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Anníbal, cafeicultor
ONorte do Paraná fascinara o jovem engenheiro Anníbal desde a primeira vez em que o visitou, em 1949, interessado em terras para comprar e começar a vida de cafeicultor. Embora sem a necessária experiência para enfrentar na prática esse desafio, havia sido ele preparado por uma das melhores faculdades de Agronomia do País. Confiante, encorajou-se a aplicar todo o dinheiro que possuía - e a endividar-se - na compra de uma propriedade em região que não conhecia, acreditando na seriedade dos homens da Companhia. Nascia ali a Fazenda Santa Júlia que, em 1950, receberia as primeiras 32 mil mudas de café.
Três anos mais tarde, com o cafezal ainda em formação, a lavoura seria atingida seriamente por uma geada, fenômeno climático que se opunha à determinação dos pioneiros, constituindo sério obstáculo. Não raro, a adversidade destruía, da noite para o dia, todo um cafezal.
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Abatido, mas sem desanimar, Anníbal investiu na recuperação do café que, em 1955, seria quase que inteiramente prejudicado por outra geada, bem mais severa que a anterior. O
Só em 1958, sem nunca ter deixado de acreditar na atividade, é que o engenheiro conseguiu, enfim, colher sua primeira safra. Valeu a pena: com o passar dos anos, graças aos rendimentos obtidos com o café, a propriedade foi sendo estruturada e ampliada, pertencendo até hoje à família. Chegou a 264 alqueires paulistas, sendo considerada por vários anos uma das referências em cafeicultura no Norte do Paraná, produzindo grandes volumes, cuja colheita absorvia um enorme contingente de trabalhadores. Nos tempos áureos, contava com 15 famílias para esse trabalho. .....
No amanhecer de 18 de julho de 1975, uma das geadas mais intensas do século reduziu a zero a área cultivada com café no Estado. Em escala maior, o próprio Paraná nunca mais foi o mesmo. Aquela manhã fria, aliada a outros fatos ocorridos na mesma época, disparou uma série de transformações econômicas e demográficas que fizeram do Estado o que ele é hoje.
As estatísticas dão uma dimensão grandiosa dos eventos daquele dia. Na safra de 1975, cuja colheita já havia sido encerrada antes da
geada, o Paraná havia colhido 10,2 milhões de sacas de café, 48% da produção brasileira. Era o maior centro mundial dessa cultura e tinha uma produtividade superior à média nacional. No ano seguinte, a produção foi de 3,8 mil sacas. Nenhum grão chegou a ser exportado e a participação paranaense caiu para 0,1%.
Nos dias seguintes já começou a consolidar-se uma idéia de que o estrago seria duradouro. O governador Jayme Canet Júnior anunciava que o orçamento do Estado seria reduzido em 20% no ano seguinte.
O prognóstico dos especialistas era de que o prejuízo chegaria a CR$ 600 milhões (o equivalente, pela cotação da época, a US$ 75 milhões), apenas nas lavouras de café. Outras culturas, como o trigo, também sofreram perdas importantes, de mais de 50%. Mas era o café que sustentava a economia do Paraná naquela época – uma situação que mudaria logo em seguida, já que os cafeicultores nunca mais se recuperariam desse impacto.
Em muitas regiões, os cafezais perderam lugar para as lavouras mecanizadas, o que provocou, de uma hora para outra, o desemprego de centenas de milhares de pessoas, que se transferiram para os centros urbanos do Paraná e outros Estados, fenômeno que causou o esvaziamento de inúmeras cidades.
A geada negra de 1975 foi um daqueles raros momentos em que um único fato é capaz de precipitar mudanças históricas. Difícil imaginar como seria o Paraná hoje se a geada não tivesse ocorrido. Com a decadência do café no início dos anos 90, fenômeno que registrou-se em todas as regiões produtoras do Estado, a cultura foi perdendo espaço para outras explorações. A trajetória do engenheiro Anníbal, como proprietário rural e agricultor, tem muito a ver com a de inúmeros outros homens que, um dia, decidiram apostar no Paraná. As histórias guardam semelhança. Quem soube trabalhar e aproveitar a oportunidade, fez da região um ótimo lugar para se viver e ganhar a vida.