As obras sociais da Igreja Universal: uma an谩lise sociol贸gica
Nina Rosas
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CIP - Brasil. Catalogação na Publicação | Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. R714o Rosas, Nina As obras sociais da Igreja Universal : uma análise sociológica / Nina Rosas. 1. ed. - Belo Horizonte, MG : Fino Traço, 2014. 136 p. : il. ; 23 cm. (Sociedade & cultura ; 15) ISBN 978-85-8054-224-0 1. 1. Igreja Universal do Reino de Deus. 2. Obras da igreja junto à sociedade. 3. Religião e sociologia - Brasil. 4. História cultural. I. Título. II. Série. 14-15547 CDD: 306.68994 CDU: 316.74:279.156
Conselho Editorial Coleção Sociedade e Cultura Elisa Pereira Reis | UFRJ Leopoldo Waizbort | USP Renan Springer de Freitas| UFMG Ruben George Oliven | UFRGS
Fino Traço Editora ltda. Av. do Contorno, 9317 A | 2o andar | Barro Preto | CEP 30110-063 Belo Horizonte. MG. Brasil | Telefone: (31) 3212-9444 finotracoeditora.com.br
Sumário Agradecimentos 9 Uma nota para não sociólogos 11 Introdução 13 Capítulo 1 Condições de produção do texto e definições metodológicas 19 Capítulo 2 Algumas considerações sobre a ação social desenvolvida por católicos e evangélicos no Brasil
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Capítulo 3 A Igreja Universal do Reino de Deus e sua obra social em perspectiva
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Capítulo 4 Caridade Universal ao redor do mundo
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Capítulo 5 A IURD e sua ação social em terras brasileiras 63 5.1 As frentes que estão mais atrás 63 5.2 O caso paradigmático do Rio 68 5.3 O que há mais adiante? 73 Capítulo 6 6. Uma fraternidade cor-de-rosa 81 6.1 O a gente da comunidade em Minas Gerais 81 6.2 O jeito de ser Universal: uma condição para o ser assistido 88 6.3 Cursos demais para gente de menos 94 6.4 O programa ler e escrever 97 6.5 Encaminhamento social 102 6.6 Assistência jurídica, Projeto Saúde e eventos esporádicos 106 Capítulo 7 7. Particularidade Universal 7.1 Uma filantropia que ascende 7.2 Eles estão em guerra: com anjos e demônios, com o bem e com o mal, com eles mesmos
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Considerações finais
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Referências bibliográficas
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Ao meu esposo, Cláudio, razão da minha vida, e que esteve ao meu lado na escrita de cada linha deste livro. Aos meus pais, Marco e Sônia, e à minha irmã, Geraldine, pois sem vocês as coisas não seriam. E a Deus, que está em tudo e em todos.
Agradecimentos Este livro é a publicação da minha dissertação de mestrado, intitulada Representações e desdobramentos da caridade da Igreja Universal do Reino de Deus, defendida em dezembro de 2010 e depositada no início de 2011. Não poderia começá-lo sem agradecer ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que, por meio da bolsa concedida, possibilitou que eu percorresse os caminhos necessários para a realização deste trabalho. Agradeço sobretudo ao professor Renan Springer de Freitas, cuja orientação precisa e dedicada levou-me ao mérito da divulgação dos dados para além da comunidade acadêmica local. Sou muito honrada por ter recebido sua ajuda e atenção. A todos os professores do programa de graduação em Ciências Sociais e Pós-Graduação em Sociologia, pelo ensino que tive o privilégio de receber desde minha entrada na Universidade Federal de Minas Gerais; tenho muito orgulho de ter realizado minha formação junto a esse corpo docente. Aos docentes que compuseram a banca de defesa da dissertação, dedico um agradecimento especial. Ao professor Cláudio Santiago Dias Júnior, pelas contribuições e pela cordialidade com que recebeu minhas ideias. Ao professor Marcelo Ayres Camurça, por ter me privilegiado com uma leitura minuciosa deste trabalho, sem a qual certamente eu teria deixado de dar passos importantes. Agradeço também aos meus familiares e aos amigos que estiveram presentes durante todo o período em que desenvolvi a dissertação. Destaco Alexandra Fonseca de Moraes, por ter se empenhado em me apresentar os líderes que viriam a permitir meu acesso e participação na Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). Agradeço a todos que se dispuseram a falar sobre a ação social da IURD: membros, voluntários, coordenadores e pastores, pois assumiram os riscos de manter um outsider no meio deles, mesmo entendendo que a abordagem sociológica muitas vezes pode parecer ofensiva quando enxergada pelas lentes da religião. Agradeço ainda pelo desprendimento e pela solicitude de pessoas que enviam seus textos e/ou permitem que eles sejam lidos mesmo antes de estarem publicados. Agradeço também aos diversos pesquisadores que pude conhecer nos congressos de que participei nos anos de 2009 e 2010, e que colaboraram, cada um a seu modo, sugerindo livros, textos e ajustes. Obrigada por críticas e pontuações que creio terem tornado a discussão aqui levantada mais rica e articulada. “Feci quod potui, faciant meliora potentes.”
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Uma nota para não sociólogos
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lém de dinheiro, o tempo de trabalho voluntário é uma doação que se faz a Deus. Trata-se de uma entrega que aparece justificada pela vontade de ajudar o próximo, desejando o melhor àquele que está à volta. As obras sociais da Igreja Universal se configuram como veículos por meio dos quais algumas pessoas são acolhidas, recebidas pelos fiéis veteranos e auxiliadas em certas necessidades. Quanto às motivações dos agentes envolvidos, não se tem a pretensão de julgar ou fazer qualquer consideração de valor a respeito das justificativas que levam ao engajamento. A relevância que essa doação tem para cada particular não atua como orientadora da análise proposta. Entende-se que a caridade acaba por se desmembrar dos porquês apresentados para sua realização. A dinâmica dos projetos desenvolvidos não deve ser reportada como representante das intenções pessoais de quaisquer atores que estejam relacionados, pois remete a um complexo encadeamento de atividades que se estendem ao longo do tempo e do espaço para além das justificativas aparentes. A análise sociológica da assistência social desenvolvida pela Universal do Reino de Deus (IURD) mostra que a trajetória dos projetos, ou seja, a direção para a qual eles apontam, representa um fenômeno que não se restringe à mera soma dos desejos pessoais dos envolvidos. Vai além. Sua autonomia não encontra necessariamente pontos de contato com as justificativas privadas (e/ou reconhecidas de imediato) por coordenadores ou representantes das atividades nem com os valores (nunca uniformes) proclamados pela igreja quanto a essa prática. A fraternidade se descola dos motivos explanados pelos grupos que a realizam, de modo que não reproduz de maneira espelhar aquilo que se apresenta como as reais razões evangélicas — o amor ao próximo e a benevolência do ser que se move em direção ao outro. É possível vislumbrar que as obras postas em prática acabam possuindo existência própria e se desenvolvendo de modo quase independente dos membros que nelas se inserem, ou das intenções daqueles que inicialmente as formularam. Perceber essas “consequências não intencionais” é a tarefa deste trabalho.
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Introdução
O
s muitos esforços teóricos para a compreensão das ações de assistência envolvem amplas discussões que vão desde a formação/nomeação de um terceiro setor na sociedade brasileira a debates a respeito de associativismos recentes, articulação de sujeitos em redes, questões sobre cidadania, espaço público, inclusão, pobreza etc. Entre as intricadas e numerosas possibilidades de análise, o presente trabalho contribui com um olhar com base na descrição da ação social religiosa. Parece haver, em todas as religiões que se autodenominam cristãs, o emblema da fraternidade, usualmente associado a doação de esmolas e de alimentos, distribuição de sopas e agasalhos, auxílio a órfãos e viúvas, visitas a hospitais e asilos, realização de mutirões etc. A importância do amor ao próximo na vivência das religiões é um assunto que esteve bem presente nos discursos de filósofos, pregadores e seguidores das mensagens do Evangelho, e que ainda continua em voga, desdobrando-se em diversas ações e iniciativas que visam aproximar os carentes das manifestações do amor de Deus. O voluntariado religioso se caracteriza por atuações de grande e pequena proporção, realizadas em domínios locais e transnacionais. Essas benesses se encontram mescladas com uma filantropia leiga ou profissionalizada e supostamente sem motivações religiosas, localizada majoritariamente em âmbito institucionalizado e que ajuda a formar uma rede complexa de categorias beneficentes, que, ao menos no Brasil, faz confundir o limite da caridade religiosa e das ações profissionais em benefício social. De fato, um nítido limite entre essas duas esferas se configura apenas como um recurso analítico. O cenário das diversas ações em combate à pobreza é bem compreendido pela literatura especializada, apesar de não apresentar tantos trabalhos que se dediquem especificamente a entidades e organizações criadas por denominações evangélicas. Um recorte sobre o campo das obras sociais baseado no fenômeno religioso é mais raro. Assim, o percurso trilhado neste livro visa contribuir para o debate na medida em que se orienta pelo esforço de desvendar as peculiaridades do conjunto de práticas sociais de uma das igrejas de maior destaque nos dias de hoje — a Universal do Reino de Deus. Na IURD, a maioria dos pastores, voluntários e recebedores das ajudas oferecidas pela igreja empregam os termos “assistência”, “responsabilidade”, “ação social”, “filantropia”, entre outros, como se eles tivessem o mesmo sentido. Embora isso possa ser visto como um equívoco, distinções qualitativas serão feitas entre os termos apenas quando necessário. 13
Há agentes da IURD que utilizam valorações específicas para cada vocábulo, como os que participam mais ativamente da Associação Brasileira de Assistência e Desenvolvimento Social (ABADS) e do Instituto Ressoar, órgãos ligados à igreja e que serão descritos no terceiro e no quinto capítulos. Alguns políticos, conselheiros tutelares e profissionais de assistência inseridos na igreja também o fazem, mas estes não são a maioria. Portanto, eminentemente como recurso de escrita, palavras como “assistencialismo”, “benesse”, “caridade” serão empregadas se referindo genericamente a obras sociais/atividades de ajuda. O mesmo também se justifica em função de algumas dessas noções serem assumidas de maneira pejorativa e compondo uma prática já ultrapassada, e que, portanto, deve ser superada. Assim, a não diferenciação dos termos visa evitar repetir determinada lógica classificatória. Embora esse viés não implique no entendimento de que tais práticas formam um conjunto homogêneo de ações e significados, o intuito deste trabalho não foi fazer uma discussão sobre essas categorias.1 A Universal do Reino de Deus é chamada de neopentecostal2 do Brasil, juntamente com as igrejas Internacional da Graça de Deus, Sara Nossa Terra e Renascer em Cristo. Ela surgiu como uma espécie de dissidência da igreja Nova Vida, esta última fundada por um missionário canadense no Rio de Janeiro, no final da década de 1960. Um dos fiéis da Nova Vida — o hoje conhecido Edir Macedo —, juntamente com alguns outros membros da igreja, criou em 1975 a Cruzada do Caminho Eterno, que por sua vez gerou nova dissidência em 9 de julho de 1977, já conhecida desde tal momento como a Igreja Universal do Reino de Deus, organizada na época por Macedo, pelos irmãos Coutinho, por Romildo Soares e por Roberto Lopes. Entre uma e outra cisão, Macedo sozinho assumiu a liderança da igreja. A Igreja Universal cresceu e se multiplicou amplamente por todo o território brasileiro, mesmo com as constantes acusações de charlatanismo, estelionato, curandeirismo, e a despeito da prisão de Macedo, do assédio 1. Sobre as tipologias envolvendo o campo da assistência, ver as contribuições de Scheliga (2010) e Simões (2004), por exemplo. 2. O neopentecostalismo é conhecido como a terceira onda do movimento pentecostal, datada de meados da década de 1970 (segundo as classificações de Paul Freston, 1994). Apesar de até então não ser possível encontrar aqueles que se autodenominem neopentecostais, contrariamente aos pentecostais das primeiras ondas que reconhecem e assumem para si a nomenclatura de “pentecostais”, entende-se esse movimento como a contemporaneidade do pentecostalismo no Brasil. Suas principais caraterísticas podem ser assim resumidas: promoção de grande liberdade quanto às representações em torno do corpo, uso de meios de comunicação de massa para fins proselitistas, exacerbação da guerra contra o Diabo, estruturação empresarial das igrejas, adesão e acentuação da pregação da prosperidade (ver, entre os muitos textos produzidos sobre o assunto, as discussões de: Mariano, 2005; Giumbelli, 2000; Mendonça, 2008; Montero, 1999; Montero e Almeida, 2000; Pierucci, 2004, 2006; Pierucci e Prandi, 1996 e Siepierski, 2001).
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da imprensa, do envolvimento do líder com a política e dos casos polêmicos como o tão conhecido “chute na santa”, realizado pelo bispo Sérgio Von Helde, também da Igreja Universal. Tanta especulação em torno dessa organização religiosa, mesmo despertando suspeita e preconceito, parece ter incitado ainda mais alguns fiéis a aderir a essa fé à procura dos milagres extraordinários tão prometidos. Em 1990, a Igreja Universal chegou a agregar 269 mil pessoas, cifra que atualmente, após cerca de 20 anos, gira em torno de 8 milhões (Mariano, 2004; Lima, 2010). Infelizmente, no momento da finalização deste trabalho, os dados do Censo de 2010 não haviam sido divulgados, mas, mediante as articulações de Macedo na mídia e as difamações feitas em seu canal de TV on-line a outros líderes do meio evangélico, imagina-se ver uma primeira diminuição no número de adeptos da IURD. Contudo, ainda assim, a Universal representa uma das maiores instituições evangélicas e que contribui fortemente para a mudança no cenário da fé brasileira. Pregadora ferrenha das concepções da Teologia da Prosperidade3 — ênfase que sugere que as bênçãos de Deus e as promessas feitas no Velho Testamento se estendem ainda hoje aos fiéis que se valem da fé e a confirmam por meio de doações (principalmente monetárias) —, a Universal é conhecida por seu proselitismo forte e pelos intensos rituais de libertação que realiza. Agregando público feminino significativo e, em geral, pessoas com baixa renda e pouca escolaridade, sua apresentação quase dispensável se faz necessária quando o assunto são as obras de caridade que ela desenvolve. A IURD declara que O amor tem o poder de transformar e erguer o caído. [...] O amor é um dom de Deus. E somente aquele que está perto d’Ele consegue sentir. Um exemplo de amor ao próximo são os voluntários da Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) espalhados por todo o Brasil e ao redor do mundo. Eles dedicam suas vidas, visitando diariamente comunidades, hospitais, além de abrigos, asilos, presídios e casas de recuperação de drogados. O objetivo é levar uma palavra de fé aos que ainda não experimentaram a misericórdia do Senhor Jesus (Fonte: http://www.arcauniversal.com/iurd).
Apesar disso, ao menos em Belo Horizonte, a maioria dos fiéis mais comprometidos com a igreja desconhece a ampla agenda filantrópica da IURD. Assim, o que motiva o presente trabalho é a seguinte inquietação: quais são as ações sociais praticadas pela Igreja Universal e o que elas significam para os fiéis e para seus líderes? 3. Uma análise mais detalhada sobre a Teologia da Prosperidade pode ser encontrada em Mariano (2005: 147-186).
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Buscando compreender a prática caritativa desses evangélicos, abro este livro apresentando, no primeiro capítulo, as condições de produção do que seguirá exposto, destacando as contingências enfrentadas e as consequentes opções metodológicas que se fizeram necessárias com base em certas limitações. Além da realização do trabalho de campo de quase um ano — que me permitiu obter informações cruciais por meio dos muitos contatos com os assistidos, com os voluntários e com os pastores —, a pesquisa também se valeu de uma análise temática tanto do jornal impresso da Universal (Folha Universal) quanto de várias reportagens publicadas no portal de notícias da IURD (Arca Universal, que possui volume considerável de postagens diárias). Contou ainda com consulta a sites e blogs que retratavam as ações sociais da igreja. Após expor as opções metodológicas, o segundo capítulo apresenta um breve panorama sobre as mudanças mais significativas da ação social praticada por católicos e evangélicos no Brasil, fazendo um recorte transversal centrado em algumas das ações do século XX. Essa pontuação visa recuperar algumas das transformações da assistência social, retomando os quadros de análise sugeridos por Max Weber para a compreensão da caridade, bem como quadros dados por alguns cientistas sociais brasileiros, que forneceram ainda outras maneiras de compreender a ajuda religiosa. Mesmo sabendo que essa exposição é limitada e muito simples, ela é feita para acentuar, quando recuperada ao longo do texto, o modo como a caridade da Igreja Universal do Reino de Deus se apresenta próxima ou distante das ações assistenciais já desenvolvidas por católicos e evangélicos brasileiros. Recentemente, alguns sociólogos e antropólogos4 da religião dedicaram-se a explicar as obras sociais da IURD. Eles as enxergaram, de modo geral, ora como proselitista, ora como uma forma de rebater as muitas críticas que a igreja vinha sofrendo por parte de grandes mídias. Compreenderam-nas também ressaltando a relevância dessas ações como estratégias de reprodução da organização religiosa e como um reforço da identidade da denominação. Com vistas a relacionar esses entendimentos com os dados coletados ao longo da pesquisa desenvolvida para este trabalho, a exposição desta referida literatura encontra-se situada no terceiro capítulo. Já o quarto capítulo é voltado à descrição de algumas das principais obras realizadas pela IURD em contexto de transnacionalização. A caridade
4. Parte da literatura antropológica a respeito da Igreja Universal do Reino de Deus e de suas devoções pode ser encontrada em Apgaua (1999); Oliveira (2006); Perez (2000); Perez, Oliveira e Apgaua (2000) e Séman (2001), sugerindo compreender as doações como sacrifícios conforme sugere a perspectiva da dádiva (Mauss, 2001). Essa abordagem, embora interessante analiticamente, não será contemplada ao longo da narrativa em função de minha maior afinidade teórica com outras linhas de pensamento.
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observada fora do Brasil se mostra “emergencial”,5 mas também se expressa mediante ações voltadas para membros da própria igreja, demonstrando a relevância das assistências para o engajamento dos fiéis e a inserção da IURD em uma nova localidade. A filantropia além-fronteiras enfatiza aspectos distintos da Teologia da Prosperidade, deslocando o apelo ao dinheiro e a cura física do centro dessa perspectiva, e ressaltando, como forma de sucesso, qualquer pequeno ganho emocional e social. Fora do Brasil, a igreja estabelece parceiras com o governo, participa de campanhas, realiza trabalhos de profissionalização e oferece às mulheres novos vínculos sociais. Com base na observação da caridade desenvolvida fora do Brasil, foi possível questionar se trabalhos educacionais e de conscientização, assim como as atividades voltadas para as mulheres iurdianas, seriam formas não apenas de alcançar novos prosélitos, mas de a igreja responder às demandas dos indivíduos que já eram membros. Mesmo não podendo responder a essa questão para o caso estrangeiro, duas hipóteses passaram a nortear a pesquisa da assistência da Universal no Brasil. De um lado, a primeira hipótese era a de que a frequência aos cultos e a proximidade dos membros carentes com os líderes religiosos poderia criar, com o desenvolvimento de novas modalidades de contato, demandas específicas de ajuda, como as educacionais. Uma segunda hipótese seria a de que a concepção de que Deus pode prover prosperidade monetária, quando não alcançada, poderia ser suprida pela caridade, sanadora do mau uso da fé por parte dos fiéis. Com essas inquietações, o capítulo seguinte foi direcionado ao detalhamento das obras sociais da IURD no Brasil. No contexto nacional, algumas mudanças de extrema relevância ocorreram, principalmente entre 2008-2010, deixando o mosaico da filantropia dessa igreja ainda mais complexo. Após o penúltimo trabalho encontrado sobre a caridade da IURD, datado de 2007, ocorreu o fechamento de muitas das entidades locais que atendiam sobre a rubrica da principal organização filantrópica por eles criada — a Associação Beneficente Cristã (ABC). O programa educacional Jovem Nota 10 também deixou de ser tão evidente e propagandeado. Além disso, a Fundação Pestalozzi, orientada para assistir deficientes, que mantinha parceria aberta com a igreja e que era um de seus grandes trunfos, passou a atender pelo nome de Associação Brasileira de Assistência e Desenvolvimento Social (ABADS) e a estar vinculada não mais diretamente à IURD, mas ao Instituto Ressoar, braço assistencial da Rede Record. Isso deslocou o eixo de ligação que era mantido especificamente entre a Pestalozzi e a Universal. 5. Os adjetivos “emergente”/“emergencial” e “tradicional” normalmente caracterizam ajudas pontuais, como distribuição de agasalhos, sopas, itens de higiene, e/ou a realização de mutirões para doação desses e de outros itens.
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A Fazenda Nova Canaã, iniciativa que visava promover a subsistência de algumas pessoas vitimadas pelas secas da região baiana e que era o grande destaque do Projeto Nordeste, destinado a socorrer carentes do semiárido, foi saindo paulatinamente do foco das mídias iurdianas e perdendo igualmente o potencial de repercussão positiva que desempenhava no papel de assistir pessoas atingidas por fenômenos naturais. As ajudas que passaram a veicular nas mídias da igreja ressaltavam sobretudo a presença de líderes da Universal na esfera política.6 Na observação da filantropia iurdiana belo-horizontina, ficou claro que a assistência é organizada pelo programa A Gente da Comunidade, que direciona ações especialmente a membros da igreja. O sexto capítulo apresenta esse projeto, que, deixando de lado a prática “emergencial”, não enfatiza a ação de figuras públicas nem deixa evidentes as parcerias políticas. Em Belo Horizonte, o que predomina é a oferta de cursos educacionais destinados a um pequeno número de pessoas, sendo que a maior parte delas frequenta os cultos todos os dias e é selecionada por meio da requisição de um “atestado de probidade”. A demanda dos fiéis é em parte considerada, e há no AGC/BH a preocupação com o reforço da fé dos indivíduos assistidos. Contudo, o que de fato sustenta essa modalidade de ajuda é a busca por posições de destaque, algo que permite a diferenciação dos fiéis e consequentemente a mobilidade intraeclesiástica. O capítulo sete fecha este livro apresentando as considerações que tentam explicar os alicerces da caridade de Belo Horizonte. As elucidações que seguirão visam pôr em palavras as “consequências não premeditadas” das misericórdias, mostrando outra face da “guerra espiritual” vivenciada pelos Universais: a da disputa entre eles mesmos. Os argumentos que serão apresentados procuram evidenciar como esses membros, mediante participação nas diversas atividades desenvolvidas sob a alcunha da assistência, ocupam posições disputadas , de modo que o fazer o bem ao outro se torna um dos possíveis e aspirados meios de ascender na rígida hierarquia da igreja. Em suma, à luz do caso observado, é possível dizer que os iurdianos desenvolvem ações sociais nos diversos lugares em que a igreja está inserida, acionando distintas rubricas sob as quais se desenvolvem variadas formas de ajudar o próximo. Abre-se a discussão.
6. Na época da escrita da dissertação, o trabalho de coleta de dados secundários visava fornecer elementos comparativos que ajudassem a compreender melhor o caso de Belo Horizonte, que foi onde se desenvolveu o trabalho de campo. Infelizmente, não foi possível relacionar os achados coletados em blogs, sites e portais com algumas pesquisas sobre a participação política dos iurdianos, como as de Freston (2001) e Machado (2006). Essa é uma agenda que fica aberta para outros estudos.
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