Quilombola - Ribeirão

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Caracterizacão da Comunidade Quilombola de Ribeirão Município de Brumadinho – MG

QUI LOM BOLA Itamar Silva


Caracterizacão da Comunidade Quilombola de Ribeirão Município de Brumadinho – MG

EXPEDIENTE

Realização: Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas / IBASE Consultor Técnico: Itamar Silva Edição e Redação: Itamar Silva Revisão: Renata Mattos / Avril Traduction Projeto Gráfico Flávia Mattos Fotos: Itamar Silva

Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas Avenida Rio Branco, 124, 8 ° andar , Centro CEP: 20040-916 Rio de Janeiro / RJ Tel. (21) 2178-9400 Fax: (21) 2178-9446 E-mail: ibase@ibase.br www.ibase.br

QUI LOM BOLA


SUMARIO 04 Apresentação 04 Caminho Metodológico 06 Comunidade Quilombola 06 Contextualizacão do território 07 Comunidades Quilombolas no Estado de Minas Gerais 08 Comunidade Quilombola de Ribeirão 08 Origem da Comunidade 09 Organização Comunitária e Identidade Quilombola 11 Trabalho e Renda 11 Infraestrutura 12 Esporte e Lazer 12 Saúde 12 Educação 13 Questões mais evidentes / Desafios 14 Fontes Consultadas 15 Anexos 15 Certidão de Autodefinição

Sumário


Ribeirão - Itamar Silva

apresentacao

Apresentacão

A elaboração de uma Caracterização nas Comunidades Quilombolas localizadas na Área de Influência Indireta (AI) da Linha de Transmissão (LT) em 500 kV Bom Despacho 3 – Ouro Preto 2 surge como resposta à necessidade do Departamento de Engenharia Ambiental da empresa Eletrobras Furnas de obter mais informações a fim de elaborar um breve estudo sobre a localidade, através da qual, uma vez obtidas todas as licenças, passará uma Linha de Transmissão de energia. Neste caso, mais especificamente, a LT 500 kV Bom Despacho 3 – Ouro Preto 2. A anuência 013/2010 da Fundação Cultural Palmares (FCP), emitida em 21 de outubro de 2010, estabeleceu algumas condicionantes. O referido documento informa sobre a existência de mais 5 comunidades na Área de Influência do futuro empreendimento não identificadas no Estudo de Impacto Ambiental a ele correspondente, solicitando, assim, uma caracterização e um estudo aprofundado para todas elas com o objetivo de formar um painel sobre as comunidades localizadas na AI. Na reunião do dia 23 de novembro de 2010, ficaram definidos os detalhes das condicionantes da referida Anuência da Fundação Palmares. Na ocasião, ficou acordada a elaboração de uma caracterização para três comunidades quilombolas localizadas na Área de Influência Indireta (AI) da Linha de Transmissão (LT) em 500 kV Bom Despacho 3 – Ouro Preto 2, a saber: -

Comunidade Quilombola de Carrapatos de Tabatinga (Bom Despacho – MG), certificada em 06 de dezembro de 2005;

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Comunidade Quilombola de Ribeirão (Brumadinho – MG), certificada em 07 de julho de 2010;

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Comunidade Quilombola de Coqueiro (Moeda – MG), em processo de certificação.

É importante observar que, no processo exploratório, a comunidade de Coqueiro foi visitada, não tendo sido identificado nenhum interlocutor ou interlocutora que tivesse conhecimento da certificação da área junto à Fundação Palmares, apesar da exaustiva pesquisa feita pela consultoria contrata, acompanhada de dois representantes de Furnas Centrais Elétrica. Este procedimento foi informado à FCP, que autorizou o seguimento dos trabalhos nas outras duas comunidades identificadas. O presente documento visa construir, em diálogo com a comunidade, um breve levantamento do território quilombola da comunidade de Ribeirão, em Brumadinho. O primeiro passo para a construção deste estudo foi a pesquisa e coleta de informações secundárias sobre o território. Posteriormente, foram realizadas reuniões com a Coordenação de Responsabilidade Social e o Departamento de Engenharia Ambiental de Furnas, juntamente com a Fundação Cultural Palmares – importante ator no processo de concessão de Licenças necessárias à implementação e funcionamento de empreendimentos que têm impacto direto ou indireto em uma comunidade tradicional ou quilombola.

CAMINHO METODOLÓGICO CAMINHO METODOLÓGICO Escolhemos um caminho de aproximação e qualificação do território a partir das falas de suas lideranças, privilegiando a interpretação de quem vive o cotidiano do local. Buscamos identificar lideranças locais com vínculos históricos com o território. Nossa conversa teve um viés claro: buscar compreender a trajetória do grupo que vive naquela comunidade e sua compreensão da temática quilombola aplicada ao território. Neste sentido, em Ribeirão, foi possível realizar uma entrevista coletiva com 5 pessoas – lideranças da localidade pertencentes a gerações diferentes: dois homens de 80 e 78 anos de idade, respectivamente, 4


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Antonio Maria Braga e Caetano Maria Braga; uma mulher de 43, Marilene Delmina Braga; uma de 32, Glaucia Fernandes Braga; e um jovem de 26 anos, Alexandre Maria Braga. O objetivo da conversar com esse grupo foi o de compor um painel de lembranças e de identificar as ausências, os vazios. Como a tarefa não era a construção de um texto etnográfico sobre Ribeirão, o caminho escolhido dá conta de preencher a demanda da Caracterização como está definida no escopo do contrato com Furnas, suficiente para um mapeamento inicial da comunidade e com uma aposta indisfarçada na “experiência subjetiva da fonte”, selecionada por deter informações privilegiadas sobre aquilo que desejávamos conhecer. O contato inicial foi feito com uma liderança local envolvida diretamente no processo de certificação da localidade no seu processo de autodeterminação como comunidade quilombola. Coube a ela o convite a mais 4 pessoas que compuseram o grupo entrevistado para este trabalho. A entrevista foi realizada no salão da igreja católica de Ribeirão, único espaço para os encontros comunitários.

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comunidade

Comunidade

CONTEXTUALIZAÇÃO DO TERRITÓRIO CONTEXTUALIZACÃO DO TERRITÓRIO O município de Brumadinho está localizado a uma distância de 49 km de Belo Horizonte e, juntamente com mais 33 municípios, integra a Região Metropolitana de Belo Horizonte.

Devido a sua localização, Brumadinho sofre grande pressão e influência do Município de Belo Horizonte, seja em nível ambiental, seja em nível social. Brumadinho é considerado o refúgio temporário ou permanente de pessoas que buscam tranquilidade e qualidade de vida, o que alimenta a especulação imobiliária dentro do município1.

Brumadinho tem 4 territórios quilombolas identificados e reconhecidos. O Quilombo do Sapé, “que se conserva, entre outras razões, pelos casamentos entre parentes2”, foi reconhecido como comunidade quilombola em 2005 e está incluído como legado patrimonial do município. Os outros territórios quilombolas são: Marinhos, Rodrigues e, o mais recente, Ribeirão. Sua população total em 2010 era de 33.973 habitantes, sendo 15% população rural e 85% população urbana, segundo o IBGE.

Brumadinho preserva características de uma vida urbana de interior, com bons indicadores de tranquilidade e segurança decorrentes de serem ainda muito recentes seu avanço e 6


Ribeirão - Itamar Silva desenvolvimento, demorando mais tempo para surgirem crises sociais decorrentes do progresso das grandes cidades e regiões metropolitanas3.

Apesar de ser um município com quatro comunidades quilombolas reconhecidas pela Fundação Palmares e, ainda, de haver outras com potencial de reconhecimento, o tema das comunidades quilombolas não ganha tratamento específico no texto do plano. É tímida a visibilidade das mesmas.

COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO DE ESTADO DE MINAS GERAIS COMUNIDADES QUILOMBOLAS NO ESTADO MINAS GERAIS

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Dados produzidos pelo Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (CEDEFES) atestam que existem aproximadamente 400 comunidades quilombolas no Estado de Minas Gerais, distribuídas por mais de 155 municípios. As regiões do Estado nas quais tal concentração é maior são a norte e a nordeste, com destaque, nesta última, para o Vale do Jequitinhonha. Embora a maioria dessas comunidades se encontre em contexto rural, Minas Gerais se destaca pela presença significativa de quilombos em áreas urbanas. Grande parte dos quilombos rurais ocupa atualmente pequenas extensões de terras devido a um intenso processo de grilagem. A falta de terras acaba por provocar problemas de geração de renda. Além disso, o pouco espaço dificulta a vivência de algumas práticas culturais. A religiosidade, a música, a dança e o trabalho coletivo são práticas que proporcionam a base da existência desses grupos étnicos. Sem a garantia de um espaço coletivo, como um terreno ou um espaço cultural, muitas manifestações e práticas tradicionais ficam inviáveis de ser realizadas. Segundo informações coletadas no Projeto sobre Comunidades Quilombolas realizado pela Comissão Pró-Índio de São Paulo5, que abrange comunidades de todo o país, podemos dizer que a garantia dos direitos territoriais, a implantação de alternativas de geração de renda e o acesso à água compõem os principais desafios vividos pelos quilombolas em Minas Gerais. Após o 1º Encontro das Comunidades Negras e Quilombolas de Minas Gerais, organizado pela Fundação Cultural Palmares e pelo Instituto de Defesa da Cultura Negra e Afrodescendentes (Fala Negra), em 2004, as comunidades quilombolas de Minas Gerais perceberam a necessidade de se articularem para fortalecer a defesa de seus direitos, que vinham sendo amplamente violados. Em 2005, criaram uma Organização Não Governamental (ONG): N’golo - Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais.

Fonte: http://www.cpisp.org.br/comunidades/html/brasil/mg/mg_mapa.html

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Desde então, a organização vem mobilizando quilombolas de todo o Estado. Em dezembro de 2009, aproximadamente 300 quilombolas ocuparam a Superintendência Regional do INCRA, em Belo Horizonte, como forma de protestar e exigir agilidade no processo de demarcação e titulação dos territórios quilombolas no Estado. Na época, existiam 465 comunidades quilombolas identificadas. No entanto, nenhuma delas encontravase titulada. Os quilombolas apontavam ser esta uma explícita violação de seus direitos garantidos no artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre povos indígenas e tribais e do Decreto Federal nº4887/2003. Denunciavam, ainda, que a morosidade do processo contribui para a perpetuação da vulnerabilidade das comunidades quilombolas, deixando-as desprovidas de saneamento básico, de acesso às políticas públicas governamentais, o que gera insegurança alimentar e habitacional6.

COMUNIDADE QUILOMBOLA DE RIBEIRÃO COMUNIDADE QUILOMBOLA DE RIBEIRÃO Localizada no Distrito de São José do Paraopeba, município de Brumadinho, em Minas Gerais, próximo ao distrito de Aranha e às comunidades quilombolas de Marinhos e Sapé, com as quais mantém uma boa articulação. Ribeirão realizou sua Assembléia de autorreconhecimento como comunidade quilombola em 12 de março de 2010 e registrou a ata de reunião da referida assembléia em 25 de maio de 2010. Obteve a Certidão de Autodefinição7, expedida pela Fundação Palmares, em 27 de setembro de 2010.

ORIGEM DACOMUNIDADE COMUNIDADE ORIGEM DA Anteriormente denominada como Ponte de Pedra, esta comunidade teve seu nome alterado para Ribeirão em função do rio que a margeia. No passado, havia ali uma ponte que permitia o acesso às terras. O Ribeirão era tanto fonte da água que abastecia a comunidade quanto local onde as mulheres lavavam roupa, cantando enquanto executavam tal ato. Hoje, contudo, não se lava mais roupa no rio e todos têm poço artesiano para o consumo da água. O Seu João do Ponto, tal qual a ele se referem os entrevistados, ou João Delfino, como aparece na ata de assembléia registrada, foi o primeiro morador a chegar, tendo comprado individualmente as terras. Os entrevistados garantem possuir legalmente a propriedade das terras, e é o sentimento de pertencimento que aflora com legitimidade quando se toca no tema da terra: “se todos tem documento, eu não sei, mas todos têm seu pedacinho de terra”. Fundador da comunidade, João do Ponto teve os seguintes filhos: João Machado, Urias Delfina Braga Maria e José Maria. “Meu avó tinha 4 filhos, aí foi casando e foi aumentando o lugar. Aqui é tudo parente dele”, afirma Antonio Maria Braga. Depois chegou mais gente, como complementa Caetano Maria Braga: “hoje tem umas vinte e poucos famílias por ai”. Os mais velhos lembram de uma infância sofrida, de muito trabalho, conforme podemos escutar no 8


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relado de um dos entrevistados: “meu pai quando morreu eu trabalhava com dez anos. Quando eu era pequeno eu trabalhava pra fora. Depois que eu peguei uma terrinha, eu comecei a trabalhar pra mim”. Esta experiência de trabalhar muito cedo e em condições duras, principalmente para uma criança, deixa suas marcas. Os dois entrevistados mais velhos, e que estão na origem da comunidade, não tiveram acesso à educação escolar: “...nem leitura eu tenho, sou analfabeto”. Vale indicar que o momento da entrevista foi também um momento de troca coletiva sobre a história local. Cada vez que se conta uma parte da história de uma localidade, se galga um novo patamar que se incorpora à identidade coletiva, surgindo, ainda, novos pontos que exigem mais esclarecimentos. É essa dinâmica que está acontecendo hoje em Ribeirão. Passos importantes foram dados na perspectiva de consolidar uma identidade quilombola e novos desafios aparecem. Trata-se uma comunidade em busca de sua história.

ORGANIZAÇÃO COMUNITÁRIA E IDENTIDADE QUILOMBOLA ORGANIZACÃO COMUNITÁRIA E IDENTIDADE QUILOMBOLA

Atualmente, não há nenhuma associação que represente a comunidade. Uma já existiu, tendo sido, porém, desmobilizada por problemas burocráticos: multas, faltas de pagamento, altas taxas.. Mesmo assim, os moradores não manifestam a necessidade desta institucionalidade para mobilizar e representar a comunidade. Sempre que precisam de alguma formalização, têm o apoio da igreja católica, e, quando é necessário uma documentação oficial para formalização de algum evento, esta é feita em nome de um dos moradores, que se torna o responsável por aquele evento. Como indica Antonio Maria Braga: “(...) Quando a gente vai fazer uma festa, a gente fica pedindo a ajuda da prefeitura. Tem uns padres também que nos ajudam...”. Quando perguntados sobre a identidade quilombola, afirmam categoricamente: “Somos quilombolas!”, apesar do pouco conhecimento sobre o conjunto de direitos decorrentes desta condição. Também é pequeno o conhecimento sobre as funções da Fundação Palmares e da Confederação Nacional dos Quilombolas (CONAQ) no processo de consolidação e ampliação dos direitos das comunidades quilombolas, conforme fica evidente na fala de Marilene Delmina Braga:

a gente sabe que a gente tem alguns direitos, né? Acho que foi no fim do ano passado que a gente foi participar de um encontro. Eu nunca tinha participado de nada, de nenhum evento... E a gente viu lá outras comunidades... E lá tem muitas dificuldades também. Então, quando a gente viu eles falando que as comunidades quilombolas têm direitos a ter muitas coisas, né? Porque é o direito dos negros...

É muito recente a entrada deste grupo na articulação quilombola da região. Foi em 27 de setembro de 2010 que a comunidade teve sua certidão de autodefinição expedida pela Fundação Palmares. Neste documento se autodefinem como “remanescentes de quilombo”. Então, esta novidade não alcança a todos igualmente. É necessário um trabalho que ajude na circulação da informação e que mobilize os moradores na perspectiva de acessarem projetos/direitos que emanam da sua condição de quilombolas.

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O grupo espera que o título de comunidade quilombola ajude-os a concretizar alguns sonhos, como afirma Marilene: “quando a gente recebeu o título de quilombola, a gente pensou em ter um salão pra estar fazendo alguma coisa de artesanato. Pra gente estar conseguindo um salão, tem que estar comprando um terreno. E pra nossa comunidade isso é difícil”. A compra de um terreno é vista como um grande desafio, mas também como um desejo da comunidade: um espaço comunitário para se reunir. A dificuldade de sensibilizar, principalmente os jovens, para a luta quilombola é sentida pela liderança local. A discriminação que ainda sofrem, contribui para dificultar a organização da comunidade em torno da temática quilombola. Nas palavras de Marilene:

(...) Pra gente estar recebendo esse título de quilombola muitos não... sei lá, não queriam aceitar... porque pra ser quilombola tem que ser negro... porque muitos têm miscigenação, mistura, e têm medo de se assumir como sendo negro. Então, muitos têm medo de assumir esse título (grifos do autor).

No entanto, há um ponto bastante positivo. Ribeirão tem bom relacionamento com as comunidades do seu entorno: Marinhos, Sapé, Aranha, etc., principalmente nas festas que são organizadas. Segundo Marilene: “Aí junta as comunidades e a gente tem apresentação, a celebração. E aí tem a partilha dos alimentos que cada comunidade leva”. Neste sentido, podem ser apoiados por outros que já estão em processos mais consolidados, como a comunidade quilombola de Sapé. O tema da consciência negra entra no calendário dos festejos a partir da iniciativa de comunidades vizinhas e, também, do padre que dá assistência a essa população. Diz Antonio: “Agora estão fazendo a festa da consciência negra”. A igreja é o ponto de encontro da comunidade. O padre celebra uma vez ao mês, mas, todas as semanas, há celebração sob a responsabilidade dos leigos. Nesta comunidade a maioria é católica e os não católicos exercem sua devoção em outros lugares próximos. Na localidade, só existe a igreja católica como espaço construído. Duas manifestações são citadas como tradição cultural da localidade e como ponto de convergência com as outras comunidades quilombolas da região: O Moçambique e a Folia de Reis.

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TRABALHO E RENDA TRABALHO E RENDA

Partindo da experiência de dois entrevistados, patriarcas, as famílias são grandes, em torno de 7 filhos cada um. No entanto, esta geração, a dos filhos, não consegue permanecer no local. Faltam alternativas de trabalho e de renda para a maioria, como afirma Antonio: “é bem difícil... ai vai ficando rapaz...tenta alternativa em outro lugar”. A maioria dos jovens busca trabalho em Belo Horizonte, deixando os mais velhos tristes. Para Marilene: “Tem que correr atrás. Mas eu acho difícil. Se não for na casa de família, é difícil. Eu nunca vi uma lojista, uma moça que trabalha em loja, negra, eu nunca vi, nunca vi. (...) Tem lojas que são muito preconceituosas”. Nesta fala, fica evidente a discriminação que ainda sofre esta população de identidade quilombola, o que dificulta, consequentemente, uma organização de resistência, na medida em que os mais jovens, que poderiam fortalecer uma articulação de enfrentamento ao racismo, vão para outras cidades carregando o estigma. Os que ficam, perdem força. De acordo com Marilene “ As pessoas sentem isso mas não tem discussão”. Ambos os entrevistados mais velhos são aposentados pelo INSS e continuam trabalhando na terra: “não vou ficar parado não...”, diz Antonio Fica evidente que trabalhar a terra é muito importante para os mais velhos. No entanto, é o benefício de prestação continuada que garante a estabilidade e a possibilidade de continuar vivendo ali. Perguntados se tinham acesso ao Bolsa Família, respondem:

Alguns têm. Tem uns que não têm, porque é muito difícil estar conseguindo. Porque são muitos detalhes e a pessoa não vai. (...) E tem mãe que tem filho mas é mãe solteira. Aí quando ela vai mexer com Bolsa Família, aí quando chega lá começam as perguntas: ah, quantos pessoas na sua casa trabalham... Aí vai e a pessoa perde o rumo. Mas a maioria aqui tem.

Este depoimento trás à tona o tema da circulação da informação e o acesso a direitos. E, neste caso, o preconceito social produz um “envergonhamento” nas pessoas de tal forma que elas abrem mão de direitos básicos que poderiam melhorar muito suas vidas.

INFRAESTRUTURA INFRAESTRUTURA

A comunidade demanda melhorias na iluminação: alguns lugares estão às escuras. O asfalto é um outro ponto que precisar melhorar. “A iluminação em dia de chuva é muito precária”, afirma Marilene. Por vezes, falta energia elétrica, podendo mesmo demorar muito para regularizar tal situação. Falta organização coletiva para se relacionar com a prefeitura. O grupo parece aderir a movimentos reivindicativos e a ações coletivas, porém, quando estas são realizadas por outras comunidades, sem, com isso, tomar iniciativa, apesar de acumularem demandas.

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ESPORTE, LAZER E ESPAÇOS COMUNITÁRIOS ESPORTE, LAZER E ESPACOS COMUNITÁRIOS

Não é muito visível as alternativas de lazer para os jovens dessa localidade. Os dois participantes com menos idade presentes na entrevista coletiva (26 e 32 anos) quando perguntados sobre o que fazem os jovens na comunidade, são bastantes econômicos nas palavras e dizem que uma alternativa é o futebol, feminino e masculino, e que há festas: “ a gente aluga carro, ônibus e, às vezes, dependendo até, pede pro prefeito ônibus”. Contudo, um outro participante pondera: “mas é muito difícil, muito difícil”. Mesmo os torneios que existiam, inclusive homens contra mulheres, hoje não mais existem. O grupo não especifica as razões da desmobilização desses eventos.

SAÚDE SAÚDE A comunidade é atendida pela estrutura existente em Marinhos, comunidade próxima de Ribeirão, com maior população. No entanto, um médico e um enfermeiro vão uma vez por semana a atender a comunidade. Além disso, há um agente de saúde do programa Saúde da Família que faz a cobertura local e centraliza os atendimentos em Marinho. Todavia, o que se depreende das entrevistas é que tratamentos continuados ou mais complexos devem ser realizados em Belo Horizonte.

EDUCAÇÃO EDUCACÃO

Não há escolas na comunidade. As crianças e jovens que querem estudar devem se deslocar para outros lugares, relativamente próximos. Há transporte escolar para este deslocamento. Perguntados sobre a qualidade deste serviço, respondem: “...é, funciona bem sim, graças a Deus”. Não há ninguém com nível superior na comunidade, e justificam, aqui na fala de Mariliene:

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Não. Porque aqui não tem trabalho pra estar pagando... A gente, quando era nova, não tinha como ficar estudando. A gente não podia ter o material pra poder estar dando continuidade... Mas, depois de muito tempo, foi depois que eu comecei novamente. Fiz o supletivo. O supletivo é muito corrido, a gente não pega bem as matérias. E agora que eu comecei a trabalhar ano passado, é que eu estou tentando fazer um curso pra fazer alguma coisa. Tô tentando fazer técnico de enfermagem.

QUESTÕES MAIS EVIDENTES / DESAFIOS QUESTÕES MAIS EVIDENTES E DESAFIOS

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Consolidar levantamento da história local e disseminá-la.

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Estimular os jovens a participar dos momentos coletivos da comunidade e fortalecer a identidade quilombola.

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Pensar em alternativas de renda a partir do potencial de suas terras e de saberes acumulados historicamente (valorizar a cultura).

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Levantar o debate sobre a evasão dos jovens para Belo Horiznte com o objetivo de envolvê-los na busca de soluções e de alternativas na própria região.

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Verificar a cobertura do Bolsa Família e ajudar àqueles que, por desinformação ou vergonha, não acessaram o referido benefício, que é um direito.

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Voltar a discutir a pertinência ou não de uma associação local que agregue, reivindique e postule projetos.

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Envolver os jovens numa dinâmica de reflexão sobre o direito ao lazer e estimular alternativas viáveis localmente.

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Programas e projetos federais: Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) e Pro Jovem – em que medida poderiam ser implementado nesta localidade?

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Proceder um registro cadastral da população de Ribeirão com objetivo de realizar um diagnóstico situacional da comunidade.

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Pensar em projetos de intervenção que sejam desenvolvidos na própria comunidade, principalmente para jovens.

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“Implementar em todas as comunidades programas específicos para a terceira idade, para jovens e mulheres visando lazer e a geração de renda8” – Como fazer valer esses princípios em Ribeirão?

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Maior visibilidade para esta comunidade.

NOTAS Plano Diretor Municipal de Brumadinho – Diagnóstico do Município – Etapa Leitura da Cidade – outubro 2011 – Prefeitura Municipal de Brumadinho. Disponível em http://www.artecomunicacao.com.br/ 1

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Diagnóstico do Plano Diretor de Brumadinho. Disponível em www.artecomunicação.com.br/diagnóstico.pdf

Plano Diretor Municipal de Brumadinho – Diagnóstico do Município – Etapa Leitura da Cidade – outubro 2011 – Prefeitura Municipal de Brumadinho. Disponível em http://www.artecomunicacao.com.br/ 3

Fonte: Comissão Pró Índio de São Paulo. Disponível em http://www.cpisp.org.br/comunidades/ e, mais especificamente, sobre o Estado de Minas Gerais, em http://www.cpisp.org.br/comunidades/html/i_brasil_mg.html 4

Disponível em http://www.cpisp.org.br/comunidades/ e, mais especificamente, sobre o Estado de Minas Gerais, em http://www.cpisp.org. br/comunidades/html/i_brasil_mg.html 5

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Segundo notícia elaborada pela própria N’golo e por Frei Gilvander.

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Ver anexo 2 desta publicação.

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Texto extraído das Diretrizes para Estrutura Urbana e do Território Municipal.

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fontes

Fontes Consultadas

1. Entrevista realizada com cinco representantes da comunidade. 2. Plano Diretor Municipal de Brumadinho – Diagnóstico do Município – Etapa Leitura da Cidade – Outubro 2011. 3. Certidão de autodefinição expedida pela Fundação Palmares – Ministério da Cultura – República Federativa do Brasil. 4. Nossa história..., publicação local da Igreja católica com depoimentos de Marilene, Lourdes e Fátima. 5. Ata da reunião da Assembléia de Autoreconhecimento da Comunidade de Ribeirão – registrada na Comarca de Brumadinho/MG. 6. Cultura da Comunidade de Ribeirão – brochura com fotos de eventos e pessoas antigas da comunidade e matérias de jornal registrando a participação dos quilombolas em eventos. 7. Comissão Pró Índio de São Paulo.

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Ribeir達o - Itamar Silva

anexos ANEXO 1 - Certid達o de Autodefini巽達o

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Anexos


Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas Avenida Rio Branco, 124, 8 ° andar , Centro CEP: 20040-916 Rio de Janeiro / RJ Tel. (21) 2178-9400 Fax: (21) 2178-9446 E-mail: ibase@ibase.br www.ibase.br


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