RETROSPECTIVA
INCENTIVO
PAT R O C Í N I O
RE ALIZ AÇÃO
Sumário ENSAIOS FAD
06
TADEUS MUCELLI
09
ROBOT 04 - DIGITAL PATHS INTO
11
MUSIC AND ART FRANCESCO SALIZZONI O FESTIVAL DE ARTE DIGITAL EM IMAGENS
2010 MAGIA ALÉM DA IGNORÂNCIA:
32
62
Performance Audiovisual em
contemporânea para o digital
meios Digitaise Analógicos
SONIA LABOURIAU
ERIC MARKE
102
VIRTUALIZANDO A CAIXA-PRETA ANA PAULA BALTAZAR,
NOTAS DIVERSAS: O TEMPO PRESENTE
JOSÉ DOS SANTOS CABRAL FILHO CÓDIGOS DIGITAIS E ALGORITMOS COMO
14
Uma reflexão lateral: da arte
38
INSTRUMENTOS DE DESIGNERS E ARTISTAS
PERMEABILIDADES ENTRE HOMEM E MÁQUINA DIGITAL SANDRO CANAVEZZI ENSAIO PARA TODOS E PARA NINGUÉM DANIELA KUTSCHAT
autômatos às vanguardas cinéticas do
EDUARDO DE JESUS,
século XX
116
MARINA GAZIRE LEMOS OU PRIMEIRAS NOTAS PARA UMA
46
Tudo é movimento: da cinética dos
E O LOCAL
ENTRE RUÍDOS E MEMÓRIAS,
ROMERO TORI
68
76
2012
HISTÓRIA AUDIOVISUAL DE BHZ PATRICIA MORAN
OS VÍDEOS ABERTOS DA AMÉRICA LATINA
2011 58 Grupo Poéticas Digitais: projetos #Azul, Pedralumen e Desluz GILBERTTO PRADO GRUPO POÉTICAS DIGITAIS (ECA-USP/CNPq)
130
NACHO DURÁN
88
Arte, tecnologia e ciência: inteligência e emoção. CHICO MARINHO
146
Todas as ilustrações deste livro foram criadas a partir de um código gerado através da linguagem de programação de código aberto Processing (www.processing.org). • Cada faixa representa um texto do livro, sendo a direção inicial definida pelo ano (2010 e 2011/2012); • a quantidade de caracteres do nome do autor define a espessura da faixa; • a quantidade de caracteres do texto define a extensão da faixa; • a quantidade de caracteres do título define o ponto de início; • a direção e a cor da faixa mudam sempre que uma tag especificada está presente no texto (ex.: arte, digital)
O código está disponível gratuitamente para download no site www.festivaldeartedigital.com.br.
Festival de Arte Digital por HENRIQUE ROSCOE e TADEUS MUCELLI (diretores e curadores)
O Festival de Arte Digital – FAD é um projeto sobre a
de eventos com a marca da fusão entre arte e tecnologia,
códigos e linguagens.
exploração inventiva de novas tecnologias no campo da arte
o FAD traz ao país trabalhos nunca antes aqui exibidos, ao
O festival possibilita, ainda, a integração entre profissionais
e da comunicação. Um dos eixos do festival é a exibição
mesmo tempo em que mostra ao público mineiro obras de
de diversas áreas como músicos, diretores, produtores,
de instalações audiovisuais, performances e demais
realizadores locais que foram exibidas em outros estados e
diretores de fotografia, designers, estudantes de
apresentações, que privilegiam a arte eletrônica produzida
no exterior, mas nunca em Minas. O público responde com
comunicação, empresas prestadoras de serviços nas áreas
por máquinas e softwares por meio de mídia digital. O
um crescente interesse à produção digital cuja linguagem,
de tecnologia, vídeo e cinema, e desses profissionais com
festival também contribui para a formação de jovens
mesmo que não ligada diretamente ao seu repertório e
o público.
criadores através de simpósios, workshops e palestras,
tradição culturais, já faz parte do seu cotidiano, através de
ministrados por artistas nacionais e internacionais.
plataformas hoje popularizadas como celulares, TV, internet ou tablets.
Ações como as do FAD vêm promovendo o crescimento da criação e exibição no Brasil – ainda incipientes – de
Pioneiro do gênero em Minas Gerais, o FAD cumpre o
trabalhos experimentais de arte criados a partir de
papel de gerador de programas de conteúdos culturais
tecnologia digital.
diversos, promove o acesso da população a novas tendências e manifestações artísticas, além de divulgar e
A produção de arte eletrônica e mídia digital contemporânea
contribuir para a formação de novos talentos e conceitos.
encontra no festival um de seus mais importantes canais de
O festival também tem como meta primordial a questão
divulgação. Desde 2007, o FAD oferece ao público o melhor
da acessibilidade à informação e ao conhecimento. Se
da produção brasileira e internacional, contribuindo para o
por um lado isso é cada vez mais facilitado pelas novas
incentivo à exibição e propondo uma reflexão sobre a nova
tecnologias, globalização e velocidade na transmissão de
produção de arte eletrônica em Minas Gerais, no Brasil e no
dados, por outro, fatores sociais e financeiros, bem como
mundo.
o desconhecimento do potencial das novas tecnologias e de seus criadores, impedem parte da população de se
6
Especificamente no estado e em sua capital, o festival
beneficiar das tecnologias digitais.
desempenha um papel fudamental no desenvolvimento
A complexidade da questão passa pela popularização
do cenário de novas mídias. Ao ampliar a agenda nacional
não apenas dos suportes, mas de seus conteúdos, 7
Tadeus Mucelli
O Festival de Arte Digital de Belo Horizonte (FAD), ao longo do tempo e de maneira involuntária, se internacionalizou. A presença de artistas estrangeiros no edital público, e com a efetiva presença de trabalhos no festival em suas diversas atividades, tem colocado a proposta de curadoria e direção
Diretor - FAD
do festival em situação privilegiada para a definição das diretrizes e horizontes. O recorte das linguagens apresentadas no FAD tem sido amplo, o que vem caracterizando ainda mais o posicionamento no cenário de festivais de linguagem eletrônica através de novas mídias. Seja em performances, instalações, oficinas, simpósio, a permissão de várias técnicas e conceitos interagindo entre si, indo além da estética puramente digital ao notarmos que a diversidade, ainda que intrínseca no “fazer digital” pelo processo e não pelo resultado final, possa parecer limitadora, em verdade gera um campo de riqueza de discussão com maiores possibilidades de difusão. Diante disso, o projeto como um todo prevê o crescimento da arte por meio de mídia em todo o mundo, com passos mais aproximados e característicos da arte contemporânea em sua forma mais ampla e moderna. Nesse ponto há possíveis questionamentos e divergências
8
9
conceituais entre o meio, o material e a proposta, porém
desse mundo para a integração das gerações de ontem, de
O roBOt é um festival de música eletrônica e arte digital
ainda sim estaremos tratando e falando de Arte, mesmo
hoje e do amanhã. Uma espécie de corrida frenética, a tempo
que acontecerá entre 28 de setembro e 1º de outubro em
que esta cada vez mais tenha se apropriado das diversas
de conectar mundos distantes de um mesmo povo, de uma
Bologna, na Itália.
técnicas, muitas vezes não tão usuais para os padrões mais
mesma população. A compreensão do fato de que vivemos
conservadores, pelo menos no enorme universo tratado por
uma polarização provocada entre gerações muito adaptadas a
Diversas são as razões que levaram o roBOt Festival a
festivais como o FAD. Podemos citar a engenharia computa-
essas tecnologias e outras não tanto, faz com que possamos
vir para Belo Horizonte e o FAD a participar do roBOt de
cional, a engenharia de informação e conteúdo, a bioarte, os
pensar e planejar ações e atividades que façam essa con-
games, a gambiologia, a arquitetura e o urbanismo em um
versão ocorrer com mais frequência e naturalidade.
universo mais recente, os músicos digitais, os operadores
por FRANCESCO SALIZZONI Dezembro 2011
Bolonha, que acontece daqui a algumas semanas. O roBOt Festival, como o FAD, busca novas formas de arte, de
de tecnologias eletrônicas, entre muitos outros e outras que
Que a nossa bússola nos leve impreterivelmente ao com-
experimentação e de entretenimento, procurando interpretar,
convergem em resultados melhores na maioria das vezes,
partilhamento da informação através da arte, com todos a
por meio da arte, a renovação social, estética e ideal
ao prevalecer o “fazer artístico” quando aplicado à retórica
nossa volta.
decorrente do contínuo processo de inovação tecnológica.
mais ampla da arte contemporânea. O tema do festival deste ano é o Do it yourself, revolution
10
O Festival, que até a sua edição 2010 não havia recebido
now, que considera como revolução o conjunto de processos
uma temática anual, passou a receber, em 2011, um norte,
históricos que tornaram a inovação tecnológica algo ao alcance
com o intuito de ampliar a aplicação das técnicas eletrônicas
de todos, desligada do controle individual. Estas dinâmicas a
e sua linguagem digital a paisagens e desdobramentos artís-
transformaram, por meio da web, no quadro negro em que a
ticos mais distantes do que o seu próprio meio.
humanidade redesenhará a própria existência.
Os rumos que levam o FAD a refletir o presente e o futuro,
Assim como no FAD, a arte digital e a música são os
tentando incansavelmente decodificar e sintetizar todo o
dois focos do saber para os quais o roBOt dirige sua
universo digital, têm sido um desafio constante. A certeza,
atenção. Os dois festivais compartilham o mesmo objeto
talvez a única, é que a cada ano nossa proposta torna-se
de estudo e, por esta razão, estão empreendendo um
mais didática e mais informativa. Não somente pelo prazer
projeto de colaboração plurianual, procedendo por etapas,
do conceitual, mas também pela importância da transcrição
fortalecendo, a cada ano, o envolvimento dos dois eventos. 11
Estimulados por esta afinidade de perspectivas e pela
de uma rede que FAD e roBOt começam agora a tecer.
mesma forma de atuar – o global thinking –, surge a
Estamos cientes do fato de que a troca é um importante
vontade, aliás, a necessidade recíproca de se abrirem
meio para se crescer. Uma nova conquista que será a base
para a realidade de quem opera em contextos territoriais
dos próximos futuros. O FAD e o roBOt querem se tornar
diferentes, mas que trabalha para realizar os mesmos
referência nacional e internacional para a música eletrônica
objetivos. Confrontar-se significa, sobretudo, trocar ideias e
e para as artes digitais, e, por isso,outras colaborações se
opiniões sobre a própria atuação, inspirar-se com o trabalho
somarão nos anos a seguir.
do outro; em poucas palavras, melhorar-se. Sendo que a web oferece a incrível oportunidade de se Além disso, fazer um festival não significa apenas criar
multiplicar a atividade de networking, roBOt e FAD não
propostas, mas também imaginar um centro de divulgação
querem somente colaborar, mas se comprometem em
cultural, uma oportunidade para jovens artistas emergentes
fazer com que outros festivais se tornem novos nós da
difundirem as próprias ideias em novos contextos, assim
rede, pontos do que um dia poderá se tornar o novo mapa
como um ponto de referência no território para os amantes
global da arte digital e da cultura.
do gênero. A arte e a música não têm moradia, são universais; sendo assim, os eventos que fazem da pesquisa
FAD e roBOt ano zero é o começo de uma longa viagem
sobre arte e música suas razões de ser não podem deixar
que tornará a Itália e o Brasil um pouco mais próximos:
de fazer networking.
Bologna e Belo Horizonte ligadas por uma ponte virtual acessível a todos os interessados.
Para que a colaboração não se limite a um simples ato de visibilidade ou de troca de artistas, roBOt e FAD decidiram criar um workshop, uma atividade interativa caracterizada por um alto grau de operosidade: a melhor maneira para que as duas organizações e o público compartilhem sua bagagem de conhecimento. Este é o primeiro passo, a primeira atividade de um projeto concreto, o primeiro nó 12
13
O FESTIVAL DE ARTE DIGITAL em imagens FOTOS POR BRUNA FINELLI
14
Mikkael (roBot - Italia)
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Nosaj Thing (av show - Eua / Jap達o)
Nosaj Thing (av show - Eua / Jap達o)
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Eraser (the war is war - Grécia)
Eraser (the war is war - Grécia)
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Eraser (the war is war - Gr茅cia)
Fad L aborat贸rio
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Fad L aborat贸rio
Fad Simposio - 2011
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Fad L aborat贸rio
Fad L aborat贸rio
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Grivo (Brasil)
Fad L aborat贸rio
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karina
Smigla (Alemanha)
29
ENSAIOS
30
[Q.N.S.N.S]2 (Brasil)
31
Magia além da ignorância: virtualizando a caixa-preta
A magia tem longa presença na história da humanidade,
consequente desencantamento do mundo, o que nos
“arte digital”. A relação entre mágica e arte é também
e fomos habituados a ver explicações mágicas como fruto
sobrou do universo da magia foi a mágica, em seu sentido
antiga, remontando aos exemplos mais arcaicos das
da ignorância: na incapacidade de explicar os fenômenos
atual de ilusionismo e entretenimento, que cultivamos como
pinturas parietais de cavernas pré-históricas. Há claras
da natureza, os homens primitivos recorriam a explicações
jogo inocente – como um truque que brinca com o universo
evidências de que estas eram ligadas a rituais, certamente
mágicas – o que chamamos explicações sobrenaturais –
das relações de causa e efeito.
de magia. De qualquer forma a arte, desde suas origens
para indicar seu caráter não científico. Em contraponto
mais remotas, tem como característica o processo de
à explicação mágica, sobrenatural, temos o universo da
Com o surgimento das tecnologias digitais, a conexão
invenção e criação que, de alguma maneira, mimetiza um
técnica, que lida de forma racional com os fenômenos
entre mágica e tecnologia passa a ser invocada com muita
processo criativo divino – neste sentido verdadeiramente
naturais. A mágica trabalharia com o encantamento baseado
frequência, devido ao fato de que a funcionalidade dos
mágico, capaz de criar um mundo a partir do nada.
no figurativismo, cujas relações de causa e efeito dos
aparatos digitais cada vez mais desafia a compreensão
processos se dão por correspondência da aparência.
do observador comum, tanto pela escala minúscula de
Sob essa ótica, a arte digital seria duplamente mágica:
ANA PAULA BALTAZAR e JOSÉ DOS SANTOS CABRAL FILHO
Já a técnica buscaria um desencantamento das aparências,
seus componentes quanto por sua capacidade de alterar
por ser arte e, portanto, invenção do inexistente, e por ter
vendo os processos de causa e efeito com fundamentos
a percepção espaço-temporal. Aceleração e compressão
como suporte uma técnica de aspectos mágicos (truque).
2010
mecânicos e matemáticos.
viraram jargões de otimização tecnológica, acenando com
No entanto, quando observamos a maioria dos exemplos
a possibilidade fictícia de apressar o tempo ou diminuir o
de artes digitais, elas estão menos ligadas à magia no
Mas essa oposição entre mágica e técnica é, na verdade,
espaço, como se detivéssemos poderes mágicos bem ao
sentido arcaico (a magia da experiência) e mais à mágica
mais complexa do que parece, e podemos dizer que ambas
estilo “Harry Potter”. E não é sem razão que essas tecnologias
como recreação, baseadas no ilusionismo decorrente da
têm objetivos similares: buscam entender as interconexões
são chamadas de “novas tecnologias”, já que desafiam todo o
ignorância do que é programado.
entre os fenômenos da natureza e também interferir no
conhecimento da já citada relação de causa e efeito à qual a
andamento habitual desses processos; buscam viabilizar
técnica tradicional até então nos havia habituado. Assim, nos
Mas sabemos que não há mágica no mundo do programa,
a existência humana em uma natureza sem significado
postamos diante destas novas tecnologias como o homem
apenas uma certa opacidade de seu funcionamento. A
e, de alguma forma, inóspita. A magia buscando mais
primitivo diante do mundo pré-científico: frente aos processos
ignorância do processo programático, “tecnológico”, pode
a significação da experiência; a técnica, a resolução de
que não compreendemos, recorremos à ideia de mágica.
parecer mágica no sentido do truque, mas a magia que nos
problemas pragmáticos (a funcionalidade da experiência).
32
interessa reside na fruição, na experiência do espectador.
Em suma, ambas são formas de lidar com nossa ignorância
Este cenário de novas e mágicas tecnologias vai impactar
Um exemplo interessante de como o truque é irrelevante
do mundo. Com o desenvolvimento tecnológico e o
também o campo da arte, com o surgimento da chamada
na elaboração artística são os quadros de Vermeer, que até 33
recentemente foram considerados como uma aplicação
Se quisermos desenvolver caixas-pretas verdadeiramente
fato de oferecer possibilidades técnicas para interação não
às do próprio usuário. A artista não disponibiliza um produto
das técnicas de perspectiva, o que seria bem típico de
interativas, que propiciem a magia da experiência (e não a
significa ser virtual. Por outro lado, os trabalhos de Lygia
pronto e acabado a ser usado, mas uma interface analógica
sua época. No entanto, Steadman demonstrou que o
magia pela ignorância dos processos), deveremos recorrer
Clark, por exemplo, oferecem interação analógica e podem
que induz e canaliza experiências únicas. Esse trabalho
processo adotado teria sido na verdade a câmera escura,
ao virtual que não é o meramente digital. No lugar do
ser considerados virtuais. Tanto interatividade digital quanto
só ganha existência efetiva temporariamente, quando
o que alguns críticos, indignados, veem como um truque.
“branqueamento” da caixa-preta (que torna a experiência
analógica podem ser classificadas segundo sua virtualidade,
da interação do usuário. No extremo oposto estaria a
Mas, na verdade, não faz diferença para a experiência
previsível e predeterminada, pois o truque é revelado ao
numa escala que varia de interatividade “não-interativa”
chamada realidade virtual de imersão, em que o espectador
artística o processo usado por Vermeer. O que interessa é a
espectador ou usuário, que perde, assim, o interesse na
a interatividade “interativa”. Nessa escala, uma caixa de
experimenta uma simulação, uma reprodução prescrita a
delicadeza das cenas criadas pelas mulheres retratadas em
interação), propomos a discussão de processos que não
música, por exemplo, estaria próxima da interatividade
priori, que é sempre digital, mas dificilmente virtual.
seus afazeres do cotidiano, ou seja, a magia da experiência
sejam caixas (nem pretas nem brancas), mas interfaces
“não-interativa”, pois a interação se dá com a interface e
e não a mágica do truque.
virtuais, eventos-latentes, com os quais as pessoas
não com o conteúdo. Acionamos a manivela (interface) e a
possam se engajar e dar continuidade nos designs.
música tocada (conteúdo) está totalmente predeterminada.
Uma forma de lidar com a ignorância dos processos sem
Essa seria a virtualização da caixa-preta, partindo da
Já o piano, por exemplo, encontra-se do outro lado
recorrer à ideia de mágica e sem recorrer ao processo de
abertura do design aos outros – um design responsável,
da escala, próximo da interatividade “interativa”, pois
desmistificação (retirada do mistério) da técnica surgiu mais
como trabalhado por Flusser.
interagimos com o conteúdo através da interface: a música
recentemente com a adoção do conceito de caixa-preta
não está pretederminada, é criada a partir da interação com
pela Cibernética. Esse conceito, desenvolvido por Ashby,
Para Flusser, todo objeto de design tem por intuito remover
as teclas. Certamente, uma interface nunca é neutra, já
propõe que tratemos metaforicamente como caixa-preta
um obstáculo (um problema), e, para isso, cria um novo
que seu grau de prescrição afeta a escala de interatividade,
os fenômenos dos quais desconhecemos o mecanismo de
obstáculo (objeto). A questão que se coloca é sobre como
como demonstram os exemplos acima.
funcionamento e que apenas sabemos o input e o output
ser o menos obstacularizante possível, abrindo o design
resultante. É importante salientar que a caixa-preta é um
para o Outro. Entendemos que o virtual ajuda a caminhar
O virtual, que preserva a mágica da experiência por engajar
constructo conceitual e não um objeto físico. A despeito
nessa direção.
o usuário na criação de situações, sempre opera com a
disso, muitos artistas tomam a ideia literalmente e acabam
34
possibilidade de interação não prescrita (interatividade
criando caixas físicas, que, ainda que apresentem algum
O virtual não é sinônimo de digital e o digital geralmente
“interativa”). A Máscara com Espelhos (1967) de Lygia
mecanismo de interação, seduzem o espectador pela
não é virtual. Digital é uma tecnologia distinta da analógica,
Clark, por exemplo, celebra essa interatividade colocando
ignorância dos mecanismos operativos e não pela magia
baseada em inputs de 0 e 1, que pode oferecer uma gama
pequenos espelhos manipuláveis em frente dos olhos do
da experiência.
quase infinita de combinações para interação. Contudo, o
usuário, fragmentando e sobrepondo imagens do entorno
Ambiente virtual de imersão produzido pelo LAGEAR usando a espacialização de imagens interativas por meio de gestos 35
O virtual caracteriza-se, assim, como um evento latente,
da artista, ou atributo prévio, não diz respeito à prescrição
Nota:
Heidegger, M. (1995). Being and time. Oxford: Blackwell.
ainda não manifesto, e embora seja atualizável pela
do evento, mas à abertura de novas possibilidades de
Estas discussões têm
Leakey, R. (1994). The origin of humankind. London: Wedienfeld &
interação das pessoas com uma interface, tal interação não
percepção de seus usuários, configurando-se assim como
informado as pesquisas
Nicolson.
é prescrita na interface. Recorrendo a Heidegger, podemos
um evento-latente (virtual e atualizável), e não como um
e trabalhos que temos
dizer que o virtual difere de uma pedra que está “presente
objeto meramente baseado na substância (potencial ou real).
elaborado no LAGEAR
Lévy, P. (1996). O que é o virtual? São Paulo: Ed. 34.
à mão”, e, embora tenha propriedades, não tem atributos;
(Laboratório Gráfico
Osthoff, S. (1997). “Lygia Clark and Hélio Oiticica: a legacy of
difere, ainda, de um martelo, que está “pronto à mão”, com
Assim, a consideração do evento em seu estado latente,
para Experimentação
interactivity and participation for a telematic future”. In: Leonardo:
propriedades e atributos previamente definidos. O virtual
ou seja, sem prescrever os atributos que resultarão da
Arquitetônica / UFMG):
journal for the international society for the arts, sciences and
extrapola essas categorias de Heidegger e aponta para o
interação das pessoas, é fundamental para a elaboração de
www.arq.ufmg.br/lagear
technology. Cambridge: MIT Press. Vol. 30, No. 4, August, pp.
que podemos chamar de “aberto à mão”, cujos atributos
interfaces virtuais. Isso, contudo, não tem sido o foco do
são temporariamente definidos pelos usuários durante a
desenvolvimento da arte digital em geral, que, apesar de
interação. Embora as propriedades de uma interface (sua
resultar em inúmeros produtos para interação do usuário,
Referências Bibliográficas:
substância potencial ou real, para usar os termos de Lévy)
acaba prescrevendo tal interação. Isso acontece tanto
Baltazar dos Santos, A. P. (2007). Towards a virtual architecture:
Steadman, P. (2002). Vermeer’s camera: uncovering the truth behind
sempre limitem suas possibilidades de atualização, para que
nos objetos e imagens digitais que respondem de forma
the mobility of essences and the ‘open in hand’ in the production-
the masterpieces. Oxford: Oxford University Press.
seja de fato virtual, esse limite deve ser o menor possível,
predeterminada à interação dos usuários, quanto nas artes
consumption of spaces, Proceedings of the International
Thomas, K. (1971). Religion and the decline of magic: studies in
dando prioridade ao evento, à experiência não prescrita na
generativas, em que o usuário desencadeia um processo
Conference Architecture and Phenomenology. Israel: Haifa.
popular beliefs in sixteenth and seventeenth century England.
elaboração da interface.
pré-programado, do qual não tem consciência nem controle,
279–89. <http://www.leonardo.info/isast/spec.projects/osthoff/ osthoff.html>.
London: Penguin.
gerando um produto que, ainda que dinâmico, não é virtual
Flusser, V. (1999). Design: obstacle for/to the removal of obstacles.
Todo design leva o evento em consideração, ainda que
por não propiciar uma experiência mágica, apenas o fascínio
in: Flusser, V. (Ed.), The shape of things: a philosophy of design.
na maioria das vezes busque apenas antecipar e cristalizar
devido à ignorância do processo. Em suma, uma das formas
London: Reaktion. pp. 58–61.
as possibilidades de uso ou fruição. Um objeto ou interface
de usufruir do que há de melhor da mágica, que é a magia da
virtual, ao contrário, considera o evento em seu estado
experiência, seria a virtualização da caixa-preta, ou seja, sua
Glanville, R. (s.d.), “Second order cybernetics”, <http://homepage.
latente e não prescritivo. A Máscara com Espelhos,
transformação em uma verdadeira interface aberta ao Outro.
mac.com/WebObjects/FileSharing.woa/wa/default?user=ranulph&te
por exemplo, não tem atributos prévios ao seu uso.
mplatefn=FileSharing1.html&xmlfn=TKDocument.1.xml&sitefn=Roo
Obviamente, a artista não criou uma interface neutra,
tSite.xml&aff=consumer&cty=US&lang=en>.
totalmente desprovida de intenção. Contudo, a intenção 36
37
Códigos digitais e algoritmos como instrumentos de designers e artistas ROMERO TORI
2010
Arte e Engenharia possuem origem comum, ainda que tenham se distanciado ao longo dos séculos. Felizmente, com a pervasividade da tecnologia computacional e das mídias digitais, uma vem sendo redescoberta pela outra e até trabalhando em cooperação na rede de competências demandada pela promissora área do design. De fato, “a convergência tecnológica tem provocado maior diálogo entre diferentes áreas do conhecimento” (Coelho, 2008). Conforme Costa (2010), “as dissoluções dos limites foram múltiplas, (...) mesmo nos campos mais ‘duros’ das ciências exatas, biológicas e tecnológicas”.
ALGORITMO E LÓGICA DE PROGRAMAÇÃO
de entrada e saída – através dos quais os programas se comunicam com o mundo exterior ao computador.
Algoritmo pode ser definido como “um conjunto de
Todo algoritmo se baseia em lógica de programação,
passos que definem a forma como uma tarefa é executada”
constituindo-se numa “codificação do raciocínio necessário
(Brookshear, 2000). Qualquer atividade que possa ser
à resolução do problema” (Brookshear, 2000). Para
planejada e que vise a atingir um objetivo bem definido
que o programa possa ser executado pelo computador,
exige, para ser realizada, uma sequência de passos – seja
precisa estar escrito em “linguagem de máquina”, uma
a fabricação de um automóvel ou uma viagem de férias.
sequência de bits (dígitos binários, 0 ou 1) que definem as
Mas, para ser considerada algoritmo, essa sequência
instruções que o hardware, a “máquina”, deve executar.
deve atender ainda aos seguintes requisitos: cada passo
Como essa linguagem, apesar de simples, gera sequências
deve definir de forma inequívoca a ação a ser executada;
extremamente longas e complexas de 0’s e 1’s, totalmente
para situações iniciais idênticas, uma ação deve produzir
inviáveis de manipulação pelos seres humanos, foram
sempre o mesmo resultado; e o processo deve chegar a
criadas linguagens de programação, como Java e C, que
um termo. A sequência de comandos “passo 1: se a porta
oferecem comandos de “alto nível” (a linguagem de
estiver aberta, feche-a; passo 2: se a porta estiver fechada,
máquina é conhecida como linguagem de “baixo nível”, por
abra-a; passo 3: retorne ao passo 1” atende a todos esses
estar muito próxima ao hardware). Os programas escritos
Os projetos de engenharia já não precisam ignorar a
requisitos, exceto ao de finitude, não sendo, portanto, um
em linguagem de programação – os chamados “programas
estética, o design não precisa se contrapor à arte, nem
exemplo de algoritmo. Já uma “receita de bolo”, se bem
fonte” – são convertidos para “programas executáveis”, em
tampouco artistas e designers devem fugir da tecnologia.
escrita, de forma a não dar margem a dúvidas, pode ser
linguagem de máquina, por outro programa (que pode ser
Focando neste segundo aspecto, este artigo discute a
classificada como algoritmo.
um compilador ou um interpretador). Essas linguagens são
importância da apropriação dos códigos digitais por parte
38
ou modificadas durante sua execução –, e a dispositivos
destinadas ao desenvolvimento de sistemas complexos,
de profissionais da criação, mostrando o potencial e a
Algoritmo é conceito fundamental em computação.
como os programas gráficos usados pelos designers, o
facilidade oferecidos pelas ferramentas de programação,
Programas são conjuntos de algoritmos associados a
browser de navegação na internet ou o próprio sistema
bem como alguns exemplos de resultados que podem ser
estruturas de dados (conjunto de informações estruturadas
operacional sobre o qual são executados. Por esse
obtidos por designers e artistas que as dominam.
e armazenadas na memória do computador) – geradas e/
motivo, tais linguagens são destinadas a profissionais da 39
computação. No entanto, a lógica de programação é um conceito bem mais simples, que não pode ser confundido
Fronteiras entre Arte, Design e Computação
com a complexidade dessas linguagens profissionais.
uso de diversas linguagens residentes na maioria das
que testem e demonstrem suas idéias. A partir da prova
ferramentas utilizadas por designers e artistas, e ignoradas
de conceito, o bastão deve ser passado aos profissionais
por muitos deles, como editores gráficos – sistemas CAD
O design é cada vez mais importante para a computação.
competentes para o desenvolvimento do sistema ou
e software de tratamento de imagem. Essas linguagens
Qualquer pessoa pode facilmente dominar os conceitos
Com a transformação da tecnologia em commodity, a
produto definitivo – sempre, claro, sob supervisão e
permitem, por exemplo, automatizar processos braçais
básicos de algoritmos e lógica de programação, sendo
qualidade do design de produto é um importante diferencial
acompanhamento do primeiro. Alguns artistas e designers
e repetitivos ou criar filtros de imagem sob medida para
que muitos os utilizam até de forma intuitiva na solução
para o hardware. Na área de software, o design de interface é
tentam ultrapassar essas fronteiras, buscando dominar
atender determinada necessidade. Algumas linguagens
de problemas em suas áreas de atuação. Os maiores
a chave para o sucesso ou para o fracasso de equipamentos
também o desenvolvimento do software e hardware. Em
são tão poderosas que permitem a criação de programas
obstáculos para que o computador possa ser utilizado por
e serviços. No sentido oposto, as ferramentas digitais, tais
alguns casos, essa abordagem pode dar certo, mas um
executáveis, ainda que com algumas limitações, tornando-
não especialistas de uma forma mais flexível são os códigos
como editores de imagem e modeladores 3D, já são parte
risco que esse profissional corre é o de ficar preso a uma
se ideais para prototipagem.
binários e as linguagens de alto nível. Com o crescimento
do cotidiano de designers e artistas. Mas essa cooperação
determinada tecnologia, em cujo domínio investiu tempo
da interdisciplinaridade (Gontijo, 2008) aumentou a
pode – e deve – ser incrementada. Para que ela ocorra de
e recursos, ou não dar conta de se tornar especialista em
demanda por facilitar o uso de recursos de programação
forma adequada, é importante que os profissionais consigam
cada nova tecnologia que surge. A liberdade de poder
por profissionais de outras áreas – como designers de
compreender os fundamentos, necessidades e potencial
descartar uma solução em prol de outra mais vantajosa
games, por exemplo. Para atendê-los, foram criadas as
das disciplinas fora de sua competência, de forma a viabilizar
é crucial para a qualidade do projeto. Por isso, é mais
A linguagem Processing3 reúne todo o poder da linguagem
chamadas “linguagens de script”, como LUA1 e Python2.
diálogo e colaboração.
importante que se conheçam os potenciais e limitações do
Java, com a facilidade de aprendizado e programação
maior número possível de tecnologias do que dominar, em
das linguagens de script – ainda que não seja uma delas,
nível profissional, apenas algumas delas.
e, sim, uma completa linguagem de programação de
Essas linguagens são limitadas e menos eficientes que as
40
coordenar o desenvolvimento de protótipos ou simulações
A Linguagem Processing
utilizadas por engenheiros e cientistas da computação para
Igualmente importante é que cada um conheça os limites
o desenvolvimento de sistemas e aplicativos, mas abrem
de sua atuação. No caso dos designers e artistas em
grandes perspectivas e possibilidades de uso para todas as
relação a engenheiros e cientistas da computação, essa
Conhecer uma linguagem de script é um grande passo para
que algumas “burocracias” e complexidades da Java
demais áreas, em especial artes e design.
fronteira reside na “prova de conceito”. O profissional da
o designer ou artista automatizar algumas etapas de seu
são pré-programadas e ficam ocultas ao usuário até que
criação deve conhecer a fundo seu público-alvo, suas
processo criativo e desenvolver provas de conceito. Essas
este desenvolva competência para administrá-las. Dessa
necessidades e os objetivos a atingir com seu projeto. Deve
linguagens são fáceis de aprender e usar, sendo que muitas
forma, o programador consegue ter resultados imediatos
conhecer, ou pesquisar quando necessário, as possíveis
delas seguem sintaxe similar à da popular Java Script, que
com algumas linhas de código, sem aquele susto que
soluções tecnológicas e, eventualmente contando com
não deve ser confundida com a quase homônima Java.
aflige os programadores iniciantes de Java que, somente
o apoio de profissionais especializados, desenvolver ou
Após dominar uma delas, fica fácil compreender e fazer
após atravessarem muitas barreiras e se confrontarem
alto nível. Sua grande amigabilidade reside no fato de
41
REFR.ACTION.
com muito código, conseguem colocar na tela um
sem perder o poder de uma verdadeira linguagem de
Trabalho de Conclusão, de autoria de Luciano
prosaico e sem graça “Hello world”. A amigabilidade
programação profissional. Rapidamente, Processing passou
de Castro Ferrarezi e Fellipe Matheus Vergani
prossegue com um help bem feito e uma enorme lista de
a ser usada por artistas, designers e profissionais de criação
Rodrigues, alunos do Curso de Bacharelado em
programas-exemplo, que a um simples clique têm seus
em geral. Acompanhando o sucesso dessa linguagem de
Design – Habilitação Interface Digital, do Centro
códigos incluídos no editor de programa e podem ser
código aberto, inúmeros acessórios e extensões foram
Universitário Senac, sob a orientação do Prof Dr
imediatamente executados e/ou modificados e explorados,
sendo criados, em sua maioria disponíveis no próprio
Fernando Fiogliano. Junho de 2010
facilitando o processo de “aprender fazendo”. Outro
site oficial. Há extensões para visão computacional,
ponto forte do Processing é a facilidade que o mesmo
realidade aumentada e kits de hardware que possibilitam a
oferece para geração de saídas gráficas, em duas ou três
montagem de instalações artísticas interativas, robôs, etc.
dimensões. Além disso, por trabalhar com a linguagem Java, os códigos desenvolvidos em Processing podem facilmente migrar para Java e vice-versa. Quem aprende
Exemplos Práticos
essa linguagem também não tem muita dificuldade em passar a programar em Java, C ou linguagens de script,
O livro “Processing: Creative Coding and Computational
tornando-a uma excelente opção para ser a primeira
Art” (Greenberg, 2007) oferece mais de 800 páginas de
linguagem a ser ensinada em cursos de lógica de
ótimos exemplos do uso de linguagem computacional na
programação para designers.
área artística. No site oficial da Processing4 há galerias, links e rico material para consulta e download. Na página
42
A linguagem Processing foi criada em 2001 por Ben Fry
do Interlab5, disponibilizamos trabalhos desenvolvidos
e Casey Reas, quando então eram alunos de graduação
por nossos alunos dos cursos de Design (FAU/USP) e
no MIT, sob orientação do prof. John Maeda, criador da
Engenharia de Computação (POLI/USP), alguns deles
linguagem Design by Numbers, inspiradora e ponto de
envolvendo alunos dos dois cursos. Há desde um jogo de
partida dessa nova linguagem (Greenberg, 2007). O prof.
corrida – que pode ter como cenário qualquer cidade do
John Maeda é engenheiro e designer, o que facilitou na
planeta, executado sobre imagens e dados capturados
criação de um produto complexo por dentro e simples por
diretamente do servidor do Google Maps – a colagens
fora, e que atendesse as demandas de designers e artistas
de imagens geradas de acordo com os assuntos mais 43
comentados no Twitter. Em meu blog6, costumo publicar
mais recentemente, com a poderosa linguagem visual e
e discutir interessantes iniciativas envolvendo design,
orientada a objetos Processing, ficou ainda mais fácil para o
arte e tecnologia, como no post de 19 de junho de 2010,
artista ou designer ter mais autonomia no desenvolvimento
COSTA, C. Z. (2010). Além das Formas: Introdução ao Pensamento
“TCC: A Interface entre o Aprendiz e o Profissional”, em
de programas. E o sucesso dessa linguagem só faz
Contemporâneo no Design, nas Artes e na Arquitetura. São Paulo:
que é apresentado o excelente trabalho de conclusão de
aumentar a oferta de acessórios e recursos que a tornam
Annablume. 232p.
curso, REFR.ACTION, desenvolvido por Luciano de Castro
ainda mais fácil e interessante. Com a liberdade de criação,
Ferrarezi e Fellipe Matheus Vergani Rodrigues, alunos do
experimentação e protipagem de software e hardware
GONTIJO, L. A. (2008). Complexidade e Design: a Interdisciplinari-
Curso de Bacharelado em Design - habilitação Interface
– aliada à facilidade de aprendizado que oferece –, a
dade no Projeto de Interfaces. In: DE MORAES, D; KRUCKEN, L.
Digital, do Centro Universitário Senac, sob orientação do
linguagem Processing está contribuindo de forma decisiva
Cadernos de Estudos Avançados em Design. Caderno 2, vol. 1. Belo
prof. Dr. Fernando Fiogliano. Nessa instalação artística,
para que códigos digitais e algoritmos sejam incorporados
Horizonte: Santa Clara: Centro de Estudos Teoria, Cultura e Pesquisa
o público interage com uma interface de raios laser.
aos instrumentos de trabalho de designers e artistas.
em Design / UEMG.
Janeiro: Editora PUC Rio/ Editora Novas Idéias. 280p.
Conforme os raios são interrompidos, sons e imagens são gerados, transmutando dança em música. Esse projeto
Notas:
GREENBERG, I. (2007). Processing: Creative Coding and Computa-
foi desenvolvido em linguagem Processing, utilizando kits
1) http://www.lua.org/
tional Art. Berkely: Apress. 841p.
Arduino para rastreamento e controle.
2) http://www.python.org/
7
3) www.processing.org 4) www.processing.org
Conclusão
5) www.interlab.pcs.poli.usp.br 6) romerotori.blogspot.com
Dominar códigos, algoritmos e linguagens de programação
7) www.arduino.cc/
passou a ser um importante diferencial para profissionais de criação. Os conceitos e técnicas envolvidos, pelo menos
44
em nível suficiente para a criação de protótipos e provas
Referências Bibliográficas:
de conceito, são muito mais simples do que imaginam
BROOKSHEAR, J. G. (2000). Ciência da Computação: Uma Visão
aqueles que tratam a tecnologia como algo distante e
Abrangente. Porto Alegre: Bookman. 502p.
complexo. Com o surgimento de linguagens de script e,
COELHO, L. A. L. (org.) (2008). Conceitos-chave em Design. Rio de 45
Permeabilidades Entre o Homem e a Máquina Digital SANDRO CANAVEZZI
2010
O advento e a disseminação de meios digitais
(ou como camadas sucessivas de caixas-pretas), de modo a
constitui, como se forma, como se inventa. Para que
(computadores, aparelhos de comunicação digital, redes
entendê-la como um caso particular: uma caixa-preta “digital”.
possamos acompanhar a construção desse entendimento,
digitais, etc.) vem influenciado de maneira crescente e
Para tanto, faremos um recuo teórico para definir o “lugar”
um mapeamento inicial nos mostra que muitas vezes
determinante os diversos níveis de nossas vidas. Dentro
do meio digital, quando este deixa de ser contraponto ou
são gerados antagonismos entre o homem e o meio
desse quadro, o que nos interessa problematizar neste
extensão do humano ao alcançar a condição de constituinte
digital, ou, de modo contrário, apresenta-se a ênfase nas
artigo é o aspecto da criação: qual a abertura para criação
do humano. Esse reposicionamento do lugar do meio
semelhanças entre os dois. Ambos indicariam um processo
que esses meios proporcionam?
digital muda a perspectiva sobre as questões que tratam de
de hibridização evolutiva ou “involutiva”. No primeiro caso,
determinismo e/ou condicionamento de um meio, ao afastar
o homem se mistura com meio digital e se desenvolve,
As novas possibilidades apresentadas por plataformas/
da discussão polarizações quanto a uma maquinização do
evolui. No segundo, o seu contrário: involui na direção
softwares de programação, como por exemplo Max5, Pd,
homem ou humanização da máquina. Pretende-se, assim,
da máquina digital. Como desdobramento da primeira
Processing, OpenFrameworks, VVVV, Isadora e Audiomulch,
focar no que está entre e mostrar que esse entre faz parte do
situação, o antagonismo enfatizaria a contraposição de
entre outras, tornam, cada uma à sua maneira, cada vez
tecido daquilo que constitui tanto o homem como a máquina.
essências e naturezas diversas: o homem se desumaniza
mais tênue a separação entre um operador de software e
ao se relacionar com meio digital, ao se contaminar com
um programador. Nesse contexto, criar com o meio digital
Como recurso metodológico, utilizaremos analogias em que
processos maquinais que este meio possui em seu
passou de uma situação em que o operador recombina
se estabelecem níveis de permeabilidade entre homem e
âmago, isto é, mecanismos de controle, reguladores e
possibilidades disponibilizadas por um software para uma
máquina (no caso, entendida como uma caixa-preta): da
normatizantes. Assim, o homem se mecanizaria nessa
situação em que o operador passa a programar novas
impermeabilidade total (superfície reflexiva) à permeabilidade,
relação. Como consequência do segundo caso, o meio
possibilidades. Apresentaremos aqui uma abordagem que
atravessando a membrana, misturando corpo e mecanismos.
digital é modelado para se parecer com o humano. É a
visa a apontar questões e implicações que permeiam essa
Entre eles está o nível “transparência”: o homem vê através
busca pelo espelho. E é, também, a busca pela substituição
passagem de operador para programador1, questionando,
da superfície da caixa-preta.
do original pelo espelho: o espelho ocuparia o lugar do
inclusive, a pertinência dessa diferenciação. Tais questões,
humano, substituindo-o naquilo que antes só o humano
em última instância, dizem respeito a fundamentos da
poderia fazer.
relação entre homem e técnica.
O Lugar da Técnica
Inicialmente, vamos avançar na formulação dessa
Para entender se um meio digital determina ou condiciona
amplificando-se via meio digital em um nível sem
problemática definindo o meio digital como uma caixa-preta
a criação, é necessário compreender como ele se
precedentes (pelo menos como se costuma apregoar
No caso da hibridização evolutiva, o homem se transforma,
46
47
Caixa-preta
um processo exclusivamente atual (provocado pelo meio
a hibridização seria uma composição do primeiro com
digital), com o fortalecimento da conexão entre homem e
o segundo caso: o meio digital é o “outro”, mas torná-lo
máquina digital. Defendemos a ideia da hibridização como
O conceito “caixa-preta” inicia-se com a cibernética, quando
caixa-preta pode ser exclusivamente digital) podem ser
semelhante, melhorando sua conexão com o humano,
parte fundamental da gênese do humano: o homem se
descreve sistemas com os quais nos relacionamos via
fechadas ou abertas. São fechadas quando possuem a rigidez
provocaria uma amplificação deste último. No entanto, ao
faz pela técnica. Assim, desloca-se dos polos – ou seja,
entrada (input) e saída (output) de informação. O interior
citada acima, e são abertas quando podemos alterar os
mesmo tempo, o homem estaria se maquinizando, pois não
da preocupação em definir se o homem se aproxima da
dessa caixa-preta só é acessível dessa maneira, isto é,
elementos da combinatória, substituindo-os ou acrescendo
poderia escapar de processos maquinais ao se contaminar
máquina ou se máquina se aproxima do homem – para a
indiretamente. Modela-se, do exterior, o que poderia estar
novos elementos e, em última instância, alterando inclusive
com eles. Essa abordagem indica uma via de mão dupla:
atenção quanto à relação entre homem e máquina. Assim,
acontecendo internamente para explicar (e até mesmo
a lógica dessa recombinação, embora sempre respeitando
relacionarse com o meio digital é tornar a máquina digital
revisamos o conceito de híbrido: híbrido não mais apenas
antecipar) os outputs observados e que foram gerados a
a consistência desse sistema (consistência relativa aos
semelhante ao homem e, ao mesmo tempo, tornar o
como amplificação de uma capacidade (e a instantânea
partir de inputs anteriores e de processos internos ativados
processos maquinais fundamentais como, por exemplo, a
homem semelhante ao meio digital. A conexão homem-
amputação de outras, como defenderia McLuhan2 em
por esse input.
lógica booleana, em um nível mais abstrato, e relações entre
máquina via meios digitais, através de tecnologias como
seu conceito de “meio”), mas como a própria gênese
inteligência-artificial, realidades virtuais ou acoplamentos
dessa capacidade, como visto em Simondon3 e Stiegler4.
Flusser, no livro “Filosofia da Caixa-Preta”, mostra que toda
miniaturizados entre carne e matéria inorgânica organizada é
Simondon e Stiegler compõem um quadro teórico e
caixa-preta teria internamente sistemas ou mecanismos que
Em todos esses casos, cabem algumas questões quanto ao
a busca pela construção da semelhança: humano e máquina
categorias que localizam o lugar da técnica na gênese
podem se recombinar para gerar outputs. Em alguns casos
poder de criação do usuário frente a essas caixas-pretas: se
convergem para poderem se comunicar. Nesse cenário,
do humano. O processo de invenção de técnicas seria
(principalmente nas caixas-pretas analógicas como máquina
os processos implicam sistemas combinatórios, o processo
modela-se (entende-se) o homem a partir de modelos
uma via de mão dupla: o homem também se re-inventa
fotográfica, televisão, rádio, etc.) essas recombinações
de criação seria apenas um processo de seleção entre
matemáticos que se comunicam com outros modelos
(e não apenas se amplifica ou se estende) ao inventar
estão todas previamente estabelecidas, cabendo ao usuário
possibilidades dadas? E quando acrescentamos elementos
matemáticos cristalizados em sistemas cibernéticos.
uma técnica ou objeto técnico. Muda-se a perspectiva de
o esgotamento dessas combinações através de inputs.
na combinatória, não deveríamos sempre respeitar a lógica,
aquelas que possuem camadas digitais, pois nenhuma
hardware e software coordenados pelo sistema operacional).
a consistência do sistema onde eles se inserem? Existiria
humanização da máquina ou maquinização do humano para Entender a ideia de hibridização ou a ideia de humano
processos complementares de gêneses sincronizadas:
Cabe ressaltar aqui que os mecanismos internos podem
então, de antemão, uma predeterminação em relação a
amplificado significa entender as possibilidades de se
gênese do homem e gênese do objeto técnico estariam
ser fechados ou abertos. Quando fechados, o número de
esses novos elementos? Qual o poder do homem nesse
criar com o meio digital. Mas essa hibridização não se
imbricadamente correlacionados. O conceito de transdução
componentes dos mecanismos é estável, não se altera.
processo? Poderíamos pensar em um determinismo do
inicia com a relação do homem com meios digitais. Ela é
(em Simondon e adotado por Stiegler) enfatiza essa relação
E eles se recombinam a partir de condicionantes, isto é,
meio técnico, isto é, o que pode ser feito já está contido,
anterior: origina-se da relação do homem com a técnica.
como processo fundamental e estruturante.
possuem uma lógica rígida de como se recombinar. De uma
pré-determinado no meio técnico? O que seria criar,
maneira geral, as caixas-pretas analógicas possuem essa
então? Selecionar entre as possibilidades e recombiná-las
Nessa direção, entendemos que a hibridização não seria 48
natureza. Já as caixas-pretas digitais (mais precisamente
entre os entusiastas das “novas mídias”). Nesse sentido,
49
continuamente? Se a criação é apenas de ordem seletiva, o
A tradução “em números” (em última instância “zeros” e
que impediria a criação de algo que criasse em nosso lugar,
“uns”) não é gratuita, pois sempre se perde informação ao
isto é, uma máquina5 que recombinasse as possibilidades
se digitalizar algo analógico, uma vez que o mundo físico é
até chegar a escolhas mais “apropriadas”?
convertido em números a partir de taxas de amostragem: recortes no tempo e no espaço que convertem o infinito entre dois pontos em quantias mensuráveis. Intensidades
Combinatória e digitalização
que variam continuamente são fragmentadas em degraus abruptos. A quantidade de recortes que se promove no objeto
Independentemente da velocidade de processamento de
analógico é o que chamamos de resolução de um sistema.
um sistema digital, ou se o sistema é binário ou quântico, ou do nível de complexidade dos cálculos e algoritmos,
A determinação de quais sequências de zeros e uns são
sempre haverá a relação de um sistema discreto com
utilizadas para representar algo não obedece qualquer
um contínuo/físico (analógico). E essa relação sempre
relação causal ou indicial com o que representa: é
se dará tendo como base a combinatória. Assim posto,
puramente simbólica, por contiguidade – enfim, é arbitrária
da digitalização interessa o que poderíamos chamar de
e, portanto, não há nada que podemos identificar em uma
“dimensão arbitrária” e as formas da sua “aparição”, isto é, o
sequência binária que nos mostre que ela representa uma
mecanismo que efetiva a conversão de entidades analógicas
cor ou um som. Uma mesma sequência numérica pode
(físicas) em entidades digitais (numéricas/binárias/elétricas)
ser tratada como som ou como imagem pelo sistema. E
e vice-versa: a combinatória.
aí reside algo sem precedentes na geração de entidades analógicas: podemos facilmente “ler” uma sequência binária
Em um primeiro momento, esclareceremos como a
que foi gerada a partir da conversão de um fragmento
combinatória é utilizada como artifício tradutor, atentando
sonoro como sendo uma imagem, traduzindo essa
para sua ambivalência: ela é redutora e, ao mesmo tempo,
sequência em variações de cores em uma superfície (o
segundo a hipótese aqui lançada, um motor hibridizante
contrário também é válido: imagem lida como som).
que, em último caso, poderia ser considerado aliado de um processo criativo. 50
Instalação I/VOID/O, presentada no Emoção Art.ficial 4 - Itaú Cultural 51
Organizar essas combinações e recombinações, alterando-
o interator, ao se confrontar com a instalação-experimento,
(originalmente opaca, na qual interagimos apenas com seus
em conjunto com o filósofo e programador Friedrich
as de modo que possam organizar novas cadeias
passa a recriá-la e, segundo a hipótese aqui trabalhada, ele
inputs e outputs) é querer torná-la transparente para observar
Kittler7–, não devíamos tomar o côncavo pelo convexo, isto
combinatórias (a partir de novos inputs e outputs que
próprio se re-inventa. Utilizando-se de algoritmos de visão
seus mecanismos e ter maior consciência deles? Torná-la
é, um sistema de ray-tracing que funciona perfeitamente
retroalimentariam o sistema) seria o que podemos chamar
computacional, visão estéreo, reconhecimento de padrões
espelho para poder ver-nos refletido nela? Ou, superando as
para espelhos convexos não seria capaz de esgotar um
de programação. Essa programação, portanto, só pode
e sistemas de manipulação de vídeo e áudio em tempo real,
duas anteriores, seria a tentativa de “entrar” nela?
fenômeno que não se fecha, que é infinito, formado por dois
ser realizada se houver a possibilidade de alterar a maneira
o experimento convida os visitantes da instalação a recriar
como elementos da caixa-preta se recombinam. Isso seria
constantemente um olhar em relação a um espaço só
Essas hipóteses/analogias submetem-se à intenção de se
equivalente a dizer que deveríamos poder enxergar dentro
acessível indiretamente.
entender o papel do homem em processos criativos: criar
Partiu-se, então, para um objeto físico: uma esfera de acrílico
seria tornar transparente a caixa para melhor operá-la, operá-
espelhada tanto por dentro como por fora. Nesse momento,
da caixa-preta, examinando seus mecanismos para poder alterá-los. Essa transparência é um das analogias que
Essa recriação nunca é a mesma. Essa heterogeneidade é
la mais conscientemente? É torná-la espelho pra operar com
surge a vontade de transparência: seria possível tornar essa
pretendemos utilizar nesse texto e faz parte, como veremos
alcançada partindo da idéia de emergência, onde padrões
mais facilidade? Ou é entrar nela e descobrir que ela seria
esfera transparente de modo que pudéssemos observar
a seguir, de um conjunto de regimes de permeabilidade.
imprevisíveis emergem a partir de um sistema com
uma esfera espelhada internamente, onde a dinâmica dos
seu interior sem ter que entrar nela? Isso seria possível
estados entrópicos em constante variação (provocada pela
nossos reflexos se altera na medida em que inventamos o
se criássemos um contraste entre uma maior iluminação
interferência do interator). Esse espaço isolado é uma esfera
nosso corpo/interface que a observa?
interna e uma menor iluminação externa, combinado com
I-VOID-O e a Caixa-preta
de 50 cm de diâmetro (cuja superfície interna e externa é
a aplicação de um filme especial na superfície da esfera.
espelhada) onde são introduzidas diversas câmeras. Essas
Em um primeiro momento, quando a esfera se apresentava
Mas isso acarretou a seguinte questão: precisaríamos de
Entendida não como uma obra artística e sim como um
câmeras elegem pontos de vistas diferenciados desse
ainda como possibilidade, isto é, quando ainda não existia
um corpo que emitisse luz dentro da esfera. Nesse ponto,
experimento cognitivo metalinguístico disponibilizado
espaço. Para alcançar esses pontos, o interator tem de
como um objeto físico, houve a tentativa de modelá-la no
ficou claro que qualquer movimento na direção de revelar
na forma de uma instalação interativa, I-VOID-O transita
“aprender” a interagir com a interface, sensibilizar-se com
computador, utilizando sistemas de ray-tracing para simular
os fenômenos internos da esfera levaria a uma interferência
por questões relativas ao que poderia ser chamado de
suas sutilezas e, assim, conseguir provocar mudanças de
o comportamento da luz dentro da esfera. Essas simulações
no objeto observado. Ver através, tornar transparente,
paradoxos da observação. Esse conceito aponta para
estado no sistema. Nesse processo, o interator entra em
encontraram o seguinte problema: quantos reflexos seriam
implicaria a transformação dos mecanismos internos dessa
interpretações encontradas na Mecânica Quântica e
contato com universos em que noções e percepções das
necessários para se chegar próximo aos infinitos reflexos
caixa-preta. Ainda assim, não conseguiríamos responder a
Endofísica em relação ao fenômeno da observação. Para
dimensões espaço e tempo se desconstroem.
gerados em uma situação real? Será que essa limitação no
questão inicial: o que veríamos a partir do centro da esfera.
essas interpretações, observar é interferir profundamente
52
espelhos côncavos unidos (a própria esfera).
número de reflexos causaria algum impacto no fenômeno
no objeto observado. Nessa direção, em I-VOID-O6, a
Serão lançadas as “vontades/buscas” de/pela transparência,
final, ou seja, na observação a partir do centro da esfera?
Não havia outra saída: tínhamos de entrar na esfera, pensar
observação é entendida como processo de criação. Assim,
reflexão e entrada: relacionar-se com a caixa-preta
Como constatado – inclusive por experimentos realizados
meios de atravessar o espelho e passar a “existir” dentro 53
da esfera. Por fim, utilizamos uma câmera que, acoplada
(matemático-digital) e real. Daí a antagonização homem x
modelamos os mecanismos a partir do que se conhece, do
pré-determinadas. Ela se apresentaria como parte de uma
a uma haste, tornava possível navegarmos nessa esfera.
máquina como reação.
que se vê no espelho. Vemos, assim, que essas hipóteses,
composição em que os pólos são indissociáveis.
essas analogias, convergem para o que havíamos chamado
A invenção e a criação se situariam entre esses pólos.
Resultados inesperados foram alcançados, o que chamamos de paradoxos espaciais, tornando muito difícil uma
4 – Torná-la permeável: tornar-se transparente é tornar
de entrada na esfera – com uma diferença: entrar na esfera
Novamente vemos aqui a ênfase no que está entre, no que
orientação nesse espaço8.
a superfície permeável à luz. Mas o que seria tornar a
é, alem de observar e redesenhar os mecanismos, a
se configura como relação: criar é agenciar continuamente
superfície permeável ao meu corpo (e não apenas aos olhos),
remodelação daquele que observa. Essa remodelação, por
o imponderável e o potencial, e estar dentro e fora
isto é, entrar na esfera e observar tudo a partir de dentro?
sua vez, nunca termina, pois guarda sempre aberta a porta
da esfera espelhada simultaneamente. É observar se
Entrar na esfera: o corpo faz parte da interface, pois deve ser
da indeterminação.
observando. O infinitamente pequeno tangenciando o
A partir dessa trajetória, estabelecemos os seguintes níveis de permeabilidade:
recriado internamente (entrar indiretamente, criando olhos,
infinitamente grande, ao deslizar continuamente por
ouvidos, luz e som dentro da esfera). Ele “entra” e se dilui.
Chegamos aqui a um conceito fundamental: a
uma fita de moebius. E, nesse deslizar, sempre nos
Ver-se, observando; ver-se parte do sistema. “Observar é
indeterminação como complemento das possibilidades
depararemos com caixas-pretas. Tentaremos torná-las
criar o que se observa e quem observa”.
pré-determinadas internas ao sistema digital. O universo
transparentes e descobriremos que sempre existirá
externa um espelho: ver-me na esfera (aquilo é conhecido);
digital pertence à categoria do possível, àquilo que
uma caixa-preta dentro de uma caixa-preta. E acima dela
tornar o lado externo um espelho e achar que o espelho
Pierre Levy e Deleuze chamam de “potencial”9. Esse
também. A arbitrariedade que elege os padrões dos
potencial está pré-determinado em latência, só lhe falta
mecanismos, tanto no hardware como no software, é
a existência. Já a relação do potencial com o virtual
muitas vezes inacessível. Essas supercaixas-pretas e
1 – Tomar o convexo pelo côncavo, tornando a superfície
de dentro é idêntico ao espelho de fora – a busca pela semelhança: projetar internamente o que se vê fora.
Hipóteses generalizadas (em relação a caixas-pretas)
Modelar o conhecido. Simulação.
(um campo de tendências e não um número discreto e
suas cadeias de programação10 vão além de vontades e
Os níveis citados acima poderiam ser generalizados para
finito de possibilidades, como é o caso do potencial) é
interesses individuais e artísticos. Tais vontades obedecem
2 – Tornar transparente/permeável à luz: ver de fora
os casos da interação entre homem e meio digital? O
uma relação de indeterminação. Todo mecanismo que
a interesses econômicos e corporativos que modelam
os mecanismos e a lógica interna. Questão: tornar
exercício a seguir, que propõe essa generalização, analisa
possua uma dimensão analógica é, pois, dessa natureza.
essa caixa-preta de maneira a não ser possível torná-la
transparente implicaria uma transformação dos
provisoriamente essa possibilidade.
Essa indeterminação é tudo aquilo que não pode ser
transparente, e, menos ainda, entrar nela. Partindo dessa
mecanismos/fenômenos internos. A transparência
Podemos facilmente inferir que tornar a esfera transparente
mensurável, ponderável. É o acidental, o incompleto,
inferência final, perguntamos: é possível programar sem
remodela os mecanismos.
acaba sendo uma modalidade de “entrada” na esfera, pois
enfim, o motor que gera paradoxos e ambiguidades.
estar sendo programado?
sempre teríamos de acessar os mecanismos para alterá-
54
3 – Tornar transparente até ver o humano ou a natureza
los. Alterar esses mecanismos também está relacionado
Cabe ressaltar que até agora evitamos colocar a
por trás da caixa é acreditar na sincronia entre modelo
ao espelhamento externo da caixa-preta, isto é, sempre
indeterminação como contraponto das possibilidades 55
Notas:
detalhes técnicos, vídeos,
LÉVY, P. (1992). O que é Virtual. São Paulo: Editora 34.
1) Nos referimos aqui às
consulte:
_____(1996). As Tecnologias da inteligência. O futuro do pensamento
diferenças como open source
http://i-void-o.blogspot.com/
na era da informática. São Paulo: Editora 34.
x software proprietário,
7) Por ocasião de suas aulas
_____(1999). Cibercultura. São Paulo: Editora 34.
programação em linha de
no Seminar for MediaStudies,
código x data-flow, etc.
na Humboldt-Universität em
McLUHAN, M. (1964). Understanding Media: The extensions of
2) McLUHAN , Marshall (1964).
Berlim, em 2001.
man; New York. Ed. MacGraw-Hil,.
Understanding Media: The
8) Para mais informações ver:
extensions of man. New York:
http://i-void-o.blogspot.com/
SIMONDON, G. (1989). Du monde d’existence des objets
Ed. MacGraw-Hill.
9) DELEUZE , Gilles. Diferença
techniques. France: Aubier Philosophie.
3) Em: SIMONDON, Gilbert
e Repetição. 2a edição, Rio de
(1989). Du monde d’existence
Janeiro: Graal, 2006. E LÉVY,
STIEGLER, B. (1998). Technics and Time, 1. The Fault of Epimetheus.
des objets techniques. France:
Pierre. O que É Virtual. São
Stanford: Stanford University Press.
Aubier Philosophie.
Paulo: Editora 34,1992.
4) Em: STIEGLER, Bernard.
10) Flusser, Vilém. O universo
Technics and Time, 1. The
das imagens técnicas. São
Fault of Epimetheus: Stanford
Paulo: Ed. Anna Blume, 2008.
University Press. 5) Ver obra “Pelas Fendas”, que trata ironicamente da
Referências Bibliográficas:
tomada de controle de uma
FLUSSER, V. (2008). O universo das imagens técnicas. São Paulo:
apresentação de live images por
Ed. Anna Blume.
uma “consciência” maquinal. Em: http://pelas-fendas.
(2009). Filosofia da Caixa-preta. Rio de Janeiro: Editora Sinergia -
blogspot.com/
Relume Dumará.
6) Para mais informações, 56
57
Ensaio para Todos e para Ninguém1 DANIELA KUTSCHAT
2010
Há décadas, cientistas lançaram ao espaço um disco
sobreposto a elas; há uma infinidade de outras hipóteses,
em circuitos, ou até de recortes mais ou menos científicos
interestelar que contém registros e memórias de nossa
e em meio a todas, será que, de fato, nos encontramos
ou históricos. Entretanto, eu não gostaria de perseverar
civilização. Buscavam estabelecer um elo de comunicação
imersos em uma aparente imobilidade perpetrada pelo
nesta idéia e defendê-la contra todas as possíveis objeções
com civilizações futuras e projetar uma memória do planeta,
“eternamente agora” sem memória, sem interrogação, sem
(para toda tese há sempre diversas contra-teses, e também
da ciência, de sons, imagens, pensamentos, conhecimentos
exclamação, sem pulso?
neste caso haveria muitas objeções possíveis a esta minha
e sentimentos humanos.
assertiva); apenas optei por sublinhar este aspecto. Por onde andam as forças e fenômenos capazes de alterar
A ideia de que homens e objetos são “mágicos”, dotados
a percepção e, quiçá, a realidade? Estarão relegadas ao
Tenho claro que o palimpsesto que conforma a memória
de forças capazes de alterar o mundo, é muito antiga. Em
campo das crenças, das sensações vagas, do não científico,
dinâmica e atualizável de minhas experiências – e elas
certas culturas ancestrais, ela era ligada ao sagrado, a
do obscuro? Por onde circulam os expedicionários que,
mesmas – compõem um espectro referencial que reverbera
rituais religiosos e à arte. Desde os primórdios do ocidente,
abertos ao inesperado, constroem elos e conexões entre
na produção: em projetos e na experimentação de materiais,
especula-se sobre o diferencial da arte, e cabe lembrar que
imanências, sinais e signos e esmaecem fronteiras entre
linguagens e suportes, mídias e tecnologias; no interesse
hipóteses e estudos advêm de recortes e visões de campos
ciência e poesia? Onde se ouve a voz de quem fala em
pelo pensamento e pelos processos empreendidos por
variados de conhecimento. Vistos isoladamente, cada
primeira pessoa, de um ponto de vista próprio, pessoal e
outros artistas; e na busca de reter e não dissipar esses
um reflete mentalidades e modelos de realidade de uma
intransferível, e que propõe? Quem, hoje, é movido pela
pensamentos ligados aos fazeres.
determinada cultura e de uma determinada época.
convicção de que a arte amplia e transforma percepção, cognição e a própria realidade? Quem acha que a arte é ação
Por essa razão, vale pontuar que esses anos entre estudo,
Virtualmente projetados como constructos variáveis
que traz à luz e evidencia sentidos, significados (ou a perda
produção e pesquisa têm se forjado como uma expedição
em uma paisagem remodelável a cada toque, esses
dos mesmos), e, eventualmente, os afetos?
sui generis: um navegar pelos possíveis e imagináveis do
discursos compõem um universo pulsante de narrativas
58
passado e do presente, e um projetar potenciais futuros.
potencialmente combináveis, recombináveis e
Talvez seja este o único demarcador que ainda resta entre
Nasci em São Paulo e cresci, como múltiplos outros, entre
articuláveis em uma ecologia dinâmica e fluida. Diante
a arte e outros campos que convergem e cooperam. Talvez
frestas, cheiros e culturas do ouvir, ver, ler, tocar e degustar.
de tantas possibilidades, hoje tendemos a esquecer
a magia potencial da arte seja a de colocar em evidência,
Na mesma cidade estudei artes, em um ambiente no qual
as relações ancestrais e arcaicas da arte com a magia
destacar algo que estava implícito e, mais radicalmente,
os artistas/professores questionavam conceitualmente
– ou não conseguimos estabelecê-las. Hipótese para
gerar realidades. Esse modo de operar parece estar no cerne
o status quo – também através do uso de materiais,
esse esquecimento é que outros discursos tenham se
do fazer artístico e independer de ideologias, da inserção
tecnologias e linguagens midiáticas. Inúmeras iniciativas 59
estavam ocorrendo em todo o Brasil naquele período e
los como causalidade e etiologia – o que, a meu ver,
mais importante em se tratando
relação com a imagem. Uma
acerca de processos e
gostaria de incluir não estão
pouco se sabia sobre elas. Mas, ao longo das últimas
caracteriza um certo posicionamento discursivo. Penso que
de audiovisual, o importante
das novas mágicas é a mistura
procedimentos de 12 artistas:
presentes neste material, que
décadas, elas foram resgatadas. De lá para cá, muita coisa
tais discursos de artistas são representativos de amplas
é manter a magia. Ao longo
entre aquilo que é a base
Carlos Fadon Vicente, Carmela
é um piloto de um projeto mais
mudou; uma produção focada na tecnologia que durante
questões que prevalecem neste momento e que contribuem
da história da representação
material da imagem e o visível.
Gross, Eduardo Duwe, Lali
amplo do registro de discursos
décadas se mantivera à margem de um certo circuito das
para uma memória historiográfica do atual contexto2.
visual a magia se desloca,
Em outras palavras, o trabalho
Krotoszynski, Lucas Bambozzi,
não inseridos em um contexto institucional.
artes começou a ser reconhecida. Uma série de eventos
podendo significar inclusive o
mostra a origem matemática
Luiz Duva, Mario Ramiro, Otavio
e festivais dedicados às mídias eletrônicas e digitais que,
Atualmente, acaso, instabilidade, imprevisibilidade e
oposto de seu antecessor. No
da imagem digital. Seu ponto
Donasci, Rachel Rosalen,
em grande parte, se mantêm até hoje, surgiu a partir da
emergência não só fazem parte do vocabulário corrente,
renascimento, era na criação de
de partida é o processo de
Raquel Kogan, Rejane Cantoni
demanda por subsídio à produção artística e da busca de
como também podem ser agentes constituintes de obras
um similar ao real que residia
formação da imagem. E o ponto
e Wilson Sukorski. O recorte
parcerias e patrocínios que apoiassem a produção cultural.
concebidas como sistemas. Ainda hoje, o foco de muitos
o interesse, quanto maior a
de chegada, qual será? Isso
é o de escutar e registrar o
Paralelamente, galerias, museus e institutos culturais
artistas é abrir as comportas, subverter, inverter e iludir
semelhança da pintura ou da
depende dos dispositivos e da
discurso de outros artistas
promovem mostras, em circuito nacional e internacional.
percepção e cognição e, eventualmente, gerar mundos e
escultura com o modelo, melhor
proposta do realizador. Neste
que falam dos processos de
Nesse sentido, houve uma expansão para além das
realidades. O fluxo do eterno presente parece subtrair a
seria o artista e a obra. Três
pequeno simpósio propomos
trabalho, de suas motivações,
fronteiras do local ou regional, além do deslocamento
transitoriedade e a morte; mas, de tempos em tempos,
séculos depois, a fotografia e o
a reunião de pensadores do
das dificuldades e desafios da
de uma certa ação à margem. Enquanto isso, novas
faz-se presente um beber nas raízes arcaicas do ser,
cinema obtêm pela ótica e pela
campo da matemática, do
criação. Em congruência com
manifestações emergem.
um retornar ao concreto e orgânico, ancorado em uma
química uma imagem especular;
campo das artes e de artistas.
o recorte geral que norteou a
sensorialidade irredutível.
o interesse do criador se
Vamos discutir e apresentar
feitura, a escolha dos artistas
desloca; o bom artista pode
experiências que têm como
é pessoal, recai sobre artistas
Há muito se ouve que os tradicionais recortes entre áreas de
60
conhecimento estão se desfazendo. Cada vez mais artistas
Notas:
fazer rabiscos, pode não
uma de suas mágicas revelar
que, de algum modo, participam
tendem a incluir, em sua formação e discurso, a metodologia
1) Elaborei esse texto a partir
representar como se buscasse
sua raiz, seu processo de
do cenário paulistano; alguns
de pesquisa científica, os conteúdos das ciências, bem
de um estímulo colocado por
o duplo do mundo. A mágica
constituição.”
estão inseridos no contexto da
como estudos de teoria e história da arte. Também eu
Patricia Moran em “exposição
ganha outros lugares; ela pode
não estou fora desta tendência de nosso tempo; contudo,
das fraturas: códigos, pontos
ser conceito, ela pode encarnar
2) Essa ideia me levou
fazem parte de circuitos da
penso que, mesmo no século XXI, ainda prevalece a ênfase
e interrogações”, de 2010:
um objeto velho e lhe conferir
ao Pensarte, 2007-2010 –
dança, da música, do cinema,
e a motivação muito específica do artista em discriminar
“Mostrar ou esconder como se
vida nova. As novas tecnologias
documentário que reúne
da arte eletrônica e da arte-
e mostrar processos, mas não necessariamente explicá-
faz a mágica nem sempre é o
abrem as portas para outra
entrevistas e reflexões
tecnologia. Muitos outros que
pesquisa acadêmica, outros
61
Uma reflexão lateral: da arte contemporânea para o digital
A questão geral que procuro esboçar neste artigo é como
Arte – dificuldade que se origina do fato de termos
Entre aqueles que refletem sobre o campo específico da
caracterizar/demarcar o campo estrito da Arte Digital;
consciência, na atualidade, de que qualquer campo da Arte
Arte Contemporânea, parece um consenso que o mesmo
pergunto, mais especificamente, de que maneira se
contemporânea contém a potencialidade de ser trabalhado
processo ocorre no caso de vários outros campos da Arte
estabelecem, no presente, as fronteiras do território
como aquilo que a teórica Rosalind Krauss nomeou
e de outras atividades culturais: determinados campos
da Arte Digital e como se dá o seu regime de trocas
Campo Expandido, ou Campo Ampliado (KRAUSS,
específicos se desdobram em diversos novos campos
com outros meios artísticos. Proponho uma abordagem
1984, p. 93). Em Artes Plásticas, o conceito de Campo
através de operações entre termos de outros territórios
inicial dessas questões, sobretudo a partir do ponto de
Expandido ficou definido, segundo Krauss, como uma
vizinhos: Arte x Teatro, Arte x Dança x Arquitetura, Design
vista do meu principal campo de atuação até 2007 – as
operação entre Termos Culturais (ou seja, de dois ou mais
x Arte, Teatro x Dança x Circo, Arte x Moda e assim por
Artes Plásticas, suas tradições e seus paradigmas na
campos de atividade cultural e suas respectivas estruturas
diante. Por isso, quando abordamos um meio surgido
contemporaneidade – bem como valendo-me de seus
axiomáticas); ao jogar com aquelas características
justamente nas proximidades dos anos 1960, período em
procedimentos e processos.
essenciais de cada um dos Termos Culturais, criam-
que se manifesta essa marcada tendência à Expansão
se, segundo Krauss, novos Termos, novos campos de
de Campo, torna-se difícil diferenciar aquilo que seria
Quando me debruço sobre o que é Arte Digital, a questão
atuação com propriedades bastante diferentes do que
específico do meio em que surge e quais seriam suas
colocada mostra, para mim, um perfil parecido com um mito
uma mera recombinação superficial de características dos
formas expandidas, uma vez que os novos meios já
interativo da Antiguidade clássica, aquela Hidra de Lerna
Termos culturais originais, a partir dos quais se realizou a
emergem expandidos de nascença.
que, a cada tentativa de lhe cortarem a cabeça, gerava, para
mencionada operação – Krauss utilizou o termo Campo
o confundido oponente, duas novas faces ameaçadoras.
Expandido para tratar inicialmente do problema específico
Tomemos como contra-exemplo o meio da Pintura. Por
Caracterizar e demarcar o campo estrito da Arte Digital,
da Land Art americana e outras formas de Arte dos anos
diversos séculos, a Pintura foi explorada de maneira estrita.
descrever as trocas que se estabelecem em suas interfaces
1960/70 que, embora utilizassem meios tridimensionais,
Sabíamos muito bem o que era e o que não era Pintura
com outras atividades artísticas é uma questão que se
dificilmente poderiam ser caracterizadas como Escultura
até o final do século XVIII. No passado, fazer linhas muito
desdobra, de maneira imediata, em várias outras – que
como se concebia a Escultura na tradição Modernista. Para
marcadas numa Pintura, por exemplo, era considerado
aumentam o grau de complexidade por diversas razões. Os
a teórica americana, estas obras se estruturavam a partir
inadequado pelos pintores mais acadêmicos, com o
motivos principais de dificuldade são dois, a meu ver.
de uma operação entre aquilo que se compreendia por
argumento de que linhas explícitas não eram algo próprio
SONIA LABOURIAU
2010
62
Escultura, por Arquitetura e por Paisagem. Dessa operação
da Pintura, mas do campo da Gráfica (Desenho, Gravura).
Em primeiro lugar, por uma dificuldade geral de se
teriam surgido, segundo a autora, novas formas, que hoje
Já na Arte Contemporânea, a cena se torna um pouco
demarcar qualquer campo de atividade no âmbito da
chamaríamos de Instalação ou Intervenção site-specific.
mais complexa: uma paisagem pintada com tinta aplicada 63
sobre o tampo de um banquinho de madeira, por exemplo,
permanecem como referencial que facilita a compreensão
a segunda cabeça de nossa Hidra, agora específica do
O problema de demarcação de fronteiras, expansão de
pregado sobre uma tela pintada em que prossegue a
e o mapeamento da produção atual.
ambiente digital: os sistemas computacionais operam, entre
campo e definição de campo específico se apresenta
outras funções, como simuladores de meios analógicos
sempre que nos debruçamos sobre qualquer meio do
representação da mesma paisagem – que continua, por sua vez, sobre a moldura, sobre as paredes e o teto, se
No caso específico da Arte Digital, desde a criação do
anteriores, tanto na forma das interfaces (simulação
campo da Cultura e da Arte. A respeito dos processos de
propaga pela roupa de alguém que atua naquele lugar;
recurso tecnológico do computador, o campo se confunde,
digital da máquina de escrever, do microfone, da câmera
Simulação anteriores, poderiam se aplicar os conceitos
podemos, então, indagar onde termina a Pintura e começa
como tantos outros, com campos limítrofes – uma vez que,
fotográfica ou de cinema em película), quanto nas formas de
relacionados à noção de Midiamorfose que Fidler (1997)
a Instalação, a Performance, o Design de Interiores ou a
desde o início, a Arte Digital já se deu através de forma
entrada (cartão perfurado do tear a vapor, sinais elétricos de
criou para pensar as transformações dos meios de
Publicidade, o Design de Moda? E se, ao invés de tudo
que alguns descreveriam como de Hibridação, dificultando
áudio e vídeo) e saída: (projeção da luz sobre uma tela como
Comunicação até o mundo digital. Também, como as
ser recoberto de tinta, utilizarmos projetores multimídia
dizer o que é (e o que não é) Arte Digital. Tomemos como
no cinema, impressão de imagens em papel fotográfico,
atividades de fronteira, nos interstícios, tornaram-se
para sobrepor a estas mesmas superfícies a imagem
exemplo o Vídeo. O meio surgiu com a especificidade do
vídeo, reprodução fonográfica, reprodução gráfica, etc.).
efervescentes nas últimas décadas, acredito que seja
dessa paisagem, ou empregarmos, alternativamente, uma
tubo de raios catódicos e, em seguida, a fita magnética de
impressão em silkscreen?
videotape. Mas agora, algumas câmeras de Vídeo utilizam
Não é fácil um ramo de atividade humana que não envolva,
núcleo(s) duro(s) do campo daquilo que chamamos de
discos digitais, dispensando o meio magnético. Além do
de alguma maneira, sistemas digitais e/ou computadores –
Arte Digital, desde que esta tentativa não seja utilizada
Uma corrente da crítica americana tentou barrar a
mais, mesmo que gravados inicialmente em fita magnética,
no campo da Arte ou fora dela. As atividades que se utilizam
para excluir, banir ou determinar a qualidade de uma obra,
tendência à expansão do campo da Pintura, preconizando
os Vídeos são, quase sempre, editados, já há algum tempo,
dos recursos digitais, tais como a Música, a Fotografia,
mas sim para que possamos dispor de referenciais ao
que os pintores se concentrassem naquilo que se
em ilhas não lineares digitais. Mas será que podemos dizer
a Poesia, a Gráfica, consistem em Arte Digital no campo
falar/pensar sobre o assunto e ao atuar neste campo e
constituiria na característica essencial da Pintura, ou seja, o
que todo Vídeo editado em uma ilha digital ou projetado
estrito do termo? E será que isso importa, esta questão é
em seus arredores. Haveria um centro ou diversos pontos
abstracionismo informal predominante na cena americana
com um projetor digital consiste em Arte Digital no sentido
relevante ou seria uma falsa questão? Interessa saber se
de irradiação nuclear em torno dos quais se organizaria o
do pós-guerra, nos anos 1950. Essa corrente crítica,
estrito do termo? Ou uma obra de Vídeo deveria, para ser
algo é ou não é Arte Digital? Há quem defenda que Arte
campo da Arte Digital? Nesse caso, quais seriam eles?
liderada por Clement Greenberg, foi atropelada pelos
considerada Digital, incluir características típicas do âmbito
Digital, no sentido estrito do termo, seria aquela que é
rumos tomados pela Arte que exerceu as possibilidades
dos recursos computacionais tais como mashing, sampling,
realizada com a própria programação, uma interferência
Penso que um dos núcleos do Digital se situa no princípio
de exploração do campo expandido de forma intensa,
a inclusão de “ruídos” derivados destes e outros recursos
ou operação do Artista diretamente onde se estrutura a
da Porta Lógica, ou seja, da decisão do tipo “0” ou “1”,
demolindo qualquer dique teórico sem piedade. Contudo,
ligados a operações computacionais?
linguagem da máquina e/ou na própria máquina, como as
modus operandi intrínseco de sistemas computacionais a
experimentações em Programação, Robótica e Sistemas
partir da Análise Simbólica criada por Claude Elwood
que se entendia tradicionalmente por Pintura, mesmo
Assim, para tornar as coisas um pouco mais complexas,
Generativos de Live Image, ou Web Art, e outros recursos
Shannon (1938).
que não se apliquem mais à produção contemporânea,
surge então, além do problema do Campo Expandido,
da World Wide Web, por exemplo.
aqueles critérios anteriores oriundos da concepção do
64
conveniente tentar compreender o que seria(m) o(s)
65
Portas lógicas são dispositivos que operam um ou mais
FIDLER, R. F. (1996). Understanding New Media. Pine Forge: Thou-
sinais lógicos de entrada para produzir uma e somente
sand Oaks, 1997.
uma saída, dependente da função implementada no circuito eletrônico: as duas possibilidades de ausência ou
LÉVY, Pierre. O que é o virtual? Trad. Paulo Neves. São Paulo: 34.
presença de sinal elétrico, representadas respectivamente
STILES, K.; SELTZ, P. (1996). Theories and Documents of Contem-
pelo código binário “0” e “1”. Uma Porta Lógica pode
porary Art; A Sourcebook of Artist’s Writings. Berkley: University of
receber uma entrada e uma saída que podem ser tanto
California Press.
outra Porta Lógica quanto uma Operação Analógica – como, por exemplo, ligar ou desligar um potenciômetro
<http://www.laboratoriomovel.com/index_p.htm>. Acesso em 08 de
que vá variar a tensão de “0” até “X”.
agosto de 2010.
Minha conjetura é que seria interessante conduzir
WIGGINS, G.; McLEAN, A. Bricolage Programming in the Creative Arts.
experimentos práticos que problematizem esta situação, utilizando conceitos fundadores dos sistemas computacionais e que coloquem em questão as estruturas axiomáticas da Arte Digital, de maneira a tatear os fundamentos da mesma. Proponho que poderíamos ter uma vivência e um ponto de vista rico, ao levantar questões do tipo: “Para haver um sistema Digital, seria preciso estar sempre envolvido um computador ou um circuito eletrônico, ou mesmo eletricidade?”
Referências Bibliográficas: ARCHER, M. (2001). Arte contemporânea. Uma história concisa. Trad. Alexandre Krug; Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Martins Fontes. 66
67
Notas Diversas: O Tempo Presente e o Local EDUARDO DE JESUS1
2010
Atualmente, além dos riscos das reflexões feitas no
carregando e redirecionando para o contexto atual questões
Relacionamo-nos mais diretamente no local resignificando,
dinamismo do tempo presente, outro desafio em torno
como a relação entre arte e vida (agora no domínio da
rearranjando e negociando os sentidos do global, abrindo
da produção artística de nossa época é conseguir dar
biopolítica e não mais como nas vanguardas), as tensões
novas possibilidades. Nessa situação, o local não é nem
densidade e fluidez para o conhecimento produzido, sem,
no espaço institucional (galeria, museu, centro cultural) e o
fechado – ligado exclusivamente à tradição – nem um
com isso, estabelecer promessas, fazer apostas ou inventar
confronto com o público e o lugar, entre outras.
espaço onde, sozinho, impera o inimigo, sem resistência
novos e descartáveis conceitos – frágeis o suficiente para durar até a próxima supermegaexposição.
ou rearranjo. Trata-se de assumir a relação entre local e A segunda formulação se coloca no encalço da primeira.
global como campo de tensão no qual atuam diversas forças
Toda essa herança está pronta para ser posta em jogo
que territorializam, desterritorializam e reterritorializam
O desafio talvez seja buscar formas de produzir o
no campo da reflexão, como diálogos, apropriações e
a experiência. Esses novos equipamentos coletivos de
conhecimento em torno da arte, situando-o na velocidade
desdobramentos – que precisam ser potentes o suficiente –
subjetivação ainda não nos conduziram à era de uma
de uma época marcada pelo chamado capitalismo cognitivo,
para abrir novas possibilidades de análise em profundidade,
singularidade pós-midiática, como queria Guattari, mas,
uma importante linha de força tanto na constituição
mas nas tramas de relações espaço-temporais de outro tipo,
de toda forma, já reconfiguraram a vida social.
das próprias formas de produção quanto nos modos
ligadas a uma espécie de fugacidade do agora e minadas
de refletir sobre elas. Levando isso em conta, como
por um complexo sistema transnacional de comunicação.
perguntam Backstein, Birnbaum e Wallenstein (2008), qual
68
Somente é possível pensar a produção artística local levando em conta esses desafios e a complexidade das
a possibilidade da arte, como instrumento de reflexão e
Além disso, outro desafio é como podemos pensar
relações entre vida social e arte. É dentro desse contexto
produtora de um certo tipo de conhecimento, engajar-se em
criticamente a produção local, especialmente tendo
e assumindo tais desafios que irei comentar algumas
nossa condição presente2?
em vista as relações entre global e local. Atualmente,
produções artísticas desenvolvidas em Belo Horizonte,
experimentamos uma densidade no local, construída
ligadas ao campo da imagem em movimento, e que utilizam
Talvez seja impossível uma resposta a questionamentos
principalmente pelas relações sociais desenvolvidas,
as diversas tecnologias disponíveis.
dessa natureza; no entanto, podemos tirar daí duas
além dos contatos face a face, nos sistemas mediados
importantes formulações: primeiramente, não é possível
de comunicação pessoal ou coletivo (e mais, todas as
articular qualquer resposta sem um conhecimento do que
possíveis associações e combinações entre ambos). Esse
houve antes, do passado. Antiguidade-modernidade.
sistema de informação que experimentamos e fomentamos
O conhecimento de nossa antiguidade pode nos conduzir
nos traz novos processos de subjetivação, outras formas
Entre os projetos artísticos desenvolvidos em Belo
até a modernidade. Passamos à contemporaneidade
de lidar com a tradição, com o real e o entorno imediato.
Horizonte nos últimos anos, gostaria de destacar três que
No espaço da cidade
69
estabelecem vinculações intensas com o espaço físico e a
as vidas que o habitam, revelando, como um raio x, um
comunidades e oferecendo formas de produção audiovisual
Esses projetos se estruturam em torno das complexidades
própria cidade.
jogo de interações cotidianas que nos convocam a pensar
e visibilidade, o projeto se desdobrou em diversas atividades
do espaço urbano, e cada um, dentro de suas aproximações
as relações entre esses espaços e as imagens. A cidade
que aproximavam fortemente o entorno, as formas de uso
com a cidade, promove seu alargamento, da mesma
O projeto “Muros e Fundos” desenvolvido em 2009 por
torna-se tela de projeção, e o lugar uma potência para que
das tecnologias e as plataformas de comunicação.
forma como amplia as possibilidades de gerar experiências
AruanML, Elisa Marques e Nian Pissolati, com diversos
as subjetividades se reconectem com outras formas do
convidados e colaboradores, traz as imagens em movimento
imaginário e dos afetos da cidade. O projeto possibilita,
Outro projeto que toma a cidade como espaço de
para a cidade de uma forma despretenciosa e muito
de fato, traçar heterotopias imagéticas que podem
reconfiguração, em outra vertente, é o “Reações Visuais”
entranhada nas dinâmicas do espaço público. O grupo
reconfigurar a experiência do espaço urbano.
de Leandro Araújo e Daniel Nunes5. Trata-se de uma
3
estéticas fora dos espaços mais sinalizados e direcionados
desenvolveu um website com uma “interface-mapa”, que
plataforma de trabalho que processa os sons da cidade,
cartografa de forma peculiar os trajetos na cidade, permitindo
fazendo deles inputs para a geração de imagens. Assim, o
ver as diversas intervenções realizadas. O esquema é
Projeto Muros e Fundos
low-tech. Um carrinho de feira, desses de metal, com uma
Tecnoantropofagia
som de determinadas partes da cidade, como a Praça Sete
A subversão das tecnologias sem dúvida é uma das
ou a rua Guaicurus, é convertido em imagens abstratas,
potentes linhas de força que, ao longo do tempo, vêm
bateria de carro, um projetor de vídeo e um DVD player. Tudo
Este projeto, de custo e formas de produção pouco
baseadas no próprio som. Nas apresentações, a dupla6
configurando a exploração artística dos dispositivos
bem rústico e simples. O carrinho foi deslocado por muitos
ambiciosos, opera longe do circuito mais tradicional da arte,
manipula os sons coletados, relacionando-os com as
e sistemas tecnológicos. A ideia é assumir restos
pontos da cidade, mas nada de lugares especiais com muita
e quase se confunde com a própria paisagem da cidade,
imagens geradas. Um site7, assim como o “Muros e
tecnológicos, seus refugos e tudo aquilo que a
visibilidade ou que chamem muito a atenção; em foco está
expandindo, sutilmente, a experiência estética para alcançar
Fundos”, demarca uma cartografia, criando uma espécie de
obsolescência programada produz, para desenvolver
o “lugar-qualquer”, o lugar ainda com suas significações
a atenção distraída dos passantes.
paisagem sonora desses lugares.
trabalhos artísticos. O gesto inicial veio, entre outros, de Nam June Paik, que, nos anos 60, reconfigurou dispositivos
restritas aos que usam e habitam seu entorno. Nesses Essa reconfiguração do espaço parece ser também a tônica
Em um dos desdobramentos do projeto, as imagens de
tecnológicos alterando suas funções originais para trazê-
de outra plataforma de trabalho que incluía ações educativas,
cada um dos lugares passa a ocupar o local destinado
los ao universo da arte. Nessa perspectiva, gostaria de
Não se trata de imagens como as que vemos frequentemente
mobilização social e experiências audiovisuais com uso de
a cartazes publicitários, nos pontos de ônibus da região
comentar os trabalhos de Fernando Rabelo, que desenvolve
no circuito midiático; elas são domésticas e pouco produzidas
tecnologias de comunicação. O projeto “Ocupar Espaços”4,
central de Belo Horizonte. Tudo é devolvido ao passante
obras interativas, frequentemente usando refugos e
do ponto de vista formal. Trata-se de um gesto que pode
da ONG Oficina de Imagens, produziu, entre fevereiro
que, perplexo, pode perceber as camadas de informação
sucatas eletrônicas em seus projetos.
devolver às imagens esse caráter de proximidade entre
e setembro de 2006, uma série de ações e formas de
que recobrem o espaço urbano. Com isso, a cidade se
quem as vê e o lugar onde são vistas. Esse movimento
conexão entre comunidades de Belo Horizonte. Produzindo
desdobra em imagens e sons, ampliando nossas
Gostaria de destacar seu projeto “Contato-qwerty” (2005).
faz com que o espaço urbano e público se dobre sobre
vídeos, fazendo transmissões que conectavam ao vivo as
formas de cartografá-la e percebê-la.
Trata-se de uma instalação interativa na qual os visitantes
lugares, as imagens são projetadas.
70
para abrigar a arte.
71
podem acionar pequenas sequências de vídeo ao entrar
O trabalho de Rabelo frequentemente dialoga com
experimental e ainda pouco sistematizada. Faltam programas
colaborativa, aberta e com resultados que são dificeis de
em contato com esponjas de metal, dessas usadas
a história da arte-mídia, com seus pioneiros, e, ao
e espaços que estejam abertos a esse tipo de produção,
mensurar num primeiro momento.
popularmente nas pias das cozinhas e também em antenas
mesmo tempo, traz o princípio da subversão dos
assim como espaços expositivos que possam dar novas
Os resultados não se traduzem apenas em um produto
internas para melhorar a transmissão de sinal da televisão. Os
dispositivos tecnológicos daquele contexto para o cenário
possibilidades de enfrentamento entre as obras e o público.
final, mas sim em toda a rede de aproximações
cabos suspensos na sala, com as esponjas na ponta, estão
contemporâneo. Isso fica bastante nítido em outros
ligados à estrutura de um teclado desmontado. O visitante,
projetos, como NamJuneCena (“cena”, aqui, vem do
Projetos como o Plug Minas, ligado ao Governo do Estado,
ao pegar duas esponjas, fecha com seu corpo o canal de
espanhol: jantar) desenvolvido no workshop “Interactivos”
oferecem cursos de jogos digitais para alunos entre 15 e
Nesse sentido, outro interessante projeto que iniciou suas
conexão entre as “esponjas-teclas” e aciona as sequências
do Medialab Madrid. A mesa, como de jantar, composta
24 anos que estejam matriculados em escolas públicas de
atividades recentemente na cidade é o JACA – Jardim
de vídeo. As imagens trazem pequenas ações do cotidiano,
de telas (monitores) com imagens em RGB – como as
Belo Horizonte e Sabará. Em parceria com o Plug Minas
Canadá – Centro de Arte e Tecnologia9, uma residência
dessas que realizamos de forma quase mecânica (conectar
desenvolvidas por Paik e Shuya Abe no “Paik-Abe video
está o projeto Oi Kabum!, uma escola de arte e tecnologia
artística que vai fomentar o desenvolvimento e a troca de
e desconectar cabos, ligar e desligar o fogão, carimbar,
synthesizer”, um dos primeiros processadores eletrônicos
que já funciona em Recife, Rio e Salvador, e que começa
experiências entre artistas locais e estrangeiros que atuam
buzinar, etc.) diariamente. O som marcado das imagens pode
de imagem – mostra pratos cheios de sucata eletrônica e
a dar os primeiros passos em Belo Horizonte. Essas ações
em diversas áreas e mídias.
propor um jogo entre os participantes. Os visitantes podem,
objetos tecnológicos aos visitantes que se aproximam.
podem reverberar e difundir a cultura contemporânea que
possibilitada pelo projeto.
inevitavelmente passa pelas mediações tecnológicas.
com isso, de alguma forma, reeditar coletivamente os
pioneiro na cidade que relaciona tecnologia, arte e
“balés mecânicos” do nosso cotidiano sempre habitado por inúmeros dispositivos das mais diversas ordens.
Contato-qwerty (2005) de Fernando Rabelo
72
Nessa perspectiva, é impossível não lembrar do projeto
Modos de produção
Uma ação importante no sentido do fomento a produção
arquitetura. Trata-se do Lagear – Laboratório Gráfico para
é o Marginália+Lab8 que, através das leis de incentivo e
Experimentação Arquitetônica10, dentro do Departamento
São diversos os modos de produção dessas obras, assim
parcerias, conseguiu criar um laboratório para a geração de
de Projetos da Escola de Arquitetura da UFMG. O Lagear
como as fontes de recursos e patrocínios que as tornam
diversos trabalhos.
desenvolve pesquisas, propõe atividades, forma pessoas e
possíveis. Todas louváveis, já que muitas vezes a produção
dá apoio ao desenvolvimento da disciplina Atelier Integrado,
mais recente vinda dos artistas em início de carreira ou
A dinâmica é simples, tímida e desenvolvida com
de onde saem despretensiosos projetos interativos que
Nesse trabalho, ironicamente Rabelo insere na tecnologia
aqueles projetos que se colocam nas fronteiras entre as
poucos recursos: são cerca de dez projetos que foram
funcionam como um ponto de partida para inserir os
interativa e digital os dispositivos mecânicos, tanto nas
áreas são pouco privilegiados. No caso do desenvolvimento
desenvolvidos em equipe, quase uma espécie de residência
estudantes no universo da tecnologia.
imagens quanto na forma como os acionamos, fechando o
e exibição de obras com uso de tecnologia, essa situação
artística local. De tempos em tempos os projetos eram
circuito com o nosso corpo. Aberto-fechado, 0 e 1, traço aqui
se agrava pelo despreparo dos espaços e instituições e
mostrados para especialistas que comentavam, analisavam
Toda essa movimentação, apesar de ainda pequena,
que sugere a união dos universos digitais e mecânicos.
pela ausência de apoio direto à produção artística mais
e enriqueciam a pesquisa dos artistas. Tudo de forma
conecta-se com aqueles movimentos ocorridos em décadas 73
anteriores, como por exemplo toda a dinâmica em torno da
plataforma aberta, outros
produção de vídeo nos anos 80 e 90 com o Minasfest e o
colaboradores e músicos
ForumBHZvideo, que deram impulso à trajetória de vários
podem ocasionalmente integrar
artistas locais. Tudo isso serviu para ampliar e renovar as
o projeto.
bases de desenvolvimento da produção artística na cidade.
7) www.lar.li/reacoesvisuais/
Certamente, quanto mais estivermos ligados às tramas
8) www.marginaliaproject.com/lab/
da contemporaneidade – com os desafios complexos que
9) www.jacaarte.org4
temos pela frente –, mais a arte pode se tornar um campo
10) www.arquitetura.ufmg.br/
fértil para provocar reflexões e para fazer fluir novas situações
lagear/
de encontro e enfrentamento entre as subjetividades. Notas:
Reações Visuais - Frame da reação visual à paisagem Referências Bibliográficas:
1) Professor da Faculdade de
BACKSTEIN, J.; BIRNBAUM, D.; WALLENSTEIN (Sven-Olov.2008).
Comunicação e Artes da PUC/MG.
Thinking worlds: an introduction. In: Thinking worlds – the Moscow
2) Tradução livre de: What would
conference on philosophy, politics and art. Berlim: Steiberg Press.
sonorada Praça 7, no hipercentro de Belo Horizonte
be the possibility for the arts, as instruments of reflection and producers of a certain type of knowledge, to engage in our present condition? 3) www.murosefundos.com 4) www.ocupar.org.br/portal 5) A dupla se apresenta frequentemente com os nomes de seus projetos “Lise e L_ar”. 6) Como se trata de uma 74
Contato - qwerty (2005) de Fernando Rabelo 75
Entre Ruídos e Memórias, ou Primeiras Notas Para Uma História Audio Visual de BHz
76
Neste pequena genealogia traremos um testemunho da cena cultural engendrada no início dos anos 1980, quando mudanças técnicas nos meios de produção audiovisual promovem maior acesso às ferramentas de criação. Nesta década chegavam ao país os meios eletrônicos domésticos de produção de imagens. Em Belo Horizonte, jovens abraçavam estes recursos e inventavam uma cena que aos poucos repercutiu no Brasil e em festivais internacionais. Nomes foram projetados e uma tradição local inaugurada.
podemos pensar em um diferencial da produção em Belo
na prática o slogan do movimento punk: do it youself.
Horizonte, é a maneira doméstica e amadora de se trabalhar
Uma cronologia do vídeo independente em Minas
ecoando ainda hoje.
organizada pelo Instituto Imagem Movimento em 1995 recupera a gênese das primeiras produtoras de vídeo
Até meados dos anos 80, quando se inicia a produção do
interessadas em desenvolver projetos artísticos e de pontos
vídeo como arte, não havia na cidade qualquer tradição
de apoio aos realizadores. Em 1985 a Emvideo é criada por
audiovisual sólida. A constante diáspora dos mineiros em
Eder Santos e Marcus Vinicius Nascimento. Marcelo Braga,
direção ao Rio de Janeiro e São Paulo deixou um cenário
Bellini Andrade e Evandro Rogers se tornarão sócios nos
de raras e esporádicas produções cinematográficas sem
anos seguintes. Em 1986 surgem a Versão Brasileira (VB),
filiação com os jovens. A TV local tampouco configurava-se
formada inicialmente por Marcos Barros Faria, Emílio Belleti
como alternativa, na programação prevalecia o jornalismo. É
e Hugo Rodriguez, e a Trincheira Vídeo com Jean Armand,
da falta de tradições e de referências, de políticas públicas,
Claudia Amaral, Beto Magalhães, Carlos Santiago e Letícia
de educação formal e de veículos de comunicação capazes
Coura. Por estas três empresas passaram na condição de
de gerar empregos ou difundir a produção, que o vídeo
funcionários, usuários e estagiários uma geração hoje em
Naquele momento o VHS (Video Home System) era a
se coloca enquanto campo privilegiado de criação, pois
atividade como realizadores e pesquisadores. A VT-3, do
forma de trabalho mais acessível. A imagem ruidosa
mais acessível e barato. A psicanálise pode entender o
cineasta Helvécio Ratton, de Carlos Alberto Ratton e Dileny
PATRICIA MORAN
e precária do VHS não fazia do mesmo substituto do
excesso de faltas institucionais, de escolas e de horizontes
Campos também é inaugurada em 1986, seus interesses
2010
cinema, pois demandava um investimento poético
demarcados como espaço potencial de liberdade e da
privilegiavam o consolidado cinema narrativo, a esporádica
diferenciado. Experimentava-se outra estética e poética
invenção de antecedentes. Os bares eram um lugar de arte.
produção autoral em vídeo veio a reboque dos jovens.
para o audiovisual, construída vídeo a vídeo, sem qualquer
Os jovens curiosos da poesia, artes plásticas, performance,
referência local. Como bem coloca Walter Sebastião, havia
música, fotografia e audiovisual se conheciam e descobriam
Em 1982 é inaugurado o Sistema Salesiano de Vídeo (SSV),
uma espécie de ato de fundação que inventava experiências
afinidades eletivas, apresentavam seus trabalhos em
referência sobre o universo quase inacessível do vídeo de
inaugurais. Diante da quantidade de problemas estéticos e
lançamentos ruidosos. A mistura de campos do fazer
uma polegada e U-Matic. Com a inauguração em 84 da
políticos engendrados em mais três décadas, priorizamos
artístico, o hibridismo tão decantado na arte contemporânea
TV Minas, o tabuleiro no qual se moveram os realizadores
neste ensaio o gesto dos realizadores de constituição
e na criação audiovisual acontecia. Novamente a falta de
estava praticamente consolidado. A TV desempenhou o
de referências, ou seja, de invenção de uma escola. Se
tradição e escolas transformavam-se em aliada, prevalecia
papel de laboratório na formação de diretores, editores e 77
digital já nos anos 80. Álvaro abre em seguida a Ciclope
com Harmurt Host, Ingo Petzke e Kristoph Janetzko
era uma escola na qual os estagiários aprendiam e
alentaram os delírios visuais”. O Festival de Inverno da
experimentavam. Pelo programa Agenda passaram Lucas
UFMG era outra janela para a in-formação em época
Bambozzi, Rogério Velloso, Anna Flávia Dias, Beth Miranda,
anterior à globalização quando o acesso ao mundo era uma
Na Rua Grão Pará em 1988 a VB e a Emvideo alugam uma
Chico de Paula, Marcos Barreto, Rodrigo Minelli, Vânia
conquista e não um dado. O Festival de Inverno levou a Belo
casa em comum. A VB é um caso exemplar da profusão de
Catani, Mariana Tavares e muitos outros nomes que até hoje
Horizonte Joan Logue, realizadora de vídeo norte-americana
soluções técnicas e, claro, de distensões futuras. O mercado
trabalham com o audiovisual. Estar na TV permitia o acesso
que apresentou a Eder Santos a nata do vídeo como Nam
publicitário, a meta de sobrevivência, os trabalhos pessoais,
a meios de produção e conferia visibilidade aos realizadores.
June Paik, Jean Cohen, Paul Garin e muitos outros. A partir
um alvo construído. Inicialmente a VB tinha dois núcleos:
Lucas Bambozzi, amador no sentido guerrilha da palavra,
Apropriada pelos jovens inquietos, a emissora estatal de TV
deste encontro Santos inicia sua trajetória internacional e
o de telões e o de foto. Na foto Cao Guimarães e Daniel
fazia da câmera da TV Minas uma aliada da noite cultural.
chancelava o apoio de produtoras com melhor estrutura e
se firma como um dos ícones nacionais do vídeo, enquanto
Mansur. Nos telões Hugo Mendes, Marcos Faria e Emílio
Bambozzi é caso exemplar do slogan punk do it yourself,
de patrocinadores. Com Lucas Bambozzi na direção e Vânia
os demais integrantes da oficina por ela ministrada
Belleti, que convidou Álvaro Garcia para ser sócio da VB.
lição aprendida em São Sebastião do Paraíso onde cresceu
Catani na produção, em 1989 o programa Sexo explícito
passam a realizar seus trabalhos com clara inspiração nos
especial foi gravado e finalizado no agora acessível SSV: seis
representantes da vanguarda sediados em Nova Iorque.
meses de edição no formato de uma polegada. O tempo
78
Pequenos movimentos para a invenção
produtores. Não oferecia uma estrutura ideal, ao contrário,
e se dedica ao desenvolvimento de produtos comerciais multimídia em CD, DVD, para internet e museus, e claro, para sua poesia. Enquanto isso...
e aprendeu a usar os inputs e outputs das máquinas a seu Por que Emilio chamou Álvaro? Porque Álvaro o havia
favor. Alinhava os cabeçotes e mixava, não imagens, mas as
procurado por querer sua poesia nos telões da VB. Emílio
fitas de rolo do tape deck de ponta do seu pai. Ali o menino
de edição não condizia com as exigências da televisão, a
A Trincheira Vídeo por seu lado organiza o MinasFest.
não dispunha de meios para viabilizar o movimento físico
curioso de cerca de 16 anos experimentou ritmos levados às
linguagem tampouco. Entre o documentário, o musical
Neste primeiro festival de vídeo na Belo Horizonte de 1987
das palavras. Não se fez de rogado. Solicitou o auxílio de
imagens quatro anos depois. Do ritmo da música à imagem
e a arte do vídeo o programa não cabia nos formatos
consolidam-se os diálogos nacionais sobre a arte eletrônica,
seu irmão, que desenvolveu uma interface para visualização
musical das primeiras gravações.
tradicionais. Sem qualquer sanção ou norma o investimento
seguidos em 1991 com FORUMBHZvídeo, festival a fomentar
de sinal de computador em telão para vídeo. Conseguiu a
dos profissionais/estagiários inventava novos usos para a
o debate sobre a arte eletrônica e a trazer curadores e artistas
façanha com um computador 286. Do experimento com
Bambozzi sempre esteve próximo de Eder Santos.
TV, e colocavam o ingênuo e irreverente produto local em
nacionais e internacionais para mostras e oficinas. Idealizado
os poemas de Álvaro, Delfim Afonso Jr., Roberto Barros
Funcionário da VB era emprestado para a Emvideo
circulação nacional.
por Vânia Catani, Lucas Bambozzi, Rogério Veloso, Adriana
e Mário Flexa a VB desenvolveu uma solução técnica
em trabalhos que demandavam perícia técnica como
Franca, Anna Flavia Dias e Vanessa Tamietti em suas três
inexistente no país e passou a atender corporações como
transmissões ao vivo. Esses trabalhos comerciais
Para completar a rede de referências da década de 80,
edições, o fórum conferiu visibilidade para a cena emergente,
a IBM. Do empreendimento demandado pela arte a VB
despertaram Bambozzi e Santos para performances
havia o Goethe Institut com mostras temáticas, itinerantes
provou a todos que existia o vídeo como arte.
projeções transformou-se na poderosa ON que fornece
audiovisuais em tempo real. O primeiro, já morando em
e oficinas multimídia que, segundo Lucas Bambozzi,
atualmente telões para eventos nacionais e internacionais
São Paulo é um dos fundadores do coletivo Feito à Mãos,
“produziam um sentimento de inclusão (...) e o encontro
de performance audiovisual. A tecnologia propiciava a arte
FAQ. Originalmente formado por Rodrigo Minelli, André 79
Amparo, Cláudio Santos, Chico de Paula e Marcelo Braga
todo, como bem coloca Philipe Dubois, “podemos opor à
passaram. O uso de fotos também traz o tempo corrido, o
a grande parte da produção local. Sua criação constante
tinha como um dos objetivos de sua Cartilha problematizar
noção cinematográfica de profundidade de campo a noção
“isto foi”, segundo Roland Barthes. Chico de Paula com Eu
e vultuosa oscila entre o poético documentário O mundo
noções de autoria. De sua primeira apresentação no
videográfica de espessura da imagem” (p. 87), daí resulta a
faço versos como quem morre, de 1992, traz as lembranças
de Aron Feldmann de 1988 e o indigesto Paca de telhado,
Festival Internacional de Curta-Metragem de Belo
dificuldade de percebermos seus contornos. Este recurso
de sua amada para matar a saudade da distância, ela
que traz duras imagens de um gato feito churrasquinho em
Horizonte com Dziga Vertov, manipulação ao vivo de O
gera um efeito onírico; para Heather Barton, Santos cria
estava em Londres. Em 1993 o vídeo Penólope aborda a
animada roda de samba. Fabio continua inquieto, desafina
homem da câmera, tem entre suas ações oficinas no
uma espécie de mnemotecnia ao contrário, disfarça as
tessitura da identidade feminina, também em camadas de
qualquer coro e provoca seus pares, atitude saudável em
Festival Eletronika, o primeiro em 2001, com a criação do
lembranças enquanto se recorda de algo universal, talvez
lembranças. Tereza de Kiko Goifman finalizado em 1994
época de adesões fáceis e oportunistas. Em 2008 fez o
prêmio Emílio Belleti, no qual jovens realizadores recebiam
venha dai a adesão a seus vídeos.
em parceria com Caco Souza também traz intervenções
vídeo Um filme de Cao Guimarães. A menção ao trabalho
visuais, mas o tempo do trabalho de Goifman é uma
de Guimarães justifica-se pela presença um besouro em um
apoio para o desenvolvimento de trabalhos. O FAQ leva para performances o uso do espaço além das telas e da
O mesmo recurso encontra-se em Europa em cinco
prisão, é o tempo da prisão, um tempo sem perspectivas,
vidro no vídeo de Fábio.
estimulação multimodal dos sentidos — a tradição da
minutos, Não vou à África porque tenho plantão, Janaúba e
sem interesse no presente, pois representa a negação da
Cao em pelo menos dois vídeos usa insetos, em Quarta-
videoarte tornando-se referência nacional.
na poética homenagem a Wally Salomão Quando eu vejo o
liberdade. A aposta de Goifman ao longo dos anos é na
feira de cinzas laboriosas formigas levam para casa paetês
mar mas não vejo a embarcação, assinado em parceria com
temática, sua marca não estão no visível mas na violência.
ou confetes. Os restos da festa terminada fazem o brilho do
Eder Santos já havia realizado suas primeiras performances
Marcelo Braga. Aqui, nem a consagrada música Vapor barato
Sua imagem é seca.
formigueiro. Em Word-World novamente formigas, Cao lhes
multimídia nos inícios dos anos 1990 com Stephen
sobrevive às intervenções do realizador. A voz de Gal Costa
Vitiello, músico ligado à vanguarda do vídeo sediada em
é ruído, é gemido e grito em eterno retorno, sem letra, ruído
O ruído visual prossegue em Rodolfo Magalhães e seu O
fim carregam pequenos com as palavras “word” e “world”
Nova Iorque. Uma de suas diferenças em relação ao FAQ
da voz acrescido de ruído de um projetor de cinema sujando
pirotécnico Zacarias de 1991. A deformação da computação
para o formigueiro. O peso da cultura a cargo dos insetos.
está na presença de atores e músicos em quantidade e
a trilha sonora. O eterno retorno está também na declaração
gráfica de Aggêo Simões e Luiz Sander funcionava como
O vídeo de Fábio Carvalho termina com a destruição de
no uso do palco. Santos sagrou-se na cena nacional em
de Wally: “se me der na veneta eu morro, e volto pra curtir”.
uma luva para o realismo fantástico de Murilo Rubião.
fitas de VHS jogadas no chão perto de um gato que foge à
1988. Com Mentiras e humilhações vence o VideoBrasil,
Curtimos nós, o vídeo feito de alegria e dor pela perda do
34 x 1 (1994), de Cláudio Santos e Eduardo de Jesus
agressão do obsoleto objeto, logo pisado e destruído. Fabio
e firma sua marca no vídeo ao construir uma imagem
poeta tropicalista.
seguiam a mesma trilha, memória e imagem ruidosa. Estes
Carvalho não faz apenas imagens ruidosas, é o próprio ruído,
realizadores da segunda geração do vídeo miravam-se na
em alguns momentos construtivo em outros...
barroca com a sobreposição de camadas borradas sem
80
entrega o peso da linguagem e do mundo, elas o evitam, por
recente tradição.
definição precisa de contornos, as imagens se somam sem
Ruídos e apelo memorialista se repetem na obra de outros
recorte. São tratadas e maltratadas até deixar à mostra a
realizadores. Em Love stories (1992), de Bambozzi, a
matéria da qual são feitas, pontos de luz. Transparentes
inscrição do tempo está no negativo queimado feito imagem
Fabio Carvalho é um dos realizadores mais intrigantes e
e luminosas se misturam sendo percebidas como um
e no título do vídeo. Se são histórias de amor foram vividas,
irregular. Distingue-se tanto no percurso quanto em relação 81
Novos Nomes: Continuidade e Ruptura
voam. Imagens simples, quase amadoras não fosse sua
ainda se espantar e deliciar com pequenas aberrações não
o animal inquieto funciona como um comentário para a
firmeza, a certeza em não mostrar qualquer personagem.
percebidas pelos apressados transeuntes da cidade. Seus
situação. O homem caminha-cavalga enquanto o cavalo
Bellini está próximo a uma corporação em Austin, no
quase-documentários, praticamente sem edição, seguem
incomodado quase pensa, o que estará fazendo ali? A não
Carlos Magno, Roberto Bellini e Marcellvs L representam
Texas, onde fez seu mestrado. Interpelado por um policial
três vertentes são um convite à observação de pequenas
adesão a esquemas simplistas de sedução e a maneira de
uma geração a se firmar na virada do século XX. Por
testemunhamos o encontro através do diálogo entre os
mudanças produzidas por seu olhar. No já clássico man.
captar o mundo, como bem coloca Cezar Migliorin, remete
caminhos distintos fazem de sua obra um lugar de
dois. O policial fala sobre potenciais riscos que corre ao
road.river de quase 50 minutos nos revela longa, lenta e
às câmeras de vigilância, e reinventa o pan-óptico. Não
provocação política, de construção do incomodo. Carlos
filmar ali, comenta prisões recentes de espiões e sobre
sutil mudança produzida pelo zoom out que acompanha um
se trata de vigiar para punir, mas de observar o ridículo
Magno trabalha com deslocamentos semânticos e choques
os perigos representados pelas câmeras. Bellini continua
homem cruzando o leito caudaloso de uma rua. Ao assistir
dos protocolos sobre padrões cotidianos relacionados ao
entre imagens, sons e palavras, sejam elas escritas, ditas
apontando sua arma para o céu, não sem ironia, no seus
o vídeo por primeira vez vê-se um homem andando no rio
bem viver. Deste ponto de vista Bellini e Marcellvs L se
de maneira direta para a câmera ou apropriadas. Grande
contra argumentos externa o desejo de enquadrar a lua,
no início do trabalho. O quase imperceptível zoom produz
aproximam ao nos devolverem o lugar de observação e não
parte dos trabalhos de Bellini é de encontro com fatos da
de filmar os pássaros. A diferença dos dois registros
uma espécie de epifania. Aquela água não é um rio, mas
de consumidores de um mundo organizado e direto.
vida. Seu gesto poético é próximo ao documentário se
sonoros, a diferença entre a imagem e o dialogo bem
uma rua alagada, indiferente ao registro o homem passa
colocar com a câmera em estado de provocação. Mesmo
como a contenção do policial diante da câmera faz deste
ao largo da câmera e segue sua caminhada, indiferente a
Carlo Magno também se alimenta do cotidiano, seu
quando há alguma performance previamente preparada, as
vídeo contundente ação sobre a vigilância, sobre a falta de
tudo recebemos a oportunidade de contemplar. A segunda
próprio cotidiano, segundo o título de ensaio de Migliorin
intervenções na imagem são raras, os planos têm a duração
liberdades civis e o poder das corporações apoiadas pela
vertente de sua poética também se estrutura na revelação
“Carlos Magno: do privado para o político”, penso eu, o
do acontecimento visado.
repressão. Ele também incursiona por instalações com
lenta de cenas, as imagens iniciais indefinidas, brilhantes
privado como político. Na expiação da subjetividade, a
trabalhos de sofisticado impacto visual e político sem o uso
e ricas em poesia pelo que sonegam de informação visual.
história das culturas. A religiosidade de Minas Gerais e
O vídeo How things work (2002) de Bellini produz o
deslumbrado da tecnologia. Em Outlines (2005) corpos e
Trata-se do vídeo Rizoma 0314, no qual uma imagem em
suas promessas de redenção atravessam sua obra. Em
nosso encontro com o corte de uma pele que nos coloca
mapas traçam no chão movimentos instáveis para ambos.
chuvisco é água e o Rizoma 5040 com manchas coloridas
Kalashnikov a presença da religião na família nos auxilia
em contato com uma carne vermelha. A pele não é
Em posição fetal as linhas de luz a formar o corpo aludem
em movimento transformadas em uma cidade à noite. A
a entender sua fixação por ícones religiosos. Sua avó
humana, a carne é de uma fruta. Bellini fez uma operação
a contorções, quando estáticos remetem a desenhos de
terceira vertente tem no vídeo Rizoma 8246 um exemplo
dizia que o pai estava possuído pelo demônio quando
performance. Da carne retira gosmas translúcidas e
peritos policiais. Independente do suporte e temática o
cabal do absurdo do nosso cotidiano. Um homem corre
embriagado, segundo Magno por ter apenas cinco anos de
moedas. As entranhas do capital rasgadas pelo artistas
enfoque político é uma constante em sua obra.
em uma esteira em uma academia. À mostra pelo vidro na
idade na época acreditava nas palavras da avó confirmadas
levam ao que interessa do interior, ainda o dinheiro. Em
82
corrida, sem deslocamento, no interior da academia. Na
pelo próprio pai. Pai fantasma da religião, ou, jogo de
Teoria da Paisagem, de 2004, grava o céu, aviões riscam
Marcellvs L, espécie de flâneur da urbe, usa a
rua contígua visualmente, um cavalo sem destino parece
palavras fácil e produtivo, a religião como um fantasma a
de branco o azul, o por do sol se aproxima, pássaros
contemplação para fazer de situações triviais poesia e para
estacionado na porta da academia. A situação é jocosa,
ser assombrado pela criação. 83
O vídeo é o lugar onde ele se organiza, lugar de
o vídeo é sujo, a câmera tremida desenquadra os temas
bisavô russo da música eletrônica para se unir à caixinha
Referências Bibliográficas:
expiação ou, segundo Migliorin na revista Cinética, “uma
mal iluminados. A tradição do ruído é assim organizada em
de balas Mentos que abriga o Arduíno, programa aberto
1MPAR. Therementos: audiovisual instrument using an Arduino
necessidade”. A religião é um lugar de crítica social, de
vídeos sobre memórias, em imagens repletas de tempo
à programação para realizar distorções sonoras e visuais.
Board, 2 sensors and a Mentos Box. Disponível em: <http://www.
crítica à passividade pregada pela igreja. Carlo Magno
para organizar o esquecimento, para promover passagens
O sofisticado trabalho visual de 1mpar convida a um
youtube.com/watch?v=zejyFKa8jXs>.
confere assim universalidade e tinta política a uma
pessoais e fundar uma cena coletiva. Dos três, Carlos
mergulho em paisagens visuais. Tenho escrito sobre este
problemática presente em sua biografia. Em América
Magno é um exemplo que faz a passagem dos anos 80 para
potente realizador em outros trabalhos. Para esta redação
BAMBOZZI, Lucas. El vídeo explosionado y sus fragmentos
CTRL + S diante do corpo de um indigente aparentemente
o século XXI.
ouvi depoimento do autor para o evento Live Cinema, no
planeando sobre nosotros. In: BAIGORRI, Laura. Vídeo en
morto ouvimos a ácida frase: “é bom que ele morra pois na
qual realizou primorosa apresentação e criou belo objeto
Latinoamérica: una historia crítica. Madrid: Agencia Española de
próxima encarnação ele nasce rico”.
semelhante a um tubo de ensaio, onde em vez de fumaça,
Cooperación Internacional, 2008.
Pontos antes do fim Desde meados da década de 1990 quando fez seus
interfaces digitais nos belos êmbolos de vidro, outra espécie
BARTON, Heather. Un lugar en el palácio de la memória. In: LA
primeiros filmes em VHS tem uma trajetória coerente nos
Na década de 80 falta lugar de potência. 30 anos depois
de epifania, de interfaces feitas objetos e imagens. No
FERLA, Jorge (Org.). Contaminaciones: del videoarte ao multimedia.
temas e na maneira de abordá-los. Formou-se em artes
o excesso é utilizado pelos artistas para restaurar a época
depoimento 1mpar ele evoca relações humanas e memórias
Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires, 1997.
plásticas o que aparece no tratamento visual das artes e
do excesso de faltas. Aumentam demandas e exigências
como para localizar seu potente trabalho, este belo
gráficos. Cuidadoso na escolha das fontes utiliza cartelas
cognitivas, os materiais técnicos reivindicados pela arte
horizontino de Minas chama lembranças, paisagens visuais
BRASIL, André. Quase nada: o afeto. FF >> Dossier, n. 12.
fixas para criar um quadro dentro do quadro do vídeo. Os
retornam a pequenos pontos. Base cognitiva sofisticada,
para mergulho do navegar de pontos e ruídos.
Marcellvs L. Disponível em: <http://www2.sescsp.org.br/sesc/
re-enquadramentos variam de tamanho e cor, em Chubelrz
visível sofisticado na simplicidade. Um caminho é a
o espaço reservado ao vídeo é pequeno e sobre ele temos
reinvenção dos objetos banais de uso automatizado.
Termino este ensaio sem conclusão antes do fim, pois
textos com fontes diversas e o desenho de um lagarto.
Fernando Rabelo retira da cozinha esponjas de aço e faz das
nesta vida muitas coisas terminam sem fim, antes do
Em América CTRL + S a janela emula televisões antigas,
mesmas pontos de contato entre imagens. André Mintz
fim. Nenhum fim garante um final feliz e se a estrutura
DUBOIS, Phillipe. Cinema, vídeo, Godard. Tradução de Arlindo
em Kalashnikov uma faixa branca no topo da tela e outra
e André Veneroso atualizam a contestação doa anos 60
da poética for não linear, o que é o fim? Terminamos com
Machado e Mateus Araújo Silva. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
embaixo faz da intervenção uma janela 16:9 do cinema.
através de luzes de lanternas que renovam grafites políticos.
lacunas e fraturas de pontos expostos, limpos ou ruidosos
Com este recurso ele aumenta a autorreferencialidade já
84
temos profusão de luzes acionados pela presença de
presente, explicita recursos de montagem e organiza a
Objetos do cotidiano como interfaces. Nesta publicação
sujeira do vídeo. Há um movimento em duas direções, as
Eduardo de Jesus se debruça com mais vagar na leitura
cartelas, desenhos e colorização limpam o quadro enquanto
destes trabalhos. 1mpar no projeto HOL chama o Themin,
videobrasil/up/arquivos/200507/20050721_121712_quase_nada_o_ afeto.pdf>.
como superfície visível deixam traços sobre suas camadas
MIGLIORIN Cezar. Landscape theory. FF >> Dossier, n. 21. Roberto
mesmo com roupagem opaca.
Bellini. Disponível em: <http://www2.sescsp.org.br/sesc/videobrasil/ site/dossier021/ensaio.asp>.
85
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Marcellvs L: Rizoma
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Eder santos e Marcelo Braga: Quando Eu Vejo O Mar
Carlos Magno: Marca
Marcellvs L: Man Road River
Horizonte: C/Arte; Fundação João Pinheiro, 1997.
86
87
Grupo Poéticas Digtais: projetos #Azul, Pedralumen e Desluz GILBERTTO PRADO GRUPO POÉTICAS DIGITAIS (ECA-USP/CNPq)
2011
O Grupo Poéticas Digitais foi criado em 2002 no Departamento de Artes Plásticas da ECA-USP com a intenção de gerar um núcleo multidisciplinar, promovendo o desenvolvimento de projetos experimentais e a reflexão sobre o impacto das novas tecnologias no campo das artes. O Grupo é um desdobramento do projeto wAwRwT iniciado em 1995 por Gilbertto Prado e tem como participantes artistas, pesquisadores, professores e estudantes. O objetivo deste texto é apresentar algumas experimentações recentes de projetos poéticos que utilizam pequenas estruturas de LEDs como #Azul, Pedralumen, de 2008, e Desluz de 2009/2010.
Essas dificuldades hoje se diluem, no que diz respeito à
outras solicitações para experenciá-los. Outras solicitações
utilização, e se tornam recorrentes no uso cotidiano de
de diálogos e de hibridações, em vários níveis e também
máquinas, interfaces e utilitários, como computadores,
com outras referências e saberes, incluindo as máquinas
navegadores, DVDs, câmeras digitais, celulares, GPS, caixas
programáveis e/ou de feedbacks, inteligência artificial,
de banco, de metrô, de ônibus, sensores de presença,
estados de imprevisibilidade e de emergência controlados
portas de banco etc.
por sistemas artificiais numa ampliação do campo perceptivo, oferecendo modos de sentir expandidos, entre
Todavia, os trabalhos artísticos vão além de muitas dessas
o corpo e as tecnologias, em mesclas do real e do virtual
aparências e páginas de código de programação, além dos
tecnológico, como um atualizador de poéticas possíveis.
dispositivos e interfaces e eventuais encantamentos e descobertas. Há também a discussão que eles trazem e a
A arte tem se constituído como um lugar de trocas e
sutileza que eles incorporam, a necessidade desses novos
de contaminação e, certamente, nunca foi alheia ao
olhares, ouvires, tocares e fazeres em outras conjugações.
conhecimento científico e técnico. As práticas e processos artísticos têm a capacidade de ajuste de interferências,
A tecnologia (assim como a ciência) não é neutra, nem sua
podendo assumir a entrada de variáveis que vêm do
presença, nem o uso que dela fazemos, inerte ou inocente.
contexto sem que isto tenha que supor a extinção de
Mas também não podemos nos esquecer de que vivemos
suas especificidades, mas deve somente aumentar a sua
num mundo cercado de aparatos e interfaces tecnológicas.
capacidade de absorção e reorganização. A arte é um
Pessoalmente, enquanto artista, vejo o seu uso como uma
sistema aberto, que também considera a pergunta “e por
opção, uma escolha possível, mas que não poderia ser
Muitos dos trabalhos de arte no campo das chamadas
que não?”. Porém, entre as dificuldades na realização e
substituída por qualquer outra. A tecnologia faz parte do
“novas mídias” colocam em evidência seu próprio
agenciamento, poderíamos apontar o uso e o entendimento
meu universo de referências e de vivências. Para mim ela
funcionamento, seu estatuto, produzindo acontecimentos
das estruturas específicas, novas interfaces e dispositivos e
tem um papel fundamental, mas não é ela quem determina
e oferecendo processos, se expondo também enquanto
das distintas intervenções poéticas inerentes. Dificuldades
o trabalho ou o processo. A relação é outra, é de parceria.
potências e condições de possibilidade. Os trabalhos não
também que muitas vezes se iniciam no estranhamento do
É o trabalho/questão que aponta o que é necessário, indica
são somente apresentados para fruição em termos de
uso de instrumentos digitais e suas lógicas operacionais.
liames, hibridizações, vetores. Cada trabalho é um processo,
Introdução
88
visualidade, ou de contemplação, mas carregam também
89
cada trabalho é um diálogo. Esta é a minha aproximação
O trabalho consiste na conversão de matizes do pigmento
os spots #Azul não estão no ar, que continua pulsando,
agentes da construção, colorindo o fluxo do curto-circuito,
como artista, tentar explorar essas possibilidades é de
azul de Yves Klein, em azul numérico disperso em rede. O
“autorretrato probabilístico” da audiência, de um “espectador
em que se confunde audiência, indivíduo e momento
alguma forma criar zonas de suspensão, abrir hiatos e
#Azul é uma variável que tem por referência o azul marinho
probabilístico” Eu, sem ser eu, eu indivíduo, mas como parte
partilhado. A mudança de registro, no mesmo canal, a
sonhar o mundo em que vivemos.
profundo International Klein Blue (IKB) e que se transforma
de um coletivo, que está na rede. Eu, enquanto 01, enquanto
tela como espelho, a presença do outro como eu. 0101
em função do número de espectadores no momento da sua
fluxo, enquanto audiência, mesmo que eu não esteja. A
probabilístico, #azul. 0000FF, RGB (0, 0, 255).
transmissão/aparição em tempo real na televisão.
dinâmica do sistema depende do retorno que vai ser dado
O objetivo deste texto é apresentar algumas experimentações recentes de projetos poéticos que utilizam pequenas
pelos medidores de audiência interfaceada pelo cubo azul.
estruturas de LEDs como #Azul, Pedralumen, de 2008,
Através do medidor de audiência (Ibope, por exemplo) é
e Desluz, de 2009/2010.
possível estimar o número (e a variação) dos espectadores naquele instante em determinado canal. O projeto #Azul consiste na inserção de spots artísticos transmitidos no
#Azul (d’après Klein e Forest)
espaço televisivo: telas de matizes de azul, variáveis em tempo real e em função do número de espectadores e em
O trabalho #Azul é um projeto de Gilbertto Prado, com
frente ao próprio espectador que o gera. São 15 segundos
a colaboração do Grupo Poéticas Digitais inicialmente
de suspensão, de tela cheia azul, sem som, criando uma
pensado para a mostra “Galeria Expandida”, de curadoria
rede efêmera determinada pelos próprios espectadores,
de Christine Mello para a Galeria Luciana Brito, em São
como parte da mesma rede que a forma. Uma interação
Paulo. Apesar de não ter sido realizado por uma questão
pontual gerada na partilha e no espalhamento do azul #Azul
Cubo de LEDs #Azul (Poéticas Digitais) e Auto-retrato probabilístico
de mudança de agenda e prazo possível para realização
em tempo presente, que se compõe e se forma com a
(Waldemar Cordeiro).
(o trabalho apresentado acabou sendo o Desluz), foi o
nossa própria presença. É um diálogo através da cor, em que a presença do outro
projeto que deu início e norteou uma série de dispositivos/
90
Cubo de LEDs #Azul
Pedralumen
interfaces com pequenas estruturas de LEDs que foram
Durante a exposição, na galeria, haverá uma peça, um
é uma nuance de matiz, compartilhada em tempo real.
sendo desenvolvidas pelo Grupo Poéticas Digitais e
“cubo azul probabilístico” formada de LEDs azuis, (8x8x8),
Desconstrução do 0 e 1 num cubo azul, de luz, onde me
exibidos em diferentes locais e momentos, descritos nos
variando com a intensidade e frequência da luz, de acordo
vejo e sou visto, como cor e luz, num autorretrato coletivo,
Temos um cubo virtual azul na web com uma pedra de luzes
outros tópicos deste texto.
com a audiência em cada instante medido. Esta peça é o
da presença compartilhada em tempo real. Poéticas da rede
em sua base. Ao acessá-lo na rede, o interator escreve
que faz a relação entre o dentro e fora da Galeria, quando
(nas dinâmicas do sistema). Somos não só receptores, mas
uma palavra e escolhe um lugar onde colocá-la. As palavras 91
podem se sobrepor, ou se compor com outras dispersas e
virtual têm seus pontos brilhando de forma acentuada. De
Quando o visitante abandona o site, o LED permanece aceso.
ficou definido o não apagamento dos LEDs correspondentes
espalhas pelo cubo virtual. Na galeria, temos um cubo de
todas as maneiras, a variação é sutil, podendo ir até 8 níveis
Assim, o cubo se torna cada vez mais luminoso ao longo de
aos visitantes que abandonam o site. Nosso objetivo, com
LEDs azuis (8x8x8), que responde às intervenções, variando
de intensidade de brilho de azul.
cada exposição. Cabe assinalar que para cada ocasião e local
esta alteração, foi sobrepor as visitas e, cumulativamente,
com a intensidade e frequência da luz, de acordo com as
em que o trabalho foi exibido, o registro de visitantes e o
manter mais LEDs do cubo com brilho cada vez mais
escolhas e nominações, e também em função da distância
cubo reinicializado trouxeram situações diferentes.
intenso, tornando mais visível o conjunto das intervenções
do interator na rede e da localização física do cubo.
às visitas no site.
A web-instalação Pedralumen trata de escolhas, inscrições e
O trabalho é sutil e a percepção de mudança de intensidade
partilha do processo de dar nome às coisas, de colocar marcas
dos azuis dos LEDs é delicada. Pedralumen é um trabalho
e de escolhas de território, criando espaços partilhados de luz,
de contemplação, e o público em contato direto com a peça
provocando ações em cadeia de maneira simbólica e física.
não tem como interagir localmente com a obra. No local,
Estrutura do cubo de LEDs do projeto Pedralumen
encontra-se somente o cubo de LEDs (e o computador O estado inicial do cubo mostra a forma de uma pedra
conectado à Internet e à peça, mas sem o teclado, mouse
em negativo. Isto é, os LEDs que formam a pedra estão
ou monitor para o acesso do público). É um trabalho de
apagados. Os outros LEDs ficam ligados, mas com
reflexão sobre a interação e partilha com o outro; pode-se
um brilho suave. Quando um visitante entra no site do
visualizar a intervenção de um outro, localmente distante
Pedralumen, a programação que roda no servidor identifica
Site do projeto Pedralumen
a localização geográfica do visitante e acende o LED
instante. A sua intervenção no cubo será à distância e em
correspondente àquela localização geográfica no cubo.
Para realizar a comunicação entre o servidor e o cubo,
tempo real, mas para um outro, que lá estiver naquele
Em relação à distribuição da localização geográfica dos
utilizamos um sketch programado no Processing e que
instante. Os azuis se acendem e se sobrepõem fazendo a
participantes em função dos pontos do cubo, cada LED
roda no PC, e um programa que roda na placa Arduino, o
pedra pulsar com o ritmo das intervenções.
representa um retângulo de 15 x 15 graus de latitude e
que permite modificações na rotina das apresentações e
longitude. As marcações no cubo começam com o ponto
mudanças de procedimento para cada local. Por exemplo
Este trabalho foi apresentado em setembro/outubro de
(vide locais expostos abaixo), na Macedônia, a cada minuto
2008 na mostra “Chain Reaction” no Museum of the City of
era atualizado o registro de visitantes, e, com a saída dos
Skopje, Macedônia, como parte do 3rd Upgrade! International
visitantes, a luz correspondente se apagava. Em Brasília
Meeting, e na Exposição EM MEIOS, no Museu Nacional
-180,-90 indo até o ponto 180,90. Quanto mais próximo geograficamente estiver o interator do cubo, fisicamente instalado, mais o contorno e as regiões próximas da pedra 92
naquela peça, mas não a da sua própria ação naquele
Montagem do Cubo no Laboratório
da República, em Brasília, como parte do #7.ART – Encontro
93
Internacional de Arte e Tecnologia: para compreender o
Desluz
onde essa espécie de lepidópteros não existe, em
momento atual e pensar o contexto futuro da arte.
sentido metafórico para designar as meretrizes) vem
Insetos utilizam a luz da lua e das estrelas como baliza de
do grego phalaina, que significa brilhar, para significar
localização, mantendo-se em ângulo constante para ir e vir
que esses insetos, atraídos à noite pela luz, brilham
de seus criadouros. Com a luz artificial das nossas lâmpadas
em volta dela” (BARGHINI, 2008, p. 51).
elétricas, os insetos passam a se confundir, buscando se
[...] os lepidópteros noturnos [entre eles, as
aproximar das fontes de luz, voando em círculos, formando
mariposas] possuem uma sensibilidade especial
nuvens, atraídos pela luz em voltas sem fim. A luz que os
à luz, e em alguns foi postulada até a existência
atrai é a infravermelha, comprimento de onda que nosso
de uma percepção espacial na banda da radiação
olho humano não enxerga, mas potente atrator sexual
infravermelha (CALLAHAN, 1985), lançando a
das mariposas. Assim, frequências eletromagnéticas são
hipótese de que as sencilas de alguns lepidópteros
veladamente percebidas, através dos tempos, sob a luz da
apresentam essa sensibilidade porque nessa
lua ou elétrica, perpetuando a sobrevivência das espécies.
freqüência de onda emitem os ferormônios” (BARGHINI, 2008, p. 51) de forte atração sexual,
Em sua tese, Barghini (2008, p. 50-51, 71) descreve as
específicos para o acasalamento.
referências da atração dos insetos pela luz vermelha das Pedralumen – Museum of the City of Skopje, Macedônia
O Grupo Poéticas Digitais, no projeto Pedralumen, foi
velas desde a antiguidade até nossos dias, com as luzes
Prosseguindo na pág 71:”Um caso exemplar é
incandescentes de cor alaranjada, e trata da simbologia
sem dúvida o de algumas mariposas...” [descreve a
da mariposa:
capacidade da mariposa de “ver” o ferormônio do
composto por Gilbertto Prado, Silvia Laurentiz, Andrei
94
parceiro no infravermelho] até “como afirma Callahan
Ilustração: jornal Folha de S.Paulo, 21/04/09.
Thomaz, Rodolfo Leão, Sérgio Bonilha, Luis Bueno Geraldo,
“Psique eram as mariposas noturnas, mas também
(1977) “the candle flame [ is... ] a sexual mimic of the
Camila Torrano, Clarissa de Almeida, Maurício Taveira, Hélia
a Alma, que a mitologia clássica representa com
coded infrared wavelenghts from the moth scent”. O
Temos no espaço expositivo um cubo de LEDs
Vannucchi, Fabio Oliveira Nunes, Henrique Sobrinho, Luciana
as asas de uma mariposa.” E mais adiante: “outro
mesmo autor verificou essa característica em outras
transparentes (8x8x8) que emitem luz infravermelha, e
Kawassaki, Soraya Braz, Viviam Schmaichel e Daniel Ferreira.
termo da zoologia, Falena, utilizado para designar as
espécies”. (“a chama da vela [ é...] uma mímica
caixas de som, que respondem simultaneamente ao fluxo
borboletas noturnas da família dos Geometrídeos
sexual da radiação infravermelha codificada do odor
de passantes, em um outro lugar, região de casas de luz
(mas hoje mais utilizada, especialmente no Brasil,
da mariposa”).(BARGHINI, 2008, p. 71),
vermelha, como atrator, dissimulando um velado jogo de 95
sedução. A movimentação do fluxo dos passantes na área
expositivo nada se vê ou escuta, mas o corpo percebe essas
traem nossos sentidos ocultos e tão aparentes trazendo à luz
Travisani, Lucila Meirelles, Agnus Valente, Nardo Germano,
da luz vermelha será capturada por uma câmera localizada
outras frequências. As luzes aparentemente continuam
nossos desejos na interminável busca de seguir as estrelas.
Daniel Ferreira e Luis Bueno Geraldo.
no alto de um edifício, registrando uma visão de topo da
transparentes e sem brilho e as caixas de som, sem emitirem
área, uma rede, uma malha, que esquadrinha um espaço e
sons audíveis aos humanos.
um fluxo de passantes. Assinalamos que as luzes dos LEDs do cubo não estão no espectro visível de nossa visão, o que exigirá algum dispositivo adicional para serem vistas. No caso, estamos contando com as câmeras dos celulares pessoais dos visitantes da exposição. Basta focar o cubo de LEDs com a câmera dos celulares que o visitante passará a “enxergar” toda uma nuvem de movimentações, que representam o fluxo de passantes nas áreas capturadas remotamente pela câmera e transmitido em tempo real. Webcam instalada do projeto Desluz.
Desluz é uma não luz, como um desejo intenso, que queima As informações adquiridas alimentarão simultaneamente o
mas não ilumina, se sente mas não se vê, como um Ícaro
sistema instalado na exposição. Este sistema é composto
ofuscado em busca do Sol e as asas se derretendo no
O trabalho foi apresentado na Galeria Espaço Piloto de 16 a
por um cubo de LEDs que emitem luz infravermelha; uma
caminho que leva mas não chega. A luz só vai se tornar
30/09/2009, no #8.ART – UnB, e uma nova versão na Galeria
placa Arduino que será a responsável pela relação entre
visível através das câmeras dos celulares que circularem em
Luciana Brito, em São Paulo, na mostra Galeria Expandida,
dados analógicos e digitais; e dois computadores que
volta do cubo de LEDs transparentes, numa operação de
com curadoria de Christine Mello, de 5 a 20 de abril de 2010.
processarão e gerenciarão todos os dados (input e output).
desnudamento do que o olho não vê. O Grupo Poéticas Digitais, neste trabalho, foi composto por
Desta forma, os dados enviados pela câmera remota externa
96
Desluz - Galeria Luciana Brito, São Paulo (Grupo Poéticas Digitais)
irão acendendo e apagando as luzes do cubo da exposição,
O trabalho é sobre a descoberta do invisível, nossos lugares
Gilbertto Prado, Silvia Laurentiz, Andrei Thomaz, Rodolfo
gerando movimentos e fluxos. Este processo será dinâmico,
provisórios, nossos fluxos e grades, camadas que se
Leão, Maurício Taveira, Sérgio Bonilha, Luciana Kawassaki,
simultâneo e em tempo real. Enquanto isso, no espaço
sobrepõem sutilmente que nos atraem sem que as vejamos e
Claudio Bueno, Clarissa Ribeiro, Claudia Sandoval, Tatiana
Fig. 9. Desluz – Galeria Luciana Brito, São Paulo 97
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101
Performance Audiovisual em meios Digitais e Analógicos
Sempre é bom questionar as fronteiras das novas
últimos termos sendo apropriados para várias ocasiões
Joseph Beuys (artista multidisciplinar) introduziu o conceito
tecnologias, assim como o precipício de informações
e propósitos, a proposta deste artigo propõe analisar de
de performance nos anos 1960, pelo grupo Fluxus. Em uma
e linguagens que existe entre homem e máquina, para
forma “não oficial” a performance da arte corporal.
das primeiras performances, Beuys passou horas sozinho na
podermos evoluir neste mundo, sem demagogia ou saberes
Galeria Schmela, em Düsseldorf, com o rosto coberto de mel
extremo-elitistas. Antes de decorrer sobre a explicação/
Como a pichação, a performance foi considerada por vários
e folhas de ouro, carregando nos braços uma lebre morta,
detalhamento do significado de performance audiovisual
anos uma arte de guerrilha. A performance na arte foi
com quem comentava detalhes sobre as obras expostas.
nos meios digitais e analógicos, é preciso primeiro
criada para trazer o lado pessoal de um artista, sem que ele
perguntar-se o significado de performance atualmente.
estivesse representando um papel ou personagem. Dentro
Os trabalhos a seguir seguem as premissas de
de uma modalidade de manifestação artística – assim como
performances A/V por meios eletrônicos e analógicos,
A palavra é usada para designar outras atividades e
o happening –, a performance permite combinar linguagens
explicando de forma detalhada os processos de criação
apresentações fora do eixo da arte, como em corrida de
audiovisuais. O performer (nome dado à pessoa que faz
feitos por seus realizadores – todos performers
ERIC MARKE
cavalos (performance do animal), testes de combustíveis
a performance) sempre esta à frente dos movimentos
reconhecidos mundialmente por seus projetos artísticos.
2011
(performance de combustão), avaliação feita por um juiz/
artísticos populares (arte tradicional, enlatada).
técnico esportista (performance do atleta), conjunto A formação do performer é característica da segunda
acadêmica), designer de novos carros (performance
metade do século XX, mas suas origens estão ligadas aos
de desempenho) e móveis (performance ergométrica),
movimentos de vanguarda (entre o dadaísmo, futurismo
Marcel.lí Antúnez Roca (Moià, 1959) é internacionalmente
confundindo ainda mais sua aplicação e explicação nos
e os princípios da Escola de Bauhaus) do início do século
conhecido por suas performances e instalações de
meios artísticos. Dentro do eixo da arte, o termo livre
passado por artistas como John Cage, Tristan Tzara e
mecatrônica e robótica. Desde os anos 1980 seu trabalho
performance começou a ser usado em concertos de
Marcel Duchamp.
tem sido caracterizado por um interesse na condição humana, os medos e desejos dos seres humanos. Primeiro a partir
eletroacústica nos anos 1970/80 pela comunidade musical
102
MARCEL.LÍ ANTÚNEZ ROCA
de resultados de avaliação educacional (performance
eletrônica acadêmica mundial como nova expressão e
A performance difere do happening por ser mais
do desempenho tribal de La Fura dels Baus (sendo uns dos
afirmação artística. Do ano 2000 até agora, VJs (Vídeo-
cuidadosamente elaborada e não precisar envolver
fundadores) e depois em carreira-solo através de um tipo de
Jockeys) começaram a chamar suas apresentações de
necessariamente a participação dos espectadores. Em
trabalho proposto por sistemas complexos e muitas vezes
“performance A/V”, por unir a linguagem de palco com
geral, segue um “roteiro” previamente definido, podendo
sem categoria. A incorporação e perversão de elementos
o clima de uma sessão de cinema. Mesmo estes dois
ser reproduzida em outros momentos ou locais.
técnicos e científicos e sua interpretação particular através 103
de protótipos, deram uma cosmogonia renovada sobre temas
usuário pode controlar, pelo mouse, a luz, as imagens, os
como as emoções, a escatologia de identidade ou a morte.
sons e o corpo do artista.
OBRAS PERFORMÁTICAS
Epizoo pode ser considerado um dos primeiros exemplos de aplicação da tecnologia de computador sobre o
EPIZOO
corpo humano. Essa performance é, provavelmente, o
A performance Epizoo permite que o telespectador controle
primeiro dispositivo que permitiu o controle telemático
o corpo de Marcel.lí através de um sistema pneumático.
do espectador do dispositivo cênico, incluindo o corpo
Este sistema consiste de um exoesqueleto de robô – usado
do performer. Desde seu lançamento, teve um impacto
pelo artista –, um computador, um dispositivo de controle
internacional enorme e tem sido apresentado até agora em
mecânico/pneumático, uma tela de projeção vertical, duas
mais de cinquenta cidades na Europa, América e Ásia.
torres de luz e um equipamento de som.
AFASIA A ortopedia robótica mantém o corpo através de dois
Performance que ocorre sobre um palco montado em um
moldes de metal, cintos de segurança e capacete, nos
espaço de base retangular truncada, e no fundo com uma
quais são montados os mecanismos pneumáticos. Elas
grande tela de projeção traseira (tela voal). A primeira linha da
podem mover o nariz, as nádegas, os peitos, a boca
cena é ocupada por quatro robôs inspirados em uma guitarra,
e os ouvidos de Marcel.lí, que fica posicionado em
um tambor, uma combinação de gaitas de foles e um violino;
uma plataforma circular capaz de girar. Mecanismos
Marcel.lí, único atuante, está equipado com uma interface de
pneumáticos são conectados a um sistema de válvulas
corpo metálico exoesqueleto (DreSkeleton/ExoEskeleton) que
solenoides e relés, que por sua vez são acionados via
se ajusta à sua anatomia. Este dispositivo ortopédico permite
computador. Este computador tem um programa único em
que o movimento do corpo e o controle de seus parâmetros
uma interface gráfica que se assemelha a um videogame.
sejam traduzidos em comandos ao computador. Com um
Os onze ambientes interativos incluem vários gráficos
software escrito especificamente para este projeto, controla
animados que recriam a figura do artista e indicam os
em tempo real as imagens projetadas na tela, os robôs, a
mecanismos de posição e movimento. Desta forma, o 104
Marceli Antunez Roca - Epizoo (autor Folxxx)
música e todas as áreas formais que compõem esta peça.
Marceli Antunez Roca - Afasia (autor Folxxx) 105
GUTO LACAZ
Afasia, alteração no sentido da linguagem falada ou escrita
DreSkeletons, a biometria ou a Sistematurgia. Na segunda
ocasionada por lesão no cérebro, é o título que resume
parte analisa os temas recorrentes de sua obra. Estas
a interpretação original de Marcel.lí da obra Odisseia de
partes são usadas em uma terceira, em um projeto de
As produções de Guto Lacaz prestam inigualáveis
Homero. O argumento deste mito fundador é adaptado
simulação de gravidade zero realizado em uma base aérea
contribuições para a arte plástica/gráfica por trazer forte crítica
a um conjunto de imagens e sons que Marcel.lí controla
militar na Cidade das Estrelas da Federação Russa. O
social (universo da mídia e meios de consumo), sempre
através de sua DreSkeleton em um conjunto de situações
resultado do voo em parábola rendeu microperformances
tratado com humor e ironia. Seus trabalhos transitam entre
não verbais que causam uma narrativa descontínua. O verso
feitas durante os períodos curtos de gravidade, como o
design gráfico, performance, layout etc., reinventando
original é substituído por um grande dispositivo interativo
experimento do bodybot Requiem e as interações entre o
novas formas e usos de objetos do cotidiano e explorando
que coloca o espectador, frente a, por exemplo, uma ilha
DreSkeleton, o softbot e as imagens interativas. Na última
as possibilidades tecnológicas na arte. As performances
psicodélica da Lotus-Eaters, uma Circe em tom de cartoons
parte, a teoria Transpermia é definitivamente apresentada,
eletromecânicas, como Espetáculo Máquinas II (1999) ou
ou sereias consumando um rito orgiástico.
dando a ação em tom de conferência.
Eletro Performance (1984), questionam o poder que as pessoas têm sobre a necessidade de consumo e uso de
Esta performance tecnológica foi premiada com o Best New
Marcel.lí descreve a Utopia de alguns de seus protótipos,
utensílios domésticos de forma desordenada. Em suas
Media de Montreal em 1999, o Prêmio de Artes Parateatrals
organizados da seguinte forma:
apresentações já participaram a atriz Cristina Mutarelli (1957), o arquiteto Javier Borracha e Nenê Lacaz – irmão de Guto –,
Aplaudiment FAD de Barcelona em 2000 e o Prêmio Max às 1) Interface, novos dispositivos de agir e perceber o mundo,
artes do teatro alternativo da Espanha em 2001.
entre outros.
2) Os robôs, máquinas como metáforas da vida,
TRANSPERMIA
3) Identidades efêmeras, estados transitórios de
Usando o ISS como metáfora, Marcel.lí desenvolve uma
personalidade como um quadro de novas experiências e
ação híbrida alternando em performance, concerto e
conhecimentos e,
MÁQUINAS
conferência, sendo estruturada em módulos diferentes.
4) Novas formas de criação, modelos de negócios na Utopia
A arte é uma forma de recuperar o sonho perdido desde a
Durante sua apresentação vestido de DreSkeleton
Transpérmica.
infância. O que conseguem alguns dos principais artistas é
(interface corporal exoesquelética), sua voz e sons
justamente manter viva essa chama dos primeiros anos de
modulados controlam os filmes projetados em dois telões.
vida, que nada mais é que um denso elo de conexão com
Na primeira parte ele apresenta alguns aspectos formais
o mundo circundante, deixado de lado, após a infância, em
que caracterizam seu trabalho, como os Fleshbots, os 106
OBRAS PERFORMÁTICAS
Marceli Antunez Roca - Transpermia (autor Joan)
função de motivações comerciais. Guto Lacaz, em suas 107
OTÁVIO DONASCI
performances da série Máquinas, traz ao primeiro plano
A questão não é tanto retirar do objeto a sua função
Temos o dever de dar todos os créditos pela investigação
essas questões. Sua forma de tomar os objetos e dar-lhes
primordial, mas colocá-lo numa nova perspectiva, com outra
desta nova forma de performance, por resgatar algo
novas funções pode ser ligada aos ready-mades de Marcel
aplicação. Furadeiras, máquinas de escrever e guarda-
especial entre as pessoas, com pequenos achados que
Paulista, nascido em 1952, mestre em Artes Plásticas,
Duchamp, mas me parece, muito mais, estar vinculado a
chuvas ganham assim uma dimensão inesperada.
reorganizam objetos e situações experimentadas ao longo
performer multimídia, diretor de criação, diretor de
de nossa vivência. A tecnologia explorada entre vários atos
espetáculos multimídia. Na década de 1970, Otávio
uma forma de ver o mundo com total liberdade.
ELETROPERFORMANCE
da apresentação de Eletroperformance se divide tanto em
Donasci trabalhou em teatro como ator, diretor e cenógrafo,
Uma cadeira pode deixar de exercer a sua função primordial
A entrada do termo multimídia na vida de Guto Lacaz
meios digitais (como o uso do painel de LED, acionado
tendo ganhado os prêmios APCA e Mambembe pelo
de assento para ser empurrada por locomotivas de
deu mais sentido em devidas proporções quando criou
provavelmente por um PC 186 com porta serial) quanto
conjunto de sua obra (em 1984). Na década de 1980 criou
brinquedo, enquanto um taco de golfe pode empurrar gelo
a Eletroperformance, uma mistura de projeção, áudio,
analógicos (áudio provido por fita-magnética).
e vem desenvolvendo até hoje uma linha de trabalho
para dentro de um copo e um aspirador de pó pode ter o
aparatos eletroeletrônicos e performance. Sua inspiração
original e inédita através de videoperformances com suas
seu jato de ar utilizado para sustentar bolas de isopor.
se baseia em sua vivência em São Paulo, onde sente a
videocriaturas na maioria dos festivais de vídeo e arte
cidade aberta para criações que o faz produzir, pensar e
eletrônica do país e também do exterior (Nova York, Paris,
repensar a condição humana diante da vida contemporânea
Berlim, Montreal, Lisboa e Japão, com grande repercussão
e das dependências (necessidades) tecnológicas.Me sinto
na imprensa local), além de participar de três Bienais
muito bem em São Paulo, pois é onde estou instalado,
Internacionais de São Paulo.
onde tenho meu conforto garantido, onde estão meus amigos e familiares. Culturalmente, em São Paulo é onde,
Em 1988 Otávio ganhou o Prêmio Lei Sarney de Arte
entre parêntesis, acontecem as coisas no país. Acho
Multimídia pelo conjunto de seus trabalhos no qual
que é uma cidade que está sem saída, urbanisticamente
sua mais nova criação, chamada de VideoCriaturas,e a
condenada. Conheci São Paulo como sendo um verdadeiro
Telepresença teve grande destaque em duas partes do
paraíso. Morava numa casa espaçosa, com quintal, muita
continente. Graças a isso, uma videocriatura sua atuou
brincadeira e nenhuma violência. Uma cidade rica em arquitetura, praças e monumentos, que desapareceram. Guto Lacaz - Maquinas (crédito Edson Kumasaki)
(LACAZ, 1990).
tele presencialmente pela primeira vez comunicando a Guto Lacaz - Eletroperformance [crédito Fernando Vianna]
Carnegie Mellon University, de Pittsburgh, nos EUA, e o Museu da Imagem e do Som de São Paulo, no Brasil. Dois anos depois, Otávio representou o Brasil na mostra Brasil+500 em Lisboa (Fundação Calouste Gulbenkian).
108
109
Em 2003, representou o Brasil na Bienal de Kyoto (Kyoto
de rascunhos verbais e visuais nos quais a sequência de
permite (em particular a que é sua prótese de rosto – uma
inusitada de um animal composto com o rosto humano
Art Center).
eventos era esboçada. Estes rascunhos davam origem ao
máscara eletrônica). O rosto-vídeo ao vivo de outra pessoa
seria a base dessa performance interativa/intuitiva
protótipo de videocriatura (com tipo físico específico: alto,
encarnado no corpo de Otávio cria um ser híbrido de tal
verdadeiramente inesperada.
Na década de 1990, criou e dirigiu as Expedições
gordo, duplo rosto, fantoche) e ao esboço de roteiro. No
modo independente que não os reconhecíamos (criador e
Experimentais Multimídia, em parceria com Ricardo
laboratório de expressão facial gravava-se a face com todas
videocriatura) no resultado. Sua videocriatura virava um ser
Karman. Os espetáculos (Viagem ao Centro da Terra e
as possibilidades da linguagem do vídeo. Neste ponto, a
independente que poderia existir no mundo real enquanto
Merlin) são interativos e de alto porte de produção para um
direção é muito importante, já que a videocriatura parecerá
pudesse nos usar como suporte. Pura ficção.
número restrito de participantes (cinquenta performers para
impressionantemente viva se o olhar do ator for focado no
cinquenta pessoas), fundindo performance, teatro, turismo,
lugar certo. A luz que o rosto terá em cena independe da
Este processo fornecia uma irresponsabilidade no
vivências e artes plásticas.
luz do cenário ou do corpo, já que ele é luminoso.
relacionamento com as pessoas que beirava a insanidade
VIDEOCRIATURAS DE CORPO INFLÁVEL E PENETRÁVEL
ou a crueldade. “Podíamos nos expor ou ofender quem No laboratório de protótipos a ênfase era no hardware.
quiséssemos porque não éramos nós – éramos ELE...”,
BIBLIOGRAFIA SOBRE O TRABALHO DE OTÁVIO DONASCI:
Neste eram pesquisadas e construídas/aperfeiçoadas as
conclui Otávio.
COHEN, Renato. Performance como linguagem: criação de um tempo-espaço de experimentação. São Paulo: Perspectiva, 1989.
“costuras” entre o ator e a cabeça/monitor, baseadas em
MACHADO, Arlindo (Org.). Made in Brasil: três décadas do vídeo brasileiro. São Paulo: Itaú Cultural, 2003.
projetos técnicos onde o conhecimento de eletrônica,
VIDEOCRIATURAS ANIMAIS (O VIDEOTAURO)
física, química, ortopedia e figurinos são necessários para o
As pesquisas de mudança dos corpos das videocriaturas
sucesso da “costura”. Neste laboratório o performer criava
tornam-se mais radicais quando o suporte deixa de ser
as expressões corporais dos personagens.
humano. A partir dos vários projetos de colocar uma
MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. MACHADO, Arlindo. Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: Edusp, 1993. MENDES, Candido. O que é vídeo. São Paulo: Brasiliense, 1984.
máscara eletrônica na cabeça de um cavalo de verdade,
Através de pesquisas de imagens tridimensionais de rosto,
A VIDEOCRIATURA, UM SER HÍBRIDO
nasce o Videotauro, um centauro-vídeo atrelado a uma
as videomáscaras são telas em formato de rosto e sopradas
Performances Audiovisuais por meios eletrônicos e
carroça, na qual também ficava o equipamento, e dirigido
por motores, como se fossem velas de um barco. Projetores
analógicos > Videocriatura > O Ser Híbrido.
por outra videocriatura, encarregada de entregar um
de vídeo especialmente regulados mostravam nestas
capitalista selvagem no Festival Vídeo Brasil de 1983.
telas rostos de três metros de altura que surgiam, devido
OBRAS PERFORMÁTICAS
110
Ao criar e desenvolver as VideoCriaturas (desde a década
Nesta linha de videocriaturas utilizando corpo de animais,
ao formato da tela, como tridimensionais. Todo o sistema,
OS LABORATÓRIOS DE VIDEOTEATRO
de 1980), Otávio Donasci viveu na pele a relação de
Otávio concebeu protótipos para cães, porcos e até para
constituído por projetor de vídeo montado verticalmente,
Cada performance de videoteatro era planejada sob a forma
alteridade que a performance com próteses eletrônicas
peixes grandes, todos vivos. A reação espontânea e
soprador e caixa de som, estava instalado em uma torre 111
metálica sobre rodas operada por um performer.
de LCD apareceu o casal Alfa e Berta. A diferenciação
espetáculos nos últimos anos.
O projeto original previa o performer operando a torre e
estava no posicionamento dos olhos de cristal e sua
Por isso a criatura face a face da figura seria para uma
usando um videocapacete com microcâmara para que o
maquiagem, que definia o sexo. A microcâmara no nariz
só pessoa de cada vez. A narrativa cinematográfica
rosto gigante fosse uma expansão do rosto do ator ao vivo.
de cada máscara transmitia para uma cabine, onde
se sobrepõe à linguagem cênica, acrescida ainda da
O primeiro videoinflável foi o Videobalão, apresentado no X
performers faziam as bocas ao vivo através de headsets
possibilidade de improviso do performer, enriquecendo o
Vídeo Brasil no SESC Pompeia em São Paulo, em 1994.
com microfones, fones de ouvido e microcâmaras, num
roteiro do espetáculo feito para um só espectador.
estúdio onde havia monitores para que vissem e ouvissem as pessoas, com as quais interagiam.
Apesar disso, pode-se dizer que a visão exterior da dupla interagindo sem ver as pessoas em volta oferece uma bela
VIDEOCRIATURAS DE IMERSÃO
performance, gerando curiosidade e vontade de participar.
O passo seguinte se deu por influência dos projetos de
A construção da linguagem do vídeo exibido no capacete
realidade virtual que Otávio havia presenciado em Montreal,
virtual passa por conceitos de câmera subjetiva nos quais
em 1995, por ocasião de sua participação na ISEA (Inter-
os movimentos e relações com os atores seguem um
Society for the Eletronic Arts). Otávio queria levar as
roteiro sincronizado com os movimentos do performer
pessoas a uma viagem virtual de imersão do modo mais
e seus toques.
simples e barato possível, dando menos ênfase às técnicas computacionais para realização disso e mais ao binômio do videoteatro, linguagem vídeo/presença física com toque.
CONCLUSÕES “NADA” FINAIS
Um sistema simples, pré-gravado, onde fizesse parte do
112
roteiro a participação física e a interação com o performer
Tanto a performance A/V analógica quanto a digital seguem
VIDEOCRIATURAS DE CRISTAL LÍQUIDO E PLASMA
através do toque.
as mesmas raízes, se utilizarmos o termo tecnologia como
Evolução do tubo televisivo, a máscara eletrônica de
O objetivo era proporcionar a imersão e a intimidade
ou execução (estando essas áreas fortemente ligadas a
cristal líquido foi chamada por Otávio de Cristalmask onde
ou cumplicidade. Mistura multimídia de linguagem
outros saberes científico-acadêmicos, como a mecânica,
estava já concebida em primeiros projetos aguardando ser
videotecnológica, o pé na estrada da viagem e o toque,
a eletrônica, a computação, a elétrica etc.). Para um
acessível aos meus recursos no Brasil. Com a máscara
elementos nos quais Otávio vinha trabalhando em meus
entendimento geral, esta última parte vem analisar
ponto de partida, seja ela em sua criação, montagem
113
separadamente os termos audiovisual, analógico e digital,
e contínua, variando em função do tempo, sem passar por
A tecnologia por si só empregada nesse tipo de
Guto Lacaz
para no fim introduzi-los nas artes corporais performáticas.
qualquer decodificação complexa. Para entender o termo
performance é uma forma de suporte essencial. Tais
Texto: Máquinas
analógico, é útil contrastá-lo com o termo digital.
mecanismos criam certa ruptura temporal, por estarem
D´AMBROSIO, Oscar. Guto Lacaz: a alegria e o prazer de brincar.
dialogando com as situações presentes no nosso dia a dia.
Disponível em http://www.gutolacaz.com.br/artes/textos/
AUDIOVISUAL (A/V)
DIGITAL
Um bom exemplo são as performances Máquinas V, de
performances.pdf. Acesso em: 13 jul. 2011. Publicado originalmente
Se formos explicar as primeiras experiências audiovisuais,
Todo sistema que empregue uma informação convertida
Guto Lacaz, por darem um segundo significado (e uso) para
em set. 2008.
citaremos como primórdio do termo audiovisual a entrada
para bits pode ser entendido como digital (dados de um
os eletrodomésticos e brinquedos, ou as VideoCriaturas de
Texto: Eletroperformance
da trilha sonora no cinema mudo (áudio = trilha sonora,
CD-ROM, filmes de celulares, fotografia/música digital,
imersão, de Otávio Donasci, por simular uma imersão em
SAIA, Luiz Henrique. EletroPerformance. Disponível em: http://
visual = cinema mudo), em que músicos criavam uma
programas de computadores, ambiente da internet etc.).
outro ambiente com sensações físicas e toques.
www.gutolacaz.com.br/artes/tesxtos/Around.pdf. Acesso em: 13 jul.
espécie de narrativa sonora ao acompanhar uma sequência
O sistema digital é um conjunto de dispositivos de
cinematográfica. Se formos mais anteriormente, uma
transmissão, processamento ou armazenamento de
Como já citado no começo deste artigo, o objetivo de
exposição fotográfica ambientada por música – seja ela
sinais digitais contínuos que usam valores exatos (forma
analisar a performance audiovisual da arte corporal nos
mecânica ou tocada ao vivo –, caracteriza uma apresentação
numérica binária representada pelos valores 0-1) de
meios digitais e analógicos não a torna uma verdade
audiovisual (também indicada pela abreviação A/V).
complexa decodificação.
“oficial”, única e irrefutável. Existem outros artigos, teses,
2011. Trecho do texto original publicado na Revista Around, em 1990.
blogs, textos, sites e depoimentos que podem enriquecer Com o passar dos anos, o termo se generalizou, referindose a formas de comunicação que combinam som e imagem – hoje frequentemente usadas em aulas, reuniões, apresentações e debates –, empregadas para registro,
as discussões sobre essa arte. A Associação Brasil
Arte corporal + Audiovisual + Analógico ou digital = Performance tecnológica
tratamento e exibição de som e imagem sincronizados.
Performance (BrP), criada no ano passado por associados de todo o Brasil, traz um importante apoio para essa arte virar uma profissão, com direito a DRT e verbas oriundas de incentivos fiscais.
Uma performance A/V analógica ou digital traz estudos
114
ANALÓGICO
e ciências multidisciplinares, por dentro dos saberes
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Todo sistema que não empregue uma informação convertida
de ambientes tecnológicos. Como visto anteriormente,
Marce.lí Antúnez Roca
para bits pode ser entendido como analógico (disco de
trabalhos de Otávio Donasci, Guto Lacaz e Marce.lí
http://www.marceliantunez.com/tikiwiki/tiki-read_article.
vinil, sistemas magnéticos, filmes/fotos em películas, fita
Antúnez Roca circulam nesta área, trazendo inovação e
php?articleId=1
cassete etc.). O sinal analógico se manifesta de forma direta
questionamento (críticas sociais) em suas apresentações. 115
Tudo é movimento: da cinética dos autômatos às vanguardas cinéticas do século XX MARINA GAZIRE LEMOS
2011
O presente ensaio procura traçar um breve e superficial percurso sobre a presença do cinetismo desde o Renascimento até às vanguardas artísticas do século XX. O autor Mario G. Losano, em seu livro Histórias de autômatos, apresenta um estudo histórico sobre os autômatos, mecanismos que produzem movimento por si próprios, e que para além do uso pragmático, também constituem máquinas de entretenimento e apreciação artística. A partir dessa história, pretendemos propor uma investigação das poéticas possíveis dentro de um maquinismo cinético, que nas Vanguardas do século XX reaparecerá sob nova leitura na produção de diferentes movimentos e artistas. Com isso, procuramos ressaltar a intrínseca relação entre a pesquisa tecnológica e a pesquisa artística nestes diferentes períodos históricos.
Brevíssima história da representação do movimento nas artes
Atualmente, na Física, movimento é a variação da posição espacial de um objeto ou ponto material no decorrer do tempo. Já os estudos da Cibernética e da Biologia também atestam que mesmo os sistemas de aparência estática,
Uma das querelas mais antigas sobre a definição da
vivos ou não, possuem um movimento interno. Isso significa
“realidade” encontra-se na antiguidade, dentro das primeiras
que o estado de estática absoluto, atualmente, pertence
noções sobre as características relativas à natureza cinética,
apenas aos modelos físicos ou biológicos ideais, não
albergada por dois filósofos pré-socráticos. Também
podendo ser encontrado na natureza. Nesta introdução, a
conhecidos como filósofos naturalistas, Parmênides (530
priori, nos interessa inicialmente abordar algumas facetas do
a.C.-460.a.C.) e Heráclito (540 a.C.-470 a.C.) divergiam
Cinetismo nas artes por meio de duas técnicas diferentes.
em suas propostas sobre a essência da realidade. Para o
A primeira seria a perspectiva, pela qual passaremos
primeiro, a realidade era imutável, estática, e sua essência
rapidamente, e a segunda o estudo da mecânica, aplicada
estava incorporada à individualidade divina de um Ser-
no desenvolvimento não só de máquinas, mas também
Absoluto, o qual permearia todo o universo. Em oposição,
dos autômatos e na produção das vanguardas artísticas do
Heráclito propunha que na realidade tudo era movimento,
século XX.
e que nada poderia permanecer estático. (CHAUÍ, 2002) Este devir que permeia todas as coisas é dado por meio da
Apesar de ter atingido seu desenvolvimento pleno no
alternância entre contrários, por exemplo, a noite sucedendo
período do Renascimento, a perspectiva teve seu início na
o dia. A realidade, então, aconteceria não apenas em uma
Grécia Antiga por meio da técnica do escorço, efeito que
das alternativas, posto que ambas sejam parte desta, e sim,
representa os objetos ,que, vistos de frente ou à distância,
na transição entre seus diferentes estados. Indo além desta
parecem menores que o seu tamanho natural. (JANSON e
espécie de gênese do pensamento ocidental em torno da
JANSON, 1996)
cinética como questão filosófica, também pertencem à
116
antiguidade clássica as primeiras representações artísticas
A perspectiva foi definida empiricamente no séc. XI, quando
que emulam o movimento, bem como os primeiros estudos
o matemático e filósofo árabe Alhazen (965-1040), em seus
sobre a natureza do movimento no mundo físico.
estudos sobre Ótica e Geometria Descritiva, pela primeira 117
vez demonstrou que a luz projeta-se de forma cônica no olho
encontrado no modelo do quadro renascentista, que garante
Podemos encontrar a comprovação dessa confluência nos
desenvolvidos por seus autores. (LOSANO, 1990) Estes
humano. Tal fenômeno foi traduzido para efeito geométrico
um caráter estanque, estático à composição pictórica.
antigos manuscritos árabes, não só sobre perspectiva, como
mecanismos tinham finalidades bélicas, hidráulicas, dentre
e visual do ponto de fuga – ponto de convergência das
(JANSON e JANSON, 1996)
já citamos anteriormente os manuscritos de Alhazen, que
outras. No entanto, grande parte dos esquemas descritivos
graças ao seu contato com as matemáticas ptolomaica e
era dedicada à arte dos autômatos.
linhas que descrevem a profundidade dos objetos – e a direção para onde o objeto segue se aprofundando.
Em suma, a representação da realidade nas artes passou
euclidiana, desenvolveu não só alguns estudos sobre ótica,
Comumente atribuem-se a Giotto di Bondone (1266-1337),
a ter veementemente uma noção de verossimilhança que
mas também diversos textos sobre mecânica.
as primeiras produções artísticas onde a técnica foi aplicada
coincidisse com a noção de realidade proposta daquele
completamente. (JANSON e JANSON, 1996)
período histórico. Não por coincidência, uma das definições,
Desde o início da Idade Média, os povos de cultura árabe
da ideia de cinética nas artes, fazendo um paralelo entre a
desde a origem do pensamento pré-socrático, para a noção
figuravam como exímios detentores de conhecimentos
arte dos autômatos, com registros desde a Grécia Antiga,
Mas de que maneira a perspectiva pode estar relacionada
de vida equivalia à noção de movimento. E representar
sobre Astronomia, Arquitetura, Matemática, Música,
até a apropriação da técnica maquínica e da perspectiva
à representação do movimento? A resposta está no fato
a realidade artisticamente era, consequentemente,
Geometria e Artes visuais. Parte da explicação para esse
para efeito cinético pelas vanguardas artísticas do século
de que ela possibilitou a representação pela arte de uma
representar também o movimento assim como a visão
avançado conhecimento deve-se a invasão da cidade
XX. Não pretendemos, definitivamente, traçar um percurso
realidade tridimensional em um plano bidimensional. Isso
humana o percebia.
egípcia de Alexandria realizada no séc. VII. Ali houve o
historicista propondo aqui os autômatos como gênese
contato com o conhecimento da antiguidade clássica.
da arte cinética ou da robótica. Uma nova linguagem
significa que a representação de uma cena, como a de
118
É importante frisarmos que o presente ensaio tem como objetivo abordar as diferentes concepções representativas
Beijo de Judas em um afresco pintado por Giotto, ganhasse
Pertence também a esta época o resgate de um
(LOSANO, 1990) São dois os manuscritos árabes, datados
artística não é somente fruto das consequências de
vitalidade. Permitiu ao pintor emular a aglomeração das
conhecimento produzido na antiguidade clássica que daria
da Idade Média, que tiveram enorme influência na mecânica
desenvolvimentos tecnológicos ao longo do tempo, mas
figuras e, claro, o movimento de furor destas no instante
início a uma série conhecimentos que fundamentariam
moderna: O livro dos mecanismos engenhosos, escrito
principalmente das ideias e conexões sociais de sua
em que Jesus é entregue aos romanos, ao mesmo tempo
não só a ciência moderna, mas também grande parte
pelos irmãos Banu Musá e O livro do conhecimento dos
época. Estamos aqui alinhados às proposições de uma
em que recebe o beijo de arrependimento da traição.
da produção artística feita entre os séculos V e XIX. É
mecanismos engenhosos escrito por Al Jazari. (LOSANO,
“arqueologia” do cineticismo nas artes, e não a uma
A perspectiva, além de ser um refinamento técnico da
indispensável afirmarmos que neste ensaio temos como
1990) Poderíamos nos aprofundar aqui a respeito de
genealogia direta de expressões artísticas. Esta introdução
representação da realidade, também estava em consonância
pressuposto não separar o conhecimento artístico da
uma descrição sobre ambos tratados. Mas, a princípio,
serve-nos apenas para fundamentar, futuramente, as
com o espírito do tempo renascentista, onde o humanismo
noção de tecnologia, já que tanto a ciência quanto a arte
enfatizaremos apenas que ambos, além de oferecerem
diferentes visões sobre a ideia de movimento nas artes dos
surgia ocasionando uma noção de realidade que fosse
referem-se à produção de conhecimentos que em comum
um conhecimento sobre a descrição do movimento, ou
autômatos e do cinetismo nas vanguardas.
medida a partir do homem. Porém, ela atribui apenas o
implicam no desenvolvimento de pesquisas para produção
seja, a cinemática, bem como estudos sobre suas e forças
efeito ilusório do movimento à uma cena ou paisagem.
de códigos intrínsecos, ou seja, de linguagens. Inclusive,
e causas (a dinâmica), também compartilhavam uma
Soma-se a este fator a presença do formato janela,
os termos técnica e arte foram sinônimos no passado.
coleção descritiva de inúmeros mecanismos maquínicos 119
Brevíssima história dos Autômatos Ao longo da história é sabido que tanto o desenvolvimento
antes de darmos continuidade à contextualização histórica
Desde a Antiguidade clássica, um dos ofícios mais famosos
emprega para saber se é hora de fazer alguma
dessa arte, atentemo-nos à definição usada por Mario G.
ligados à arte dos autômatos é a relojoaria. Essa comunhão
coisa, se será oportuno, propício [...]. Concebido
Losano em seu livro Histórias de Autômatos (1990), para o
entre a relojoaria e máquinas que se moviam remonta às
segundo o sistema ptolomaico, esse relógio
conceito anterior ao do termo contemporâneo:
origens gregas da mecânica e permanece até o século XIX.
coloca a Terra no centro do universo e faz que
Ainda em 1821, colocava-se no mesmo nível a construção
girem em torno dela o Sol, a Lua e os planetas.
das linguagens artísticas quanto o das linguagens científicas estiveram atrelados. Havia, e ainda há, uma afinidade no
São instrumentos mecânicos preparados de
dos relógios e autômatos. (LOSANO, 1990) Alguns dos
Para seu movimento correto e coordenado,
desenvolvimento de técnicas aplicadas nestes campos.
modo tão sutil e engenhoso, segundo as artes
mecanismos mais famosos do Renascimento apresentavam
emprega até engrenagens elípticas ou com
Porém, até o início do Renascimento, iniciam-se diversas
da geometria, que se movem e andam sem
essa junção entre a técnica mecânica para a construção dos
cisões entre os campos do saber. É neste período também
ajuda de força externa: Mas naquela época
autômatos e a relojoaria. Exemplo é o Relógio de Dondi,
que o pensamento científico no ocidente ganha força.
a noção de máquina semovente era muito
criado pelo mecânico italiano Giovanni de Dondi (1318-1389)
O Relógio de Dondi é considerado uma espécie de marco
A partir de então, as áreas do conhecimento começam
extensa. Na realidade, o que mais surpreendia
no século XIV:
da Idade Média, no que diz respeito tanto à noção do
a se tornar especializadas. Também é deste período a
os espectadores – e, portanto, passava a ser
tempo quanto do entendimento isomórfico do movimento
incorporação das artes à Academia, dando a esta o caráter
o centro da definição – era o motor oculto que
Essa maravilhosa máquina do tempo inspira-se
cósmico. Mas o grande diferencial está no fato de possuir
de disciplina. É no século V, final da Idade Renascentista,
imprimia movimento ao aparelho. Até o século
numa concepção de vida e num ritmo existencial
um mecanismo que o permitia funcionar sem uma fonte
que o termo “belas artes” entra na ordem do dia como
passado, a fonte enérgica era, de modo geral,
que já não são nossos. É relógio que mede o
externa. Futuramente, em 1567, o relógio d’água Ctesíbio,
sinônimo de arte acadêmica, separando arte e artesanato,
apartada das máquinas: a água, o vento, o cavalo,
tempo dos astros e não dos homens. Certo,
homônimo do matemático e engenheiro grego conhecido
artistas e mestres de ofícios. Podemos identificar aí também
o homem. Assim o Autômato impressionava em
indica também as horas, mas por motivos
por seus inventos mecânicos no século III a.C., apesar de
as origens do conceito de “arte aplicada”. Em suas origens,
primeiro lugar por ser uma máquina em que a
substancialmente diversos dos que conduzem
ser movido à água, traria ao invés da Terra em seu centro, o
as artes aplicadas eram uma produção feita por artesãos,
força motriz é parte de si mesma. Pertencem
atualmente à fragmentação utilitária do dia: seu
Sol. (LOSANO,1990)
como a dos mestres mecanicistas, especializados na criação
a essa categoria todas as máquinas que são
mostrador tem apenas o ponteiro das horas, tal
de mecanismos maquínicos das mais diversas naturezas,
movidas por pesos ou molas, e dão a impressão
como seus irmãos e contemporâneos menos
Ao mesmo tempo em que a construção dos autômatos
inclusive autômatos.
de movimentarem-se sozinhas. Servem de
complexos, colocados nos campanários.
estava ligada às noções de arte aplicada, a um ofício,
exemplo os relógios e os pesos giratórios.
Quem os construía e quem os observava tinha
como no caso dos relógios, havia aqueles autômatos,
Atualmente, o conceito de autômato diz respeito a um
(POWERS e BERGIER citados por LOSANO,
um sentido do tempo e, portanto, da vida,
“figuras antropomorfas animadas, também chamadas de
sistema reconhecedor de uma determinada linguagem e
1990, p. 13)
diversos do atual. É um relógio que não se usa
“andróides” – termo de origem grega que indica autômato
para saber que horas são. É relógio que se
de aparência humana.” Na história dos autômatos há
serve para modelar uma máquina ou computador. Mas 120
dentes irregulares. (LOSANO, 1990 p. 55-56)
121
122
também aqueles que emulavam animais. Exemplo disso é
relegada à noção de ofício. A explicação, enfim, possui
particularmente as italianas, ou outra coisa, não
pelo mecanismo no interior dos autômatos, era “real”
o famoso Pato de Vaucanson (1739), criado pelo mecânico
muito mais um cunho social do que de dificuldades de
signifique senão vil mercenário, abjeto, vulgar
demais para aqueles tempos. Os antigos construtores de
francês Jacques Vaucanson (1709-1790) que imitava todos
acesso ao conhecimento, ainda que o contato com os
e sórdido”. (BALDI citado por LOSANO, 1990, p.
autômatos faziam questão de ocultar os mecanismos de
os movimentos de um pato real, incluindo o sistema
grandes tratados ficasse restrito a uma minoria detentora
61-62)
funcionamento, pois isso dava mais realidade ao efeito
digestivo, com um complexo sistema mecânico-químico.
do poder. Losano, citando o tratado que o mecânico italiano
(LOSANO, 1990). Neste autômato, só uma das asas possuía
Bernadino Baldi publicou em 1589, explicita como o ofício
Os autômatos eram considerados máquinas feitas para o
acima também pode explicar o porquê dessas máquinas
mais de 400 peças articuladas.
dos autômatos era visto naquela época:
assombro dos espectadores. A noção de brinquedo era
terem incorporado linguagens pertencentes à escultura, e
parte integrante da cultura clássica: gregos e latinos não
não o contrário.
cinético obtido. Desta forma, o conjunto de fatores descritos
Ao longo da história estes mecanismos foram usados
Embora na mecânica o trabalho intelectual
atribuíam ao brinquedo nenhuma conotação negativa.
para fins úteis ou fúteis. Os critérios de avaliação variavam
prevaleça sobre o trabalho físico, aqueles que
(LOSANO, 1990). No entanto, essa noção não poderia
Para elucidarmos um pouco mais as possibilidades cinéticas
conforme as culturas e épocas. Os manuscritos de Al
a praticam são considerados pessoas vis e
ser aceita sem dúvidas numa sociedade permeada pelo
dos autômatos, descreveremos em seguida, avançando
Jazari (1136-1206), um dos textos-referência para a arte
pessoas de nenhum valor; a razão, segundo
cristianismo medieval ou renascentista. Muito menos
um pouco no percurso histórico, um dos mais famosos
dos Autômatos, traziam a descrição tanto de mecanismos
penso, é que, sendo na maioria as pessoas
seria dado a esta técnica a condição de arte. Além disso,
exemplares autômatos, segundo Losano. Os autômatos
voltados para o uso medicinal quanto o de relógios movidos
que realizam plebeias, de espírito abjeto,
enquanto o efeito da perspectiva ao mesmo tempo servia
de Vaucanson (1709-1782), citado anteriormente, são os
à água. A Renascença redescobriu os originais gregos e
mercenárias e todas inclinadas à sordidez do
para dar ilusão de vivacidade e veracidade à representação
exemplos mais conhecidos. Suas Anatomies Mouvants
colocou de lado os mediadores islâmicos e medievais.
ganho, as coisas por elas tratadas são afetadas,
de uma cena sacra em seu modelo estático, possuindo
conquistaram fama não só entre o povo francês, mas
(LOSANO, 1990). Daí as noções mecânicas de origem
de certo modo, e perdem aquela reputação que
um efeito moral e educativo, a recíproca não era a mesma
também entre as monarquias europeias. Além do pato
clássica serem transplantadas para um mundo em que o
a sua perfeição deveria trazer-lhes. Sem dúvida,
em relação às artes mecânicas aplicadas à construção
artificial, que simulava funções fisiológicas com grande
cristianismo vive o drama da Reforma e da Contra-Reforma.
mecânica e medicina são ciências nobres, “não
de autômatos. Desde a Era Medieval, ela era vista como
realismo, outros dois trabalhos famosos do mecânico foram
De um lado, ferve a obra dos humanistas, que recuperam
obstante pareça que junto às pessoas tenham
um sacrilégio, pois o construtor de autômatos poderia
seu Fauno Flautista (1735), inspirado em uma escultura do
também o aspecto técnico da cultura clássica; e de outro,
perdido em parte o natural esplendor, depois
recorrer “às artes diabólicas e reprovadas, tais como as dos
artista Antoine Coysevox, e seu Tamborileiro (1738):
ainda imperava os status e o peso da cultura religiosa.
que começaram maltratá-las os charlatães e
encantadores, que com ajuda de maus espíritos provocam
Talvez isso sirva para explicar o porquê de outras técnicas,
outras gentes infames e mercenárias, fazendo
confusão”. (BALDI citado por LOSANO, 1990).
como por exemplo, a perspectiva, terem sido incorporadas
com que a palavra mecânico, que aos ouvidos
pela arte sacra nas diversas pinturas renascentistas e
gregos soava como título honrado de inventor e
Em suma, o efeito de verossimilhança simulando a
mecanismo é original, inclusive quanto à escolha
maneiristas, e o porquê da arte dos autômatos ter ficado
fabricante de máquinas, às pessoas deste tempo,
vida humana ou animal, dado pelo cinetismo provocado
do instrumento: a flauta transversal permite
O flautista tem o semblante de uma já mencionada escultura de Fauno, mas seu
123
escritor alemão Goethe, em 1805, quando visitou a casa de
lábios sobre o bocal, na lateral do instrumento.
Bereis, encontrou os autômatos danificados pela umidade
O segundo autômato toca um instrumento ainda
do pavilhão do jardim. Suas primeiras impressões foram
Foi a partir de meados do século XIX, com a Revolução
uma nova forma de percepção estética da
mais complexo: uma espécie de pífaro provençal,
confiadas a uma carta escrita durante a visita: “há apenas o
Industrial, que as máquinas definitivamente passaram a
realidade: os impressionistas criaram uma pintura
o galubé, caracterizado por ter apenas três furos.
pato que come e move ainda as asas e o pescoço; mas com
tomar conta do cotidiano ocidental. A influência do avanço
veloz, lumínica, vaporosa, manchada, que captava
Por isso, os sons exigem grande variação de
isso esgotam-se suas capacidades”. (GOETHE citado por
tecnológico permeou diferentes áreas do conhecimento,
o instante. (BRANDÃO, 2006, p. 43)
pressões pneumáticas e conformações da boca,
LOSANO, 1990).
e isso não foi diferente no campo da arte, nesta altura
levado rapidamente, as luzes elétricas, o vapor, estes novos elementos combinados produziram
já estabelecido como disciplina. Como destaca Ângela
Além desta crise da representação da realidade povoada
Desta breve narrativa podemos tirar algumas conclusões
Brandão em seu artigo “A arte e a imagem das Máquinas”
por máquinas, outro fator a completar esta mudança está
em torno do uso da cinética como forma de representação
(2006), embora a pintura do século XIX, em sua vertente
no surgimento de novas linguagens pictóricas incentivadas
De fato, o exemplo citado acima é posterior à Era
e simulação da vida. Assim como a pintura produzida no
considerada realista, tenha iniciado a representação do
pelo aparecimento da tecnologia fotográfica. Se a fotografia
Renascentista e elucida a forma como as técnicas
período Renascentista estava imbuída de representar a
trabalho nas fábricas e a presença das máquinas em
libertou a arte da representação do real por meio de um
mecânicas, dentre outras, já estavam sendo incorporadas
realidade tal como o olho humano fisicamente a via, a arte
meio aos trabalhadores, o primeiro movimento artístico,
caráter idôneo e fidedigno, dando espaço para que a pintura
pela sociedade, sem os preconceitos anteriores. Mesmo
dos autômatos também se encarregava, mesmo sendo
na segunda metade do século XIX, a deixar que as
e outras artes se tornassem livres para expressões de
assim a arte dos autômatos continuava relegada ao status
considerada uma arte menor, de tentar representar figuras
transformações do industrialismo produzissem não apenas
realidades mais subjetivas, por outro lado ela permitiu ao
de ofício, e mesmo neste campo, estava ligada a um prazer
realistas por meio da junção entre a mecânica e a escultura
mudanças temáticas, mas também mudanças estéticas foi
homem apreender e escrutinar os fenômenos ligados a
exótico, ainda que fizesse certo sucesso entre as cortes
renascentistas. Com o tempo suas técnicas foram sendo
o impressionismo:
ciência cinética. Exemplo disso são as séries fotográficas
europeias. O exemplo disso está no próprio destino dado
incorporadas em diferentes áreas, como a cenografia, a
aos autômatos de Jaques de Vaucanson, que morreu pobre
relojoaria, dioramas e maquinaria têxtil. Mas a arte dos
Claude Monet (1840-1926) procurou pintar a
experimentos com o uso de múltiplas câmeras para captar
não só por ter gasto a sua pequena fortuna na construção
autômatos esteve sempre enquadrada dentro das artes
grandiosidade das locomotivas e das estações de
o movimento. Além dos experimentos muybridianos,
desses mecanismos, mas também devido às guerras
aplicadas, jamais sendo considerada uma arte maior como a
trens; Constantin Meunier (1831-1905), pintor e
tanto a dinâmica quanto a cinética tiveram suas bases
que assolaram a França durante o período da revolução.
pintura é, por exemplo.
tornando extremamente complicada a obra do construtor. (LOSANO, 1990, p. 79).
124
A virada das máquinas
modificar o som conforme o modo de apoiar os
de Eadweard Muybridge (1830-1904), conhecido por seus
escultor belga, havia tentado fixar a fumaça das
profundamente modificadas pelo aparecimento da Física
De deleite e divertimento da monarquia, as Anatomies
fábricas enobrecendo a figura dos trabalhadores.
newtoniana, que mudou radicalmente o conhecimento
Mouvants terminaram na casa do alemão Gottfried
Mas a velocidade dos trens, a visão das
sobre a ideia de movimento. Soma-se a esse conhecimento
Cristoph Bereis (1730-1809), um marchand interessado
paisagens que passam pela janela em
sobre a cinética, a influência da Teoria da Relatividade
em “curiosidades barrocas”. (LOSANO, 1990) O renomado
movimento, diante dos olhos de um viajante
proposta por Albert Einstein (1879-1955), publicada em 125
1905, tendo como um dos seus pressupostos o fato de ser
Provavelmente, os desenhos de Al Jazari
movimento artístico que elegeu os materiais e elementos
pareceu acontecer com a representação do movimento.
a velocidade do movimento de um objeto sempre relativa ao
também influenciaram por essa via uma das
derivados da realidade cotidiana, para o uso em obras de
Perscrutado por diferentes ciências, assim como a vida
ponto de vista do observador.
mais significativas obras de arte moderna: a
arte. Uma de suas obras mais famosas é a escultura Chariot
humana, a cinética acabou ganhando novas dimensões na
Mariée mise à nu par ses célibataires, même
MK IV (1966), constituída por um conjunto de rodas e de
arte produzida no século XX. O cinetismo, que dava aos
Essa mudança no pensamento ocidental teve profundo
(Noiva despida por seus celibatários, mesmo),
engrenagens que reproduzem a estrutura de uma máquina.
autômatos “o princípio de seu próprio movimento”, e que
impacto na arte. Citando novamente Brandão, o Futurismo,
hoje no Metropolitan Museum de Nova York, em
Ao contrário dos autômatos, que através da ocultação dos
por isso dava a esta arte um caráter sacrílego, é resgatado
sobretudo em sua vertente italiana, foi a primeira
que Marcel Duchamp trabalhou de 1915 e 1923,
mecanismos tentavam simular um ser vivente, as esculturas
pelos vanguardistas. Isso se deu não apenas como forma
manifestação artística que declarava abertamente a
quando abandonou não apenas a Mariée, mas
de Tinguely pretendiam serem inúteis para ridicularizar as
de representar mais aproximadamente os fenômenos
exaltação da técnica e de uma nova beleza maquínica.
também a carreira de pintor. Esse trabalho sobre
máquinas às quais a humanidade parecia estar escravizada.
mediados pela realidade maquínica, mas principalmente
(BRANDÃO, 2006). Além disso, o surgimento do cinema
o vidro – também conhecido como Large Glass
(LOSANO, 1990) Ironicamente, Tinguely parecia retomar por
para romper com “os ritmos estáticos; únicos elementos da
também se insere como catalisador das mudanças em torno
– propõe irônica comparação entre o homem e
meio de suas maquinetas as questões filosóficas propostas
arte pictórica desde o Renascimento”. (GABO, 1920 citado
da representação do movimento, pois enquanto técnica
a máquina; mas os especialistas em história da
pelos Pré-socráticos:
por STILES e SELZ, 1996) Tal premissa foi afirmada pelo
resultou de uma busca antiga para se registrar o movimento.
arte ainda debatem se trata-se realmente de uma máquina de Al Jazari. (LOSANO, 1990, p. 33),
escultor russo Naum Gabo, pioneiro do Construtivismo, em O movimento é estático! O movimento é
seu Manifesto Realista escrito em 1920. Este manifesto não
estático porque ele é a única coisa mutável, a
influenciou apenas o Construtivismo brasileiro, mas também
tentaremos aqui traçar brevemente um paralelo entre
Duchamp também ficou conhecido pela suas experiências
única certeza, a única coisa que é alterável [...].
o movimento do Novo realismo, do qual Tinguely fez parte.
a poética do cinetismo dos autômatos, amplamente
cinematográficas dadaístas em torno do movimento de
A única certeza é que movimento, mudança
produzidos entre o Renascimento e o período Romântico,
formas geométricas, as Anemic Cinema enfatizavam valores
e metamorfoses existem. É por isso que
Mas não só de máquinas moventes a arte cinética do século
e as obras de arte produzidas dentro das vanguardas ao
rítmicos e estéticos e o desprezo pelas estruturas narrativas
o movimento é estático. [...] Acredite em
XX foi feita. O pintor e escultor húngaro, Vitor Vasarely
longo do século XX. Uma breve relação entre os autômatos
convencionais. Antes disso, sua pintura, Nu descendo
mudanças. Não se agarre a nada. Tudo sobre
(1908-1997) publicou o Manifesto Amarelo na ocasião
e algumas experiências estéticas em torno do cinetismo
a escada (1913), já apontava um misto de linguagens,
nós é movimento. Tudo em torno de nós muda.
de sua participação, junto a outros artistas como Marcel
aconteceram na obra de Marcel Duchamp (1887-1968), em
mediadas por máquinas, para registrar o movimento como a
(TINGUELY citado por STILES e SELZ, 1996,
Duchamp, Alexander Calder, Jesús Soto e Jean Tinguely,
conjectura Losano diz:
fotografia e o cinema.
p. 404).
da exposição Le Mouvement, realizada em Paris no ano
Retomando o tema principal proposto por este ensaio,
de 1955 que enfatizava a cinética na arte. (OLIVEIRA E
126
Outro exemplo são as máquinas de tradição dadaísta
Assim como as imagens foram ganhando um caráter
FRANCO, 2010). O manifesto, inspirado pela investigação
de Jean Tinguely, um dos fundadores do Novo realismo,
abstrato ao longo do século XX, o mesmo fenômeno
dos construtivistas e pioneiros da Bauhaus, postulava que 127
a cinética visual se baseava na percepção do espectador,
acontecido apenas nos anos 1960 e 1970, embora neste
digital são algumas das nomenclaturas que se popularizaram
OLIVEIRA, Thaís Pereira de; FRANCO, Edgar Silveira. Arte cinética
jogando com as ilusões ópticas. Vasarely tornou-se um
período tenha havido uma força organizada e alinhada a uma
nos últimos 40 anos, desde que o guarda-chuva da “arte
e ciberarte: propostas de interatividade. In: VENTURELLI, Suzete
dos principais representantes da Op Art, termo usado para
ideologia estética conhecida como Arte Cinética ou Cinetismo.
e tecnologia” adentrou os circuitos das bienais, ganhando
(Org.). 9º Encontro Internacional de Tecnologia: Sistemas complexos,
descrever uma arte que explora a falibilidade do olho por
Nossa intenção neste ensaio foi abordar a presença da cinética
espaço separado, como se fosse um filho bastardo. Em
naturais, artificiais e mistos 2010 Disponível em: http://portais.ufg.br/
meio de ilusões ópticas que dão a sensação de movimento
nas artes do Renascimento até ás vanguardas artísticas do
suma, tanto a história dos autômatos, como a incorporação
deploy/projetos/9art/nono_art.pdf#page=428. Acesso em: 17 jun. 2011.
da imagem a medida que o espectador se move. Essa
século XX, seja através dos autômatos, seja através de outros
da cinética e suas técnicas ao campo da arte, servem para
característica, de provocar o movimento do espectador,
trabalhos das vanguardas.
pensarmos onde o maquínico pode ser encontrado dentro
BARRET, Cyril. Arte cinética. In: STANGOS, Nikos (Org.) Conceitos da
das artes ou as artes dentro do maquínico. Tal processo é
Arte Moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
também poderia ser encontrada em algumas obras do alto
128
Renascimento, contemporâneas dos autômatos, como o
Finalizamos pensando sobre uma das obras brasileiras mais
indispensável para identificarmos diferentes poéticas em
quadro Os embaixadores (1533), do alemão Hans Holbein
inquietantes na estética do Cinetismo. O Cinecromático
uma época onde todas as subjetividades se encontram
TINGUELY, Jean. Untitled Statement (1961) In:STILES, Kristine; SELZ,
(1497-1543). Nesta pintura há uma figura deformada pelo
(1951), de Abraham Palatnik – uma caixa em que são
cercadas por redes de máquinas das mais diversas.
Peter. Theories and Documents of Contemporary Art: a sourcebook of
efeito da anamorfose – ilusão óptica de uma imagem ou
projetadas formas coloridas em movimento – participou da
uma perspectiva – que requer do espectador o uso de
primeira Bienal de São Paulo, que aconteceu em 1951. Mas
algum instrumento ou o seu deslocamento para algum outro
a obra quase não pode integrar essa primeira Bienal, pois os
ângulo, a fim de reconstituir a imagem. (BERTÓLA, 1973).
organizadores não souberam em que categoria enquadrá-
Para além do efeito de ilusão imagética, Vasarely propunha
la. O Cinecromático acabou entrando na categoria pintura/
CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: dos pré-socráticos
a participação mais ativa do espectador na obra de arte,
escultura, recebendo um prêmio especial de pesquisa. Hoje
a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. v.1.
imprescindível para o efeito óptico de suas imagens.
o Cinetismo se encontra incorporado pela arte de maneira
artists writings. Berkeley; Los Angeles, California Press, 1996. Referências BIBLIOGRÁFICAS:
MACHADO, João Carlos. Máquinas imprecisas: materiais, procedimentos e imaginário em aparelhos mecânicos de arte. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/101 83/7613. Acesso em 17 jun. 2011. BRANDÃO, Ângela. A arte e a imagem das máquinas. In: Revista
geral. Porém, a cisão entre as categorias artísticas ainda
JANSON, H. W. & JANSON Anthony F.. Iniciação à história da Arte.
tecnologia e sociedade, Ed. UTFPR, 2006 . Disponível em: http://
Dessa forma, as vanguardas históricas, como o Futurismo, o
permanece em voga. Destacamos a presente separação dos
São Paulo: Martins Fontes, 1988.
www.ppgte.ct.utfpr.edu.br/revistas/tecsoc/rev02 /rev02_completa.
Cubismo, o Dadaísmo e o Construtivismo buscaram expressar
temos arte e tecnologia. Desde os tempos mais remotos foi
o mundo pelo viés do cinetismo, como forma de romper com
necessário a elaboração de técnicas para qualquer criação
LOSANO, Mario G. Histórias de autômatos: da Grécia Antiga à Belle
outras linguagens artísticas anteriores. Para a introdução do
artística. Da perspectiva clássica à máquina fotográfica,
Époque. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
elemento cinético na arte do século XX, o Construtivismo
arte e tecnologia são duas faces da mesma moeda, mas
russo, por meio de seu manifesto, teve enorme influência.
que, por um mal entendido, estão em conflito nos circuitos
BÉRTOLA, Elena de. El arte cinético. Ed. Nueva Visión-Buenos
Aqui rejeitamos a ideia de arte cinética como um movimento
da crítica e do mercado. Artemídia, arte eletrônica e arte
Aires. 1973
pdf#page=43. Acesso em: 17 jun. 2011.
129
Os Vídeos Abertos da América Latina NACHO DURÁN
2012
As Veias Abertas
Durante cinco anos, percorri quase quinhentos mil
do Brasil, na Argentina, na Bolívia, na Colômbia, em Cuba,
quilômetros e várias vezes as quinhentas páginas sobre
no México, no Peru e na Venezuela, além de no Canadá e
os quinhentos anos das Veias Abertas, vivas, esburacadas,
nos Estados Unidos com as comunidades latino-americanas
Na caminhada, até perdemos o direito de
entupidas, abafadas, coloridas, exuberantes, quentes,
de Nova Iorque e Toronto.
chamarmo-nos americanos, ainda que os
turbulentas e escorregadias da chamada América Latina,
haitianos e os cubanos já aparecessem na
descritas no livro de Eduardo Galeano, que me levaram
O projeto Os Vídeos Abertos da América Latina
História como povos novos, um século antes dos
por vias de transporte, rodovias, rios, trilhos, estradas de
dá continuidade a trabalhos anteriores que venho
peregrinos do Mayflower se estabelecerem nas
terra, rotas aéreas, trilhas nas montanhas e nas matas,
desenvolvendo desde 2003 que usam como linguagem em
costas de Plymouth. Agora, a Amélica é, para o
desertos, mares e lagos... e vias de comunicação, que criam
comum o micro-cinema, vídeos curtos, às vezes em loop,
mundo, nada mais do que os Estados Unidos:
e mantêm essas redes e rotas independentes, locais e
normalmente gravados com celular ou câmeras baratas e
nós habitamos, no máximo, numa sub-América,
globais, me levando de um canto para o outro.
feitos para internet: o videoblog <www.telekommando.net/
numa América de segunda classe, de nebulosa
videoblog>, primeiro feito na América Latina; o diário de
identificação. É a América Latina, a região das
Esses percursos, realizando trabalhos de arte e tecnologia,
viagem mobileiros <www.telekommando.net/mobileiros>;
veias abertas. (...) Para os que concebem a
dando oficinas, fazendo VJing, conhecendo os lugares e
as video-correspondências <www.telekommando.net/
História como uma disputa, o atraso e a miséria
os povos, vivendo, me motivaram e influenciaram a gravar
video-correspondencias>, video-cartas feitas com celular;
da América Latina são o resultado de seu
vídeos e áudios dessas paisagens que visitei, a capturar
e as oficinas feito.a.mouse <www.telekommando.net/
fracasso. Perdemos; outros ganharam. (As veias
fotos panorâmicas — que formam o trabalho Panoramas
feitoamouse>, produzindo fragmentos, pequenos recortes
abertas da América Latina)
del Sur: <www.telekommando.net/panoramasdelsur> —,
do meu cotidiano e das realidades que formam esse
a fazer entrevistas sobre a influência das novas tecnologias
labirinto dos lugares pelos quais passei.
As Veias Abertas da América Latina
na vida das pessoas, e principalmente, realizando as
130
oficinas feito.a.mouse de Vídeo de Bolso sobre produção
Pretendo canalizar as experiências artísticas anteriores com
Em abril de 2009, durante a V Cúpula das Américas na
audiovisual para internet e celular, sobre cartografia digital
esses vídeos produzidos nas oficinas e outros gravados em
cidade de Port of Spain, em Trinidad e Tobago, o presidente
e VJing, promovendo a inclusão digital e a divulgação do
trânsito, para mostrar pontos de vista meus e de outros
venezuelano Hugo Chávez se encontra pela primeira vez
conhecimento artístico-tecnológico. Essas experiências
colaboradores sobre as questões levantadas no livro As
com o recém-eleito Barack Obama e, entre o nervosismo do
aconteceram na América Latina em mostras, festivais,
veias abertas da América Latina e, idealmente, transformar o
choque ideológico, Chávez atravessa o formalismo e entrega
centros culturais e de inclusão digital em todas as regiões
livro em um filme, de forma colaborativa.
a Obama o livro As veias abertas da América Latina, escrito 131
em 1971 pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano pouco
com outro olhar, outro filtro, para poder sentir a impotência
humanos. O modo de produção e a estrutura de
linear, geo-localizadamente. Analisando o índice remissivo,
antes do golpe de Estado no Uruguai, que instaurou uma
do colonizado, para repensar essa(s) História(s) que me
classes de cada lugar têm sido sucessivamente
onde aparecem os mais destacados personagens e
ditadura cívico-militar pela qual o escritor teve que se exiliar.
contaram na escola de um ponto de vista totalmente
determinados, de fora, por sua incorporação à
topônimos, ordenados alfabeticamente e com as referências
eurocêntrico. Representa e resume o que agora entendo
engrenagem universal do capitalismo. A cada
para as entradas no texto. Decidia re-ler os trechos que
O livro foi proibido em vários países do cone sul durante
como um pensamento indígena, como “os pesadelos da
um dá-se uma função, sempre em benefício
correspondiam a determinados países (Brasil, Colômbia,
os períodos das ditaduras, por, como após esse encontro
longa noite dos quinhentos anos”, uma longa noite que
do desenvolvimento da metrópole estrangeira
Cuba, México, Peru, Venezuela...) ou regiões (Amazônia,
a Casa Branca declarou, “representar a base da teoria da
apenas agora vislumbra uns primeiros raios de sol, justo
do momento, e a cadeia das dependências
Andes, Caribe, Minas Gerais...), dependendo dos destinos
dependência da América Latina com os Estados Unidos”, e
quando os maias anunciam o fim de um ciclo...
sucessivas torna-se infinita, tendo muito mais
que ia visitar.
na época, graças à censura, se converteu em um livro de
de dois elos, e por certo também incluindo,
culto da esquerda latino-americana, que marcou a ideologia
Pesadelos de conflitos étnicos, religiosos, sociais, políticos
dentro da América Latina, a opressão dos países
Antes de iniciar a viagem para cada região, selecionava
de uma era e influencia até os dias de hoje; uma Bíblia
e culturais, de explorações (no sentido amplo, da natureza
pequenos por seus vizinhos maiores e, dentro
minuciosamente os termos que ia ler, marcando as páginas
latino-americana..
e das pessoas) e de revoluções, da luta dos nativos contra
das fronteiras de cada país, a exploração que as
e depois, durante a leitura, escolhendo dentro dessas
os colonizadores, cheio de uma boa dose de vitimismo, mas
grandes cidades e os portos exercem sobre suas
passagens as frases mais interessantes, pela importância do
Esse gesto de Chávez foi uma declaração de princípios,
também de autocrítica, ao narrar os desastres e o desdém
fontes internas de víveres e mão de obra.
conteúdo relatado ou pela sua facilidade para ser substituída
ao insistir em que o presidente dos EUA pelo menos
cometidos pelas elites locais, inimigos dentro do próprio
conhecesse os outros pontos de vista, para poder estar na
continente, que, com uma retórica populista, criam mais
mesma página da História do continente. Uma História que
desigualdades internas que as que prometem combater.
por um videotexto para este projeto, um vídeo que resuma As Veias Abertas da América Latina
o conteúdo de um texto, ou que sirva como apoio sensorial para seu entendimento.
continua cíclica. O livro, que já tinha dezenas de edições
132
Nas Veias
publicadas em vários idiomas, deixou, em horas, de figurar
Desde o descobrimento até nossos dias, tudo
entre os 60 mil mais vendidos da loja Amazon.com para ficar
se transformou em capital europeu, ou, mais
nos dez mais vendidos.
tarde, norte-americano, e como tal tem-se
Nestes tempos em que o intercâmbio de arquivos digitais
planeta habitáveis pelo Homem. O controle de
Não é demais advertir que a Amazônia é a zona de maior extensão entre todos os desertos do
acumulado e se acumula até hoje nos distantes
é tão cotidiano, acabei comprando uma edição em
natalidade pôs-se em prática nesse grandioso
Eu o li pela primeira vez ao chegar ao Brasil, devorando as
centros de poder. Tudo: a terra, seus frutos
castelhano da mesma maneira que a teriam comprado
espaço vazio, para evitar a competição
páginas, pela sua narrativa tão fluida e detalhista, costurada
e suas profundezas, ricas em minerais, os
clandestinamente durante as ditaduras, uma cópia pirata em
demográfica dos muito escassos brasileiros que,
à base de relatos curtos carregados de muita ironia e
homens e sua capacidade de trabalho e de
um beco de La Paz, por não mais de três dólares. Com essa
em remotos rincões da selva ou das planícies
provocação. Foi uma (re)descoberta do continente para mim,
consumo, os recursos naturais e os recursos
cópia na mochila passei a re-ler o livro de uma forma não-
imensas, vivem e se reproduzem. (...) Na 133
América Latina é mais higiênico e eficaz matar
das montanhas ao deserto, do deserto às cidades, das
no vazio, fora do marco geral da economia latino-
lugares diferentes que ao mesmo tempo contêm todos
os guerrilheiros nos úteros do que nas serras ou
cidades às periferias, imaginando essas migrações que
americana. É verdade que há tribos brasileiras
os outros lugares. América não se pode entender sem
nas ruas. Diversas missões norte-americanas
não entendem fronteiras desde o olhar de um “pássaro de
ainda encerradas na selva, comunidades do
essas viagens rizomáticas, por estradas em permanente
esterilizaram milhares de mulheres na Amazônia,
ferro”, observando essa fusão dos climas, do amazônico ao
altiplano isoladas por completo do mundo,
movimento que se afunilam ou se multiplicam e às vezes
apesar de ser esta a zona habitável mais deserta
andino em poucos minutos, passando por nuvens, vulcões,
redutos de barbárie na fronteira da Venezuela,
derivam em becos sem saída, sem fazer essa leitura
do planeta. Na maior parte dos países latino-
cordilheiras, desertos, lagos...
mas no geral os índios estão incorporados no
não-linear de sua História, que não pode ser dividida em
sistema de produção e no mercado de consumo,
capítulos por países ou revoluções, mas conetando questões
Desterrados em sua própria terra, condenados
embora de forma indireta. Participam, como
que ultrapassam as fronteiras. O acesso sob demanda a
ao êxodo eterno, os indígenas da América Latina
vítimas, de uma ordem econômica e social onde
esse conteúdo me permitia ir diretamente aos assuntos
foram empurrados para as zonas mais pobres,
desempenham o duro papel dos mais explorados
relativos a cada terra que visitava, alcançando um melhor
Pretendo transmitir essas experiências multissensoriais
as montanhas áridas ou o fundo dos desertos, à
entre os explorados. Compram e vendem boa
entendimento de cada cultura e das pessoas de cada lugar.
que tive ao ler os relatos estando no próprio lugar onde se
medida que se estendia a fronteira da civilização
parte das escassas coisas que consomem e
relatam. Ler esse fragmento anterior, acerca da imensidão
dominante. Os índios padeceram e padecem
produzem, em mãos de intermediários poderosos
Visitei lugares citados no livro num outro tipo de
da região amazônica, da sua densidade populacional,
— síntese do drama de toda a América Latina
e vorazes que cobram muito e pagam pouco;
peregrinação daquela que aparece nos guias habituais dos
enquanto subia em barco pelo Rio Solimões, à velocidade de
— a maldição de sua própria riqueza. Ocorre
são diaristas nas plantações, a mão de obra mais
mochileiros, com um certo sentimento de culpa em fazer
bicicleta, a quinze quilômetros por hora, respirando o bafo
que quanto mais ricas são estas terras virgens
barata, e soldados nas montanhas; gastam seus
esse turismo de catástrofe, em ir atrás dos estragos da
da selva, beirando poucas aldeias e vilarejos a dezenas de
mais grave é a ameaça que pende sobre suas
dias trabalhando para o mercado mundial ou
colonização, a lugares de conflito como as periferias das
quilômetros entre elas, sondando aos locais, intercambiando
vidas; a generosidade da natureza os condena à
lutando por seus vencedores.
grandes cidades, cadeias, lugares remotos ou as próprias
anedotas e escutando os ritmos típicos do lugar, vivendo
espoliação e ao crime.
As Veias Abertas da América Latina
fronteiras, muitas vezes trabalhando com coletivos de
americanos não sobra gente: ao contrário, falta. As Veias Abertas da América Latina
uma experiência imersiva, observando como escoam toneladas e toneladas de madeira pelo rio, “montanhas que
minorias, sempre experiências enriquecedoras. As Veias Abertas da América Latina
e portanto intimamente ligado à Geografia, com numerosas
se movem”, talvez com um teatro europeu dentro, ou com eletrônicos da zona franca.
...e quem são e onde estão atualmente esses “primitivos e
cartografias imaginárias que percorrem o continente de
naturais senhores das terras”.
relato em relato. Escrito quase de maneira cronológica, mantêm essa linha do tempo fixa e cria constantes
Entender o contínuo exílio dos povos andinos, nações em constante deslocamento, da selva às montanhas, 134
O livro é sobre História, a história dos povos e dos lugares,
“A sociedade indígena de nossos dias não existe
deslocamentos que conectam lugares às vezes remotos, 135
Os Vídeos Abertos – atualização do conteúdo e da linguagem.
contra os indignos” onde a “a palavra democracia foi
transamazônica, que cortará o Brasil em dois, penetrando
estruturas de programação de Xurde Durán, desenvolvi
sequestrada pelos políticos e os banqueiros”.
a selva até a fronteira com a Bolívia” é substituída por
até a versão beta 0.8 do trabalho e me aprofundei na
um vídeo em loop de dois minutos mostrando as linhas
pesquisa sobre ferramentas de baixo custo para produção
Em tempos de Wikipédia, quando se torna mais acessível, fácil
Este trabalho chama a atenção para esses ciclos da História,
amarelas tão caraterísticas das estradas do continente
audiovisual (estabilizador de câmera, tripés para celular,
e necessário revisar e atualizar a História, às vezes quase em
que, com a ajuda da falta de memória histórica fomentada
americano, umas linhas tortas, cheias de curvas e de
lente 360°, lente olho-de-peixe caseiros) e dando oficinas
tempo real, o que tende a criar um mundo mais transparente
pelos poderes, condenam à repetição ao infinito desse loop
caminhões. Mesmo que um loop como esse fosse
sobre temas relacionados.
construído a partir dos consensos, incluindo pensamentos
de descasos com o homem e com a natureza, sendo o
gravado na Colômbia, ele pode ser usado para representar
e minorias até agora excluídas, senti que os relatos do livro
objetivo encontrar as portas de saída para esses problemas.
significados de outros lugares, o micro dessa imagem da
precisavam de uma atualização, em vários sentidos.
Alguns acontecimentos e situações denunciados então,
estrada corresponde ao macro do continente. O conteúdo da versão beta, apresentado como uma
se vistos desde um prisma atual, podem ser considerados Primeiramente, a atualização do conteúdo aos tempos atuais;
como superados, até como “vencidos” pela sociedade, e
Cada vez se leem menos livros e a leitura como única forma
página única e sem edição colaborativa, foi pensado a
apesar dos quarenta anos de distância com a primeira edição
outros cada vez são mais urgentes.
de aprendizado está sendo substituída por um aprendizado
partir do trabalho em paralelo Las Venas, sobre o mesmo
multimídia, por um fluxo contínuo de inputs audiovisuais
tema, realizado com a artista Vanessa de Michelis <www.
muitos dos problemas continuam vigentes, como os direitos
Outra atualização é a da linguagem, do texto ao vídeo,
provenientes de várias mídias, criando esse mundo cada vez
humanifestation.net>. O ponto de partida é um set de
dos povos nativos, a reforma agrária, o capitalismo selvagem,
o que chamo de videotextos, cada elemento textual
mais transparente e participativo, mas ao mesmo tempo
oito loops provenientes de um video-cenário <www.
a segregação racial, a desigualdade social.
com unidade de significado, um processo análogo ao do
se abrem brechas tecnológicas que criam novos excluídos
telekommando.net/videosabertos/0/8/videocenario/
não serem muito dentro da linha do tempo da História,
roteiro para um filme, para assim facilitar a assimilação
desse mundo digital, do conhecimento, das ferramentas e
lasvenas> que foi criado com recortes de uma viagem
O próprio Galeano fez um epílogo titulado “Sete anos
da informação a um público mais amplo, com um objetivo
dos intercâmbios. Pretendo com esta intervenção no livro
desde os Andes até o Caribe colombiano e na periferia
depois”, no qual constata que a situação até tinha piorado.
utópico do projeto, algum dia transpor todo o conteúdo
elevar o alcance do seu conteúdo e através das oficinas
de Caracas, editados em função dos sons propostos por
Proponho então uma revisão que possa destacar os acertos
textual do livro ao audiovisual, resultando em um
relacionadas diminuir essas brechas.
ela e posteriormente remixados ao vivo na performance
e erros nas previsões e analisar os fatos desde pontos
megadocumentário colaborativo.
audiovisual Las Venas <www.telekommando.net/ Essas últimas experiências e pesquisas resultaram na
videosabertos/0/8/performance/lasvenas> durante o
às manifestações de ocupações de praças públicas na
Cada elemento textual com unidade de significado, desde
residência ResTelinha <www.res-telinha.art.br> de arte,
Encerramento do Espaço Impróprio em São Paulo, em 2011.
Espanha em 2011, <www.telekommando.net/videosabertos/
uma palavra, um nome, até um parágrafo ou um capítulo,
tecnologia e educação que fiz em Palmas (Tocantins) de
referencias/galeano15m>, feliz pelo presente que estava
pode ser transformado em um conteúdo que enriqueça o
abril a junho de 2011, chamada de Experimentos. Durante
Foram esses loops de áudio e vídeo que dirigiram a escolha
vivendo mas ainda preocupado pela “luta dos indignados
conteúdo original, assim uma frase como “a grande estrada
um período da residência, com a ajuda na pesquisa e nas
dos fragmentos de texto, de forma que dialogassem com
de vista atuais, como ele mesmo fez comparecendo
136
Las Venas – versão beta 0.8
137
os loops, alguns de uma maneira mais direta, com imagens que representam o conjunto do texto substituído, e outros
Universalismo constructivo
o vídeo, ou ainda antes de terminar sua reprodução, podem-
que percorre as veias aos pixels que percorrem o vídeo,
se abrir outros textos destacados em vermelho e continuar
manipulados, remixados, aos bits que percorrem a internet.
com a video-leitura.
em justaposição, colocando os dois elementos, texto e vídeo lado a lado, para criar um terceiro significado a partir
Nesta versão beta existem dois modos para o público
deles, convidando o visitante a criar suas próprias conexões.
interagir com o trabalho:
A maneira em que está projetada a interação permite que o
Vídeos Abertos no sentido de que os vídeos e a edição O processo para editar os textos, incluindo novos vídeo-
do trabalho são feitos de forma colaborativa e deslocalizada,
textos, é:
transpostos de um lugar a outro do continente, formando
visitante faça mixagens personalizadas dos vídeos e áudios
• No modo de visualização <www.telekommando.net/
um mosaico audiovisual miscigenado como a própria
podendo reproduzir vários vídeos simultaneamente, pausar,
videosabertos/0/8>, o visitante pode navegar pelo trabalho e
• selecionar o link de um vídeo no YouTube;
América Latina é, construído e modificado contínua e
mesclar volumes, criando seu próprio fluxo audiovisual.
modificar essa versão, substituindo vídeos por textos, mas
• opcionalmente, carregar o vídeo para teste;
colaborativamente.
sem poder salvar ainda na versão beta. A seleção dos textos
• opcionalmente, selecionar o segundo em que o vídeo deve
Essas imagens estão de ponta-cabeça propositalmente,
e dos vídeos corresponde ao trabalho Las Venas e inclui
começar a reprodução;
Vídeos Abertos no sentido de o projeto ser de código
como foi na performance original, para questionar a
videotextos relacionados a Minas Gerais, produzidos durante
• selecionar o texto que se deseja substituir;
aberto, disponibilizado gratuitamente <www.telekommando.
convenção Norte em cima/Sul em baixo presente nos mapas
o workshop realizado no FAD 2011, em Belo Horizonte;
• clicar no botão “substituir texto por vídeo”.
net/videosabertos/0/8/download>, ao priorizar o uso de linguagens de programação livres, o que está sendo
e que começou com as cartografias da época das colonias relatadas no livro, e, claro, em homenagem ao também
• No modo de edição (www.telekommando.net/
uruguaio Joaquín Torres García, que em 1941 denunciou no
videosabertos/0/8/areia) o visitante pode editar à vontade,
quadro América Invertida e no texto-manifesto:
salvando a versão localmente, só disponível para ele com os textos originais e sem os videotextos.
Eu falei Escola do Sul; porque na realidade,
138
definido como HTML5 (uma mescla de HTML, CSS, XML e
Vídeos Abertos
javascript, que destronará o Adobe Flash como plataforma de conteúdo multimídia na web) e também por estar
A expressão ‘Vídeos Abertos’ que dá o nome ao projeto pode
concebido como pura ferramenta, livre, modificável além
ser entendida desde diferentes perspectivas ou camadas:
do trabalho apresentado aqui, podendo ser usada para a preparação de roteiros de apresentações, de aulas, ou até
nosso norte é o Sul. Não devemos ter norte,
A rotina de visualização do trabalho começar a ler,
para nós, senão por oposição ao nosso Sul. Por
clicando nos textos destacados em vermelho para abrir
Vídeos Abertos no sentido da re-interpretação
construir um filme a partir de um roteiro escrito. Na versão
isto agora colocamos o mapa de ponta cabeça,
os videotextos, compostos por uma caixa com o texto
contínua dessas veias, que para mim representam os nós,
beta ainda não está implementada a reprodução dos vídeos
e então já temos a justa ideia de nossa posição,
selecionado e o vídeo, fazer um clique no próprio vídeo para
os recortes das estórias e lendas que se cruzam formando
em HTML5.
e não como querem no resto do mundo. A
dar play ou um clique duplo para colocar em tela cheia. Um
redes pelo continente, ao transformar ela em uma malha
ponta de América, desde agora, se prolongando,
clique no vídeo faz com que ele se pause e um clique no
de vídeos, abertos no mesmo sentido das veias, pulsando,
E Vídeos Abertos com o sentido de hackear os
sinaliza insistentemente o Sul, nosso norte.
texto faz com que o videotexto se feche. Uma vez assistido
atualizando-se, carregadas de vida e memória, do sangue
processos envolvidos na produção audiovisual, facilitando 139
o acesso às técnicas, ferramentas físicas e virtuais,
permissão de editor se poderá acrescentar e modificar o
democratizando a criação de produções de qualidade a baixo
conteúdo, selecionando textos e inserindo novos vídeos que
custo, uma proposta que considero de máxima importância
estejam disponíveis na internet ou no próprio computador, e
para elevar a qualidade da produção independente. Venho
salvando as edições no banco de dados do projeto.
Os Vídeos Abertos da América Latina – versão em papel Esta versão é uma tentativa de transpor o trabalho na web com a seleção Las Venas para o papel. Os vídeo-textos são formados por um texto, uma imagem do vídeo e um QRcode, que com um leitor de códigos se pode carregar o vídeo
desenvolvendo esses conceitos dentro das oficinas, como a que realizei no workshop de um dia Vídeos Abertos, durante
Nessa próxima etapa, a grande tarefa será fazer uma
o Festival de Arte Digital 2011 no Museu Inimá de Paula,
seleção de vídeos dentro dos bancos próprios e dos mais
em Belo Horizonte, onde desenvolvemos um steadycam,
de quatrocentos vídeos produzidos durante as oficinas,
estabilizador de câmera construído por R$5, além de
de gravações de trechos do livro lidos por pessoas do
selecionar trechos do livro que remetiam a Minas Gerais e
país envolvido e de outros vídeos com várias linguagens
produzir os vídeos correspondentes.
subidos colaborativamente, para a partir desses recortes
correspondente em um celular ou tablet.
O trabalho escravo dos nordestinos está abrindo, agora, a grande estrada transamazônica, que cortará o Brasil em dois, penetrando a selva até a fronteira com a Bolívia. O plano implica também um
de realidades e imaginários particulares e comuns, pontos
Las Venas – versão beta 1.0
projeto de colonização agrária para ampliar “as
que formam essas linhas imaginárias que representam as
fronteiras da civilização”: cada camponês recebe
Veias da América Latina, se possa (re)escrever a História do A versão 1.0 do trabalho será formada por todas as páginas
dez hectares de superfície, se sobrevive às febres
continente de uma forma participativa, colaborativa e criativa.
da floresta tropical.
do livro, com as programações padronizadas em HTML5 e com marcadores nas páginas onde existam videotextos. O visitante poderá navegar por todas as páginas do
NACHO DURÁN Goiânia, abril 2012
superfície total.
livro de maneira cronológica (páginas), via tags ou geolocalizadamente, onde alguns videotextos estarão atrelados a uma posição geográfica, mostrando um pequeno mapa do lado do vídeo e do texto. A interação continuará sendo abrir e fechar os textos,
No Nordeste há seis milhões de camponeses sem terras, enquanto quinze mil pessoas são donas da metade da
www.telekommando.net/nachoduran
A reforma agrária não se realiza nas regiões já ocupadas, onde continua sendo sagrado o direito de propriedade dos latifundiários, mas em plena selva.
onde dentro estarão os videotextos para reproduzir individualmente ou vários ao mesmo tempo. Com 140
141
Isto significa que os flagelados do Nordeste abrirão caminho para a expansão do latifúndio sobre novas áreas.
e o mau-gosto de forma gritante. Há pouco o governo anunciou com grande estrépito que tinha exterminado o analfabetismo. Resultado: na passada festa eleitoral, o censo de inscritos lançou um milhão de analfabetos entre os 18 e os 50 anos de idade.
Sem capital, sem meios de trabalho, que significam dez hectares a dois ou três mil
O ilustre Domingo Faustino Sarmiento e outros escritores
quilômetros de distância dos centros de consumo?
liberais viram na montonera camponesa nada mais do que o símbolo da barbárie, do atraso e da ignorância, do anacronismo das campanhas pastorais frente à civilização que a cidade
Muito diferentes são, deduz-se, os propósitos reais do governo: proporcionar mão-de-obra aos latifundiários norte-
encarnava: o poncho e o chiripá contra a casaca; a
americanos, que compraram ou usurparam a metade das terras ao norte do rio Negro, e também à United States Steel Co.,
lança e o punhal contra a tropa de linha;
que recebeu do governo as enormes jazidas de ferro e manganês da Amazônia.
Nas cidades prospera uma tola classe média com altos salários, que se entope de objetos
o analfabetismo contra a escola.
inservíveis, vive atordoada pela publicidade e professa a imbecilidade
Em 1861, Sarmiento escrevia a Mitre: “Não trate de economizar sangue de gaúchos, é a única coisa que têm de humano. Este é adubo que é preciso fazer útil ao país”.
142
143
Tanto desprezo e tanto ódio revelavam uma negação da própria pátria, que tinha, é claro, também uma expressão de política econômica: “
Não somos nem industriais nem navegantes afirmava Sarmiento -,
e
a Europa nos proverá por longos séculos de seus artefatos em troca de nossas matérias-primas.”
144
145
Arte, tecnologia e ciência: inteligência e emoção.
146
Arte, tecnologia e ciência: inteligência e emoção.
computadores permitem escritas de simulação que
(2003). O autor classifica a perspectiva como uma
Francisco Carlo de Carvalho Marinho – Professor
servem à ciência em modelos virtuais de mundos que
característica crítica das narrativas. Para ele, a
Doutor do Departamento de Fotografia, Teatro e
podem ser testados e experimentados, mas também
perspectiva pode ser emocional (ou cognitiva) e espacial
Cinema da escola de Belas Artes de UFMG –
permitem que histórias fantásticas possam ser
(ou visual). Observa ainda que o ponto de fuga é um
Coordenador do Centro de Pesquisa e Experimentação
experimentadas como nos jogos digitais. A mediação
lugar especial e estranho que identifica a posição do
em Sistemas Multimodais.
tecnológica é uma mediação de conhecimento que
“leitor” e onde a perspectiva termina. É importante
aplicada às várias esferas do saber produz uma
ressaltar que essa introdução de uma visão tecnológica
A arte, ciência e filosofia experimentam desde as
expansão em suas possibilidades narrativas. A palavra
da pintura implica uma aproximação emotiva e afetiva do
revoluções culturais que marcaram o final do século XIX
narrativa aqui empregada se refere a todos os discursos
observador em relação à obra. Fazer o observador se
e começo do século XX, uma mudança estrutural na
sobre o mundo, independente de suas pressuposições
colocar em uma posição espacial privilegiada de fruição
sua inter-relação. Elas foram entendidas por muitos
metodológicas e de suas articulações formais.
é uma noção fundamental do que se entende hoje por
CHICO MARINHO
séculos como “campos” do conhecimento, no sentido
2012
de feudos cercados por muros de defesa quase
Hoje os saberes se hibridizam e se transformam com
também incluía o modo de ver dos personagens
intransponíveis. São modos de contar história sobre o
extrema facilidade. Essa mudança não se fez do nada.
retratados. Mas o que é mais importante ressaltar aqui é
mundo cada qual com sua especificidade. Essas
Já no século XIII os pintores Giotto e seu mestre
o modo como a tecnologia de linguagem geométrico-
perspectivas e pontos de vista das diferentes narrativas
Cimabue estudavam o fenômeno da perspectiva nas
pictórica (perspectiva) implicou a aproximação emotiva e
sobre a realidade apesar de manterem uma visão
ruas de Roma. A noção de perspectiva começou a
afetiva entre a obra e o autor relativizando a participação
particular, permitem hoje que as diferentes práticas de
transpor para o mundo da arte uma mudança de visão
de ambos. MEADOWS (op.cit.) se refere ao trabalho da
dizer sobre o mundo se contaminem. O papel da
anunciada pela tecnologia da geometrização do mundo
perspectiva como o começo de um desenho de
tecnologia na articulação dos saberes foi fundamental.
- tecnologias de inteligência. Pontos de vista passaram a
interface que permite que parte mais importante da
A arte produzida a partir da fotografia, cinema,
merecer o devido destaque. A perspectiva reconfigura o
informação seja apresentada no tempo mais apropriado
televisão, vídeo e computador carregam na sua
relacionamento espacial entre as pessoas e o entorno. A
e no ângulo mais apropriado. Ou seja, há uma
linguagem formas de escrita que são diretamente
Igreja de Assis pintada por Giotto é um exemplo. O
compressão da informação visando a otimização da
relacionadas com o entendimento do dispositivo
contexto espacial informa o espectador sobre as
experiência emotiva do observado rinterator.
tecnológico. Nos computadores, por exemplo, a forma
decisões de sua localização para a melhor fruição,
é o código. As características “narrativas” dos
afetando sua percepção, conforme defende MEADOWS
interatividade. A ideia de perspectiva para Giotto
A interação do homem com seu entorno, mediada por 147
processos estruturados de significação como a
história é narrada ou construída. O contar uma história
componente do sistema, talvez outro leitor/escritor
Nesse sentido, para os intentos da imersão a ideia é
linguagem falada e escrita, conduziu a um conceito que
pode ser pensado como encadeamento de
(caso das wikis na web) ou mesmo por um programa
colocar fisicamente o observador como se ele
parece indissociável da historia civilizatória: a ideia de
perspectivas que se sucedem no tempo e no espaço
residente que altera o conteúdo do link dinamicamente.
estivesse dentro da obra a ser experimentada. Do
sistema. Sistema de arte, de ciência de filosofia, de
como uma espécie de articulação fractal ou
A internet é um sistema que tem essas características.
mesmo modo, pode-se dizer que a imersão é
política, enfim, sistemas. Sistemas, a rigor, não são
circularidade metodológica que a cada ponto
A articulação entre autor - obra/processo/programa
considerada uma experiência na qual há uma
definidos em sentido claro e distinto. Sistemas podem
privilegiado de uma perspectiva é associado outro
– interator pode ter níveis de envolvimento emocional
potencialização emotiva e/ou cognitiva, um
ser considerados como uma coleção de elementos,
como possibilidade narrativa. Se pensarmos sob o
ou cognitivo diferenciados. Os níveis de atenção e a
engajamento forte do observador/interator com seu
integrados como um todo consistente, que pode ser
modelo interativo dos sistemas digitais, a perspectiva
recompensa psicológica podem significar níveis
meio. A história dos meios tecnológicos de inteligência
distinguido das outras coisas que formam o mundo ao
pode ser associada à noção de um hiperlink que é
diferentes de imersão. Assim como a perspectiva como
e dos dispositivos tecnológicos para expansão
seu redor. É um recorte da realidade operado por
escolhido ao modo do observador/interator o qual, por
geometrização do espaço propiciou uma interação
cognitivo-emotiva é antiga, ainda que não fosse
processos de análise segundo um determinado
sua vez, age como co-autor da obra/processo. A
diferenciada entre obra e espectador, as tecnologias
conscientemente articulada. A perspectiva, câmara
enquadramento escolhido – perspectiva - em função de
recursividade semântica é própria das estruturas
das novas mídias procuram potencializar a capacidade
escura, geometrização do espaço entre outras podem
uma intencionalidade, ou objetividade, específica.
semióticas. HOFSTADTER (2001) questiona a ideia de
de imersão do usuário. Imersão pode ser considerada
ser citadas como modos de tecnologias, ou quem sabe
Sistemas revelam histórias explícitas e escondidas. A
interpretação em laços infinitos - voltas estranhas -
um conceito estendido da ideia de Giotto sobre
metodologias tecnológicas, para dar verosimilhança à
simples escolha de um conjunto destacado do entrono
como um entrave para a construção cognitiva.
perspectiva. Imersão pode significar a localização
expressão estética ou mesmo científica. Exemplo de
privilegiada de um observador em um espaço físico
uma prática que se estabelece como tecnologia de
conduz à ideia de perspectiva como forma de olhar o
148
mundo, dessa forma constitui-se como uma história
Galileu, Descartes e Bacon foram os primeiros a
para apreciação de uma obra, como um ponto
escrita hipertextual são os comentários (marginálias)
que diz o mundo de forma ordenada, qualquer que seja
sistematizar a “volta estranha”, como fala Hofstadter,
específico na Igreja como a de São Francisco em Assis
feitos pelos escribas da idade média nas margens dos
essa ordem. Os sistemas significativos, como a ciência,
do pensamento sobre si mesmo: o objeto é o método
pintada por Giotto, ou o interior de uma CAVE, ou uma
textos como forma de comunicação entre eles, como
a arte e a filosofia, são apoiados em crenças que
científico e a própria ciência simultaneamente, o fim e o
sala com projeção 3D circundante, ou um ambiente
comentário pessoal a um trecho qualquer ou mesmo
estabelecem um ponto a partir do qual toda a estrutura
meio. Essa volta estranha é característica dos sistemas
multimodal no qual outras experiências sensíveis
como forma de memorização e entendimento do texto.
cognitiva é fundamentada. Mas essa crença da
emaranhados de variáveis interdependentes. Se forem
podem ser incorporadas como o tato, olfato etc.. Miller
Essas marginálias podem ser encaradas tanto como
fundamentação suficiente pode ser questionada ainda
pensadas sob o ponto de vista das narrativas interativas
(2004) defende que realidade virtual e ambientes
técnicas quanto como tecnologias na medida em que
pelos seus significados últimos e uma pergunta sobre o
digitais, as associações que levam de um link a outro
imersivos são feitos para dar ao observador uma
envolvem processos, regras e ferramentas como a
fundamento do fundamento pode surgir. A perspectiva
podem ter o caminho contrário diferente, pois o link
impressão de realidade convincente, mesmo que seja
utilização espacial e material de suporte físico e registro
pode ser pensada aqui como ponto a partir do qual uma
anterior pode ter sido modificado por algum outro
sobre um mundo virtual fictício.
físico que altera as próprias condições materiais do 149
mesmo suporte, configurando um espaço de novas
movimento puderam ter seu estado futuro previsto por
métodos analíticos convencionais da ciência na
O século XIX foi fecundo em várias áreas do
possibilidades de entendimento e comunicação.
um conjunto de regras universais formuladas por
resolução de determinadas questões como, por
conhecimento. Na biologia, Darwin propunha uma nova
Tais hiperescrituras utilizavam o recurso das
Newton. Embora os sucessos das ciências
exemplo, os problemas físico-matemáticos que
forma de pensar o homem com uma explicação sobre a
marginálias, como uma forma de hipertexto, que tinha
matemáticas e físicas tivessem alcançado, por um
tratavam do problema da estabilidade dinâmica na
lógica do funcionamento da vida na terra. Ao modo de
funções variadas como questionar, comentar, registrar
longo tempo até o século XIX, o mundo teórico e
interação simultânea de vários corpos. De postulados
Copérnico, sua revolução colocou o homem em pé de
dúvidas e acrescentar conteúdo ao termo que as
prático, algumas questões sobre modelos da realidade
gerais e consequências analíticas determinísticas que
igualdade com os outros seres enquanto objeto de
marginálias se referiam, em palavras contemporâneas,
viriam aflorar mais tarde. O século XIX trouxe à tona
podiam prever os estados futuros do mundo, dadas
evolução cega e resultado biológico de um processo
essa era um uso do que chamamos
uma gama de problemas, vindos de novas descobertas
condições iniciais e leis que governam os estados das
em contínua mudança. O homem passaria a ser visto,
contemporaneamente de link. O texto se volta para si
e ponderações sobre os modelos existentes. A crise
coisas, o homem passou a ver, a partir de Poincaré, que
não mais como centro, mas como ente que está sujeito
mesmo desdizendo-se, contradizendo-se e
das certezas fez o discurso científico arrefecer seu
as interrogações sobre o mundo não eram tão simples
às mesmas mudanças fundamentais em relação à
modificando-se segundo a ordem do tempo e das
poder devorador frente às outras formas de expressão
de serem respondidas. Os enquadramentos da ciência
filogenia. A vida não estava mais centrada no animal
perspectivas individuais dos escritores leitores.
e saberes. O mundo, que parecia perfeitamente
clássica não abarcavam a grande maioria dos
racional nem a natureza estava a serviço dele. A busca
descritível e previsível por formulações físico-
fenômenos naturais. Os métodos dedutivos e analíticos
científica de Darwin foi literalmente uma aventura
A partir da idade moderna, a era das certezas científicas
matemáticas, ruiu diante das anomalias geradas pelas
aplicados às ciências da natureza limitavam as
prospectiva de algo que ele não poderia saber ao partir
produziu avanços significativos. Novas formas de
novas perguntas sobre o próprio discurso físico-
possibilidades de resolver os problemas. As
na expedição do “Beagle”, uma busca às cegas como a
escrituras surgiram, como a geometria descritiva, o
matemático. KUHN (2001: p.78) fala sobre a descoberta
simplificações, baseadas no princípio da navalha lógica
própria natureza. O interesse transdisciplinar de Darwin,
cálculo infinitesimal e integral entre outras. Uma
como consciência das anomalias:
de Ockhan, obnubilaram a complexidade imanente à
principalmente pela geologia, propiciou-lhe uma visão
natureza e à vida. O princípio da instabilidade dinâmica
muito mais rica sobre os fenômenos da vida do que o
espécie de otimismo científico foi se consolidando a partir das descobertas que surgiam uma após a outra.
“A descoberta começa com a consciência
(questão fulcral da física) preconizava que talvez fosse
criacionismo, que argumentava a favor da ideia de que
A linguagem matemática possibilitou que fenômenos
da anomalia, isto é, com o reconhecimento
possível a previsão dos estados futuros de sistemas se
as espécies foram criadas segundo um mesmo “projeto
pudessem ser descritos em termos universais e
de que, de alguma maneira, a natureza
as condições iniciais fossem infinitamente precisas nas
original”. A ideia de seleção natural de Darwin não só
formais. O sentido equívoco das palavras ligadas às
violou as expectativas paradigmáticas que
suas medidas. Mais tarde, já o século XX a ciência da
explicou como mostrou o funcionamento das ideias
narrativas não científicas cedeu força ao discurso claro
governam a ciência normal.”
complexidade nasceria com uma abordagem bem
evolucionistas de Lamarck. A teoria da evolução viria a
diferente: a sensibilidade extrema às condições iniciais
se tornar uma forte candidata à condição de explicação
levava a uma dinâmica da instabilidade ou ao “caos”.
da vida na proporção epistemológica comparável às
e distinto de um espaço numérico e coordenado. A
150
ciência moderna cresce subjugando as outras formas
A anomalia da complexidade vislumbrada por Poincaré,
narrativas de dizer o mundo. Os corpos celestes em
no final do século XIX, já anunciava a dificuldade dos
teorias da física. 151
Na passagem do século XIX para o XX, a introdução de
trovoadas tornaram-se escuros e turbulentos.
a minimização dos erros verificados empiricamente
perspectivas diferentes. O caos e as incertezas, ou a
modelos estatísticos vindos das ciências sociais
Ergueram-se patamares quase intransponíveis, para as
como falsificação da conjectura . A mente humana foi o
convicção do caos, projetou o homem em novos rumos
instituiu novas ferramentas não determinísticas
tentativas de lançar a ciência sobre uma base sólida e
centro difuso em torno do qual giraram as teorias
que pudessem retomar o otimismo, senão divino como
utilizadas por outros setores do conhecimento como a
absolutamente autossustentada.
científicas, na medida em que estas colocaram em
o de Laplace, pelo menos metodologicamente criterioso
xeque as certezas de suas construções. O século XX foi
e promissor, embora com o estatuto de crença.
física. Gases, populações e inúmeros outros fenômenos foram abordados pela ótica estatística para resolver
A empreitada de Russel e Whitehead de fundamentar a
marcado pela consciência das limitações da capacidade
problemas de que a mecânica clássica não dava conta.
matemática em termos da lógica foi um
humana de compreender o mundo e a si mesma.
Nas artes não poderia ser diferente. A partir das
Misto de “ignorância” metodológica e ao mesmo
empreendimento de esforço intelectual enorme que
Todavia, essas mesmas limitações puderam ser
experiências dos impressionistas, que empregaram o
tempo de consciência da falibilidade humana, a
acabou frustrado. As objeções de Gödel sobre os
gradativamente contornadas, embora novos limites
método analítico na divisão das cores para a
estatística tornou-se uma ferramenta eficaz de
fundamentos do “Principia Mathematica e de sistemas
sempre se interpusessem entre o homem e a sua
representação pictórica, a própria ideia de
verificação de níveis mais complexos de organização,
correlatos” formaram uma espécie de limite sistêmico
pretendida verdade. O otimismo relativista tomou conta
representação começava a perder fôlego. O que
que a ciência da complexidade iria tratar mais tarde
e epistemológico do entendimento. HOFSTADTER
do pensamento científico e filosófico. A metafísica deu
importava não era mais o mundo como referência
como propriedade emergente. Milhões de moléculas de
(2001, p.18) abordou a questão do teorema de Gödel
sinais de convergência com a ciência na medida em
ausente de interpretação aberta, mas antes como este
gases interagindo foram demais para o otimismo
de forma criativa ao apresentar o problema sob uma
que os limites desta se posicionaram de modo a
mesmo mundo poderia ser sob outras bases que não
Laplaciano. Curvas de amostragem e probabilidades
estrutura formal de símbolos tipográficos.
confinar as ideias dentro do círculo de conjecturas e
da representação fidedigna. Movimento após
refutações. Episteme e doxa já não tinham limites
movimento os artistas tentaram se libertar das amarras
indelevelmente demarcados.
sistêmicas ditadas alhures. Arte é experimentação,
substituíram as equações determinísticas que não
152
podiam prever o estado futuro das moléculas de gás no
O século vinte pôde ser visto como uma época
interior de um recipiente. Mesmo antes, na época do
demolidora das certezas. Poincaré, Gödel, Turing e
determinismo clássico, se as reduções e aproximações
muitos outros apontaram para os limites da inteligência
Embora a ciência tenha colocado impedimentos e feito
ciência tinham seu correlato experimental nas artes. O
da física não fossem realizadas em prol da resolução de
como um sistema formal simbólico. POPPER (1982)
toda a espécie de lista negativa dos seus fundamentos
deslocamento provocado pela arte conceitual – da obra
fenômenos “simples”, nem mesmo o problema do
apresentou questões praticamente incontornáveis de
e mandamentos, floresceu nesse mesmo século uma
ao conceito/processo - presente exemplarmente na
pêndulo poderia ser tratado matematicamente.
escopos filosófico, epistemológico e metodológico
ciência do possível, espécie de vingança distorcida de
“proposta artística” da “A Fonte” de Duchamp, mudou
sobre a fundamentação do conhecimento e propôs a
Protágoras, que postulou a firmação do homem como
o foco do discurso sobre a objetividade da arte como
Os céus da matemática clássica e da lógica que
ciência como um caminho de tentativas e erros
medida de todas as coisas . O homem, a inteligência e a
obra. Luta contra o realismo e a representação,
pareciam incontestes, como saberes verdadeiros e
sucessivos em um processo evolucionário de
vida, libertos de todas as amarras da religião e da
libertação dos meios e suportes, politização,
completos em si mesmos, livres de tempestades e
conjecturas e refutações. Sobrava da certeza da ciência
ciência positivista, puderam ser investigados sob
abstracionismo e conceptualismo marcaram os
assim como na ciência. As verificações empíricas da
153
movimentos modernistas. Improvisação, o ilógico e o
• Agite suavemente.
“A expansão do uso das tecnologias como
e técnicas artísticas ampliam a percepção e a ação do
absurdo eram características de vários acontecimentos
• Tire em seguida cada pedaço um após o outro.
ferramentas da arte colocou em evidência
homem no fazer artístico. Procedimentos inspirados
artísticos. Embora iconoclastas, questionadoras e
• Copie conscienciosamente na ordem em que elas
uma profunda e progressiva cisão entre a
nos métodos científicos e nas tecnologias eram fontes
irreverentes, as novas formas de arte estavam prenhas
são tiradas do saco.
experiência artística, a crítica de arte e
de inspiração, contestação e transgressão por parte dos
de um feto racionalista e ordenador - ainda sistemas de
• O poema se parecerá com você.
a estética.”
artistas modernos. As experimentações da vanguarda,
significação. Regras, mesmo que fossem as regras que
• E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma
impediriam a criação de novas regras, faziam parte do
sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido
O impacto das tecnologias imagéticas como a fotografia
praticadas pelo movimento “Fluxus”, por exemplo,
arsenal de paradoxos provocativos da arte moderna. Os
do público.
e o cinema foi avassalador. A máquina repercute o
propunham novos rumos e distanciamentos: o que a
dadaístas preconizam o fim da arte e falam sobre a
154
nas performances, instalações e artes midiáticas
ideário futurista. O apego a temáticas como velocidade,
arte não deveria ser. A experimentação como
antiarte. Nada poderia ser não arte. Tudo poderia ser
Paul (2008) fala de um aleatório controlado originado
tecnologia, violência estavam presentes em ícones
linguagem “antiarte”, originária dos movimentos
arte. A sucessão de rupturas e manifestos de novas
nas propostas dos dadaístas que estavam presentes
como o automóvel, o avião e a cidade industrial. O
dadaístas, proporcionou uma prática estética
formas expressivas levou a subsequentes mudanças de
em trabalhos do grupo OULIPO, em Duchamp e Cage.
futurismo foi um fenômeno que ocorreu principalmente
paradoxalmente conservadora (o que importa é
discurso sobre o fazer arte. Os poemas dadaístas eram
Tal aleatório serviria de base para os princípios da arte
na Itália com algumas repercussões em outros países.
transgredir – essa é a regra). Negação, transgressão e
um exemplo claro onde ordem e caos conviviam. A
digital contemporânea. Não foi a arte que encomendou
receita algorítmica dadaísta para construção de poemas
à tecnologia novas formas de expressividade, mas foi a
Os modernistas, de um modo geral, pleitearam um
é um exemplo da mescla do acaso, como caos, e da
tecnologia que indiretamente permitiu que a arte se
distanciamento com relação ao tradicionalismo das
ordem como técnica e tecnologia de produção
desenvolvesse de outras formas que não aquelas
belas artes e uma aproximação ao experimentalismo de
Fotografia, cinema, televisão, entre outros, levantaram
de sentido:
estreitamente ligadas ao fazer manual. A fotografia, o
novas linguagens calcadas em técnicas e tecnologias
problemas emergentes para a conceituação estética
apropriação foram pilares, portanto categorias fundamentais, da arte moderna.
cinema e, posteriormente, a televisão e o computador
que potencializavam a capacidade inventiva e
das novas formas de arte do século XX. A inclusão dos
• Pegue um jornal.
acrescentariam novas possibilidades de linguagem e
exploratória dos artistas. As novas formas de
meios e suportes dos objetos e processos artísticos
• Pegue a tesoura.
expressão artística. GIANNETTI (2006, p. 13) aponta
abordagem no experimentalismo modernista
incluídos como elementos fundamentais do discurso
• Escolha no jornal um artigo do tamanho que você
para essa questão como uma proposição que permeia o
reverberaram as mudanças na ordem das ciências e da
estético constitui uma expressão típica do século em
deseja dar a seu poema.
Manifesto Suprematista de Malevich, o qual fala de
política, mediadas pelas possibilidades tecnológicas. A
que ela se insere– a mídia arte. Os meios de
• Recorte o artigo.
uma nova relação entre arte e técnica. A mesma autora
automatização e a reprodutibilidade das imagens cada
comunicação televisivos para as grandes massas
• Recorte em seguida com atenção algumas palavras
fala ainda dos impactos causados pelo descompasso
vez mais prescindem da mão humana. As escalas
passam a ser alvo da arte do vídeo. Vários artistas se
que formam esse artigo e meta-as num saco.
seguinte entre tecnologia e arte:
mental e racional, embutidas nos artefatos tecnológicos
valeram do poder de produção e difusão das imagens 155
eletrônicas para expressar desde uma luta política
Nam June Paik deslocam os aparelhos televisivos do
de tal forma a superpor espectador e obra. Uma
“a aceleração é tão forte e tão generalizada
encarnada na arte até uma poética de imagens
espaço cotidiano das salas das casas dos
mudança de perspectiva aconteceu com a arte
que até mesmo os mais ligados encontram-
formalmente sutis e sofisticadas. Outra corrente de
telespectadores e os coloca em um contexto de
tecnológica. O que Giotto concebeu, ainda que sem
se, em graus diversos, ultrapassados pela
videoartistas lançou mão da ajuda de engenheiros e
apreciação que promove o distanciamento do
perceber o alcance de suas pesquisas, foi a inserção do
mudança, já que ninguém pode participar
técnicos para uma nova forma de gerar imagens. Os
entendimento do senso comum sobre os aparelhos e
espectador como parte do fenômeno de produção
ativamente da criação das transformações
tubos de raios catódicos e a eletrônica embutida nos
seu uso estético. A interação e participação ativa de
estética. Giotto percebeu as interfaces como parte do
do conjunto de especialidades técnicas,
aparelhos televisivos serviam de matéria para a
usuários nas performances e happenings inseriram
próprio processo artístico. A interface é a perspectiva e
nem mesmo seguir essas transformações
organização de uma imagética virtual, sem referências
definitivamente o observador na esfera criativa. RUSH
a interatividade é parte de imersão do espectador nos
de perto” .
no mundo. Uma nova forma de pintura com elétrons
(op.cit.) fala sobre o uso das tecnologias televisivas e
construtos mentais que dominam a arte
surgia nos aparelhos televisivos. As manipulações
videográficas como forma de contraposição ao
contemporânea. A arte moderna fundamentada e
Da mesma forma que as tecnologias afetam nossa
técnicas do vídeo feitas por Woody e Steina Vasulka
direcionamento político cultural massificador dos
consolidada em linguagens de alta tecnologia se
percepção do mundo, a produção artística e o discurso
resultavam em trabalhos que apropriavam estruturas
conteúdos mercadológicos das redes televisivas.
apropria de elaborações racionais sofisticadas antes
sobre a arte também é afetado por elas. Entretanto, é
pictóricas transportadas do suporte tela e tinta para a
Entretanto, a própria televisão acabaria absorvendo as
pertencentes somente aos guetos científicos. A ciência,
diferente a maneira como as tecnologias afetam a
materialidade eletrônica processual e etérea do vídeo.
tecnologias criadas por esses videoartistas.
ao contrário das afirmações de seus fundadores que
produção artística e a maneira como essas mesmas
Nos trabalhos realizados com tecnologia eletrônica
156
viam nas outras áreas um conhecimento baseado
tecnologias afetam a compreensão desses processos.
analógica, o “acaso”, ou as interferências externas ou
Ao mesmo tempo em que os experimentos das
somente em qualidades (diferenças por natureza), no
O descompasso do senso comum e dos artistas de
desconhecidas pelo autor/manipulador, passa a fazer
instalações de videoarte se aproximavam e se
século XX é subsidiária da arte quantificada e numérica.
fronteira é enorme nos dias de hoje. A incompreensão
parte de todo o processo. O desenvolvimento das
contrapunham às tecnologias de comunicação de
O fato se intensifica na arte digital do século XXI.
é tão gritante que confunde até mesmo artistas mais
tecnologias da imagem pavimentou o terreno para
massas da TV, pela utilização dos seus processos e
pessoas comuns terem acesso aos meios de produção
dispositivos, propunham também distanciamentos e
Transformações radicais são sentidas com mais
transformação tecnológica e das linguagens de arte que
tecnológicos. RUSH (2006) fala de um novo capítulo na
subversão com a arte de museu e as teorias estéticas
intensidade e clareza após algum distanciamento histórico
dela decorrem.
história da arte quando as filmadoras Portapak da Sony
conservadoras na medida em que deslocavam o público
e crítico. Mais do que a percepção da transformação, a
são lançadas. A videoarte se contrapôs aos meios de
de seu status de espectador para o status de
própria velocidade da transformação e a natureza dessa
Em meados do século XX, em meio a grande profusão
comunicação de massa reinventando o vídeo e
interventor ou mesmo coautor. Muitos trabalhos de
transformação são sentidas mais. LÈVY (2000, p.28), há
de propostas artísticas, surge no campo das ciências
expondo suas vísceras tecnológicas para novas
instalações em videoarte exploraram captação das
mais de uma década atrás, enfatiza ainda a taxa de
um acontecimento importante para compreender a
propostas artísticas. As primeiras videoinstalações de
imagens dos espectadores colocando-as nos monitores
variação da velocidade das transformações, ou seja:
força dos dispositivos tecnológicos de inteligência
sintonizados com seu tempo, tal velocidade de
157
sobre o processo criativo (embora desconhecido por
processo criativo da nossa civilização ocidental. A
suficientemente instruído para lidar com o dispositivo.
teoremas. O Logical Theorist, apresentado por Allen
muitos artistas e críticos de arte até hoje). Conforme
“inteligência”, ou uma racionalidade maquinal, passa a
Alan Turing concebeu o computador para ser uma
Newell e Herbert Simon, era um programa, segundo
RUSSEL & NORVIG (2004) , em um seminário de dois
colaborar nos procedimentos criativos de artistas,
máquina universal capaz de computar qualquer coisa
seus autores, capaz de pensar não numericamente. Sua
meses no Dartmouth College, em 1956, promovido por
cientistas e mesmo filósofos.
computável. Enfim, estava em germe na sua máquina
arquitetura estava construída sobre sistemas simbólicos
universal toda uma ciência que procura recriar
de produção baseados em regras. O programa se
John McCarthy (um dos pais da inteligência artificial
158
como campo transdisciplinar) dois pesquisadores, Allen
Antes mesmo do “Logic Theorist”, em 1945, Vannevar
inteligência artificialmente, seja nos moldes dos
articulava como resultado de um texto formado a partir
Newell e Herbert Simon, roubaram a cena em meio a
Bush (BUSH, 2003 in WARDRIP-FRUIN, NOAH &
humanos ou ao modo de uma racionalidade diferente,
de algoritmos que produziam novos textos os quais
vários outros pesquisadores importantes. O programa
MONTFORT) apresenta seu artigo “As We May Think”
própria da máquina. A prova de uma inteligência
eram postos à prova. O texto resultante, que surgia da
de computador apresentado por eles, o “Logic
que trata de tecnologias multimidiáticas (na época
artificial ao modo dos humanos deveria fazer o
nova forma de racionalidade híbrida homem e
Theorist”, foi capaz de solucionar e demonstrar a
apenas em conceito) que tornassem acessíveis ao
computador passar por uma arguição de um humano de
computador, era produzido pela primeira vez sem a
maioria dos teoremas do capítulo 2 do livro Principia
usuário a possibilidade de: a) inserção (input) de dados
tal modo que fosse indistinguível para o arguidor a
responsabilidade estritamente humana. Os
Mathematica de Russel e Whitehead, sendo que uma
de diversos matizes (texto, fotografias, sons etc.), b) a
diferença de comportamento racional da máquina em
computadores executavam tarefas que os homens não
dessas demonstrações foi mais curta que a contida no
manipulação numérica desses dados e c) sua
relação ao seu inquiridor. As estruturas simbólicas do
poderiam fazer e vice-versa. A sensação dos autores
livro. Ao apresentar o trabalho aos editores do “Journal
divulgação (output). A máquina proposta por Bush
computador permitiriam que esse pudesse dar
em relação ao seu parceiro maquinal foi a de perceber,
of Symbolic Logic” o artigo foi recusado. O motivo foi
viabilizaria o trabalho impossível aos homens de guardar
respostas criativas para perguntas genéricas. Estamos
ainda que de maneira não totalmente consciente, o
que o resultado da pesquisa havia sido creditado pelos
e recuperar grande massa de dados na memória,
longe disso, mas essa é uma questão que ainda está
nascimento, de fato, de um novo tipo de racionalidade
próprios autores não só a eles mesmos, mas também
visualizar, imprimir, e articular sequências de busca
sob o foco da ciência.
diferente da humana. Até então os textos, ideias, livros
ao programa que eles implementaram. O “Logic
como se fossem um fluxo de imaginação ou um
Theorist” foi recusado como coautor do trabalho. Duas
caminho de construção de sentido, originado na
Toda construção cognitiva teórica e prática até meados
simbólicas veiculados em meio material físico
rupturas se fizeram sentir nesse episódio, a primeira faz
arquitetura da informação fundamentada no aparato
do século vinte foi fundamentada na representação
permaneciam imutáveis em sua configuração material.
referência à inclusão de um dispositivo tecnológico
tecnológico chamado “Memex”. O Memex, nome da
como pilar de estruturas simbólicas. Essa premissa que
As páginas dos livros continuavam as mesmas após a
como autor de um trabalho criativo, a segunda faz
máquina pensada por Bush a partir da ideia de
adota as estruturas simbólicas como condição de
leitura e as palavras escritas também. A textualidade da
referência à introdução de novas racionalidades
“memory extended”, foi concebido como um
entendimento e percepção do mundo foi importante
produção intelectual da humanidade realizava-se como
computacionais no processo de produção de
dispositivo hipermidiático que traça trilhas de links
para a construção dos primeiros modelos
veiculo material imutável na sua existência física,
conhecimento. A inteligência artificial, em sentido
informacionais que poderiam ser recuperadas a partir
computacionais de inteligência que lograram êxito em
gravado com signos e símbolos que, embora
amplo, talvez seja o grande divisor de águas no
da manipulação/interação de um usuário
vários terrenos, como, por exemplo, na prova de
carregados de sentidos equívocos e abertos a
impressos, por exemplo, como representações
159
160
interpretações, não modificavam a si mesmos. Nunca,
dispositivo não biológico que tenha comportamento
regras de produção baseadas nas vizinhanças das
até o aparecimento da computação, um texto simbólico
autônomo capaz de agir no mundo e tomar decisões a
células individuais.
veiculado em um meio material foi capaz de dar à luz
partir de si mesmo, mediante contexto variável e
outro novo texto que não estava presente sob qualquer
ambiente não previsível. As primeiras concepções de
A forma inicial fluía de dentro da cápsula e gerava uma
(the) construction arm is long enough...
circunstância inteligível no primeiro. Foi em uma
inteligência artificial tomaram o homem como
nova configuração que, ao se separar da configuração
The daughter reproduce perfectly, the
espécie de “materialidade formal” e temporária das
parâmetro e medida. As operações maquinais tentavam
inicial, reproduzia a mesma identicamente. Os “loops”
construction is okay! Exactly the right
memórias dos computadores que armazenam a
reproduzir o que se sabia da inteligência humana. Mas
de Langton, chamados de “Adam”, produziam
length! The daughter reproduces too!!
informação, que surgiu a interconexão de dados de
foi só por volta de 1989 que Christopher Langton
continuamente gerações de “Qs”. Toda a informação
We’re off! (Levy, 1993: p.101)
diversas ordens, foi a base comum sobre a qual novos
conseguiu o intento de fazer um trecho de código
contida na configuração original era capaz de se
ordenamentos e configurações simbólicas puderam ser
reproduzir uma cópia de si mesmo. O texto
propagar em um tempo determinado, seguindo os
Chris Langton foi criador do grande campo de estudo
feitas. Uma mesma base simbólica para todo tipo de
computacional, transmutado em um mundo de
passos determinados pelas regras incorporadas aos
que ele denominou Vida Artificial, ou Artificial Life, Alife
informação reduziu os campos do conhecimento com
símbolos visuais que surgiam na tela e se reproduziam
estados das células e de sua vizinhança. Não havia
por abreviação. Bedau (BEDAU, 2003) define a Alife
suas “linguagens” específicas a um substrato formal
em formas iguais às originais, parecia reproduzir o
interpretação de significados para a produção dos
como um campo vasto e transdisciplinar que procura
binário geral que traduz todas as formas simbólicas
fenômeno da multiplicação celular e levava mais adiante
processos de replicação, simplesmente regras
abstrair da vida seus aspectos formais para programar-
computáveis. Uma espécie de livro adaptativo e
a idéia de que uma obra com significado poderia
determinísticas de produção e um estado inicial
los em sistemas computacionais. Essa atitude tem um
interativo capaz de se comunicar com seus criadores. A
modificar-se a si mesma, dadas as condições genéticas
específico. Langton percebeu que o que havia feito não
viés epistemológico que procura, ao modelar as
autonomia dos construtos simbólicos engatinhava.
(um programa fundamental) e ambientais apropriadas.
era de fato algo semelhante à vida no seu aspecto físico
dinâmicas da vida, entender a vida como ela é.
Embora esses avanços tivessem lugar já em meados
Langton estava interessado na organização formal que
e biológico, mas algo que ia ao encontro dos processos
Entretanto, há outro viés da Alife que procura criar vida
dos anos 50, o início da computação foi marcado pela
seria capaz de disparar o processo de autoreplicação.
essenciais e informacionais na organização do
“em silício”, como ela poderia ser. São sistemas que
busca de um programa, que aqui pode ser entendido
Ele buscou uma essência formal do fenômeno da
fenômeno da vida. Seu próximo passo seria pesquisar
estabelecem dinâmicas semelhantes em algum
como um código simbólico, que reproduzisse a si
replicação. Langton construiu seu modelo de autômato
os efeitos da evolução (herança, variação e seleção)
aspecto aos fenômenos da biologia que não são
mesmo. Como Levy relata (LEVY, 1992), os principais
celular baseado em um estado inicial na forma de um
nesses tipos de mecanismos celulares. Levy [1993:
representações da natureza, mas construtos que têm
precursores e criadores dos computadores e de
Q, um quadrado com um pequeno rabo, envolto em
p.101] assinala a passagem que Langton descreveu ao
características formais de vida não necessariamente
sistemas de computação, Alan Turing e von Neumann,
uma cápsula de estados constantes de células do
verificar o processo executado em seu computador.
encontradas em animais “naturais”. Enfim, a alife
tinham em mente, desde o início, a idéia de produzir
autômato. No interior dessas cápsulas estavam
Uma passagem que lembra o êxtase de Miguelângelo
estuda, por meio de modelagem computacional, a vida
vida criada a partir de informação. Vida referente a um
configurados os estados futuros das outras, segundo
diante de Moisés – “parla!”. .
como ela poderia ser. A Alife está intimamente ligada à
I’m watching it now. It looks like it will also reproduce itself and I’m hoping
161
inteligência artificial (IA), aos sistemas complexos e aos
nihilo sempre existiu e teve seus expoentes simbólicos
algoritimica de comportamento de bandos para animar
computacionais como modelos de sistemas complexos,
sistemas evolucionários. O desenvolvimento dos
registrados, por exemplo, nas marteladas de
peixes, manadas de búfalo entre outros efeitos
de vários matizes midiáticos, permitem a emergência de
sistemas computacionais permitiu que fossem criados,
Michelangelo em sua obra Moisés que exigia que sua
realizados por ele na indústria cinematográfica. Os
propriedades que não se encontram explicitamente
via código, entidades computacionais conhecidas como
estátua falasse. Frankestein é outra narrativa que
boids, assim chamados pelo seu inventor, são robôs
representadas no próprio texto. Embora os mundos
agentes virtuais, ou bots (robôs digitais). O computador
exprime o desejo escondido de uma relação emotiva e
virtuais autônomos, no que se refere ao seu
virtuais, como diz Casti (CASTI, 1997), partam de regras
reduziu, com sua linguagem binária universal, as
afetiva entre criador e criatura. A interface entre
deslocamento e locomoção auto-orientada em
determinísticas, sua dinâmica é absolutamente
informações de diversos matizes em estruturas digitais
homem e computador tende a desaparecer no limite.
ambientes com obstáculos. Mais uma vez a mente
imprevisível. Por propriedade emergente entendemos
humana caminha na direção de conferir autonomia à
um nível de realidade que surge em consequência da
sua criação, seja estética ou científica.
conexão de dois ou mais agentes. Por exemplo, as
subsimbólicas. A sopa digital foi o caldo que permitiu a
162
evolução de várias disciplinas, bem como tornou
Ao contrário dos modelos científicos de explicação do
difusos seus limites e definições. Os sistemas
mundo baseados em abordagens analíticas top-down,
computacionais nascem transdisciplinares.
os mundos virtuais da Alife partem de abordagem
Fenômenos sociais, culturais e econômicos, entre
de oxigênio e hidrogênio sem que estivessem presentes
sintética botton-up. Nesse sentido os sistemas
outros, que tenham um elevado número de entidades
nos seus constituintes. O sistema, ao contrário de ser
Artistas de fronteira logo foram influenciados sobre o
complexos pouco entendidos por metodologias
em interação e com alto grau de verossimilhança com as
reducionista, é sintético. Outra propriedade interessante
imenso potencial estético ligado à vida artificial e à
analíticas foram iluminados com uma metodologia que
entidades do dito mundo real são objetos adequados à
dos mundos virtuais como nova forma de textualidade é
inteligência artificial. Eduardo Kac realizou um trabalho
permite seu estudo a partir de elementos simples e
modelagem conexionista por agentes autônomos. É
a idéia de experimentação. Para além da interpretação
que conecta ciência da informação, biologia, ciência da
conectados uns aos outros, caso típico da ideia do
possível estudar sistemas altamente complexos como
dos textos convencionais, é possível interagir nos
computação, interação dialógica para conceber e
emaranhamento e da volta estranha de Hofstdter.
trânsito em grandes cidades, bolsa de valores, vida de
mundos virtuais baseados em agentes para modificar
produzir “Genesis” . Sua tradução do trecho do
Modelos como esse são chamados de conexionistas e
um formigueiro, etc. Os agentes, instâncias de textos
suas condições existenciais. Em outras palavras, o texto
Gênesis da Bíblia foi codificada em sequências de DNA
são capazes de simular comportamentos coletivos
formalizados em códigos, são capazes de aprender com
pode ser experimentado sensorial e intersubjetivamente.
e implantada biologicamente em seres vivos. Após
animais ou sociais, com muito mais propriedade e
a experiência, evoluir aos moldes da seleção natural e
Estamos diante da emergência de um texto que caminha
intervenção de usuários via web, que comandavam à
eficiência que qualquer outro modelo de sistemática
tomar decisões baseadas em sua constituição genética
em direção à autopoiésis, autonomia e evolução.
distância luzes que produziam efeitos mutantes nos
top-down. Os algoritmos de Craig Reynolds – swarm
informacional e no ambiente dinâmico no qual estão
seres em vitro, as sequências de DNA foram retiradas
behavior – conseguiram modelar o comportamento
inseridos. Dessa forma estamos diante de um texto com
Sistemas complexos, formalizados em códigos de
dos organismos e relidas após a mutação genética e
complexo de bando a apartir de regras locais simples. O
gramática, sintaxe e semântica definidas, que pode ser
programação, também são largamente usados em
impressas para comparação com o trecho original. A
cinema de animação e de efeitos especiais lança mão
instanciado formalmente em um sistema computacional.
trabalhos de arte computacional como forma de
ideia comum entre cientistas e artistas de criação ex
sistematicamente de suas descobertas na decrição
As regras totalmente determinísticas de textos
produzir comportamentos emergentes a partir de vários
propriedades da água emergem da relação entre átomos
163
agentes simples interagindo entre si. Existem muitos
sonoras que manifestam comportamento de bando,
espectador/autor/obra/processo. A computação física
impactos na produção da arte contemporânea, no
trabalhos baseados em algoritmos de bando criados por
como proposto pelos algoritmos de Reynolds. O
possibilitou um diálogo entre homem e máquina através
campo da filosofia da arte e em outros campos, como
Craig Reynolds . Instalações como a de Karl Sims e
comportamento das esculturas, expresso em sons e
de vários modelos de disciplinas que estudam o
defendem Chritiam Peter e Russel Beale (PETER &
Ken Rinaldo usaram esse tipo de linguagem artística
movimentos, é emergente e depende da relação entre
comportamento comunicacional entre homem e
BEALE, 2008), tais como: Fundamentos teóricos
baseada em códigos digitais que simulam
as esculturas entre si e os interatores. O ambiente da
máquina – IHC – interação Homem Computador. Um
(representação das emoções. Aspectos legais e éticos);
comportamentos emergentes. Karl Sims expôs em
instalação abriga vários braços robóticos que têm
dos campos em desenvolvimento que promete mudar a
Emoção e afeto como inputs (sensores multimodais,
1997 uma obra de vida artificial que simula o
sensores de proximidade dispostos em posições
maneira como vemos a nós mesmos e como podemos
redes de sensores, análise de dados); Emoção e afeto
crescimento e comportamento de uma população de
específicas de modo a perceber a aproximação dos
nos comunicar com os computadores é a computação
como output (aplicações web com agentes, ambientes
animais abstratos, como descreve o autor:
interatores de acordo com a aproximação cada braço se
emotiva. As interfaces que conectam mundos, homens
inteligentes, dispositivos móveis e robótica);
movimenta em direção ao usuário próximo. Um
e máquinas em vários níveis, do mais ínfimo dos
Usabilidade e experiência do usuário. A computação
“Galápagos is an interactive Darwinian
algoritmo de segurança restringe o movimento de
processos moleculares até o cosmos foram objeto de
afetiva e emotiva conecta em níveis profundos os
evolution of virtual “organisms.” Twelve
modo que os braços não toquem o usuário. Por sua
estudo e experimentação por parte dos artistas
sistemas computacionais com os usuários coafetivos. É
computers simulate the growth and
vez, o braço movimentado afeta o comportamento de
computacionais. Interface segundo MEADOWS (2003)
possível que estes sistemas de racionalidade maquinal
behaviors of a population of abstract
outros e assim sucessivamente. Nem os participantes
é algo relacionado com engajamento, imersão,
possam saber mais profundamente sobre os estados
animated forms and display them on twelve
nem o autor podem descrever para qual estado o
participação, resposta e reação. Quando os termos
emotivos do espectador do que o próprio espectador
screens arranged in an arc. The viewers
sistema irá caminhar. Os sistemas complexos
engajamento e imersão são colocados em campo de
em seu nível racional. Não é de se espantar que as
participate in this exhibit by selecting which
programados são completamente determinísticos, mas
discussão, as questões psicológicas de atenção, prazer
aplicações no campo da pedagogia, cognição,
organisms they find most aesthetically
imprevisíveis e mesmo caóticos.
e desejo entram em cena. Depois da inteligência
neurociência entre tantos outros venham a se beneficiar
interesting and standing on step sensors
164
artificial, da vida artificial e dos mecanismos racionais
da transdisciplinaridade desse assunto vasto e
in front of those displays. The selected
As interfaces e a interatividade entre homens e
terem sido implementados em sistemas
importante para a compreensão do que chamamos de
organisms survive, mate, mutate and
máquina foram e continuam sendo para a arte
computacionais e apropriados pela arte das novas
mente. Como destacam (CASTELLANO, KESSOUS
reproduce.
computacional preocupação de primeira ordem. Mas se
mídias, a emoção e o afeto começam a despontar
&CARIDAKIS, 2008) o objetivo de vários estudos neste
ciência e arte tentaram formalizar outros tipos de vida,
como novas conexões entre humanos e máquinas. O
campo é prover à máquina um envolvimento afetivo
Ken Rinaldo é um artista digital que trabalha com
para além da vida em cadeias de carbono, faltou a essa
termo Affective Computing cunhado por Rosalin Picard
com o usuário desenvolvendo sistemas capazes de
instalações robóticas entre outras formas de expressão.
vida a comunicação de emoções e afetos entre criador
do MIT abre as portas para uma nova exploração
expressar emoção, requisito básico para a comunicação
Uma de suas instalações é um grupo de esculturas
e criatura, intermediados e transformados pelo
conceitual, científica e tecnológica que terá profundos
com os humanos. Interfaces multimodais que 165
166
funcionem como dispositivos de aquisição de dados
Trabalhos como de Paul Ekman sobre a relação entre
as duas extremidades é um desafio grande para os
chegue a ser utilizada. Nesse
biométricos como câmeras para reconhecimento facial,
as expressões faciais e os estados emotivos são
designers de jogos, os grandes arquitetos da arte
caso a armadilha consiste
sensores para batimentos cardíacos, galvanômetros,
amplamente usados no campo da animação tradicional
popular contemporânea. A idéia de imersão
na idéia de que antes de
equipamentos de monitoramento de atividade neural,
e da animação procedural. Para o autor emoções
característica dos ambientes de realidade virtual, jogos
poder compreender qualquer
sensores de pressão sanguínea entre outros
determinam a qualidade de nossas vidas. Na mesma
digitais hoje está estritamente relacionada como o
mensagem é necessário
dispositivos formam um arsenal que pode conectar o
linha autores como Mihaly Csikszentmihalyi buscam
sentimento de flow – atenção, exitação, controle e
dispor de uma mensagem
usuário e seus estados emocionais (ainda que
explicações para a relação profunda entre o
recompensa. A arte não pode virar as costas para as
que diga como compreender
imprecisamente, embora com boa aproximação) com
comportamento das pessoas e seus sentimentos,
descobertas nesse campo. Artistas sempre foram
aquela mensagem; em outras
uma máquina capaz de se modificar para se adequar a
emoções e afetos. Em seu livro FLOW, o autor
considerados pessoas que têm criatividade e
palavras, há uma hierarquia
um diálogo mais afetivo e efetivo. PICARD (2004) fala
descreve os estados de fluxo como estados de extrema
capacidade de apreensão da realidade muito
infinita de níveis de mensagens
que o uso dos computadores como modelo, metáfora e
atenção associados a recompensas psicológicas. No
sofisticada. Cada vez mais as ferramentas tecnológicas
que impede que qualquer
ferramenta de modelagem tem sido enfatizado,
estado de fluxo o sujeito experimenta uma suspensão
colocam aos artistas desafios imaginativos. Cabe a eles
mensagem chegue a ser
privilegiando a abordagem cognitivista informacional,
de temporalidade e espacialidade. É como se nada
decidirem se haverá “flow” ou não nessa viagem entre
compreendida. Contudo, todos
sem levar em conta o caráter do afeto e da emoção na
estivesse perto do assunto de sua atenção e como se o
a interação, inteligência e emoção.
nós sabemos que esses
produção de conhecimento. Da mesma maneira os
tempo fosse suspenso. Ele caracteriza os estados de
paradoxos são inválidos, pois
artistas computacionais colocaram o acento na questão
flow (fluxo) como uma região em um espaço
as regras são utilizadas e as
corpórea e na racionalidade maquinal. A computação
psicológico entre a exitação e o controle. Nos jogos
afetiva é um campo a ser explorado por teorias
digitais os game designers utilizam suas teorias em
estéticas que até hoje se valem principalmente de
testes de jogabilidade para tentar equilibrar desafios e
1)“... a armadilha consiste na
argumentos de ordem filosófica para tentar estabelecer
habilidades. Se o desafio é muito maior do que as
idéia de que antes de usar
2) The goal of an immersive
um estatuto da arte. Conhecer como nós conhecemos
habilidades e capacidades do jogador/interator há um
uma regra é necessário dispor
environment, as with VR, is to
o mundo e nos interessamos por ele é fundamental
sentimento de frustração e o jogador pode abandonar o
de uma regra que diga como
give users the impression that
para compreender os limites, possibilidades e alcances
jogo com um sentimento negativo. De maneira análoga,
usar aquela regra; em outras
they are in a physical space that
de uma atitude criativa. O próprio conceito de
mas oposta, se o desafio é pequeno para as habilidades
palavras, há uma hierarquia
seems real, though it is, in fact,
criatividade se expande face aos novos modos de lidar
e capacidades do jogador há um sentimento de tédio
infinita de níveis de regras que
artificially created. (cap. 19).
com sentimentos, afeição, emoções e desejos.
que também afasta o jogador. O equilíbrio exato entre
impede que qualquer regra
.3) “O Teorema de Gödel
Notas
mensagens são compreendidas. Como pode?” (p.184).
167
168
aparece como Proposição
humanos deve achar muito
testar um programa e seus
não são enquanto não são.” (fr.
7)The element of controlled
quanto comumente usurpados
14) Autômatos celulares
set of values. WOLFRAM,
VI em seu trabalho de 1931
deprimente uma viagem pelo
dados para saber se ele irá parar
1, Diels). O significado desta
randomness that emerges in
pela propaganda e pelos meios
(CA) são modelos que foram
Stephen. Cellular Automata as
intitulado “Sobre proposições
século vinte. Muitos dos
no meio do processamento dos
tese famosa foi esclarecido
Dada, OuLIPO, and the works
de comunicação de massa
concebidos por von Neumann
Simple Self-Organizing System.
formalmente indecidíveis
resultados mais profundos
dados. Mais recentemente,
pela primeira vez por Platão,
of Duchamp and Cage points
convencionais.
e Ulam, para estudar processos
1982. Disponível em: <http://
em Principia Mathematica
e bem documentados da
Gregory Chaitin examinou
cuja interpretação continuou
to one of the basic principles
biológicos de auto reprodução.
www.stephenwolfram.com/
e sistemas correlatos”. Seu
ciência neste século foram
a noção gödeleniana da
e continua a merecer crédito.
and most common paradigms
11) RUSSELL, Stuart &
São constituídos de elementos
pdf/Cellular-Automata-Self-
enunciado é o seguinte
afirmações sobre o que não
provabilidade a partir de
Segundo Platão, Protágoras
of digital medium: the concept
NORVIG, Peter. Inteligência
discretos, arranjados em um
Organizing-Systems-Stephen-
[...] Todas as formulações
se pode saber e o que não
uma perspectiva da teoria
pretendia dizer que “as coisa
of random access as a basis
Artificial. Rio de Janeiro:
grid de espaçamentos discretos
Wolfram-Article.pdf.> Acesso
axiomáticas consistentes da
se pode fazer. Provavelmente
da informação, descobrindo
singulares que me aparecem,
for processing and assembling
Editora Campus, 2004
e regidos por regras que levam
em: 08 de agosto de 2012.
Teoria dos Números incluem
o mais famoso resultado
exemplos explícitos de
assim são para mim, e aquelas
information
proposições indecidíveis
limitador desse tipo tenha
proposições aritméticas simples
que te aparecem, assim são
12) VANNEVAR, Bush in
sistema evolui em passos
15) Genesis is a transgenic
[...] Com efeito, já é obra de
sido o Teorema gödeliano da
cuja verdade ou falsidade não
para ti; dado que homem tu
8) GIANNETTI, Claudia. A
WARDRIP-FRUIN, NOAH &
discretos. WOLFRAM (1982)
artwork that explores the
gênio a simples questão da
Incompletude, segundo o qual
pode ser conhecida seguindo-se
és e homem eu sou; e que,
Estética Digital. Sintopia da
MONTFORT, Nick. The New
define um CA elementar
intricate relationship between
ligação da ideia das afirmações
nenhum sistema de inferência
regras dedutivas de qualquer
portanto, identificava aparência
Arte, a ciência e a Tecnologia.
Media Reader. USA: MIT
como: An ``elementary’’
biology, belief systems,
autoreferentes com a Teoria
dedutiva é capaz de, usando
sistema lógico.”
e sensação, afirmando qua a
Belo Horizonte: C/Arte, 2006
Press, 2003.
cellular automaton consists of
information technology,
dos Números. Ao intuir que tal
a linguagem do sistema, dar
a sequence of sites carrying
dialogical interaction, ethics, and
afirmação podia ser realizada,
respostas a todas as questões
5) ABBAGNANO (1985) fala
sempre verdadeiras porque “a
9) RUSH, Michael. Novas
13)“...He has dozens of possibly
values 0 or 1 arranged on a line.
the Internet. The key element of
Gödel estava transpondo o
que podem ser formulada
sobre essa exemplar frase do
aparência é sempre da coisa
Mídias na Arte Contemporânea.
pertinent books and articles
The value at each site evolves
the work is an “artist’s gene”, a
obstáculo principal.
sobre números. Em resumo,
sofista: ”Protágoras expressou
que é”; é, entenda-se, para este
São Paulo: Martins Fontes,
in his memex. First he runs
deterministically with time
synthetic gene that was created
todo sistema suficientemente
o postulado fundamental do
ou aquele homem”.
2006. Além de criticar a
through an encyclopedia, finds
according to a set of definite
by Kac by translating a sentence
4) CASTI (1998) “Alguém que
forte, convincente e lógico é
ensino sofístico no famoso
televisão, vários dos primeiros
an interesting but sketchy
rules involving the values of
from the biblical book of
tenha sido contaminado pela
incompleto. Alguns anos mais
princípio que iniciava a obra
6) Disponível em < http://
videoartistas adotaram a
article, leaves it projected. Next,
its nearest neighbours. In
Genesis into Morse Code, and
ideia de que a mente humana
tarde Turing, demonstrou uma
Sobre a Verdade:” “O homem
pt.wikipedia.org/wiki/
tecnologia da câmera e
in a history, he finds another
general, the sites of a cellular
converting the Morse Code into
é ilimitada em sua capacidade
asserção equivalente acerca de
é a medida de todas as coisas
Dada%C3%ADsmo>. Acesso
criaram meios de expressão
pertinent item, and ties the
automaton may be arranged
DNA base pairs according to a
de dar resposta a perguntas
computadores, que afirma não
(chrémata), das coisas que são
em 01/09/20122
inovadores que eram tanto
two together. Thus, he goes,
on any regular lattice, and each
conversion principle specially
sobre assuntos naturais e
haver meio sistemático para
enquanto são e das coisas que
usados por outros artistas,
building a trail of many items.”
site may take on any discrete
developed by the artist for this
em conta sua vizinhança. O
aparência e a sensação são
169
work. The sentence reads: “Let
then back into English. The
Newton. Os sistemas simples
controles centralizados nesses
follow this corridor, join that
red3d.com/cwr/ acessado em
21) EKMAN, Paul. Emotions
man have dominion over the
mutation that took place in the
quase sempre envolvem
sistemas; nenhum motorista,
group of characters...) This
19 de maio de 2011
Revealed. Recognizing
fish of the sea, and over the
DNA had changed the original
um número de elementos
comerciante ou molécula tem
paper divides motion behavior
fowl of the air, and over every
sentence from the Bible. The
individuais com interações
acesso ao que os outros estão
into three levels. It will focus
19)“Galápagos is an interactive
Communication and
living thing that moves upon the
mutated sentence was posted
relativamente fracas entre
fazendo, de forma que os
on the middle level of steering
media installation that allows
Emotional Life.New York:
earth.” It was chosen for what
on the Genesis web site. In the
eles, ou sistemas, como gases
agentes num sistema complexo
behaviors, briefly describe the
visitors to “evolve” 3D animated
Times Books, 2003.
it implies about the dubious
context of the work, the ability
comprimidos ou galáxias
tomam as suas decisões e
lower level of locomotion, and
forms. It was installed at the ICC
notion--divinely sanctioned--of
to change the sentence is a
distantes compostos por um
atualizam suas regras de ação
touch lightly on the higher level
in Tokyo from 1997 to 2000, and
humanity’s supremacy over
symbolic gesture: it means that
número tão grande de objetos
com base em informações
of goal setting and strategy.
was exhibited at the DeCordova
nature. Morse code was chosen
we do not accept its meaning
que podemos empregar
locais, ao invés de globais.”
Disponível em < http://www.
Museum in Lincoln, Mass.
because, as the first example
in the form we inherited it, and
técnicas estatísticas para
red3d.com/cwr/papers/1999/
as part of Make Your Move:
of the use of radiotelegraphy,
that new meanings emerge as
estudar o seu comportamento.
17)This paper presents
gdc99steer.pdf>. Acesso em 08
Interactive Computer Art and the
it represents the dawn of the
we seek to change it. Disponível
Os sistemas complexos
solutions for one requirement
de agosto de 2012.
Boston Cyberarts Festival 1999”
information age--the genesis
em < http://www.ekac.org/
envolvem um número
of autonomous characters
of global communication. The
geninfo2.html.>. Acesso em 8
intermediário de agentes:
in animation and games: the
18)“ My interests center
karlsims.com/ acessado em 19
Genesis gene was incorporated
de agosto de 2012.
motoristas, comerciantes,
ability to navigate around
around using procedural
de maio de 2011.
moléculas. Nos sistemas
their world in a life-like and
models (computer programs)
into bacteria, which were shown
170
Faces and Feelings to Improve
Disponível em http://www.
in the gallery. Participants on the
16) Casti [1998, p ]“Os
complexos os agentes são
improvisational manner. These
to simulate complex natural
20) The Flock is a group of
Web could turn on an ultraviolet
sistemas complexos estão
quase sempre inteligentes e
“steering behaviors” are largely
phenomenon. These
musical interactive sound
light in the gallery, causing
presentes em padrões de
adaptativos, no sentido de que
independent of the particulars
models can aide scientific
sculptures which exhibit
real, biological mutations in
tráfego nas redes de transporte
toma suas decisões de acordo
of the character’s means of
understanding of the natural
behaviors analogous to the
the bacteria. This changed the
urbano até movimentos dos
com várias regras e são capazes
locomotion. Combinations of
system. They also allow
flocking found in natural groups
biblical sentence in the bacteria.
preços no mercado financeiro.
de modificar as suas próprias
steering behaviors can be used
us to recreate and control
such as birds, schooling fish or
After the show, the DNA of
Eles são fundamentalmente
regras de atuação com base em
to achieve higher level goals
the phenomenon for use in
flying bats. Disponível em http://
the bacteria was translated
diferentes dos sistemas simples
informações novas que venham
(For example: get from here to
animation, games and the arts”
kenrinaldo.com/ acessado em
back into Morse code, and
como a mecânica clássica de
a adquirir. Não há ditadores nem
there while avoiding obstacles,
Disponível em http://www.
19 de maio de 2011
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172
173
Ficha Técnica Concepção, Direção - Curadoria Henrique Roscoe Tadeus Mucelli Assistente de Direção Mariana Duarte Coordenação do Simpósio Henrique Roscoe Tadeus Mucelli Publicação Livro “FAD - Retrospectiva” Henrique Roscoe, Tadeus Mucelli, Francesco Salizzoni, Ana Paula Baltazar, Jose dos Santos Cabral Filho, Romero Tori, Sandro Canavezzi, Daniela Kutschat, Eduardo de Jesus, Sonia Laboriau, Gilberto Prado, Patricia Moran, Eric Marke, Marinza Gazire Lemos, Nacho Duran, Chico Marinho Coordenação Educacional - Monitoria Alexandre Milagres
Assessoria de Imprensa
Relações Internacionais MIB
Gestão Financeira
A Dupla Informação, Fábio Gomides, Cristiana Brandão,
Giussi Zamana
Luciene Eller
Agenciamento Artístico
Consultoria
Agência Filtro
Diversas Consultoria Cultural
Conceição Redes sociais Monica Boscarino
José Junior de Oliveira Santos Produção Audiovisual
Revisão
Tarley Mccartiney
Melissa Boechat Marcelo Belico
Produção FAD Galeria
Henrique Roscoe
Marina Santos Rodrigo Furtini
Projeto Gráfico Brayhan Hawryliszyn
Produção FAD Simpósio e Laboratório
Sillas Maciel
Alexandre Milagres
Fotografia
Produção FAD Performance
Bruna Finelli
Licio Daf
Site
Promoção
Inácio Fonseca
Romã Midia Livre
Relações Internacionais
Video Cenografia
Henrique Roscoe , Larissa Alves, Tadeus Mucelli
1mpar
Produção Executiva Larissa Alves, Rodrigo Furtini, Licio Daf, Marina Santos 174
175
Ficha Catalográfica 1) Arte eletrônica 2) Cultural digital 3) Festival de Arte Digital 4) Multimídia interativa 5) Objetos de arte - Exposições - Catálogos I. Roscoe Henrique. II. Mucelli, Tadeus. Título: FAD - Festival de Arte Digital - Restrospectiva Índice para catálogo sistemático: 1) Cultura digital na arte 700.285 | 2. Linguagem eletrônica na arte 700.285
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ISBN 978-85-63921-01-7 1. Arte eletrônica 2.Cultural digital 3. Festival de Arte Digital 4.Multimídia interativa 5. Objetos de arte - Exposições - Catálogos I. Roscoe Henrique. II. Mucelli, Tadeus. TÌtulo: FAD - Festival de Arte Digital - Retrospectiva Índice para catálogo sistemático: 1. Cultura digital na arte 700.285 | 2. Linguagem eletrônica na arte 700.285
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