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ANDARILHO

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SOCIAL

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MAMATA

Um processo de montagem teatral pode levar muito ou muito tempo.

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Agente começa a partir da vontade de representar com essa linguagem alguma história, que faça algum sentido para quem a recebe, mas que também faça todo o sentido para quem apresenta. Depois de escolhido o texto, adapta-se para a cena. Leitura, interpretação, adequação e construção dos personagens, exercícios e testes. Atores, atrizes, direção, ensaios. Intermináveis ensaios que levam, aproximadamente, uma hora do nosso dia. São dias e dias ensaiando exaustivamente, uma ou duas vezes por ensaio, passando o texto e entendendo as marcações. Nesse meio tempo, inicia-se a construção do cenário, dos figurinos, da luz e da sonoplastia. Tem muita pesquisa envolvida: em que época se passa a história? O cenário será realístico? Quais os objetos indispensáveis para estar em cena? Precisa costurar alguma coisa? O local de apresentação tem luz disponível para operar na cena? Precisa alugar alguma coisa? Como vamos transportar os móveis? Quando vamos apresentar?

Passados dois meses de ensaio – porque a peça já tem seis anos, é do repertório do grupo, fica mais fácil – chegamos na semana da apresentação. Intensificam-se os ensaios, afinam-se os detalhes, ajustam-se os figurinos. Corre pedir uma mesa emprestada, compra fita crepe – indispensável no teatro, limpa a máquina de escrever, lava o figurino, separa metros e mais metros de tecido preto. Alguém viu as joaninhas? Compra joaninhas. Compra o bolo pra cena, pega emprestada uma poltrona, imprime a foto do porta-retrato, manda arrumar a luminária antiga. Carrega tudo no carro, porque amanhã é o grande dia.

Oito da manhã segue para o teatro. Descarrega tudo, começa a montagem. Sobe e desce da escada, arrasta pra cá e pra lá os móveis de madeira, coloca joaninha e fita crepe em quase tudo, ensaio número um, descansa, almoça. Finaliza o cenário – alguém pegou a camisa branca?, afina a luz, testa o som, corre pegar o restante do figurino, ensaio geral!

Tudo pronto. Tudo lindo. Às dezesseis horas, no camarim, veste-se os figurinos, capricha na maquiagem, passa algumas partes do texto, toma um café. Às dezenove aquece, balança os braços, corre pelo palco, faz barulhos esquisitos com a boca, testa as marcações. Dezenove e quarenta posiciona-se. Dezenove e cinquenta o público entra. Acomodam-se encantados com tudo o que está pronto. Vinte horas, protocolo de abertura. Vinte e dois, o espetáculo começa. Dois atores e uma atriz em cena. Cinco personagens. Um dos atores opera o som também. Um iluminador. Diretora sentada na plateia. Vinte horas e trinta e oito minutos, aplausos. Fotos com o público, muitas mensagens de agradecimento, gente emocionada, gente que raramente está na plateia, gente que sempre está. Roda de conversa com quem ficou. Fala do processo de montagem. Agradece. Desmonta tudo, tira todas as joaninhas, dobra todos os panos, carrega o carro. Vinte e duas horas, fim do dia. Emite a nota fiscal: um mil e duzentos reais. Menos seis por cento de imposto para o governo. Menos quatro por cento pra empresa que representou o grupo. Menos sete e sessenta do bolo. Três e vinte e cinco das joaninhas. Igual a um mil e sessenta e nove reais. Dividido por dois atores, uma atriz, uma diretora e um iluminador, igual a R$213,80 para cada um. Sem férias remuneradas, nem décimo terceiro. Não adianta procurar o Ministério do Trabalho. Amanhã tem outro espetáculo. Multiplica esse texto por dois, acontecendo concomitantemente. Alguém viu a fita crepe?

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