ORG.
ALCENIR SOARES DOS REIS BETÂNIA GONÇALVES FIGUEIREDO
PATRIMÔNIO
IMATERIAL EM PERSPECTIVA
Patrimônio Imaterial em Perspectiva
ORGANIZAÇÃO
Alcenir Soares dos Reis Betânia Gonçalves Figueiredo
Todos os direitos reservados à Fino Traço Editora Ltda. © Alcenir Soares dos Reis, Betânia Gonçalves Figueiredo Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem a autorização da editora. As ideias contidas neste livro são de responsabilidade de seus organizadores e autores e não expressam necessariamente a posição da editora.
cip-Brasil. Catalogação na Publicação | Sindicato Nacional dos Editores de Livros, rj P34 Patrimônio Imaterial em Perspectiva/ organização Alcenir Soares dos Reis, Betânia Gonçalves Figueiredo. - 1. ed. - Belo Horizonte, MG: Fino Traço, 2015. 288 p.; 23 cm. (Patrimônio; 11) ISBN 978-85-8054-247-9 1. Cultura 2. Patrimônio cultural - Brasil 3. Brasil - Política cultural. I. Reis, Alcenir Soares dos. II. Figueiredo, Betânia Gonçalves. III. Série. 15-22545 CDD: 363.69 CDU: 351.853
conselho editorial
Coleção Patrimônio
Angela Maria de Castro Gomes | FGV/RJ Antonio Torres Montenegro | UFPE Carlos Antônio Leite Brandão | UFMG Flávio de Lemos Carsalade | UFMG Thais Velloso Cougo Pimentel | UFMG Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses | USP
Fino Traço Editora ltda. Av. do Contorno, 9317 A | 2o andar | Barro Preto | CEP 30110-063 Belo Horizonte. MG. Brasil | Telefone: (31) 3212-9444 finotracoeditora.com.br
Apresentação 7 PARTE I Patrimônio Imaterial: dimensões teórico-conceituais
1 Patrimônio histórico material e imaterial e a invenção da história | Betânia Gonçalves Figueiredo 13
2 Da referência cultural ao patrimônio imaterial: introdução à história das políticas de patrimônio imaterial no Brasil | Márcia Chuva 25
3 O Patrimônio Imaterial: a atuação do IPHAN em Minas Gerais | Corina Maria Rodrigues Moreira 51
4 Modernidade e Patrimônio Cultural – ruptura e preservação | Sandra Martins Farias 65
5 Patrimônio imaterial e museus | Letícia Julião 85 6 Informação e patrimônio cultural: aproximações | Alcenir Soares dos Reis 107 PARTE II Patrimônio, memórias e vivências
1 Museu, patrimônio e cidade: camadas de sentido em Paraty | Mario Chagas, Claudia Storino 129
2 A Discoteca Oneyda Alvarenga: a materialização do patrimônio imaterial | Ana Paula Silva 145
3 A semântica de uma memória. Os modos de fazer como patrimônio vivencial | José Newton Coelho Meneses 169
4 O Reinado/Congado como Patrimônio Cultural Afro-Mineiro | Rubens da Silva 197
5 A trajetória da Banda Mole: memória, identidade e cultura imaterial | Clotildes Avellar Teixeira 225
6 A Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa e o seu poder de afetação: notas sobre um patrimônio material/imaterial dos mineiros | Fabrício José Nascimento da Silveira 241 Sobre os autores 281
Apresentação
Estamos trazendo à discussão, neste momento, a temática do Patrimônio Imaterial, tendo se estruturado o presente livro com a apresentação de diferentes artigos que têm como cerne as discussões e avaliações em relação àquela temática. Sua organização apresenta as reflexões teóricas de distintos pesquisadores, trabalhos cuja preocupação foi de privilegiar as dimensões conceituais, a memória e os resultados de pesquisa, de forma a resgatar as questões relativas ao patrimônio imaterial. A ideia de publicação dos resultados das apresentações e das discussões ocorridas no contexto do “VIII Seminário Patrimônio Cultural, Memória e Obras Raras: o imaterial em debate” realizado em 2009 na Escola de Ciência da Informação da UFMG manteve-se persistente ao longo destes anos em função das preocupações e interesses que o motivaram, não só em face da relevância do tema bem como pelo desejo das professoras e da bibliotecária1 do Laboratório de Preservação do Acervo/ECI, como responsáveis pela organização do evento, no sentido de que se consolidasse o registro daquela experiência. Assim, a consolidação das apresentações realizadas no Seminário e a persistência da ideia de tornar público os trabalhos que propiciaram importantes momentos de reflexão e no qual foi possível unir pesquisadores de diferentes áreas bem como estudantes de graduação – notadamente dos cursos de biblioteconomia, ciência da informação, história, conservação, etc., – fez com se mantivesse a motivação para a publicação dos trabalhos apresentados. A estes elementos se somaram também o fato de haver, por parte dos organizadores, o desejo de ampliar o escopo dos debates, fazendo com que outros pesquisadores fossem convidados e aderissem à proposta, resultando na contribuição destes à publicação. 1 Rosemary Tofani Motta.
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É oportuno acrescentar que as exposições orais apresentadas no Seminário, foram consolidadas e correspondem aos artigos dos seguintes autores: Betânia Gonçalves Figueiredo, Corina Maria Rodrigues Moreira, José Newton Coelho Menezes, Sandra Martins Farias e Clotildes Avellar Teixeira; porém, não se viabilizou em formato de artigo, a apresentação de Evelyn Maria de Almeida Meniconi. Portanto, em razão dos motivos acima explicitados e da decisão de incorporar outros pesquisadores que realizam pesquisas e trabalhos sobre a questão do patrimônio, principalmente em termos de sua dimensão material/imaterial, tornou possível agregar os artigos elaborados por Márcia Chuva, Mario Chagas e Claudia Storino, Rubens Silva, Fabrício José Nascimento da Silveira, Ana Paula Silva e Alcenir Soares dos Reis. Assim, o livro se organiza com trabalhos que apresentam diferentes perspectivas em relação ao patrimônio cultural e nele se encontram reflexões teóricas, memórias e experiências de pesquisa, permitindo-nos identificar os aspectos de indissociabilidade entre o material-imaterial. Desta forma e a fim de que as questões se colocassem de maneira articulada, estruturamos a apresentação dos artigos separando-os em dois grandes tópicos. No primeiro “Patrimônio Imaterial: dimensões teórico-conceituais” os textos buscam apontar as questões teóricas e os desafios relativos ao patrimônio, destacando-se os seguintes artigos: “Patrimônio histórico material e imaterial e a invenção da história”; “Da referência cultural ao patrimônio imaterial: introdução à história das políticas de patrimônio imaterial no Brasil”; “O patrimônio imaterial: a atuação do IPHAN em Minas Gerais”; “Modernidade e Patrimônio Cultural: ruptura e preservação”; “Patrimônio Imaterial e museus”; “Informação e patrimônio cultural; aproximações”. No que se refere ao segundo tópico “Patrimônio: memórias e vivências” dá-se centralidade ao patrimônio tendo como foco memórias e vivências, aspectos que se explicitam através dos argumentos e das distintas óticas de cada autor. Integram-se neste tópico os seguintes artigos: “A semântica de uma memória. Os modos de fazer como patrimônio vivencial”; “Museu, Patrimônio e cidade: camadas de sentido em Paraty”; “A Discoteca Oneyda Alvarenga: a
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materialização do patrimônio imaterial”; “A trajetória da Banda Mole: memória, identidade e cultura imaterial”; “A Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa e seu poder de afetação: notas sobre um patrimônio material/ imaterial dos mineiros”; “O Reinado/Congado como Patrimônio Cultural Afro-Mineiro”. Acreditamos que, ao trazer para o campo social os debates teóricos, os questionamentos e as problemáticas que se encontram inseridas em relação ao patrimônio, ampliam-se as oportunidades de reflexão e se concretizam as dimensões acadêmicas e o compromisso fundamental da Universidade Federal de Minas Gerais como instituição pública.
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Parte I Patrim么nio Imaterial: dimens玫es te贸rico-conceituais
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Patrimônio histórico material e imaterial e a invenção da história Betânia Gonçalves Figueiredo1
1. Os caminhos da história e da cultura Há uma série de mudanças que merecem ser discutidas no debate acerca do patrimônio histórico e cultural. Um movimento indicativo desta mudança relaciona-se à ampliação do próprio conceito de patrimônio, que, ao longo da sua trajetória, incorporou noções e conceitos importantes, tais como a noção da história e o conceito de cultura. Nessa trajetória há uma série de outros aspectos que também merecem ser analisados como a importância da educação, a inclusão de grupos sociais diversos, a imaterialidade do patrimônio dentre outros pontos. Para desenvolver esse percurso lançaremos mão de diversos movimentos. Em primeiro lugar uma breve investigação da etimologia da palavra patrimônio. Em seguida a compreensão da técnica como invenção e criação humanas. O conjunto de documentos denominado Cartas Patrimoniais será o terceiro momento dessa análise e finalmente um romance de Flaubert que apresenta personagens em busca da construção e significação históricas.
1 As ideias iniciais deste texto foram apresentadas, com as devidas alterações e adequações, nos seguintes eventos: Scientiarum Historia II Rio de Janeiro outubro de 2009 e III Simpósio Nacional de Tecnologia e Sociedade, novembro de 2009. Originalmente foi elaborado para o evento Patrimônio Imaterial da Escola Ciência da Informação/UFMG que deu origem ao livro que ora publicamos.
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A palavra patrimônio é composta por dois vocábulos grego-latinos “pater” e “nomos”2. Ambos remetem à ideia de herança econômica entre o mesmo grupo. Heranças deixadas pelo chefe da família ou por um grupo social. O sentido econômico, da riqueza material, está claro. “Pater” significa o chefe da família. Já o vocábulo “nomos” refere-se à lei, aos usos e aos costumes relacionados à origem, tanto de uma família quanto de uma cidade ou comunidade. Mas é possível herdar para além da riqueza material. A estrofe final do verso Memória, de Carlos Drummond de Andrade, nos apresenta uma menção bucólica à herança daqueles que partiram, ao nos lembrar que “essas coisas findas, muitas mais do que lindas, essas ficarão” (Carlos Drummond de Andrade – Memória). Para que possamos tratar de patrimônio em um sentido mais ampliado, ou seja, não nos limitando ao patrimônio econômico, é necessário adjetivar este patrimônio: patrimônio histórico. Ao incluirmos a dimensão de histórico ao patrimônio, o sentido econômico, entendido como as relações de oferta e de procura no mercado, perde a sua importância. O patrimônio histórico não se restringe a uma herança econômica, mas a algo que se deseja preservar para um coletivo, que transcende o aspecto financeiro. De acordo com Pomian3 os objetos, ao serem recolhidos ao museu, ganham novos significados, saem do circuito comercial convencional e ganham outros valores, transformam-se em semióforos. O mesmo movimento ocorre com o patrimônio histórico. As edificações, os artefatos, os objetos, os monumentos considerados como patrimônio histórico interrompem o fluxo comercial preestabelecido de suas trajetórias. São tratados de formas diferentes, submetidos a regras especiais que buscam incorporar e preservar os significados da trajetória histórica ao longo de suas existências. Mais do que edificações com valores de mercado x e z, interessa-nos a forma como essas edificações foram realizadas, a mão de obra arregimentada para realizar a construção, os grupos sociais que os frequentaram e os acordos e os desacordos discutidos nesses espaços. Todos esses novos sentidos extrapolam as regras do mercado. São valores 2 Estudo etimológico encontra-se em Memória e patrimônio: Etimologia. Carneiro, Neri P. Disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/memoria-e-patrimonio-etimologia/21288/. Acesso em: 20 abr. 2015. 3 Pomian, K. Coleção. In: Einaudi. (Vol 1) Le Goff, J. (org).
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difíceis ou impossíveis de serem mensurados monetariamente. São valores do âmbito da cultura, da ordem do subjetivo e, deste modo, intangíveis. Esse movimento de transformação de valores que os objetos e monumentos ganham ao longo da sua transformação em patrimônio histórico é que Pomian denomina semióforo. O que provoca essa transformação é de natureza da construção humana, do movimento da história. Como homens e mulheres ressignificam e revalorizam determinados movimentos, acervos, objetos, situações, formas de fazer e ser? Quais os elementos, os valores, as interpretações que precisam ser arregimentados para que determinado espaço ganhe novas referências, interpretações e sentidos? As transformações pelas quais passaram o conceito de Patrimônio buscaram adequar-se e acomodar-se às mudanças políticas e sociais. Essas alterações não se restringem ao patrimônio edificado, mas atinge o patrimônio material e o denominado imaterial além de lidar com o patrimônio ambiental e ou natural. Há que se ressaltar no caso brasileiro, mudanças substanciais no entendimento do patrimônio edificado foram realizadas nos anos 20 e 30 do século XX e modificaram a interpretação deste patrimônio. Entre essas mudanças ampliou-se a noção de patrimônio para além dos prédios e monumentos grandiosos, vinculados a uma experiência de vida secular, como os conjuntos das cidades históricas. Acompanhando estes exemplos grandiosos, foi-se incorporando construções menos espetaculares, conjuntos mais modestos, mas que, cada um ao seu modo expressa riqueza histórica e cultural inquestionável e apresenta, por sua vez, mais do que técnicas específicas de construção, a existência da vida social e suas articulações. Em seguida observa-se a ampliação do conceito de cultura, que não se limita mais à cultura formal, erudita e ou clássica, mas mescla-se com a cultura popular e com as manifestações populares. Estas ampliações e modificações conceituais relacionam-se com a própria dinâmica da vida em sociedade com a necessidade de construção de novos conceitos ou de modificação conceitual para atender novas demandas, exigências do mundo contemporâneo. A utilização de adjetivos dicotômicos para qualificar cultura como erudita/popular, formal/informal perdem a importância para
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definir conceitualmente o que é cultura. O conceito de cultura apesar de toda a complexidade (Burke: 2005), envolvida na sua definição, pode ser considerada como o conjunto de manifestações e construções variadas do homem ao longo do tempo e do espaço. Pode-se vincular estas alterações às modificações no entendimento do conceito de memória e de história. Entende-se história não como sinônimo do passado. História é compreendida como o esforço deliberado dos homens e mulheres do tempo presente em compreenderem os movimentos do passado. São os problemas do tempo presente que colaboram na construção dos problemas a serem investigados pelos homens e mulheres no passado. Neste sentido a possibilidade de lidar com o passado é apresentada a partir dos problemas construídos e levantados no tempo presente. É o nosso olhar do presente, marcado por posições sociais e políticas, que constrói as interrogações que serão apresentadas ao passado. Isso faz com que sempre sejam elaboradas, no transcorrer do tempo, novas questões ao tempo passado. A disciplina História distancia-se de uma compreensão de que o passado é a história. Ou seja, a disciplina História refere-se à reflexão, à análise, à interpretação realizada por homens do presente, da forma como se organizaram, viveram, lutaram, construíram homens e mulheres em um tempo passado. Como os homens realizam esta análise? Ou como se processa a produção da história, em termos de uma narrativa apoiada no tempo presente que remete ao tempo passado? Na medida em que este entendimento se amplia é perfeitamente possível ir incorporando novas compreensões não apenas no significado de patrimônio histórico, mas alterar, de forma deliberada, o conceito de patrimônio histórico e cultural.
2. A compreensão da Técnica O debate em torno do patrimônio histórico e cultural tem modificado nos últimos anos e tem envolvido, cada vez mais, a discussão em torno da técnica. Técnica no sentido da criação humana, historicamente situada, que permite ao homem modificar, alterar e construir o mundo que o cerca. O movimento de domínio e modificação da natureza e recriação da vida se faz, dentro de tantos outros aspectos, também pelo domínio da técnica
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Este livro tem como foco de discussão a problemática do Patrimônio Imaterial e sua organização resulta do somatório das exposições ocorridas no “VIII Seminário Patrimônio Cultural, Memória e Obras Raras: o imaterial em debate”, além de trabalhos de pesquisadores convidados. Os textos que o constitui permite traçar um painel amplo sobre o patrimônio cultural e se apresentam como questões importantes: os elementos teóricoconceituais, a memória e as experiências vivenciais, notadamente em relação à dimensão imaterial. Desta forma, a presente publicação, contando com as reflexões de diferentes colaboradores, corresponde ao atendimento dos interesses e das interlocuções sobre a questão do patrimônio, partilhadas por docentes e profissionais da Escola de Ciência da Informação e do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFMG, que, como parceiros, articularam-se para a realização deste livro. Considerando o escopo das discussões e das análises apresentadas pode-se afirmar que a leitura dos textos ampliará o foco dos debates sobre o patrimônio imaterial, evidenciando ainda a importância de resgatar os múltiplos aspectos da cultura brasileira, notadamente daqueles grupos que no processo histórico foram sistematicamente excluídos.