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PAPO CABEÇA

PAPO CABEÇA

CHAPECÓ DE BAIXO A CIMA

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GUINDASTES, GRUAS, ESTRUTURAS, TIJOLOS E CONCRETO POR TODO LADO. APESAR DA ESCASSEZ DE MATÉRIA-PRIMA E DA ALTA DOS PREÇOS, MUNICÍPIO BUSCA ALCANÇAR OS CÉUS EM MEIO À INSEGURANÇA ECONÔMICA. O DESENVOLVIMENTO É UMA VIA DE MÃO DUPLA CONSTRUÍDA POR MUITAS MÃOS.

De segunda a sexta-feira, Eucivan Gonçalves de Almeida, de 47 anos, sai de sua casa, próxima ao Terminal Rodoviário de Chapecó, rumo ao seu ofício. A rotina é sempre a mesma: por volta das sete horas, ele chega ao edifício em construção no qual trabalha, aguarda os operadores do elevador, sobe até o andar designado no dia e começa seu turno. “Passo o dia inteiro aqui, só desço pra ir pra casa. Almoço aqui em cima e saio às seis horas. A minha rotina é essa, de casa pra cá, daqui pra casa. Já estou acostumado, é a melhor coisa do mundo pra mim. Minha paixão é isso aqui”, relata o pedreiro no intervalo entre adicionar um tijolo e outro aos milhares já colocados no prédio ainda em construção.

O primeiro contato com a construção civil foi jovem, acompanhando o pai ao trabalho. Há duas décadas – mais precisamente aos 17 anos – o paraibano começou de vez no ramo que o levou a todos os cantos do Brasil. Desde fevereiro trabalha em Chapecó, somando aos mais de 7 mil trabalhadores registrados do setor no município – um dos que mais crescem e enfrentou uma grande reviravolta durante a pandemia.

“Foi muito volátil. Acreditávamos que nem voltaríamos em 2020, porque como fechou tudo muito rápido e os fornecedores pararam, o aço não veio mais e não havia cimento e areia para o concreto, achávamos que o retorno seria muito mais lento”, descreve Josiel Martins, engenheiro civil responsável por um empreendimento residencial de alto padrão da Construtora e Incorporadora Nostra Casa. A obra iniciou em junho de 2019, com previsão de entrega para outubro de 2024. À época, o panorama econômico era promissor e havia perspectiva de crescimento pelo suporte do Governo Federal às instituições empresariais. Entretanto, a chegada da Covid-19 em fevereiro de 2020 trouxe insegurança a todos os setores responsáveis pelo giro da economia, principalmente a partir do primeiro fechamento do comércio e a paralisação dos serviços em Santa Catarina no mês de março. Momento de planejamento e reestruturação dos cronogramas e estratégias das empresas para a retomada das obras assim que possível.

De acordo com o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, este é um dos setores mais importantes para garantir a retomada da economia. Assim como relatado por Josiel, o principal obstáculo enfrentado durante a pandemia foi a falta ou o alto custo de matérias-primas, com variações elevadas do valor, o que impactou diretamente no orçamento das empresas. “O custo com materiais nos primeiros seis meses do ano passado aumentou 16,19% e, entre 2020 e 2021, 34,09%, de acordo com o Índice Nacional da Construção Civil (INCC) calculado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Um recorde infeliz para o setor. Neste período, alguns insumos registraram aumentos em seus preços superiores a 70%”, disse José Martins em artigo publicado no site oficial da CBIC.

Insumos como o aço, o ferro e o cobre foram algumas das matérias-primas consideravelmente impactadas. O baixo número de fornecedores no mercado, o custo do frete impulsionado pelo preço dos combustíveis e a recente guerra entre a Rússia e a Ucrânia são fatores que desestabilizam a distribuição de insumos básicos pelo mundo. Entretanto, eles têm afetado mais os preços do que a entrega, pois se programada com antecedência, ainda

possibilita a compra. No caso do edifício sob responsabilidade de Josiel, todos os materiais propostos na maquete mantiveram- -se disponíveis, mesmo com o reajuste dos valores. “Após um estudo, fornecedores e clientes conversando entre si, as empresas retomaram os trabalhos. Nunca fizemos ajuste de preço durante a pandemia, sempre acompanhamos o Custo Unitário Básico (CUB). Quem pagou o apartamento antes não sofreu interferência e ainda teve valorização de cerca de 40% por conta dos aumentos”, explica Josiel.

O INCC e o CUB são os dois indicadores que medem a variação de preço dos insumos para a construção civil e determinam o valor da edificação de um metro quadrado de imóveis residenciais e comerciais em cada estado – este último mais comumente utilizado em Santa Catarina. Em julho de 2022, o CUB Residencial Médio de SC estava em R$2.572,55, 45,8% a mais do que neste mesmo mês em 2019.

Além dos impactos nos custos das matérias-primas, a pandemia também levantou preocupações sobre a mão de obra nos empreendimentos. O período de paralisação que durou cerca de três meses possibilitou não somente a reprogramação, como uma guinada da construção civil, especialmente em Chapecó. “Retomamos enfraquecidos, porém, na volta ao trabalho, o fornecimento de materiais normalizou e a venda de imóveis explodiu. A mudança do cronograma interno de uma atividade que demoraria 10 dias com três funcionários, passou a ser em cinco dias com seis pessoas. O tempo perdido foi recuperado com ações internas corretivas e, assim, a entrega para o cliente foi mantida na data programada. Hoje são concretados três andares por mês com mais de 100 funcionários na obra. São 40 etapas realizadas simultaneamente”, explica Josiel.

A Construção Civil foi um dos motores da recuperação da economia brasileira no ano passado, com crescimento de 9,7% do Produto Interno Bruto (PIB) setorial – o maior da última década. A expectativa para 2022 é uma desaceleração do segmento, mas com alta de 2% para o PIB setorial neste ano, de acordo com estimativa da FGV e CBIC. O mercado imobiliário residencial teve um papel importante para esta manutenção da categoria nos últimos anos. Conforme dados da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), as vendas de imóveis aumentaram 26,1% em 2020 e, no segundo trimestre de 2021, houve alta de 72,1% na comparação com o mesmo intervalo do ano anterior. Uma área que se destacou foi o mercado imobiliário de luxo, com um crescimento de 32% em relação a 2020, chegando a mais de 60 mil unidades lançadas no segundo trimestre de 2021.

CRESCIMENTO VERTICAL

Esta é uma realidade observada em Chapecó: a cada esquina um novo prédio sendo erguido ou um terreno preparado para iniciar uma construção. Somente no primeiro semestre de 2022, a Administração Municipal aprovou cerca de 500 mil m² de obras para serem edificadas, o mesmo número aprovado ao longo de todo 2020. Em 2021, este número chegou a 1,3 milhões de m². O presidente do Sindicato da Construção Civil de Chapecó (Sinduscon), Pablo Dávi, conta que o setor de vendas continuou fortalecido nos últimos anos, mesmo com o cenário de insegurança. “Esta é uma preocupação das construtoras, porque se constrói para vender, não para segurar como patrimônio, o que pode acarretar em custos como IPTU, condomínio, manutenção e chamada de capital. Então percebemos uma grande aceitação dos nossos produtos, resultando em uma alta demanda”, explica Pablo, destacando alguns atrativos de Chapecó que tornam a cidade um polo de investimentos no Oeste do Estado. “Uma cidade interiorana, longe de tudo e de difícil acesso, que acabou transformando sua pior dificuldade no melhor benefício, e hoje é o centro regional onde as pessoas vêm para estudar, ter opções de lazer, fazer compras e negócios. Nossos clientes não são os 227 mil habitantes de Chapecó, mas os 1,2 milhão da região”. A “beira-mar” de Chapecó – comparando com cidades litorâneas – seria as regiões centrais próximas à Arena Condá, áreas cujo metro quadrado gira em torno de R$ 8 mil a R$ 12 mil, explica o empresário.

Para o secretário de Planejamento e Desenvolvimento de Chapecó, Valmor Scolari, um fator que incentiva o investimento na construção civil do município é a desburocratização das etapas. “Desde 2021, foi priorizado para o empreendedor aprovar o projeto, apresentar o estudo de impacto de vizinhança e qualquer outra alternativa em que o Município pudesse ser o menor empecilho no processo”. Scolari explica que o sistema online de aprovação de projetos, parcelamento de solo e licenciamento ambiental possibilitam a realização do protocolo 24 horas por dia, onde é possível inserir documentos e ter retorno mais rápido do órgão público para eventuais correções.

Para além do incentivo ao crescimento vertical, a Prefeitura de Chapecó também tem aprovado empreendimentos de grande porte fora das áreas centrais da cidade. “A pandemia trouxe um novo conceito de adensamento populacional, que são os condomínios fechados e loteamentos populares, que permitem frações menores. Nós temos quatro condomínios fechados e cerca de 12 loteamentos em aprovação para os próximos meses”, informa o secretário.

MÃOS QUE EDIFICAM

Por se tratar de uma mão de obra de base, as próprias empresas investem em qualificar os funcionários com cursos internos com o intuito de mantê-los no quadro. Desta forma, os próprios trabalhadores têm optado em se especializar em determinadas etapas da obra, ao invés de acumular funções e serviços. Um caminho sem volta, de acordo com o engenheiro Josiel, cuja obra da qual é responsável chega a contar com 10 empresas terceirizadas concomitantemente. “Hoje, não se encontra o pedreiro que faz tudo. A equipe interna da empresa representa apenas 30% do pessoal em obra, o restante são empresas terceirizadas, que passam por uma rígida consulta da documentação dos colaboradores que irão prestar o serviço. Assim, existe uma equipe para estrutura, outra para reboco externo, para reboco interno, para alvenaria, instalações elétricas e hidráulicas. Quando terminam essas etapas, vão para outra obra”, explica.

Um consenso entre os entrevistados desta reportagem sobre a grande guinada da construção civil em Chapecó é a mão de obra que vem de outros estados, principalmente do nordeste – a exemplo de Eucivan – e de outros países como Venezuela e Haiti, em busca de novas oportunidades. “Tem obras em que 97% são trabalhadores nordestinos. Eles vêm porque o salário e as condições são melhores. A maioria deles estão em alojamentos e acordam com a empresa para trabalhar alguns sábados por mês, meio período ou o dia todo, como hora extra. Para o empregado fica bom, porque trabalha mais para enviar dinheiro para a família. O mesmo acontece com os estrangeiros”, relata Izelda Oro, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção e do Mobiliário (Siticom).

Apesar dessa oferta de qualificação interna, Izelda avalia poucas vantagens que mantêm os trabalhadores na construção civil em Chapecó. Comparando com outro setor que concorre com essa mão de obra, a presidente do Siticom elenca os benefícios da agroindústria, que oferece almoço gratuito, cesta básica e Programa de Participação nos Lucros e Resultados. “Hoje, só o salário não é mais suficiente para garantir a mão de obra qualificada no setor da construção, e a desqualificada recebe menos. Neste cenário, temos muitos trabalhadores sem registro, vários terceirizados, falta de saúde e segurança e, principalmente, a redução do poder aquisitivo. Quem perde sempre é o trabalhador, por causa da inflação, que só tem reajuste de salário quando o sindicato negocia”, afirma.

Mesmo com as dificuldades, a construção civil é um dos setores responsáveis por manter Chapecó na quarta posição entre as maiores economias de Santa Catarina pelo segundo ano consecutivo. Prosperidade construída por mãos como a de Eucivan, com orgulho pelo trabalho que desempenha. “Faço com respeito. Não sou eu que vou morar aqui, mas alguém vai. Se não gostasse, ia embora. A minha casa é minha mochila. Hoje eu tô aqui, se não der certo, já vou para outra obra. O trabalho é para ajudar meus pais, que moram lá na Paraíba, no sertão mesmo. Meu suor e meu futuro estão em jogo. Estou ganhando, mas estou pensando no meu futuro, lá na frente”.

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