, inviabilizando os objetivos almejados pelo Estado (MIRABETE, 1996, p. 23). No entanto, alguns bens jurídicos são tão importantes, que sua proteção só se faz possível com o estabelecimento de sanções rigorosas, cuja imposição extrapola a esfera meramente particular e interessa à coletividade. Nessa perspectiva, o Estado, para garantir a realização do bem comum, investe-se do direito de punir (jus puniendi), estabelecendo sanções penais contra o autor da infração. Para exercer o seu direito de punir, o Estado, por meio dos seus órgãos incumbidos da investigação e acusação, desencadeia a persecução criminal, também


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conhecida como persecução penal. Segundo Denilson Feitoza (2009, p. 53), a persecução criminal é um procedimento persecutório, consistente no conjunto de atos e meios utilizados pelo investigador, no procedimento preliminar administrativo (investigação criminal), e pelo acusador, no procedimento principal judicial (processo penal), para demonstrar a existência da infração penal e sua autoria e, no procedimento principal, também para obter a sentença penal condenatória transitada em julgado (ou a sentença penal absolutória imprópria com imposição de medida de segurança, transitada em julgado).

Assim, vê-se que a persecução criminal divide-se em duas etapas, a saber: a) a fase da investigação criminal, conhecida como persecutio criminis extra iudicio, geralmente conduzida pelas polícias civis, mas que também pode ser eventualmente conduzida por outras autoridades, como Comissões Parlamentares de Inquérito ou até mesmo pelo Ministério Público, embora, em relação a este último, ainda existam divergências doutrinárias e jurisprudenciais; b) a fase processual, também denominada persecutio criminis in iudicio, geralmente conduzida pelo Ministério Público, mas que também admite, excepcionalmente, o protagonismo de um particular, que, contudo, não age em defesa de direito individual, mas sim do poder punitivo do Estado (FEITOZA, 2009, p. 53-55). A persecução criminal é disciplinada pelo direito processual penal, que, em obediência a direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, prevê uma série de garantias para o cidadão que é alvo da atuação persecutória criminal, já que essa atividade pode interferir de modo incisivo em direitos fundamentais da pessoa humana (FEITOZA, 2009, p. 48), sobretudo no direito à liberdade individual. Nesse azimute, é pressuposto da atividade persecutória a formação de um alicerce probatório mínimo, que torne razoável a propositura de uma ação penal e o consequente nascimento de um processo, com todas as implicações que isso pode acarretar na esfera de direitos fundamentais dos sujeitos passivos do processo, sendo certo que esse alicerce probatório pode até mesmo prescindir da primeira etapa da persecução criminal (investigação), já que esses elementos probatórios podem ser obtidos por outros meios, como peças de informação diversas ou investigações conduzidas, por exemplo, no âmbito de um inquérito civil. Ainda nessa perspectiva, a persecução criminal, na busca pela verdade sobre


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um determinado fato, deve observar uma série de regras legalmente estabelecidas, devendo cumprir rigorosamente os ditames do devido processo legal e observar fielmente todas as normas garantidoras de direitos fundamentais.

5.3.1 Fins imediatos da persecução criminal É disseminado o entendimento de que a persecução criminal tem como escopo a comprovação da materialidade do delito e de sua autoria e a posterior obtenção de sentença condenatória ou a imposição de medida de segurança (sentença absolutória imprópria). Essa visão, por muito tempo, prevaleceu em nosso sistema jurídico, a ponto de o Ministério Público, instituição que tradicionalmente é encarregada da persecução criminal, ser visto pela maioria da população como um órgão meramente acusador na seara criminal. Apesar de essa visão distorcida e arcaica do papel ministerial no processo penal ainda estar viva no imaginário de muitos, certo é que, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, o papel do Ministério Público no processo penal passou por uma releitura, prevalecendo hoje o entendimento de que o Ministério Público não é um mero órgão de acusação, mas sim um órgão legitimado ao exercício da ação penal e aos atos subsequentes da persecução, que, dentro do seu compromisso com a defesa da ordem jurídica e a sua independência funcional, assume uma posição de imparcialidade, podendo até mesmo pugnar pela absolvição do réu, caso não esteja convencido de que a condenação seja a solução justa para o processo. Eugênio Pacelli de Oliveira (2008, p. 384) enxerga a questão sob a mesma ótica, conforme se depreende dos seus ensinamentos sobre o tema: Ao contrário de certos posicionamentos que ainda se encontram na prática judiciária, o Ministério Público não é órgão de acusação, mas órgão legitimado para a acusação, nas ações penais públicas. A distinção é significativa: não é por ser o titular da ação penal pública, nem por estar a ela obrigado (em razão da regra da obrigatoriedade, já estudada), que o parquet deve necessariamente oferecer a denúncia, nem, estando ela já oferecida, pugnar pela condenação do réu, em quaisquer circunstâncias. Enquanto órgão do Estado e integrante do Poder Público, ele tem como relevante missão constitucional a defesa não dos interesses acusatórios, mas da ordem jurídica, o que o coloca em posição de absoluta imparcialidade diante da e na jurisdição penal.


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Nessa mesma perspectiva, Denilson Feitoza Pacheco (2007, p. 164-165) assevera que não é mais possível se conceber uma persecução penal que pretenda apenas demonstrar a existência do fato delitivo e sua autoria, iniciar o processo penal “condenatório” e obter a sentença penal condenatória lato sensu transitada em julgado. Tanto os órgãos investigativos em geral, na investigação criminal, quanto o Ministério Público, no processo penal, enquanto órgãos estatais que também estão sujeitos aos objetivos fundamentais da República, têm o dever constitucional de perseguir também a efetividade dos direitos fundamentais, o que significa que devem buscar as provas que tanto demonstrem a existência quanto a inexistência do fato delitivo e autoria, bem como devem lutar tanto pela condenação quanto pela absolvição plena, se esta corresponde a verdade processual e à Justiça.

Desta forma, pode-se dizer que os fins imediatos principais da persecução criminal são os seguintes: a) verificar a existência ou inexistência do delito e elucidar a sua autoria, assim como formar a convicção do órgão de acusação, na fase de investigação criminal, e do órgão jurisdicional, no curso do processo penal, acerca da existência (ou não) do ilícito penal e da sua autoria; b) dar início ao processo penal em sentido estrito; c) obter um provimento jurisdicional definitivo sobre o ilícito penal e sua autoria, com a condenação ou absolvição do acusado; d) garantir os direitos fundamentais das pessoas submetidas à persecução criminal, nas fases investigativa e processual (PACHECO, 2007, p. 165).

5.3.2 Fins mediatos da persecução criminal Assim como ocorre em relação ao papel do Ministério Público na persecução criminal, muitos operadores do direito ainda têm uma visão estreita e “romântica” da persecução criminal, nela identificando apenas os seus escopos tradicionais de demonstração da existência ou inexistência do ilícito penal, formação do convencimento do órgão decisor e obtenção de sentença transitada em julgado sobre o fato e sua autoria. Entretanto, esquecem esses operadores que a persecução criminal é um instrumento para a defesa da segurança pública e dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal, e que a titularidade da ação penal foi atribuída constitucionalmente ao Ministério Público não como uma missão da instituição, mas como um, dentre vários


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outros instrumentos, para que ela cumpra sua missão constitucional de defesa da ordem jurídica e dos direitos fundamentais, já que “as finalidades institucionais do Ministério Público encontram-se previstas no art. 127, caput, da Constituição da República e não no seu art. 129” (PACHECO, 2006b, p. 644). No que tange ao fim mediato geral da persecução criminal, ou seja, a segurança pública, vale conferir a lição de Denilson Feitoza Pacheco (2007, p. 175176): Pensamos que a persecução criminal tem por fim mediato geral a segurança pública. A segurança pública é a atividade de preservação (dinamicamente) ou a situação (estaticamente) de ordem pública e de incolumidade das pessoas e do patrimônio. A ordem pública pode ser definida como situação de paz e de ausência de crimes. A paz pode ser definida estaticamente como a ausência de violência, processualmente como a identificação e a resolução favorável de fenômenos caracterizados por algum tipo de violência, e estruturalmente como capacidade de uma sociedade de tornar visível e resolver favoravelmente os tipos de violência nela existentes. A paz se caracteriza bem melhor como um processo (de identificação e resolução de violência) do que como um estado ideal a ser atingido. [...] Assim definida, a segurança pública pode ser abordada como um processo de realização/preservação de paz e, por conseguinte, de identificação e resolução favorável de fenômenos caracterizados por algum tipo de violência. Tendo em vista a noção ampla de violência, a segurança pública se refere à integralidade dos direitos fundamentais, como fica claro, por exemplo, com a idéia de ausência de violência estrutural, que é a situação de justiça social.

Mas, além do fim mediato geral, presente em qualquer persecução criminal eventualmente desencadeada, a persecução criminal possui fins mediatos especiais, consubstanciados nos bens jurídicos tutelados pelo direito penal, os quais, em última análise, conduzem à proteção de bens jurídicos fundamentais, de assento constitucional, tais como a vida, a propriedade e a saúde (PACHECO, 2007, p. 180). Assim, cada persecução criminal concretamente considerada terá fins especiais, variando de acordo com o bem jurídico constitucional tutelado pela norma incriminadora violada no caso concreto (a título de exemplo, numa persecução criminal que tenha por objeto um crime de homicídio, o fim mediato especial da persecução será o bem jurídico tutelado pela norma penal violada, ou seja, a vida). É muito importante que se tenha em mente essa dimensão mais abrangente da persecução criminal, pois só assim será possível dosar corretamente as medidas de


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intervenção em direitos fundamentais que tal procedimento acarreta e, com isso, adequá-lo fielmente à sua justificação teleológica constitucional (PACHECO, 2007, p. 181).

5.4 A dicotomia da persecução criminal Após a análise do conceito e dos escopos da persecução criminal, resta evidenciado que o processo penal cuida basicamente de dois direitos fundamentais do cidadão: o direito à liberdade e o direito à segurança, ambos consagrados no artigo 5º da Constituição Federal. A esses dois direitos fundamentais correspondem os deveres do Estado de criar e aparelhar órgãos e estabelecer procedimentos capazes de assegurar segurança e garantir liberdade, de modo a viabilizar a aplicação do direito repressivo e, com isso, dar concretude ao direito fundamental à segurança, ao mesmo tempo em que garante ao acusado a utilização de todos os mecanismos essenciais para defender sua liberdade. Esse embate entre segurança e liberdade constitui uma permanente fonte de tensão na persecução criminal, em que, quanto mais se intensifica a busca pela comprovação de um fato criminoso e de sua autoria (princípio instrumental punitivo), mais se fragiliza a garantia dos direitos fundamentais, sendo que, na direção inversa, quanto mais se procura garantir os direitos fundamentais (princípio instrumental garantista), mais se dificulta a produção probatória (FEITOZA, 2009, p. 48). Há doutrinadores, como Antônio Scarance Fernandes (2009, p. 228), que consideram que esse embate põe em lados opostos a eficiência e o garantismo, que seriam dois vetores conflitantes no processo penal. Antônio Scarance Fernandes (2009, p. 228-229), ao discorrer sobre a eficiência no processo penal, baseia-se na lição de Jean Pradel – para quem o princípio da eficiência, no âmbito da persecução criminal, é informado pelos princípios, o da busca da verdade e o da celeridade – e pontifica que “será eficiente o processo que, em tempo razoável, permitir atingir-se um resultado justo, seja possibilitando aos órgãos da persecução penal agir para fazer atuar o direito punitivo, seja assegurando ao acusado as garantias do processo legal”.


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Essa eficiência, numa perspectiva mais ampla, relacionada aos fins mediatos da persecução criminal, traduz-se, ainda, numa efetiva contribuição da persecução criminal para a concretização do direito à segurança pública, a tutela de bens jurídicos e a pacificação social. No que concerne ao garantismo, Antônio Scarance Fernandes (2009, p. 229) anota que o termo possui várias acepções no Direito Penal e no Direito Processual Penal, mas, em relação à persecução penal, o autor perfilha a ideia “de que o garantismo no processo penal representa a efetivação do devido processo legal, nos prismas subjetivo e objetivo: como garantias das partes, essencialmente do acusado, e como garantias do justo processo”. Em outras palavras, pode-se afirmar que o garantismo é um princípio instrumental, garantidor de direitos fundamentais (FEITOZA, 2009, p. 48) que atua no sentido de evitar intervenções persecutórias abusivas na esfera de direitos do cidadão, numa perspectiva que contempla a máxima efetividade dos direitos fundamentais e a proibição de excesso do poder. Assim, o garantismo da persecução criminal, aí considerado na perspectiva a que Streck (2010) se refere como garantismo negativo (vedação de excesso), não impede que a autoridade policial, o Ministério Público ou o Poder Judiciário adotem medidas interventivas de direitos fundamentais no curso da persecução criminal, desde que o uso dessas medidas sejam sustentados por elementos fáticos, jurídicos e analíticos suficientemente sólidos (FEITOZA, 2009, p. 52-53). No entanto, embora respeitemos a oposição entre eficiência e garantismo a que Antônio Scarance Fernandes se refere, entendemos que a atuação eficiente do Estado, no âmbito da persecução criminal, deve necessariamente levar em consideração as garantias fundamentais, pois a eficiência, em qualquer nível de atuação estatal, pressupõe o respeito aos outros princípios regentes da atividade desenvolvida pelo setor público, como a legalidade e a moralidade (DI PIETRO, 2001, p. 84), de modo que essa eficiência, num Estado Democrático de Direito, só seria possível com uma atuação persecutória balanceada, que contemple de forma equilibrada os princípios instrumentais punitivo e garantista, a que Denilson Feitoza (2009, p. 48) se refere, de modo a harmonizar os direitos à segurança e à liberdade.


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Para que essa harmonização seja possível, é preciso considerar que, se de um lado os agentes do Estado não podem violar indevidamente direitos fundamentais do cidadão na atividade de persecução criminal, por outro lado estão constitucionalmente obrigados a prestar uma atividade eficiente à sociedade, de sorte que o Ministério Público, na condição de órgão incumbido da defesa da sociedade e de proteção dos direitos fundamentais, deve utilizar-se de todos os meios necessários para realizar, a contento, sua missão de tutela dos direitos fundamentais. Nessa perspectiva, é dever do Ministério Público utilizar a inteligência para o desempenho das suas funções constitucionais, consoante lição de Almeida Neto (2009, p. 94): Nesse contexto de dever geral de proteção dos direitos fundamentais por parte do Estado e de reconhecimento de um direito subjetivo à proteção, inclusive preventiva, contra ingerências indevidas de terceiros e do próprio Estado na esfera jurídica de direitos fundamentais do indivíduo, não vemos como aquele poderá cumprir o seu mister se os seus órgãos, instituições, entidades ou departamentos responsáveis especificamente pela tutela dos aludidos bens jurídicos fundamentais não subsidiarem sua atuação com uma atividade de inteligência, estratégica e tática, responsável.

5.5 Atividade de inteligência no Ministério Público Diante do aumento da criminalidade e dos seus efeitos negativos para a sociedade, é cada vez maior a necessidade de que o Ministério Público atue com mais eficiência no enfrentamento à criminalidade, não só para reprimir delitos, mas também para preveni-los. Nesse contexto, o uso da inteligência, por parte do Ministério Público, mostra-se como um poder-dever para a instituição, já que a inteligência, com sua capacidade de busca de dados e produção de conhecimento, somada à sua capacidade preditiva, mostra-se como ferramenta indispensável no combate à criminalidade contemporânea. Assim sendo, Ministérios Públicos de todo o país têm criado e estruturado núcleos de inteligência, sendo certo que a utilização da atividade de inteligência têm tido especial destaque no Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas (GNCOC), criado em fevereiro de 2002 (esse Grupo leva o nome do promotor de justiça


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Francisco José Lins do Rêgo Santos, que foi morto em decorrência da sua atuação no combate à adulteração de combustíveis em Minas Gerais), o qual foi criado para organizar operações integradas de combate às organizações criminosas e, com o apoio da atividade de inteligência, já deflagrou várias operações exitosas, em nível regional e nacional (ALMEIDA NETO, 2009, p. 126), contando, geralmente, com o envolvimento dos Ministérios Públicos Federal e estaduais, Polícias Federal, civis e militares, polícias rodoviárias, Receitas Federal e estaduais, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), a Secretaria de Direito Econômico e a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), dentre outros órgãos. A propósito, como afirmado alhures, a inteligência ministerial já é reconhecida doutrinariamente como um ramo da atividade de inteligência, que atua não só na área criminal, mas também em relação às outras áreas de atuação do Ministério Público (PACHECO, 2006b, p. 640). Entretanto, é preciso ressalvar que, tendo em vista a autonomia administrativa e funcional do Ministério Público, a independência funcional dos seus membros e o princípio constitucional da separação dos poderes, o Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) não subordina o Ministério Público, já que o SISBIN foi criado para subsidiar o processo decisório no âmbito do Poder Executivo Federal (FEITOZA, 2006b, p. 640-641), de modo que não só o Ministério Público, como também os poderes Judiciário e Legislativo, não se subordinam ao SISBIN. É certo que o SISBIN tem como fundamentos valores que também são perseguidos pelo Ministério Público, tais como a defesa do Estado Democrático de Direito e a dignidade da pessoa humana. Isso, contudo, não torna o Ministério Público parte integrante do SISBIN, razão pela qual a instituição ministerial não compõe o Subsistema de Inteligência de Segurança Pública, criado na esfera do SISBIN (ALMEIDA NETO, 2009, p. 123). Não obstante, o fato de o Ministério Público não integrar o SISBIN e o SISP não significa que ele não possa desenvolver atividades de inteligência e que, para tanto, não possa conceber um sistema próprio de inteligência (ALMEIDA NETO, 2009, p. 123). Pelo contrário, a utilização da inteligência por parte do Ministério Público é um


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poder-dever decorrente das suas graves missões constitucionais de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, das quais deve desincumbir-se com eficiência. Segundo Almeida Neto (2009, p. 152), a regulamentação e a estruturação de uma unidade de inteligência permite ao Ministério Público não só acessar uma gama enorme de informações que fluem na sociedade e que, por circunstâncias variadas, não chegam (ou pelo menos em tempo oportuno) ao conhecimento do membro do Ministério Público, mas também efetuar uma gestão metódica dessas informações, com meios já suficientemente testados, tornando-as úteis para a sua utilização nos níveis tático ou estratégico, de modo a viabilizar antecipações e reduzir índices de impunidade. Afora isso, a atividade de inteligência traz em seu bojo um potencial de produção de conhecimentos e de gestão das informações não só em relação às informações que circulam fora do âmbito da instituição, mas também em relação à imensa massa de informações que já se encontram na instituição e que a ela afluem diariamente e em grande volume. Esse grande volume de informações demanda um tratamento eficaz, para o qual a atividade de inteligência é imprescindível (PACHECO, 2006b, 641-642). No entanto, é preciso frisar que, sendo a inteligência uma atividade meio, ela deve ser estruturada de modo adequado a subsidiar a atividade-fim que auxilia, de sorte que sua estruturação e funcionamento devem observar fielmente os preceitos da atividade. A propósito, Karla Padilha (2010) observa a necessidade de um maior desenvolvimento da atividade de inteligência, especificamente para fazer frente à criminalidade organizada, asseverando que “as atividades de inteligência, ainda que tenham avançado numa atuação sistemática e organizada, não atingiram níveis adequados ao tamanho e velocidade da proliferação da criminalidade organizada” No caso do Ministério Público, assim como ocorre com a atividade de inteligência em outros segmentos, o ideal é que se crie um sistema de inteligência que abranja não só os membros de um determinado ramo do Ministério Público, mas que, atento ao princípio da unidade do Ministério Público, também integre todos os ramos do Ministério Público, de modo a incrementar o intercâmbio de informações e a otimização


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de recursos, o que potencializa não só a capacidade do Ministério Público de reprimir de forma mais eficiente a criminalidade, mas também de antecipar acontecimentos e exercer uma tutela preventiva. Esse entendimento encontra respaldo na lição de Almeida Neto (2009, p. 126): É de se cogitar, inclusive, da construção de um sistema de inteligência ministerial maior, integrado não apenas pelos membros de um determinado ramo do Ministério Público, mas por todos os ramos do Ministério Público brasileiro, com um fluxo constante e controlado de informações e com a realização de atividades de cooperação mútua em escala nacional (e, reflexamente, internacional), dando ao princípio da unidade funcional de seus ramos um efeito menos retórico e mais prático.

Ademais, embora o Ministério Público não faça parte do SISBIN, a atividade de inteligência por ele desenvolvida deve colaborar estreitamente com tal sistema, já que a atividade de inteligência demanda integração, sendo incompatível com uma postura de isolamento, e, a par disso, o Ministério Público e o Poder Executivo existem com o fim maior de promover o bem comum (ALMEIDA NETO, 2009, p. 123). Nesse contexto, e considerando que um dos requisitos da repressão qualificada da criminalidade é a articulação das polícias com o sistema da justiça, conforme já visto anteriormente, pode-se afirmar que a atividade de inteligência ministerial deve ser desempenhada, naquilo que couber, em estreita colaboração com a atividade de inteligência policial. Essa colaboração, além de ir ao encontro dos preceitos da atividade de inteligência, permitiria ao Ministério Público um acesso maior e mais rápido a uma gama muito maior de informações, e ainda com economia de gastos, que possibilitariam ao Ministério Público reprimir com mais eficiência a criminalidade e, além disso, incrementar sua capacidade de agir preventivamente, evitando a ocorrência de delitos, já que a inteligência destaca-se por sua capacidade preditiva. A título de exemplo, pode-se mencionar que a Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) conta com um serviço de inteligência extremamente capilarizado, presente nos mais remotos rincões do Estado de Minas Gerais. Caso houvesse um maior estreitamento entre esse serviço de inteligência e o órgão de inteligência do Ministério


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Público mineiro, assim como a criação de um sistema de inteligência que envolvesse tosos os membros do Ministério Público mineiro, seria possível aos promotores de justiça criminais de todo o Estado conhecer amplamente o panorama da criminalidade em suas comarcas, regiões e no Estado como um todo. Para tanto, poderiam ser estabelecidos canais formais para a troca de informações, que também poderiam beneficiar as atividades policiais, haja vista que o Ministério Público, no curso de inquéritos policiais e processos judiciais, toma conhecimento de uma ampla gama de informações que podem realimentar o serviço de inteligência policial. Mas, para que a atividade de inteligência ministerial consiga entregar ao usuário, no caso o membro do Ministério Público, um produto apto à repressão da criminalidade, é fundamental que essa atividade conte com o apoio de analistas criminais. Nesse sentido, Luiz Eduardo Magalhães (2008b) aponta para a necessidade do trabalho desenvolvido pela análise criminal, no âmbito policial, citando Deladurantey: Segundo Deladurantey, sem uma análise apropriada, a informação não pode contribuir efetivamente para a consecução dos objetivos estratégicos da instituição policial. Quando uma instituição não possui capacidade analítica as informações brutas (dados) que ela recebe permanecem sem tratamento, não se completando o ciclo da produção de conhecimento necessário para a lapidação do dado bruto, consequentemente as informações que poderiam ser úteis para a gestão serão perdidas nos sistemas de arquivos inviabilizando a correta orientação e assessoramento do gestor.

É certo que as estatísticas criminais, utilizadas pela análise criminal, conforme já dito, “não constituem domínio específico da inteligência policial, já que envolvem conhecimento de fatos ocorridos no seio da comunidade, portanto de domínio público” (DANTAS, 2002). Não obstante, por constituir um domínio específico do conhecimento, é importante que a atividade de inteligência ministerial, no que toca ao enfrentamento da criminalidade, seja complementada com os conhecimentos da análise criminal, o que poderá resultar num produto informacional mais rico e detalhado. Para que seja possível um bom uso da inteligência no âmbito do Ministério Público, é preciso capacitar seus membros a lidar com essa ferramenta e seguir fielmente as diretrizes estabelecidas na Doutrina Nacional de Inteligência do Ministério


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Público, o que ajudaria a sedimentar uma cultura de inteligência no âmbito ministerial, propiciando, inclusive, um maior estreitamento com órgãos de inteligência de outras instituições. Nesse sentido, vale transcrever a lição de Almeida Neto (2009, p. 153): A comunicação direta com os diversos órgãos de inteligência de outras instituições também passa a ser possível a partir da implantação e estruturação de uma unidade de inteligência no Ministério Público, pois é cediço que “a comunidade de inteligência” costuma evitar a comunicação com instituições que ainda não tenham a sua unidade de inteligência devidamente estruturada, inclusive com uma doutrina própria inteiramente consolidada num documento único (com os respectivos princípios, linguagem, controles, padrões, classificações, técnicas de avaliação de dados, e documentos próprios da atividade de inteligência daquela unidade).

5.6 Ministério Público, inteligência e persecução criminal Com a crescente sofisticação da criminalidade, a inteligência tem sido utilizada com frequência cada vez maior em investigações e processos penais, sobretudo no que concerne ao crime organizado, na busca por uma maior eficiência na persecução criminal. Malgrado sejam escassas as reflexões doutrinárias sobre o uso da inteligência na persecução criminal, pode-se afirmar, em virtude do princípio da liberdade probatória do processo penal, que as provas obtidas pela inteligência são passíveis de utilização na investigação criminal, desde que observem as limitações de uso e de forma previstas na lei processual penal (PACHECO, 2006b, p. 634). Na verdade, o uso da inteligência, no âmbito investigativo, é possível até mesmo antes do início da investigação criminal, haja vista que o artigo 5°, § 3°, do Código de Processo Penal autoriza a realização de atividades de inteligência para a verificação da procedência das informações trazidas na notícia-crime, previamente à instauração de inquérito policial. Essa norma também se aplica, por analogia, ao Ministério Público, no que tange à instauração de procedimentos investigatórios criminais (ALMEIDA NETO, 2009, p. 146). Assim, antes do início da persecução criminal, o Ministério Público pode utilizar-se da atividade de inteligência para verificar a plausibilidade de notícias-crime


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que lhe tiverem sido encaminhadas e subsidiar a instauração de procedimento investigatório criminal. Nessa fase, o uso da inteligência evita a instauração desnecessária de um procedimento investigatório eventualmente fundado em notícias inverídicas, evitando o acionamento indevido do aparato estatal e as consequências indesejadas que uma investigação criminal naturalmente traz para os cidadãos investigados. É importante frisar que não se está aqui a confundir os conceitos de inteligência e investigação, que são coisas distintas, mas é importante ressaltar que a inteligência e a investigação, embora tenham escopos distintos, podem eventualmente possuir pontos de contato, casos em que a inteligência pode auxiliar no processo decisório relativo a uma investigação. Aliás, o Manual de Atuação Funcional do Ministério Público do Estado de Minas Gerais (MINAS GERAIS, 2008, p. 351), ao enumerar as atribuições do Centro de Segurança e Inteligência Institucionais (CESIN), menciona “o auxílio a investigações desenvolvidas pelos Centros de Apoio Operacional (CAO) do MP”. Já no curso de um procedimento investigatório ou de um inquérito policial (e, embora o Ministério Público não presida inquéritos policiais, cabe-lhe o acompanhamento dos inquéritos e, inclusive, a requisição de diligências no curso destes, conforme dispõe o artigo 129, VIII, da Constituição Federal), são amplas as possibilidades de utilização da inteligência e de suas técnicas operacionais, que se revestem de grande importância para a obtenção de provas mais consistentes, sobretudo em investigações complexas, como as que geralmente caracterizam as investigações envolvendo a macrocriminalidade, em relação à qual “a eficácia dos meios tradicionais de apuração é limitada” (MORETTI, 2009, p. 86). Novos meios sofisticados de obtenção de prova, alguns deles direcionados exclusivamente contra o crime organizado e os crimes praticados por quadrilhas, reclamam, de forma inexorável, o uso da inteligência. À guisa de exemplificação, podemos citar a ação controlada, prevista no art. 2° da Lei 9.034/1995, em que, além de ser necessário que a autoridade policial tenha elementos suficientemente idôneos para crer que um delito em progresso esteja sendo


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praticado por quadrilha ou organização criminosa e, assim, deixar de efetuar uma prisão em flagrante, é necessário que sejam empregadas técnicas de inteligência para manter os integrantes do grupo criminoso já identificados sob observação e acompanhamento, ou seja, sob vigilância, a fim de viabilizar que a medida legal seja tomada no momento mais eficaz, no que tange à formação de provas e fornecimento de informações, visando ao maior impacto possível – e, se realizável, ao completo desbaratamento – da quadrilha ou organização criminosa. Outro exemplo de utilização da inteligência em investigações é a interceptação telefônica, técnica surgida no âmbito da inteligência – mas que hoje não pode ser validamente utilizada pela inteligência – e que tem sido assaz importante para o êxito de importantes investigações, como bem lembra Sérgio Andrade Werner (2008, p. 74): A identificação dos integrantes e da forma de atuação das quadrilhas e organizações criminosas, que foram objetos de grandes operações realizadas pela Polícia Federal nos últimos anos, foi resultado do trabalho de inteligência, no qual as interceptações telefônicas, juntamente com outros elementos, foram determinantes.

Aliás, é interessante observar que, sem a atividade de inteligência, seria muito difícil obter os números telefônicos de possíveis alvos de uma investigação criminal, haja vista que, atualmente, os criminosos não costumam registrar as linhas telefônicas em seus nomes e trocam de linha telefônica com velocidade impressionante, sem contar que, frequentemente, utilizam várias linhas telefônicas simultaneamente, para dificultar rastreamentos. Os exemplos acima citados evidenciam a importância da atividade de inteligência no âmbito da atividade de investigação criminal, cabendo ao Ministério Público identificar as possibilidades de utilização da inteligência em cada investigação, principalmente no que concerne a meios especiais de obtenção de provas e a medidas cautelares, como buscas e apreensões e prisões preventivas. A propósito, Denilson Feitoza Pacheco (2006b, p. 634), ao discorrer sobre a utilização da inteligência na persecução criminal, considera que é justamente na fase de investigação criminal que a inteligência tem maior aplicabilidade: Tal aplicabilidade ocorre mais intensamente na fase de investigação criminal,


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tendo em vista sua finalidade de servir de base à propositura de ações penais e às medidas cautelares pessoais (prisões provisórias, busca-apreensão pessoal) e reais (seqüestro, arresto, busca-apreensão de coisas etc.). Assim, uma filmagem com som, feita em público, em que o indiciado declara que irá fugir, inclusive com o detalhamento da fuga, servirá para que um juiz criminal decrete sua prisão temporária ou preventiva, conforme o caso, não importando se a filmagem foi feita por uma operação de inteligência ou por uma investigação criminal.

No que concerne ao uso das provas obtidas pela inteligência no curso do processo penal, Denilson Feitoza Pacheco (2006b, p. 634) assinala que sua “aplicabilidade é menor, tendo em vista as normas probatórias mais limitativas, como princípio do contraditório, princípio da ampla defesa etc.”. Não obstante, segundo o autor, uma vez respeitados os princípios em questão, e observadas as limitações de conteúdo e de forma da lei adjetiva penal, tais provas podem ser utilizadas. Em caso de eventual utilização do produto da atividade de inteligência, esse uso deve ser compatível com o sigilo requerido pela atividade de inteligência, de sorte que os documentos fornecidos pela inteligência devem ser previamente “tratados”, ou seja, devem passar por uma filtragem que permita ao usuário do produto expor apenas os dados necessários à atividade que desenvolve, sem revelar dados que constituem o núcleo secreto da atividade, como a identificação de agentes que atuaram nas operações de inteligência. Sobre o “tratamento” dos documentos de inteligência, vejamos a lição de Denilson Feitoza Pacheco (2006b, p. 647): [...] os documentos de inteligência não devem ser, pura e simplesmente, juntados aos autos de um inquérito policial ou de um processo penal, mas convenientemente “tratados”, inclusive por força de sigilos legalmente impostos aos agentes de inteligência e/ou matérias sigilosas, o que pode inviabilizar, no caso concreto, seu “tratamento” e utilização no âmbito do direito processual penal.

Além disso, é importante levar em consideração que, mesmo em casos em que as informações fornecidas por órgãos de inteligência não possam, eventualmente, ser utilizadas, ainda assim elas podem vir a melhor orientar a atuação do Ministério Público no caso concreto, seja em investigações criminais ou em processos (PACHECO, 2006b, p. 642). Como exemplo disso, o Ministério Público pode valer-se de informações obtidas pela inteligência para, utilizando-se da técnica de entrevista,


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melhor conduzir o interrogatório de investigados ou réus e obter deles respostas que reforcem o conjunto de provas de uma persecução, ou, ainda, valer-se de tais informações para melhor conduzir a inquirição de testemunhas e, na mesma linha de raciocínio aplicada ao interrogatório, obter respostas que agreguem valor ao conjunto probatório. Aliás, acreditamos que uma das principais formas de utilização da inteligência na persecução criminal, por parte do Ministério Público, poderia ser justamente o conhecimento produzido pela inteligência a respeito de elementos-chave da criminalidade, assim como a rede de vínculos desses criminosos e o seu envolvimento com bandos ou organizações criminosas. Esse conhecimento produzido pela inteligência, embora geralmente não constitua, por si só, prova a ser utilizada em investigações ou processos criminais, pode nortear a atuação do Ministério Público na seara criminal, ajudando-o a estabelecer suas prioridades. Assim, ao receber informações da inteligência sobre elementos-chave da criminalidade, o órgão de execução do Ministério Público deve verificar os inquéritos, procedimentos investigatórios e processos referentes a esses indivíduos e priorizar o andamento

dessas

investigações

e

processos,

mediante

o

seu

cuidadoso

acompanhamento, a articulação com as autoridades policiais responsáveis pela condução dos inquéritos – cabendo ao Ministério Público requisitar da autoridade policial todas as diligências investigatórias necessárias para a conclusão mais célere possível da investigação – e o rigoroso controle do andamento dos processos. Isso, obviamente, não significa que o Ministério Público deva descuidar do andamento das demais investigações e processos criminais; no entanto, diante do grande volume de serviço que sabidamente dificulta a atuação da maior parte dos órgãos ministeriais, delegacias de polícia e varas judiciais, é importante que se estabeleçam prioridades de atuação, a fim de que as persecuções criminais com maiores perspectivas de impactos positivos à segurança pública tenham o andamento mais célere possível, o que, acreditamos, iria ao encontro do anseio de “eficiência eficientíssima”, que, segundo Santin, o constituinte manifestou em relação à segurança pública (2004, p. 150). A


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propósito, a priorização de casos é plenamente compatível com o fim mediato geral da persecução penal, ou seja, a segurança pública, desde que os casos priorizados sejam aqueles que possam trazer repercussões mais positivas à segurança pública, tarefa que o Ministério Público só conseguirá desempenhar com o auxílio da inteligência. Aliás, vale ressaltar que “o aprisionamento de atores motivados para o crime diminui a probabilidade de que venham a cometer ações criminosas” (SAPORI, 2007, p. 124), sendo comprovado que a estratégia repressiva de atuação proativa na prisão de criminosos reincidentes, com foco e direcionamento para certos criminosos e certas áreas produz bons resultados na prevenção à criminalidade (SHERMAN, 1996, apud SAPORI, 2007, p. 84). Mas não basta que o Ministério Público identifique casos prioritários e vele pelo andamento mais célere desses casos, pois é preciso que o uso do conhecimento disponibilizado pela inteligência seja otimizado, de modo a permitir a obtenção dos melhores resultados possíveis no enfrentamento da criminalidade. Assim, além de velar pelo andamento mais célere de persecuções criminais relativas a elementos-chave da criminalidade, é fundamental que o órgão de execução do Ministério Público efetue pesquisas, junto aos bancos de dados disponíveis, para verificar a existência de persecuções criminais contra o agente criminoso em outras comarcas ou mesmo em outras unidades da federação, devendo articular-se com os órgãos de execução ministerial dessas outras comarcas e expor a importância de uma maior ênfase nas persecuções criminais (inquéritos ou processos) relativas a esses criminosos, a fim de viabilizar não só a troca de informações e provas levantadas nessas investigações e processos com trâmite em diferentes comarcas, mas, sobretudo, para viabilizar uma sincronia da atuação estatal e aumentar a probabilidade de obtenção de condenações mais céleres e com penas mais rigorosas. A propósito, essa estratégia de articulação entre diferentes órgãos de execução ministeriais vai ao encontro do princípio constitucional da unidade do Ministério Público, previsto no artigo 127, § 1°, da Constituição Federal, o qual, conjugado ao princípio constitucional da eficiência, torna imperativo que diferentes órgãos ministeriais deixem de atuar como “ilhas de trabalho e de conhecimento” e promovam o máximo possível de compartilhamento de


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informações, de modo a potencializar a atuação institucional e obter resultados mais satisfatórios para a sociedade. Estratégias como essas têm sido utilizadas, com êxito, pelo Ministério Público, no Programa de Controle de Homicídios do Estado de Minas Gerais, também conhecido como Fica Vivo!, já implantado em algumas cidades do Estado de Minas Gerais, com o escopo de prevenir crimes, sobretudo, em áreas com índices muito elevados de criminalidade violenta. Embora esse programa tenha o escopo de prevenir crimes, ele também atua na repressão de crimes para atingir tal desiderato, valendo-se de grupos de intervenção estratégica, constituídos por representantes da Polícia Civil, Polícia Militar, Ministério Público, Poder Judiciário e Secretaria de Estado de Defesa Social. Esses grupos de intervenção estratégica promovem reuniões periódicas que têm por escopo o compartilhamento de informações sobre elementos-chave da criminalidade e gangues criminosas e a articulação e o estabelecimento de estratégias de atuação para um enfrentamento conjunto da criminalidade, sendo certo que isso tem levado a uma maior eficiência do sistema de justiça criminal (BEATO; SILVA; SILVEIRA, 2008). Por outro lado, é importante lembrar que, identificadas possíveis lideranças da criminalidade por parte da inteligência, é importante que o Ministério Público busque o máximo possível de informações sobre a atividade criminosa realizada por esses agentes, inclusive em relação a eventuais comparsas desses indivíduos, ao modus operandi das atividades criminosas e a dividendos obtidos com essas atividades ilícitas, a fim de viabilizar uma atuação repressiva altamente eficaz, que traga fortes impactos não só para o criminoso individualmente considerado, mas também para a organização ou quadrilha da qual eventualmente ele faça parte. Destarte, ao deparar-se com a atuação de organizações criminosas ou quadrilhas, ou mesmo de criminosos que supostamente integrem um bando ou organização voltada para a prática de crimes que tenham repercussão financeira (via de regra, agentes associados para a prática de crimes são motivados pelos ganhos financeiros que o crime pode trazer), deve o Ministério Público buscar informações sobre os dividendos obtidos pelos investigados ou acusados com a atividade criminosa, a fim de permitir não só a apreensão e o sequestro dos bens, como sua posterior perda,


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caso reste comprovado que os bens foram auferidos com as práticas criminosas. Nesse particular, a atividade de inteligência também se mostra de grande importância, haja vista que é cada vez mais difícil rastrear o patrimônio de criminosos, que se valem das mais diversas técnicas para ocultação dos seus bens, tais como registro de bens e abertura de contas em nome de terceiros (“laranjas”) ou de empresas de fachada. Assim, deve o Ministério Público tentar obter informações sobre o patrimônio de criminosos, mediante consulta a todas as bases de dados disponíveis, como, por exemplo, a Rede Infoseg, e junto a órgãos de inteligência, sobretudo ao órgão de nacional de inteligência financeira, o Conselho de Controle de Atividades Financeira – COAF. Noutro giro, é importante ressaltar que os órgãos de execução do Ministério Público não devem apenas aguardar, passivamente, o recebimento de produtos da inteligência para utilização nas suas atividades persecutórias. Isso porque, na sua atividade cotidiana, os órgãos de execução ministerial deparam-se com uma imensa gama de informações que, infelizmente, muitas vezes não podem ser devidamente lapidadas em processos criminais, devido não só às limitações de escopo do processo, mas também às questões relativas aos prazos processuais (processos penais devem ter uma duração razoável, conforme artigo 5°, LXXVIII, da Constituição Federal, o que pode inviabilizar um aprofundamento maior da atividade probatória, sobretudo em processos com réus presos, em que os prazos são mais rígidos). Para melhor ilustrar o raciocínio ora desenvolvido, é muito comum que, em apreensões de substâncias entorpecentes, surjam, no curso de inquéritos policiais e processos penais, informações de que determinados envolvidos com o crime sejam integrantes de grupos de traficantes de drogas, sendo comum que informações desse jaez não restem devidamente provadas no curso do inquérito ou do processo, ensejando apenas condenações por delito de tráfico de drogas, sem que eventual associação para o tráfico de drogas seja objeto de imputação ou de condenação. E, segundo o nosso raciocínio, situações como essas poderiam ser objeto de uma repressão mais eficiente se o Ministério Público repassasse aos órgãos de inteligência competentes essas informações que frequentemente chegam aos inquéritos e processos, sobre o


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envolvimento de determinados indivíduos com grupos ou gangues criminosas, a fim de que a inteligência proceda às atividades de coleta e busca pertinentes, a fim de verificar a existência desses grupos e gangues, assim como a composição destes e a procedência de informações sobre o pertencimento de determinados indivíduos a esses grupos ou gangues de criminosos. Procedimentos dessa natureza poderiam resultar na obtenção de um conhecimento muito mais detalhado acerca da criminalidade combatida pelo Ministério Público, sendo possível que a inteligência fornecesse, incidentalmente, informações preciosas ao órgão ministerial ainda no curso da persecução criminal em que tal órgão vislumbrou informações relevantes e demandou levantamentos por parte da inteligência. Por outra banda, ainda que o conhecimento gerado pela inteligência não seja gerado a tempo de permitir o seu uso na persecução criminal que gerou a demanda informacional, esse conhecimento pode – e deve – integrar uma base de dados para futuras utilizações em outras persecuções que tenham como investigados ou réus as mesmas pessoas sobre quem a inteligência buscou informações ou que tenham como objetos delitos praticados pelo mesmo grupo ou gangue criminosa à qual pertencem, o que estabelece um círculo virtuoso em que informações geram mais conhecimento e mais possibilidades de um enfrentamento eficiente da criminalidade. Todavia, é importante ressaltar que a atividade de inteligência deve ser desenvolvida com plena possibilidade de controle, de modo que, ao utilizar o produto da inteligência, o Ministério Público deve exigir a formalização dos seus atos, a fim de viabilizar os controles internos e externos que o regime democrático impõe, para que a atividade não se converta em instrumento de violação daquilo que pretende proteger (ALMEIDA NETO, 2009, p. 144). Ademais, sempre que o uso da inteligência envolver a busca por dados negados – o que, segundo ALMEIDA NETO (2009, p. 145), nem sempre ocorre –, é fundamental que essa utilização ocorra excepcionalmente, sendo vedada sua banalização, já que as intervenções em direitos fundamentais só se justificam à luz do princípio da proporcionalidade, numa perspectiva que propicie ao Estado uma atuação equilibrada e eficiente, tendo em vista o princípio da proibição de proteção deficiente


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(Untermaßverbot), mas que não desborde em uma atuação excessiva e desproporcional (Übermaßverbot).

5.7 O princípio da proporcionalidade e o uso da inteligência Como já visto, a persecução criminal prevê uma série de intervenções nos direitos fundamentais do cidadão, estabelecendo uma relação conflitante entre a busca por uma tutela eficiente dos bens jurídico-penais e da segurança pública e os direitos fundamentais do indivíduo submetido à persecução criminal, ou seja, numa relação de antagonismo entre o direito coletivo à segurança e as garantias processuais que visam resguardar as liberdades individuais. Esse antagonismo se traduz como um verdadeiro entrechoque de forças na persecução criminal, fenômeno a que Denilson Feitoza (2009, p. 48) se refere como “contrariedade fundamental da persecução criminal”, assim descrito pelo autor: quanto mais intensamente se procura demonstrar a existência do fato delituoso e sua autoria (princípio instrumental punitivo), mais se distancia da garantia dos direitos fundamentais, e quanto mais intensamente se garantem os direitos fundamentais, mais difícil se torna a coleta e a produção de provas que poderão demonstrar a existência do fato delituoso e sua autoria.

Tanto a segurança pública como os bens jurídico-penais tutelados pelo direito repressivo são entes normativos contemplados pela Constituição Federal, possuindo status de bens jurídico-constitucionais, sendo certo que as intervenções em direitos fundamentais promovidas pela persecução criminal têm, em última instância, o escopo de viabilizar que a atividade persecutória alcance os seus fins. Com isso, a persecução penal torna-se palco de conflitos entre entes normativos constitucionalmente assegurados, o que exige dos operadores do sistema de justiça criminal um metódico estudo dos bens conflitantes e de todas as implicações que esse conflito pode trazer no caso concreto, a fim de alcançar a melhor relação possível entre os direitos à segurança e à liberdade, de modo que a atividade persecutória compatibilize os princípios instrumentais punitivo e garantista e, dessa forma, possa realizar plenamente os fins para os quais foi constitucionalmente concebida.


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É nesse contexto que se insere o princípio da proporcionalidade, apontado pela doutrina como um importante norte na busca do equilíbrio entre os princípios instrumentais punitivo e garantista na atividade de persecução penal. Lado outro, já foi visto, no presente trabalho, que a inteligência é um instrumento poderoso, que muito pode contribuir para a uma busca mais incisiva da verdade na persecução criminal, sendo certo que o seu uso deve ocorrer excepcionalmente, sempre que conflitar com direitos fundamentais dos cidadãos investigados ou processados. Nesse diapasão, vale trazer à baila os ensinamentos de Almeida Neto (2009, p. 94): Nesse contexto de dever geral de proteção dos direitos fundamentais por parte do Estado e de reconhecimento de um direito subjetivo à proteção, inclusive preventiva, contra ingerências indevidas de terceiros e do próprio Estado na esfera jurídica de direitos fundamentais do indivíduo, não vemos como aquele poderá cumprir o seu mister se os seus órgãos, instituições entidades ou departamentos responsáveis especificamente pela tutela dos aludidos bens jurídicos fundamentais não subsidiarem a sua atuação com uma atividade de inteligência, estratégica e tática, responsável. É óbvio que, não tendo a lei fixado o “como”, possibilitando a discricionariedade no cumprimento de tal mister, aqueles sujeitos responsáveis por essa proteção só poderão lançar mão das medidas agressivas que estejam devidamente autorizadas e em proporção adequada à posição ocupada pelo bem fundamental que se busca proteger, conforme já destacado [grifo nosso].

Diante da necessidade de que a inteligência seja utilizada de modo proporcional, faz-se mister abordar o princípio da proporcionalidade, ainda que de forma resumida, no presente trabalho. O princípio da proporcionalidade nasceu e se consolidou na Alemanha (Verhältnismäßigkeitsprinzip), e suas origens remontam a 1791, quando Jellineck, numa conferência sobre o direito de polícia, disse que “O Estado somente pode limitar com legitimidade a liberdade do indivíduo na medida em que isso for necessário à liberdade e à segurança de todos” (STRECK, 2001, p. 84-85). Denilson Feitoza Pacheco (2007, p. 71) conceitua o princípio da proporcionalidade da seguinte forma: O princípio da proporcionalidade é um estado ideal de coisas a ser atingido, no qual todas as intervenções em direitos fundamentais somente seriam feitas se, previamente, tivessem sido examinadas e satisfeitas sua idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Em outras palavras,


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podemos pensar a proporcionalidade lato sensu e seus componentes idoneidade, necessidade e proporcionalidade stricto sensu como princípios cujo fim é promover um estado de coisas no qual todas as medidas legislativas, judiciais e administrativas sejam adequadas, necessárias e proporcionais strito sensu relativamente aos direitos fundamentais. Para tanto, todos os meios necessários à realização desse estado ideal devem ser realizados, por exemplo, de lege ferenda, estabelecendo-se a exigência legal de sua demonstração prévia à realização de atos probatórios.

O princípio da proporcionalidade estabelece um método de argumentação de intervenção em direitos fundamentais, impondo que seja verificada a existência de um fim legítimo para a medida interventiva, e que, a partir das implicações dos bens e direitos em conflito, seja feita a verificação da relação meio-fim entre a medida interventiva e o fim perseguido (PACHECO, 2007, p. 138). Esse método argumentativo consiste na fundamentação das intervenções em direitos fundamentais a partir do exame da adequação ou idoneidade, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, elementos classificados como subprincípios do princípio da proporcionalidade (PACHECO, 2007, p. 276). O princípio da adequação, também conhecido como princípio da idoneidade, impõe que toda intervenção em direitos fundamentais deve favorecer a realização de um fim, ou seja, deve ser adequada à obtenção do fim almejado (PACHECO, 2007, p. 184). A demonstração da idoneidade de um determinado meio de intervenção em direitos fundamentais deve ser calcada em sólidas premissas empíricas, analíticas e normativas, o que permite estabelecer racionalmente uma relação de causalidade entre o meio a ser utilizado e o fim colimado pela norma (PACHECO, 2007, p. 283). Já o princípio da necessidade, por seu turno, corresponde à segunda etapa da aplicação do princípio da proporcionalidade, e diz respeito, como o próprio nome diz, ao exame da necessidade de utilização de um determinado meio interventivo em direitos fundamentais, frente a outros meios alternativos que poderiam ser empregados, com resultados menos gravosos ao direito fundamental. O exame da necessidade também deve ser feito a partir de premissas empíricas, analíticas e normativas seguras, sendo certo que, no exame das medidas alternativas, também deve ser feita a análise da idoneidade de tais meios (PACHECO, 2007, p. 284-285).


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Exemplo claro da aplicação do princípio da necessidade, em nosso ordenamento jurídico, encontra-se na Lei 9.296/1996, que, em seu artigo 4º, exige a demonstração da necessidade de interceptação telefônica como requisito para que ela seja judicialmente autorizada. A esse respeito, vejamos o magistério de Lênio Luiz Streck (2001, p. 84): [...] o Juiz deverá fazer uma avaliação da necessidade da realização da escuta telefônica, sendo que, para tanto, deverá ter em mente que a interceptação – portanto a quebra da privacidade – é a única forma possível e razoável para proteger outros valores fundamentais da coletividade e da defesa da ordem jurídica. [...] Disso decorre que o Juiz, na apreciação do pedido de interceptação de comunicação telefônica, deverá, de forma (bem) fundamentada, considerar o princípio da proporcionalidade, e, mais precisamente, realizar o sopesamento entre o interesse público, por um lado, e a esfera da intimidade protegida pelos direitos fundamentais do outro. Ao Juiz é que caberá dizer, pois, no caso concreto, o que é razoável, confrontando o direito à intimidade – garantido pela Constituição – com o interesse público.

Vê-se que não basta que o meio alternativo seja possível, pois esse meio deve ser razoável para a proteção dos direitos da coletividade, de modo que devem ser desconsiderados, no exame da necessidade, os meios alternativos que não podem ser postos em prática por questões de ordem técnica ou pela sua excessiva onerosidade (PACHECO, 2007, p. 203). Após o exame da adequação e da necessidade da medida interventiva, deve o operador jurídico proceder ao exame da proporcionalidade em sentido estrito, segundo o qual a restrição que a medida causa no direito fundamental deve ser compensada pelos efeitos positivos que a adoção dessa medida resultará na realização do fim perseguido, sendo certo que esse exame deve estar calcado em elementos seguros e deve ter em mente uma perspectiva abrangente do fim perseguido (no âmbito da persecução criminal, deve-se ter em mente não só seus fins mediatos, mas também seus fins imediatos). Em outras palavras, com a utilização da proporcionalidade em sentido estrito, deve o operador do Direito sopesar os elementos conflitantes, em busca da melhor relação “custo-benefício” no conflito de entes normativos. Assim, considerando que a persecução criminal se desenvolve num quadro de constante colisão de interesses, numa equação sensível e sujeita a infinitas variações,


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o princípio da proporcionalidade mostra-se de vital importância para a correta dosagem entre a busca pela verdade e as garantias do indivíduo submetido à persecução criminal, de modo que o Estado, no âmbito da persecução criminal, possa agir na medida certa, ou seja, sem excessos e sem pecar pela ineficiência, em plena consonância com o espírito constitucional. No entanto, para que a aplicação da proporcionalidade seja feita corretamente e sem arbítrios, faz-se mister que ela seja alicerçada em elementos analíticos bastante sólidos, que permitam ao Ministério Público e demais operadores do Direito justificar o uso da inteligência com fundamentos científicos, e não com meros argumentos de retórica, que, infelizmente, desvirtuam o princípio em comento. Dessa forma, o Ministério Público deve utilizar-se intensamente da análise criminal para conhecer detalhadamente o panorama da criminalidade em suas áreas de atuação, sendo certo que, com o uso intensivo da análise criminal, é possível conhecer, dentre outros dados relevantes, quais são os pontos com alta incidência de crimes, quais são as consequências sociais da criminalidade em diferentes áreas e sobre diferentes populações e quais são as modalidades de crimes que mais têm impactado uma determinada comunidade e que demandariam uma atuação mais incisiva do Estado para o seu enfrentamento.


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6 CONCLUSÕES A inteligência é um instrumento essencial para a repressão qualificada da criminalidade, sendo imprescindível que o Ministério Público se utilize de tal instrumento para, de modo imparcial, desempenhar, eficientemente, a sua atuação na área criminal e, assim, cumprir sua missão constitucional, no que tange à segurança pública. As possibilidades de utilização da inteligência na repressão à criminalidade, por parte do Ministério Público, são inúmeras, mas, apesar da amplitude do tema, é possível estabelecer algumas diretrizes para o uso do instrumento em questão, na perspectiva ministerial. Já no curso de procedimentos investigativos criminais ou de inquéritos policiais, as possibilidades de utilização da inteligência para a elucidação dos fatos são as mais variadas, cabendo ao Ministério Público, seja no curso de procedimento investigativo por ele presidido, seja no acompanhamento de inquéritos policiais instaurados e presididos pela autoridade policial, verificar situações que demandariam a produção de provas mais complexas e a utilização da inteligência, tal como ocorre nos casos em que se vislumbra a atuação de organizações ou bandos criminosos, com a necessidade de procedimentos como a ação controlada, a infiltração e interceptações telefônicas. Para tanto, deve haver especial atenção, por parte do órgão ministerial, às peculiaridades de cada investigação, a fim de que possa identificar as situações em que a produção de provas mais complexas e que se utilizam de técnicas de inteligência seria necessária para descortinar aspectos ocultos da infração penal. Ainda no curso de investigações, sempre que se deparar com situações que possam envolver bandos ou organizações criminosas, deve o órgão ministerial verificar, junto ao setor de inteligência da instituição e aos respectivos serviços de inteligência da Polícia Civil e Militar, eventualmente existentes em sua área de atuação, se há informações sobre o envolvimento do investigado ou dos investigados com algum grupo que se dedica a atividades criminosas, o que poderá alargar o âmbito da investigação, ensejando a necessidade de investigações mais sofisticadas, que se utilizem de meios de


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prova tais como interceptações telefônicas e ações controladas, em que, como já visto, o apoio da atividade de inteligência é fundamental. Ademais, a utilização de inteligência, no curso de investigações, pode ser de grande valia para a utilização de medidas cautelares, como buscas e apreensões e prisões provisórias. Aliás, a inteligência, associada com o uso intensivo da análise criminal, propicia ao membro do Ministério Público uma visão detalhada da criminalidade na sua área de atuação, podendo auxiliá-lo na fundamentação de medidas constritivas, como, por exemplo, a decretação de uma prisão preventiva baseada na necessidade da garantia da ordem pública. Essa utilização poderia ocorrer, por exemplo, quando levantamentos efetuados pela inteligência dessem conta de que determinadas pessoas submetidas à persecução criminal tivessem envolvimento profundo com a criminalidade e representassem séria ameaça no meio em que estivessem inseridos, sendo que esses levantamentos poderiam ser utilizados, com o devido tratamento, para embasar um eventual pedido de prisão cautelar para o resguardo da ordem pública. Embora a aplicabilidade da inteligência na persecução criminal seja assaz ampla, é preciso que as provas obtidas pelas atividades de inteligência (aí incluídas as obtidas pelas operações de inteligência) respeitem as limitações de conteúdo e de forma estabelecidas pela lei processual penal, de modo que uma interceptação telefônica feita sem autorização judicial, ainda que isso seja possível, não pode ser utilizada validamente na persecução criminal. No que diz respeito ao processo criminal propriamente dito, a aplicabilidade da inteligência é menor, já que há mais restrições à produção probatória, decorrentes de princípios tais como o do contraditório e o da ampla defesa. Isso, no entanto, não inviabiliza o uso da inteligência na persecução criminal, a qual pode ser utilizada no curso do processo penal, desde que esse uso não viole as normas que regem a atividade probatória. Entretanto, tendo em vista que há sigilos legais impostos às atividades de inteligência, em relação aos seus agentes e em relação a matérias sigilosas com as quais a atividade lida, é preciso que os elementos probatórios obtidos pela inteligência sejam


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submetidos a um “tratamento”, ou seja, uma filtragem que possibilite a utilização do produto da inteligência, naquilo em que ele seja de interesse para a persecução criminal, sem que os dados sigilosos da atividade sejam expostos na persecução criminal. Pode haver situações em que esse “tratamento” do produto da inteligência não se mostre possível, o que, todavia, não retira por completo a utilidade do produto da inteligência para a atuação criminal do Ministério Público, já que, nesses casos, o conhecimento produzido pela inteligência pode servir como norte para a sua atuação na persecução criminal, auxiliando-o na atividade de produção probatória, inclusive em interrogatórios e inquirições de testemunhas. No entanto, a grande possibilidade que a inteligência oferece no âmbito da persecução criminal não é em relação à produção de provas propriamente dita, mas, sim, no que tange ao panorama abrangente da criminalidade que ela revela ao Ministério Público, com o detalhamento de grupos criminosos, pontos quentes de criminalidade e a identificação de pessoas altamente inclinadas a práticas criminosas, cabendo ao Ministério Público, diante do conhecimento desse panorama da criminalidade, estabelecer prioridades de atuação e, assim, dar maior ênfase às persecuções criminais que possam contribuir de modo mais significativo para o incremento da segurança pública. Essa priorização em relação a determinadas investigações e processos deve ocorrer, sobretudo, em relação a indivíduos que sejam apontados como elementos-chave da criminalidade e a integrantes de grupos e organizações criminosas, cabendo ao membro do Ministério Público adotar boas práticas de gestão do conhecimento para identificar situações que permitam uma repressão qualificada no âmbito de cada persecução, tais como pesquisas sobre o patrimônio de criminosos, visando ao sequestro dos bens auferidos com o crime, e levantamentos sobre a existência, em outras comarcas, de outras persecuções ou mandados de prisão contra os indivíduos investigados ou processados, de modo a viabilizar o andamento mais célere possível de todas as persecuções existentes contra determinado indivíduo, o que permite não só uma maior otimização da atividade probatória, com trocas de informações reunidas em diferentes investigações e processos, em relação a um mesmo agente, a par de aumentar


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a probabilidade de responsabilização penal do agente e de fixação de penas mais rigorosas. O estabelecimento de prioridades, no que tange ao acompanhamento de investigações e ações penais, vai ao encontro do fim mediato geral da persecução criminal, qual seja, a segurança pública, já que, ao estabelecer prioridades de atuação, o Ministério Público gerencia com mais eficiência seus limitados recursos e pode atuar com maior ênfase em persecuções criminais que tenham maior potencial de trazer impactos significativos à segurança pública. A par disso, o membro do Ministério Público deve ter uma postura proativa em relação à inteligência, enquanto órgão, já que, na sua atuação cotidiana na área criminal, há uma imensa massa informacional que pode ser bem lapidada pelo órgão de inteligência, de sorte que cabe ao órgão de execução ministerial, sempre que se deparar com informações relevantes, como a existência de gangues ou organizações criminosas, encaminhá-las ao órgão de inteligência ministerial e aos órgãos de inteligência policial, a fim de que a informação possa ser verificada e até cruzada com outras de que o órgão de inteligência já disponha, o que pode gerar um conhecimento mais acurado e que deve ser armazenado em banco de dados da instituição, para que seja suscetível de utilização em persecuções criminais atuais ou futuras, já que esse conhecimento se incorpora ao patrimônio informacional da instituição. Por outro lado, conclui-se que o produto da inteligência pode constituir-se em conhecimento obtido a partir de fontes abertas, caso em que entendemos que sua utilização não deve ser alvo de maiores restrições. Todavia, sempre que o uso da inteligência ensejar a busca de dados negados e entrar em rota de colisão com direitos fundamentais, é fundamental estabelecer uma forma segura de balizar a utilização dos mecanismos de intervenção de direitos fundamentais da inteligência e mensurar a intensidade do seu uso, a fim de que a inteligência seja empregada como um instrumento eficiente na promoção da segurança pública e na proteção dos cidadãos e, ao mesmo tempo, não configure uma intervenção abusiva do Estado na esfera jurídica dos indivíduos. Assim, o uso da inteligência pelo Ministério Público, nas suas atividades de repressão qualificada da criminalidade, deve caminhar na estreita linha existente entre os princípios da vedação de proteção deficiente (Untermaßverbot) e da


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vedação de excesso (Übermaßverbot), pois só essa perspectiva concilia os direitos fundamentais do cidadão individualmente considerado e os direitos do restante da coletividade. Essa difícil equação entre a proibição de proteção deficiente e a vedação de excesso enseja a aplicação do princípio da proporcionalidade, o qual oferece um método já amplamente testado na ponderação de bens jurídicos conflitantes e é aplicável a quaisquer casos concretos, mediante a análise dos critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade

em

sentido

estrito.

Com

a

aplicação

do

princípio

da

proporcionalidade, acreditamos que o emprego da inteligência pode ocorrer de forma criteriosa e, assim, auxiliar o Ministério Público a atuar com eficiência no enfrentamento da criminalidade e contribuir para promover a segurança pública da coletividade, com o mínimo possível de sacrifícios aos direitos fundamentais dos investigados ou dos acusados. No entanto, para que a aplicação da proporcionalidade seja feita corretamente e sem arbítrios, faz-se mister que ela seja alicerçada em elementos analíticos bastante sólidos, que permitam ao Ministério Público e demais operadores do Direito justificar o uso da inteligência com fundamentos científicos, e não com meros argumentos de retórica, que, infelizmente, desvirtuam o princípio em comento, de modo que o uso da análise criminal pode conferir ao membro do Ministério Público a base analítica necessária para justificar, à luz do princípio da proporcionalidade, a utilização de elementos incisivos da inteligência para a busca de informações. No mais, é importante que se tenha em mente que, embora a inteligência seja ferramenta essencial na atividade de repressão qualificada à criminalidade, seu uso não pode ocorrer em quaisquer persecuções criminais individualmente consideradas, devendo ser reservado a situações mais complexas e que representem maiores ameaças à segurança pública. Isso porque, assim como o Direito Penal é a ultima ratio do Estado na proteção de bens jurídicos, os mecanismos de intervenção em direitos fundamentais da inteligência devem ser utilizados como a ultima ratio no enfrentamento da criminalidade, ou seja, devem ser empregados excepcionalmente, pois, conforme aresto da Corte Constitucional alemã, “quanto mais a intervenção afeta formas de expressão


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elementar da liberdade de ação do homem, tanto mais cuidadosamente devem ser ponderados os fundamentos justificativos de uma ação cometida contra as exigências fundamentais da liberdade do cidadão” (BONAVIDES, 2006, p. 410).


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