VIAGEM AO MUNDO DA POESIA

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Poesias de Gonçalves Dias, Castro Alves, Francisco Otaviano, Olavo Bilac, Raimundo Correia, Luís Guimarães Jr., Machado de Assis, Artur Azevedo, B. Lopes e Alphonsus de Guimaraens

OrganizaDO e apresentaDO por Ivo Barroso IlustraDO por luIs Matuto


Organização © Ivo Barroso Ilustrações © Luis Matuto Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem a autorização da editora.

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Viagem ao mundo da poesia / Poesias de Gonçalves Dias, Castro Alves, Francisco Otaviano, Olavo Bilac, Raimundo Correia, Luís Guimarães Jr., Machado de Assis, Artur Azevedo, B. Lopes e Alphonsus de Guimaraens ; organização Ivo Barroso ; ilustração Luis Matuto. - 1. ed. - Belo Horizonte, MG : Fino Traço, 2014. 72 p. : il. ; 21 cm. (Traço Jovem ; 4) ISBN 978-85-8054-193-9 1. Poesia brasileira. I. Barroso, Ivo. II. Matuto, Luis. III. Título. 14-11658 CDD: 869.91 CDU: 821.134.3(81)-1 28/04/2014 05/05/2014

Produção e coordenação editorial Maíra Nassif e Cláudia Rajão Revisão de textos Erick Ramalho Projeto gráfico e diagramação Ana C. Bahia

Fino Traço Editora Ltda. Av. do Contorno, 9317 A | Barro Preto Belo Horizonte - MG - Brasil Telefone: (31) 3212 - 9444 finotracoeditora.com.br


Apresentação 5 A valsa Casimiro de Abreu 15 Deus! Casimiro de Abreu 25 Namoro a cavalo Álvares de Azevedo 26 O mar Gonçalves Dias 29 Canção do Tamoio (Natalícia) Gonçalves Dias 33 A tempestade Gonçalves Dias 38 Crepúsculo sertanejo Castro Alves 49 Improviso Castro Alves 51 A queimada Castro Alves 52 Ilusões da vida Francisco Otaviano 56 O pássaro cativo Olavo Bilac 57 A pátria Olavo Bilac 60 As pombas Raimundo Correia 61 Ouvir estrelas Olavo Bilac 63 Visita à casa paterna Luís Guimarães Jr. 64 O verme Machado de Assis 65 Velha anedota Artur Azevedo 66 Berço B. Lopes 67 Ismália Alphonsus de Guimaraens 68



Apresentação Desde muito pequeno, na idade de vocês, eu gostava de poesia. E o que era poesia para mim? Era uma espécie de música que não precisava ser cantada mas apenas lida. Bastava abrir o livro e correr os olhos pelos versos para sentir que neles havia uma cadência, um ritmo, uma melodia. E para perceber também que essa música dizia alguma coisa, descrevia uma cena, exprimia uma sensação ou transmitia um pensamento. Eu gostava de ler poesias, mesmo aquelas difíceis, que falavam de situações que eu não conhecia ou não compreendia. Mas eu me deixava levar pelo ritmo, gostava até de ler em voz alta, de declamar os versos, como então se dizia. Os meninos de meu tempo aprendiam nas aulas a decorar poemas que recitavam nas festinhas escolares. Mas, na verdade, eu gostava mesmo era de ler quietinho, só para mim, mergulhado na leitura, o rosto enfiado no livro. A cada leitura eu me sentia vivendo num mundo novo, cheio de música e colorido, pois transformava em imagens na minha mente as cenas que se passavam nos 5


versos. Isto mesmo, basta nos entregarmos à leitura para sermos transportados a uma nova dimensão de nosso pensamento e de nossa sensibilidade. Uma espécie de viagem tão fantástica quanto as interplanetárias, uma viagem ao maravilhoso mundo da poesia. Espero que vocês também façam essa viagem maravilhosa, e gostaria até mesmo de guiar vocês neste começo. Para tanto reuni, neste livrinho, um conjunto de poesias que sempre foram as minhas preferidas e com elas tracei um roteiro para que vocês possam realizar uma bela viagem inaugural. Claro que se trata de uma simples iniciação, vamos dizer assim, o beabá da poesia. Aqui não estão todos os poetas, nem mesmo todos os mais importantes. Faltam muitos que vocês irão conhecer mais tarde, principalmente os poetas modernos, de nosso tempo, que vocês irão apreciar depois de se familiarizarem com estes do passado. Pois temos que proceder por fases. O primeiro poema que lhes queria mostrar tem um ritmo bem marcado, com o qual o poeta quis reproduzir os passos de uma dança – aqui no caso, de uma valsa (tan-tan / tan-tan) – e para conseguir isto usou versos curtinhos: tu ontem / na dança /que cansa, / voavas, etc. 6


Chama-se A Valsa e foi escrito por Casimiro de Abreu (1839-1860), um poeta romântico brasileiro nascido no Estado do Rio, na cidade que hoje tem o nome dele. Descreve um baile em que viu sua namorada sorrir para outro e, cheio de ciúmes, exprimiu de maneira bastante clara seus sentimentos. Fez isso em versos que imitam perfeitamente os movimentos rítmicos de uma valsa. Daí dizer-se que a poesia conseguiu, neste caso, transmitir ao mesmo tempo uma descrição (um assunto, uma ideia, uma ocorrência, etc.) por meio de um ritmo que lembra ou se aproxima do que está sendo narrado. Pura mágica, não? Ao ler os versos, temos a sensação um tanto engraçada de que o poeta está exagerando seus sentimentos: ora, foi só um olhar, não foi?; mas o poeta aqui se mostra exclusivista: não admite que ela sorria para ninguém mais, se não para ele. E tome valsa, tan-tan, tan-tan, tan-tan, tan-tan. Mas não pensem que a poesia é só esse tipo de divertimento um tanto cômico. Ela pode ter outras intenções: vejam, por exemplo, o belo sentimento religioso que nos inspira esse outro poema do mesmo Casimiro de Abreu: Deus! Nele o poeta se lembra de uma cena de sua infância, quando brincava na praia num dia de ressaca. 7


É assim que ele descreve o mar: “... o mar bramia / e, erguendo o dorso altivo, sacudia / A branca espuma para o céu sereno”. Eu considero esses versos como dos mais belos da nossa língua: o poeta compara o mar a um tigre que estivesse urrando (bramia) e o movimento das ondas fosse o dorso do animal se erguendo a cada bramido (urro), ondas essas ferozes e espumantes que se lançavam contra a serenidade do céu acima. O poeta para obter esse andamento mais cadenciado, esse ritmo mais largo, empregou versos mais longos, de dez sílabas (também chamados decassílabos). Outro poeta romântico, Álvares de Azevedo (18311852) preferiu igualmente essa medida para descrever um passeio a cavalo que fez para ver a namorada. Naquele tempo, ou seja, há dois séculos, os automóveis eram raros e não havia transporte coletivo. As pessoas andavam de bonde ou se deslocavam a pé, a cavalo ou em carros puxados por animais. As ruas não eram calçadas e quando chovia ficavam enlameadas. Assim, para ir de um bairro a outro (aqui no poema, de Catumbi ao Catete, no Rio de Janeiro), a fim de visitar a moça, o poeta teve de alugar um cavalo. O poema é hilário, uma gozação que o poeta faz a si próprio. Um dos mais importantes aspectos da 8


poesia de Álvares é que ele, já naquela época, “desmistificava”, ou seja, não levava muito a sério os ideais do Romantismo. Por exemplo, os poetas de então tinham o costume de comparar suas amadas às grandes heroínas da literatura, como a Julieta (de Romeu) ou a Dulcineia (de D. Quixote). O nosso Álvares faz questão de dizer que sua namorada não é nenhuma Dulcineia, mas uma jovem comum, que mora num bairro, e além de tudo não está muito a fim dele, pois o critica quando ele cai do cavalo e suja a roupa. Um belo exemplo para vocês do que seja a poesia irônica, de autocrítica, chegada à realidade do dia a dia. Falamos em decassílabos, mas é bom saberem que os versos mais comuns de nossa língua são os de 7 sílabas, também chamados redondilhas, como estes da Canção do exílio, de autoria de Gonçalves Dias (1823-1864), outro de nossos poetas românticos, versos que exprimem a saudade que sentia do Brasil quando passou algum tempo estudando em Portugal. Era comum, entre as famílias abastadas da época, mandar para lá os filhos com inclinação especial para os estudos. Gonçalves Dias foi o criador do movimento poético chamado Indianismo, que colocou o nosso índio como motivo principal na poesia brasileira. 9


Enquanto os outros poetas de seu tempo ainda se preocupavam com as paisagens e personagens da mitologia grega e da literatura europeia, ele compôs essa admirável Canção do Tamoio, em que exalta a coragem e a bravura de um guerreiro indígena da tribo dos tamoios. Já nos referimos a versos de 2, 7 e 10 sílabas. É bom que vocês saibam que as sílabas poéticas são contadas apenas até a última vogal tônica, assim: “Tu, on(tem) / Na dan(ça) / Que can(sa), Voa(vas), etc. e que os versos mais longos são os de 12 sílabas, também chamados dodecassílabos e alexandrinos. O nosso poeta Gonçalves Dias escreveu o poema A tempestade usando quase todas as medidas de versos, desde os de duas até os de onze. É um verdadeiro vai-e-vem, pois ele volta diminuindo o número de sílabas poéticas até chegar de novo aos versos de duas sílabas, com um final maravilhoso: a gota que dá início à tempestade é igual àquela última gota que cai da folha quando cessa a tormenta. Há também poesias que descrevem uma paisagem, como se fosse um quadro pintado com palavras. É um tema dos mais difíceis, porque exige uma linguagem simples, direta, natural, mas ao mesmo tempo colorida e viva. Castro Alves (1847-1871), o nosso grande poeta 10


dos movimentos sociais, que colaborou com seus versos para a abolição da escravatura no Brasil, conseguiu descrever em Crepúsculo sertanejo e em A Queimada a paisagem brasileira autêntica, com suas árvores selvagens, seus animais nativos. Castro Alves viveu numa época em que os poetas se manifestavam nas ruas declamando seus poemas em público. Estavam sempre presentes nos movimentos sociais e compunham seus versos de improviso, no calor das emoções do momento. Naturalmente a poesia também se presta para a exposição de ideias, de pensamentos filosóficos, de meditações sobre a existência dos homens. A vida não é uma simples contemplação, ela exige a nossa atuação: as dificuldades pelas quais passamos servem para moldar nosso caráter, nosso desejo de superação – é o que nos diz por exemplo o poeta Francisco Otaviano em seu belo poema Ilusões da Vida. Também o sentimento cívico, o amor ao país em que nascemos encontra na poesia grandes momentos de expressão. Olavo Bilac (1865-1918) foi um poeta que se empenhou em transmitir aos jovens um sentimento de brasilidade, de valoração das nossas qualidades nacionais, de nossos deveres para com a pátria. Ele fazia parte de 11


uma escola poética que se empenhava pela qualidade e correção dos versos, pela escolha dos grandes temas e dos belos sentimentos. Um de seus sonetos mais famosos se chama Ouvir Estrelas e fala da aguda sensibilidade dos poetas sonhadores que contemplavam a lua e conversavam com os astros. Dessa mesma escola poética foi Raimundo Correia (1859-1911), de quem vocês encontrarão aqui o belíssimo soneto (14 versos) As Pombas, que encerra um belo pensamento sobre o qual devemos cogitar. Além disso, há outras poesias que tratam de temas variados como a saudade da casa dos pais do poeta ou da pequenina cidade do interior que em que ele nasceu. E para a sua diversão, há ainda versos humorísticos, engraçados, verdadeiras piadas ou anedotas, pois a poesia também tem sua feição risonha. É claro que esta coleção de versos que lhes apresento terá que ser necessariamente lacunosa. Eles são como que as primeiras paisagens de um mundo encantado, que vocês apreciarão pelo caminho. Não é possível num pequeno livro mostrarmos todos os belos momentos dessa arte, nem todas as fases pelas quais passaram nossos poetas para chegarem à poesia de hoje, muito complexa 12


e às vezes de difícil compreensão. Que estes exemplos aqui reunidos sirvam de estímulo às suas próprias descobertas, suas viagens futuras, para que vocês se habituem a ir avançando por este país sem fronteiras que é o mundo encantado da Poesia. Para que não percam o fio da leitura, vocês verão à margem dos versos algumas breves notas vocabulares sobre o sentido de palavras menos comuns. Assim vocês vão poder prosseguir na leitura sem precisar consultar o dicionário.

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