MANIFESTO POR UMA BAÍA VIVA A Baía de Guanabara é um dos mais ricos ecossistemas do estado do Rio de Janeiro. Cenário de momentos importantes da história do Brasil. Espaço de vida, de convívio, de trocas. Infelizmente, nesse momento está sob grave risco. Tornou-se cenário de total abandono e degradação. Saturada pelo modelo de desenvolvimento das últimas décadas foi transformada rapidamente em um vazadouro de esgoto doméstico e industrial. Toda sua vida, beleza e função ecológica de praias, restingas, costões rochosos, manguezais, ilhas, Mata Atlântica sofrem com o descaso constante de sucessivos governos e projetos sem o controle social adequado. A Baía de Guanabara, fonte de sustento dos antigos sambaquieiros e indígenas e dos atuais pescadores artesanais, viu sua riqueza biológica decrescer, especialmente, a partir da segunda metade do século XX. Com o desmatamento, os aterros e a crescente poluição por esgotos, metais pesados e derramamentos de óleo, grande parte das espécies afugentaramse. Um exemplo simbólico são os golfinhos que aqui habitam, hoje gravemente
ameaçados de extinção. Como resultado, milhares de pescadores artesanais e suas famílias são obrigados a se afastar de suas atividades, com prejuízos a modos de vida e conhecimentos seculares, além de impactos sociais com a perda de suas formas de sustento. Os muitos pescadores que persistem o fazem com dificuldade, sofrendo pressões, ameaças e atentados de pessoas ligadas a empreendimentos econômicos que contribuem para a degradação ambiental da Baía de Guanabara. As atividades esportivas e o uso recreativo das praias sofrem também com todo esse processo. O sentimento de pertencimento das populações das cercanias da Baía vem se deteriorando, enfraquecendo, portanto, o interesse da cidadania em geral pela sua preservação e facilitando sua degradação. Uma Baía Viva atrairia a população fluminense e projetos educacionais, esportivos, culturais poderiam se multiplicar aos montes. Reforçaria seu papel como território público. Ao mesmo tempo, as populações que vivem nas bacias dos rios que deságuam na Baía da Guanabara sofrem com a au-
sência de políticas de saneamento e doenças causadas pelo esgotamento sanitário inadequado. Para os que vivem nas margens dos rios, em um cenário de falta de política habitacional, as enchentes são um problema a mais, que tem raízes na impermeabilização do solo, no assoreamento dos rios, na modificação do curso natural dos cursos d’água e destruição das matas ciliares, problemas que atingem diretamente a Baía de Guanabara. O saneamento é um direito constitucional e deve ser assegurado a todos os cidadãos do estado. A Baía de Guanabara foi transformada aos poucos numa latrina da Região Metropolitana, recebendo esgotos domésticos não tratados, efluentes industriais e lixo. O Aterro Sanitário Metropolitano de Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, foi construído às suas margens, sobre manguezais. Apesar de desativado, as montanhas de lixo e o chorume ali produzidos ainda são ameaças. Por outro lado, a maior parte do lixo da cidade do Rio de Janeiro e da Região Metropolitana é destinada agora para o aterro na cidade de Seropédica. Paradoxalmente, o chorume ali gerado é transportado para Niterói, onde é tratado junto ao esgoto doméstico, sem tecnologia adequada e lançado na Baía de Guanabara. O mais famoso Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, apesar dos vultosos recursos investidos, mostrou-se um retumbante fracasso. Revelou que são múltiplas as causas da degradação da Baía e que as saídas simplistas estarão sempre aquém do necessário. Não basta construir grandes estações de tratamento de esgoto, se elas operarem aquém da capacidade ou não operarem, justamente
porque mantém excluídos do acesso ao saneamento justamente as populações mais vulnerabilizadas. Os crescentes licenciamentos de projetos petrolíferos são outra grande ameaça, especialmente com a exploração do Pré-Sal. Refinarias, gasodutos e oleodutos, indústrias petroquímicas, além das áreas de fundeio e atracação de navios, transformam a Baía de Guanabara e o litoral adjacente, aos poucos, numa enorme planta fabril. Importantes unidades de conservação, como a Área de Proteção Ambiental de Guapimirim (APA Guapimirim) e a Estação Ecológica da Guanabara (ESEC Guanabara), onde ainda subsistem os últimos manguezais preservados, encontram-se ameaçadas por esse avanço. O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ), cujos subprodutos de contaminantes serão descartados por dutos no interior do Arquipélago das Ilhas Maricás, compromete tanto a pesca como o meio ambiente, entre outros impactos do projeto. Os investimentos em indústrias poluentes não são acompanhados de investimentos em infraestrutura para receber o fluxo populacional que vem junto com ele. A população da região do entorno da Baía de Guanabara, que já concentra mais de 70% da população do estado do Rio de Janeiro, pode assistir ao aumento de problemas como falta de água e saneamento básico, acesso à saúde, educação, lazer, habitação e mobilidade urbana, entre outros. A promessa de um legado olímpico para a Baía de Guanabara, assim como a quase totalidade das promessas de legado dos mega-eventos, mostrou-se vazia de conteúdo prático. Restringiu-se à
propaganda de uma realidade que não se verificou. É preciso mostrar para todo o mundo: a Guanabara agoniza e as velhas promessas de solução contribuem apenas para que tudo permaneça como está. Os Poderes Públicos se omitem tanto na regulação destes impactos, quanto na garantia de direitos básicos para a população, como o saneamento. Os impactos socioambientais vêm sendo desconsiderados diante dos imperativos dos grandes grupos econômicos que usam e abusam da Baía. Além de desconsiderar os impactos, muitas vezes são apontadas falsas soluções para os problemas da Guanabara, como as dragagens que aumentam a poluição com o movimento dos sedimentos submarinos e com o lançamento desses resíduos em bota-foras inadequados, ricos em biodiversidade marinha. Assim, a importância da Baía de Guanabara para a manutenção da vida, sua história e cultura, sua vocação para a pesca, o turismo e lazer e, finalmente, o sentimento de pertencimento da população de suas cercanias, contrastam com o seu estado lamentável de deterioração. Desta forma, este coletivo afirma a urgência de um modelo de desenvolvimento ecológica e socialmente sustentável, de um sistema integrado de gestão dos usos múl-
tiplos existentes envolvendo os aspectos de proteção e recuperação dos manguezais, praias, ilhas e outros ecossistemas da Baía de Guanabara bem como de seu espelho d’água e rios contribuintes. Por isso, acreditamos que é a hora de lançarmos uma campanha em defesa da Baía de Guanabara que envolva todos os interessados em sua recuperação. Nós da campanha Baía Viva queremos fazer ecoar um grito em toda a Região Hidrográfica da Guanabara, articular os que vivem na Baía, sejam eles pescadores, pesquisadores, esportistas, moradores das cercanias ou ambientalistas. Esperamos que este gesto resulte em políticas públicas eficazes para despoluição de suas águas, no freio de sua transformação em pátio industrial, na despoluição e renaturalização dos rios que aqui deságuam, na proteção das florestas onde estão suas nascentes, enfim, pela revitalização da Baía de Guanabara e pela dignidade dos povos que aqui habitam. Reforçar o sentimento de pertencimento das populações da cercania da Baía.Tomar a Guanabara em nossas mãos. Fazer dela espaço vivo para as atuais e futuras gerações, multiplicar sua vida marinha e estuarina. Queremos uma Baía Viva, queremos começar já!!!
Acreditamos na Baía de Guanabara! Acreditamos na capacidade de resistência de seus povos! Acreditamos na capacidade de recuperação de seus ecossistemas! Acreditamos na sua diversidade! Queremos uma Baía Viva! Viva a Baía de Guanabara!!!!