FAD - Festival de Arte Digital - Livro Retrospectiva

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RETROSPECTIVA

INCENTIVO

PAT R O C Í N I O

RE ALIZ AÇÃO


Sumário ENSAIOS FAD

06

TADEUS MUCELLI

09

ROBOT 04 - DIGITAL PATHS INTO

11

MUSIC AND ART FRANCESCO SALIZZONI O FESTIVAL DE ARTE DIGITAL EM IMAGENS

2010 MAGIA ALÉM DA IGNORÂNCIA:

32

62

Performance Audiovisual em

contemporânea para o digital

meios Digitaise Analógicos

SONIA LABOURIAU

ERIC MARKE

102

VIRTUALIZANDO A CAIXA-PRETA ANA PAULA BALTAZAR,

NOTAS DIVERSAS: O TEMPO PRESENTE

JOSÉ DOS SANTOS CABRAL FILHO CÓDIGOS DIGITAIS E ALGORITMOS COMO

14

Uma reflexão lateral: da arte

38

INSTRUMENTOS DE DESIGNERS E ARTISTAS

PERMEABILIDADES ENTRE HOMEM E MÁQUINA DIGITAL SANDRO CANAVEZZI ENSAIO PARA TODOS E PARA NINGUÉM DANIELA KUTSCHAT

autômatos às vanguardas cinéticas do

EDUARDO DE JESUS,

século XX

116

MARINA GAZIRE LEMOS OU PRIMEIRAS NOTAS PARA UMA

46

Tudo é movimento: da cinética dos

E O LOCAL

ENTRE RUÍDOS E MEMÓRIAS,

ROMERO TORI

68

76

2012

HISTÓRIA AUDIOVISUAL DE BHZ PATRICIA MORAN

OS VÍDEOS ABERTOS DA AMÉRICA LATINA

2011 58 Grupo Poéticas Digitais: projetos #Azul, Pedralumen e Desluz GILBERTTO PRADO GRUPO POÉTICAS DIGITAIS (ECA-USP/CNPq)

130

NACHO DURÁN

88

Arte, tecnologia e ciência: inteligência e emoção. CHICO MARINHO

146


Todas as ilustrações deste livro foram criadas a partir de um código gerado através da linguagem de programação de código aberto Processing (www.processing.org). • Cada faixa representa um texto do livro, sendo a direção inicial definida pelo ano (2010 e 2011/2012); • a quantidade de caracteres do nome do autor define a espessura da faixa; • a quantidade de caracteres do texto define a extensão da faixa; • a quantidade de caracteres do título define o ponto de início; • a direção e a cor da faixa mudam sempre que uma tag especificada está presente no texto (ex.: arte, digital)

O código está disponível gratuitamente para download no site www.festivaldeartedigital.com.br.


Festival de Arte Digital por HENRIQUE ROSCOE e TADEUS MUCELLI (diretores e curadores)

O Festival de Arte Digital – FAD é um projeto sobre a

de eventos com a marca da fusão entre arte e tecnologia,

códigos e linguagens.

exploração inventiva de novas tecnologias no campo da arte

o FAD traz ao país trabalhos nunca antes aqui exibidos, ao

O festival possibilita, ainda, a integração entre profissionais

e da comunicação. Um dos eixos do festival é a exibição

mesmo tempo em que mostra ao público mineiro obras de

de diversas áreas como músicos, diretores, produtores,

de instalações audiovisuais, performances e demais

realizadores locais que foram exibidas em outros estados e

diretores de fotografia, designers, estudantes de

apresentações, que privilegiam a arte eletrônica produzida

no exterior, mas nunca em Minas. O público responde com

comunicação, empresas prestadoras de serviços nas áreas

por máquinas e softwares por meio de mídia digital. O

um crescente interesse à produção digital cuja linguagem,

de tecnologia, vídeo e cinema, e desses profissionais com

festival também contribui para a formação de jovens

mesmo que não ligada diretamente ao seu repertório e

o público.

criadores através de simpósios, workshops e palestras,

tradição culturais, já faz parte do seu cotidiano, através de

ministrados por artistas nacionais e internacionais.

plataformas hoje popularizadas como celulares, TV, internet ou tablets.

Ações como as do FAD vêm promovendo o crescimento da criação e exibição no Brasil – ainda incipientes – de

Pioneiro do gênero em Minas Gerais, o FAD cumpre o

trabalhos experimentais de arte criados a partir de

papel de gerador de programas de conteúdos culturais

tecnologia digital.

diversos, promove o acesso da população a novas tendências e manifestações artísticas, além de divulgar e

A produção de arte eletrônica e mídia digital contemporânea

contribuir para a formação de novos talentos e conceitos.

encontra no festival um de seus mais importantes canais de

O festival também tem como meta primordial a questão

divulgação. Desde 2007, o FAD oferece ao público o melhor

da acessibilidade à informação e ao conhecimento. Se

da produção brasileira e internacional, contribuindo para o

por um lado isso é cada vez mais facilitado pelas novas

incentivo à exibição e propondo uma reflexão sobre a nova

tecnologias, globalização e velocidade na transmissão de

produção de arte eletrônica em Minas Gerais, no Brasil e no

dados, por outro, fatores sociais e financeiros, bem como

mundo.

o desconhecimento do potencial das novas tecnologias e de seus criadores, impedem parte da população de se

6

Especificamente no estado e em sua capital, o festival

beneficiar das tecnologias digitais.

desempenha um papel fudamental no desenvolvimento

A complexidade da questão passa pela popularização

do cenário de novas mídias. Ao ampliar a agenda nacional

não apenas dos suportes, mas de seus conteúdos, 7


Tadeus Mucelli

O Festival de Arte Digital de Belo Horizonte (FAD), ao longo do tempo e de maneira involuntária, se internacionalizou. A presença de artistas estrangeiros no edital público, e com a efetiva presença de trabalhos no festival em suas diversas atividades, tem colocado a proposta de curadoria e direção

Diretor - FAD

do festival em situação privilegiada para a definição das diretrizes e horizontes. O recorte das linguagens apresentadas no FAD tem sido amplo, o que vem caracterizando ainda mais o posicionamento no cenário de festivais de linguagem eletrônica através de novas mídias. Seja em performances, instalações, oficinas, simpósio, a permissão de várias técnicas e conceitos interagindo entre si, indo além da estética puramente digital ao notarmos que a diversidade, ainda que intrínseca no “fazer digital” pelo processo e não pelo resultado final, possa parecer limitadora, em verdade gera um campo de riqueza de discussão com maiores possibilidades de difusão. Diante disso, o projeto como um todo prevê o crescimento da arte por meio de mídia em todo o mundo, com passos mais aproximados e característicos da arte contemporânea em sua forma mais ampla e moderna. Nesse ponto há possíveis questionamentos e divergências

8

9


conceituais entre o meio, o material e a proposta, porém

desse mundo para a integração das gerações de ontem, de

O roBOt é um festival de música eletrônica e arte digital

ainda sim estaremos tratando e falando de Arte, mesmo

hoje e do amanhã. Uma espécie de corrida frenética, a tempo

que acontecerá entre 28 de setembro e 1º de outubro em

que esta cada vez mais tenha se apropriado das diversas

de conectar mundos distantes de um mesmo povo, de uma

Bologna, na Itália.

técnicas, muitas vezes não tão usuais para os padrões mais

mesma população. A compreensão do fato de que vivemos

conservadores, pelo menos no enorme universo tratado por

uma polarização provocada entre gerações muito adaptadas a

Diversas são as razões que levaram o roBOt Festival a

festivais como o FAD. Podemos citar a engenharia computa-

essas tecnologias e outras não tanto, faz com que possamos

vir para Belo Horizonte e o FAD a participar do roBOt de

cional, a engenharia de informação e conteúdo, a bioarte, os

pensar e planejar ações e atividades que façam essa con-

games, a gambiologia, a arquitetura e o urbanismo em um

versão ocorrer com mais frequência e naturalidade.

universo mais recente, os músicos digitais, os operadores

por FRANCESCO SALIZZONI Dezembro 2011

Bolonha, que acontece daqui a algumas semanas. O roBOt Festival, como o FAD, busca novas formas de arte, de

de tecnologias eletrônicas, entre muitos outros e outras que

Que a nossa bússola nos leve impreterivelmente ao com-

experimentação e de entretenimento, procurando interpretar,

convergem em resultados melhores na maioria das vezes,

partilhamento da informação através da arte, com todos a

por meio da arte, a renovação social, estética e ideal

ao prevalecer o “fazer artístico” quando aplicado à retórica

nossa volta.

decorrente do contínuo processo de inovação tecnológica.

mais ampla da arte contemporânea. O tema do festival deste ano é o Do it yourself, revolution

10

O Festival, que até a sua edição 2010 não havia recebido

now, que considera como revolução o conjunto de processos

uma temática anual, passou a receber, em 2011, um norte,

históricos que tornaram a inovação tecnológica algo ao alcance

com o intuito de ampliar a aplicação das técnicas eletrônicas

de todos, desligada do controle individual. Estas dinâmicas a

e sua linguagem digital a paisagens e desdobramentos artís-

transformaram, por meio da web, no quadro negro em que a

ticos mais distantes do que o seu próprio meio.

humanidade redesenhará a própria existência.

Os rumos que levam o FAD a refletir o presente e o futuro,

Assim como no FAD, a arte digital e a música são os

tentando incansavelmente decodificar e sintetizar todo o

dois focos do saber para os quais o roBOt dirige sua

universo digital, têm sido um desafio constante. A certeza,

atenção. Os dois festivais compartilham o mesmo objeto

talvez a única, é que a cada ano nossa proposta torna-se

de estudo e, por esta razão, estão empreendendo um

mais didática e mais informativa. Não somente pelo prazer

projeto de colaboração plurianual, procedendo por etapas,

do conceitual, mas também pela importância da transcrição

fortalecendo, a cada ano, o envolvimento dos dois eventos. 11


Estimulados por esta afinidade de perspectivas e pela

de uma rede que FAD e roBOt começam agora a tecer.

mesma forma de atuar – o global thinking –, surge a

Estamos cientes do fato de que a troca é um importante

vontade, aliás, a necessidade recíproca de se abrirem

meio para se crescer. Uma nova conquista que será a base

para a realidade de quem opera em contextos territoriais

dos próximos futuros. O FAD e o roBOt querem se tornar

diferentes, mas que trabalha para realizar os mesmos

referência nacional e internacional para a música eletrônica

objetivos. Confrontar-se significa, sobretudo, trocar ideias e

e para as artes digitais, e, por isso,outras colaborações se

opiniões sobre a própria atuação, inspirar-se com o trabalho

somarão nos anos a seguir.

do outro; em poucas palavras, melhorar-se. Sendo que a web oferece a incrível oportunidade de se Além disso, fazer um festival não significa apenas criar

multiplicar a atividade de networking, roBOt e FAD não

propostas, mas também imaginar um centro de divulgação

querem somente colaborar, mas se comprometem em

cultural, uma oportunidade para jovens artistas emergentes

fazer com que outros festivais se tornem novos nós da

difundirem as próprias ideias em novos contextos, assim

rede, pontos do que um dia poderá se tornar o novo mapa

como um ponto de referência no território para os amantes

global da arte digital e da cultura.

do gênero. A arte e a música não têm moradia, são universais; sendo assim, os eventos que fazem da pesquisa

FAD e roBOt ano zero é o começo de uma longa viagem

sobre arte e música suas razões de ser não podem deixar

que tornará a Itália e o Brasil um pouco mais próximos:

de fazer networking.

Bologna e Belo Horizonte ligadas por uma ponte virtual acessível a todos os interessados.

Para que a colaboração não se limite a um simples ato de visibilidade ou de troca de artistas, roBOt e FAD decidiram criar um workshop, uma atividade interativa caracterizada por um alto grau de operosidade: a melhor maneira para que as duas organizações e o público compartilhem sua bagagem de conhecimento. Este é o primeiro passo, a primeira atividade de um projeto concreto, o primeiro nó 12

13


O FESTIVAL DE ARTE DIGITAL em imagens FOTOS POR BRUNA FINELLI

14

Mikkael (roBot - Italia)

15


16

Nosaj Thing (av show - Eua / Jap達o)

Nosaj Thing (av show - Eua / Jap達o)

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Eraser (the war is war - Grécia)

Eraser (the war is war - Grécia)

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20

Eraser (the war is war - Gr茅cia)

Fad L aborat贸rio

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Fad L aborat贸rio

Fad Simposio - 2011

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Fad L aborat贸rio

Fad L aborat贸rio

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26

Grivo (Brasil)

Fad L aborat贸rio

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28

karina

Smigla (Alemanha)

29


ENSAIOS

30

[Q.N.S.N.S]2 (Brasil)

31


Magia além da ignorância: virtualizando a caixa-preta

A magia tem longa presença na história da humanidade,

consequente desencantamento do mundo, o que nos

“arte digital”. A relação entre mágica e arte é também

e fomos habituados a ver explicações mágicas como fruto

sobrou do universo da magia foi a mágica, em seu sentido

antiga, remontando aos exemplos mais arcaicos das

da ignorância: na incapacidade de explicar os fenômenos

atual de ilusionismo e entretenimento, que cultivamos como

pinturas parietais de cavernas pré-históricas. Há claras

da natureza, os homens primitivos recorriam a explicações

jogo inocente – como um truque que brinca com o universo

evidências de que estas eram ligadas a rituais, certamente

mágicas – o que chamamos explicações sobrenaturais –

das relações de causa e efeito.

de magia. De qualquer forma a arte, desde suas origens

para indicar seu caráter não científico. Em contraponto

mais remotas, tem como característica o processo de

à explicação mágica, sobrenatural, temos o universo da

Com o surgimento das tecnologias digitais, a conexão

invenção e criação que, de alguma maneira, mimetiza um

técnica, que lida de forma racional com os fenômenos

entre mágica e tecnologia passa a ser invocada com muita

processo criativo divino – neste sentido verdadeiramente

naturais. A mágica trabalharia com o encantamento baseado

frequência, devido ao fato de que a funcionalidade dos

mágico, capaz de criar um mundo a partir do nada.

no figurativismo, cujas relações de causa e efeito dos

aparatos digitais cada vez mais desafia a compreensão

processos se dão por correspondência da aparência.

do observador comum, tanto pela escala minúscula de

Sob essa ótica, a arte digital seria duplamente mágica:

ANA PAULA BALTAZAR e JOSÉ DOS SANTOS CABRAL FILHO

Já a técnica buscaria um desencantamento das aparências,

seus componentes quanto por sua capacidade de alterar

por ser arte e, portanto, invenção do inexistente, e por ter

vendo os processos de causa e efeito com fundamentos

a percepção espaço-temporal. Aceleração e compressão

como suporte uma técnica de aspectos mágicos (truque).

2010

mecânicos e matemáticos.

viraram jargões de otimização tecnológica, acenando com

No entanto, quando observamos a maioria dos exemplos

a possibilidade fictícia de apressar o tempo ou diminuir o

de artes digitais, elas estão menos ligadas à magia no

Mas essa oposição entre mágica e técnica é, na verdade,

espaço, como se detivéssemos poderes mágicos bem ao

sentido arcaico (a magia da experiência) e mais à mágica

mais complexa do que parece, e podemos dizer que ambas

estilo “Harry Potter”. E não é sem razão que essas tecnologias

como recreação, baseadas no ilusionismo decorrente da

têm objetivos similares: buscam entender as interconexões

são chamadas de “novas tecnologias”, já que desafiam todo o

ignorância do que é programado.

entre os fenômenos da natureza e também interferir no

conhecimento da já citada relação de causa e efeito à qual a

andamento habitual desses processos; buscam viabilizar

técnica tradicional até então nos havia habituado. Assim, nos

Mas sabemos que não há mágica no mundo do programa,

a existência humana em uma natureza sem significado

postamos diante destas novas tecnologias como o homem

apenas uma certa opacidade de seu funcionamento. A

e, de alguma forma, inóspita. A magia buscando mais

primitivo diante do mundo pré-científico: frente aos processos

ignorância do processo programático, “tecnológico”, pode

a significação da experiência; a técnica, a resolução de

que não compreendemos, recorremos à ideia de mágica.

parecer mágica no sentido do truque, mas a magia que nos

problemas pragmáticos (a funcionalidade da experiência).

32

interessa reside na fruição, na experiência do espectador.

Em suma, ambas são formas de lidar com nossa ignorância

Este cenário de novas e mágicas tecnologias vai impactar

Um exemplo interessante de como o truque é irrelevante

do mundo. Com o desenvolvimento tecnológico e o

também o campo da arte, com o surgimento da chamada

na elaboração artística são os quadros de Vermeer, que até 33


recentemente foram considerados como uma aplicação

Se quisermos desenvolver caixas-pretas verdadeiramente

fato de oferecer possibilidades técnicas para interação não

às do próprio usuário. A artista não disponibiliza um produto

das técnicas de perspectiva, o que seria bem típico de

interativas, que propiciem a magia da experiência (e não a

significa ser virtual. Por outro lado, os trabalhos de Lygia

pronto e acabado a ser usado, mas uma interface analógica

sua época. No entanto, Steadman demonstrou que o

magia pela ignorância dos processos), deveremos recorrer

Clark, por exemplo, oferecem interação analógica e podem

que induz e canaliza experiências únicas. Esse trabalho

processo adotado teria sido na verdade a câmera escura,

ao virtual que não é o meramente digital. No lugar do

ser considerados virtuais. Tanto interatividade digital quanto

só ganha existência efetiva temporariamente, quando

o que alguns críticos, indignados, veem como um truque.

“branqueamento” da caixa-preta (que torna a experiência

analógica podem ser classificadas segundo sua virtualidade,

da interação do usuário. No extremo oposto estaria a

Mas, na verdade, não faz diferença para a experiência

previsível e predeterminada, pois o truque é revelado ao

numa escala que varia de interatividade “não-interativa”

chamada realidade virtual de imersão, em que o espectador

artística o processo usado por Vermeer. O que interessa é a

espectador ou usuário, que perde, assim, o interesse na

a interatividade “interativa”. Nessa escala, uma caixa de

experimenta uma simulação, uma reprodução prescrita a

delicadeza das cenas criadas pelas mulheres retratadas em

interação), propomos a discussão de processos que não

música, por exemplo, estaria próxima da interatividade

priori, que é sempre digital, mas dificilmente virtual.

seus afazeres do cotidiano, ou seja, a magia da experiência

sejam caixas (nem pretas nem brancas), mas interfaces

“não-interativa”, pois a interação se dá com a interface e

e não a mágica do truque.

virtuais, eventos-latentes, com os quais as pessoas

não com o conteúdo. Acionamos a manivela (interface) e a

possam se engajar e dar continuidade nos designs.

música tocada (conteúdo) está totalmente predeterminada.

Uma forma de lidar com a ignorância dos processos sem

Essa seria a virtualização da caixa-preta, partindo da

Já o piano, por exemplo, encontra-se do outro lado

recorrer à ideia de mágica e sem recorrer ao processo de

abertura do design aos outros – um design responsável,

da escala, próximo da interatividade “interativa”, pois

desmistificação (retirada do mistério) da técnica surgiu mais

como trabalhado por Flusser.

interagimos com o conteúdo através da interface: a música

recentemente com a adoção do conceito de caixa-preta

não está pretederminada, é criada a partir da interação com

pela Cibernética. Esse conceito, desenvolvido por Ashby,

Para Flusser, todo objeto de design tem por intuito remover

as teclas. Certamente, uma interface nunca é neutra, já

propõe que tratemos metaforicamente como caixa-preta

um obstáculo (um problema), e, para isso, cria um novo

que seu grau de prescrição afeta a escala de interatividade,

os fenômenos dos quais desconhecemos o mecanismo de

obstáculo (objeto). A questão que se coloca é sobre como

como demonstram os exemplos acima.

funcionamento e que apenas sabemos o input e o output

ser o menos obstacularizante possível, abrindo o design

resultante. É importante salientar que a caixa-preta é um

para o Outro. Entendemos que o virtual ajuda a caminhar

O virtual, que preserva a mágica da experiência por engajar

constructo conceitual e não um objeto físico. A despeito

nessa direção.

o usuário na criação de situações, sempre opera com a

disso, muitos artistas tomam a ideia literalmente e acabam

34

possibilidade de interação não prescrita (interatividade

criando caixas físicas, que, ainda que apresentem algum

O virtual não é sinônimo de digital e o digital geralmente

“interativa”). A Máscara com Espelhos (1967) de Lygia

mecanismo de interação, seduzem o espectador pela

não é virtual. Digital é uma tecnologia distinta da analógica,

Clark, por exemplo, celebra essa interatividade colocando

ignorância dos mecanismos operativos e não pela magia

baseada em inputs de 0 e 1, que pode oferecer uma gama

pequenos espelhos manipuláveis em frente dos olhos do

da experiência.

quase infinita de combinações para interação. Contudo, o

usuário, fragmentando e sobrepondo imagens do entorno

Ambiente virtual de imersão produzido pelo LAGEAR usando a espacialização de imagens interativas por meio de gestos 35


O virtual caracteriza-se, assim, como um evento latente,

da artista, ou atributo prévio, não diz respeito à prescrição

Nota:

Heidegger, M. (1995). Being and time. Oxford: Blackwell.

ainda não manifesto, e embora seja atualizável pela

do evento, mas à abertura de novas possibilidades de

Estas discussões têm

Leakey, R. (1994). The origin of humankind. London: Wedienfeld &

interação das pessoas com uma interface, tal interação não

percepção de seus usuários, configurando-se assim como

informado as pesquisas

Nicolson.

é prescrita na interface. Recorrendo a Heidegger, podemos

um evento-latente (virtual e atualizável), e não como um

e trabalhos que temos

dizer que o virtual difere de uma pedra que está “presente

objeto meramente baseado na substância (potencial ou real).

elaborado no LAGEAR

Lévy, P. (1996). O que é o virtual? São Paulo: Ed. 34.

à mão”, e, embora tenha propriedades, não tem atributos;

(Laboratório Gráfico

Osthoff, S. (1997). “Lygia Clark and Hélio Oiticica: a legacy of

difere, ainda, de um martelo, que está “pronto à mão”, com

Assim, a consideração do evento em seu estado latente,

para Experimentação

interactivity and participation for a telematic future”. In: Leonardo:

propriedades e atributos previamente definidos. O virtual

ou seja, sem prescrever os atributos que resultarão da

Arquitetônica / UFMG):

journal for the international society for the arts, sciences and

extrapola essas categorias de Heidegger e aponta para o

interação das pessoas, é fundamental para a elaboração de

www.arq.ufmg.br/lagear

technology. Cambridge: MIT Press. Vol. 30, No. 4, August, pp.

que podemos chamar de “aberto à mão”, cujos atributos

interfaces virtuais. Isso, contudo, não tem sido o foco do

são temporariamente definidos pelos usuários durante a

desenvolvimento da arte digital em geral, que, apesar de

interação. Embora as propriedades de uma interface (sua

resultar em inúmeros produtos para interação do usuário,

Referências Bibliográficas:

substância potencial ou real, para usar os termos de Lévy)

acaba prescrevendo tal interação. Isso acontece tanto

Baltazar dos Santos, A. P. (2007). Towards a virtual architecture:

Steadman, P. (2002). Vermeer’s camera: uncovering the truth behind

sempre limitem suas possibilidades de atualização, para que

nos objetos e imagens digitais que respondem de forma

the mobility of essences and the ‘open in hand’ in the production-

the masterpieces. Oxford: Oxford University Press.

seja de fato virtual, esse limite deve ser o menor possível,

predeterminada à interação dos usuários, quanto nas artes

consumption of spaces, Proceedings of the International

Thomas, K. (1971). Religion and the decline of magic: studies in

dando prioridade ao evento, à experiência não prescrita na

generativas, em que o usuário desencadeia um processo

Conference Architecture and Phenomenology. Israel: Haifa.

popular beliefs in sixteenth and seventeenth century England.

elaboração da interface.

pré-programado, do qual não tem consciência nem controle,

279–89. <http://www.leonardo.info/isast/spec.projects/osthoff/ osthoff.html>.

London: Penguin.

gerando um produto que, ainda que dinâmico, não é virtual

Flusser, V. (1999). Design: obstacle for/to the removal of obstacles.

Todo design leva o evento em consideração, ainda que

por não propiciar uma experiência mágica, apenas o fascínio

in: Flusser, V. (Ed.), The shape of things: a philosophy of design.

na maioria das vezes busque apenas antecipar e cristalizar

devido à ignorância do processo. Em suma, uma das formas

London: Reaktion. pp. 58–61.

as possibilidades de uso ou fruição. Um objeto ou interface

de usufruir do que há de melhor da mágica, que é a magia da

virtual, ao contrário, considera o evento em seu estado

experiência, seria a virtualização da caixa-preta, ou seja, sua

Glanville, R. (s.d.), “Second order cybernetics”, <http://homepage.

latente e não prescritivo. A Máscara com Espelhos,

transformação em uma verdadeira interface aberta ao Outro.

mac.com/WebObjects/FileSharing.woa/wa/default?user=ranulph&te

por exemplo, não tem atributos prévios ao seu uso.

mplatefn=FileSharing1.html&xmlfn=TKDocument.1.xml&sitefn=Roo

Obviamente, a artista não criou uma interface neutra,

tSite.xml&aff=consumer&cty=US&lang=en>.

totalmente desprovida de intenção. Contudo, a intenção 36

37


Códigos digitais e algoritmos como instrumentos de designers e artistas ROMERO TORI

2010

Arte e Engenharia possuem origem comum, ainda que tenham se distanciado ao longo dos séculos. Felizmente, com a pervasividade da tecnologia computacional e das mídias digitais, uma vem sendo redescoberta pela outra e até trabalhando em cooperação na rede de competências demandada pela promissora área do design. De fato, “a convergência tecnológica tem provocado maior diálogo entre diferentes áreas do conhecimento” (Coelho, 2008). Conforme Costa (2010), “as dissoluções dos limites foram múltiplas, (...) mesmo nos campos mais ‘duros’ das ciências exatas, biológicas e tecnológicas”.

ALGORITMO E LÓGICA DE PROGRAMAÇÃO

de entrada e saída – através dos quais os programas se comunicam com o mundo exterior ao computador.

Algoritmo pode ser definido como “um conjunto de

Todo algoritmo se baseia em lógica de programação,

passos que definem a forma como uma tarefa é executada”

constituindo-se numa “codificação do raciocínio necessário

(Brookshear, 2000). Qualquer atividade que possa ser

à resolução do problema” (Brookshear, 2000). Para

planejada e que vise a atingir um objetivo bem definido

que o programa possa ser executado pelo computador,

exige, para ser realizada, uma sequência de passos – seja

precisa estar escrito em “linguagem de máquina”, uma

a fabricação de um automóvel ou uma viagem de férias.

sequência de bits (dígitos binários, 0 ou 1) que definem as

Mas, para ser considerada algoritmo, essa sequência

instruções que o hardware, a “máquina”, deve executar.

deve atender ainda aos seguintes requisitos: cada passo

Como essa linguagem, apesar de simples, gera sequências

deve definir de forma inequívoca a ação a ser executada;

extremamente longas e complexas de 0’s e 1’s, totalmente

para situações iniciais idênticas, uma ação deve produzir

inviáveis de manipulação pelos seres humanos, foram

sempre o mesmo resultado; e o processo deve chegar a

criadas linguagens de programação, como Java e C, que

um termo. A sequência de comandos “passo 1: se a porta

oferecem comandos de “alto nível” (a linguagem de

estiver aberta, feche-a; passo 2: se a porta estiver fechada,

máquina é conhecida como linguagem de “baixo nível”, por

abra-a; passo 3: retorne ao passo 1” atende a todos esses

estar muito próxima ao hardware). Os programas escritos

Os projetos de engenharia já não precisam ignorar a

requisitos, exceto ao de finitude, não sendo, portanto, um

em linguagem de programação – os chamados “programas

estética, o design não precisa se contrapor à arte, nem

exemplo de algoritmo. Já uma “receita de bolo”, se bem

fonte” – são convertidos para “programas executáveis”, em

tampouco artistas e designers devem fugir da tecnologia.

escrita, de forma a não dar margem a dúvidas, pode ser

linguagem de máquina, por outro programa (que pode ser

Focando neste segundo aspecto, este artigo discute a

classificada como algoritmo.

um compilador ou um interpretador). Essas linguagens são

importância da apropriação dos códigos digitais por parte

38

ou modificadas durante sua execução –, e a dispositivos

destinadas ao desenvolvimento de sistemas complexos,

de profissionais da criação, mostrando o potencial e a

Algoritmo é conceito fundamental em computação.

como os programas gráficos usados pelos designers, o

facilidade oferecidos pelas ferramentas de programação,

Programas são conjuntos de algoritmos associados a

browser de navegação na internet ou o próprio sistema

bem como alguns exemplos de resultados que podem ser

estruturas de dados (conjunto de informações estruturadas

operacional sobre o qual são executados. Por esse

obtidos por designers e artistas que as dominam.

e armazenadas na memória do computador) – geradas e/

motivo, tais linguagens são destinadas a profissionais da 39


computação. No entanto, a lógica de programação é um conceito bem mais simples, que não pode ser confundido

Fronteiras entre Arte, Design e Computação

com a complexidade dessas linguagens profissionais.

uso de diversas linguagens residentes na maioria das

que testem e demonstrem suas idéias. A partir da prova

ferramentas utilizadas por designers e artistas, e ignoradas

de conceito, o bastão deve ser passado aos profissionais

por muitos deles, como editores gráficos – sistemas CAD

O design é cada vez mais importante para a computação.

competentes para o desenvolvimento do sistema ou

e software de tratamento de imagem. Essas linguagens

Qualquer pessoa pode facilmente dominar os conceitos

Com a transformação da tecnologia em commodity, a

produto definitivo – sempre, claro, sob supervisão e

permitem, por exemplo, automatizar processos braçais

básicos de algoritmos e lógica de programação, sendo

qualidade do design de produto é um importante diferencial

acompanhamento do primeiro. Alguns artistas e designers

e repetitivos ou criar filtros de imagem sob medida para

que muitos os utilizam até de forma intuitiva na solução

para o hardware. Na área de software, o design de interface é

tentam ultrapassar essas fronteiras, buscando dominar

atender determinada necessidade. Algumas linguagens

de problemas em suas áreas de atuação. Os maiores

a chave para o sucesso ou para o fracasso de equipamentos

também o desenvolvimento do software e hardware. Em

são tão poderosas que permitem a criação de programas

obstáculos para que o computador possa ser utilizado por

e serviços. No sentido oposto, as ferramentas digitais, tais

alguns casos, essa abordagem pode dar certo, mas um

executáveis, ainda que com algumas limitações, tornando-

não especialistas de uma forma mais flexível são os códigos

como editores de imagem e modeladores 3D, já são parte

risco que esse profissional corre é o de ficar preso a uma

se ideais para prototipagem.

binários e as linguagens de alto nível. Com o crescimento

do cotidiano de designers e artistas. Mas essa cooperação

determinada tecnologia, em cujo domínio investiu tempo

da interdisciplinaridade (Gontijo, 2008) aumentou a

pode – e deve – ser incrementada. Para que ela ocorra de

e recursos, ou não dar conta de se tornar especialista em

demanda por facilitar o uso de recursos de programação

forma adequada, é importante que os profissionais consigam

cada nova tecnologia que surge. A liberdade de poder

por profissionais de outras áreas – como designers de

compreender os fundamentos, necessidades e potencial

descartar uma solução em prol de outra mais vantajosa

games, por exemplo. Para atendê-los, foram criadas as

das disciplinas fora de sua competência, de forma a viabilizar

é crucial para a qualidade do projeto. Por isso, é mais

A linguagem Processing3 reúne todo o poder da linguagem

chamadas “linguagens de script”, como LUA1 e Python2.

diálogo e colaboração.

importante que se conheçam os potenciais e limitações do

Java, com a facilidade de aprendizado e programação

maior número possível de tecnologias do que dominar, em

das linguagens de script – ainda que não seja uma delas,

nível profissional, apenas algumas delas.

e, sim, uma completa linguagem de programação de

Essas linguagens são limitadas e menos eficientes que as

40

coordenar o desenvolvimento de protótipos ou simulações

A Linguagem Processing

utilizadas por engenheiros e cientistas da computação para

Igualmente importante é que cada um conheça os limites

o desenvolvimento de sistemas e aplicativos, mas abrem

de sua atuação. No caso dos designers e artistas em

grandes perspectivas e possibilidades de uso para todas as

relação a engenheiros e cientistas da computação, essa

Conhecer uma linguagem de script é um grande passo para

que algumas “burocracias” e complexidades da Java

demais áreas, em especial artes e design.

fronteira reside na “prova de conceito”. O profissional da

o designer ou artista automatizar algumas etapas de seu

são pré-programadas e ficam ocultas ao usuário até que

criação deve conhecer a fundo seu público-alvo, suas

processo criativo e desenvolver provas de conceito. Essas

este desenvolva competência para administrá-las. Dessa

necessidades e os objetivos a atingir com seu projeto. Deve

linguagens são fáceis de aprender e usar, sendo que muitas

forma, o programador consegue ter resultados imediatos

conhecer, ou pesquisar quando necessário, as possíveis

delas seguem sintaxe similar à da popular Java Script, que

com algumas linhas de código, sem aquele susto que

soluções tecnológicas e, eventualmente contando com

não deve ser confundida com a quase homônima Java.

aflige os programadores iniciantes de Java que, somente

o apoio de profissionais especializados, desenvolver ou

Após dominar uma delas, fica fácil compreender e fazer

após atravessarem muitas barreiras e se confrontarem

alto nível. Sua grande amigabilidade reside no fato de

41


REFR.ACTION.

com muito código, conseguem colocar na tela um

sem perder o poder de uma verdadeira linguagem de

Trabalho de Conclusão, de autoria de Luciano

prosaico e sem graça “Hello world”. A amigabilidade

programação profissional. Rapidamente, Processing passou

de Castro Ferrarezi e Fellipe Matheus Vergani

prossegue com um help bem feito e uma enorme lista de

a ser usada por artistas, designers e profissionais de criação

Rodrigues, alunos do Curso de Bacharelado em

programas-exemplo, que a um simples clique têm seus

em geral. Acompanhando o sucesso dessa linguagem de

Design – Habilitação Interface Digital, do Centro

códigos incluídos no editor de programa e podem ser

código aberto, inúmeros acessórios e extensões foram

Universitário Senac, sob a orientação do Prof Dr

imediatamente executados e/ou modificados e explorados,

sendo criados, em sua maioria disponíveis no próprio

Fernando Fiogliano. Junho de 2010

facilitando o processo de “aprender fazendo”. Outro

site oficial. Há extensões para visão computacional,

ponto forte do Processing é a facilidade que o mesmo

realidade aumentada e kits de hardware que possibilitam a

oferece para geração de saídas gráficas, em duas ou três

montagem de instalações artísticas interativas, robôs, etc.

dimensões. Além disso, por trabalhar com a linguagem Java, os códigos desenvolvidos em Processing podem facilmente migrar para Java e vice-versa. Quem aprende

Exemplos Práticos

essa linguagem também não tem muita dificuldade em passar a programar em Java, C ou linguagens de script,

O livro “Processing: Creative Coding and Computational

tornando-a uma excelente opção para ser a primeira

Art” (Greenberg, 2007) oferece mais de 800 páginas de

linguagem a ser ensinada em cursos de lógica de

ótimos exemplos do uso de linguagem computacional na

programação para designers.

área artística. No site oficial da Processing4 há galerias, links e rico material para consulta e download. Na página

42

A linguagem Processing foi criada em 2001 por Ben Fry

do Interlab5, disponibilizamos trabalhos desenvolvidos

e Casey Reas, quando então eram alunos de graduação

por nossos alunos dos cursos de Design (FAU/USP) e

no MIT, sob orientação do prof. John Maeda, criador da

Engenharia de Computação (POLI/USP), alguns deles

linguagem Design by Numbers, inspiradora e ponto de

envolvendo alunos dos dois cursos. Há desde um jogo de

partida dessa nova linguagem (Greenberg, 2007). O prof.

corrida – que pode ter como cenário qualquer cidade do

John Maeda é engenheiro e designer, o que facilitou na

planeta, executado sobre imagens e dados capturados

criação de um produto complexo por dentro e simples por

diretamente do servidor do Google Maps – a colagens

fora, e que atendesse as demandas de designers e artistas

de imagens geradas de acordo com os assuntos mais 43


comentados no Twitter. Em meu blog6, costumo publicar

mais recentemente, com a poderosa linguagem visual e

e discutir interessantes iniciativas envolvendo design,

orientada a objetos Processing, ficou ainda mais fácil para o

arte e tecnologia, como no post de 19 de junho de 2010,

artista ou designer ter mais autonomia no desenvolvimento

COSTA, C. Z. (2010). Além das Formas: Introdução ao Pensamento

“TCC: A Interface entre o Aprendiz e o Profissional”, em

de programas. E o sucesso dessa linguagem só faz

Contemporâneo no Design, nas Artes e na Arquitetura. São Paulo:

que é apresentado o excelente trabalho de conclusão de

aumentar a oferta de acessórios e recursos que a tornam

Annablume. 232p.

curso, REFR.ACTION, desenvolvido por Luciano de Castro

ainda mais fácil e interessante. Com a liberdade de criação,

Ferrarezi e Fellipe Matheus Vergani Rodrigues, alunos do

experimentação e protipagem de software e hardware

GONTIJO, L. A. (2008). Complexidade e Design: a Interdisciplinari-

Curso de Bacharelado em Design - habilitação Interface

– aliada à facilidade de aprendizado que oferece –, a

dade no Projeto de Interfaces. In: DE MORAES, D; KRUCKEN, L.

Digital, do Centro Universitário Senac, sob orientação do

linguagem Processing está contribuindo de forma decisiva

Cadernos de Estudos Avançados em Design. Caderno 2, vol. 1. Belo

prof. Dr. Fernando Fiogliano. Nessa instalação artística,

para que códigos digitais e algoritmos sejam incorporados

Horizonte: Santa Clara: Centro de Estudos Teoria, Cultura e Pesquisa

o público interage com uma interface de raios laser.

aos instrumentos de trabalho de designers e artistas.

em Design / UEMG.

Janeiro: Editora PUC Rio/ Editora Novas Idéias. 280p.

Conforme os raios são interrompidos, sons e imagens são gerados, transmutando dança em música. Esse projeto

Notas:

GREENBERG, I. (2007). Processing: Creative Coding and Computa-

foi desenvolvido em linguagem Processing, utilizando kits

1) http://www.lua.org/

tional Art. Berkely: Apress. 841p.

Arduino para rastreamento e controle.

2) http://www.python.org/

7

3) www.processing.org 4) www.processing.org

Conclusão

5) www.interlab.pcs.poli.usp.br 6) romerotori.blogspot.com

Dominar códigos, algoritmos e linguagens de programação

7) www.arduino.cc/

passou a ser um importante diferencial para profissionais de criação. Os conceitos e técnicas envolvidos, pelo menos

44

em nível suficiente para a criação de protótipos e provas

Referências Bibliográficas:

de conceito, são muito mais simples do que imaginam

BROOKSHEAR, J. G. (2000). Ciência da Computação: Uma Visão

aqueles que tratam a tecnologia como algo distante e

Abrangente. Porto Alegre: Bookman. 502p.

complexo. Com o surgimento de linguagens de script e,

COELHO, L. A. L. (org.) (2008). Conceitos-chave em Design. Rio de 45


Permeabilidades Entre o Homem e a Máquina Digital SANDRO CANAVEZZI

2010

O advento e a disseminação de meios digitais

(ou como camadas sucessivas de caixas-pretas), de modo a

constitui, como se forma, como se inventa. Para que

(computadores, aparelhos de comunicação digital, redes

entendê-la como um caso particular: uma caixa-preta “digital”.

possamos acompanhar a construção desse entendimento,

digitais, etc.) vem influenciado de maneira crescente e

Para tanto, faremos um recuo teórico para definir o “lugar”

um mapeamento inicial nos mostra que muitas vezes

determinante os diversos níveis de nossas vidas. Dentro

do meio digital, quando este deixa de ser contraponto ou

são gerados antagonismos entre o homem e o meio

desse quadro, o que nos interessa problematizar neste

extensão do humano ao alcançar a condição de constituinte

digital, ou, de modo contrário, apresenta-se a ênfase nas

artigo é o aspecto da criação: qual a abertura para criação

do humano. Esse reposicionamento do lugar do meio

semelhanças entre os dois. Ambos indicariam um processo

que esses meios proporcionam?

digital muda a perspectiva sobre as questões que tratam de

de hibridização evolutiva ou “involutiva”. No primeiro caso,

determinismo e/ou condicionamento de um meio, ao afastar

o homem se mistura com meio digital e se desenvolve,

As novas possibilidades apresentadas por plataformas/

da discussão polarizações quanto a uma maquinização do

evolui. No segundo, o seu contrário: involui na direção

softwares de programação, como por exemplo Max5, Pd,

homem ou humanização da máquina. Pretende-se, assim,

da máquina digital. Como desdobramento da primeira

Processing, OpenFrameworks, VVVV, Isadora e Audiomulch,

focar no que está entre e mostrar que esse entre faz parte do

situação, o antagonismo enfatizaria a contraposição de

entre outras, tornam, cada uma à sua maneira, cada vez

tecido daquilo que constitui tanto o homem como a máquina.

essências e naturezas diversas: o homem se desumaniza

mais tênue a separação entre um operador de software e

ao se relacionar com meio digital, ao se contaminar com

um programador. Nesse contexto, criar com o meio digital

Como recurso metodológico, utilizaremos analogias em que

processos maquinais que este meio possui em seu

passou de uma situação em que o operador recombina

se estabelecem níveis de permeabilidade entre homem e

âmago, isto é, mecanismos de controle, reguladores e

possibilidades disponibilizadas por um software para uma

máquina (no caso, entendida como uma caixa-preta): da

normatizantes. Assim, o homem se mecanizaria nessa

situação em que o operador passa a programar novas

impermeabilidade total (superfície reflexiva) à permeabilidade,

relação. Como consequência do segundo caso, o meio

possibilidades. Apresentaremos aqui uma abordagem que

atravessando a membrana, misturando corpo e mecanismos.

digital é modelado para se parecer com o humano. É a

visa a apontar questões e implicações que permeiam essa

Entre eles está o nível “transparência”: o homem vê através

busca pelo espelho. E é, também, a busca pela substituição

passagem de operador para programador1, questionando,

da superfície da caixa-preta.

do original pelo espelho: o espelho ocuparia o lugar do

inclusive, a pertinência dessa diferenciação. Tais questões,

humano, substituindo-o naquilo que antes só o humano

em última instância, dizem respeito a fundamentos da

poderia fazer.

relação entre homem e técnica.

O Lugar da Técnica

Inicialmente, vamos avançar na formulação dessa

Para entender se um meio digital determina ou condiciona

amplificando-se via meio digital em um nível sem

problemática definindo o meio digital como uma caixa-preta

a criação, é necessário compreender como ele se

precedentes (pelo menos como se costuma apregoar

No caso da hibridização evolutiva, o homem se transforma,

46

47


Caixa-preta

um processo exclusivamente atual (provocado pelo meio

a hibridização seria uma composição do primeiro com

digital), com o fortalecimento da conexão entre homem e

o segundo caso: o meio digital é o “outro”, mas torná-lo

máquina digital. Defendemos a ideia da hibridização como

O conceito “caixa-preta” inicia-se com a cibernética, quando

caixa-preta pode ser exclusivamente digital) podem ser

semelhante, melhorando sua conexão com o humano,

parte fundamental da gênese do humano: o homem se

descreve sistemas com os quais nos relacionamos via

fechadas ou abertas. São fechadas quando possuem a rigidez

provocaria uma amplificação deste último. No entanto, ao

faz pela técnica. Assim, desloca-se dos polos – ou seja,

entrada (input) e saída (output) de informação. O interior

citada acima, e são abertas quando podemos alterar os

mesmo tempo, o homem estaria se maquinizando, pois não

da preocupação em definir se o homem se aproxima da

dessa caixa-preta só é acessível dessa maneira, isto é,

elementos da combinatória, substituindo-os ou acrescendo

poderia escapar de processos maquinais ao se contaminar

máquina ou se máquina se aproxima do homem – para a

indiretamente. Modela-se, do exterior, o que poderia estar

novos elementos e, em última instância, alterando inclusive

com eles. Essa abordagem indica uma via de mão dupla:

atenção quanto à relação entre homem e máquina. Assim,

acontecendo internamente para explicar (e até mesmo

a lógica dessa recombinação, embora sempre respeitando

relacionarse com o meio digital é tornar a máquina digital

revisamos o conceito de híbrido: híbrido não mais apenas

antecipar) os outputs observados e que foram gerados a

a consistência desse sistema (consistência relativa aos

semelhante ao homem e, ao mesmo tempo, tornar o

como amplificação de uma capacidade (e a instantânea

partir de inputs anteriores e de processos internos ativados

processos maquinais fundamentais como, por exemplo, a

homem semelhante ao meio digital. A conexão homem-

amputação de outras, como defenderia McLuhan2 em

por esse input.

lógica booleana, em um nível mais abstrato, e relações entre

máquina via meios digitais, através de tecnologias como

seu conceito de “meio”), mas como a própria gênese

inteligência-artificial, realidades virtuais ou acoplamentos

dessa capacidade, como visto em Simondon3 e Stiegler4.

Flusser, no livro “Filosofia da Caixa-Preta”, mostra que toda

miniaturizados entre carne e matéria inorgânica organizada é

Simondon e Stiegler compõem um quadro teórico e

caixa-preta teria internamente sistemas ou mecanismos que

Em todos esses casos, cabem algumas questões quanto ao

a busca pela construção da semelhança: humano e máquina

categorias que localizam o lugar da técnica na gênese

podem se recombinar para gerar outputs. Em alguns casos

poder de criação do usuário frente a essas caixas-pretas: se

convergem para poderem se comunicar. Nesse cenário,

do humano. O processo de invenção de técnicas seria

(principalmente nas caixas-pretas analógicas como máquina

os processos implicam sistemas combinatórios, o processo

modela-se (entende-se) o homem a partir de modelos

uma via de mão dupla: o homem também se re-inventa

fotográfica, televisão, rádio, etc.) essas recombinações

de criação seria apenas um processo de seleção entre

matemáticos que se comunicam com outros modelos

(e não apenas se amplifica ou se estende) ao inventar

estão todas previamente estabelecidas, cabendo ao usuário

possibilidades dadas? E quando acrescentamos elementos

matemáticos cristalizados em sistemas cibernéticos.

uma técnica ou objeto técnico. Muda-se a perspectiva de

o esgotamento dessas combinações através de inputs.

na combinatória, não deveríamos sempre respeitar a lógica,

aquelas que possuem camadas digitais, pois nenhuma

hardware e software coordenados pelo sistema operacional).

a consistência do sistema onde eles se inserem? Existiria

humanização da máquina ou maquinização do humano para Entender a ideia de hibridização ou a ideia de humano

processos complementares de gêneses sincronizadas:

Cabe ressaltar aqui que os mecanismos internos podem

então, de antemão, uma predeterminação em relação a

amplificado significa entender as possibilidades de se

gênese do homem e gênese do objeto técnico estariam

ser fechados ou abertos. Quando fechados, o número de

esses novos elementos? Qual o poder do homem nesse

criar com o meio digital. Mas essa hibridização não se

imbricadamente correlacionados. O conceito de transdução

componentes dos mecanismos é estável, não se altera.

processo? Poderíamos pensar em um determinismo do

inicia com a relação do homem com meios digitais. Ela é

(em Simondon e adotado por Stiegler) enfatiza essa relação

E eles se recombinam a partir de condicionantes, isto é,

meio técnico, isto é, o que pode ser feito já está contido,

anterior: origina-se da relação do homem com a técnica.

como processo fundamental e estruturante.

possuem uma lógica rígida de como se recombinar. De uma

pré-determinado no meio técnico? O que seria criar,

maneira geral, as caixas-pretas analógicas possuem essa

então? Selecionar entre as possibilidades e recombiná-las

Nessa direção, entendemos que a hibridização não seria 48

natureza. Já as caixas-pretas digitais (mais precisamente

entre os entusiastas das “novas mídias”). Nesse sentido,

49


continuamente? Se a criação é apenas de ordem seletiva, o

A tradução “em números” (em última instância “zeros” e

que impediria a criação de algo que criasse em nosso lugar,

“uns”) não é gratuita, pois sempre se perde informação ao

isto é, uma máquina5 que recombinasse as possibilidades

se digitalizar algo analógico, uma vez que o mundo físico é

até chegar a escolhas mais “apropriadas”?

convertido em números a partir de taxas de amostragem: recortes no tempo e no espaço que convertem o infinito entre dois pontos em quantias mensuráveis. Intensidades

Combinatória e digitalização

que variam continuamente são fragmentadas em degraus abruptos. A quantidade de recortes que se promove no objeto

Independentemente da velocidade de processamento de

analógico é o que chamamos de resolução de um sistema.

um sistema digital, ou se o sistema é binário ou quântico, ou do nível de complexidade dos cálculos e algoritmos,

A determinação de quais sequências de zeros e uns são

sempre haverá a relação de um sistema discreto com

utilizadas para representar algo não obedece qualquer

um contínuo/físico (analógico). E essa relação sempre

relação causal ou indicial com o que representa: é

se dará tendo como base a combinatória. Assim posto,

puramente simbólica, por contiguidade – enfim, é arbitrária

da digitalização interessa o que poderíamos chamar de

e, portanto, não há nada que podemos identificar em uma

“dimensão arbitrária” e as formas da sua “aparição”, isto é, o

sequência binária que nos mostre que ela representa uma

mecanismo que efetiva a conversão de entidades analógicas

cor ou um som. Uma mesma sequência numérica pode

(físicas) em entidades digitais (numéricas/binárias/elétricas)

ser tratada como som ou como imagem pelo sistema. E

e vice-versa: a combinatória.

aí reside algo sem precedentes na geração de entidades analógicas: podemos facilmente “ler” uma sequência binária

Em um primeiro momento, esclareceremos como a

que foi gerada a partir da conversão de um fragmento

combinatória é utilizada como artifício tradutor, atentando

sonoro como sendo uma imagem, traduzindo essa

para sua ambivalência: ela é redutora e, ao mesmo tempo,

sequência em variações de cores em uma superfície (o

segundo a hipótese aqui lançada, um motor hibridizante

contrário também é válido: imagem lida como som).

que, em último caso, poderia ser considerado aliado de um processo criativo. 50

Instalação I/VOID/O, presentada no Emoção Art.ficial 4 - Itaú Cultural 51


Organizar essas combinações e recombinações, alterando-

o interator, ao se confrontar com a instalação-experimento,

(originalmente opaca, na qual interagimos apenas com seus

em conjunto com o filósofo e programador Friedrich

as de modo que possam organizar novas cadeias

passa a recriá-la e, segundo a hipótese aqui trabalhada, ele

inputs e outputs) é querer torná-la transparente para observar

Kittler7–, não devíamos tomar o côncavo pelo convexo, isto

combinatórias (a partir de novos inputs e outputs que

próprio se re-inventa. Utilizando-se de algoritmos de visão

seus mecanismos e ter maior consciência deles? Torná-la

é, um sistema de ray-tracing que funciona perfeitamente

retroalimentariam o sistema) seria o que podemos chamar

computacional, visão estéreo, reconhecimento de padrões

espelho para poder ver-nos refletido nela? Ou, superando as

para espelhos convexos não seria capaz de esgotar um

de programação. Essa programação, portanto, só pode

e sistemas de manipulação de vídeo e áudio em tempo real,

duas anteriores, seria a tentativa de “entrar” nela?

fenômeno que não se fecha, que é infinito, formado por dois

ser realizada se houver a possibilidade de alterar a maneira

o experimento convida os visitantes da instalação a recriar

como elementos da caixa-preta se recombinam. Isso seria

constantemente um olhar em relação a um espaço só

Essas hipóteses/analogias submetem-se à intenção de se

equivalente a dizer que deveríamos poder enxergar dentro

acessível indiretamente.

entender o papel do homem em processos criativos: criar

Partiu-se, então, para um objeto físico: uma esfera de acrílico

seria tornar transparente a caixa para melhor operá-la, operá-

espelhada tanto por dentro como por fora. Nesse momento,

da caixa-preta, examinando seus mecanismos para poder alterá-los. Essa transparência é um das analogias que

Essa recriação nunca é a mesma. Essa heterogeneidade é

la mais conscientemente? É torná-la espelho pra operar com

surge a vontade de transparência: seria possível tornar essa

pretendemos utilizar nesse texto e faz parte, como veremos

alcançada partindo da idéia de emergência, onde padrões

mais facilidade? Ou é entrar nela e descobrir que ela seria

esfera transparente de modo que pudéssemos observar

a seguir, de um conjunto de regimes de permeabilidade.

imprevisíveis emergem a partir de um sistema com

uma esfera espelhada internamente, onde a dinâmica dos

seu interior sem ter que entrar nela? Isso seria possível

estados entrópicos em constante variação (provocada pela

nossos reflexos se altera na medida em que inventamos o

se criássemos um contraste entre uma maior iluminação

interferência do interator). Esse espaço isolado é uma esfera

nosso corpo/interface que a observa?

interna e uma menor iluminação externa, combinado com

I-VOID-O e a Caixa-preta

de 50 cm de diâmetro (cuja superfície interna e externa é

a aplicação de um filme especial na superfície da esfera.

espelhada) onde são introduzidas diversas câmeras. Essas

Em um primeiro momento, quando a esfera se apresentava

Mas isso acarretou a seguinte questão: precisaríamos de

Entendida não como uma obra artística e sim como um

câmeras elegem pontos de vistas diferenciados desse

ainda como possibilidade, isto é, quando ainda não existia

um corpo que emitisse luz dentro da esfera. Nesse ponto,

experimento cognitivo metalinguístico disponibilizado

espaço. Para alcançar esses pontos, o interator tem de

como um objeto físico, houve a tentativa de modelá-la no

ficou claro que qualquer movimento na direção de revelar

na forma de uma instalação interativa, I-VOID-O transita

“aprender” a interagir com a interface, sensibilizar-se com

computador, utilizando sistemas de ray-tracing para simular

os fenômenos internos da esfera levaria a uma interferência

por questões relativas ao que poderia ser chamado de

suas sutilezas e, assim, conseguir provocar mudanças de

o comportamento da luz dentro da esfera. Essas simulações

no objeto observado. Ver através, tornar transparente,

paradoxos da observação. Esse conceito aponta para

estado no sistema. Nesse processo, o interator entra em

encontraram o seguinte problema: quantos reflexos seriam

implicaria a transformação dos mecanismos internos dessa

interpretações encontradas na Mecânica Quântica e

contato com universos em que noções e percepções das

necessários para se chegar próximo aos infinitos reflexos

caixa-preta. Ainda assim, não conseguiríamos responder a

Endofísica em relação ao fenômeno da observação. Para

dimensões espaço e tempo se desconstroem.

gerados em uma situação real? Será que essa limitação no

questão inicial: o que veríamos a partir do centro da esfera.

essas interpretações, observar é interferir profundamente

52

espelhos côncavos unidos (a própria esfera).

número de reflexos causaria algum impacto no fenômeno

no objeto observado. Nessa direção, em I-VOID-O6, a

Serão lançadas as “vontades/buscas” de/pela transparência,

final, ou seja, na observação a partir do centro da esfera?

Não havia outra saída: tínhamos de entrar na esfera, pensar

observação é entendida como processo de criação. Assim,

reflexão e entrada: relacionar-se com a caixa-preta

Como constatado – inclusive por experimentos realizados

meios de atravessar o espelho e passar a “existir” dentro 53


da esfera. Por fim, utilizamos uma câmera que, acoplada

(matemático-digital) e real. Daí a antagonização homem x

modelamos os mecanismos a partir do que se conhece, do

pré-determinadas. Ela se apresentaria como parte de uma

a uma haste, tornava possível navegarmos nessa esfera.

máquina como reação.

que se vê no espelho. Vemos, assim, que essas hipóteses,

composição em que os pólos são indissociáveis.

essas analogias, convergem para o que havíamos chamado

A invenção e a criação se situariam entre esses pólos.

Resultados inesperados foram alcançados, o que chamamos de paradoxos espaciais, tornando muito difícil uma

4 – Torná-la permeável: tornar-se transparente é tornar

de entrada na esfera – com uma diferença: entrar na esfera

Novamente vemos aqui a ênfase no que está entre, no que

orientação nesse espaço8.

a superfície permeável à luz. Mas o que seria tornar a

é, alem de observar e redesenhar os mecanismos, a

se configura como relação: criar é agenciar continuamente

superfície permeável ao meu corpo (e não apenas aos olhos),

remodelação daquele que observa. Essa remodelação, por

o imponderável e o potencial, e estar dentro e fora

isto é, entrar na esfera e observar tudo a partir de dentro?

sua vez, nunca termina, pois guarda sempre aberta a porta

da esfera espelhada simultaneamente. É observar se

Entrar na esfera: o corpo faz parte da interface, pois deve ser

da indeterminação.

observando. O infinitamente pequeno tangenciando o

A partir dessa trajetória, estabelecemos os seguintes níveis de permeabilidade:

recriado internamente (entrar indiretamente, criando olhos,

infinitamente grande, ao deslizar continuamente por

ouvidos, luz e som dentro da esfera). Ele “entra” e se dilui.

Chegamos aqui a um conceito fundamental: a

uma fita de moebius. E, nesse deslizar, sempre nos

Ver-se, observando; ver-se parte do sistema. “Observar é

indeterminação como complemento das possibilidades

depararemos com caixas-pretas. Tentaremos torná-las

criar o que se observa e quem observa”.

pré-determinadas internas ao sistema digital. O universo

transparentes e descobriremos que sempre existirá

externa um espelho: ver-me na esfera (aquilo é conhecido);

digital pertence à categoria do possível, àquilo que

uma caixa-preta dentro de uma caixa-preta. E acima dela

tornar o lado externo um espelho e achar que o espelho

Pierre Levy e Deleuze chamam de “potencial”9. Esse

também. A arbitrariedade que elege os padrões dos

potencial está pré-determinado em latência, só lhe falta

mecanismos, tanto no hardware como no software, é

a existência. Já a relação do potencial com o virtual

muitas vezes inacessível. Essas supercaixas-pretas e

1 – Tomar o convexo pelo côncavo, tornando a superfície

de dentro é idêntico ao espelho de fora – a busca pela semelhança: projetar internamente o que se vê fora.

Hipóteses generalizadas (em relação a caixas-pretas)

Modelar o conhecido. Simulação.

(um campo de tendências e não um número discreto e

suas cadeias de programação10 vão além de vontades e

Os níveis citados acima poderiam ser generalizados para

finito de possibilidades, como é o caso do potencial) é

interesses individuais e artísticos. Tais vontades obedecem

2 – Tornar transparente/permeável à luz: ver de fora

os casos da interação entre homem e meio digital? O

uma relação de indeterminação. Todo mecanismo que

a interesses econômicos e corporativos que modelam

os mecanismos e a lógica interna. Questão: tornar

exercício a seguir, que propõe essa generalização, analisa

possua uma dimensão analógica é, pois, dessa natureza.

essa caixa-preta de maneira a não ser possível torná-la

transparente implicaria uma transformação dos

provisoriamente essa possibilidade.

Essa indeterminação é tudo aquilo que não pode ser

transparente, e, menos ainda, entrar nela. Partindo dessa

mecanismos/fenômenos internos. A transparência

Podemos facilmente inferir que tornar a esfera transparente

mensurável, ponderável. É o acidental, o incompleto,

inferência final, perguntamos: é possível programar sem

remodela os mecanismos.

acaba sendo uma modalidade de “entrada” na esfera, pois

enfim, o motor que gera paradoxos e ambiguidades.

estar sendo programado?

sempre teríamos de acessar os mecanismos para alterá-

54

3 – Tornar transparente até ver o humano ou a natureza

los. Alterar esses mecanismos também está relacionado

Cabe ressaltar que até agora evitamos colocar a

por trás da caixa é acreditar na sincronia entre modelo

ao espelhamento externo da caixa-preta, isto é, sempre

indeterminação como contraponto das possibilidades 55


Notas:

detalhes técnicos, vídeos,

LÉVY, P. (1992). O que é Virtual. São Paulo: Editora 34.

1) Nos referimos aqui às

consulte:

_____(1996). As Tecnologias da inteligência. O futuro do pensamento

diferenças como open source

http://i-void-o.blogspot.com/

na era da informática. São Paulo: Editora 34.

x software proprietário,

7) Por ocasião de suas aulas

_____(1999). Cibercultura. São Paulo: Editora 34.

programação em linha de

no Seminar for MediaStudies,

código x data-flow, etc.

na Humboldt-Universität em

McLUHAN, M. (1964). Understanding Media: The extensions of

2) McLUHAN , Marshall (1964).

Berlim, em 2001.

man; New York. Ed. MacGraw-Hil,.

Understanding Media: The

8) Para mais informações ver:

extensions of man. New York:

http://i-void-o.blogspot.com/

SIMONDON, G. (1989). Du monde d’existence des objets

Ed. MacGraw-Hill.

9) DELEUZE , Gilles. Diferença

techniques. France: Aubier Philosophie.

3) Em: SIMONDON, Gilbert

e Repetição. 2a edição, Rio de

(1989). Du monde d’existence

Janeiro: Graal, 2006. E LÉVY,

STIEGLER, B. (1998). Technics and Time, 1. The Fault of Epimetheus.

des objets techniques. France:

Pierre. O que É Virtual. São

Stanford: Stanford University Press.

Aubier Philosophie.

Paulo: Editora 34,1992.

4) Em: STIEGLER, Bernard.

10) Flusser, Vilém. O universo

Technics and Time, 1. The

das imagens técnicas. São

Fault of Epimetheus: Stanford

Paulo: Ed. Anna Blume, 2008.

University Press. 5) Ver obra “Pelas Fendas”, que trata ironicamente da

Referências Bibliográficas:

tomada de controle de uma

FLUSSER, V. (2008). O universo das imagens técnicas. São Paulo:

apresentação de live images por

Ed. Anna Blume.

uma “consciência” maquinal. Em: http://pelas-fendas.

(2009). Filosofia da Caixa-preta. Rio de Janeiro: Editora Sinergia -

blogspot.com/

Relume Dumará.

6) Para mais informações, 56

57


Ensaio para Todos e para Ninguém1 DANIELA KUTSCHAT

2010

Há décadas, cientistas lançaram ao espaço um disco

sobreposto a elas; há uma infinidade de outras hipóteses,

em circuitos, ou até de recortes mais ou menos científicos

interestelar que contém registros e memórias de nossa

e em meio a todas, será que, de fato, nos encontramos

ou históricos. Entretanto, eu não gostaria de perseverar

civilização. Buscavam estabelecer um elo de comunicação

imersos em uma aparente imobilidade perpetrada pelo

nesta idéia e defendê-la contra todas as possíveis objeções

com civilizações futuras e projetar uma memória do planeta,

“eternamente agora” sem memória, sem interrogação, sem

(para toda tese há sempre diversas contra-teses, e também

da ciência, de sons, imagens, pensamentos, conhecimentos

exclamação, sem pulso?

neste caso haveria muitas objeções possíveis a esta minha

e sentimentos humanos.

assertiva); apenas optei por sublinhar este aspecto. Por onde andam as forças e fenômenos capazes de alterar

A ideia de que homens e objetos são “mágicos”, dotados

a percepção e, quiçá, a realidade? Estarão relegadas ao

Tenho claro que o palimpsesto que conforma a memória

de forças capazes de alterar o mundo, é muito antiga. Em

campo das crenças, das sensações vagas, do não científico,

dinâmica e atualizável de minhas experiências – e elas

certas culturas ancestrais, ela era ligada ao sagrado, a

do obscuro? Por onde circulam os expedicionários que,

mesmas – compõem um espectro referencial que reverbera

rituais religiosos e à arte. Desde os primórdios do ocidente,

abertos ao inesperado, constroem elos e conexões entre

na produção: em projetos e na experimentação de materiais,

especula-se sobre o diferencial da arte, e cabe lembrar que

imanências, sinais e signos e esmaecem fronteiras entre

linguagens e suportes, mídias e tecnologias; no interesse

hipóteses e estudos advêm de recortes e visões de campos

ciência e poesia? Onde se ouve a voz de quem fala em

pelo pensamento e pelos processos empreendidos por

variados de conhecimento. Vistos isoladamente, cada

primeira pessoa, de um ponto de vista próprio, pessoal e

outros artistas; e na busca de reter e não dissipar esses

um reflete mentalidades e modelos de realidade de uma

intransferível, e que propõe? Quem, hoje, é movido pela

pensamentos ligados aos fazeres.

determinada cultura e de uma determinada época.

convicção de que a arte amplia e transforma percepção, cognição e a própria realidade? Quem acha que a arte é ação

Por essa razão, vale pontuar que esses anos entre estudo,

Virtualmente projetados como constructos variáveis

que traz à luz e evidencia sentidos, significados (ou a perda

produção e pesquisa têm se forjado como uma expedição

em uma paisagem remodelável a cada toque, esses

dos mesmos), e, eventualmente, os afetos?

sui generis: um navegar pelos possíveis e imagináveis do

discursos compõem um universo pulsante de narrativas

58

passado e do presente, e um projetar potenciais futuros.

potencialmente combináveis, recombináveis e

Talvez seja este o único demarcador que ainda resta entre

Nasci em São Paulo e cresci, como múltiplos outros, entre

articuláveis em uma ecologia dinâmica e fluida. Diante

a arte e outros campos que convergem e cooperam. Talvez

frestas, cheiros e culturas do ouvir, ver, ler, tocar e degustar.

de tantas possibilidades, hoje tendemos a esquecer

a magia potencial da arte seja a de colocar em evidência,

Na mesma cidade estudei artes, em um ambiente no qual

as relações ancestrais e arcaicas da arte com a magia

destacar algo que estava implícito e, mais radicalmente,

os artistas/professores questionavam conceitualmente

– ou não conseguimos estabelecê-las. Hipótese para

gerar realidades. Esse modo de operar parece estar no cerne

o status quo – também através do uso de materiais,

esse esquecimento é que outros discursos tenham se

do fazer artístico e independer de ideologias, da inserção

tecnologias e linguagens midiáticas. Inúmeras iniciativas 59


estavam ocorrendo em todo o Brasil naquele período e

los como causalidade e etiologia – o que, a meu ver,

mais importante em se tratando

relação com a imagem. Uma

acerca de processos e

gostaria de incluir não estão

pouco se sabia sobre elas. Mas, ao longo das últimas

caracteriza um certo posicionamento discursivo. Penso que

de audiovisual, o importante

das novas mágicas é a mistura

procedimentos de 12 artistas:

presentes neste material, que

décadas, elas foram resgatadas. De lá para cá, muita coisa

tais discursos de artistas são representativos de amplas

é manter a magia. Ao longo

entre aquilo que é a base

Carlos Fadon Vicente, Carmela

é um piloto de um projeto mais

mudou; uma produção focada na tecnologia que durante

questões que prevalecem neste momento e que contribuem

da história da representação

material da imagem e o visível.

Gross, Eduardo Duwe, Lali

amplo do registro de discursos

décadas se mantivera à margem de um certo circuito das

para uma memória historiográfica do atual contexto2.

visual a magia se desloca,

Em outras palavras, o trabalho

Krotoszynski, Lucas Bambozzi,

não inseridos em um contexto institucional.

artes começou a ser reconhecida. Uma série de eventos

podendo significar inclusive o

mostra a origem matemática

Luiz Duva, Mario Ramiro, Otavio

e festivais dedicados às mídias eletrônicas e digitais que,

Atualmente, acaso, instabilidade, imprevisibilidade e

oposto de seu antecessor. No

da imagem digital. Seu ponto

Donasci, Rachel Rosalen,

em grande parte, se mantêm até hoje, surgiu a partir da

emergência não só fazem parte do vocabulário corrente,

renascimento, era na criação de

de partida é o processo de

Raquel Kogan, Rejane Cantoni

demanda por subsídio à produção artística e da busca de

como também podem ser agentes constituintes de obras

um similar ao real que residia

formação da imagem. E o ponto

e Wilson Sukorski. O recorte

parcerias e patrocínios que apoiassem a produção cultural.

concebidas como sistemas. Ainda hoje, o foco de muitos

o interesse, quanto maior a

de chegada, qual será? Isso

é o de escutar e registrar o

Paralelamente, galerias, museus e institutos culturais

artistas é abrir as comportas, subverter, inverter e iludir

semelhança da pintura ou da

depende dos dispositivos e da

discurso de outros artistas

promovem mostras, em circuito nacional e internacional.

percepção e cognição e, eventualmente, gerar mundos e

escultura com o modelo, melhor

proposta do realizador. Neste

que falam dos processos de

Nesse sentido, houve uma expansão para além das

realidades. O fluxo do eterno presente parece subtrair a

seria o artista e a obra. Três

pequeno simpósio propomos

trabalho, de suas motivações,

fronteiras do local ou regional, além do deslocamento

transitoriedade e a morte; mas, de tempos em tempos,

séculos depois, a fotografia e o

a reunião de pensadores do

das dificuldades e desafios da

de uma certa ação à margem. Enquanto isso, novas

faz-se presente um beber nas raízes arcaicas do ser,

cinema obtêm pela ótica e pela

campo da matemática, do

criação. Em congruência com

manifestações emergem.

um retornar ao concreto e orgânico, ancorado em uma

química uma imagem especular;

campo das artes e de artistas.

o recorte geral que norteou a

sensorialidade irredutível.

o interesse do criador se

Vamos discutir e apresentar

feitura, a escolha dos artistas

desloca; o bom artista pode

experiências que têm como

é pessoal, recai sobre artistas

Há muito se ouve que os tradicionais recortes entre áreas de

60

conhecimento estão se desfazendo. Cada vez mais artistas

Notas:

fazer rabiscos, pode não

uma de suas mágicas revelar

que, de algum modo, participam

tendem a incluir, em sua formação e discurso, a metodologia

1) Elaborei esse texto a partir

representar como se buscasse

sua raiz, seu processo de

do cenário paulistano; alguns

de pesquisa científica, os conteúdos das ciências, bem

de um estímulo colocado por

o duplo do mundo. A mágica

constituição.”

estão inseridos no contexto da

como estudos de teoria e história da arte. Também eu

Patricia Moran em “exposição

ganha outros lugares; ela pode

não estou fora desta tendência de nosso tempo; contudo,

das fraturas: códigos, pontos

ser conceito, ela pode encarnar

2) Essa ideia me levou

fazem parte de circuitos da

penso que, mesmo no século XXI, ainda prevalece a ênfase

e interrogações”, de 2010:

um objeto velho e lhe conferir

ao Pensarte, 2007-2010 –

dança, da música, do cinema,

e a motivação muito específica do artista em discriminar

“Mostrar ou esconder como se

vida nova. As novas tecnologias

documentário que reúne

da arte eletrônica e da arte-

e mostrar processos, mas não necessariamente explicá-

faz a mágica nem sempre é o

abrem as portas para outra

entrevistas e reflexões

tecnologia. Muitos outros que

pesquisa acadêmica, outros

61


Uma reflexão lateral: da arte contemporânea para o digital

A questão geral que procuro esboçar neste artigo é como

Arte – dificuldade que se origina do fato de termos

Entre aqueles que refletem sobre o campo específico da

caracterizar/demarcar o campo estrito da Arte Digital;

consciência, na atualidade, de que qualquer campo da Arte

Arte Contemporânea, parece um consenso que o mesmo

pergunto, mais especificamente, de que maneira se

contemporânea contém a potencialidade de ser trabalhado

processo ocorre no caso de vários outros campos da Arte

estabelecem, no presente, as fronteiras do território

como aquilo que a teórica Rosalind Krauss nomeou

e de outras atividades culturais: determinados campos

da Arte Digital e como se dá o seu regime de trocas

Campo Expandido, ou Campo Ampliado (KRAUSS,

específicos se desdobram em diversos novos campos

com outros meios artísticos. Proponho uma abordagem

1984, p. 93). Em Artes Plásticas, o conceito de Campo

através de operações entre termos de outros territórios

inicial dessas questões, sobretudo a partir do ponto de

Expandido ficou definido, segundo Krauss, como uma

vizinhos: Arte x Teatro, Arte x Dança x Arquitetura, Design

vista do meu principal campo de atuação até 2007 – as

operação entre Termos Culturais (ou seja, de dois ou mais

x Arte, Teatro x Dança x Circo, Arte x Moda e assim por

Artes Plásticas, suas tradições e seus paradigmas na

campos de atividade cultural e suas respectivas estruturas

diante. Por isso, quando abordamos um meio surgido

contemporaneidade – bem como valendo-me de seus

axiomáticas); ao jogar com aquelas características

justamente nas proximidades dos anos 1960, período em

procedimentos e processos.

essenciais de cada um dos Termos Culturais, criam-

que se manifesta essa marcada tendência à Expansão

se, segundo Krauss, novos Termos, novos campos de

de Campo, torna-se difícil diferenciar aquilo que seria

Quando me debruço sobre o que é Arte Digital, a questão

atuação com propriedades bastante diferentes do que

específico do meio em que surge e quais seriam suas

colocada mostra, para mim, um perfil parecido com um mito

uma mera recombinação superficial de características dos

formas expandidas, uma vez que os novos meios já

interativo da Antiguidade clássica, aquela Hidra de Lerna

Termos culturais originais, a partir dos quais se realizou a

emergem expandidos de nascença.

que, a cada tentativa de lhe cortarem a cabeça, gerava, para

mencionada operação – Krauss utilizou o termo Campo

o confundido oponente, duas novas faces ameaçadoras.

Expandido para tratar inicialmente do problema específico

Tomemos como contra-exemplo o meio da Pintura. Por

Caracterizar e demarcar o campo estrito da Arte Digital,

da Land Art americana e outras formas de Arte dos anos

diversos séculos, a Pintura foi explorada de maneira estrita.

descrever as trocas que se estabelecem em suas interfaces

1960/70 que, embora utilizassem meios tridimensionais,

Sabíamos muito bem o que era e o que não era Pintura

com outras atividades artísticas é uma questão que se

dificilmente poderiam ser caracterizadas como Escultura

até o final do século XVIII. No passado, fazer linhas muito

desdobra, de maneira imediata, em várias outras – que

como se concebia a Escultura na tradição Modernista. Para

marcadas numa Pintura, por exemplo, era considerado

aumentam o grau de complexidade por diversas razões. Os

a teórica americana, estas obras se estruturavam a partir

inadequado pelos pintores mais acadêmicos, com o

motivos principais de dificuldade são dois, a meu ver.

de uma operação entre aquilo que se compreendia por

argumento de que linhas explícitas não eram algo próprio

SONIA LABOURIAU

2010

62

Escultura, por Arquitetura e por Paisagem. Dessa operação

da Pintura, mas do campo da Gráfica (Desenho, Gravura).

Em primeiro lugar, por uma dificuldade geral de se

teriam surgido, segundo a autora, novas formas, que hoje

Já na Arte Contemporânea, a cena se torna um pouco

demarcar qualquer campo de atividade no âmbito da

chamaríamos de Instalação ou Intervenção site-specific.

mais complexa: uma paisagem pintada com tinta aplicada 63


sobre o tampo de um banquinho de madeira, por exemplo,

permanecem como referencial que facilita a compreensão

a segunda cabeça de nossa Hidra, agora específica do

O problema de demarcação de fronteiras, expansão de

pregado sobre uma tela pintada em que prossegue a

e o mapeamento da produção atual.

ambiente digital: os sistemas computacionais operam, entre

campo e definição de campo específico se apresenta

outras funções, como simuladores de meios analógicos

sempre que nos debruçamos sobre qualquer meio do

representação da mesma paisagem – que continua, por sua vez, sobre a moldura, sobre as paredes e o teto, se

No caso específico da Arte Digital, desde a criação do

anteriores, tanto na forma das interfaces (simulação

campo da Cultura e da Arte. A respeito dos processos de

propaga pela roupa de alguém que atua naquele lugar;

recurso tecnológico do computador, o campo se confunde,

digital da máquina de escrever, do microfone, da câmera

Simulação anteriores, poderiam se aplicar os conceitos

podemos, então, indagar onde termina a Pintura e começa

como tantos outros, com campos limítrofes – uma vez que,

fotográfica ou de cinema em película), quanto nas formas de

relacionados à noção de Midiamorfose que Fidler (1997)

a Instalação, a Performance, o Design de Interiores ou a

desde o início, a Arte Digital já se deu através de forma

entrada (cartão perfurado do tear a vapor, sinais elétricos de

criou para pensar as transformações dos meios de

Publicidade, o Design de Moda? E se, ao invés de tudo

que alguns descreveriam como de Hibridação, dificultando

áudio e vídeo) e saída: (projeção da luz sobre uma tela como

Comunicação até o mundo digital. Também, como as

ser recoberto de tinta, utilizarmos projetores multimídia

dizer o que é (e o que não é) Arte Digital. Tomemos como

no cinema, impressão de imagens em papel fotográfico,

atividades de fronteira, nos interstícios, tornaram-se

para sobrepor a estas mesmas superfícies a imagem

exemplo o Vídeo. O meio surgiu com a especificidade do

vídeo, reprodução fonográfica, reprodução gráfica, etc.).

efervescentes nas últimas décadas, acredito que seja

dessa paisagem, ou empregarmos, alternativamente, uma

tubo de raios catódicos e, em seguida, a fita magnética de

impressão em silkscreen?

videotape. Mas agora, algumas câmeras de Vídeo utilizam

Não é fácil um ramo de atividade humana que não envolva,

núcleo(s) duro(s) do campo daquilo que chamamos de

discos digitais, dispensando o meio magnético. Além do

de alguma maneira, sistemas digitais e/ou computadores –

Arte Digital, desde que esta tentativa não seja utilizada

Uma corrente da crítica americana tentou barrar a

mais, mesmo que gravados inicialmente em fita magnética,

no campo da Arte ou fora dela. As atividades que se utilizam

para excluir, banir ou determinar a qualidade de uma obra,

tendência à expansão do campo da Pintura, preconizando

os Vídeos são, quase sempre, editados, já há algum tempo,

dos recursos digitais, tais como a Música, a Fotografia,

mas sim para que possamos dispor de referenciais ao

que os pintores se concentrassem naquilo que se

em ilhas não lineares digitais. Mas será que podemos dizer

a Poesia, a Gráfica, consistem em Arte Digital no campo

falar/pensar sobre o assunto e ao atuar neste campo e

constituiria na característica essencial da Pintura, ou seja, o

que todo Vídeo editado em uma ilha digital ou projetado

estrito do termo? E será que isso importa, esta questão é

em seus arredores. Haveria um centro ou diversos pontos

abstracionismo informal predominante na cena americana

com um projetor digital consiste em Arte Digital no sentido

relevante ou seria uma falsa questão? Interessa saber se

de irradiação nuclear em torno dos quais se organizaria o

do pós-guerra, nos anos 1950. Essa corrente crítica,

estrito do termo? Ou uma obra de Vídeo deveria, para ser

algo é ou não é Arte Digital? Há quem defenda que Arte

campo da Arte Digital? Nesse caso, quais seriam eles?

liderada por Clement Greenberg, foi atropelada pelos

considerada Digital, incluir características típicas do âmbito

Digital, no sentido estrito do termo, seria aquela que é

rumos tomados pela Arte que exerceu as possibilidades

dos recursos computacionais tais como mashing, sampling,

realizada com a própria programação, uma interferência

Penso que um dos núcleos do Digital se situa no princípio

de exploração do campo expandido de forma intensa,

a inclusão de “ruídos” derivados destes e outros recursos

ou operação do Artista diretamente onde se estrutura a

da Porta Lógica, ou seja, da decisão do tipo “0” ou “1”,

demolindo qualquer dique teórico sem piedade. Contudo,

ligados a operações computacionais?

linguagem da máquina e/ou na própria máquina, como as

modus operandi intrínseco de sistemas computacionais a

experimentações em Programação, Robótica e Sistemas

partir da Análise Simbólica criada por Claude Elwood

que se entendia tradicionalmente por Pintura, mesmo

Assim, para tornar as coisas um pouco mais complexas,

Generativos de Live Image, ou Web Art, e outros recursos

Shannon (1938).

que não se apliquem mais à produção contemporânea,

surge então, além do problema do Campo Expandido,

da World Wide Web, por exemplo.

aqueles critérios anteriores oriundos da concepção do

64

conveniente tentar compreender o que seria(m) o(s)

65


Portas lógicas são dispositivos que operam um ou mais

FIDLER, R. F. (1996). Understanding New Media. Pine Forge: Thou-

sinais lógicos de entrada para produzir uma e somente

sand Oaks, 1997.

uma saída, dependente da função implementada no circuito eletrônico: as duas possibilidades de ausência ou

LÉVY, Pierre. O que é o virtual? Trad. Paulo Neves. São Paulo: 34.

presença de sinal elétrico, representadas respectivamente

STILES, K.; SELTZ, P. (1996). Theories and Documents of Contem-

pelo código binário “0” e “1”. Uma Porta Lógica pode

porary Art; A Sourcebook of Artist’s Writings. Berkley: University of

receber uma entrada e uma saída que podem ser tanto

California Press.

outra Porta Lógica quanto uma Operação Analógica – como, por exemplo, ligar ou desligar um potenciômetro

<http://www.laboratoriomovel.com/index_p.htm>. Acesso em 08 de

que vá variar a tensão de “0” até “X”.

agosto de 2010.

Minha conjetura é que seria interessante conduzir

WIGGINS, G.; McLEAN, A. Bricolage Programming in the Creative Arts.

experimentos práticos que problematizem esta situação, utilizando conceitos fundadores dos sistemas computacionais e que coloquem em questão as estruturas axiomáticas da Arte Digital, de maneira a tatear os fundamentos da mesma. Proponho que poderíamos ter uma vivência e um ponto de vista rico, ao levantar questões do tipo: “Para haver um sistema Digital, seria preciso estar sempre envolvido um computador ou um circuito eletrônico, ou mesmo eletricidade?”

Referências Bibliográficas: ARCHER, M. (2001). Arte contemporânea. Uma história concisa. Trad. Alexandre Krug; Valter Lellis Siqueira. São Paulo: Martins Fontes. 66

67


Notas Diversas: O Tempo Presente e o Local EDUARDO DE JESUS1

2010

Atualmente, além dos riscos das reflexões feitas no

carregando e redirecionando para o contexto atual questões

Relacionamo-nos mais diretamente no local resignificando,

dinamismo do tempo presente, outro desafio em torno

como a relação entre arte e vida (agora no domínio da

rearranjando e negociando os sentidos do global, abrindo

da produção artística de nossa época é conseguir dar

biopolítica e não mais como nas vanguardas), as tensões

novas possibilidades. Nessa situação, o local não é nem

densidade e fluidez para o conhecimento produzido, sem,

no espaço institucional (galeria, museu, centro cultural) e o

fechado – ligado exclusivamente à tradição – nem um

com isso, estabelecer promessas, fazer apostas ou inventar

confronto com o público e o lugar, entre outras.

espaço onde, sozinho, impera o inimigo, sem resistência

novos e descartáveis conceitos – frágeis o suficiente para durar até a próxima supermegaexposição.

ou rearranjo. Trata-se de assumir a relação entre local e A segunda formulação se coloca no encalço da primeira.

global como campo de tensão no qual atuam diversas forças

Toda essa herança está pronta para ser posta em jogo

que territorializam, desterritorializam e reterritorializam

O desafio talvez seja buscar formas de produzir o

no campo da reflexão, como diálogos, apropriações e

a experiência. Esses novos equipamentos coletivos de

conhecimento em torno da arte, situando-o na velocidade

desdobramentos – que precisam ser potentes o suficiente –

subjetivação ainda não nos conduziram à era de uma

de uma época marcada pelo chamado capitalismo cognitivo,

para abrir novas possibilidades de análise em profundidade,

singularidade pós-midiática, como queria Guattari, mas,

uma importante linha de força tanto na constituição

mas nas tramas de relações espaço-temporais de outro tipo,

de toda forma, já reconfiguraram a vida social.

das próprias formas de produção quanto nos modos

ligadas a uma espécie de fugacidade do agora e minadas

de refletir sobre elas. Levando isso em conta, como

por um complexo sistema transnacional de comunicação.

perguntam Backstein, Birnbaum e Wallenstein (2008), qual

68

Somente é possível pensar a produção artística local levando em conta esses desafios e a complexidade das

a possibilidade da arte, como instrumento de reflexão e

Além disso, outro desafio é como podemos pensar

relações entre vida social e arte. É dentro desse contexto

produtora de um certo tipo de conhecimento, engajar-se em

criticamente a produção local, especialmente tendo

e assumindo tais desafios que irei comentar algumas

nossa condição presente2?

em vista as relações entre global e local. Atualmente,

produções artísticas desenvolvidas em Belo Horizonte,

experimentamos uma densidade no local, construída

ligadas ao campo da imagem em movimento, e que utilizam

Talvez seja impossível uma resposta a questionamentos

principalmente pelas relações sociais desenvolvidas,

as diversas tecnologias disponíveis.

dessa natureza; no entanto, podemos tirar daí duas

além dos contatos face a face, nos sistemas mediados

importantes formulações: primeiramente, não é possível

de comunicação pessoal ou coletivo (e mais, todas as

articular qualquer resposta sem um conhecimento do que

possíveis associações e combinações entre ambos). Esse

houve antes, do passado. Antiguidade-modernidade.

sistema de informação que experimentamos e fomentamos

O conhecimento de nossa antiguidade pode nos conduzir

nos traz novos processos de subjetivação, outras formas

Entre os projetos artísticos desenvolvidos em Belo

até a modernidade. Passamos à contemporaneidade

de lidar com a tradição, com o real e o entorno imediato.

Horizonte nos últimos anos, gostaria de destacar três que

No espaço da cidade

69


estabelecem vinculações intensas com o espaço físico e a

as vidas que o habitam, revelando, como um raio x, um

comunidades e oferecendo formas de produção audiovisual

Esses projetos se estruturam em torno das complexidades

própria cidade.

jogo de interações cotidianas que nos convocam a pensar

e visibilidade, o projeto se desdobrou em diversas atividades

do espaço urbano, e cada um, dentro de suas aproximações

as relações entre esses espaços e as imagens. A cidade

que aproximavam fortemente o entorno, as formas de uso

com a cidade, promove seu alargamento, da mesma

O projeto “Muros e Fundos” desenvolvido em 2009 por

torna-se tela de projeção, e o lugar uma potência para que

das tecnologias e as plataformas de comunicação.

forma como amplia as possibilidades de gerar experiências

AruanML, Elisa Marques e Nian Pissolati, com diversos

as subjetividades se reconectem com outras formas do

convidados e colaboradores, traz as imagens em movimento

imaginário e dos afetos da cidade. O projeto possibilita,

Outro projeto que toma a cidade como espaço de

para a cidade de uma forma despretenciosa e muito

de fato, traçar heterotopias imagéticas que podem

reconfiguração, em outra vertente, é o “Reações Visuais”

entranhada nas dinâmicas do espaço público. O grupo

reconfigurar a experiência do espaço urbano.

de Leandro Araújo e Daniel Nunes5. Trata-se de uma

3

estéticas fora dos espaços mais sinalizados e direcionados

desenvolveu um website com uma “interface-mapa”, que

plataforma de trabalho que processa os sons da cidade,

cartografa de forma peculiar os trajetos na cidade, permitindo

fazendo deles inputs para a geração de imagens. Assim, o

ver as diversas intervenções realizadas. O esquema é

Projeto Muros e Fundos

low-tech. Um carrinho de feira, desses de metal, com uma

Tecnoantropofagia

som de determinadas partes da cidade, como a Praça Sete

A subversão das tecnologias sem dúvida é uma das

ou a rua Guaicurus, é convertido em imagens abstratas,

potentes linhas de força que, ao longo do tempo, vêm

bateria de carro, um projetor de vídeo e um DVD player. Tudo

Este projeto, de custo e formas de produção pouco

baseadas no próprio som. Nas apresentações, a dupla6

configurando a exploração artística dos dispositivos

bem rústico e simples. O carrinho foi deslocado por muitos

ambiciosos, opera longe do circuito mais tradicional da arte,

manipula os sons coletados, relacionando-os com as

e sistemas tecnológicos. A ideia é assumir restos

pontos da cidade, mas nada de lugares especiais com muita

e quase se confunde com a própria paisagem da cidade,

imagens geradas. Um site7, assim como o “Muros e

tecnológicos, seus refugos e tudo aquilo que a

visibilidade ou que chamem muito a atenção; em foco está

expandindo, sutilmente, a experiência estética para alcançar

Fundos”, demarca uma cartografia, criando uma espécie de

obsolescência programada produz, para desenvolver

o “lugar-qualquer”, o lugar ainda com suas significações

a atenção distraída dos passantes.

paisagem sonora desses lugares.

trabalhos artísticos. O gesto inicial veio, entre outros, de Nam June Paik, que, nos anos 60, reconfigurou dispositivos

restritas aos que usam e habitam seu entorno. Nesses Essa reconfiguração do espaço parece ser também a tônica

Em um dos desdobramentos do projeto, as imagens de

tecnológicos alterando suas funções originais para trazê-

de outra plataforma de trabalho que incluía ações educativas,

cada um dos lugares passa a ocupar o local destinado

los ao universo da arte. Nessa perspectiva, gostaria de

Não se trata de imagens como as que vemos frequentemente

mobilização social e experiências audiovisuais com uso de

a cartazes publicitários, nos pontos de ônibus da região

comentar os trabalhos de Fernando Rabelo, que desenvolve

no circuito midiático; elas são domésticas e pouco produzidas

tecnologias de comunicação. O projeto “Ocupar Espaços”4,

central de Belo Horizonte. Tudo é devolvido ao passante

obras interativas, frequentemente usando refugos e

do ponto de vista formal. Trata-se de um gesto que pode

da ONG Oficina de Imagens, produziu, entre fevereiro

que, perplexo, pode perceber as camadas de informação

sucatas eletrônicas em seus projetos.

devolver às imagens esse caráter de proximidade entre

e setembro de 2006, uma série de ações e formas de

que recobrem o espaço urbano. Com isso, a cidade se

quem as vê e o lugar onde são vistas. Esse movimento

conexão entre comunidades de Belo Horizonte. Produzindo

desdobra em imagens e sons, ampliando nossas

Gostaria de destacar seu projeto “Contato-qwerty” (2005).

faz com que o espaço urbano e público se dobre sobre

vídeos, fazendo transmissões que conectavam ao vivo as

formas de cartografá-la e percebê-la.

Trata-se de uma instalação interativa na qual os visitantes

lugares, as imagens são projetadas.

70

para abrigar a arte.

71


podem acionar pequenas sequências de vídeo ao entrar

O trabalho de Rabelo frequentemente dialoga com

experimental e ainda pouco sistematizada. Faltam programas

colaborativa, aberta e com resultados que são dificeis de

em contato com esponjas de metal, dessas usadas

a história da arte-mídia, com seus pioneiros, e, ao

e espaços que estejam abertos a esse tipo de produção,

mensurar num primeiro momento.

popularmente nas pias das cozinhas e também em antenas

mesmo tempo, traz o princípio da subversão dos

assim como espaços expositivos que possam dar novas

Os resultados não se traduzem apenas em um produto

internas para melhorar a transmissão de sinal da televisão. Os

dispositivos tecnológicos daquele contexto para o cenário

possibilidades de enfrentamento entre as obras e o público.

final, mas sim em toda a rede de aproximações

cabos suspensos na sala, com as esponjas na ponta, estão

contemporâneo. Isso fica bastante nítido em outros

ligados à estrutura de um teclado desmontado. O visitante,

projetos, como NamJuneCena (“cena”, aqui, vem do

Projetos como o Plug Minas, ligado ao Governo do Estado,

ao pegar duas esponjas, fecha com seu corpo o canal de

espanhol: jantar) desenvolvido no workshop “Interactivos”

oferecem cursos de jogos digitais para alunos entre 15 e

Nesse sentido, outro interessante projeto que iniciou suas

conexão entre as “esponjas-teclas” e aciona as sequências

do Medialab Madrid. A mesa, como de jantar, composta

24 anos que estejam matriculados em escolas públicas de

atividades recentemente na cidade é o JACA – Jardim

de vídeo. As imagens trazem pequenas ações do cotidiano,

de telas (monitores) com imagens em RGB – como as

Belo Horizonte e Sabará. Em parceria com o Plug Minas

Canadá – Centro de Arte e Tecnologia9, uma residência

dessas que realizamos de forma quase mecânica (conectar

desenvolvidas por Paik e Shuya Abe no “Paik-Abe video

está o projeto Oi Kabum!, uma escola de arte e tecnologia

artística que vai fomentar o desenvolvimento e a troca de

e desconectar cabos, ligar e desligar o fogão, carimbar,

synthesizer”, um dos primeiros processadores eletrônicos

que já funciona em Recife, Rio e Salvador, e que começa

experiências entre artistas locais e estrangeiros que atuam

buzinar, etc.) diariamente. O som marcado das imagens pode

de imagem – mostra pratos cheios de sucata eletrônica e

a dar os primeiros passos em Belo Horizonte. Essas ações

em diversas áreas e mídias.

propor um jogo entre os participantes. Os visitantes podem,

objetos tecnológicos aos visitantes que se aproximam.

podem reverberar e difundir a cultura contemporânea que

possibilitada pelo projeto.

inevitavelmente passa pelas mediações tecnológicas.

com isso, de alguma forma, reeditar coletivamente os

pioneiro na cidade que relaciona tecnologia, arte e

“balés mecânicos” do nosso cotidiano sempre habitado por inúmeros dispositivos das mais diversas ordens.

Contato-qwerty (2005) de Fernando Rabelo

72

Nessa perspectiva, é impossível não lembrar do projeto

Modos de produção

Uma ação importante no sentido do fomento a produção

arquitetura. Trata-se do Lagear – Laboratório Gráfico para

é o Marginália+Lab8 que, através das leis de incentivo e

Experimentação Arquitetônica10, dentro do Departamento

São diversos os modos de produção dessas obras, assim

parcerias, conseguiu criar um laboratório para a geração de

de Projetos da Escola de Arquitetura da UFMG. O Lagear

como as fontes de recursos e patrocínios que as tornam

diversos trabalhos.

desenvolve pesquisas, propõe atividades, forma pessoas e

possíveis. Todas louváveis, já que muitas vezes a produção

dá apoio ao desenvolvimento da disciplina Atelier Integrado,

mais recente vinda dos artistas em início de carreira ou

A dinâmica é simples, tímida e desenvolvida com

de onde saem despretensiosos projetos interativos que

Nesse trabalho, ironicamente Rabelo insere na tecnologia

aqueles projetos que se colocam nas fronteiras entre as

poucos recursos: são cerca de dez projetos que foram

funcionam como um ponto de partida para inserir os

interativa e digital os dispositivos mecânicos, tanto nas

áreas são pouco privilegiados. No caso do desenvolvimento

desenvolvidos em equipe, quase uma espécie de residência

estudantes no universo da tecnologia.

imagens quanto na forma como os acionamos, fechando o

e exibição de obras com uso de tecnologia, essa situação

artística local. De tempos em tempos os projetos eram

circuito com o nosso corpo. Aberto-fechado, 0 e 1, traço aqui

se agrava pelo despreparo dos espaços e instituições e

mostrados para especialistas que comentavam, analisavam

Toda essa movimentação, apesar de ainda pequena,

que sugere a união dos universos digitais e mecânicos.

pela ausência de apoio direto à produção artística mais

e enriqueciam a pesquisa dos artistas. Tudo de forma

conecta-se com aqueles movimentos ocorridos em décadas 73


anteriores, como por exemplo toda a dinâmica em torno da

plataforma aberta, outros

produção de vídeo nos anos 80 e 90 com o Minasfest e o

colaboradores e músicos

ForumBHZvideo, que deram impulso à trajetória de vários

podem ocasionalmente integrar

artistas locais. Tudo isso serviu para ampliar e renovar as

o projeto.

bases de desenvolvimento da produção artística na cidade.

7) www.lar.li/reacoesvisuais/

Certamente, quanto mais estivermos ligados às tramas

8) www.marginaliaproject.com/lab/

da contemporaneidade – com os desafios complexos que

9) www.jacaarte.org4

temos pela frente –, mais a arte pode se tornar um campo

10) www.arquitetura.ufmg.br/

fértil para provocar reflexões e para fazer fluir novas situações

lagear/

de encontro e enfrentamento entre as subjetividades. Notas:

Reações Visuais - Frame da reação visual à paisagem Referências Bibliográficas:

1) Professor da Faculdade de

BACKSTEIN, J.; BIRNBAUM, D.; WALLENSTEIN (Sven-Olov.2008).

Comunicação e Artes da PUC/MG.

Thinking worlds: an introduction. In: Thinking worlds – the Moscow

2) Tradução livre de: What would

conference on philosophy, politics and art. Berlim: Steiberg Press.

sonorada Praça 7, no hipercentro de Belo Horizonte

be the possibility for the arts, as instruments of reflection and producers of a certain type of knowledge, to engage in our present condition? 3) www.murosefundos.com 4) www.ocupar.org.br/portal 5) A dupla se apresenta frequentemente com os nomes de seus projetos “Lise e L_ar”. 6) Como se trata de uma 74

Contato - qwerty (2005) de Fernando Rabelo 75


Entre Ruídos e Memórias, ou Primeiras Notas Para Uma História Audio Visual de BHz

76

Neste pequena genealogia traremos um testemunho da cena cultural engendrada no início dos anos 1980, quando mudanças técnicas nos meios de produção audiovisual promovem maior acesso às ferramentas de criação. Nesta década chegavam ao país os meios eletrônicos domésticos de produção de imagens. Em Belo Horizonte, jovens abraçavam estes recursos e inventavam uma cena que aos poucos repercutiu no Brasil e em festivais internacionais. Nomes foram projetados e uma tradição local inaugurada.

podemos pensar em um diferencial da produção em Belo

na prática o slogan do movimento punk: do it youself.

Horizonte, é a maneira doméstica e amadora de se trabalhar

Uma cronologia do vídeo independente em Minas

ecoando ainda hoje.

organizada pelo Instituto Imagem Movimento em 1995 recupera a gênese das primeiras produtoras de vídeo

Até meados dos anos 80, quando se inicia a produção do

interessadas em desenvolver projetos artísticos e de pontos

vídeo como arte, não havia na cidade qualquer tradição

de apoio aos realizadores. Em 1985 a Emvideo é criada por

audiovisual sólida. A constante diáspora dos mineiros em

Eder Santos e Marcus Vinicius Nascimento. Marcelo Braga,

direção ao Rio de Janeiro e São Paulo deixou um cenário

Bellini Andrade e Evandro Rogers se tornarão sócios nos

de raras e esporádicas produções cinematográficas sem

anos seguintes. Em 1986 surgem a Versão Brasileira (VB),

filiação com os jovens. A TV local tampouco configurava-se

formada inicialmente por Marcos Barros Faria, Emílio Belleti

como alternativa, na programação prevalecia o jornalismo. É

e Hugo Rodriguez, e a Trincheira Vídeo com Jean Armand,

da falta de tradições e de referências, de políticas públicas,

Claudia Amaral, Beto Magalhães, Carlos Santiago e Letícia

de educação formal e de veículos de comunicação capazes

Coura. Por estas três empresas passaram na condição de

de gerar empregos ou difundir a produção, que o vídeo

funcionários, usuários e estagiários uma geração hoje em

Naquele momento o VHS (Video Home System) era a

se coloca enquanto campo privilegiado de criação, pois

atividade como realizadores e pesquisadores. A VT-3, do

forma de trabalho mais acessível. A imagem ruidosa

mais acessível e barato. A psicanálise pode entender o

cineasta Helvécio Ratton, de Carlos Alberto Ratton e Dileny

PATRICIA MORAN

e precária do VHS não fazia do mesmo substituto do

excesso de faltas institucionais, de escolas e de horizontes

Campos também é inaugurada em 1986, seus interesses

2010

cinema, pois demandava um investimento poético

demarcados como espaço potencial de liberdade e da

privilegiavam o consolidado cinema narrativo, a esporádica

diferenciado. Experimentava-se outra estética e poética

invenção de antecedentes. Os bares eram um lugar de arte.

produção autoral em vídeo veio a reboque dos jovens.

para o audiovisual, construída vídeo a vídeo, sem qualquer

Os jovens curiosos da poesia, artes plásticas, performance,

referência local. Como bem coloca Walter Sebastião, havia

música, fotografia e audiovisual se conheciam e descobriam

Em 1982 é inaugurado o Sistema Salesiano de Vídeo (SSV),

uma espécie de ato de fundação que inventava experiências

afinidades eletivas, apresentavam seus trabalhos em

referência sobre o universo quase inacessível do vídeo de

inaugurais. Diante da quantidade de problemas estéticos e

lançamentos ruidosos. A mistura de campos do fazer

uma polegada e U-Matic. Com a inauguração em 84 da

políticos engendrados em mais três décadas, priorizamos

artístico, o hibridismo tão decantado na arte contemporânea

TV Minas, o tabuleiro no qual se moveram os realizadores

neste ensaio o gesto dos realizadores de constituição

e na criação audiovisual acontecia. Novamente a falta de

estava praticamente consolidado. A TV desempenhou o

de referências, ou seja, de invenção de uma escola. Se

tradição e escolas transformavam-se em aliada, prevalecia

papel de laboratório na formação de diretores, editores e 77


digital já nos anos 80. Álvaro abre em seguida a Ciclope

com Harmurt Host, Ingo Petzke e Kristoph Janetzko

era uma escola na qual os estagiários aprendiam e

alentaram os delírios visuais”. O Festival de Inverno da

experimentavam. Pelo programa Agenda passaram Lucas

UFMG era outra janela para a in-formação em época

Bambozzi, Rogério Velloso, Anna Flávia Dias, Beth Miranda,

anterior à globalização quando o acesso ao mundo era uma

Na Rua Grão Pará em 1988 a VB e a Emvideo alugam uma

Chico de Paula, Marcos Barreto, Rodrigo Minelli, Vânia

conquista e não um dado. O Festival de Inverno levou a Belo

casa em comum. A VB é um caso exemplar da profusão de

Catani, Mariana Tavares e muitos outros nomes que até hoje

Horizonte Joan Logue, realizadora de vídeo norte-americana

soluções técnicas e, claro, de distensões futuras. O mercado

trabalham com o audiovisual. Estar na TV permitia o acesso

que apresentou a Eder Santos a nata do vídeo como Nam

publicitário, a meta de sobrevivência, os trabalhos pessoais,

a meios de produção e conferia visibilidade aos realizadores.

June Paik, Jean Cohen, Paul Garin e muitos outros. A partir

um alvo construído. Inicialmente a VB tinha dois núcleos:

Lucas Bambozzi, amador no sentido guerrilha da palavra,

Apropriada pelos jovens inquietos, a emissora estatal de TV

deste encontro Santos inicia sua trajetória internacional e

o de telões e o de foto. Na foto Cao Guimarães e Daniel

fazia da câmera da TV Minas uma aliada da noite cultural.

chancelava o apoio de produtoras com melhor estrutura e

se firma como um dos ícones nacionais do vídeo, enquanto

Mansur. Nos telões Hugo Mendes, Marcos Faria e Emílio

Bambozzi é caso exemplar do slogan punk do it yourself,

de patrocinadores. Com Lucas Bambozzi na direção e Vânia

os demais integrantes da oficina por ela ministrada

Belleti, que convidou Álvaro Garcia para ser sócio da VB.

lição aprendida em São Sebastião do Paraíso onde cresceu

Catani na produção, em 1989 o programa Sexo explícito

passam a realizar seus trabalhos com clara inspiração nos

especial foi gravado e finalizado no agora acessível SSV: seis

representantes da vanguarda sediados em Nova Iorque.

meses de edição no formato de uma polegada. O tempo

78

Pequenos movimentos para a invenção

produtores. Não oferecia uma estrutura ideal, ao contrário,

e se dedica ao desenvolvimento de produtos comerciais multimídia em CD, DVD, para internet e museus, e claro, para sua poesia. Enquanto isso...

e aprendeu a usar os inputs e outputs das máquinas a seu Por que Emilio chamou Álvaro? Porque Álvaro o havia

favor. Alinhava os cabeçotes e mixava, não imagens, mas as

procurado por querer sua poesia nos telões da VB. Emílio

fitas de rolo do tape deck de ponta do seu pai. Ali o menino

de edição não condizia com as exigências da televisão, a

A Trincheira Vídeo por seu lado organiza o MinasFest.

não dispunha de meios para viabilizar o movimento físico

curioso de cerca de 16 anos experimentou ritmos levados às

linguagem tampouco. Entre o documentário, o musical

Neste primeiro festival de vídeo na Belo Horizonte de 1987

das palavras. Não se fez de rogado. Solicitou o auxílio de

imagens quatro anos depois. Do ritmo da música à imagem

e a arte do vídeo o programa não cabia nos formatos

consolidam-se os diálogos nacionais sobre a arte eletrônica,

seu irmão, que desenvolveu uma interface para visualização

musical das primeiras gravações.

tradicionais. Sem qualquer sanção ou norma o investimento

seguidos em 1991 com FORUMBHZvídeo, festival a fomentar

de sinal de computador em telão para vídeo. Conseguiu a

dos profissionais/estagiários inventava novos usos para a

o debate sobre a arte eletrônica e a trazer curadores e artistas

façanha com um computador 286. Do experimento com

Bambozzi sempre esteve próximo de Eder Santos.

TV, e colocavam o ingênuo e irreverente produto local em

nacionais e internacionais para mostras e oficinas. Idealizado

os poemas de Álvaro, Delfim Afonso Jr., Roberto Barros

Funcionário da VB era emprestado para a Emvideo

circulação nacional.

por Vânia Catani, Lucas Bambozzi, Rogério Veloso, Adriana

e Mário Flexa a VB desenvolveu uma solução técnica

em trabalhos que demandavam perícia técnica como

Franca, Anna Flavia Dias e Vanessa Tamietti em suas três

inexistente no país e passou a atender corporações como

transmissões ao vivo. Esses trabalhos comerciais

Para completar a rede de referências da década de 80,

edições, o fórum conferiu visibilidade para a cena emergente,

a IBM. Do empreendimento demandado pela arte a VB

despertaram Bambozzi e Santos para performances

havia o Goethe Institut com mostras temáticas, itinerantes

provou a todos que existia o vídeo como arte.

projeções transformou-se na poderosa ON que fornece

audiovisuais em tempo real. O primeiro, já morando em

e oficinas multimídia que, segundo Lucas Bambozzi,

atualmente telões para eventos nacionais e internacionais

São Paulo é um dos fundadores do coletivo Feito à Mãos,

“produziam um sentimento de inclusão (...) e o encontro

de performance audiovisual. A tecnologia propiciava a arte

FAQ. Originalmente formado por Rodrigo Minelli, André 79


Amparo, Cláudio Santos, Chico de Paula e Marcelo Braga

todo, como bem coloca Philipe Dubois, “podemos opor à

passaram. O uso de fotos também traz o tempo corrido, o

a grande parte da produção local. Sua criação constante

tinha como um dos objetivos de sua Cartilha problematizar

noção cinematográfica de profundidade de campo a noção

“isto foi”, segundo Roland Barthes. Chico de Paula com Eu

e vultuosa oscila entre o poético documentário O mundo

noções de autoria. De sua primeira apresentação no

videográfica de espessura da imagem” (p. 87), daí resulta a

faço versos como quem morre, de 1992, traz as lembranças

de Aron Feldmann de 1988 e o indigesto Paca de telhado,

Festival Internacional de Curta-Metragem de Belo

dificuldade de percebermos seus contornos. Este recurso

de sua amada para matar a saudade da distância, ela

que traz duras imagens de um gato feito churrasquinho em

Horizonte com Dziga Vertov, manipulação ao vivo de O

gera um efeito onírico; para Heather Barton, Santos cria

estava em Londres. Em 1993 o vídeo Penólope aborda a

animada roda de samba. Fabio continua inquieto, desafina

homem da câmera, tem entre suas ações oficinas no

uma espécie de mnemotecnia ao contrário, disfarça as

tessitura da identidade feminina, também em camadas de

qualquer coro e provoca seus pares, atitude saudável em

Festival Eletronika, o primeiro em 2001, com a criação do

lembranças enquanto se recorda de algo universal, talvez

lembranças. Tereza de Kiko Goifman finalizado em 1994

época de adesões fáceis e oportunistas. Em 2008 fez o

prêmio Emílio Belleti, no qual jovens realizadores recebiam

venha dai a adesão a seus vídeos.

em parceria com Caco Souza também traz intervenções

vídeo Um filme de Cao Guimarães. A menção ao trabalho

visuais, mas o tempo do trabalho de Goifman é uma

de Guimarães justifica-se pela presença um besouro em um

apoio para o desenvolvimento de trabalhos. O FAQ leva para performances o uso do espaço além das telas e da

O mesmo recurso encontra-se em Europa em cinco

prisão, é o tempo da prisão, um tempo sem perspectivas,

vidro no vídeo de Fábio.

estimulação multimodal dos sentidos — a tradição da

minutos, Não vou à África porque tenho plantão, Janaúba e

sem interesse no presente, pois representa a negação da

Cao em pelo menos dois vídeos usa insetos, em Quarta-

videoarte tornando-se referência nacional.

na poética homenagem a Wally Salomão Quando eu vejo o

liberdade. A aposta de Goifman ao longo dos anos é na

feira de cinzas laboriosas formigas levam para casa paetês

mar mas não vejo a embarcação, assinado em parceria com

temática, sua marca não estão no visível mas na violência.

ou confetes. Os restos da festa terminada fazem o brilho do

Eder Santos já havia realizado suas primeiras performances

Marcelo Braga. Aqui, nem a consagrada música Vapor barato

Sua imagem é seca.

formigueiro. Em Word-World novamente formigas, Cao lhes

multimídia nos inícios dos anos 1990 com Stephen

sobrevive às intervenções do realizador. A voz de Gal Costa

Vitiello, músico ligado à vanguarda do vídeo sediada em

é ruído, é gemido e grito em eterno retorno, sem letra, ruído

O ruído visual prossegue em Rodolfo Magalhães e seu O

fim carregam pequenos com as palavras “word” e “world”

Nova Iorque. Uma de suas diferenças em relação ao FAQ

da voz acrescido de ruído de um projetor de cinema sujando

pirotécnico Zacarias de 1991. A deformação da computação

para o formigueiro. O peso da cultura a cargo dos insetos.

está na presença de atores e músicos em quantidade e

a trilha sonora. O eterno retorno está também na declaração

gráfica de Aggêo Simões e Luiz Sander funcionava como

O vídeo de Fábio Carvalho termina com a destruição de

no uso do palco. Santos sagrou-se na cena nacional em

de Wally: “se me der na veneta eu morro, e volto pra curtir”.

uma luva para o realismo fantástico de Murilo Rubião.

fitas de VHS jogadas no chão perto de um gato que foge à

1988. Com Mentiras e humilhações vence o VideoBrasil,

Curtimos nós, o vídeo feito de alegria e dor pela perda do

34 x 1 (1994), de Cláudio Santos e Eduardo de Jesus

agressão do obsoleto objeto, logo pisado e destruído. Fabio

e firma sua marca no vídeo ao construir uma imagem

poeta tropicalista.

seguiam a mesma trilha, memória e imagem ruidosa. Estes

Carvalho não faz apenas imagens ruidosas, é o próprio ruído,

realizadores da segunda geração do vídeo miravam-se na

em alguns momentos construtivo em outros...

barroca com a sobreposição de camadas borradas sem

80

entrega o peso da linguagem e do mundo, elas o evitam, por

recente tradição.

definição precisa de contornos, as imagens se somam sem

Ruídos e apelo memorialista se repetem na obra de outros

recorte. São tratadas e maltratadas até deixar à mostra a

realizadores. Em Love stories (1992), de Bambozzi, a

matéria da qual são feitas, pontos de luz. Transparentes

inscrição do tempo está no negativo queimado feito imagem

Fabio Carvalho é um dos realizadores mais intrigantes e

e luminosas se misturam sendo percebidas como um

e no título do vídeo. Se são histórias de amor foram vividas,

irregular. Distingue-se tanto no percurso quanto em relação 81


Novos Nomes: Continuidade e Ruptura

voam. Imagens simples, quase amadoras não fosse sua

ainda se espantar e deliciar com pequenas aberrações não

o animal inquieto funciona como um comentário para a

firmeza, a certeza em não mostrar qualquer personagem.

percebidas pelos apressados transeuntes da cidade. Seus

situação. O homem caminha-cavalga enquanto o cavalo

Bellini está próximo a uma corporação em Austin, no

quase-documentários, praticamente sem edição, seguem

incomodado quase pensa, o que estará fazendo ali? A não

Carlos Magno, Roberto Bellini e Marcellvs L representam

Texas, onde fez seu mestrado. Interpelado por um policial

três vertentes são um convite à observação de pequenas

adesão a esquemas simplistas de sedução e a maneira de

uma geração a se firmar na virada do século XX. Por

testemunhamos o encontro através do diálogo entre os

mudanças produzidas por seu olhar. No já clássico man.

captar o mundo, como bem coloca Cezar Migliorin, remete

caminhos distintos fazem de sua obra um lugar de

dois. O policial fala sobre potenciais riscos que corre ao

road.river de quase 50 minutos nos revela longa, lenta e

às câmeras de vigilância, e reinventa o pan-óptico. Não

provocação política, de construção do incomodo. Carlos

filmar ali, comenta prisões recentes de espiões e sobre

sutil mudança produzida pelo zoom out que acompanha um

se trata de vigiar para punir, mas de observar o ridículo

Magno trabalha com deslocamentos semânticos e choques

os perigos representados pelas câmeras. Bellini continua

homem cruzando o leito caudaloso de uma rua. Ao assistir

dos protocolos sobre padrões cotidianos relacionados ao

entre imagens, sons e palavras, sejam elas escritas, ditas

apontando sua arma para o céu, não sem ironia, no seus

o vídeo por primeira vez vê-se um homem andando no rio

bem viver. Deste ponto de vista Bellini e Marcellvs L se

de maneira direta para a câmera ou apropriadas. Grande

contra argumentos externa o desejo de enquadrar a lua,

no início do trabalho. O quase imperceptível zoom produz

aproximam ao nos devolverem o lugar de observação e não

parte dos trabalhos de Bellini é de encontro com fatos da

de filmar os pássaros. A diferença dos dois registros

uma espécie de epifania. Aquela água não é um rio, mas

de consumidores de um mundo organizado e direto.

vida. Seu gesto poético é próximo ao documentário se

sonoros, a diferença entre a imagem e o dialogo bem

uma rua alagada, indiferente ao registro o homem passa

colocar com a câmera em estado de provocação. Mesmo

como a contenção do policial diante da câmera faz deste

ao largo da câmera e segue sua caminhada, indiferente a

Carlo Magno também se alimenta do cotidiano, seu

quando há alguma performance previamente preparada, as

vídeo contundente ação sobre a vigilância, sobre a falta de

tudo recebemos a oportunidade de contemplar. A segunda

próprio cotidiano, segundo o título de ensaio de Migliorin

intervenções na imagem são raras, os planos têm a duração

liberdades civis e o poder das corporações apoiadas pela

vertente de sua poética também se estrutura na revelação

“Carlos Magno: do privado para o político”, penso eu, o

do acontecimento visado.

repressão. Ele também incursiona por instalações com

lenta de cenas, as imagens iniciais indefinidas, brilhantes

privado como político. Na expiação da subjetividade, a

trabalhos de sofisticado impacto visual e político sem o uso

e ricas em poesia pelo que sonegam de informação visual.

história das culturas. A religiosidade de Minas Gerais e

O vídeo How things work (2002) de Bellini produz o

deslumbrado da tecnologia. Em Outlines (2005) corpos e

Trata-se do vídeo Rizoma 0314, no qual uma imagem em

suas promessas de redenção atravessam sua obra. Em

nosso encontro com o corte de uma pele que nos coloca

mapas traçam no chão movimentos instáveis para ambos.

chuvisco é água e o Rizoma 5040 com manchas coloridas

Kalashnikov a presença da religião na família nos auxilia

em contato com uma carne vermelha. A pele não é

Em posição fetal as linhas de luz a formar o corpo aludem

em movimento transformadas em uma cidade à noite. A

a entender sua fixação por ícones religiosos. Sua avó

humana, a carne é de uma fruta. Bellini fez uma operação

a contorções, quando estáticos remetem a desenhos de

terceira vertente tem no vídeo Rizoma 8246 um exemplo

dizia que o pai estava possuído pelo demônio quando

performance. Da carne retira gosmas translúcidas e

peritos policiais. Independente do suporte e temática o

cabal do absurdo do nosso cotidiano. Um homem corre

embriagado, segundo Magno por ter apenas cinco anos de

moedas. As entranhas do capital rasgadas pelo artistas

enfoque político é uma constante em sua obra.

em uma esteira em uma academia. À mostra pelo vidro na

idade na época acreditava nas palavras da avó confirmadas

levam ao que interessa do interior, ainda o dinheiro. Em

82

corrida, sem deslocamento, no interior da academia. Na

pelo próprio pai. Pai fantasma da religião, ou, jogo de

Teoria da Paisagem, de 2004, grava o céu, aviões riscam

Marcellvs L, espécie de flâneur da urbe, usa a

rua contígua visualmente, um cavalo sem destino parece

palavras fácil e produtivo, a religião como um fantasma a

de branco o azul, o por do sol se aproxima, pássaros

contemplação para fazer de situações triviais poesia e para

estacionado na porta da academia. A situação é jocosa,

ser assombrado pela criação. 83


O vídeo é o lugar onde ele se organiza, lugar de

o vídeo é sujo, a câmera tremida desenquadra os temas

bisavô russo da música eletrônica para se unir à caixinha

Referências Bibliográficas:

expiação ou, segundo Migliorin na revista Cinética, “uma

mal iluminados. A tradição do ruído é assim organizada em

de balas Mentos que abriga o Arduíno, programa aberto

1MPAR. Therementos: audiovisual instrument using an Arduino

necessidade”. A religião é um lugar de crítica social, de

vídeos sobre memórias, em imagens repletas de tempo

à programação para realizar distorções sonoras e visuais.

Board, 2 sensors and a Mentos Box. Disponível em: <http://www.

crítica à passividade pregada pela igreja. Carlo Magno

para organizar o esquecimento, para promover passagens

O sofisticado trabalho visual de 1mpar convida a um

youtube.com/watch?v=zejyFKa8jXs>.

confere assim universalidade e tinta política a uma

pessoais e fundar uma cena coletiva. Dos três, Carlos

mergulho em paisagens visuais. Tenho escrito sobre este

problemática presente em sua biografia. Em América

Magno é um exemplo que faz a passagem dos anos 80 para

potente realizador em outros trabalhos. Para esta redação

BAMBOZZI, Lucas. El vídeo explosionado y sus fragmentos

CTRL + S diante do corpo de um indigente aparentemente

o século XXI.

ouvi depoimento do autor para o evento Live Cinema, no

planeando sobre nosotros. In: BAIGORRI, Laura. Vídeo en

morto ouvimos a ácida frase: “é bom que ele morra pois na

qual realizou primorosa apresentação e criou belo objeto

Latinoamérica: una historia crítica. Madrid: Agencia Española de

próxima encarnação ele nasce rico”.

semelhante a um tubo de ensaio, onde em vez de fumaça,

Cooperación Internacional, 2008.

Pontos antes do fim Desde meados da década de 1990 quando fez seus

interfaces digitais nos belos êmbolos de vidro, outra espécie

BARTON, Heather. Un lugar en el palácio de la memória. In: LA

primeiros filmes em VHS tem uma trajetória coerente nos

Na década de 80 falta lugar de potência. 30 anos depois

de epifania, de interfaces feitas objetos e imagens. No

FERLA, Jorge (Org.). Contaminaciones: del videoarte ao multimedia.

temas e na maneira de abordá-los. Formou-se em artes

o excesso é utilizado pelos artistas para restaurar a época

depoimento 1mpar ele evoca relações humanas e memórias

Buenos Aires: Universidad de Buenos Aires, 1997.

plásticas o que aparece no tratamento visual das artes e

do excesso de faltas. Aumentam demandas e exigências

como para localizar seu potente trabalho, este belo

gráficos. Cuidadoso na escolha das fontes utiliza cartelas

cognitivas, os materiais técnicos reivindicados pela arte

horizontino de Minas chama lembranças, paisagens visuais

BRASIL, André. Quase nada: o afeto. FF >> Dossier, n. 12.

fixas para criar um quadro dentro do quadro do vídeo. Os

retornam a pequenos pontos. Base cognitiva sofisticada,

para mergulho do navegar de pontos e ruídos.

Marcellvs L. Disponível em: <http://www2.sescsp.org.br/sesc/

re-enquadramentos variam de tamanho e cor, em Chubelrz

visível sofisticado na simplicidade. Um caminho é a

o espaço reservado ao vídeo é pequeno e sobre ele temos

reinvenção dos objetos banais de uso automatizado.

Termino este ensaio sem conclusão antes do fim, pois

textos com fontes diversas e o desenho de um lagarto.

Fernando Rabelo retira da cozinha esponjas de aço e faz das

nesta vida muitas coisas terminam sem fim, antes do

Em América CTRL + S a janela emula televisões antigas,

mesmas pontos de contato entre imagens. André Mintz

fim. Nenhum fim garante um final feliz e se a estrutura

DUBOIS, Phillipe. Cinema, vídeo, Godard. Tradução de Arlindo

em Kalashnikov uma faixa branca no topo da tela e outra

e André Veneroso atualizam a contestação doa anos 60

da poética for não linear, o que é o fim? Terminamos com

Machado e Mateus Araújo Silva. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

embaixo faz da intervenção uma janela 16:9 do cinema.

através de luzes de lanternas que renovam grafites políticos.

lacunas e fraturas de pontos expostos, limpos ou ruidosos

Com este recurso ele aumenta a autorreferencialidade já

84

temos profusão de luzes acionados pela presença de

presente, explicita recursos de montagem e organiza a

Objetos do cotidiano como interfaces. Nesta publicação

sujeira do vídeo. Há um movimento em duas direções, as

Eduardo de Jesus se debruça com mais vagar na leitura

cartelas, desenhos e colorização limpam o quadro enquanto

destes trabalhos. 1mpar no projeto HOL chama o Themin,

videobrasil/up/arquivos/200507/20050721_121712_quase_nada_o_ afeto.pdf>.

como superfície visível deixam traços sobre suas camadas

MIGLIORIN Cezar. Landscape theory. FF >> Dossier, n. 21. Roberto

mesmo com roupagem opaca.

Bellini. Disponível em: <http://www2.sescsp.org.br/sesc/videobrasil/ site/dossier021/ensaio.asp>.

85


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86

87


Grupo Poéticas Digtais: projetos #Azul, Pedralumen e Desluz GILBERTTO PRADO GRUPO POÉTICAS DIGITAIS (ECA-USP/CNPq)

2011

O Grupo Poéticas Digitais foi criado em 2002 no Departamento de Artes Plásticas da ECA-USP com a intenção de gerar um núcleo multidisciplinar, promovendo o desenvolvimento de projetos experimentais e a reflexão sobre o impacto das novas tecnologias no campo das artes. O Grupo é um desdobramento do projeto wAwRwT iniciado em 1995 por Gilbertto Prado e tem como participantes artistas, pesquisadores, professores e estudantes. O objetivo deste texto é apresentar algumas experimentações recentes de projetos poéticos que utilizam pequenas estruturas de LEDs como #Azul, Pedralumen, de 2008, e Desluz de 2009/2010.

Essas dificuldades hoje se diluem, no que diz respeito à

outras solicitações para experenciá-los. Outras solicitações

utilização, e se tornam recorrentes no uso cotidiano de

de diálogos e de hibridações, em vários níveis e também

máquinas, interfaces e utilitários, como computadores,

com outras referências e saberes, incluindo as máquinas

navegadores, DVDs, câmeras digitais, celulares, GPS, caixas

programáveis e/ou de feedbacks, inteligência artificial,

de banco, de metrô, de ônibus, sensores de presença,

estados de imprevisibilidade e de emergência controlados

portas de banco etc.

por sistemas artificiais numa ampliação do campo perceptivo, oferecendo modos de sentir expandidos, entre

Todavia, os trabalhos artísticos vão além de muitas dessas

o corpo e as tecnologias, em mesclas do real e do virtual

aparências e páginas de código de programação, além dos

tecnológico, como um atualizador de poéticas possíveis.

dispositivos e interfaces e eventuais encantamentos e descobertas. Há também a discussão que eles trazem e a

A arte tem se constituído como um lugar de trocas e

sutileza que eles incorporam, a necessidade desses novos

de contaminação e, certamente, nunca foi alheia ao

olhares, ouvires, tocares e fazeres em outras conjugações.

conhecimento científico e técnico. As práticas e processos artísticos têm a capacidade de ajuste de interferências,

A tecnologia (assim como a ciência) não é neutra, nem sua

podendo assumir a entrada de variáveis que vêm do

presença, nem o uso que dela fazemos, inerte ou inocente.

contexto sem que isto tenha que supor a extinção de

Mas também não podemos nos esquecer de que vivemos

suas especificidades, mas deve somente aumentar a sua

num mundo cercado de aparatos e interfaces tecnológicas.

capacidade de absorção e reorganização. A arte é um

Pessoalmente, enquanto artista, vejo o seu uso como uma

sistema aberto, que também considera a pergunta “e por

opção, uma escolha possível, mas que não poderia ser

Muitos dos trabalhos de arte no campo das chamadas

que não?”. Porém, entre as dificuldades na realização e

substituída por qualquer outra. A tecnologia faz parte do

“novas mídias” colocam em evidência seu próprio

agenciamento, poderíamos apontar o uso e o entendimento

meu universo de referências e de vivências. Para mim ela

funcionamento, seu estatuto, produzindo acontecimentos

das estruturas específicas, novas interfaces e dispositivos e

tem um papel fundamental, mas não é ela quem determina

e oferecendo processos, se expondo também enquanto

das distintas intervenções poéticas inerentes. Dificuldades

o trabalho ou o processo. A relação é outra, é de parceria.

potências e condições de possibilidade. Os trabalhos não

também que muitas vezes se iniciam no estranhamento do

É o trabalho/questão que aponta o que é necessário, indica

são somente apresentados para fruição em termos de

uso de instrumentos digitais e suas lógicas operacionais.

liames, hibridizações, vetores. Cada trabalho é um processo,

Introdução

88

visualidade, ou de contemplação, mas carregam também

89


cada trabalho é um diálogo. Esta é a minha aproximação

O trabalho consiste na conversão de matizes do pigmento

os spots #Azul não estão no ar, que continua pulsando,

agentes da construção, colorindo o fluxo do curto-circuito,

como artista, tentar explorar essas possibilidades é de

azul de Yves Klein, em azul numérico disperso em rede. O

“autorretrato probabilístico” da audiência, de um “espectador

em que se confunde audiência, indivíduo e momento

alguma forma criar zonas de suspensão, abrir hiatos e

#Azul é uma variável que tem por referência o azul marinho

probabilístico” Eu, sem ser eu, eu indivíduo, mas como parte

partilhado. A mudança de registro, no mesmo canal, a

sonhar o mundo em que vivemos.

profundo International Klein Blue (IKB) e que se transforma

de um coletivo, que está na rede. Eu, enquanto 01, enquanto

tela como espelho, a presença do outro como eu. 0101

em função do número de espectadores no momento da sua

fluxo, enquanto audiência, mesmo que eu não esteja. A

probabilístico, #azul. 0000FF, RGB (0, 0, 255).

transmissão/aparição em tempo real na televisão.

dinâmica do sistema depende do retorno que vai ser dado

O objetivo deste texto é apresentar algumas experimentações recentes de projetos poéticos que utilizam pequenas

pelos medidores de audiência interfaceada pelo cubo azul.

estruturas de LEDs como #Azul, Pedralumen, de 2008,

Através do medidor de audiência (Ibope, por exemplo) é

e Desluz, de 2009/2010.

possível estimar o número (e a variação) dos espectadores naquele instante em determinado canal. O projeto #Azul consiste na inserção de spots artísticos transmitidos no

#Azul (d’après Klein e Forest)

espaço televisivo: telas de matizes de azul, variáveis em tempo real e em função do número de espectadores e em

O trabalho #Azul é um projeto de Gilbertto Prado, com

frente ao próprio espectador que o gera. São 15 segundos

a colaboração do Grupo Poéticas Digitais inicialmente

de suspensão, de tela cheia azul, sem som, criando uma

pensado para a mostra “Galeria Expandida”, de curadoria

rede efêmera determinada pelos próprios espectadores,

de Christine Mello para a Galeria Luciana Brito, em São

como parte da mesma rede que a forma. Uma interação

Paulo. Apesar de não ter sido realizado por uma questão

pontual gerada na partilha e no espalhamento do azul #Azul

Cubo de LEDs #Azul (Poéticas Digitais) e Auto-retrato probabilístico

de mudança de agenda e prazo possível para realização

em tempo presente, que se compõe e se forma com a

(Waldemar Cordeiro).

(o trabalho apresentado acabou sendo o Desluz), foi o

nossa própria presença. É um diálogo através da cor, em que a presença do outro

projeto que deu início e norteou uma série de dispositivos/

90

Cubo de LEDs #Azul

Pedralumen

interfaces com pequenas estruturas de LEDs que foram

Durante a exposição, na galeria, haverá uma peça, um

é uma nuance de matiz, compartilhada em tempo real.

sendo desenvolvidas pelo Grupo Poéticas Digitais e

“cubo azul probabilístico” formada de LEDs azuis, (8x8x8),

Desconstrução do 0 e 1 num cubo azul, de luz, onde me

exibidos em diferentes locais e momentos, descritos nos

variando com a intensidade e frequência da luz, de acordo

vejo e sou visto, como cor e luz, num autorretrato coletivo,

Temos um cubo virtual azul na web com uma pedra de luzes

outros tópicos deste texto.

com a audiência em cada instante medido. Esta peça é o

da presença compartilhada em tempo real. Poéticas da rede

em sua base. Ao acessá-lo na rede, o interator escreve

que faz a relação entre o dentro e fora da Galeria, quando

(nas dinâmicas do sistema). Somos não só receptores, mas

uma palavra e escolhe um lugar onde colocá-la. As palavras 91


podem se sobrepor, ou se compor com outras dispersas e

virtual têm seus pontos brilhando de forma acentuada. De

Quando o visitante abandona o site, o LED permanece aceso.

ficou definido o não apagamento dos LEDs correspondentes

espalhas pelo cubo virtual. Na galeria, temos um cubo de

todas as maneiras, a variação é sutil, podendo ir até 8 níveis

Assim, o cubo se torna cada vez mais luminoso ao longo de

aos visitantes que abandonam o site. Nosso objetivo, com

LEDs azuis (8x8x8), que responde às intervenções, variando

de intensidade de brilho de azul.

cada exposição. Cabe assinalar que para cada ocasião e local

esta alteração, foi sobrepor as visitas e, cumulativamente,

com a intensidade e frequência da luz, de acordo com as

em que o trabalho foi exibido, o registro de visitantes e o

manter mais LEDs do cubo com brilho cada vez mais

escolhas e nominações, e também em função da distância

cubo reinicializado trouxeram situações diferentes.

intenso, tornando mais visível o conjunto das intervenções

do interator na rede e da localização física do cubo.

às visitas no site.

A web-instalação Pedralumen trata de escolhas, inscrições e

O trabalho é sutil e a percepção de mudança de intensidade

partilha do processo de dar nome às coisas, de colocar marcas

dos azuis dos LEDs é delicada. Pedralumen é um trabalho

e de escolhas de território, criando espaços partilhados de luz,

de contemplação, e o público em contato direto com a peça

provocando ações em cadeia de maneira simbólica e física.

não tem como interagir localmente com a obra. No local,

Estrutura do cubo de LEDs do projeto Pedralumen

encontra-se somente o cubo de LEDs (e o computador O estado inicial do cubo mostra a forma de uma pedra

conectado à Internet e à peça, mas sem o teclado, mouse

em negativo. Isto é, os LEDs que formam a pedra estão

ou monitor para o acesso do público). É um trabalho de

apagados. Os outros LEDs ficam ligados, mas com

reflexão sobre a interação e partilha com o outro; pode-se

um brilho suave. Quando um visitante entra no site do

visualizar a intervenção de um outro, localmente distante

Pedralumen, a programação que roda no servidor identifica

Site do projeto Pedralumen

a localização geográfica do visitante e acende o LED

instante. A sua intervenção no cubo será à distância e em

correspondente àquela localização geográfica no cubo.

Para realizar a comunicação entre o servidor e o cubo,

tempo real, mas para um outro, que lá estiver naquele

Em relação à distribuição da localização geográfica dos

utilizamos um sketch programado no Processing e que

instante. Os azuis se acendem e se sobrepõem fazendo a

participantes em função dos pontos do cubo, cada LED

roda no PC, e um programa que roda na placa Arduino, o

pedra pulsar com o ritmo das intervenções.

representa um retângulo de 15 x 15 graus de latitude e

que permite modificações na rotina das apresentações e

longitude. As marcações no cubo começam com o ponto

mudanças de procedimento para cada local. Por exemplo

Este trabalho foi apresentado em setembro/outubro de

(vide locais expostos abaixo), na Macedônia, a cada minuto

2008 na mostra “Chain Reaction” no Museum of the City of

era atualizado o registro de visitantes, e, com a saída dos

Skopje, Macedônia, como parte do 3rd Upgrade! International

visitantes, a luz correspondente se apagava. Em Brasília

Meeting, e na Exposição EM MEIOS, no Museu Nacional

-180,-90 indo até o ponto 180,90. Quanto mais próximo geograficamente estiver o interator do cubo, fisicamente instalado, mais o contorno e as regiões próximas da pedra 92

naquela peça, mas não a da sua própria ação naquele

Montagem do Cubo no Laboratório

da República, em Brasília, como parte do #7.ART – Encontro

93


Internacional de Arte e Tecnologia: para compreender o

Desluz

onde essa espécie de lepidópteros não existe, em

momento atual e pensar o contexto futuro da arte.

sentido metafórico para designar as meretrizes) vem

Insetos utilizam a luz da lua e das estrelas como baliza de

do grego phalaina, que significa brilhar, para significar

localização, mantendo-se em ângulo constante para ir e vir

que esses insetos, atraídos à noite pela luz, brilham

de seus criadouros. Com a luz artificial das nossas lâmpadas

em volta dela” (BARGHINI, 2008, p. 51).

elétricas, os insetos passam a se confundir, buscando se

[...] os lepidópteros noturnos [entre eles, as

aproximar das fontes de luz, voando em círculos, formando

mariposas] possuem uma sensibilidade especial

nuvens, atraídos pela luz em voltas sem fim. A luz que os

à luz, e em alguns foi postulada até a existência

atrai é a infravermelha, comprimento de onda que nosso

de uma percepção espacial na banda da radiação

olho humano não enxerga, mas potente atrator sexual

infravermelha (CALLAHAN, 1985), lançando a

das mariposas. Assim, frequências eletromagnéticas são

hipótese de que as sencilas de alguns lepidópteros

veladamente percebidas, através dos tempos, sob a luz da

apresentam essa sensibilidade porque nessa

lua ou elétrica, perpetuando a sobrevivência das espécies.

freqüência de onda emitem os ferormônios” (BARGHINI, 2008, p. 51) de forte atração sexual,

Em sua tese, Barghini (2008, p. 50-51, 71) descreve as

específicos para o acasalamento.

referências da atração dos insetos pela luz vermelha das Pedralumen – Museum of the City of Skopje, Macedônia

O Grupo Poéticas Digitais, no projeto Pedralumen, foi

velas desde a antiguidade até nossos dias, com as luzes

Prosseguindo na pág 71:”Um caso exemplar é

incandescentes de cor alaranjada, e trata da simbologia

sem dúvida o de algumas mariposas...” [descreve a

da mariposa:

capacidade da mariposa de “ver” o ferormônio do

composto por Gilbertto Prado, Silvia Laurentiz, Andrei

94

parceiro no infravermelho] até “como afirma Callahan

Ilustração: jornal Folha de S.Paulo, 21/04/09.

Thomaz, Rodolfo Leão, Sérgio Bonilha, Luis Bueno Geraldo,

“Psique eram as mariposas noturnas, mas também

(1977) “the candle flame [ is... ] a sexual mimic of the

Camila Torrano, Clarissa de Almeida, Maurício Taveira, Hélia

a Alma, que a mitologia clássica representa com

coded infrared wavelenghts from the moth scent”. O

Temos no espaço expositivo um cubo de LEDs

Vannucchi, Fabio Oliveira Nunes, Henrique Sobrinho, Luciana

as asas de uma mariposa.” E mais adiante: “outro

mesmo autor verificou essa característica em outras

transparentes (8x8x8) que emitem luz infravermelha, e

Kawassaki, Soraya Braz, Viviam Schmaichel e Daniel Ferreira.

termo da zoologia, Falena, utilizado para designar as

espécies”. (“a chama da vela [ é...] uma mímica

caixas de som, que respondem simultaneamente ao fluxo

borboletas noturnas da família dos Geometrídeos

sexual da radiação infravermelha codificada do odor

de passantes, em um outro lugar, região de casas de luz

(mas hoje mais utilizada, especialmente no Brasil,

da mariposa”).(BARGHINI, 2008, p. 71),

vermelha, como atrator, dissimulando um velado jogo de 95


sedução. A movimentação do fluxo dos passantes na área

expositivo nada se vê ou escuta, mas o corpo percebe essas

traem nossos sentidos ocultos e tão aparentes trazendo à luz

Travisani, Lucila Meirelles, Agnus Valente, Nardo Germano,

da luz vermelha será capturada por uma câmera localizada

outras frequências. As luzes aparentemente continuam

nossos desejos na interminável busca de seguir as estrelas.

Daniel Ferreira e Luis Bueno Geraldo.

no alto de um edifício, registrando uma visão de topo da

transparentes e sem brilho e as caixas de som, sem emitirem

área, uma rede, uma malha, que esquadrinha um espaço e

sons audíveis aos humanos.

um fluxo de passantes. Assinalamos que as luzes dos LEDs do cubo não estão no espectro visível de nossa visão, o que exigirá algum dispositivo adicional para serem vistas. No caso, estamos contando com as câmeras dos celulares pessoais dos visitantes da exposição. Basta focar o cubo de LEDs com a câmera dos celulares que o visitante passará a “enxergar” toda uma nuvem de movimentações, que representam o fluxo de passantes nas áreas capturadas remotamente pela câmera e transmitido em tempo real. Webcam instalada do projeto Desluz.

Desluz é uma não luz, como um desejo intenso, que queima As informações adquiridas alimentarão simultaneamente o

mas não ilumina, se sente mas não se vê, como um Ícaro

sistema instalado na exposição. Este sistema é composto

ofuscado em busca do Sol e as asas se derretendo no

O trabalho foi apresentado na Galeria Espaço Piloto de 16 a

por um cubo de LEDs que emitem luz infravermelha; uma

caminho que leva mas não chega. A luz só vai se tornar

30/09/2009, no #8.ART – UnB, e uma nova versão na Galeria

placa Arduino que será a responsável pela relação entre

visível através das câmeras dos celulares que circularem em

Luciana Brito, em São Paulo, na mostra Galeria Expandida,

dados analógicos e digitais; e dois computadores que

volta do cubo de LEDs transparentes, numa operação de

com curadoria de Christine Mello, de 5 a 20 de abril de 2010.

processarão e gerenciarão todos os dados (input e output).

desnudamento do que o olho não vê. O Grupo Poéticas Digitais, neste trabalho, foi composto por

Desta forma, os dados enviados pela câmera remota externa

96

Desluz - Galeria Luciana Brito, São Paulo (Grupo Poéticas Digitais)

irão acendendo e apagando as luzes do cubo da exposição,

O trabalho é sobre a descoberta do invisível, nossos lugares

Gilbertto Prado, Silvia Laurentiz, Andrei Thomaz, Rodolfo

gerando movimentos e fluxos. Este processo será dinâmico,

provisórios, nossos fluxos e grades, camadas que se

Leão, Maurício Taveira, Sérgio Bonilha, Luciana Kawassaki,

simultâneo e em tempo real. Enquanto isso, no espaço

sobrepõem sutilmente que nos atraem sem que as vejamos e

Claudio Bueno, Clarissa Ribeiro, Claudia Sandoval, Tatiana

Fig. 9. Desluz – Galeria Luciana Brito, São Paulo 97


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101


Performance Audiovisual em meios Digitais e Analógicos

Sempre é bom questionar as fronteiras das novas

últimos termos sendo apropriados para várias ocasiões

Joseph Beuys (artista multidisciplinar) introduziu o conceito

tecnologias, assim como o precipício de informações

e propósitos, a proposta deste artigo propõe analisar de

de performance nos anos 1960, pelo grupo Fluxus. Em uma

e linguagens que existe entre homem e máquina, para

forma “não oficial” a performance da arte corporal.

das primeiras performances, Beuys passou horas sozinho na

podermos evoluir neste mundo, sem demagogia ou saberes

Galeria Schmela, em Düsseldorf, com o rosto coberto de mel

extremo-elitistas. Antes de decorrer sobre a explicação/

Como a pichação, a performance foi considerada por vários

e folhas de ouro, carregando nos braços uma lebre morta,

detalhamento do significado de performance audiovisual

anos uma arte de guerrilha. A performance na arte foi

com quem comentava detalhes sobre as obras expostas.

nos meios digitais e analógicos, é preciso primeiro

criada para trazer o lado pessoal de um artista, sem que ele

perguntar-se o significado de performance atualmente.

estivesse representando um papel ou personagem. Dentro

Os trabalhos a seguir seguem as premissas de

de uma modalidade de manifestação artística – assim como

performances A/V por meios eletrônicos e analógicos,

A palavra é usada para designar outras atividades e

o happening –, a performance permite combinar linguagens

explicando de forma detalhada os processos de criação

apresentações fora do eixo da arte, como em corrida de

audiovisuais. O performer (nome dado à pessoa que faz

feitos por seus realizadores – todos performers

ERIC MARKE

cavalos (performance do animal), testes de combustíveis

a performance) sempre esta à frente dos movimentos

reconhecidos mundialmente por seus projetos artísticos.

2011

(performance de combustão), avaliação feita por um juiz/

artísticos populares (arte tradicional, enlatada).

técnico esportista (performance do atleta), conjunto A formação do performer é característica da segunda

acadêmica), designer de novos carros (performance

metade do século XX, mas suas origens estão ligadas aos

de desempenho) e móveis (performance ergométrica),

movimentos de vanguarda (entre o dadaísmo, futurismo

Marcel.lí Antúnez Roca (Moià, 1959) é internacionalmente

confundindo ainda mais sua aplicação e explicação nos

e os princípios da Escola de Bauhaus) do início do século

conhecido por suas performances e instalações de

meios artísticos. Dentro do eixo da arte, o termo livre

passado por artistas como John Cage, Tristan Tzara e

mecatrônica e robótica. Desde os anos 1980 seu trabalho

performance começou a ser usado em concertos de

Marcel Duchamp.

tem sido caracterizado por um interesse na condição humana, os medos e desejos dos seres humanos. Primeiro a partir

eletroacústica nos anos 1970/80 pela comunidade musical

102

MARCEL.LÍ ANTÚNEZ ROCA

de resultados de avaliação educacional (performance

eletrônica acadêmica mundial como nova expressão e

A performance difere do happening por ser mais

do desempenho tribal de La Fura dels Baus (sendo uns dos

afirmação artística. Do ano 2000 até agora, VJs (Vídeo-

cuidadosamente elaborada e não precisar envolver

fundadores) e depois em carreira-solo através de um tipo de

Jockeys) começaram a chamar suas apresentações de

necessariamente a participação dos espectadores. Em

trabalho proposto por sistemas complexos e muitas vezes

“performance A/V”, por unir a linguagem de palco com

geral, segue um “roteiro” previamente definido, podendo

sem categoria. A incorporação e perversão de elementos

o clima de uma sessão de cinema. Mesmo estes dois

ser reproduzida em outros momentos ou locais.

técnicos e científicos e sua interpretação particular através 103


de protótipos, deram uma cosmogonia renovada sobre temas

usuário pode controlar, pelo mouse, a luz, as imagens, os

como as emoções, a escatologia de identidade ou a morte.

sons e o corpo do artista.

OBRAS PERFORMÁTICAS

Epizoo pode ser considerado um dos primeiros exemplos de aplicação da tecnologia de computador sobre o

EPIZOO

corpo humano. Essa performance é, provavelmente, o

A performance Epizoo permite que o telespectador controle

primeiro dispositivo que permitiu o controle telemático

o corpo de Marcel.lí através de um sistema pneumático.

do espectador do dispositivo cênico, incluindo o corpo

Este sistema consiste de um exoesqueleto de robô – usado

do performer. Desde seu lançamento, teve um impacto

pelo artista –, um computador, um dispositivo de controle

internacional enorme e tem sido apresentado até agora em

mecânico/pneumático, uma tela de projeção vertical, duas

mais de cinquenta cidades na Europa, América e Ásia.

torres de luz e um equipamento de som.

AFASIA A ortopedia robótica mantém o corpo através de dois

Performance que ocorre sobre um palco montado em um

moldes de metal, cintos de segurança e capacete, nos

espaço de base retangular truncada, e no fundo com uma

quais são montados os mecanismos pneumáticos. Elas

grande tela de projeção traseira (tela voal). A primeira linha da

podem mover o nariz, as nádegas, os peitos, a boca

cena é ocupada por quatro robôs inspirados em uma guitarra,

e os ouvidos de Marcel.lí, que fica posicionado em

um tambor, uma combinação de gaitas de foles e um violino;

uma plataforma circular capaz de girar. Mecanismos

Marcel.lí, único atuante, está equipado com uma interface de

pneumáticos são conectados a um sistema de válvulas

corpo metálico exoesqueleto (DreSkeleton/ExoEskeleton) que

solenoides e relés, que por sua vez são acionados via

se ajusta à sua anatomia. Este dispositivo ortopédico permite

computador. Este computador tem um programa único em

que o movimento do corpo e o controle de seus parâmetros

uma interface gráfica que se assemelha a um videogame.

sejam traduzidos em comandos ao computador. Com um

Os onze ambientes interativos incluem vários gráficos

software escrito especificamente para este projeto, controla

animados que recriam a figura do artista e indicam os

em tempo real as imagens projetadas na tela, os robôs, a

mecanismos de posição e movimento. Desta forma, o 104

Marceli Antunez Roca - Epizoo (autor Folxxx)

música e todas as áreas formais que compõem esta peça.

Marceli Antunez Roca - Afasia (autor Folxxx) 105


GUTO LACAZ

Afasia, alteração no sentido da linguagem falada ou escrita

DreSkeletons, a biometria ou a Sistematurgia. Na segunda

ocasionada por lesão no cérebro, é o título que resume

parte analisa os temas recorrentes de sua obra. Estas

a interpretação original de Marcel.lí da obra Odisseia de

partes são usadas em uma terceira, em um projeto de

As produções de Guto Lacaz prestam inigualáveis

Homero. O argumento deste mito fundador é adaptado

simulação de gravidade zero realizado em uma base aérea

contribuições para a arte plástica/gráfica por trazer forte crítica

a um conjunto de imagens e sons que Marcel.lí controla

militar na Cidade das Estrelas da Federação Russa. O

social (universo da mídia e meios de consumo), sempre

através de sua DreSkeleton em um conjunto de situações

resultado do voo em parábola rendeu microperformances

tratado com humor e ironia. Seus trabalhos transitam entre

não verbais que causam uma narrativa descontínua. O verso

feitas durante os períodos curtos de gravidade, como o

design gráfico, performance, layout etc., reinventando

original é substituído por um grande dispositivo interativo

experimento do bodybot Requiem e as interações entre o

novas formas e usos de objetos do cotidiano e explorando

que coloca o espectador, frente a, por exemplo, uma ilha

DreSkeleton, o softbot e as imagens interativas. Na última

as possibilidades tecnológicas na arte. As performances

psicodélica da Lotus-Eaters, uma Circe em tom de cartoons

parte, a teoria Transpermia é definitivamente apresentada,

eletromecânicas, como Espetáculo Máquinas II (1999) ou

ou sereias consumando um rito orgiástico.

dando a ação em tom de conferência.

Eletro Performance (1984), questionam o poder que as pessoas têm sobre a necessidade de consumo e uso de

Esta performance tecnológica foi premiada com o Best New

Marcel.lí descreve a Utopia de alguns de seus protótipos,

utensílios domésticos de forma desordenada. Em suas

Media de Montreal em 1999, o Prêmio de Artes Parateatrals

organizados da seguinte forma:

apresentações já participaram a atriz Cristina Mutarelli (1957), o arquiteto Javier Borracha e Nenê Lacaz – irmão de Guto –,

Aplaudiment FAD de Barcelona em 2000 e o Prêmio Max às 1) Interface, novos dispositivos de agir e perceber o mundo,

artes do teatro alternativo da Espanha em 2001.

entre outros.

2) Os robôs, máquinas como metáforas da vida,

TRANSPERMIA

3) Identidades efêmeras, estados transitórios de

Usando o ISS como metáfora, Marcel.lí desenvolve uma

personalidade como um quadro de novas experiências e

ação híbrida alternando em performance, concerto e

conhecimentos e,

MÁQUINAS

conferência, sendo estruturada em módulos diferentes.

4) Novas formas de criação, modelos de negócios na Utopia

A arte é uma forma de recuperar o sonho perdido desde a

Durante sua apresentação vestido de DreSkeleton

Transpérmica.

infância. O que conseguem alguns dos principais artistas é

(interface corporal exoesquelética), sua voz e sons

justamente manter viva essa chama dos primeiros anos de

modulados controlam os filmes projetados em dois telões.

vida, que nada mais é que um denso elo de conexão com

Na primeira parte ele apresenta alguns aspectos formais

o mundo circundante, deixado de lado, após a infância, em

que caracterizam seu trabalho, como os Fleshbots, os 106

OBRAS PERFORMÁTICAS

Marceli Antunez Roca - Transpermia (autor Joan)

função de motivações comerciais. Guto Lacaz, em suas 107


OTÁVIO DONASCI

performances da série Máquinas, traz ao primeiro plano

A questão não é tanto retirar do objeto a sua função

Temos o dever de dar todos os créditos pela investigação

essas questões. Sua forma de tomar os objetos e dar-lhes

primordial, mas colocá-lo numa nova perspectiva, com outra

desta nova forma de performance, por resgatar algo

novas funções pode ser ligada aos ready-mades de Marcel

aplicação. Furadeiras, máquinas de escrever e guarda-

especial entre as pessoas, com pequenos achados que

Paulista, nascido em 1952, mestre em Artes Plásticas,

Duchamp, mas me parece, muito mais, estar vinculado a

chuvas ganham assim uma dimensão inesperada.

reorganizam objetos e situações experimentadas ao longo

performer multimídia, diretor de criação, diretor de

de nossa vivência. A tecnologia explorada entre vários atos

espetáculos multimídia. Na década de 1970, Otávio

uma forma de ver o mundo com total liberdade.

ELETROPERFORMANCE

da apresentação de Eletroperformance se divide tanto em

Donasci trabalhou em teatro como ator, diretor e cenógrafo,

Uma cadeira pode deixar de exercer a sua função primordial

A entrada do termo multimídia na vida de Guto Lacaz

meios digitais (como o uso do painel de LED, acionado

tendo ganhado os prêmios APCA e Mambembe pelo

de assento para ser empurrada por locomotivas de

deu mais sentido em devidas proporções quando criou

provavelmente por um PC 186 com porta serial) quanto

conjunto de sua obra (em 1984). Na década de 1980 criou

brinquedo, enquanto um taco de golfe pode empurrar gelo

a Eletroperformance, uma mistura de projeção, áudio,

analógicos (áudio provido por fita-magnética).

e vem desenvolvendo até hoje uma linha de trabalho

para dentro de um copo e um aspirador de pó pode ter o

aparatos eletroeletrônicos e performance. Sua inspiração

original e inédita através de videoperformances com suas

seu jato de ar utilizado para sustentar bolas de isopor.

se baseia em sua vivência em São Paulo, onde sente a

videocriaturas na maioria dos festivais de vídeo e arte

cidade aberta para criações que o faz produzir, pensar e

eletrônica do país e também do exterior (Nova York, Paris,

repensar a condição humana diante da vida contemporânea

Berlim, Montreal, Lisboa e Japão, com grande repercussão

e das dependências (necessidades) tecnológicas.Me sinto

na imprensa local), além de participar de três Bienais

muito bem em São Paulo, pois é onde estou instalado,

Internacionais de São Paulo.

onde tenho meu conforto garantido, onde estão meus amigos e familiares. Culturalmente, em São Paulo é onde,

Em 1988 Otávio ganhou o Prêmio Lei Sarney de Arte

entre parêntesis, acontecem as coisas no país. Acho

Multimídia pelo conjunto de seus trabalhos no qual

que é uma cidade que está sem saída, urbanisticamente

sua mais nova criação, chamada de VideoCriaturas,e a

condenada. Conheci São Paulo como sendo um verdadeiro

Telepresença teve grande destaque em duas partes do

paraíso. Morava numa casa espaçosa, com quintal, muita

continente. Graças a isso, uma videocriatura sua atuou

brincadeira e nenhuma violência. Uma cidade rica em arquitetura, praças e monumentos, que desapareceram. Guto Lacaz - Maquinas (crédito Edson Kumasaki)

(LACAZ, 1990).

tele presencialmente pela primeira vez comunicando a Guto Lacaz - Eletroperformance [crédito Fernando Vianna]

Carnegie Mellon University, de Pittsburgh, nos EUA, e o Museu da Imagem e do Som de São Paulo, no Brasil. Dois anos depois, Otávio representou o Brasil na mostra Brasil+500 em Lisboa (Fundação Calouste Gulbenkian).

108

109


Em 2003, representou o Brasil na Bienal de Kyoto (Kyoto

de rascunhos verbais e visuais nos quais a sequência de

permite (em particular a que é sua prótese de rosto – uma

inusitada de um animal composto com o rosto humano

Art Center).

eventos era esboçada. Estes rascunhos davam origem ao

máscara eletrônica). O rosto-vídeo ao vivo de outra pessoa

seria a base dessa performance interativa/intuitiva

protótipo de videocriatura (com tipo físico específico: alto,

encarnado no corpo de Otávio cria um ser híbrido de tal

verdadeiramente inesperada.

Na década de 1990, criou e dirigiu as Expedições

gordo, duplo rosto, fantoche) e ao esboço de roteiro. No

modo independente que não os reconhecíamos (criador e

Experimentais Multimídia, em parceria com Ricardo

laboratório de expressão facial gravava-se a face com todas

videocriatura) no resultado. Sua videocriatura virava um ser

Karman. Os espetáculos (Viagem ao Centro da Terra e

as possibilidades da linguagem do vídeo. Neste ponto, a

independente que poderia existir no mundo real enquanto

Merlin) são interativos e de alto porte de produção para um

direção é muito importante, já que a videocriatura parecerá

pudesse nos usar como suporte. Pura ficção.

número restrito de participantes (cinquenta performers para

impressionantemente viva se o olhar do ator for focado no

cinquenta pessoas), fundindo performance, teatro, turismo,

lugar certo. A luz que o rosto terá em cena independe da

Este processo fornecia uma irresponsabilidade no

vivências e artes plásticas.

luz do cenário ou do corpo, já que ele é luminoso.

relacionamento com as pessoas que beirava a insanidade

VIDEOCRIATURAS DE CORPO INFLÁVEL E PENETRÁVEL

ou a crueldade. “Podíamos nos expor ou ofender quem No laboratório de protótipos a ênfase era no hardware.

quiséssemos porque não éramos nós – éramos ELE...”,

BIBLIOGRAFIA SOBRE O TRABALHO DE OTÁVIO DONASCI:

Neste eram pesquisadas e construídas/aperfeiçoadas as

conclui Otávio.

COHEN, Renato. Performance como linguagem: criação de um tempo-espaço de experimentação. São Paulo: Perspectiva, 1989.

“costuras” entre o ator e a cabeça/monitor, baseadas em

MACHADO, Arlindo (Org.). Made in Brasil: três décadas do vídeo brasileiro. São Paulo: Itaú Cultural, 2003.

projetos técnicos onde o conhecimento de eletrônica,

VIDEOCRIATURAS ANIMAIS (O VIDEOTAURO)

física, química, ortopedia e figurinos são necessários para o

As pesquisas de mudança dos corpos das videocriaturas

sucesso da “costura”. Neste laboratório o performer criava

tornam-se mais radicais quando o suporte deixa de ser

as expressões corporais dos personagens.

humano. A partir dos vários projetos de colocar uma

MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. 3. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990. MACHADO, Arlindo. Máquina e imaginário: o desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo: Edusp, 1993. MENDES, Candido. O que é vídeo. São Paulo: Brasiliense, 1984.

máscara eletrônica na cabeça de um cavalo de verdade,

Através de pesquisas de imagens tridimensionais de rosto,

A VIDEOCRIATURA, UM SER HÍBRIDO

nasce o Videotauro, um centauro-vídeo atrelado a uma

as videomáscaras são telas em formato de rosto e sopradas

Performances Audiovisuais por meios eletrônicos e

carroça, na qual também ficava o equipamento, e dirigido

por motores, como se fossem velas de um barco. Projetores

analógicos > Videocriatura > O Ser Híbrido.

por outra videocriatura, encarregada de entregar um

de vídeo especialmente regulados mostravam nestas

capitalista selvagem no Festival Vídeo Brasil de 1983.

telas rostos de três metros de altura que surgiam, devido

OBRAS PERFORMÁTICAS

110

Ao criar e desenvolver as VideoCriaturas (desde a década

Nesta linha de videocriaturas utilizando corpo de animais,

ao formato da tela, como tridimensionais. Todo o sistema,

OS LABORATÓRIOS DE VIDEOTEATRO

de 1980), Otávio Donasci viveu na pele a relação de

Otávio concebeu protótipos para cães, porcos e até para

constituído por projetor de vídeo montado verticalmente,

Cada performance de videoteatro era planejada sob a forma

alteridade que a performance com próteses eletrônicas

peixes grandes, todos vivos. A reação espontânea e

soprador e caixa de som, estava instalado em uma torre 111


metálica sobre rodas operada por um performer.

de LCD apareceu o casal Alfa e Berta. A diferenciação

espetáculos nos últimos anos.

O projeto original previa o performer operando a torre e

estava no posicionamento dos olhos de cristal e sua

Por isso a criatura face a face da figura seria para uma

usando um videocapacete com microcâmara para que o

maquiagem, que definia o sexo. A microcâmara no nariz

só pessoa de cada vez. A narrativa cinematográfica

rosto gigante fosse uma expansão do rosto do ator ao vivo.

de cada máscara transmitia para uma cabine, onde

se sobrepõe à linguagem cênica, acrescida ainda da

O primeiro videoinflável foi o Videobalão, apresentado no X

performers faziam as bocas ao vivo através de headsets

possibilidade de improviso do performer, enriquecendo o

Vídeo Brasil no SESC Pompeia em São Paulo, em 1994.

com microfones, fones de ouvido e microcâmaras, num

roteiro do espetáculo feito para um só espectador.

estúdio onde havia monitores para que vissem e ouvissem as pessoas, com as quais interagiam.

Apesar disso, pode-se dizer que a visão exterior da dupla interagindo sem ver as pessoas em volta oferece uma bela

VIDEOCRIATURAS DE IMERSÃO

performance, gerando curiosidade e vontade de participar.

O passo seguinte se deu por influência dos projetos de

A construção da linguagem do vídeo exibido no capacete

realidade virtual que Otávio havia presenciado em Montreal,

virtual passa por conceitos de câmera subjetiva nos quais

em 1995, por ocasião de sua participação na ISEA (Inter-

os movimentos e relações com os atores seguem um

Society for the Eletronic Arts). Otávio queria levar as

roteiro sincronizado com os movimentos do performer

pessoas a uma viagem virtual de imersão do modo mais

e seus toques.

simples e barato possível, dando menos ênfase às técnicas computacionais para realização disso e mais ao binômio do videoteatro, linguagem vídeo/presença física com toque.

CONCLUSÕES “NADA” FINAIS

Um sistema simples, pré-gravado, onde fizesse parte do

112

roteiro a participação física e a interação com o performer

Tanto a performance A/V analógica quanto a digital seguem

VIDEOCRIATURAS DE CRISTAL LÍQUIDO E PLASMA

através do toque.

as mesmas raízes, se utilizarmos o termo tecnologia como

Evolução do tubo televisivo, a máscara eletrônica de

O objetivo era proporcionar a imersão e a intimidade

ou execução (estando essas áreas fortemente ligadas a

cristal líquido foi chamada por Otávio de Cristalmask onde

ou cumplicidade. Mistura multimídia de linguagem

outros saberes científico-acadêmicos, como a mecânica,

estava já concebida em primeiros projetos aguardando ser

videotecnológica, o pé na estrada da viagem e o toque,

a eletrônica, a computação, a elétrica etc.). Para um

acessível aos meus recursos no Brasil. Com a máscara

elementos nos quais Otávio vinha trabalhando em meus

entendimento geral, esta última parte vem analisar

ponto de partida, seja ela em sua criação, montagem

113


separadamente os termos audiovisual, analógico e digital,

e contínua, variando em função do tempo, sem passar por

A tecnologia por si só empregada nesse tipo de

Guto Lacaz

para no fim introduzi-los nas artes corporais performáticas.

qualquer decodificação complexa. Para entender o termo

performance é uma forma de suporte essencial. Tais

Texto: Máquinas

analógico, é útil contrastá-lo com o termo digital.

mecanismos criam certa ruptura temporal, por estarem

D´AMBROSIO, Oscar. Guto Lacaz: a alegria e o prazer de brincar.

dialogando com as situações presentes no nosso dia a dia.

Disponível em http://www.gutolacaz.com.br/artes/textos/

AUDIOVISUAL (A/V)

DIGITAL

Um bom exemplo são as performances Máquinas V, de

performances.pdf. Acesso em: 13 jul. 2011. Publicado originalmente

Se formos explicar as primeiras experiências audiovisuais,

Todo sistema que empregue uma informação convertida

Guto Lacaz, por darem um segundo significado (e uso) para

em set. 2008.

citaremos como primórdio do termo audiovisual a entrada

para bits pode ser entendido como digital (dados de um

os eletrodomésticos e brinquedos, ou as VideoCriaturas de

Texto: Eletroperformance

da trilha sonora no cinema mudo (áudio = trilha sonora,

CD-ROM, filmes de celulares, fotografia/música digital,

imersão, de Otávio Donasci, por simular uma imersão em

SAIA, Luiz Henrique. EletroPerformance. Disponível em: http://

visual = cinema mudo), em que músicos criavam uma

programas de computadores, ambiente da internet etc.).

outro ambiente com sensações físicas e toques.

www.gutolacaz.com.br/artes/tesxtos/Around.pdf. Acesso em: 13 jul.

espécie de narrativa sonora ao acompanhar uma sequência

O sistema digital é um conjunto de dispositivos de

cinematográfica. Se formos mais anteriormente, uma

transmissão, processamento ou armazenamento de

Como já citado no começo deste artigo, o objetivo de

exposição fotográfica ambientada por música – seja ela

sinais digitais contínuos que usam valores exatos (forma

analisar a performance audiovisual da arte corporal nos

mecânica ou tocada ao vivo –, caracteriza uma apresentação

numérica binária representada pelos valores 0-1) de

meios digitais e analógicos não a torna uma verdade

audiovisual (também indicada pela abreviação A/V).

complexa decodificação.

“oficial”, única e irrefutável. Existem outros artigos, teses,

2011. Trecho do texto original publicado na Revista Around, em 1990.

blogs, textos, sites e depoimentos que podem enriquecer Com o passar dos anos, o termo se generalizou, referindose a formas de comunicação que combinam som e imagem – hoje frequentemente usadas em aulas, reuniões, apresentações e debates –, empregadas para registro,

as discussões sobre essa arte. A Associação Brasil

Arte corporal + Audiovisual + Analógico ou digital = Performance tecnológica

tratamento e exibição de som e imagem sincronizados.

Performance (BrP), criada no ano passado por associados de todo o Brasil, traz um importante apoio para essa arte virar uma profissão, com direito a DRT e verbas oriundas de incentivos fiscais.

Uma performance A/V analógica ou digital traz estudos

114

ANALÓGICO

e ciências multidisciplinares, por dentro dos saberes

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Todo sistema que não empregue uma informação convertida

de ambientes tecnológicos. Como visto anteriormente,

Marce.lí Antúnez Roca

para bits pode ser entendido como analógico (disco de

trabalhos de Otávio Donasci, Guto Lacaz e Marce.lí

http://www.marceliantunez.com/tikiwiki/tiki-read_article.

vinil, sistemas magnéticos, filmes/fotos em películas, fita

Antúnez Roca circulam nesta área, trazendo inovação e

php?articleId=1

cassete etc.). O sinal analógico se manifesta de forma direta

questionamento (críticas sociais) em suas apresentações. 115


Tudo é movimento: da cinética dos autômatos às vanguardas cinéticas do século XX MARINA GAZIRE LEMOS

2011

O presente ensaio procura traçar um breve e superficial percurso sobre a presença do cinetismo desde o Renascimento até às vanguardas artísticas do século XX. O autor Mario G. Losano, em seu livro Histórias de autômatos, apresenta um estudo histórico sobre os autômatos, mecanismos que produzem movimento por si próprios, e que para além do uso pragmático, também constituem máquinas de entretenimento e apreciação artística. A partir dessa história, pretendemos propor uma investigação das poéticas possíveis dentro de um maquinismo cinético, que nas Vanguardas do século XX reaparecerá sob nova leitura na produção de diferentes movimentos e artistas. Com isso, procuramos ressaltar a intrínseca relação entre a pesquisa tecnológica e a pesquisa artística nestes diferentes períodos históricos.

Brevíssima história da representação do movimento nas artes

Atualmente, na Física, movimento é a variação da posição espacial de um objeto ou ponto material no decorrer do tempo. Já os estudos da Cibernética e da Biologia também atestam que mesmo os sistemas de aparência estática,

Uma das querelas mais antigas sobre a definição da

vivos ou não, possuem um movimento interno. Isso significa

“realidade” encontra-se na antiguidade, dentro das primeiras

que o estado de estática absoluto, atualmente, pertence

noções sobre as características relativas à natureza cinética,

apenas aos modelos físicos ou biológicos ideais, não

albergada por dois filósofos pré-socráticos. Também

podendo ser encontrado na natureza. Nesta introdução, a

conhecidos como filósofos naturalistas, Parmênides (530

priori, nos interessa inicialmente abordar algumas facetas do

a.C.-460.a.C.) e Heráclito (540 a.C.-470 a.C.) divergiam

Cinetismo nas artes por meio de duas técnicas diferentes.

em suas propostas sobre a essência da realidade. Para o

A primeira seria a perspectiva, pela qual passaremos

primeiro, a realidade era imutável, estática, e sua essência

rapidamente, e a segunda o estudo da mecânica, aplicada

estava incorporada à individualidade divina de um Ser-

no desenvolvimento não só de máquinas, mas também

Absoluto, o qual permearia todo o universo. Em oposição,

dos autômatos e na produção das vanguardas artísticas do

Heráclito propunha que na realidade tudo era movimento,

século XX.

e que nada poderia permanecer estático. (CHAUÍ, 2002) Este devir que permeia todas as coisas é dado por meio da

Apesar de ter atingido seu desenvolvimento pleno no

alternância entre contrários, por exemplo, a noite sucedendo

período do Renascimento, a perspectiva teve seu início na

o dia. A realidade, então, aconteceria não apenas em uma

Grécia Antiga por meio da técnica do escorço, efeito que

das alternativas, posto que ambas sejam parte desta, e sim,

representa os objetos ,que, vistos de frente ou à distância,

na transição entre seus diferentes estados. Indo além desta

parecem menores que o seu tamanho natural. (JANSON e

espécie de gênese do pensamento ocidental em torno da

JANSON, 1996)

cinética como questão filosófica, também pertencem à

116

antiguidade clássica as primeiras representações artísticas

A perspectiva foi definida empiricamente no séc. XI, quando

que emulam o movimento, bem como os primeiros estudos

o matemático e filósofo árabe Alhazen (965-1040), em seus

sobre a natureza do movimento no mundo físico.

estudos sobre Ótica e Geometria Descritiva, pela primeira 117


vez demonstrou que a luz projeta-se de forma cônica no olho

encontrado no modelo do quadro renascentista, que garante

Podemos encontrar a comprovação dessa confluência nos

desenvolvidos por seus autores. (LOSANO, 1990) Estes

humano. Tal fenômeno foi traduzido para efeito geométrico

um caráter estanque, estático à composição pictórica.

antigos manuscritos árabes, não só sobre perspectiva, como

mecanismos tinham finalidades bélicas, hidráulicas, dentre

e visual do ponto de fuga – ponto de convergência das

(JANSON e JANSON, 1996)

já citamos anteriormente os manuscritos de Alhazen, que

outras. No entanto, grande parte dos esquemas descritivos

graças ao seu contato com as matemáticas ptolomaica e

era dedicada à arte dos autômatos.

linhas que descrevem a profundidade dos objetos – e a direção para onde o objeto segue se aprofundando.

Em suma, a representação da realidade nas artes passou

euclidiana, desenvolveu não só alguns estudos sobre ótica,

Comumente atribuem-se a Giotto di Bondone (1266-1337),

a ter veementemente uma noção de verossimilhança que

mas também diversos textos sobre mecânica.

as primeiras produções artísticas onde a técnica foi aplicada

coincidisse com a noção de realidade proposta daquele

completamente. (JANSON e JANSON, 1996)

período histórico. Não por coincidência, uma das definições,

Desde o início da Idade Média, os povos de cultura árabe

da ideia de cinética nas artes, fazendo um paralelo entre a

desde a origem do pensamento pré-socrático, para a noção

figuravam como exímios detentores de conhecimentos

arte dos autômatos, com registros desde a Grécia Antiga,

Mas de que maneira a perspectiva pode estar relacionada

de vida equivalia à noção de movimento. E representar

sobre Astronomia, Arquitetura, Matemática, Música,

até a apropriação da técnica maquínica e da perspectiva

à representação do movimento? A resposta está no fato

a realidade artisticamente era, consequentemente,

Geometria e Artes visuais. Parte da explicação para esse

para efeito cinético pelas vanguardas artísticas do século

de que ela possibilitou a representação pela arte de uma

representar também o movimento assim como a visão

avançado conhecimento deve-se a invasão da cidade

XX. Não pretendemos, definitivamente, traçar um percurso

realidade tridimensional em um plano bidimensional. Isso

humana o percebia.

egípcia de Alexandria realizada no séc. VII. Ali houve o

historicista propondo aqui os autômatos como gênese

contato com o conhecimento da antiguidade clássica.

da arte cinética ou da robótica. Uma nova linguagem

significa que a representação de uma cena, como a de

118

É importante frisarmos que o presente ensaio tem como objetivo abordar as diferentes concepções representativas

Beijo de Judas em um afresco pintado por Giotto, ganhasse

Pertence também a esta época o resgate de um

(LOSANO, 1990) São dois os manuscritos árabes, datados

artística não é somente fruto das consequências de

vitalidade. Permitiu ao pintor emular a aglomeração das

conhecimento produzido na antiguidade clássica que daria

da Idade Média, que tiveram enorme influência na mecânica

desenvolvimentos tecnológicos ao longo do tempo, mas

figuras e, claro, o movimento de furor destas no instante

início a uma série conhecimentos que fundamentariam

moderna: O livro dos mecanismos engenhosos, escrito

principalmente das ideias e conexões sociais de sua

em que Jesus é entregue aos romanos, ao mesmo tempo

não só a ciência moderna, mas também grande parte

pelos irmãos Banu Musá e O livro do conhecimento dos

época. Estamos aqui alinhados às proposições de uma

em que recebe o beijo de arrependimento da traição.

da produção artística feita entre os séculos V e XIX. É

mecanismos engenhosos escrito por Al Jazari. (LOSANO,

“arqueologia” do cineticismo nas artes, e não a uma

A perspectiva, além de ser um refinamento técnico da

indispensável afirmarmos que neste ensaio temos como

1990) Poderíamos nos aprofundar aqui a respeito de

genealogia direta de expressões artísticas. Esta introdução

representação da realidade, também estava em consonância

pressuposto não separar o conhecimento artístico da

uma descrição sobre ambos tratados. Mas, a princípio,

serve-nos apenas para fundamentar, futuramente, as

com o espírito do tempo renascentista, onde o humanismo

noção de tecnologia, já que tanto a ciência quanto a arte

enfatizaremos apenas que ambos, além de oferecerem

diferentes visões sobre a ideia de movimento nas artes dos

surgia ocasionando uma noção de realidade que fosse

referem-se à produção de conhecimentos que em comum

um conhecimento sobre a descrição do movimento, ou

autômatos e do cinetismo nas vanguardas.

medida a partir do homem. Porém, ela atribui apenas o

implicam no desenvolvimento de pesquisas para produção

seja, a cinemática, bem como estudos sobre suas e forças

efeito ilusório do movimento à uma cena ou paisagem.

de códigos intrínsecos, ou seja, de linguagens. Inclusive,

e causas (a dinâmica), também compartilhavam uma

Soma-se a este fator a presença do formato janela,

os termos técnica e arte foram sinônimos no passado.

coleção descritiva de inúmeros mecanismos maquínicos 119


Brevíssima história dos Autômatos Ao longo da história é sabido que tanto o desenvolvimento

antes de darmos continuidade à contextualização histórica

Desde a Antiguidade clássica, um dos ofícios mais famosos

emprega para saber se é hora de fazer alguma

dessa arte, atentemo-nos à definição usada por Mario G.

ligados à arte dos autômatos é a relojoaria. Essa comunhão

coisa, se será oportuno, propício [...]. Concebido

Losano em seu livro Histórias de Autômatos (1990), para o

entre a relojoaria e máquinas que se moviam remonta às

segundo o sistema ptolomaico, esse relógio

conceito anterior ao do termo contemporâneo:

origens gregas da mecânica e permanece até o século XIX.

coloca a Terra no centro do universo e faz que

Ainda em 1821, colocava-se no mesmo nível a construção

girem em torno dela o Sol, a Lua e os planetas.

das linguagens artísticas quanto o das linguagens científicas estiveram atrelados. Havia, e ainda há, uma afinidade no

São instrumentos mecânicos preparados de

dos relógios e autômatos. (LOSANO, 1990) Alguns dos

Para seu movimento correto e coordenado,

desenvolvimento de técnicas aplicadas nestes campos.

modo tão sutil e engenhoso, segundo as artes

mecanismos mais famosos do Renascimento apresentavam

emprega até engrenagens elípticas ou com

Porém, até o início do Renascimento, iniciam-se diversas

da geometria, que se movem e andam sem

essa junção entre a técnica mecânica para a construção dos

cisões entre os campos do saber. É neste período também

ajuda de força externa: Mas naquela época

autômatos e a relojoaria. Exemplo é o Relógio de Dondi,

que o pensamento científico no ocidente ganha força.

a noção de máquina semovente era muito

criado pelo mecânico italiano Giovanni de Dondi (1318-1389)

O Relógio de Dondi é considerado uma espécie de marco

A partir de então, as áreas do conhecimento começam

extensa. Na realidade, o que mais surpreendia

no século XIV:

da Idade Média, no que diz respeito tanto à noção do

a se tornar especializadas. Também é deste período a

os espectadores – e, portanto, passava a ser

tempo quanto do entendimento isomórfico do movimento

incorporação das artes à Academia, dando a esta o caráter

o centro da definição – era o motor oculto que

Essa maravilhosa máquina do tempo inspira-se

cósmico. Mas o grande diferencial está no fato de possuir

de disciplina. É no século V, final da Idade Renascentista,

imprimia movimento ao aparelho. Até o século

numa concepção de vida e num ritmo existencial

um mecanismo que o permitia funcionar sem uma fonte

que o termo “belas artes” entra na ordem do dia como

passado, a fonte enérgica era, de modo geral,

que já não são nossos. É relógio que mede o

externa. Futuramente, em 1567, o relógio d’água Ctesíbio,

sinônimo de arte acadêmica, separando arte e artesanato,

apartada das máquinas: a água, o vento, o cavalo,

tempo dos astros e não dos homens. Certo,

homônimo do matemático e engenheiro grego conhecido

artistas e mestres de ofícios. Podemos identificar aí também

o homem. Assim o Autômato impressionava em

indica também as horas, mas por motivos

por seus inventos mecânicos no século III a.C., apesar de

as origens do conceito de “arte aplicada”. Em suas origens,

primeiro lugar por ser uma máquina em que a

substancialmente diversos dos que conduzem

ser movido à água, traria ao invés da Terra em seu centro, o

as artes aplicadas eram uma produção feita por artesãos,

força motriz é parte de si mesma. Pertencem

atualmente à fragmentação utilitária do dia: seu

Sol. (LOSANO,1990)

como a dos mestres mecanicistas, especializados na criação

a essa categoria todas as máquinas que são

mostrador tem apenas o ponteiro das horas, tal

de mecanismos maquínicos das mais diversas naturezas,

movidas por pesos ou molas, e dão a impressão

como seus irmãos e contemporâneos menos

Ao mesmo tempo em que a construção dos autômatos

inclusive autômatos.

de movimentarem-se sozinhas. Servem de

complexos, colocados nos campanários.

estava ligada às noções de arte aplicada, a um ofício,

exemplo os relógios e os pesos giratórios.

Quem os construía e quem os observava tinha

como no caso dos relógios, havia aqueles autômatos,

Atualmente, o conceito de autômato diz respeito a um

(POWERS e BERGIER citados por LOSANO,

um sentido do tempo e, portanto, da vida,

“figuras antropomorfas animadas, também chamadas de

sistema reconhecedor de uma determinada linguagem e

1990, p. 13)

diversos do atual. É um relógio que não se usa

“andróides” – termo de origem grega que indica autômato

para saber que horas são. É relógio que se

de aparência humana.” Na história dos autômatos há

serve para modelar uma máquina ou computador. Mas 120

dentes irregulares. (LOSANO, 1990 p. 55-56)

121


122

também aqueles que emulavam animais. Exemplo disso é

relegada à noção de ofício. A explicação, enfim, possui

particularmente as italianas, ou outra coisa, não

pelo mecanismo no interior dos autômatos, era “real”

o famoso Pato de Vaucanson (1739), criado pelo mecânico

muito mais um cunho social do que de dificuldades de

signifique senão vil mercenário, abjeto, vulgar

demais para aqueles tempos. Os antigos construtores de

francês Jacques Vaucanson (1709-1790) que imitava todos

acesso ao conhecimento, ainda que o contato com os

e sórdido”. (BALDI citado por LOSANO, 1990, p.

autômatos faziam questão de ocultar os mecanismos de

os movimentos de um pato real, incluindo o sistema

grandes tratados ficasse restrito a uma minoria detentora

61-62)

funcionamento, pois isso dava mais realidade ao efeito

digestivo, com um complexo sistema mecânico-químico.

do poder. Losano, citando o tratado que o mecânico italiano

(LOSANO, 1990). Neste autômato, só uma das asas possuía

Bernadino Baldi publicou em 1589, explicita como o ofício

Os autômatos eram considerados máquinas feitas para o

acima também pode explicar o porquê dessas máquinas

mais de 400 peças articuladas.

dos autômatos era visto naquela época:

assombro dos espectadores. A noção de brinquedo era

terem incorporado linguagens pertencentes à escultura, e

parte integrante da cultura clássica: gregos e latinos não

não o contrário.

cinético obtido. Desta forma, o conjunto de fatores descritos

Ao longo da história estes mecanismos foram usados

Embora na mecânica o trabalho intelectual

atribuíam ao brinquedo nenhuma conotação negativa.

para fins úteis ou fúteis. Os critérios de avaliação variavam

prevaleça sobre o trabalho físico, aqueles que

(LOSANO, 1990). No entanto, essa noção não poderia

Para elucidarmos um pouco mais as possibilidades cinéticas

conforme as culturas e épocas. Os manuscritos de Al

a praticam são considerados pessoas vis e

ser aceita sem dúvidas numa sociedade permeada pelo

dos autômatos, descreveremos em seguida, avançando

Jazari (1136-1206), um dos textos-referência para a arte

pessoas de nenhum valor; a razão, segundo

cristianismo medieval ou renascentista. Muito menos

um pouco no percurso histórico, um dos mais famosos

dos Autômatos, traziam a descrição tanto de mecanismos

penso, é que, sendo na maioria as pessoas

seria dado a esta técnica a condição de arte. Além disso,

exemplares autômatos, segundo Losano. Os autômatos

voltados para o uso medicinal quanto o de relógios movidos

que realizam plebeias, de espírito abjeto,

enquanto o efeito da perspectiva ao mesmo tempo servia

de Vaucanson (1709-1782), citado anteriormente, são os

à água. A Renascença redescobriu os originais gregos e

mercenárias e todas inclinadas à sordidez do

para dar ilusão de vivacidade e veracidade à representação

exemplos mais conhecidos. Suas Anatomies Mouvants

colocou de lado os mediadores islâmicos e medievais.

ganho, as coisas por elas tratadas são afetadas,

de uma cena sacra em seu modelo estático, possuindo

conquistaram fama não só entre o povo francês, mas

(LOSANO, 1990). Daí as noções mecânicas de origem

de certo modo, e perdem aquela reputação que

um efeito moral e educativo, a recíproca não era a mesma

também entre as monarquias europeias. Além do pato

clássica serem transplantadas para um mundo em que o

a sua perfeição deveria trazer-lhes. Sem dúvida,

em relação às artes mecânicas aplicadas à construção

artificial, que simulava funções fisiológicas com grande

cristianismo vive o drama da Reforma e da Contra-Reforma.

mecânica e medicina são ciências nobres, “não

de autômatos. Desde a Era Medieval, ela era vista como

realismo, outros dois trabalhos famosos do mecânico foram

De um lado, ferve a obra dos humanistas, que recuperam

obstante pareça que junto às pessoas tenham

um sacrilégio, pois o construtor de autômatos poderia

seu Fauno Flautista (1735), inspirado em uma escultura do

também o aspecto técnico da cultura clássica; e de outro,

perdido em parte o natural esplendor, depois

recorrer “às artes diabólicas e reprovadas, tais como as dos

artista Antoine Coysevox, e seu Tamborileiro (1738):

ainda imperava os status e o peso da cultura religiosa.

que começaram maltratá-las os charlatães e

encantadores, que com ajuda de maus espíritos provocam

Talvez isso sirva para explicar o porquê de outras técnicas,

outras gentes infames e mercenárias, fazendo

confusão”. (BALDI citado por LOSANO, 1990).

como por exemplo, a perspectiva, terem sido incorporadas

com que a palavra mecânico, que aos ouvidos

pela arte sacra nas diversas pinturas renascentistas e

gregos soava como título honrado de inventor e

Em suma, o efeito de verossimilhança simulando a

mecanismo é original, inclusive quanto à escolha

maneiristas, e o porquê da arte dos autômatos ter ficado

fabricante de máquinas, às pessoas deste tempo,

vida humana ou animal, dado pelo cinetismo provocado

do instrumento: a flauta transversal permite

O flautista tem o semblante de uma já mencionada escultura de Fauno, mas seu

123


escritor alemão Goethe, em 1805, quando visitou a casa de

lábios sobre o bocal, na lateral do instrumento.

Bereis, encontrou os autômatos danificados pela umidade

O segundo autômato toca um instrumento ainda

do pavilhão do jardim. Suas primeiras impressões foram

Foi a partir de meados do século XIX, com a Revolução

uma nova forma de percepção estética da

mais complexo: uma espécie de pífaro provençal,

confiadas a uma carta escrita durante a visita: “há apenas o

Industrial, que as máquinas definitivamente passaram a

realidade: os impressionistas criaram uma pintura

o galubé, caracterizado por ter apenas três furos.

pato que come e move ainda as asas e o pescoço; mas com

tomar conta do cotidiano ocidental. A influência do avanço

veloz, lumínica, vaporosa, manchada, que captava

Por isso, os sons exigem grande variação de

isso esgotam-se suas capacidades”. (GOETHE citado por

tecnológico permeou diferentes áreas do conhecimento,

o instante. (BRANDÃO, 2006, p. 43)

pressões pneumáticas e conformações da boca,

LOSANO, 1990).

e isso não foi diferente no campo da arte, nesta altura

levado rapidamente, as luzes elétricas, o vapor, estes novos elementos combinados produziram

já estabelecido como disciplina. Como destaca Ângela

Além desta crise da representação da realidade povoada

Desta breve narrativa podemos tirar algumas conclusões

Brandão em seu artigo “A arte e a imagem das Máquinas”

por máquinas, outro fator a completar esta mudança está

em torno do uso da cinética como forma de representação

(2006), embora a pintura do século XIX, em sua vertente

no surgimento de novas linguagens pictóricas incentivadas

De fato, o exemplo citado acima é posterior à Era

e simulação da vida. Assim como a pintura produzida no

considerada realista, tenha iniciado a representação do

pelo aparecimento da tecnologia fotográfica. Se a fotografia

Renascentista e elucida a forma como as técnicas

período Renascentista estava imbuída de representar a

trabalho nas fábricas e a presença das máquinas em

libertou a arte da representação do real por meio de um

mecânicas, dentre outras, já estavam sendo incorporadas

realidade tal como o olho humano fisicamente a via, a arte

meio aos trabalhadores, o primeiro movimento artístico,

caráter idôneo e fidedigno, dando espaço para que a pintura

pela sociedade, sem os preconceitos anteriores. Mesmo

dos autômatos também se encarregava, mesmo sendo

na segunda metade do século XIX, a deixar que as

e outras artes se tornassem livres para expressões de

assim a arte dos autômatos continuava relegada ao status

considerada uma arte menor, de tentar representar figuras

transformações do industrialismo produzissem não apenas

realidades mais subjetivas, por outro lado ela permitiu ao

de ofício, e mesmo neste campo, estava ligada a um prazer

realistas por meio da junção entre a mecânica e a escultura

mudanças temáticas, mas também mudanças estéticas foi

homem apreender e escrutinar os fenômenos ligados a

exótico, ainda que fizesse certo sucesso entre as cortes

renascentistas. Com o tempo suas técnicas foram sendo

o impressionismo:

ciência cinética. Exemplo disso são as séries fotográficas

europeias. O exemplo disso está no próprio destino dado

incorporadas em diferentes áreas, como a cenografia, a

aos autômatos de Jaques de Vaucanson, que morreu pobre

relojoaria, dioramas e maquinaria têxtil. Mas a arte dos

Claude Monet (1840-1926) procurou pintar a

experimentos com o uso de múltiplas câmeras para captar

não só por ter gasto a sua pequena fortuna na construção

autômatos esteve sempre enquadrada dentro das artes

grandiosidade das locomotivas e das estações de

o movimento. Além dos experimentos muybridianos,

desses mecanismos, mas também devido às guerras

aplicadas, jamais sendo considerada uma arte maior como a

trens; Constantin Meunier (1831-1905), pintor e

tanto a dinâmica quanto a cinética tiveram suas bases

que assolaram a França durante o período da revolução.

pintura é, por exemplo.

tornando extremamente complicada a obra do construtor. (LOSANO, 1990, p. 79).

124

A virada das máquinas

modificar o som conforme o modo de apoiar os

de Eadweard Muybridge (1830-1904), conhecido por seus

escultor belga, havia tentado fixar a fumaça das

profundamente modificadas pelo aparecimento da Física

De deleite e divertimento da monarquia, as Anatomies

fábricas enobrecendo a figura dos trabalhadores.

newtoniana, que mudou radicalmente o conhecimento

Mouvants terminaram na casa do alemão Gottfried

Mas a velocidade dos trens, a visão das

sobre a ideia de movimento. Soma-se a esse conhecimento

Cristoph Bereis (1730-1809), um marchand interessado

paisagens que passam pela janela em

sobre a cinética, a influência da Teoria da Relatividade

em “curiosidades barrocas”. (LOSANO, 1990) O renomado

movimento, diante dos olhos de um viajante

proposta por Albert Einstein (1879-1955), publicada em 125


1905, tendo como um dos seus pressupostos o fato de ser

Provavelmente, os desenhos de Al Jazari

movimento artístico que elegeu os materiais e elementos

pareceu acontecer com a representação do movimento.

a velocidade do movimento de um objeto sempre relativa ao

também influenciaram por essa via uma das

derivados da realidade cotidiana, para o uso em obras de

Perscrutado por diferentes ciências, assim como a vida

ponto de vista do observador.

mais significativas obras de arte moderna: a

arte. Uma de suas obras mais famosas é a escultura Chariot

humana, a cinética acabou ganhando novas dimensões na

Mariée mise à nu par ses célibataires, même

MK IV (1966), constituída por um conjunto de rodas e de

arte produzida no século XX. O cinetismo, que dava aos

Essa mudança no pensamento ocidental teve profundo

(Noiva despida por seus celibatários, mesmo),

engrenagens que reproduzem a estrutura de uma máquina.

autômatos “o princípio de seu próprio movimento”, e que

impacto na arte. Citando novamente Brandão, o Futurismo,

hoje no Metropolitan Museum de Nova York, em

Ao contrário dos autômatos, que através da ocultação dos

por isso dava a esta arte um caráter sacrílego, é resgatado

sobretudo em sua vertente italiana, foi a primeira

que Marcel Duchamp trabalhou de 1915 e 1923,

mecanismos tentavam simular um ser vivente, as esculturas

pelos vanguardistas. Isso se deu não apenas como forma

manifestação artística que declarava abertamente a

quando abandonou não apenas a Mariée, mas

de Tinguely pretendiam serem inúteis para ridicularizar as

de representar mais aproximadamente os fenômenos

exaltação da técnica e de uma nova beleza maquínica.

também a carreira de pintor. Esse trabalho sobre

máquinas às quais a humanidade parecia estar escravizada.

mediados pela realidade maquínica, mas principalmente

(BRANDÃO, 2006). Além disso, o surgimento do cinema

o vidro – também conhecido como Large Glass

(LOSANO, 1990) Ironicamente, Tinguely parecia retomar por

para romper com “os ritmos estáticos; únicos elementos da

também se insere como catalisador das mudanças em torno

– propõe irônica comparação entre o homem e

meio de suas maquinetas as questões filosóficas propostas

arte pictórica desde o Renascimento”. (GABO, 1920 citado

da representação do movimento, pois enquanto técnica

a máquina; mas os especialistas em história da

pelos Pré-socráticos:

por STILES e SELZ, 1996) Tal premissa foi afirmada pelo

resultou de uma busca antiga para se registrar o movimento.

arte ainda debatem se trata-se realmente de uma máquina de Al Jazari. (LOSANO, 1990, p. 33),

escultor russo Naum Gabo, pioneiro do Construtivismo, em O movimento é estático! O movimento é

seu Manifesto Realista escrito em 1920. Este manifesto não

estático porque ele é a única coisa mutável, a

influenciou apenas o Construtivismo brasileiro, mas também

tentaremos aqui traçar brevemente um paralelo entre

Duchamp também ficou conhecido pela suas experiências

única certeza, a única coisa que é alterável [...].

o movimento do Novo realismo, do qual Tinguely fez parte.

a poética do cinetismo dos autômatos, amplamente

cinematográficas dadaístas em torno do movimento de

A única certeza é que movimento, mudança

produzidos entre o Renascimento e o período Romântico,

formas geométricas, as Anemic Cinema enfatizavam valores

e metamorfoses existem. É por isso que

Mas não só de máquinas moventes a arte cinética do século

e as obras de arte produzidas dentro das vanguardas ao

rítmicos e estéticos e o desprezo pelas estruturas narrativas

o movimento é estático. [...] Acredite em

XX foi feita. O pintor e escultor húngaro, Vitor Vasarely

longo do século XX. Uma breve relação entre os autômatos

convencionais. Antes disso, sua pintura, Nu descendo

mudanças. Não se agarre a nada. Tudo sobre

(1908-1997) publicou o Manifesto Amarelo na ocasião

e algumas experiências estéticas em torno do cinetismo

a escada (1913), já apontava um misto de linguagens,

nós é movimento. Tudo em torno de nós muda.

de sua participação, junto a outros artistas como Marcel

aconteceram na obra de Marcel Duchamp (1887-1968), em

mediadas por máquinas, para registrar o movimento como a

(TINGUELY citado por STILES e SELZ, 1996,

Duchamp, Alexander Calder, Jesús Soto e Jean Tinguely,

conjectura Losano diz:

fotografia e o cinema.

p. 404).

da exposição Le Mouvement, realizada em Paris no ano

Retomando o tema principal proposto por este ensaio,

de 1955 que enfatizava a cinética na arte. (OLIVEIRA E

126

Outro exemplo são as máquinas de tradição dadaísta

Assim como as imagens foram ganhando um caráter

FRANCO, 2010). O manifesto, inspirado pela investigação

de Jean Tinguely, um dos fundadores do Novo realismo,

abstrato ao longo do século XX, o mesmo fenômeno

dos construtivistas e pioneiros da Bauhaus, postulava que 127


a cinética visual se baseava na percepção do espectador,

acontecido apenas nos anos 1960 e 1970, embora neste

digital são algumas das nomenclaturas que se popularizaram

OLIVEIRA, Thaís Pereira de; FRANCO, Edgar Silveira. Arte cinética

jogando com as ilusões ópticas. Vasarely tornou-se um

período tenha havido uma força organizada e alinhada a uma

nos últimos 40 anos, desde que o guarda-chuva da “arte

e ciberarte: propostas de interatividade. In: VENTURELLI, Suzete

dos principais representantes da Op Art, termo usado para

ideologia estética conhecida como Arte Cinética ou Cinetismo.

e tecnologia” adentrou os circuitos das bienais, ganhando

(Org.). 9º Encontro Internacional de Tecnologia: Sistemas complexos,

descrever uma arte que explora a falibilidade do olho por

Nossa intenção neste ensaio foi abordar a presença da cinética

espaço separado, como se fosse um filho bastardo. Em

naturais, artificiais e mistos 2010 Disponível em: http://portais.ufg.br/

meio de ilusões ópticas que dão a sensação de movimento

nas artes do Renascimento até ás vanguardas artísticas do

suma, tanto a história dos autômatos, como a incorporação

deploy/projetos/9art/nono_art.pdf#page=428. Acesso em: 17 jun. 2011.

da imagem a medida que o espectador se move. Essa

século XX, seja através dos autômatos, seja através de outros

da cinética e suas técnicas ao campo da arte, servem para

característica, de provocar o movimento do espectador,

trabalhos das vanguardas.

pensarmos onde o maquínico pode ser encontrado dentro

BARRET, Cyril. Arte cinética. In: STANGOS, Nikos (Org.) Conceitos da

das artes ou as artes dentro do maquínico. Tal processo é

Arte Moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.

também poderia ser encontrada em algumas obras do alto

128

Renascimento, contemporâneas dos autômatos, como o

Finalizamos pensando sobre uma das obras brasileiras mais

indispensável para identificarmos diferentes poéticas em

quadro Os embaixadores (1533), do alemão Hans Holbein

inquietantes na estética do Cinetismo. O Cinecromático

uma época onde todas as subjetividades se encontram

TINGUELY, Jean. Untitled Statement (1961) In:STILES, Kristine; SELZ,

(1497-1543). Nesta pintura há uma figura deformada pelo

(1951), de Abraham Palatnik – uma caixa em que são

cercadas por redes de máquinas das mais diversas.

Peter. Theories and Documents of Contemporary Art: a sourcebook of

efeito da anamorfose – ilusão óptica de uma imagem ou

projetadas formas coloridas em movimento – participou da

uma perspectiva – que requer do espectador o uso de

primeira Bienal de São Paulo, que aconteceu em 1951. Mas

algum instrumento ou o seu deslocamento para algum outro

a obra quase não pode integrar essa primeira Bienal, pois os

ângulo, a fim de reconstituir a imagem. (BERTÓLA, 1973).

organizadores não souberam em que categoria enquadrá-

Para além do efeito de ilusão imagética, Vasarely propunha

la. O Cinecromático acabou entrando na categoria pintura/

CHAUÍ, Marilena. Introdução à história da Filosofia: dos pré-socráticos

a participação mais ativa do espectador na obra de arte,

escultura, recebendo um prêmio especial de pesquisa. Hoje

a Aristóteles. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. v.1.

imprescindível para o efeito óptico de suas imagens.

o Cinetismo se encontra incorporado pela arte de maneira

artists writings. Berkeley; Los Angeles, California Press, 1996. Referências BIBLIOGRÁFICAS:

MACHADO, João Carlos. Máquinas imprecisas: materiais, procedimentos e imaginário em aparelhos mecânicos de arte. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/101 83/7613. Acesso em 17 jun. 2011. BRANDÃO, Ângela. A arte e a imagem das máquinas. In: Revista

geral. Porém, a cisão entre as categorias artísticas ainda

JANSON, H. W. & JANSON Anthony F.. Iniciação à história da Arte.

tecnologia e sociedade, Ed. UTFPR, 2006 . Disponível em: http://

Dessa forma, as vanguardas históricas, como o Futurismo, o

permanece em voga. Destacamos a presente separação dos

São Paulo: Martins Fontes, 1988.

www.ppgte.ct.utfpr.edu.br/revistas/tecsoc/rev02 /rev02_completa.

Cubismo, o Dadaísmo e o Construtivismo buscaram expressar

temos arte e tecnologia. Desde os tempos mais remotos foi

o mundo pelo viés do cinetismo, como forma de romper com

necessário a elaboração de técnicas para qualquer criação

LOSANO, Mario G. Histórias de autômatos: da Grécia Antiga à Belle

outras linguagens artísticas anteriores. Para a introdução do

artística. Da perspectiva clássica à máquina fotográfica,

Époque. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.

elemento cinético na arte do século XX, o Construtivismo

arte e tecnologia são duas faces da mesma moeda, mas

russo, por meio de seu manifesto, teve enorme influência.

que, por um mal entendido, estão em conflito nos circuitos

BÉRTOLA, Elena de. El arte cinético. Ed. Nueva Visión-Buenos

Aqui rejeitamos a ideia de arte cinética como um movimento

da crítica e do mercado. Artemídia, arte eletrônica e arte

Aires. 1973

pdf#page=43. Acesso em: 17 jun. 2011.

129


Os Vídeos Abertos da América Latina NACHO DURÁN

2012

As Veias Abertas

Durante cinco anos, percorri quase quinhentos mil

do Brasil, na Argentina, na Bolívia, na Colômbia, em Cuba,

quilômetros e várias vezes as quinhentas páginas sobre

no México, no Peru e na Venezuela, além de no Canadá e

os quinhentos anos das Veias Abertas, vivas, esburacadas,

nos Estados Unidos com as comunidades latino-americanas

Na caminhada, até perdemos o direito de

entupidas, abafadas, coloridas, exuberantes, quentes,

de Nova Iorque e Toronto.

chamarmo-nos americanos, ainda que os

turbulentas e escorregadias da chamada América Latina,

haitianos e os cubanos já aparecessem na

descritas no livro de Eduardo Galeano, que me levaram

O projeto Os Vídeos Abertos da América Latina

História como povos novos, um século antes dos

por vias de transporte, rodovias, rios, trilhos, estradas de

dá continuidade a trabalhos anteriores que venho

peregrinos do Mayflower se estabelecerem nas

terra, rotas aéreas, trilhas nas montanhas e nas matas,

desenvolvendo desde 2003 que usam como linguagem em

costas de Plymouth. Agora, a Amélica é, para o

desertos, mares e lagos... e vias de comunicação, que criam

comum o micro-cinema, vídeos curtos, às vezes em loop,

mundo, nada mais do que os Estados Unidos:

e mantêm essas redes e rotas independentes, locais e

normalmente gravados com celular ou câmeras baratas e

nós habitamos, no máximo, numa sub-América,

globais, me levando de um canto para o outro.

feitos para internet: o videoblog <www.telekommando.net/

numa América de segunda classe, de nebulosa

videoblog>, primeiro feito na América Latina; o diário de

identificação. É a América Latina, a região das

Esses percursos, realizando trabalhos de arte e tecnologia,

viagem mobileiros <www.telekommando.net/mobileiros>;

veias abertas. (...) Para os que concebem a

dando oficinas, fazendo VJing, conhecendo os lugares e

as video-correspondências <www.telekommando.net/

História como uma disputa, o atraso e a miséria

os povos, vivendo, me motivaram e influenciaram a gravar

video-correspondencias>, video-cartas feitas com celular;

da América Latina são o resultado de seu

vídeos e áudios dessas paisagens que visitei, a capturar

e as oficinas feito.a.mouse <www.telekommando.net/

fracasso. Perdemos; outros ganharam. (As veias

fotos panorâmicas — que formam o trabalho Panoramas

feitoamouse>, produzindo fragmentos, pequenos recortes

abertas da América Latina)

del Sur: <www.telekommando.net/panoramasdelsur> —,

do meu cotidiano e das realidades que formam esse

a fazer entrevistas sobre a influência das novas tecnologias

labirinto dos lugares pelos quais passei.

As Veias Abertas da América Latina

na vida das pessoas, e principalmente, realizando as

130

oficinas feito.a.mouse de Vídeo de Bolso sobre produção

Pretendo canalizar as experiências artísticas anteriores com

Em abril de 2009, durante a V Cúpula das Américas na

audiovisual para internet e celular, sobre cartografia digital

esses vídeos produzidos nas oficinas e outros gravados em

cidade de Port of Spain, em Trinidad e Tobago, o presidente

e VJing, promovendo a inclusão digital e a divulgação do

trânsito, para mostrar pontos de vista meus e de outros

venezuelano Hugo Chávez se encontra pela primeira vez

conhecimento artístico-tecnológico. Essas experiências

colaboradores sobre as questões levantadas no livro As

com o recém-eleito Barack Obama e, entre o nervosismo do

aconteceram na América Latina em mostras, festivais,

veias abertas da América Latina e, idealmente, transformar o

choque ideológico, Chávez atravessa o formalismo e entrega

centros culturais e de inclusão digital em todas as regiões

livro em um filme, de forma colaborativa.

a Obama o livro As veias abertas da América Latina, escrito 131


em 1971 pelo escritor uruguaio Eduardo Galeano pouco

com outro olhar, outro filtro, para poder sentir a impotência

humanos. O modo de produção e a estrutura de

linear, geo-localizadamente. Analisando o índice remissivo,

antes do golpe de Estado no Uruguai, que instaurou uma

do colonizado, para repensar essa(s) História(s) que me

classes de cada lugar têm sido sucessivamente

onde aparecem os mais destacados personagens e

ditadura cívico-militar pela qual o escritor teve que se exiliar.

contaram na escola de um ponto de vista totalmente

determinados, de fora, por sua incorporação à

topônimos, ordenados alfabeticamente e com as referências

eurocêntrico. Representa e resume o que agora entendo

engrenagem universal do capitalismo. A cada

para as entradas no texto. Decidia re-ler os trechos que

O livro foi proibido em vários países do cone sul durante

como um pensamento indígena, como “os pesadelos da

um dá-se uma função, sempre em benefício

correspondiam a determinados países (Brasil, Colômbia,

os períodos das ditaduras, por, como após esse encontro

longa noite dos quinhentos anos”, uma longa noite que

do desenvolvimento da metrópole estrangeira

Cuba, México, Peru, Venezuela...) ou regiões (Amazônia,

a Casa Branca declarou, “representar a base da teoria da

apenas agora vislumbra uns primeiros raios de sol, justo

do momento, e a cadeia das dependências

Andes, Caribe, Minas Gerais...), dependendo dos destinos

dependência da América Latina com os Estados Unidos”, e

quando os maias anunciam o fim de um ciclo...

sucessivas torna-se infinita, tendo muito mais

que ia visitar.

na época, graças à censura, se converteu em um livro de

de dois elos, e por certo também incluindo,

culto da esquerda latino-americana, que marcou a ideologia

Pesadelos de conflitos étnicos, religiosos, sociais, políticos

dentro da América Latina, a opressão dos países

Antes de iniciar a viagem para cada região, selecionava

de uma era e influencia até os dias de hoje; uma Bíblia

e culturais, de explorações (no sentido amplo, da natureza

pequenos por seus vizinhos maiores e, dentro

minuciosamente os termos que ia ler, marcando as páginas

latino-americana..

e das pessoas) e de revoluções, da luta dos nativos contra

das fronteiras de cada país, a exploração que as

e depois, durante a leitura, escolhendo dentro dessas

os colonizadores, cheio de uma boa dose de vitimismo, mas

grandes cidades e os portos exercem sobre suas

passagens as frases mais interessantes, pela importância do

Esse gesto de Chávez foi uma declaração de princípios,

também de autocrítica, ao narrar os desastres e o desdém

fontes internas de víveres e mão de obra.

conteúdo relatado ou pela sua facilidade para ser substituída

ao insistir em que o presidente dos EUA pelo menos

cometidos pelas elites locais, inimigos dentro do próprio

conhecesse os outros pontos de vista, para poder estar na

continente, que, com uma retórica populista, criam mais

mesma página da História do continente. Uma História que

desigualdades internas que as que prometem combater.

por um videotexto para este projeto, um vídeo que resuma As Veias Abertas da América Latina

o conteúdo de um texto, ou que sirva como apoio sensorial para seu entendimento.

continua cíclica. O livro, que já tinha dezenas de edições

132

Nas Veias

publicadas em vários idiomas, deixou, em horas, de figurar

Desde o descobrimento até nossos dias, tudo

entre os 60 mil mais vendidos da loja Amazon.com para ficar

se transformou em capital europeu, ou, mais

nos dez mais vendidos.

tarde, norte-americano, e como tal tem-se

Nestes tempos em que o intercâmbio de arquivos digitais

planeta habitáveis pelo Homem. O controle de

Não é demais advertir que a Amazônia é a zona de maior extensão entre todos os desertos do

acumulado e se acumula até hoje nos distantes

é tão cotidiano, acabei comprando uma edição em

natalidade pôs-se em prática nesse grandioso

Eu o li pela primeira vez ao chegar ao Brasil, devorando as

centros de poder. Tudo: a terra, seus frutos

castelhano da mesma maneira que a teriam comprado

espaço vazio, para evitar a competição

páginas, pela sua narrativa tão fluida e detalhista, costurada

e suas profundezas, ricas em minerais, os

clandestinamente durante as ditaduras, uma cópia pirata em

demográfica dos muito escassos brasileiros que,

à base de relatos curtos carregados de muita ironia e

homens e sua capacidade de trabalho e de

um beco de La Paz, por não mais de três dólares. Com essa

em remotos rincões da selva ou das planícies

provocação. Foi uma (re)descoberta do continente para mim,

consumo, os recursos naturais e os recursos

cópia na mochila passei a re-ler o livro de uma forma não-

imensas, vivem e se reproduzem. (...) Na 133


América Latina é mais higiênico e eficaz matar

das montanhas ao deserto, do deserto às cidades, das

no vazio, fora do marco geral da economia latino-

lugares diferentes que ao mesmo tempo contêm todos

os guerrilheiros nos úteros do que nas serras ou

cidades às periferias, imaginando essas migrações que

americana. É verdade que há tribos brasileiras

os outros lugares. América não se pode entender sem

nas ruas. Diversas missões norte-americanas

não entendem fronteiras desde o olhar de um “pássaro de

ainda encerradas na selva, comunidades do

essas viagens rizomáticas, por estradas em permanente

esterilizaram milhares de mulheres na Amazônia,

ferro”, observando essa fusão dos climas, do amazônico ao

altiplano isoladas por completo do mundo,

movimento que se afunilam ou se multiplicam e às vezes

apesar de ser esta a zona habitável mais deserta

andino em poucos minutos, passando por nuvens, vulcões,

redutos de barbárie na fronteira da Venezuela,

derivam em becos sem saída, sem fazer essa leitura

do planeta. Na maior parte dos países latino-

cordilheiras, desertos, lagos...

mas no geral os índios estão incorporados no

não-linear de sua História, que não pode ser dividida em

sistema de produção e no mercado de consumo,

capítulos por países ou revoluções, mas conetando questões

Desterrados em sua própria terra, condenados

embora de forma indireta. Participam, como

que ultrapassam as fronteiras. O acesso sob demanda a

ao êxodo eterno, os indígenas da América Latina

vítimas, de uma ordem econômica e social onde

esse conteúdo me permitia ir diretamente aos assuntos

foram empurrados para as zonas mais pobres,

desempenham o duro papel dos mais explorados

relativos a cada terra que visitava, alcançando um melhor

Pretendo transmitir essas experiências multissensoriais

as montanhas áridas ou o fundo dos desertos, à

entre os explorados. Compram e vendem boa

entendimento de cada cultura e das pessoas de cada lugar.

que tive ao ler os relatos estando no próprio lugar onde se

medida que se estendia a fronteira da civilização

parte das escassas coisas que consomem e

relatam. Ler esse fragmento anterior, acerca da imensidão

dominante. Os índios padeceram e padecem

produzem, em mãos de intermediários poderosos

Visitei lugares citados no livro num outro tipo de

da região amazônica, da sua densidade populacional,

— síntese do drama de toda a América Latina

e vorazes que cobram muito e pagam pouco;

peregrinação daquela que aparece nos guias habituais dos

enquanto subia em barco pelo Rio Solimões, à velocidade de

— a maldição de sua própria riqueza. Ocorre

são diaristas nas plantações, a mão de obra mais

mochileiros, com um certo sentimento de culpa em fazer

bicicleta, a quinze quilômetros por hora, respirando o bafo

que quanto mais ricas são estas terras virgens

barata, e soldados nas montanhas; gastam seus

esse turismo de catástrofe, em ir atrás dos estragos da

da selva, beirando poucas aldeias e vilarejos a dezenas de

mais grave é a ameaça que pende sobre suas

dias trabalhando para o mercado mundial ou

colonização, a lugares de conflito como as periferias das

quilômetros entre elas, sondando aos locais, intercambiando

vidas; a generosidade da natureza os condena à

lutando por seus vencedores.

grandes cidades, cadeias, lugares remotos ou as próprias

anedotas e escutando os ritmos típicos do lugar, vivendo

espoliação e ao crime.

As Veias Abertas da América Latina

fronteiras, muitas vezes trabalhando com coletivos de

americanos não sobra gente: ao contrário, falta. As Veias Abertas da América Latina

uma experiência imersiva, observando como escoam toneladas e toneladas de madeira pelo rio, “montanhas que

minorias, sempre experiências enriquecedoras. As Veias Abertas da América Latina

e portanto intimamente ligado à Geografia, com numerosas

se movem”, talvez com um teatro europeu dentro, ou com eletrônicos da zona franca.

...e quem são e onde estão atualmente esses “primitivos e

cartografias imaginárias que percorrem o continente de

naturais senhores das terras”.

relato em relato. Escrito quase de maneira cronológica, mantêm essa linha do tempo fixa e cria constantes

Entender o contínuo exílio dos povos andinos, nações em constante deslocamento, da selva às montanhas, 134

O livro é sobre História, a história dos povos e dos lugares,

“A sociedade indígena de nossos dias não existe

deslocamentos que conectam lugares às vezes remotos, 135


Os Vídeos Abertos – atualização do conteúdo e da linguagem.

contra os indignos” onde a “a palavra democracia foi

transamazônica, que cortará o Brasil em dois, penetrando

estruturas de programação de Xurde Durán, desenvolvi

sequestrada pelos políticos e os banqueiros”.

a selva até a fronteira com a Bolívia” é substituída por

até a versão beta 0.8 do trabalho e me aprofundei na

um vídeo em loop de dois minutos mostrando as linhas

pesquisa sobre ferramentas de baixo custo para produção

Em tempos de Wikipédia, quando se torna mais acessível, fácil

Este trabalho chama a atenção para esses ciclos da História,

amarelas tão caraterísticas das estradas do continente

audiovisual (estabilizador de câmera, tripés para celular,

e necessário revisar e atualizar a História, às vezes quase em

que, com a ajuda da falta de memória histórica fomentada

americano, umas linhas tortas, cheias de curvas e de

lente 360°, lente olho-de-peixe caseiros) e dando oficinas

tempo real, o que tende a criar um mundo mais transparente

pelos poderes, condenam à repetição ao infinito desse loop

caminhões. Mesmo que um loop como esse fosse

sobre temas relacionados.

construído a partir dos consensos, incluindo pensamentos

de descasos com o homem e com a natureza, sendo o

gravado na Colômbia, ele pode ser usado para representar

e minorias até agora excluídas, senti que os relatos do livro

objetivo encontrar as portas de saída para esses problemas.

significados de outros lugares, o micro dessa imagem da

precisavam de uma atualização, em vários sentidos.

Alguns acontecimentos e situações denunciados então,

estrada corresponde ao macro do continente. O conteúdo da versão beta, apresentado como uma

se vistos desde um prisma atual, podem ser considerados Primeiramente, a atualização do conteúdo aos tempos atuais;

como superados, até como “vencidos” pela sociedade, e

Cada vez se leem menos livros e a leitura como única forma

página única e sem edição colaborativa, foi pensado a

apesar dos quarenta anos de distância com a primeira edição

outros cada vez são mais urgentes.

de aprendizado está sendo substituída por um aprendizado

partir do trabalho em paralelo Las Venas, sobre o mesmo

multimídia, por um fluxo contínuo de inputs audiovisuais

tema, realizado com a artista Vanessa de Michelis <www.

muitos dos problemas continuam vigentes, como os direitos

Outra atualização é a da linguagem, do texto ao vídeo,

provenientes de várias mídias, criando esse mundo cada vez

humanifestation.net>. O ponto de partida é um set de

dos povos nativos, a reforma agrária, o capitalismo selvagem,

o que chamo de videotextos, cada elemento textual

mais transparente e participativo, mas ao mesmo tempo

oito loops provenientes de um video-cenário <www.

a segregação racial, a desigualdade social.

com unidade de significado, um processo análogo ao do

se abrem brechas tecnológicas que criam novos excluídos

telekommando.net/videosabertos/0/8/videocenario/

não serem muito dentro da linha do tempo da História,

roteiro para um filme, para assim facilitar a assimilação

desse mundo digital, do conhecimento, das ferramentas e

lasvenas> que foi criado com recortes de uma viagem

O próprio Galeano fez um epílogo titulado “Sete anos

da informação a um público mais amplo, com um objetivo

dos intercâmbios. Pretendo com esta intervenção no livro

desde os Andes até o Caribe colombiano e na periferia

depois”, no qual constata que a situação até tinha piorado.

utópico do projeto, algum dia transpor todo o conteúdo

elevar o alcance do seu conteúdo e através das oficinas

de Caracas, editados em função dos sons propostos por

Proponho então uma revisão que possa destacar os acertos

textual do livro ao audiovisual, resultando em um

relacionadas diminuir essas brechas.

ela e posteriormente remixados ao vivo na performance

e erros nas previsões e analisar os fatos desde pontos

megadocumentário colaborativo.

audiovisual Las Venas <www.telekommando.net/ Essas últimas experiências e pesquisas resultaram na

videosabertos/0/8/performance/lasvenas> durante o

às manifestações de ocupações de praças públicas na

Cada elemento textual com unidade de significado, desde

residência ResTelinha <www.res-telinha.art.br> de arte,

Encerramento do Espaço Impróprio em São Paulo, em 2011.

Espanha em 2011, <www.telekommando.net/videosabertos/

uma palavra, um nome, até um parágrafo ou um capítulo,

tecnologia e educação que fiz em Palmas (Tocantins) de

referencias/galeano15m>, feliz pelo presente que estava

pode ser transformado em um conteúdo que enriqueça o

abril a junho de 2011, chamada de Experimentos. Durante

Foram esses loops de áudio e vídeo que dirigiram a escolha

vivendo mas ainda preocupado pela “luta dos indignados

conteúdo original, assim uma frase como “a grande estrada

um período da residência, com a ajuda na pesquisa e nas

dos fragmentos de texto, de forma que dialogassem com

de vista atuais, como ele mesmo fez comparecendo

136

Las Venas – versão beta 0.8

137


os loops, alguns de uma maneira mais direta, com imagens que representam o conjunto do texto substituído, e outros

Universalismo constructivo

o vídeo, ou ainda antes de terminar sua reprodução, podem-

que percorre as veias aos pixels que percorrem o vídeo,

se abrir outros textos destacados em vermelho e continuar

manipulados, remixados, aos bits que percorrem a internet.

com a video-leitura.

em justaposição, colocando os dois elementos, texto e vídeo lado a lado, para criar um terceiro significado a partir

Nesta versão beta existem dois modos para o público

deles, convidando o visitante a criar suas próprias conexões.

interagir com o trabalho:

A maneira em que está projetada a interação permite que o

Vídeos Abertos no sentido de que os vídeos e a edição O processo para editar os textos, incluindo novos vídeo-

do trabalho são feitos de forma colaborativa e deslocalizada,

textos, é:

transpostos de um lugar a outro do continente, formando

visitante faça mixagens personalizadas dos vídeos e áudios

• No modo de visualização <www.telekommando.net/

um mosaico audiovisual miscigenado como a própria

podendo reproduzir vários vídeos simultaneamente, pausar,

videosabertos/0/8>, o visitante pode navegar pelo trabalho e

• selecionar o link de um vídeo no YouTube;

América Latina é, construído e modificado contínua e

mesclar volumes, criando seu próprio fluxo audiovisual.

modificar essa versão, substituindo vídeos por textos, mas

• opcionalmente, carregar o vídeo para teste;

colaborativamente.

sem poder salvar ainda na versão beta. A seleção dos textos

• opcionalmente, selecionar o segundo em que o vídeo deve

Essas imagens estão de ponta-cabeça propositalmente,

e dos vídeos corresponde ao trabalho Las Venas e inclui

começar a reprodução;

Vídeos Abertos no sentido de o projeto ser de código

como foi na performance original, para questionar a

videotextos relacionados a Minas Gerais, produzidos durante

• selecionar o texto que se deseja substituir;

aberto, disponibilizado gratuitamente <www.telekommando.

convenção Norte em cima/Sul em baixo presente nos mapas

o workshop realizado no FAD 2011, em Belo Horizonte;

• clicar no botão “substituir texto por vídeo”.

net/videosabertos/0/8/download>, ao priorizar o uso de linguagens de programação livres, o que está sendo

e que começou com as cartografias da época das colonias relatadas no livro, e, claro, em homenagem ao também

• No modo de edição (www.telekommando.net/

uruguaio Joaquín Torres García, que em 1941 denunciou no

videosabertos/0/8/areia) o visitante pode editar à vontade,

quadro América Invertida e no texto-manifesto:

salvando a versão localmente, só disponível para ele com os textos originais e sem os videotextos.

Eu falei Escola do Sul; porque na realidade,

138

definido como HTML5 (uma mescla de HTML, CSS, XML e

Vídeos Abertos

javascript, que destronará o Adobe Flash como plataforma de conteúdo multimídia na web) e também por estar

A expressão ‘Vídeos Abertos’ que dá o nome ao projeto pode

concebido como pura ferramenta, livre, modificável além

ser entendida desde diferentes perspectivas ou camadas:

do trabalho apresentado aqui, podendo ser usada para a preparação de roteiros de apresentações, de aulas, ou até

nosso norte é o Sul. Não devemos ter norte,

A rotina de visualização do trabalho começar a ler,

para nós, senão por oposição ao nosso Sul. Por

clicando nos textos destacados em vermelho para abrir

Vídeos Abertos no sentido da re-interpretação

construir um filme a partir de um roteiro escrito. Na versão

isto agora colocamos o mapa de ponta cabeça,

os videotextos, compostos por uma caixa com o texto

contínua dessas veias, que para mim representam os nós,

beta ainda não está implementada a reprodução dos vídeos

e então já temos a justa ideia de nossa posição,

selecionado e o vídeo, fazer um clique no próprio vídeo para

os recortes das estórias e lendas que se cruzam formando

em HTML5.

e não como querem no resto do mundo. A

dar play ou um clique duplo para colocar em tela cheia. Um

redes pelo continente, ao transformar ela em uma malha

ponta de América, desde agora, se prolongando,

clique no vídeo faz com que ele se pause e um clique no

de vídeos, abertos no mesmo sentido das veias, pulsando,

E Vídeos Abertos com o sentido de hackear os

sinaliza insistentemente o Sul, nosso norte.

texto faz com que o videotexto se feche. Uma vez assistido

atualizando-se, carregadas de vida e memória, do sangue

processos envolvidos na produção audiovisual, facilitando 139


o acesso às técnicas, ferramentas físicas e virtuais,

permissão de editor se poderá acrescentar e modificar o

democratizando a criação de produções de qualidade a baixo

conteúdo, selecionando textos e inserindo novos vídeos que

custo, uma proposta que considero de máxima importância

estejam disponíveis na internet ou no próprio computador, e

para elevar a qualidade da produção independente. Venho

salvando as edições no banco de dados do projeto.

Os Vídeos Abertos da América Latina – versão em papel Esta versão é uma tentativa de transpor o trabalho na web com a seleção Las Venas para o papel. Os vídeo-textos são formados por um texto, uma imagem do vídeo e um QRcode, que com um leitor de códigos se pode carregar o vídeo

desenvolvendo esses conceitos dentro das oficinas, como a que realizei no workshop de um dia Vídeos Abertos, durante

Nessa próxima etapa, a grande tarefa será fazer uma

o Festival de Arte Digital 2011 no Museu Inimá de Paula,

seleção de vídeos dentro dos bancos próprios e dos mais

em Belo Horizonte, onde desenvolvemos um steadycam,

de quatrocentos vídeos produzidos durante as oficinas,

estabilizador de câmera construído por R$5, além de

de gravações de trechos do livro lidos por pessoas do

selecionar trechos do livro que remetiam a Minas Gerais e

país envolvido e de outros vídeos com várias linguagens

produzir os vídeos correspondentes.

subidos colaborativamente, para a partir desses recortes

correspondente em um celular ou tablet.

O trabalho escravo dos nordestinos está abrindo, agora, a grande estrada transamazônica, que cortará o Brasil em dois, penetrando a selva até a fronteira com a Bolívia. O plano implica também um

de realidades e imaginários particulares e comuns, pontos

Las Venas – versão beta 1.0

projeto de colonização agrária para ampliar “as

que formam essas linhas imaginárias que representam as

fronteiras da civilização”: cada camponês recebe

Veias da América Latina, se possa (re)escrever a História do A versão 1.0 do trabalho será formada por todas as páginas

dez hectares de superfície, se sobrevive às febres

continente de uma forma participativa, colaborativa e criativa.

da floresta tropical.

do livro, com as programações padronizadas em HTML5 e com marcadores nas páginas onde existam videotextos. O visitante poderá navegar por todas as páginas do

NACHO DURÁN Goiânia, abril 2012

superfície total.

livro de maneira cronológica (páginas), via tags ou geolocalizadamente, onde alguns videotextos estarão atrelados a uma posição geográfica, mostrando um pequeno mapa do lado do vídeo e do texto. A interação continuará sendo abrir e fechar os textos,

No Nordeste há seis milhões de camponeses sem terras, enquanto quinze mil pessoas são donas da metade da

www.telekommando.net/nachoduran

A reforma agrária não se realiza nas regiões já ocupadas, onde continua sendo sagrado o direito de propriedade dos latifundiários, mas em plena selva.

onde dentro estarão os videotextos para reproduzir individualmente ou vários ao mesmo tempo. Com 140

141


Isto significa que os flagelados do Nordeste abrirão caminho para a expansão do latifúndio sobre novas áreas.

e o mau-gosto de forma gritante. Há pouco o governo anunciou com grande estrépito que tinha exterminado o analfabetismo. Resultado: na passada festa eleitoral, o censo de inscritos lançou um milhão de analfabetos entre os 18 e os 50 anos de idade.

Sem capital, sem meios de trabalho, que significam dez hectares a dois ou três mil

O ilustre Domingo Faustino Sarmiento e outros escritores

quilômetros de distância dos centros de consumo?

liberais viram na montonera camponesa nada mais do que o símbolo da barbárie, do atraso e da ignorância, do anacronismo das campanhas pastorais frente à civilização que a cidade

Muito diferentes são, deduz-se, os propósitos reais do governo: proporcionar mão-de-obra aos latifundiários norte-

encarnava: o poncho e o chiripá contra a casaca; a

americanos, que compraram ou usurparam a metade das terras ao norte do rio Negro, e também à United States Steel Co.,

lança e o punhal contra a tropa de linha;

que recebeu do governo as enormes jazidas de ferro e manganês da Amazônia.

Nas cidades prospera uma tola classe média com altos salários, que se entope de objetos

o analfabetismo contra a escola.

inservíveis, vive atordoada pela publicidade e professa a imbecilidade

Em 1861, Sarmiento escrevia a Mitre: “Não trate de economizar sangue de gaúchos, é a única coisa que têm de humano. Este é adubo que é preciso fazer útil ao país”.

142

143


Tanto desprezo e tanto ódio revelavam uma negação da própria pátria, que tinha, é claro, também uma expressão de política econômica: “

Não somos nem industriais nem navegantes afirmava Sarmiento -,

e

a Europa nos proverá por longos séculos de seus artefatos em troca de nossas matérias-primas.”

144

145


Arte, tecnologia e ciência: inteligência e emoção.

146

Arte, tecnologia e ciência: inteligência e emoção.

computadores permitem escritas de simulação que

(2003). O autor classifica a perspectiva como uma

Francisco Carlo de Carvalho Marinho – Professor

servem à ciência em modelos virtuais de mundos que

característica crítica das narrativas. Para ele, a

Doutor do Departamento de Fotografia, Teatro e

podem ser testados e experimentados, mas também

perspectiva pode ser emocional (ou cognitiva) e espacial

Cinema da escola de Belas Artes de UFMG –

permitem que histórias fantásticas possam ser

(ou visual). Observa ainda que o ponto de fuga é um

Coordenador do Centro de Pesquisa e Experimentação

experimentadas como nos jogos digitais. A mediação

lugar especial e estranho que identifica a posição do

em Sistemas Multimodais.

tecnológica é uma mediação de conhecimento que

“leitor” e onde a perspectiva termina. É importante

aplicada às várias esferas do saber produz uma

ressaltar que essa introdução de uma visão tecnológica

A arte, ciência e filosofia experimentam desde as

expansão em suas possibilidades narrativas. A palavra

da pintura implica uma aproximação emotiva e afetiva do

revoluções culturais que marcaram o final do século XIX

narrativa aqui empregada se refere a todos os discursos

observador em relação à obra. Fazer o observador se

e começo do século XX, uma mudança estrutural na

sobre o mundo, independente de suas pressuposições

colocar em uma posição espacial privilegiada de fruição

sua inter-relação. Elas foram entendidas por muitos

metodológicas e de suas articulações formais.

é uma noção fundamental do que se entende hoje por

CHICO MARINHO

séculos como “campos” do conhecimento, no sentido

2012

de feudos cercados por muros de defesa quase

Hoje os saberes se hibridizam e se transformam com

também incluía o modo de ver dos personagens

intransponíveis. São modos de contar história sobre o

extrema facilidade. Essa mudança não se fez do nada.

retratados. Mas o que é mais importante ressaltar aqui é

mundo cada qual com sua especificidade. Essas

Já no século XIII os pintores Giotto e seu mestre

o modo como a tecnologia de linguagem geométrico-

perspectivas e pontos de vista das diferentes narrativas

Cimabue estudavam o fenômeno da perspectiva nas

pictórica (perspectiva) implicou a aproximação emotiva e

sobre a realidade apesar de manterem uma visão

ruas de Roma. A noção de perspectiva começou a

afetiva entre a obra e o autor relativizando a participação

particular, permitem hoje que as diferentes práticas de

transpor para o mundo da arte uma mudança de visão

de ambos. MEADOWS (op.cit.) se refere ao trabalho da

dizer sobre o mundo se contaminem. O papel da

anunciada pela tecnologia da geometrização do mundo

perspectiva como o começo de um desenho de

tecnologia na articulação dos saberes foi fundamental.

- tecnologias de inteligência. Pontos de vista passaram a

interface que permite que parte mais importante da

A arte produzida a partir da fotografia, cinema,

merecer o devido destaque. A perspectiva reconfigura o

informação seja apresentada no tempo mais apropriado

televisão, vídeo e computador carregam na sua

relacionamento espacial entre as pessoas e o entorno. A

e no ângulo mais apropriado. Ou seja, há uma

linguagem formas de escrita que são diretamente

Igreja de Assis pintada por Giotto é um exemplo. O

compressão da informação visando a otimização da

relacionadas com o entendimento do dispositivo

contexto espacial informa o espectador sobre as

experiência emotiva do observado rinterator.

tecnológico. Nos computadores, por exemplo, a forma

decisões de sua localização para a melhor fruição,

é o código. As características “narrativas” dos

afetando sua percepção, conforme defende MEADOWS

interatividade. A ideia de perspectiva para Giotto

A interação do homem com seu entorno, mediada por 147


processos estruturados de significação como a

história é narrada ou construída. O contar uma história

componente do sistema, talvez outro leitor/escritor

Nesse sentido, para os intentos da imersão a ideia é

linguagem falada e escrita, conduziu a um conceito que

pode ser pensado como encadeamento de

(caso das wikis na web) ou mesmo por um programa

colocar fisicamente o observador como se ele

parece indissociável da historia civilizatória: a ideia de

perspectivas que se sucedem no tempo e no espaço

residente que altera o conteúdo do link dinamicamente.

estivesse dentro da obra a ser experimentada. Do

sistema. Sistema de arte, de ciência de filosofia, de

como uma espécie de articulação fractal ou

A internet é um sistema que tem essas características.

mesmo modo, pode-se dizer que a imersão é

política, enfim, sistemas. Sistemas, a rigor, não são

circularidade metodológica que a cada ponto

A articulação entre autor - obra/processo/programa

considerada uma experiência na qual há uma

definidos em sentido claro e distinto. Sistemas podem

privilegiado de uma perspectiva é associado outro

– interator pode ter níveis de envolvimento emocional

potencialização emotiva e/ou cognitiva, um

ser considerados como uma coleção de elementos,

como possibilidade narrativa. Se pensarmos sob o

ou cognitivo diferenciados. Os níveis de atenção e a

engajamento forte do observador/interator com seu

integrados como um todo consistente, que pode ser

modelo interativo dos sistemas digitais, a perspectiva

recompensa psicológica podem significar níveis

meio. A história dos meios tecnológicos de inteligência

distinguido das outras coisas que formam o mundo ao

pode ser associada à noção de um hiperlink que é

diferentes de imersão. Assim como a perspectiva como

e dos dispositivos tecnológicos para expansão

seu redor. É um recorte da realidade operado por

escolhido ao modo do observador/interator o qual, por

geometrização do espaço propiciou uma interação

cognitivo-emotiva é antiga, ainda que não fosse

processos de análise segundo um determinado

sua vez, age como co-autor da obra/processo. A

diferenciada entre obra e espectador, as tecnologias

conscientemente articulada. A perspectiva, câmara

enquadramento escolhido – perspectiva - em função de

recursividade semântica é própria das estruturas

das novas mídias procuram potencializar a capacidade

escura, geometrização do espaço entre outras podem

uma intencionalidade, ou objetividade, específica.

semióticas. HOFSTADTER (2001) questiona a ideia de

de imersão do usuário. Imersão pode ser considerada

ser citadas como modos de tecnologias, ou quem sabe

Sistemas revelam histórias explícitas e escondidas. A

interpretação em laços infinitos - voltas estranhas -

um conceito estendido da ideia de Giotto sobre

metodologias tecnológicas, para dar verosimilhança à

simples escolha de um conjunto destacado do entrono

como um entrave para a construção cognitiva.

perspectiva. Imersão pode significar a localização

expressão estética ou mesmo científica. Exemplo de

privilegiada de um observador em um espaço físico

uma prática que se estabelece como tecnologia de

conduz à ideia de perspectiva como forma de olhar o

148

mundo, dessa forma constitui-se como uma história

Galileu, Descartes e Bacon foram os primeiros a

para apreciação de uma obra, como um ponto

escrita hipertextual são os comentários (marginálias)

que diz o mundo de forma ordenada, qualquer que seja

sistematizar a “volta estranha”, como fala Hofstadter,

específico na Igreja como a de São Francisco em Assis

feitos pelos escribas da idade média nas margens dos

essa ordem. Os sistemas significativos, como a ciência,

do pensamento sobre si mesmo: o objeto é o método

pintada por Giotto, ou o interior de uma CAVE, ou uma

textos como forma de comunicação entre eles, como

a arte e a filosofia, são apoiados em crenças que

científico e a própria ciência simultaneamente, o fim e o

sala com projeção 3D circundante, ou um ambiente

comentário pessoal a um trecho qualquer ou mesmo

estabelecem um ponto a partir do qual toda a estrutura

meio. Essa volta estranha é característica dos sistemas

multimodal no qual outras experiências sensíveis

como forma de memorização e entendimento do texto.

cognitiva é fundamentada. Mas essa crença da

emaranhados de variáveis interdependentes. Se forem

podem ser incorporadas como o tato, olfato etc.. Miller

Essas marginálias podem ser encaradas tanto como

fundamentação suficiente pode ser questionada ainda

pensadas sob o ponto de vista das narrativas interativas

(2004) defende que realidade virtual e ambientes

técnicas quanto como tecnologias na medida em que

pelos seus significados últimos e uma pergunta sobre o

digitais, as associações que levam de um link a outro

imersivos são feitos para dar ao observador uma

envolvem processos, regras e ferramentas como a

fundamento do fundamento pode surgir. A perspectiva

podem ter o caminho contrário diferente, pois o link

impressão de realidade convincente, mesmo que seja

utilização espacial e material de suporte físico e registro

pode ser pensada aqui como ponto a partir do qual uma

anterior pode ter sido modificado por algum outro

sobre um mundo virtual fictício.

físico que altera as próprias condições materiais do 149


mesmo suporte, configurando um espaço de novas

movimento puderam ter seu estado futuro previsto por

métodos analíticos convencionais da ciência na

O século XIX foi fecundo em várias áreas do

possibilidades de entendimento e comunicação.

um conjunto de regras universais formuladas por

resolução de determinadas questões como, por

conhecimento. Na biologia, Darwin propunha uma nova

Tais hiperescrituras utilizavam o recurso das

Newton. Embora os sucessos das ciências

exemplo, os problemas físico-matemáticos que

forma de pensar o homem com uma explicação sobre a

marginálias, como uma forma de hipertexto, que tinha

matemáticas e físicas tivessem alcançado, por um

tratavam do problema da estabilidade dinâmica na

lógica do funcionamento da vida na terra. Ao modo de

funções variadas como questionar, comentar, registrar

longo tempo até o século XIX, o mundo teórico e

interação simultânea de vários corpos. De postulados

Copérnico, sua revolução colocou o homem em pé de

dúvidas e acrescentar conteúdo ao termo que as

prático, algumas questões sobre modelos da realidade

gerais e consequências analíticas determinísticas que

igualdade com os outros seres enquanto objeto de

marginálias se referiam, em palavras contemporâneas,

viriam aflorar mais tarde. O século XIX trouxe à tona

podiam prever os estados futuros do mundo, dadas

evolução cega e resultado biológico de um processo

essa era um uso do que chamamos

uma gama de problemas, vindos de novas descobertas

condições iniciais e leis que governam os estados das

em contínua mudança. O homem passaria a ser visto,

contemporaneamente de link. O texto se volta para si

e ponderações sobre os modelos existentes. A crise

coisas, o homem passou a ver, a partir de Poincaré, que

não mais como centro, mas como ente que está sujeito

mesmo desdizendo-se, contradizendo-se e

das certezas fez o discurso científico arrefecer seu

as interrogações sobre o mundo não eram tão simples

às mesmas mudanças fundamentais em relação à

modificando-se segundo a ordem do tempo e das

poder devorador frente às outras formas de expressão

de serem respondidas. Os enquadramentos da ciência

filogenia. A vida não estava mais centrada no animal

perspectivas individuais dos escritores leitores.

e saberes. O mundo, que parecia perfeitamente

clássica não abarcavam a grande maioria dos

racional nem a natureza estava a serviço dele. A busca

descritível e previsível por formulações físico-

fenômenos naturais. Os métodos dedutivos e analíticos

científica de Darwin foi literalmente uma aventura

A partir da idade moderna, a era das certezas científicas

matemáticas, ruiu diante das anomalias geradas pelas

aplicados às ciências da natureza limitavam as

prospectiva de algo que ele não poderia saber ao partir

produziu avanços significativos. Novas formas de

novas perguntas sobre o próprio discurso físico-

possibilidades de resolver os problemas. As

na expedição do “Beagle”, uma busca às cegas como a

escrituras surgiram, como a geometria descritiva, o

matemático. KUHN (2001: p.78) fala sobre a descoberta

simplificações, baseadas no princípio da navalha lógica

própria natureza. O interesse transdisciplinar de Darwin,

cálculo infinitesimal e integral entre outras. Uma

como consciência das anomalias:

de Ockhan, obnubilaram a complexidade imanente à

principalmente pela geologia, propiciou-lhe uma visão

natureza e à vida. O princípio da instabilidade dinâmica

muito mais rica sobre os fenômenos da vida do que o

espécie de otimismo científico foi se consolidando a partir das descobertas que surgiam uma após a outra.

“A descoberta começa com a consciência

(questão fulcral da física) preconizava que talvez fosse

criacionismo, que argumentava a favor da ideia de que

A linguagem matemática possibilitou que fenômenos

da anomalia, isto é, com o reconhecimento

possível a previsão dos estados futuros de sistemas se

as espécies foram criadas segundo um mesmo “projeto

pudessem ser descritos em termos universais e

de que, de alguma maneira, a natureza

as condições iniciais fossem infinitamente precisas nas

original”. A ideia de seleção natural de Darwin não só

formais. O sentido equívoco das palavras ligadas às

violou as expectativas paradigmáticas que

suas medidas. Mais tarde, já o século XX a ciência da

explicou como mostrou o funcionamento das ideias

narrativas não científicas cedeu força ao discurso claro

governam a ciência normal.”

complexidade nasceria com uma abordagem bem

evolucionistas de Lamarck. A teoria da evolução viria a

diferente: a sensibilidade extrema às condições iniciais

se tornar uma forte candidata à condição de explicação

levava a uma dinâmica da instabilidade ou ao “caos”.

da vida na proporção epistemológica comparável às

e distinto de um espaço numérico e coordenado. A

150

ciência moderna cresce subjugando as outras formas

A anomalia da complexidade vislumbrada por Poincaré,

narrativas de dizer o mundo. Os corpos celestes em

no final do século XIX, já anunciava a dificuldade dos

teorias da física. 151


Na passagem do século XIX para o XX, a introdução de

trovoadas tornaram-se escuros e turbulentos.

a minimização dos erros verificados empiricamente

perspectivas diferentes. O caos e as incertezas, ou a

modelos estatísticos vindos das ciências sociais

Ergueram-se patamares quase intransponíveis, para as

como falsificação da conjectura . A mente humana foi o

convicção do caos, projetou o homem em novos rumos

instituiu novas ferramentas não determinísticas

tentativas de lançar a ciência sobre uma base sólida e

centro difuso em torno do qual giraram as teorias

que pudessem retomar o otimismo, senão divino como

utilizadas por outros setores do conhecimento como a

absolutamente autossustentada.

científicas, na medida em que estas colocaram em

o de Laplace, pelo menos metodologicamente criterioso

xeque as certezas de suas construções. O século XX foi

e promissor, embora com o estatuto de crença.

física. Gases, populações e inúmeros outros fenômenos foram abordados pela ótica estatística para resolver

A empreitada de Russel e Whitehead de fundamentar a

marcado pela consciência das limitações da capacidade

problemas de que a mecânica clássica não dava conta.

matemática em termos da lógica foi um

humana de compreender o mundo e a si mesma.

Nas artes não poderia ser diferente. A partir das

Misto de “ignorância” metodológica e ao mesmo

empreendimento de esforço intelectual enorme que

Todavia, essas mesmas limitações puderam ser

experiências dos impressionistas, que empregaram o

tempo de consciência da falibilidade humana, a

acabou frustrado. As objeções de Gödel sobre os

gradativamente contornadas, embora novos limites

método analítico na divisão das cores para a

estatística tornou-se uma ferramenta eficaz de

fundamentos do “Principia Mathematica e de sistemas

sempre se interpusessem entre o homem e a sua

representação pictórica, a própria ideia de

verificação de níveis mais complexos de organização,

correlatos” formaram uma espécie de limite sistêmico

pretendida verdade. O otimismo relativista tomou conta

representação começava a perder fôlego. O que

que a ciência da complexidade iria tratar mais tarde

e epistemológico do entendimento. HOFSTADTER

do pensamento científico e filosófico. A metafísica deu

importava não era mais o mundo como referência

como propriedade emergente. Milhões de moléculas de

(2001, p.18) abordou a questão do teorema de Gödel

sinais de convergência com a ciência na medida em

ausente de interpretação aberta, mas antes como este

gases interagindo foram demais para o otimismo

de forma criativa ao apresentar o problema sob uma

que os limites desta se posicionaram de modo a

mesmo mundo poderia ser sob outras bases que não

Laplaciano. Curvas de amostragem e probabilidades

estrutura formal de símbolos tipográficos.

confinar as ideias dentro do círculo de conjecturas e

da representação fidedigna. Movimento após

refutações. Episteme e doxa já não tinham limites

movimento os artistas tentaram se libertar das amarras

indelevelmente demarcados.

sistêmicas ditadas alhures. Arte é experimentação,

substituíram as equações determinísticas que não

152

podiam prever o estado futuro das moléculas de gás no

O século vinte pôde ser visto como uma época

interior de um recipiente. Mesmo antes, na época do

demolidora das certezas. Poincaré, Gödel, Turing e

determinismo clássico, se as reduções e aproximações

muitos outros apontaram para os limites da inteligência

Embora a ciência tenha colocado impedimentos e feito

ciência tinham seu correlato experimental nas artes. O

da física não fossem realizadas em prol da resolução de

como um sistema formal simbólico. POPPER (1982)

toda a espécie de lista negativa dos seus fundamentos

deslocamento provocado pela arte conceitual – da obra

fenômenos “simples”, nem mesmo o problema do

apresentou questões praticamente incontornáveis de

e mandamentos, floresceu nesse mesmo século uma

ao conceito/processo - presente exemplarmente na

pêndulo poderia ser tratado matematicamente.

escopos filosófico, epistemológico e metodológico

ciência do possível, espécie de vingança distorcida de

“proposta artística” da “A Fonte” de Duchamp, mudou

sobre a fundamentação do conhecimento e propôs a

Protágoras, que postulou a firmação do homem como

o foco do discurso sobre a objetividade da arte como

Os céus da matemática clássica e da lógica que

ciência como um caminho de tentativas e erros

medida de todas as coisas . O homem, a inteligência e a

obra. Luta contra o realismo e a representação,

pareciam incontestes, como saberes verdadeiros e

sucessivos em um processo evolucionário de

vida, libertos de todas as amarras da religião e da

libertação dos meios e suportes, politização,

completos em si mesmos, livres de tempestades e

conjecturas e refutações. Sobrava da certeza da ciência

ciência positivista, puderam ser investigados sob

abstracionismo e conceptualismo marcaram os

assim como na ciência. As verificações empíricas da

153


movimentos modernistas. Improvisação, o ilógico e o

• Agite suavemente.

“A expansão do uso das tecnologias como

e técnicas artísticas ampliam a percepção e a ação do

absurdo eram características de vários acontecimentos

• Tire em seguida cada pedaço um após o outro.

ferramentas da arte colocou em evidência

homem no fazer artístico. Procedimentos inspirados

artísticos. Embora iconoclastas, questionadoras e

• Copie conscienciosamente na ordem em que elas

uma profunda e progressiva cisão entre a

nos métodos científicos e nas tecnologias eram fontes

irreverentes, as novas formas de arte estavam prenhas

são tiradas do saco.

experiência artística, a crítica de arte e

de inspiração, contestação e transgressão por parte dos

de um feto racionalista e ordenador - ainda sistemas de

• O poema se parecerá com você.

a estética.”

artistas modernos. As experimentações da vanguarda,

significação. Regras, mesmo que fossem as regras que

• E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma

impediriam a criação de novas regras, faziam parte do

sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido

O impacto das tecnologias imagéticas como a fotografia

praticadas pelo movimento “Fluxus”, por exemplo,

arsenal de paradoxos provocativos da arte moderna. Os

do público.

e o cinema foi avassalador. A máquina repercute o

propunham novos rumos e distanciamentos: o que a

dadaístas preconizam o fim da arte e falam sobre a

154

nas performances, instalações e artes midiáticas

ideário futurista. O apego a temáticas como velocidade,

arte não deveria ser. A experimentação como

antiarte. Nada poderia ser não arte. Tudo poderia ser

Paul (2008) fala de um aleatório controlado originado

tecnologia, violência estavam presentes em ícones

linguagem “antiarte”, originária dos movimentos

arte. A sucessão de rupturas e manifestos de novas

nas propostas dos dadaístas que estavam presentes

como o automóvel, o avião e a cidade industrial. O

dadaístas, proporcionou uma prática estética

formas expressivas levou a subsequentes mudanças de

em trabalhos do grupo OULIPO, em Duchamp e Cage.

futurismo foi um fenômeno que ocorreu principalmente

paradoxalmente conservadora (o que importa é

discurso sobre o fazer arte. Os poemas dadaístas eram

Tal aleatório serviria de base para os princípios da arte

na Itália com algumas repercussões em outros países.

transgredir – essa é a regra). Negação, transgressão e

um exemplo claro onde ordem e caos conviviam. A

digital contemporânea. Não foi a arte que encomendou

receita algorítmica dadaísta para construção de poemas

à tecnologia novas formas de expressividade, mas foi a

Os modernistas, de um modo geral, pleitearam um

é um exemplo da mescla do acaso, como caos, e da

tecnologia que indiretamente permitiu que a arte se

distanciamento com relação ao tradicionalismo das

ordem como técnica e tecnologia de produção

desenvolvesse de outras formas que não aquelas

belas artes e uma aproximação ao experimentalismo de

Fotografia, cinema, televisão, entre outros, levantaram

de sentido:

estreitamente ligadas ao fazer manual. A fotografia, o

novas linguagens calcadas em técnicas e tecnologias

problemas emergentes para a conceituação estética

apropriação foram pilares, portanto categorias fundamentais, da arte moderna.

cinema e, posteriormente, a televisão e o computador

que potencializavam a capacidade inventiva e

das novas formas de arte do século XX. A inclusão dos

• Pegue um jornal.

acrescentariam novas possibilidades de linguagem e

exploratória dos artistas. As novas formas de

meios e suportes dos objetos e processos artísticos

• Pegue a tesoura.

expressão artística. GIANNETTI (2006, p. 13) aponta

abordagem no experimentalismo modernista

incluídos como elementos fundamentais do discurso

• Escolha no jornal um artigo do tamanho que você

para essa questão como uma proposição que permeia o

reverberaram as mudanças na ordem das ciências e da

estético constitui uma expressão típica do século em

deseja dar a seu poema.

Manifesto Suprematista de Malevich, o qual fala de

política, mediadas pelas possibilidades tecnológicas. A

que ela se insere– a mídia arte. Os meios de

• Recorte o artigo.

uma nova relação entre arte e técnica. A mesma autora

automatização e a reprodutibilidade das imagens cada

comunicação televisivos para as grandes massas

• Recorte em seguida com atenção algumas palavras

fala ainda dos impactos causados pelo descompasso

vez mais prescindem da mão humana. As escalas

passam a ser alvo da arte do vídeo. Vários artistas se

que formam esse artigo e meta-as num saco.

seguinte entre tecnologia e arte:

mental e racional, embutidas nos artefatos tecnológicos

valeram do poder de produção e difusão das imagens 155


eletrônicas para expressar desde uma luta política

Nam June Paik deslocam os aparelhos televisivos do

de tal forma a superpor espectador e obra. Uma

“a aceleração é tão forte e tão generalizada

encarnada na arte até uma poética de imagens

espaço cotidiano das salas das casas dos

mudança de perspectiva aconteceu com a arte

que até mesmo os mais ligados encontram-

formalmente sutis e sofisticadas. Outra corrente de

telespectadores e os coloca em um contexto de

tecnológica. O que Giotto concebeu, ainda que sem

se, em graus diversos, ultrapassados pela

videoartistas lançou mão da ajuda de engenheiros e

apreciação que promove o distanciamento do

perceber o alcance de suas pesquisas, foi a inserção do

mudança, já que ninguém pode participar

técnicos para uma nova forma de gerar imagens. Os

entendimento do senso comum sobre os aparelhos e

espectador como parte do fenômeno de produção

ativamente da criação das transformações

tubos de raios catódicos e a eletrônica embutida nos

seu uso estético. A interação e participação ativa de

estética. Giotto percebeu as interfaces como parte do

do conjunto de especialidades técnicas,

aparelhos televisivos serviam de matéria para a

usuários nas performances e happenings inseriram

próprio processo artístico. A interface é a perspectiva e

nem mesmo seguir essas transformações

organização de uma imagética virtual, sem referências

definitivamente o observador na esfera criativa. RUSH

a interatividade é parte de imersão do espectador nos

de perto” .

no mundo. Uma nova forma de pintura com elétrons

(op.cit.) fala sobre o uso das tecnologias televisivas e

construtos mentais que dominam a arte

surgia nos aparelhos televisivos. As manipulações

videográficas como forma de contraposição ao

contemporânea. A arte moderna fundamentada e

Da mesma forma que as tecnologias afetam nossa

técnicas do vídeo feitas por Woody e Steina Vasulka

direcionamento político cultural massificador dos

consolidada em linguagens de alta tecnologia se

percepção do mundo, a produção artística e o discurso

resultavam em trabalhos que apropriavam estruturas

conteúdos mercadológicos das redes televisivas.

apropria de elaborações racionais sofisticadas antes

sobre a arte também é afetado por elas. Entretanto, é

pictóricas transportadas do suporte tela e tinta para a

Entretanto, a própria televisão acabaria absorvendo as

pertencentes somente aos guetos científicos. A ciência,

diferente a maneira como as tecnologias afetam a

materialidade eletrônica processual e etérea do vídeo.

tecnologias criadas por esses videoartistas.

ao contrário das afirmações de seus fundadores que

produção artística e a maneira como essas mesmas

Nos trabalhos realizados com tecnologia eletrônica

156

viam nas outras áreas um conhecimento baseado

tecnologias afetam a compreensão desses processos.

analógica, o “acaso”, ou as interferências externas ou

Ao mesmo tempo em que os experimentos das

somente em qualidades (diferenças por natureza), no

O descompasso do senso comum e dos artistas de

desconhecidas pelo autor/manipulador, passa a fazer

instalações de videoarte se aproximavam e se

século XX é subsidiária da arte quantificada e numérica.

fronteira é enorme nos dias de hoje. A incompreensão

parte de todo o processo. O desenvolvimento das

contrapunham às tecnologias de comunicação de

O fato se intensifica na arte digital do século XXI.

é tão gritante que confunde até mesmo artistas mais

tecnologias da imagem pavimentou o terreno para

massas da TV, pela utilização dos seus processos e

pessoas comuns terem acesso aos meios de produção

dispositivos, propunham também distanciamentos e

Transformações radicais são sentidas com mais

transformação tecnológica e das linguagens de arte que

tecnológicos. RUSH (2006) fala de um novo capítulo na

subversão com a arte de museu e as teorias estéticas

intensidade e clareza após algum distanciamento histórico

dela decorrem.

história da arte quando as filmadoras Portapak da Sony

conservadoras na medida em que deslocavam o público

e crítico. Mais do que a percepção da transformação, a

são lançadas. A videoarte se contrapôs aos meios de

de seu status de espectador para o status de

própria velocidade da transformação e a natureza dessa

Em meados do século XX, em meio a grande profusão

comunicação de massa reinventando o vídeo e

interventor ou mesmo coautor. Muitos trabalhos de

transformação são sentidas mais. LÈVY (2000, p.28), há

de propostas artísticas, surge no campo das ciências

expondo suas vísceras tecnológicas para novas

instalações em videoarte exploraram captação das

mais de uma década atrás, enfatiza ainda a taxa de

um acontecimento importante para compreender a

propostas artísticas. As primeiras videoinstalações de

imagens dos espectadores colocando-as nos monitores

variação da velocidade das transformações, ou seja:

força dos dispositivos tecnológicos de inteligência

sintonizados com seu tempo, tal velocidade de

157


sobre o processo criativo (embora desconhecido por

processo criativo da nossa civilização ocidental. A

suficientemente instruído para lidar com o dispositivo.

teoremas. O Logical Theorist, apresentado por Allen

muitos artistas e críticos de arte até hoje). Conforme

“inteligência”, ou uma racionalidade maquinal, passa a

Alan Turing concebeu o computador para ser uma

Newell e Herbert Simon, era um programa, segundo

RUSSEL & NORVIG (2004) , em um seminário de dois

colaborar nos procedimentos criativos de artistas,

máquina universal capaz de computar qualquer coisa

seus autores, capaz de pensar não numericamente. Sua

meses no Dartmouth College, em 1956, promovido por

cientistas e mesmo filósofos.

computável. Enfim, estava em germe na sua máquina

arquitetura estava construída sobre sistemas simbólicos

universal toda uma ciência que procura recriar

de produção baseados em regras. O programa se

John McCarthy (um dos pais da inteligência artificial

158

como campo transdisciplinar) dois pesquisadores, Allen

Antes mesmo do “Logic Theorist”, em 1945, Vannevar

inteligência artificialmente, seja nos moldes dos

articulava como resultado de um texto formado a partir

Newell e Herbert Simon, roubaram a cena em meio a

Bush (BUSH, 2003 in WARDRIP-FRUIN, NOAH &

humanos ou ao modo de uma racionalidade diferente,

de algoritmos que produziam novos textos os quais

vários outros pesquisadores importantes. O programa

MONTFORT) apresenta seu artigo “As We May Think”

própria da máquina. A prova de uma inteligência

eram postos à prova. O texto resultante, que surgia da

de computador apresentado por eles, o “Logic

que trata de tecnologias multimidiáticas (na época

artificial ao modo dos humanos deveria fazer o

nova forma de racionalidade híbrida homem e

Theorist”, foi capaz de solucionar e demonstrar a

apenas em conceito) que tornassem acessíveis ao

computador passar por uma arguição de um humano de

computador, era produzido pela primeira vez sem a

maioria dos teoremas do capítulo 2 do livro Principia

usuário a possibilidade de: a) inserção (input) de dados

tal modo que fosse indistinguível para o arguidor a

responsabilidade estritamente humana. Os

Mathematica de Russel e Whitehead, sendo que uma

de diversos matizes (texto, fotografias, sons etc.), b) a

diferença de comportamento racional da máquina em

computadores executavam tarefas que os homens não

dessas demonstrações foi mais curta que a contida no

manipulação numérica desses dados e c) sua

relação ao seu inquiridor. As estruturas simbólicas do

poderiam fazer e vice-versa. A sensação dos autores

livro. Ao apresentar o trabalho aos editores do “Journal

divulgação (output). A máquina proposta por Bush

computador permitiriam que esse pudesse dar

em relação ao seu parceiro maquinal foi a de perceber,

of Symbolic Logic” o artigo foi recusado. O motivo foi

viabilizaria o trabalho impossível aos homens de guardar

respostas criativas para perguntas genéricas. Estamos

ainda que de maneira não totalmente consciente, o

que o resultado da pesquisa havia sido creditado pelos

e recuperar grande massa de dados na memória,

longe disso, mas essa é uma questão que ainda está

nascimento, de fato, de um novo tipo de racionalidade

próprios autores não só a eles mesmos, mas também

visualizar, imprimir, e articular sequências de busca

sob o foco da ciência.

diferente da humana. Até então os textos, ideias, livros

ao programa que eles implementaram. O “Logic

como se fossem um fluxo de imaginação ou um

Theorist” foi recusado como coautor do trabalho. Duas

caminho de construção de sentido, originado na

Toda construção cognitiva teórica e prática até meados

simbólicas veiculados em meio material físico

rupturas se fizeram sentir nesse episódio, a primeira faz

arquitetura da informação fundamentada no aparato

do século vinte foi fundamentada na representação

permaneciam imutáveis em sua configuração material.

referência à inclusão de um dispositivo tecnológico

tecnológico chamado “Memex”. O Memex, nome da

como pilar de estruturas simbólicas. Essa premissa que

As páginas dos livros continuavam as mesmas após a

como autor de um trabalho criativo, a segunda faz

máquina pensada por Bush a partir da ideia de

adota as estruturas simbólicas como condição de

leitura e as palavras escritas também. A textualidade da

referência à introdução de novas racionalidades

“memory extended”, foi concebido como um

entendimento e percepção do mundo foi importante

produção intelectual da humanidade realizava-se como

computacionais no processo de produção de

dispositivo hipermidiático que traça trilhas de links

para a construção dos primeiros modelos

veiculo material imutável na sua existência física,

conhecimento. A inteligência artificial, em sentido

informacionais que poderiam ser recuperadas a partir

computacionais de inteligência que lograram êxito em

gravado com signos e símbolos que, embora

amplo, talvez seja o grande divisor de águas no

da manipulação/interação de um usuário

vários terrenos, como, por exemplo, na prova de

carregados de sentidos equívocos e abertos a

impressos, por exemplo, como representações

159


160

interpretações, não modificavam a si mesmos. Nunca,

dispositivo não biológico que tenha comportamento

regras de produção baseadas nas vizinhanças das

até o aparecimento da computação, um texto simbólico

autônomo capaz de agir no mundo e tomar decisões a

células individuais.

veiculado em um meio material foi capaz de dar à luz

partir de si mesmo, mediante contexto variável e

outro novo texto que não estava presente sob qualquer

ambiente não previsível. As primeiras concepções de

A forma inicial fluía de dentro da cápsula e gerava uma

(the) construction arm is long enough...

circunstância inteligível no primeiro. Foi em uma

inteligência artificial tomaram o homem como

nova configuração que, ao se separar da configuração

The daughter reproduce perfectly, the

espécie de “materialidade formal” e temporária das

parâmetro e medida. As operações maquinais tentavam

inicial, reproduzia a mesma identicamente. Os “loops”

construction is okay! Exactly the right

memórias dos computadores que armazenam a

reproduzir o que se sabia da inteligência humana. Mas

de Langton, chamados de “Adam”, produziam

length! The daughter reproduces too!!

informação, que surgiu a interconexão de dados de

foi só por volta de 1989 que Christopher Langton

continuamente gerações de “Qs”. Toda a informação

We’re off! (Levy, 1993: p.101)

diversas ordens, foi a base comum sobre a qual novos

conseguiu o intento de fazer um trecho de código

contida na configuração original era capaz de se

ordenamentos e configurações simbólicas puderam ser

reproduzir uma cópia de si mesmo. O texto

propagar em um tempo determinado, seguindo os

Chris Langton foi criador do grande campo de estudo

feitas. Uma mesma base simbólica para todo tipo de

computacional, transmutado em um mundo de

passos determinados pelas regras incorporadas aos

que ele denominou Vida Artificial, ou Artificial Life, Alife

informação reduziu os campos do conhecimento com

símbolos visuais que surgiam na tela e se reproduziam

estados das células e de sua vizinhança. Não havia

por abreviação. Bedau (BEDAU, 2003) define a Alife

suas “linguagens” específicas a um substrato formal

em formas iguais às originais, parecia reproduzir o

interpretação de significados para a produção dos

como um campo vasto e transdisciplinar que procura

binário geral que traduz todas as formas simbólicas

fenômeno da multiplicação celular e levava mais adiante

processos de replicação, simplesmente regras

abstrair da vida seus aspectos formais para programar-

computáveis. Uma espécie de livro adaptativo e

a idéia de que uma obra com significado poderia

determinísticas de produção e um estado inicial

los em sistemas computacionais. Essa atitude tem um

interativo capaz de se comunicar com seus criadores. A

modificar-se a si mesma, dadas as condições genéticas

específico. Langton percebeu que o que havia feito não

viés epistemológico que procura, ao modelar as

autonomia dos construtos simbólicos engatinhava.

(um programa fundamental) e ambientais apropriadas.

era de fato algo semelhante à vida no seu aspecto físico

dinâmicas da vida, entender a vida como ela é.

Embora esses avanços tivessem lugar já em meados

Langton estava interessado na organização formal que

e biológico, mas algo que ia ao encontro dos processos

Entretanto, há outro viés da Alife que procura criar vida

dos anos 50, o início da computação foi marcado pela

seria capaz de disparar o processo de autoreplicação.

essenciais e informacionais na organização do

“em silício”, como ela poderia ser. São sistemas que

busca de um programa, que aqui pode ser entendido

Ele buscou uma essência formal do fenômeno da

fenômeno da vida. Seu próximo passo seria pesquisar

estabelecem dinâmicas semelhantes em algum

como um código simbólico, que reproduzisse a si

replicação. Langton construiu seu modelo de autômato

os efeitos da evolução (herança, variação e seleção)

aspecto aos fenômenos da biologia que não são

mesmo. Como Levy relata (LEVY, 1992), os principais

celular baseado em um estado inicial na forma de um

nesses tipos de mecanismos celulares. Levy [1993:

representações da natureza, mas construtos que têm

precursores e criadores dos computadores e de

Q, um quadrado com um pequeno rabo, envolto em

p.101] assinala a passagem que Langton descreveu ao

características formais de vida não necessariamente

sistemas de computação, Alan Turing e von Neumann,

uma cápsula de estados constantes de células do

verificar o processo executado em seu computador.

encontradas em animais “naturais”. Enfim, a alife

tinham em mente, desde o início, a idéia de produzir

autômato. No interior dessas cápsulas estavam

Uma passagem que lembra o êxtase de Miguelângelo

estuda, por meio de modelagem computacional, a vida

vida criada a partir de informação. Vida referente a um

configurados os estados futuros das outras, segundo

diante de Moisés – “parla!”. .

como ela poderia ser. A Alife está intimamente ligada à

I’m watching it now. It looks like it will also reproduce itself and I’m hoping

161


inteligência artificial (IA), aos sistemas complexos e aos

nihilo sempre existiu e teve seus expoentes simbólicos

algoritimica de comportamento de bandos para animar

computacionais como modelos de sistemas complexos,

sistemas evolucionários. O desenvolvimento dos

registrados, por exemplo, nas marteladas de

peixes, manadas de búfalo entre outros efeitos

de vários matizes midiáticos, permitem a emergência de

sistemas computacionais permitiu que fossem criados,

Michelangelo em sua obra Moisés que exigia que sua

realizados por ele na indústria cinematográfica. Os

propriedades que não se encontram explicitamente

via código, entidades computacionais conhecidas como

estátua falasse. Frankestein é outra narrativa que

boids, assim chamados pelo seu inventor, são robôs

representadas no próprio texto. Embora os mundos

agentes virtuais, ou bots (robôs digitais). O computador

exprime o desejo escondido de uma relação emotiva e

virtuais autônomos, no que se refere ao seu

virtuais, como diz Casti (CASTI, 1997), partam de regras

reduziu, com sua linguagem binária universal, as

afetiva entre criador e criatura. A interface entre

deslocamento e locomoção auto-orientada em

determinísticas, sua dinâmica é absolutamente

informações de diversos matizes em estruturas digitais

homem e computador tende a desaparecer no limite.

ambientes com obstáculos. Mais uma vez a mente

imprevisível. Por propriedade emergente entendemos

humana caminha na direção de conferir autonomia à

um nível de realidade que surge em consequência da

sua criação, seja estética ou científica.

conexão de dois ou mais agentes. Por exemplo, as

subsimbólicas. A sopa digital foi o caldo que permitiu a

162

evolução de várias disciplinas, bem como tornou

Ao contrário dos modelos científicos de explicação do

difusos seus limites e definições. Os sistemas

mundo baseados em abordagens analíticas top-down,

computacionais nascem transdisciplinares.

os mundos virtuais da Alife partem de abordagem

Fenômenos sociais, culturais e econômicos, entre

de oxigênio e hidrogênio sem que estivessem presentes

sintética botton-up. Nesse sentido os sistemas

outros, que tenham um elevado número de entidades

nos seus constituintes. O sistema, ao contrário de ser

Artistas de fronteira logo foram influenciados sobre o

complexos pouco entendidos por metodologias

em interação e com alto grau de verossimilhança com as

reducionista, é sintético. Outra propriedade interessante

imenso potencial estético ligado à vida artificial e à

analíticas foram iluminados com uma metodologia que

entidades do dito mundo real são objetos adequados à

dos mundos virtuais como nova forma de textualidade é

inteligência artificial. Eduardo Kac realizou um trabalho

permite seu estudo a partir de elementos simples e

modelagem conexionista por agentes autônomos. É

a idéia de experimentação. Para além da interpretação

que conecta ciência da informação, biologia, ciência da

conectados uns aos outros, caso típico da ideia do

possível estudar sistemas altamente complexos como

dos textos convencionais, é possível interagir nos

computação, interação dialógica para conceber e

emaranhamento e da volta estranha de Hofstdter.

trânsito em grandes cidades, bolsa de valores, vida de

mundos virtuais baseados em agentes para modificar

produzir “Genesis” . Sua tradução do trecho do

Modelos como esse são chamados de conexionistas e

um formigueiro, etc. Os agentes, instâncias de textos

suas condições existenciais. Em outras palavras, o texto

Gênesis da Bíblia foi codificada em sequências de DNA

são capazes de simular comportamentos coletivos

formalizados em códigos, são capazes de aprender com

pode ser experimentado sensorial e intersubjetivamente.

e implantada biologicamente em seres vivos. Após

animais ou sociais, com muito mais propriedade e

a experiência, evoluir aos moldes da seleção natural e

Estamos diante da emergência de um texto que caminha

intervenção de usuários via web, que comandavam à

eficiência que qualquer outro modelo de sistemática

tomar decisões baseadas em sua constituição genética

em direção à autopoiésis, autonomia e evolução.

distância luzes que produziam efeitos mutantes nos

top-down. Os algoritmos de Craig Reynolds – swarm

informacional e no ambiente dinâmico no qual estão

seres em vitro, as sequências de DNA foram retiradas

behavior – conseguiram modelar o comportamento

inseridos. Dessa forma estamos diante de um texto com

Sistemas complexos, formalizados em códigos de

dos organismos e relidas após a mutação genética e

complexo de bando a apartir de regras locais simples. O

gramática, sintaxe e semântica definidas, que pode ser

programação, também são largamente usados em

impressas para comparação com o trecho original. A

cinema de animação e de efeitos especiais lança mão

instanciado formalmente em um sistema computacional.

trabalhos de arte computacional como forma de

ideia comum entre cientistas e artistas de criação ex

sistematicamente de suas descobertas na decrição

As regras totalmente determinísticas de textos

produzir comportamentos emergentes a partir de vários

propriedades da água emergem da relação entre átomos

163


agentes simples interagindo entre si. Existem muitos

sonoras que manifestam comportamento de bando,

espectador/autor/obra/processo. A computação física

impactos na produção da arte contemporânea, no

trabalhos baseados em algoritmos de bando criados por

como proposto pelos algoritmos de Reynolds. O

possibilitou um diálogo entre homem e máquina através

campo da filosofia da arte e em outros campos, como

Craig Reynolds . Instalações como a de Karl Sims e

comportamento das esculturas, expresso em sons e

de vários modelos de disciplinas que estudam o

defendem Chritiam Peter e Russel Beale (PETER &

Ken Rinaldo usaram esse tipo de linguagem artística

movimentos, é emergente e depende da relação entre

comportamento comunicacional entre homem e

BEALE, 2008), tais como: Fundamentos teóricos

baseada em códigos digitais que simulam

as esculturas entre si e os interatores. O ambiente da

máquina – IHC – interação Homem Computador. Um

(representação das emoções. Aspectos legais e éticos);

comportamentos emergentes. Karl Sims expôs em

instalação abriga vários braços robóticos que têm

dos campos em desenvolvimento que promete mudar a

Emoção e afeto como inputs (sensores multimodais,

1997 uma obra de vida artificial que simula o

sensores de proximidade dispostos em posições

maneira como vemos a nós mesmos e como podemos

redes de sensores, análise de dados); Emoção e afeto

crescimento e comportamento de uma população de

específicas de modo a perceber a aproximação dos

nos comunicar com os computadores é a computação

como output (aplicações web com agentes, ambientes

animais abstratos, como descreve o autor:

interatores de acordo com a aproximação cada braço se

emotiva. As interfaces que conectam mundos, homens

inteligentes, dispositivos móveis e robótica);

movimenta em direção ao usuário próximo. Um

e máquinas em vários níveis, do mais ínfimo dos

Usabilidade e experiência do usuário. A computação

“Galápagos is an interactive Darwinian

algoritmo de segurança restringe o movimento de

processos moleculares até o cosmos foram objeto de

afetiva e emotiva conecta em níveis profundos os

evolution of virtual “organisms.” Twelve

modo que os braços não toquem o usuário. Por sua

estudo e experimentação por parte dos artistas

sistemas computacionais com os usuários coafetivos. É

computers simulate the growth and

vez, o braço movimentado afeta o comportamento de

computacionais. Interface segundo MEADOWS (2003)

possível que estes sistemas de racionalidade maquinal

behaviors of a population of abstract

outros e assim sucessivamente. Nem os participantes

é algo relacionado com engajamento, imersão,

possam saber mais profundamente sobre os estados

animated forms and display them on twelve

nem o autor podem descrever para qual estado o

participação, resposta e reação. Quando os termos

emotivos do espectador do que o próprio espectador

screens arranged in an arc. The viewers

sistema irá caminhar. Os sistemas complexos

engajamento e imersão são colocados em campo de

em seu nível racional. Não é de se espantar que as

participate in this exhibit by selecting which

programados são completamente determinísticos, mas

discussão, as questões psicológicas de atenção, prazer

aplicações no campo da pedagogia, cognição,

organisms they find most aesthetically

imprevisíveis e mesmo caóticos.

e desejo entram em cena. Depois da inteligência

neurociência entre tantos outros venham a se beneficiar

interesting and standing on step sensors

164

artificial, da vida artificial e dos mecanismos racionais

da transdisciplinaridade desse assunto vasto e

in front of those displays. The selected

As interfaces e a interatividade entre homens e

terem sido implementados em sistemas

importante para a compreensão do que chamamos de

organisms survive, mate, mutate and

máquina foram e continuam sendo para a arte

computacionais e apropriados pela arte das novas

mente. Como destacam (CASTELLANO, KESSOUS

reproduce.

computacional preocupação de primeira ordem. Mas se

mídias, a emoção e o afeto começam a despontar

&CARIDAKIS, 2008) o objetivo de vários estudos neste

ciência e arte tentaram formalizar outros tipos de vida,

como novas conexões entre humanos e máquinas. O

campo é prover à máquina um envolvimento afetivo

Ken Rinaldo é um artista digital que trabalha com

para além da vida em cadeias de carbono, faltou a essa

termo Affective Computing cunhado por Rosalin Picard

com o usuário desenvolvendo sistemas capazes de

instalações robóticas entre outras formas de expressão.

vida a comunicação de emoções e afetos entre criador

do MIT abre as portas para uma nova exploração

expressar emoção, requisito básico para a comunicação

Uma de suas instalações é um grupo de esculturas

e criatura, intermediados e transformados pelo

conceitual, científica e tecnológica que terá profundos

com os humanos. Interfaces multimodais que 165


166

funcionem como dispositivos de aquisição de dados

Trabalhos como de Paul Ekman sobre a relação entre

as duas extremidades é um desafio grande para os

chegue a ser utilizada. Nesse

biométricos como câmeras para reconhecimento facial,

as expressões faciais e os estados emotivos são

designers de jogos, os grandes arquitetos da arte

caso a armadilha consiste

sensores para batimentos cardíacos, galvanômetros,

amplamente usados no campo da animação tradicional

popular contemporânea. A idéia de imersão

na idéia de que antes de

equipamentos de monitoramento de atividade neural,

e da animação procedural. Para o autor emoções

característica dos ambientes de realidade virtual, jogos

poder compreender qualquer

sensores de pressão sanguínea entre outros

determinam a qualidade de nossas vidas. Na mesma

digitais hoje está estritamente relacionada como o

mensagem é necessário

dispositivos formam um arsenal que pode conectar o

linha autores como Mihaly Csikszentmihalyi buscam

sentimento de flow – atenção, exitação, controle e

dispor de uma mensagem

usuário e seus estados emocionais (ainda que

explicações para a relação profunda entre o

recompensa. A arte não pode virar as costas para as

que diga como compreender

imprecisamente, embora com boa aproximação) com

comportamento das pessoas e seus sentimentos,

descobertas nesse campo. Artistas sempre foram

aquela mensagem; em outras

uma máquina capaz de se modificar para se adequar a

emoções e afetos. Em seu livro FLOW, o autor

considerados pessoas que têm criatividade e

palavras, há uma hierarquia

um diálogo mais afetivo e efetivo. PICARD (2004) fala

descreve os estados de fluxo como estados de extrema

capacidade de apreensão da realidade muito

infinita de níveis de mensagens

que o uso dos computadores como modelo, metáfora e

atenção associados a recompensas psicológicas. No

sofisticada. Cada vez mais as ferramentas tecnológicas

que impede que qualquer

ferramenta de modelagem tem sido enfatizado,

estado de fluxo o sujeito experimenta uma suspensão

colocam aos artistas desafios imaginativos. Cabe a eles

mensagem chegue a ser

privilegiando a abordagem cognitivista informacional,

de temporalidade e espacialidade. É como se nada

decidirem se haverá “flow” ou não nessa viagem entre

compreendida. Contudo, todos

sem levar em conta o caráter do afeto e da emoção na

estivesse perto do assunto de sua atenção e como se o

a interação, inteligência e emoção.

nós sabemos que esses

produção de conhecimento. Da mesma maneira os

tempo fosse suspenso. Ele caracteriza os estados de

paradoxos são inválidos, pois

artistas computacionais colocaram o acento na questão

flow (fluxo) como uma região em um espaço

as regras são utilizadas e as

corpórea e na racionalidade maquinal. A computação

psicológico entre a exitação e o controle. Nos jogos

afetiva é um campo a ser explorado por teorias

digitais os game designers utilizam suas teorias em

estéticas que até hoje se valem principalmente de

testes de jogabilidade para tentar equilibrar desafios e

1)“... a armadilha consiste na

argumentos de ordem filosófica para tentar estabelecer

habilidades. Se o desafio é muito maior do que as

idéia de que antes de usar

2) The goal of an immersive

um estatuto da arte. Conhecer como nós conhecemos

habilidades e capacidades do jogador/interator há um

uma regra é necessário dispor

environment, as with VR, is to

o mundo e nos interessamos por ele é fundamental

sentimento de frustração e o jogador pode abandonar o

de uma regra que diga como

give users the impression that

para compreender os limites, possibilidades e alcances

jogo com um sentimento negativo. De maneira análoga,

usar aquela regra; em outras

they are in a physical space that

de uma atitude criativa. O próprio conceito de

mas oposta, se o desafio é pequeno para as habilidades

palavras, há uma hierarquia

seems real, though it is, in fact,

criatividade se expande face aos novos modos de lidar

e capacidades do jogador há um sentimento de tédio

infinita de níveis de regras que

artificially created. (cap. 19).

com sentimentos, afeição, emoções e desejos.

que também afasta o jogador. O equilíbrio exato entre

impede que qualquer regra

.3) “O Teorema de Gödel

Notas

mensagens são compreendidas. Como pode?” (p.184).

167


168

aparece como Proposição

humanos deve achar muito

testar um programa e seus

não são enquanto não são.” (fr.

7)The element of controlled

quanto comumente usurpados

14) Autômatos celulares

set of values. WOLFRAM,

VI em seu trabalho de 1931

deprimente uma viagem pelo

dados para saber se ele irá parar

1, Diels). O significado desta

randomness that emerges in

pela propaganda e pelos meios

(CA) são modelos que foram

Stephen. Cellular Automata as

intitulado “Sobre proposições

século vinte. Muitos dos

no meio do processamento dos

tese famosa foi esclarecido

Dada, OuLIPO, and the works

de comunicação de massa

concebidos por von Neumann

Simple Self-Organizing System.

formalmente indecidíveis

resultados mais profundos

dados. Mais recentemente,

pela primeira vez por Platão,

of Duchamp and Cage points

convencionais.

e Ulam, para estudar processos

1982. Disponível em: <http://

em Principia Mathematica

e bem documentados da

Gregory Chaitin examinou

cuja interpretação continuou

to one of the basic principles

biológicos de auto reprodução.

www.stephenwolfram.com/

e sistemas correlatos”. Seu

ciência neste século foram

a noção gödeleniana da

e continua a merecer crédito.

and most common paradigms

11) RUSSELL, Stuart &

São constituídos de elementos

pdf/Cellular-Automata-Self-

enunciado é o seguinte

afirmações sobre o que não

provabilidade a partir de

Segundo Platão, Protágoras

of digital medium: the concept

NORVIG, Peter. Inteligência

discretos, arranjados em um

Organizing-Systems-Stephen-

[...] Todas as formulações

se pode saber e o que não

uma perspectiva da teoria

pretendia dizer que “as coisa

of random access as a basis

Artificial. Rio de Janeiro:

grid de espaçamentos discretos

Wolfram-Article.pdf.> Acesso

axiomáticas consistentes da

se pode fazer. Provavelmente

da informação, descobrindo

singulares que me aparecem,

for processing and assembling

Editora Campus, 2004

e regidos por regras que levam

em: 08 de agosto de 2012.

Teoria dos Números incluem

o mais famoso resultado

exemplos explícitos de

assim são para mim, e aquelas

information

proposições indecidíveis

limitador desse tipo tenha

proposições aritméticas simples

que te aparecem, assim são

12) VANNEVAR, Bush in

sistema evolui em passos

15) Genesis is a transgenic

[...] Com efeito, já é obra de

sido o Teorema gödeliano da

cuja verdade ou falsidade não

para ti; dado que homem tu

8) GIANNETTI, Claudia. A

WARDRIP-FRUIN, NOAH &

discretos. WOLFRAM (1982)

artwork that explores the

gênio a simples questão da

Incompletude, segundo o qual

pode ser conhecida seguindo-se

és e homem eu sou; e que,

Estética Digital. Sintopia da

MONTFORT, Nick. The New

define um CA elementar

intricate relationship between

ligação da ideia das afirmações

nenhum sistema de inferência

regras dedutivas de qualquer

portanto, identificava aparência

Arte, a ciência e a Tecnologia.

Media Reader. USA: MIT

como: An ``elementary’’

biology, belief systems,

autoreferentes com a Teoria

dedutiva é capaz de, usando

sistema lógico.”

e sensação, afirmando qua a

Belo Horizonte: C/Arte, 2006

Press, 2003.

cellular automaton consists of

information technology,

dos Números. Ao intuir que tal

a linguagem do sistema, dar

a sequence of sites carrying

dialogical interaction, ethics, and

afirmação podia ser realizada,

respostas a todas as questões

5) ABBAGNANO (1985) fala

sempre verdadeiras porque “a

9) RUSH, Michael. Novas

13)“...He has dozens of possibly

values 0 or 1 arranged on a line.

the Internet. The key element of

Gödel estava transpondo o

que podem ser formulada

sobre essa exemplar frase do

aparência é sempre da coisa

Mídias na Arte Contemporânea.

pertinent books and articles

The value at each site evolves

the work is an “artist’s gene”, a

obstáculo principal.

sobre números. Em resumo,

sofista: ”Protágoras expressou

que é”; é, entenda-se, para este

São Paulo: Martins Fontes,

in his memex. First he runs

deterministically with time

synthetic gene that was created

todo sistema suficientemente

o postulado fundamental do

ou aquele homem”.

2006. Além de criticar a

through an encyclopedia, finds

according to a set of definite

by Kac by translating a sentence

4) CASTI (1998) “Alguém que

forte, convincente e lógico é

ensino sofístico no famoso

televisão, vários dos primeiros

an interesting but sketchy

rules involving the values of

from the biblical book of

tenha sido contaminado pela

incompleto. Alguns anos mais

princípio que iniciava a obra

6) Disponível em < http://

videoartistas adotaram a

article, leaves it projected. Next,

its nearest neighbours. In

Genesis into Morse Code, and

ideia de que a mente humana

tarde Turing, demonstrou uma

Sobre a Verdade:” “O homem

pt.wikipedia.org/wiki/

tecnologia da câmera e

in a history, he finds another

general, the sites of a cellular

converting the Morse Code into

é ilimitada em sua capacidade

asserção equivalente acerca de

é a medida de todas as coisas

Dada%C3%ADsmo>. Acesso

criaram meios de expressão

pertinent item, and ties the

automaton may be arranged

DNA base pairs according to a

de dar resposta a perguntas

computadores, que afirma não

(chrémata), das coisas que são

em 01/09/20122

inovadores que eram tanto

two together. Thus, he goes,

on any regular lattice, and each

conversion principle specially

sobre assuntos naturais e

haver meio sistemático para

enquanto são e das coisas que

usados por outros artistas,

building a trail of many items.”

site may take on any discrete

developed by the artist for this

em conta sua vizinhança. O

aparência e a sensação são

169


work. The sentence reads: “Let

then back into English. The

Newton. Os sistemas simples

controles centralizados nesses

follow this corridor, join that

red3d.com/cwr/ acessado em

21) EKMAN, Paul. Emotions

man have dominion over the

mutation that took place in the

quase sempre envolvem

sistemas; nenhum motorista,

group of characters...) This

19 de maio de 2011

Revealed. Recognizing

fish of the sea, and over the

DNA had changed the original

um número de elementos

comerciante ou molécula tem

paper divides motion behavior

fowl of the air, and over every

sentence from the Bible. The

individuais com interações

acesso ao que os outros estão

into three levels. It will focus

19)“Galápagos is an interactive

Communication and

living thing that moves upon the

mutated sentence was posted

relativamente fracas entre

fazendo, de forma que os

on the middle level of steering

media installation that allows

Emotional Life.New York:

earth.” It was chosen for what

on the Genesis web site. In the

eles, ou sistemas, como gases

agentes num sistema complexo

behaviors, briefly describe the

visitors to “evolve” 3D animated

Times Books, 2003.

it implies about the dubious

context of the work, the ability

comprimidos ou galáxias

tomam as suas decisões e

lower level of locomotion, and

forms. It was installed at the ICC

notion--divinely sanctioned--of

to change the sentence is a

distantes compostos por um

atualizam suas regras de ação

touch lightly on the higher level

in Tokyo from 1997 to 2000, and

humanity’s supremacy over

symbolic gesture: it means that

número tão grande de objetos

com base em informações

of goal setting and strategy.

was exhibited at the DeCordova

nature. Morse code was chosen

we do not accept its meaning

que podemos empregar

locais, ao invés de globais.”

Disponível em < http://www.

Museum in Lincoln, Mass.

because, as the first example

in the form we inherited it, and

técnicas estatísticas para

red3d.com/cwr/papers/1999/

as part of Make Your Move:

of the use of radiotelegraphy,

that new meanings emerge as

estudar o seu comportamento.

17)This paper presents

gdc99steer.pdf>. Acesso em 08

Interactive Computer Art and the

it represents the dawn of the

we seek to change it. Disponível

Os sistemas complexos

solutions for one requirement

de agosto de 2012.

Boston Cyberarts Festival 1999”

information age--the genesis

em < http://www.ekac.org/

envolvem um número

of autonomous characters

of global communication. The

geninfo2.html.>. Acesso em 8

intermediário de agentes:

in animation and games: the

18)“ My interests center

karlsims.com/ acessado em 19

Genesis gene was incorporated

de agosto de 2012.

motoristas, comerciantes,

ability to navigate around

around using procedural

de maio de 2011.

moléculas. Nos sistemas

their world in a life-like and

models (computer programs)

into bacteria, which were shown

170

Faces and Feelings to Improve

Disponível em http://www.

in the gallery. Participants on the

16) Casti [1998, p ]“Os

complexos os agentes são

improvisational manner. These

to simulate complex natural

20) The Flock is a group of

Web could turn on an ultraviolet

sistemas complexos estão

quase sempre inteligentes e

“steering behaviors” are largely

phenomenon. These

musical interactive sound

light in the gallery, causing

presentes em padrões de

adaptativos, no sentido de que

independent of the particulars

models can aide scientific

sculptures which exhibit

real, biological mutations in

tráfego nas redes de transporte

toma suas decisões de acordo

of the character’s means of

understanding of the natural

behaviors analogous to the

the bacteria. This changed the

urbano até movimentos dos

com várias regras e são capazes

locomotion. Combinations of

system. They also allow

flocking found in natural groups

biblical sentence in the bacteria.

preços no mercado financeiro.

de modificar as suas próprias

steering behaviors can be used

us to recreate and control

such as birds, schooling fish or

After the show, the DNA of

Eles são fundamentalmente

regras de atuação com base em

to achieve higher level goals

the phenomenon for use in

flying bats. Disponível em http://

the bacteria was translated

diferentes dos sistemas simples

informações novas que venham

(For example: get from here to

animation, games and the arts”

kenrinaldo.com/ acessado em

back into Morse code, and

como a mecânica clássica de

a adquirir. Não há ditadores nem

there while avoiding obstacles,

Disponível em http://www.

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172

173


Ficha Técnica Concepção, Direção - Curadoria Henrique Roscoe Tadeus Mucelli Assistente de Direção Mariana Duarte Coordenação do Simpósio Henrique Roscoe Tadeus Mucelli Publicação Livro “FAD - Retrospectiva” Henrique Roscoe, Tadeus Mucelli, Francesco Salizzoni, Ana Paula Baltazar, Jose dos Santos Cabral Filho, Romero Tori, Sandro Canavezzi, Daniela Kutschat, Eduardo de Jesus, Sonia Laboriau, Gilberto Prado, Patricia Moran, Eric Marke, Marinza Gazire Lemos, Nacho Duran, Chico Marinho Coordenação Educacional - Monitoria Alexandre Milagres

Assessoria de Imprensa

Relações Internacionais MIB

Gestão Financeira

A Dupla Informação, Fábio Gomides, Cristiana Brandão,

Giussi Zamana

Luciene Eller

Agenciamento Artístico

Consultoria

Agência Filtro

Diversas Consultoria Cultural

Conceição Redes sociais Monica Boscarino

José Junior de Oliveira Santos Produção Audiovisual

Revisão

Tarley Mccartiney

Melissa Boechat Marcelo Belico

Produção FAD Galeria

Henrique Roscoe

Marina Santos Rodrigo Furtini

Projeto Gráfico Brayhan Hawryliszyn

Produção FAD Simpósio e Laboratório

Sillas Maciel

Alexandre Milagres

Fotografia

Produção FAD Performance

Bruna Finelli

Licio Daf

Site

Promoção

Inácio Fonseca

Romã Midia Livre

Relações Internacionais

Video Cenografia

Henrique Roscoe , Larissa Alves, Tadeus Mucelli

1mpar

Produção Executiva Larissa Alves, Rodrigo Furtini, Licio Daf, Marina Santos 174

175


Ficha Catalográfica 1) Arte eletrônica 2) Cultural digital 3) Festival de Arte Digital 4) Multimídia interativa 5) Objetos de arte - Exposições - Catálogos I. Roscoe Henrique. II. Mucelli, Tadeus. Título: FAD - Festival de Arte Digital - Restrospectiva Índice para catálogo sistemático: 1) Cultura digital na arte 700.285 | 2. Linguagem eletrônica na arte 700.285

176

177



ISBN 978-85-63921-01-7 1. Arte eletrônica 2.Cultural digital 3. Festival de Arte Digital 4.Multimídia interativa 5. Objetos de arte - Exposições - Catálogos I. Roscoe Henrique. II. Mucelli, Tadeus. TÌtulo: FAD - Festival de Arte Digital - Retrospectiva Índice para catálogo sistemático: 1. Cultura digital na arte 700.285 | 2. Linguagem eletrônica na arte 700.285

180


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