UMA HETEROTOPIA EMANCIPADORA OS DEGRAUS DA PARTICIPAÇÃO DO USUÁRIO NA ARQUITETURA
FLÁVIA
MARCARINE
ARRUDA
“What good is a spirit without wings?” Tempo dos Ciganos. Emir Kusturica. 1988
UMA HETEROTOPIA EMANCIPADORA Os degraus da participação do usuário na arquitetura
Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Programa de Graduação em Arquitetura e Urbanismo do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito para obtenção do título de Arquiteto e Urbanista. Orientadora: Profa. Dra. Clara Luiza Miranda Coorientador: Prof. Dr. Milton Esteves Junior Convidado: Me. Rodrigo Hipólito Dos Santos
VITÓRIA 2015
FOLHA DE APROVAÇÃO PROJETO DE GRADUAÇÃO APROVADO EM __ /__ /__ ATA DE AVALIAÇÃO DA BANCA ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ ____________________________________________________________________ AVALIAÇÃO DA COMISSÃO EXAMINADORA ____ NOTA
________________________________________________________ PROFa. DRa. CLARA LUIZA MIRANDA
____ NOTA
________________________________________________________ PROF. DR. MILTON ESTEVES JUNIOR
____ NOTA
________________________________________________________ Me. RODRIGO HIPÓLITO DOS SANTOS
APROVADO COM NOTA FINAL __________
DEDICATÓRIA Aos familiares, amigos, professores e teóricos que fomentaram minha formação e minha vontade de saber Arquitetura. Ao mestre emancipador, Peter. À música cigana balcânica.
AGRADECIMENTOS À minha família por todo apoio; Ao Mister (Miguel) do Basurama pela disponibilidade e receptividade durante a entrevista; à Clara Luiza Miranda por ter me acompanhado em três anos de pesquisa; ao Milton Esteves por toda dedicação e colaboração acadêmica, e a todos os demais professores e funcionários que contribuíram para a minha formação profissional e acadêmica. Ao Peter por toda sabedoria e pela paciência; aos amigos pela parceria de sempre e companheirismo dos meus planos e aflições. Ao Jacques Rancière e Jacques Lacan pelo suporte teórico; À música cigana balcânica pelas altas doses de felicidade; ao Shivam Yoga por toda filosofia! Om Shiva! Gratidão!
RESUMO Este trabalho se concentra em entender as especificidades e as consequências decorrentes da adoção de processos participativos na arquitetura. Os processos participativos são entendidos aqui como as propostas que tem como ponto de partida a partilha das atividades da produção da arquitetura com o usuário. Pretende-se verificar se tais processos promovem, de fato, uma produção do espaço menos determinista em relação ao uso, e se desalienaria o sujeito devolvendo-lhe sua subjetividade singular e emancipação, além de estimular o sentimento de pertencimento. Analisa-se especificamente as experiências de intervenção “O lixo não existe” propostas pelo coletivo Basurama em São Paulo nos anos de 2012-2014, através do cruzamento entre a concepção de emancipação de Jacques Rancière, da ética do bem-dizer de Jacques Lacan e dos graus de participação cidadã estabelecidos por Sherry Arnstein. Em última instância, este trabalho ensaia uma heterotopia emancipadora como uma prática arquitetônica que promova o aparecer do sujeito no comum. Palavras-chave: participação, Basurama, emancipação, ética do bem-dizer
SUMÁRIO Introdução: a arquitetura sob o ponto de vista do papel do usuário
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1. A emancipação como o aparecer do sujeito no comum
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1.1 O espectador emancipado 1.2 A ética do bem-dizer 1.3 Os degraus de participação 1.4 Onde esses pensamentos se tocam
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2. “O lixo não existe”: apresentação e análise
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3. Perspectivas possíveis: uma heterotopia emancipadora
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Considerações finais
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Índice de imagens
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Referências
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INTRODUÇÃO A gênese deste presente trabalho encontra-se no esforço em entender o fenômeno dos processos participativos na esfera da arquitetura. Esse esforço iniciou-se no segundo semestre de 2012 através da realização de um projeto de pesquisa vinculado ao programa de Iniciação Científica da UFES e ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). No seu decorrer, questionam-se quais são as implicações da adoção dos processos participativos em relação aos sujeitos envolvidos. Pretende-se verificar se tais práticas promovem, de fato, uma produção do espaço menos determinista em relação ao uso, e se desalienaria o sujeito devolvendo-lhe sua subjetividade e emancipação, além de estimular o sentimento de pertencimento. Para isso, é proposto que se entenda “Arquitetura” como o: […] espaço modificado pelo trabalho humano. Essa definição exclui paisagens naturais ou cavernas intocadas e inclui quaisquer paisagens artificiais e construções de toda espécie, sejam elas precedidas por projetos ou não, sejam concebidas por profissionais especializados ou não. Em princípio, não cabe aqui nenhuma distinção entre arquitetura e construção, nem tampouco entre as escalas de edifícios, cidades e paisagens (KAPP, 2005).
A partir da obra “Uma introdução ao projeto arquitetônico” (SILVA, 1983) é possível traçar uma linha de compreensão da evolução histórica do fenômeno de produção da arquitetura sob o ponto de vista do papel desempenhado pelo usuário. Sumariamente, essa produção se dividiria em etapas: sociedade primitiva, sociedade intermediária, sociedade organizada e sociedade complexa. 19
Na sociedade primitiva a construção do abrigo é uma atribuição dos moradores e inexiste a noção de um construtor profissional e do arquiteto como profissional intelectual autônomo. Não haveria necessidade do projeto, pois o abrigo é, ou a reprodução de um modelo, ou um acoplamento de peças. Deve-se ter em mente, que a construção não era uma atribuição em torno do interesse de um indivíduo1, mas sim do coletivo, visto que até então inexistia a noção desse interesse individual e o domínio dos modelos e das técnicas construtivas era um domínio comum. Consonante com esse fenômeno coletivo na sociedade primitiva, Castro (2006) atesta sobre os índios brasileiros: [...] a referência indígena não é um atributo individual, mas um movimento coletivo, e que a “identidade indígena” não é “relacional” apenas “em contraste” com identidades não-indígenas, mas relacional (logo, não é uma “identidade”), antes de mais nada, porque constitui coletivos transindividuais intra-referenciados e intra-diferenciados. Há indivíduos indígenas porque eles são membros de comunidades indígenas, e não o inverso.
Na sociedade intermediária, com a divisão social do trabalho, surge o construtor profissional, responsável pela execução da obra, e predomina mais a reprodução de modelos do que o teor criativo. Ainda é dispensável a codificação em termos abs1 A noção de indivíduo tem seu apogeu no Capitalismo: “[...] o indivíduo tem que ser a categoria humana por excelência, que será utilizada como modus operandi da produção de mais-valia”. (MOREIRA, 2007, p. 174). A divisão social do trabalho potencializa a capacidade produtiva, e o esforço em conjunto realizado pelos trabalhadores terá uma produção maior que a soma das produções dos trabalhos individuais, já que o empresário acumula capital ao guardar a diferença entre o salário do trabalhador e o seu trabalho excedente. Assim, a divisão social do trabalho é paga ao indivíduo para disfarçar a existência de um trabalho realizado em conjunto (MOREIRA, 2007).
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tratos (o projeto), embora possa ser cogitado como modo de aperfeiçoamento do processo de comunicação entre usuário e construtor. Assim, o usuário deixa de ser um construtor e passa a ser quem encomenda. A figura do arquiteto aparece na sociedade organizada, como intermediador que dialoga, por meio de projeto, com o construtor. A origem do arquiteto está associado com a divisão do trabalho manual de construção e do trabalho de design datada no século XV e XVI, o que lhe deu um status de trabalho intelectual. O termo design vem da palavra italiana disegno que significa desenhar, conectada com a representação do espaço por meio de elementos gráficos abstratos: plantas, elevações, perspectivas, vistas da fachada. Não só a representação se dá por meio abstrato, mas também o usuário é visto como um ser abstrato, visto que não há distinção de nacionalidade, gênero, faixa etária, etc. Segundo Bicca (1984), essa divisão entre trabalho intelectual e manual resultou no status de dirigente/dominante exercido pelo intelectual/arquiteto, e no status de dominado para o construtor que executa o trabalho manual. Assim, “os trabalhadores intelectuais mantêm a ordem entre os outros; os trabalhadores manuais são mantidos em ordem” (Men-Tse, apud Bicca, 1984). Assim, pois, afirma Lefebvre, “parece que os trabalhos divididos se completam, e que seus resultados se encadeiam, porque necessários uns aos outros. Se um grupo, organizado ou não, produz instrumentos, o grupo que dele se serve é indispensável à sociedade. Parece pois que a divisão do trabalho substitui uma sociedade simples por uma sociedade complexa, mais harmoniosa, mais “orgânica”, como diria Durkheim. Não, diz Marx. Os resultados, os “produtos” se completam, mas as atividades divididas se confrontam, se afrontam, engendram desigualdades e conflitos” (BICCA, 1984).
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Já na sociedade complexa, o projeto toma função jurídica ou documental. Há também o controle do direito de construir pela legislação urbanística e a decorrente fiscalização. O usuário ainda pode ser aquele que encomenda. Quando a encomenda é uma atribuição do poder público, ou de uma empresa privada, o usuário aparece como um consumidor, o que significa o não partilhamento da produção da arquitetura com o usuário. Percebe-se, nessa linha idealizada, um grau cada vez mais nítido da hierarquização da divisão social do trabalho, o que gera o distanciamento, ou a exclusão, do usuário, no processo produtivo da arquitetura. Durante a década de 60, a hierarquia da divisão social do trabalho defendida pelo Movimento Moderno foi contestada por alguns arquitetos e os impulsionou a revisarem o papel do arquiteto na produção da arquitetura e a pensarem em um novo modo de atuação a partir da partilha das atividades da produção da arquitetura com o usuário. Tal hierarquia defendida pelo Movimento Moderno, evidencia-se nos princípios da declaração assinada pelos representantes do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna em 1928:
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1. A ideia de arquitetura moderna inclui o vínculo entre o fenômeno da arquitetura e o do sistema econômico geral. 2. A ideia de “eficiência econômica” não implica a oferta, por parte da produção, de um lucro comercial máximo, mas a exigência, por parte da produção, de um mínimo esforço funcional. 3. A necessidade de uma eficiência econômica máxima é o resultado inevitável do empobrecimento da economia geral. 4. O método mais eficiente de produção é o que decorre da racionalização e da padronização. A racionalização e a padronização agem diretamente sobre os métodos de trabalho, tanto na arquitetura moderna (concepção) quanto na indústria de da construção (realização). 5. A racionalização e a padronização agem de três modos diversos: a) exigem da arquitetura concepções que levem à simplificação dos métodos de trabalho no lugar e na fábrica; b) significam para as construtoras uma redução da mão-de-obra especializada; levam ao uso de uma mão-de-obra menos especializada que trabalhe sob a direção de técnicos da mais alta habilitação; c) esperam do consumidor (ou seja, do consumidor que encomenda a casa na qual vai viver) uma revisão de suas exigências em termos de uma readaptação às novas condições da vida social. Essa revisão irá manifestar-se na redução de certas necessidades individuais doravante desprovidas de uma verdadeira justificativa; as vantagens dessa redução irão estimular a máxima satisfação das necessidades da maioria, as quais se acham no momento restringidas (FRAMPTON, 1997, p. 327).
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Nota-se através dessa declaração uma defesa pela hierarquia entre o trabalho intelectual e manual além da submissão dos usuários por meio da padronização das necessidades individuais. Esse modo de pensar por meio da padronização também se evidencia na fala de Corbusier: “todos os homens tem o mesmo organismo, mesmas funções. Todos os homens tem as mesmas necessidades” (CORBUSIER, 1973). Ou ainda, nas palavras do Costa (2010): [...] el posicionamiento del arquitecto que construyó la metrópole moderna era el de un produtor; es decir, el posicionamento de quien estaba familiarizado con los processos económicos y productivos, con la estética del industrialismo y de la expansión colonizadora.
Dessa forma, a crítica ao pensamento moderno recaía sobre a ideia de haver um “homem-tipo” universal/padrão e ao modo funcionalista (em que cada parte específica de uma construção era destinada a um uso2 específico) de se produzir a arquitetura. Essa critica também incidia no fato de que os modernos desconsideravam as singularidades do usuário, na medida em que acreditavam que sabiam mais das necessidades dos usuários que eles próprios e pensavam em soluções demasiadamente universais (AWAN; SCHNEIDER; TILL, 2015), que definiam o uso só em termos funcionais, e apontavam então, para uma atitude reducionista (LEFEBVRE, 1991b). A crítica considerava que esse funcionalismo produziria um espaço determinista em relação ao uso feito para um usuário-modelo, provocador de uma racionalização dos movimentos e diminuição das sensações. O apelo ao fim da rigidez da modernidade busca soluções que não cabem mais 2 A função é o uso pretendido no espaço, enquanto que o uso refere-se ao modo como o usuário experimenta o espaço, seja por hábito ou apropriação.
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as regras inflexíveis da funcionalidade, em defesa de possibilidades de soluções distintas e abertas a imprevisibilidade do usuário. Assim, o grande desafio foi trabalhar na criação de formas para absorver a dinâmica e o imprevisível da cidade contemporânea, descrita como uma forma fluida e descontínua, que se contrapõe a estrutura sólida e contínua da modernidade (BAUMAN, 2001). É nesse contexto que surgem as primeiras tentativas de introduzir processos participativos na arquitetura, que culminou em propostas esforçadas em produzir uma forma arquitetônica capaz de incorporar a imprevisibilidade do usuário3 (HILL, 2003). Outras iniciativas apostaram no encontro intersubjetivo entre arquiteto e usuários para partilhar a produção arquitetônica, na qual Lucien Kroll, arquiteto belga, tornou-se pioneiro, e influenciou a prática de outros arquitetos, como Maurice Culot, Bernard Rudofsky, Nathan Silver e Giancarlo de Carlo (AWAN; SCHNEIDER; TILL). Apesar dessas iniciativas se esforçarem em produzir formas ou encontros intersubjetivos na defesa da participação do usuário, alguns autores apontavam que mesmo sem a intenção de partilhar o processo com o fruidor de uma obra estética, a obra já teria como inerente uma “abertura” capaz de atribuir ao fruidor o papel de co-criador. O ato criador não é executado pelo artista sozinho; o público estabelece o contato entre a obra de arte e o mundo exterior, decifrando e interpretando suas qualidades intrínsecas e, desta forma, acrescenta sua contribuição ao ato criador (DUCHAMP, 1965). 3 Hill (2003) identificou diferentes modos de se produzir uma arquitetura menos determinista em relação ao uso, a exemplo da flexibilidade (projeto flexível que não cristaliza um uso específico para cada parte), da polivalência (uma forma que abriga várias possibilidades de uso que sem a necessidade de ser alterada atenderia às interpretações individuais), da incompletude (uma forma propositalmente inacaba na qual o futuro usuário pudesse personalizar na construção) e da forma contra a função (busca por uma forma que indicasse um modo não convencional de uso).
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O ato criador como um de co-criação entre o propositor da obra e o público foi considerado por Duchamp (1995) quando afirmou que o artista não pode controlar a sua vontade criadora com a experiência do público, já que sempre haveria um nível de inadequação entre os dois, e por isso, a experiência do público deveria estar contida no trabalho de arte. Grossman (1996) prossegue esse raciocínio, e elege Magritte e Barthes para falar da transição do momento modernista na arte para o pós-moderno, quando é questionado o papel do espectador como criador. Na pintura “Isto não é um cachimbo”, Magritte questiona o próprio sistema de significação da arte por meio do uso da escrita, desmitificando a pintura e o artista como detentor de uma autoridade no assunto. No ensaio “Isto não é um cachimbo”, Foucault (1988) demonstra como essa pintura promove um deslocamento de verdade a priori da pintura, já que pintar não é afirmar. Dessa forma, no momento pós-modernista, a revelação dos limites da pintura, que até então era considerada universal e inquestionável, aponta para a desmitificação do autor e implica na discussão da valorização do espectador. Barthes (2004), em “A morte do autor” se ocupa de desmitificar o autor como detentor das chaves do significado da obra, ao afirmar que a leitura é uma atividade criativa, na qual cada leitor constrói um novo texto. Barthes (2004) compreende que o texto não se finda no ato do escritor, restituindo o papel da interpretação ao leitor: “(...) a unidade de um texto não está na sua origem, mas no seu destino”. A partir da citação de Duchamp e de Barthes, podemos fazer um paralelo similar com a desmitificação de um ser criador universal na arquitetura. O ato criador não é um ato que se finda na criação de quem se suponha ser o propositor, como o artista, o escritor ou o arquiteto. A arquitetura pode ser encarada como uma obra aberta à reavaliação contínua, na medida em que o usuário a completa quando altera o significado, o uso ou o espaço, sendo responsável pela continuidade do ato criador. Similarmente ao processo de continuidade do ato criador, Eco (1991, p. 89) sus26
tenta o conceito de “abertura” para explicar tal condição: ““Abertura” é a condição de toda fruição estética, e toda forma fruível como dotada de valor estético é “aberta” [...] mesmo quando o artista visa a uma comunicação unívoca e não ambígua”. Isto é, por mais que o artista proponha uma única interpretação da sua obra, a obra sempre está em constantes reavaliações do receptor. Surge tal questionamento: qual seria a especificidade dos processos denominados participativos já que toda obra dotada de valor estético já estaria na condição de partilhada? Eco (1991) reconhece duas formas de abertura da obra: uma abertura seria inerente a sua definição, e a outra seria como intenção da obra, sendo esta denominada de “Obra Aberta”. A abertura como inerente a definição da obra diz respeito à condição de estar sempre em reavaliações do receptor. Já a “Obra aberta” se configura como proposta que tem como ponto de partida as possibilidades interpretativas e preza mais o processo e as relações fruitivas que esta origina do que a produção de um objeto autônomo. Dessa forma, apesar de a abertura não ser um ideia nova, a especificidade dos processos participativos reside no postulado básico de operar tendo a abertura como ponto de partida, que se dá como fato consumado. Assim, nega-se a noção de um discurso acabado, da obra como fato consumado, em favor de uma transitividade inacabada, em que o diálogo é a própria origem do processo de constituição da obra. Faz notar que essa abertura como intenção do proponente pressupõe a participação do usuário, já que a obra não é mais um objeto autônomo, mas o encontro intersubjetivo, e portanto, o usuário se torna agente indispensável para a realização da proposta. Assim, a participação é aqui entendida como a intencionalidade do arquiteto de partilhar com o usuário o processo da produção arquitetônica. Pode-se dizer que a prática participativa na arquitetura como uma intencionalidade do propositor não 27
se apoia na reinterpretação de algum movimento estético do passado, não é revival de nenhum movimento. Dessa maneira, o foco do projeto se desloca do objeto em si – o que uma forma pode significar – para o sujeito – a quem pode significar a forma, e assim, não se trata de uma produção pautada em um discurso formal em torno do objeto, e sim relacional. É a interação entre espaço construído e usuário que faz um ao outro, assim, o espaço construído não é um objeto autônomo, é dependente dos valores atribuídos pelo usuário (HERTZBERGER, 1999). Pode-se dizer que a participação do usuário não é um meio para o fim, mas é o fim em si mesmo. Esse foco deslocado do objeto para o sujeito, faz repensar a produção teórica de arquitetura, porque não se trata mais do julgamento estético da forma, e sim de avaliar uma produção processual e a qualidade das relações propostas. Não é suficiente dizer que uma obra é democrática só porque tem como ponto de partida a partilha do processo com o usuário, na medida em que cada proposta define antecipadamente qual o grau dessa participação. Solicitar a inclusão dos usuários no proposta eleva o status de partilha das atividades, porém não significa necessariamente um ato democrático (BISHOP, 2012). Como entender essa produção que se desenvolve em função de uma dimensão relacional? A tarefa de clarificar quais princípios teóricos através dos quais se possa lidar com a produção da arquitetura baseada em processos participativos é o próximo passo. Afim de clarificar o entendimento do que se propõe, o material é dividido em três capítulos. O primeiro capítulo possui a tarefa de compreender quais princípios teóricos dos quais se possa lidar com a produção da arquitetura baseada em processos participativos. O cruzamento entre a concepção de emancipação de Jacques Rancière, a ética do bem-dizer de Jacques Lacan e os degraus de participação estabelecidos por 28
Sherry Arnstein são convocados para a elaboração teórica condutora da análise dos processos participativos. A emancipação do espectador defendida por Rancière baseia-se na pedagogia emancipadora proposta por Joseph Jacotot no início do século XIX, na qual um “mestre ignorante” pode ensinar ao outro aquilo que ele mesmo não sabe. A emancipação consiste nas associações que um sujeito faz a sua própria maneira, isto é, observar, selecionar, comparar e interpretar o que tem diante de si. A ética do bem-dizer de Lacan é a ética da psicanálise, que contesta a crença de haver um bem superior definido a priori como age a ética tradicional e a ética da psicoterapia. Na condição de não haver essa crença em um bem universal para todos, a tarefa do psicanalista não é responder as demandas do analisando, já que não acredita-se que o psicanalista saiba o que é melhor para o outro. Dessa forma, a tarefa do psicanalista é baseada na falta, isto é, ao invés de comparecer com o seu “poder”, o psicanalista abre espaço para permitir que o analisando se aproprie do saber inconsciente que se insinua nos sintomas, e nos deslizes de sua fala, nos atos falhos, nos sonhos, isto é, nas manifestações inconscientes. Assim, a psicanálise pretende tornar o sujeito mais autônomo e menos alienado em relação as manifestações do inconsciente. Sherry Arnstein identifica os níveis de participação cidadã como uma escada, na qual cada degrau corresponde ao poder dos cidadãos em determinar o produto final. É uma versão simplificada, mas que ajuda a ilustrar o fato de que há níveis de participação e que eles variam de acordo com a influencia dos cidadãos nas propostas. Onde esses pensamentos se tocam? O “mestre ignorante” ou o psicanalista abdicam do poder que lhe é conferido em favor de uma lógica de operação em conjunto com o “ignorante emancipado” ou com o analisando afim de enunciar o “aparecer” do sujeito. Da mesma forma, Arnstein identifica os degraus de participação através 29
de uma relação direta no grau de “ausência” do propositor. Assim, o cruzamento de tais conceitos contribuem para a constituição do aporte teórico e análise do objeto de estudo. No segundo capítulo, o trabalho avança na análise específica das experiências do projeto de intervenção “O lixo não existe” do coletivo Basurama, nos anos de 20122014 em São Paulo, a partir da entrevista concedida por Miguel Rodríguez (Mister), membro representante do coletivo no Brasil. Em última instância, o terceiro capítulo ensaia uma heterotopia emancipadora, isto é, uma prática arquitetônica que promova a emancipação do sujeito, cujo papel do usuário é divergente ao papel desempenhado nas práticas participativas arquitetônicas vigente. É divergente na medida em que nos processos participativas vigentes a intenção do arquiteto é um fator fundamental, e no processo emancipador, é a intenção do usuário o fator fundamental.
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01 A EMANCIPAÇÃO COMO O APARECER DO SUJEITO NO COMUM
[...] o sistema de evidencias sensíveis que revela, ao mesmo tempo, a e existência de um comum e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas. Uma partilha do sensível fixa portanto, ao mesmo tempo, um comum partilhado e partes exclusivas. Essa repartição das partes e dos lugares se funda numa partilha de espaços, tempos e tipos de atividades que determina propriamente a maneira como um comum se presta à participação e como uns e outros tomam parte nessa partilha (RANCIÈRE, 2009, p. 15).
A “Partilha do sensível” é o termo que Rancière escolhe para pensar a contemporaneidade, na qual a experiência estética de cada pessoa encontra-se atrelada ao poder que possui de acordo com sua localização social e política, já que “ter esta ou aquela “ocupação” define competências ou incompetências para o comum” (RANCIÈRE, 2009, p. 16). Na base da política, existe portanto uma “estética”. Essa “estética” não tem a ver com a “estetização da política” de que fala Benjamin sobre “a captura perversa da política por uma vontade de arte” (IDEM, IBIDEM). A estética, a que fala Rancière, é a revelação de mundo dissensuais dentre mundo consensuais, isto é, um desafio as ordens discursivas dominantes em um comum. O “dissenso” é um conflito em torno da partilha do sensível, que: [...] delimita o horizonte do dizível e determina as relações entre ver, ouvir, fazer e pensar. O dissenso (ou desentendimento) é menos um atrito entre diferentes argumentos ou gêneros de discurso e mais um conflito entre uma dada distribuição do sensível e o que permanece fora dela, confrontando o quadro de percepção estabelecido (MARQUES, 2011, p. 26).
Assim, as cenas de dissenso permitem que fenômenos sejam partilhados por sujeitos que de início não possuiriam esse poder. Com base no pensamento de Rancière: “A formação de um mundo comum deve promover menos formas de “ser em comum” (que tendem a apagar ou a incorporar as diferenças, suprimindo singularidades) e mais formas de “aparecer em comum” (MARQUES, 2011, p. 26).
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“Aparecer no comum” diz respeito ao surgimento dos traços de visibilidade dos sujeitos no espaço comum, e acontece nas cenas de dissenso que promovem a emancipação e criação de comunidades de partilha, e apontam para uma descontinuidade do sensível. O dissenso resiste à tipificação da ordem estabelecida, apresenta uma diferença no sensível, e por isso consegue afirmar seu caráter na emancipação (MARQUES, 2011). A “emancipação”, que permite o “aparecer no comum” do sujeito, é escolhida neste trabalho como o principal condutor teórico, para que se possa verificar se os processos participativos promovem, de fato, uma produção do espaço menos determinista em relação ao uso, e se desalienaria o sujeito devolvendo-lhe sua subjetividade singular e emancipação, além de estimular o sentimento de pertencimento. Definições a priori contrariam o pressuposto de que há um potencial de autonomia de decisão dos usuários. As necessidades criadas pela sociedade não são absolutas, podem ser reinventadas, mas se há uma predeterminação das decisões do usuário, diminui as possibilidades de promover a autonomia destes. Então, como poderiam os processos participativos, promover a emancipação dos sujeitos considerando que já partiriam de uma ideia a priori que é a ideia de intervir? Para verificar tal questão, propõe-se um cruzamento do conceito de emancipação de Jacques Rancière, com a ética do bem-dizer de Jacques Lacan e com os degraus de participação da qual fala Sherry Arnstein. Associa-se o mestre ignorante ao psicanalista (praticante da ética do bem-dizer) e o sujeito emancipado à condição de analisando.
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1.1 O ESPECTADOR EMANCIPADO Afim de pensar qual critério usar para a crítica sobre as relações estabelecidas com o usuário, propõe-se uma aproximação da reflexão que Rancière (2012) faz sobre a noção de espectador emancipado. Essa reflexão acontece em torno das implicações políticas do espetáculo teatral. Considera como espetáculo as formas que ponham corpos em ação diante de um público, como a dança, a performance, a mímica, a ação dramática, entre outras (RANCIÈRE, 2012, p. 8). Muitos foram os julgamentos contra a condição do espectador, sobretudo por conta de duas razões. Primeiramente, porque o espectador ocupa uma condição de aparência, isto é, se mantem ignorante ao processo de produção dessa aparência, visto que olhar é o contrário de conhecer. Em segundo lugar, porque ser espectador é o contrário de agir, dado que o mesmo fica passivo e imóvel no mesmo lugar e longe da cena em que ocorre a ação. Dessa forma, segundo tais julgamentos, o espectador vive uma cena de ilusão e passividade, já que está isento da capacidade de conhecer e do poder de agir (IDEM, IBIDEM). A partir desse julgamento surgem duas proposições. A primeira considera o espetáculo como algo negativo já que impede o conhecimento e a ação, assim não toleraria qualquer forma de mediação teatral. A segunda sugere uma reforma do teatro, submetendo a relação passiva do espectador a uma nova relação, a qual consistiria em extinguir a noção de espectadores como voyeurs passivos para que se tornem participantes ativos (IDEM, p. 8-9). A reforma do teatro conheceu duas fórmulas. A primeira, parte da intenção de fazer um espetáculo estranho e inabitual, como um enigma cujo sentido o espectador precisa buscar. Assim, o espectador é obrigado a inverter a condição de passividade pela condição de experimentador. Ou então será proposto que o espectador se 36
empenhe nas decisões da ação. A segunda fórmula se apresenta de modo oposto à primeira, por considera-la como uma reforma ilusória, de modo a retirar a posição de observador do espectador, sugerindo que participe da ação teatral (IDEM, p. 10). A primeira dessas possibilidades relaciona-se com o teatro de Brecht, a favor de uma distância entre o espectador e o espetáculo devido à exigência por um olhar reflexivo. Assim, acredita na capacidade da mediação teatral de tornar os espectadores conscientes da situação social e com desejo de agir para transformá-la. Em contraposição, as iniciativas de Artaud se aproximam da segunda possibilidade de reforma, pois procuram anular a distância em favor da participação literal, na qual os espectadores são colocados no círculo da ação (IDEM, IBIDEM). A reforma do teatro também recaiu na crítica ao espetáculo. Segundo Guy Debord (1997, p. 9), a essência do espetáculo1 é a exterioridade advinda da contemplação da aparência separada de sua verdade: O espetáculo é ao mesmo tempo parte da sociedade, a própria sociedade e seu instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, o espetáculo concentra todo o olhar e toda a consciência. Por ser algo separado, ele é foco do olhar iludido e da falsa consciência; a unificação que realiza não é outra coisa senão a linguagem oficial da separação generalizada.
Segundo Rancière (2012), a emancipação não trata de transformar os ignoran1 Deve-se ter em mente que a noção de espetáculo proposta por Guy Debord não é exatamente a mesma enunciada por Rancière. Para Rancière o espetáculo se trata das formas que ponham corpos em ação diante de um público, como a dança, a performance, a mímica, a ação dramática, entre outras. Para Debord, o espetáculo ilustra o modo como a sociedade vive mediada por imagens. No entanto, ambas noções refletem sobre a relação do espetáculo e a condição de passividade e alienação.
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tes em intelectuais (como pensava Brecht) e os espectadores em atores (como pensava Artaud). Primeiro porque existe um saber no espectador, e segundo porque há um valor na atividade própria do espectador. Dessa forma, a emancipação será tratada em três tópicos: olhar versus agir; olhar versus aprender e individualidade versus comunidade. A) OLHAR VERSUS AGIR Indicar que o olhar quer dizer passividade pressupõe que quem olha ignora a realidade por trás da imagem. A oposição entre fazer e ver classifica de forma desigual a capacidade e a incapacidade vinculadas a cada posição, que desqualificando, assim, o espectador em favor de quem põe o corpo em ação. Essa classificação se inverte quando pensamos nos trabalhadores manuais e nos intelectuais, sendo que aqueles que se encarregam da função manual eram os incapacitados e os que contemplam ideias possuem o status de capacitados. Na Grécia Antiga, o sentido literal do conceito teórico era indicado àqueles que assistiam aos Jogos Olímpicos. O mero ato de olhar adquiriu significado de concepção mental, já que a contemplação requer um recorte individualizado em detrimento do contexto. Assim, o ato de olhar não estava assimilado com a passividade, era uma demonstração da noção abstrata de espaço visual (GROSSMANN, 1996). A inversão de posição hierárquica entre a contemplação e a ação deu-se no século XVII com o advento da tecnologia moderna e um mundo condicionado à técnica e a um sentido de vida pragmático, o que implicou na desconfiança da contemplação em favor do fazer. O homem passou a confiar no conhecimento adquirido pelo engenho das suas próprias mãos, e então o conhecimento só poderia ser alcançado pela ação/demonstração e não mais pela contemplação. O olho do observador não era suficiente para revelar a verdade por detrás das aparências, só podia ser verificado mediante o fazer (ARENDT, 2007, p. 302-303). 38
Mesmo que haja uma inversão da posição entre o fazer e o contemplar, ainda permanece uma estrutura binária entre os que os que são capacitados e os que não o são. A partir disso surge o questionamento se o distanciamento entre o espectador/ dramaturgo, entre o mestre/ignorante e entre o arquiteto/usuário não seria criada justamente pela vontade de eliminá-la? A declaração a respeito da passividade no espectador só existe porque previamente estabeleceu-se que há uma oposição entre ativo e passivo. Segundo Platão, embora o pensar não tenha uma manifestação externa e exija a suspensão de quase todas as outras atividades, é nela que a verdade se revela ao homem (ARENDT, 2007, p. 304). A emancipação começa quando se reconhece que o observar também é um estado ativo: O espectador também age, tal como o aluno ou o intelectual. Ele observa, seleciona, compara, interpreta. Relaciona o que vê com muitas outras coisas que viu em outras cenas, em outros tipos de lugares. Compõe seu próprio poema com os elementos do poema que tem diante de si. Participa da performance refazendo-a à sua maneira, furtando-se, por exemplo, à energia vital que esta supostamente deve transmitir para transformá-la em pura imagem e associar essa pura imagem a uma história que leu ou sonhou, viveu ou inventou. Assim, são ao mesmo tempo espectadores distantes e intérpretes ativos do espetáculo que lhes é proposto (RANCIÈRE, 2012, p. 17).
Lacan (2008, p. 366) aponta um estado ativo no observar quando alega que as descobertas de Galileu, contrariamente ao que a maioria acredita, estava mais ligada a experiência mental do que de laboratório.
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Então, se o ato de olhar também é um estado ativo, dilui-se a distinção entre quem só olha e quem só faz, ambos estão na mesma posição. Dessa forma, a capacidade de agir não é o que determina a emancipação, só começa quando se compreende que olhar também é uma ação. B) OLHAR VERSUS APRENDER Na lógica da pedagogia o ignorante não é apenas aquele que ignora o que o mestre sabe, mas é aquele que não sabe o que ignora e nem sabe como poderia vir saber. O mestre, por sua vez, não é apenas aquele que sabe o que o ignorante não sabe, mas também é aquele que sabe o que, como e quando tornar objeto de saber (RANCIÈRE, 2012, p. 14). Segundo essa lógica, haveria uma desigualdade das inteligências, na medida em que mesmo que o ignorante se esforce em saber mais sobre o que ainda ignora, isso não eliminaria o “saber da ignorância”, isto é, o conhecimento da distância que separa a posição do ignorante daquela em que está o mestre. “A ignorância não é um saber menor, é o oposto do saber; porque o saber não é um conjunto de conhecimentos, é uma posição” (IDEM, IBIDEM). Joseph Jacotot, pedagogo francês do início do século XIX, denominou essa interminável afirmação da posição de incapacidade do aluno de “embrutecimento”, estado em que a progressão do aluno vai até o limite das capacidades predeterminadas para ele. A lógica do pedagogo embrutecedor segue a lógica de causa e efeito, segundo a qual há um saber em uma pessoa que deve ser passado para outra. “O que o aluno deve aprender é aquilo que o mestre o faz aprender. O que o espectador deve ver é aquilo que o diretor o faz ver” (IDEM, p. 18). Em oposição ao embrutecimento, a emancipação intelectual tem como pressuposto a igualdade das inteligências, isto é, não há uma distância entre o mestre e o ig40
norante, visto que há igual valor da inteligência em todas as suas manifestações. Essa lógica propõe a dissociação da lógica de causa e efeito, para a qual o aluno aprende do mestre algo que o mestre não sabe (IDEM, p. 15, 18). A inteligência está em traduzir signos e compará-los com outros com a finalidade de comunicar-se. E a aprendizagem está no trabalho poético de tradução. Esta inteligência é a mesma com a qual aprendemos nossa língua materna, antes de qualquer mestre explicador. Propõe a noção de um mestre ignorante, que ignora o pressuposto de que distância entre um mestre e um ignorante só poderia ser preenchida com um especialista (IDEM, p. 15). Dessa forma, o mestre ignorante não é aquele que não saiba nada, mas é aquele que abdicou o “saber da ignorância” para fazer com que o aluno use da sua própria inteligência. “Ele não ensina seu saber aos alunos, mas ordena-lhes que se aventurem na floresta das coisas e dos signos, que digam o que viram e o que pensam do que viram, que o comprovem e o façam comprovar” (IDEM, p. 15-16). O ignorante pode aprender sem o mestre embrutecedor e com o mestre ignorante. E o que aprende não é o saber desse mestre. As condições para configurar tal situação estão relacionadas à própria vontade de aprender ou às contingências de uma certa situação. O ignorante aprenderá sozinho se ele mesmo e o mestre tiverem consciência de sua emancipação (RANCIÈRE, 2002). Assim, não há hierarquia de capacidade intelectual. O que há é a desigualdade nas manifestações da inteligência, é o modo como a performance intelectual é exercida, e varia de acordo com a energia e a atenção postas para descobrir e estabelecer relações novas. A inteligência se desenvolve de acordo com a necessidade, assim, se não há necessidade a inteligência cessa, a menos que receba esta um outro estímulo para continuar. O reconhecimento dessa igualdade de inteligência é o que se chama emancipação (RANCIÈRE, 2002, p. 38, 60). 41
Na lógica emancipadora, entre o mestre ignorante e o aprendiz emancipado há um terceiro elemento o qual nenhum deles é proprietário. Não se trata da transmissão do saber seguindo a lógica de causa e efeito, pois esse terceiro elemento manifesta uma inteligência que era ignorada antes. Essa ideia de emancipação por meio de uma mediação de um terceiro elemento é oposta à emancipação necessária a responder-se às críticas de Guy Debord ao espetáculo, bem como as de Ludwig Feuerbach à religião e a de Karl Marx à alienação. A ideia de um terceiro elemento seria associada à falta de autonomia que deveria ser superada (IDEM, p. 19). Apesar da defesa de um ensino baseado na emancipação intelectual, Rancière (2002), afirma que ele não vingará, ou seja, não será estabelecido na sociedade, já que a manutenção da sociedade se sustenta em princípios desiguais. As sociedades de homens reunidos em nações, desde os Lapões até os Patagônios, precisam, para sua estabilidade, de uma forma, de uma ordem qualquer. Aqueles que são encarregados da manutenção dessa ordem necessária devem explicar e fazer explicar que ela é possível, e impedir qualquer explicação contrária. Esse é o objetivo das constituições e das leis. Portanto, repousando sobre uma explicação, toda ordem social sempre exclui qualquer outra explicação e, sobretudo, rejeita o método da emancipação intelectual (RANCIÈRE, 2002, p. 111).
C) INDIVIDUALIDADE VERSUS COMUNIDADE A lógica emancipadora propõe, também, a superação da ideia de que os espectadores do teatro se agregam como uma comunidade ao invés de entenderem-se 42
como indivíduos sentados diante de um palco. Acredita que diante do teatro, assim como diante de um museu, uma rua, ou uma escola, sempre há espectadores prontos para traçar seu próprio caminho e se ligar a outros indivíduos (IDEM, p. 19-20). Fazer associações à sua própria maneira é o que define um espectador emancipado. É a condição normal de cada espectador, na qual o espectador já é ator da sua história (IDEM, p. 20). Apesar do Rancière adotar o termo “individualidade” para referir-se ao espectador emancipado em contraposição a ideia de comunidade, adota-se aqui o termo “singularidade” segundo a definição de Rolnik e Guattari (1996), já que o indivíduo estaria associado ao modo de controle de subjetivação capitalista: [...] cultura de massa produz, exatamente, indivíduos; indivíduos normalizados, articulados uns aos outros segundo sistemas hierárquicos, sistemas de valores, sistemas de submissão – não sistemas de submissão visíveis e explícitos, como na etologia animal, ou como nas sociedades arcaicas ou pré-capitalistas, mas sistemas de submissão muito mais dissimulados (GUATTARI, ROLNIK, 1996, p. 16).
Rolnik e Guattari (1996) opõem a produção de subjetividade capitalista por meio de processos de singularização que construam subjetividades singulares: [...] uma maneira de recusar todos esses modos de encodificação preestabelecidos, todos esses modos de manipulação e de telecomando, recusá-los para construir, de certa forma, modos de sensibilidade, modos de relação com o outro, modos de produção, modos de criatividade que produzam uma subjetividade singular (GUATTARI, ROLNIK, 1996, p. 17).
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1.2 A ÉTICA DO BEM-DIZER A ética do bem-dizer de Lacan é a ética da psicanálise, que contesta a crença de haver um bem superior definido a priori como age a ética tradicional e a ética da psicoterapia. Na condição de não haver essa crença em um bem superior, a tarefa do psicanalista não é responder as demandas do analisando, já que não acredita-se que o psicanalista saiba o que é melhor para o outro. Dessa forma, a tarefa do psicanalista é baseada na falta, isto é, ao invés de comparecer com o seu “poder”, o psicanalista abre espaço para permitir que o analisando se aproprie do saber inconsciente que se insinua nos sintomas, e nos deslizes de sua fala, nos atos falhos, nos sonhos, isto é, nas manifestações inconscientes. Assim, a psicanálise pretende tornar o sujeito mais autônomo e menos alienado em relação as manifestações do inconsciente. Nessa ética psicanalítica, o analista abdica do poder que lhe é conferido em favor de uma lógica de operação na qual é atribuída ao sujeito a tarefa psíquica de investigação. Assim, a tarefa do analista não é responder à demanda do analisando, já que o saber inconsciente esta do lado analisando. Tal ética contrapõe-se à ética da psicoterapia que tende a operar por resposta às demandas e interpretações explicativas, já que para a psicanálise, responder à demanda é considerada uma postura antiética. Da mesma forma como a ética da psicoterapia opera, a ética tradicional trata dos serviços dos bens, de um bem que se acredita ser superior/universal. Lacan propõe uma política baseada na falta em que “[...] onde o analista poderia comparecer com seu poder, ele tem que faltar, o que não quer dizer paradoxalmente que não seja ele que conduz o tratamento, mas que sua arma não é o poder e sim o manejo da transferência e a interpretação” (SANTORO, 2006). A ética da psicanálise tem a dúvida como um papel fundamental, é de caráter investigativa ao invés de interpretativa (KEHL). 44
O silêncio do analista faz parte da ética do bem-dizer, na qual o objetivo é permitir que o analisando se aproprie do saber inconsciente que se insinua nos sintomas, e nos deslizes de sua fala, nos atos falhos, nos sonhos, isto é, nas manifestações inconscientes. Assim, a psicanálise pretende tornar o sujeito menos alienado em relação às manifestações de seu inconsciente. Para a teoria lacaniana, a alienação é a condição fundadora do sujeito: “parte de nós sempre nos ultrapassa, pois a linguagem “nos fala” antes, muito antes, que falemos dela. O que uma análise pode fazer não é eliminar a divisão do sujeito, mas propiciar que ele deixe de responder cegamente ao desejo inconsciente” (KEHL, p. 49). A dimensão ética é evocada por destacar que não há garantia que a psicanálise possa provocar um tratamento psicanalítico de sucesso. Devido a essa limitação, propor um bem a priori além de não ser garantia de um resultado positivo, pode até conduzir ao pior. Assim, a dimensão ética psicanalítica diz que o caminho que o analista deve seguir não é um caminho único, mas algo que se constrói em cada caso (BISPO; COUTO, 2011). A questão ética parte da pergunta que Lacan nos coloca: “Agiste conforme o desejo que te habita?” (LACAN, 2008, p. 367). O que a psicanálise propõe para os males da atualidade é que nos façamos responsáveis pelos nossos desejos.
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1.3 OS DEGRAUS DE PARTICIPAÇÃO Segundo Sherry Arnstein (1969)2 é possível identificar os níveis de participação em uma escada, na qual cada degrau corresponde ao poder dos cidadãos em determinar o produto final. É uma versão bem simplificada, mas que ajuda a ilustrar o fato de que há níveis de participação. Se a participação não resulta num equilíbrio de poder não existe uma participação genuína. Assim, nem toda prática participativa resulta numa redistribuição de poder, as vezes a participação é considerada mas só os titulares de poder se beneficiam disso, como informa essa ilustração de um estudante francês (Tradução nossa: Eu participo, Tu participas, ele participa, nós participamos, vós participaste, eles se beneficiam). Os primeiros degraus são (1) Manipulation e (2) Therapy incluídos no nível da “não-participação”, na qual o real motivo não é tornar possível a participação de pessoas no planejamento ou na condução de programas, e sim tornar possível que os titulares da ordem “eduquem” ou “curem” os participantes. O terceiro (3) Informing, o quarto (4) Consultation, e o quinto (5) Placation, correspondem aos níveis de participação em que são permitidos aos participantes escutar e terem voz, mas o poder de decisão ainda é dos titulares de poder. Os três últimos degraus, (6) Partnership, (7), Delegated power e (8) Citizen Control, constituem as categorias nas quais as decisões são negociadas com os titulares de poder, cujos participantes podem obter a maioria e o total controle das decisões. 2 O trabalho de Arnstein foi resultado do envolvimento como diretora de pesquisa do instituo The Commons, sobre desenvolvimento comunitário, e como chefe consultora de participação dos cidades no departamento de desenvolvimento urbano nos Estados Unidos.
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Como toda versão simplificada, esse esquema em degraus não engloba todas as possibilidades de níveis das práticas participativas. Além disso, apresenta uma visão dualista entre o grupo dos titulares de poderes e os desprovidos de poder. Nenhum desses dois grupos são homogêneos, cada um engloba pessoas com pontos de vistas diferentes.
1 Manipulation
Trata-se de uma forma de participação ilusória, distorcendo a participação como veículo de manutenção do poder. Em nome da participação, pessoas são postas em comitês consultivos, como em programas federais de renovação urbana, que não tem um poder legítimo. Nas reuniões desses comitês, são os oficiais quem persuadem e aconselham os cidadãos, não o contrário.
2 Therapy
Assumindo que a falta de poder é sinônimo de um problema “mental”, se mascara a participação por meio de terapias em grupo.
3 Informing
Informar cidadãos sobre seus direitos, responsabilidades pode ser o primeiro passo mais importante para legitimar a participação. Porém, algumas vezes esse processo é colocado sob condições (como o fornecimento de informações superficiais, de questões desencorajantes e de respostas irrelevantes) que não abre espaço para uma negociação. Dessa forma, não há oportunidade para que os participantes influenciem em programas de planejamentos.
4 Consultation
Convidar participantes para opinar pode ser o primeiro passo para a participação, mas se o ato de consultar não for combinado com outros modos de participação, a prática participativa ainda é restrita, visto que não garante que questões de inte49
resse dos participantes serão levados em conta. Os mais frequentes métodos usados para consultar são pesquisas, reuniões com a vizinhança e audiências públicas.
5 Placation
Nesse degrau, a influencia dos participantes ainda é aparente. Acontece quando a minoria dos membros de um comitê representa os participantes, dessa forma perdem facilmente em número de votos. Assim, há uma participação durante o processo mas que não necessariamente venha a beneficiar os participantes.
6 Partnership
Nesse degrau o poder é de fato distribuído através da negociação entre cidadãos e os detentores de poder. Eles concordam em dividir decisões e responsabilidades por meio de políticas de conselho articulado, comitês de planejamento e mecanismos de resolução de impasses. Pode acontecer de forma mais efetiva quando existe uma organização da comunidade considerável, quando essa organização tem recursos financeiros para pagar aos líderes pelo esforço e tempo consumido, e quando há recursos para contratar técnicos, advogados... Com esses ingredientes, os participantes podem garantir influencia sobre o planejamento, até enquanto ambas partes acharem útil manter essa parceria.
7 Delegated power
Negociação entre cidadãos e oficiais públicos podem resultar na conquista de tomada de decisões em um programa de planejamento pelos cidadãos. Alguns programas urbanos (como o Programa Model Cities em Cambridge, Massachusetts, Ohio, California, New Haven) delegaram o poder de decisão aos cidadãos por meio da garantia da maioria dos lugares a eles em comitês, assegurando a maioria dos votos por exemplo. Em New Haven os residentes criaram uma associação a qual foi
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delegada o poder de preparar todo o planejamento da cidade pelo programa Model Cities. Parte do dinheiro recebido pelo programa foi destinado a associação para que contratassem membros para o planejamento.
8 Citizen Control
Acontece quando não há intermediários entre a associação de moradores e a fonte de recursos, esse é um dos modelos mais procurados e alguns exemplos mostram que é possível. Em Cleveland, uma associação com membros da vizinhança conseguiu recurso de 1.8 milhões de dólares para o plano de desenvolvimento econômico do gueto.
1.4 ONDE ESSES PENSAMENTOS SE TOCAM A emancipação do sujeito só acontece no momento em produzem uma sabedoria individual, isto é, quando assumem o papel de intérpretes ativos, quando elaboram sua própria tradução e relacionam a algo novo a ser conhecido. Nota-se que no momento em que se poderia esperar o comandante ou o mestre, encontra-se a política baseada na falta, no “não-saber” do analista/mestre ignorante. A prática do mestre ignorante e do psicanalista de uma ética do bem-dizer não pretende dar preceitos ou prescrever soluções. É essa lógica de abertura que serve para que o analisando e o sujeito emancipado façam associações à sua própria maneira, e é exatamente aí que encontra-se a possibilidade de emancipação e a singularidade do sujeito. O mestre ignorante e o psicanalista da ética do bem-dizer não são aqueles que não saibam nada, mas sim aqueles que abdicam do “saber da ignorância” e fazem com que o analisando/sujeito use da sua própria inteligência. 51
Como define Sherry Arnstein seria possível identificar os níveis de participação em uma escada, cujo cada degrau corresponde ao poder dos cidadãos em determinar o produto final. Percebe-se que nas ocasiões que o proponente/intermediador se ausenta é quando o participador mais exerce sua autonomia. Assim, o grau de participação tem uma relação direta com o não-controle do propositor, em que o maior nível de participação se encontra quando não há um propositor para intermediar. Essas reflexões apontam para a falta dos mestres/analistas em prol da enunciação do sujeito. A ética do bem-dizer e a emancipação são possíveis quando há escolha do sujeito. Ambos não querem forjar um saber ou uma prática que acreditam ser boa e válida para todo mundo. Isso não quer dizer que a noção de bem esteja excluída, mas que está ligada ao caráter de singularidade do sujeito.
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02 “O LIXO NÃO EXISTE”: APRESENTAÇÃO E ANÁLISE
O coletivo Basurama, composto por arquitetos, artistas e designers, se formou em 2001 na Escola de Arquitetura de Madrid, quando compunham oficinas de transformação criativa de resíduos descartados. O nome surgiu da junção das palavras basura (lixo em espanhol) e amor. Desde então, o coletivo passou a ser convidado para promover oficinas em outros países de intervenções efêmeras em espaços públicos degradados, trabalhado assim em mais de 50 cidades do mundo. Em abril de 2007, vieram para São Paulo a convite de uma dos integrantes do escritório paulista de arquitetura Darquia, depois de conhece-los em Madri, com o objetivo de promover uma intervenção urbana a partir do uso de resíduos descartados como matéria-prima em espaço urbano degradado. Desde então, o coletivo Basurama atua em projetos de intervenção urbana no Brasil, tendo o Mister (Miguel Rodríguez) como o representante do coletivo aqui. “O lixo não existe” foi o projeto escolhido a ser analisado neste trabalho. É um projeto de produção de brinquedos e equipamentos urbanos a partir dos recursos materiais descartados encontrados nas proximidades dos locais de intervenção, da troca de conhecimento e da participação dos usuário. De acordo com o depoimento do Miguel Rodríguez (2014): Eu já defini um pouco o que é a equação do projeto “O lixo não existe”: matéria-prima abundante, porque em todos os lugares as intervenções foram feitas com os materiais locais sobretudo de borracharias, troca de conhecimento coletivo e de livre acesso sobre como fazer equipamentos urbanos, e a participação como recurso humano principal.
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As oficinas são realizadas pelo Basurama junto com os participantes afim de organizar uma logística para conseguir encontrar materiais descartados nas proximidades do local de intervenção, instalar um atelier temporal, ensinar/aprender a utilizar ferramentas e produzir brinquedos e equipamentos. As oficinas ensinam primeiro como fazer equipamentos mais simples, como um banco de pneus, e depois equipamentos mais complexos, como elefante de pneus e as pneucicletas (motocicletas de brinquedo). A troca de conhecimento possui suporte nos “Manuais de Instruções”, que funcionam como uma livraria de tecnologias. São uma plataforma online de livre acesso disponibilizado no site oficial do coletivo Basurama. Incluem instruções técnicas de como se produzir brinquedos e equipamentos urbanos, abertos a colaborações, por isso considerada uma tecnologia de construção coletiva. Além das instruções técnicas, os “Manuais de Instruções” incluem um Livro de Receitas, como um guia sobre ocupações criativas do espaço público. Esse guia pretende aumentar o repertório sobre as possibilidades de uso do espaço público por meio da “fertilização do imaginário”, fazendo uso de uma documentação de como era o espaço público e de ideias de como ele poderia ser. Entre os trabalhos usados para apresentar aos participantes as possibilidades de transformação no espaço público está o “Guia fantástico de São Paulo” da Ángela León (2015), um livro com ilustrações do que já foram os espaços públicos da cidade de São Paulo ou o que poderiam ser. As ilustrações sugerem o Minhocão e o Tietê como um parque percorrido por uma extensa piscina, ou estacionamentos com as empenas como suporte para um cinema ao ar livre. Dos projetos que já foram executados, o Basurama apresenta o “Parque de Diversões Minhocão” (abril, 2013) e o “Cidade para Brincar” (maio, 2013): transformações de megaestruturas (Minhocão e Viaduto do Chá) por meio de intervenções urbanas, como a instalação de balanços. De acordo com o coletivo: 56
Cinema em parede cega e orquestra ao vivo (LÉON, 2015).
Sem imaginário não há espaço público. Há metros quadrados descobertos e espaço vago entre edifícios. O imaginário urbano é esse infinito mundo de possibilidades de interação com espaço e com as pessoas que faz da vida cidadã uma experiência cultural rica e gostosa. O imaginário do passado pode ser tão interessante como o melhor imaginário de ficção. Com frequência, a evolução da qualidade de vida na cidade não é positiva e um maior desenvolvimento não traz um melhor espaço público. Por isso é importante cuidar de nosso imaginário e tentar renová-lo com boas ideias surgidas de qualquer lugar do mundo (BASURAMA, 2014).
As tecnologias e o guia de ocupações criativas do espaço público são ensinadas nas oficinas realizadas durante as intervenções. Nas oficinas já tem uma dinâmica que começamos pelos bancos e é uma boa forma de aproximar dos moradores e de ensinar as pessoas, e é bom porque as pessoas desde o começo já veem o resultado. Isso é super importante no processo de aprendizagem. Eu tenho experimentado muito isso com arquitetos, arquitetos não estão acostumados em ver o resultado de um processo de pensamento e criação longo, e então se podem ver o resultado num processo curto tem um efeito super positivo (RODRÍGUEZ, 2014).
Os membros do Basurama acreditam que a disponibilização dos manuais na internet também se configura como uma forma de interação dos cidadãos com o espaço público:
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O coração da cidade encontra-se no espaço público. A cidade nasce da articulação e da interação dos cidadãos e no espaço público é onde principalmente acontece essa atividade fundamental. A internet tem colocado mais uma camada nessa estrutura do comum. Agora toda essa interação pode também acontecer no espaço virtual. Por isso, espaço público não só é espaço tangível, a praça, o parque, a rua e a avenida. Espaço público é tudo aquilo que construímos coletivamente na cidade e que dá significado a nossa vida como cidadãos (BASURAMA, 2014). O espaço público é por definição propriedade e responsabilidade do cidadão. Faz parte desse patrimônio comum, como a água, o ar ou o sol. Em maior ou menor grau, os cidadãos devem criar, cuidar, manter e melhorar seus espaços públicos para garantir a qualidade de vida na cidade. Tem lugares onde o poder público não chega, mas em qualquer lugar existe algum tipo de recurso: pode chegar o conhecimento e se organizar uma comunidade para administrar esses recursos. (RODRÍGUEZ, 2014).
De acordo com a participação dos usuários, Rodríguez (2014) se pronuncia: Eu acho que um dos principais problemas é que o pessoal não atende aos seus espaços públicos, e a forma de mudar isso não é transformar os espaços, e nem chegar com coisas prontas, acho que isso não muda as pessoas, e a participação das pessoas na transformação, é o verdadeiro motor de transformação do espaço público. E o espaço público para o Basurama é uma questão fundamental, acho que a gente enxerga espaço público não como espaço, não como
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metros quadrados, e sim como um campo de interação da sociedade. Se a praça não está atendida, a comunidade não esta articulada. Por exemplo, a gente tem visto muito isso com crianças, no Jardim Miriam quando participamos do projeto no “Parque para brincar e pensar” e depois no “O Lixo não existe”, é incrível como que na participação de um projeto muda o espaço onde elas estão como também muda a forma de enxergar o espaço e de se responsabilizar do espaço e dos equipamentos.
“O lixo não existe” em Jardim Miriam
Em abril de 2012, foi a primeira vez que o projeto “O lixo não existe” foi realizado. Junto do projeto “Parque para brincar e pensar” do Coletivo Contrafilé em Jardim Miriam, acompanharam durante 6 meses e participaram com a construção de brinquedos e equipamentos com pneus. A intervenção em Jardim Miriam junto com mais quatro experiências do projeto “O lixo não existe” passaram a integrar uma série especial de notícias sobre resíduos, a “São Paulo mais limpa”, que foram realizados e exibidos no programa de noticiários televisiva ao longo de cinco semanas, que contava, portanto, com pouco tempo para a execução. A partir da participação dessa série de notícias, os projetos de intervenção usando resíduos locais ganharam o título de “O lixo não existe”, que segundo Rodríguez (2014) era um nome que traduzia a mensagem principal do projeto. As ações aconteciam em espaços abandonados na periferia em que houvesse uma articulação mínima necessária com os parceiros institucionais não-governamentais dispostos a ajudar e juntar pessoas para colaborar. O convite para intervir era feito com a proposta “Troca-se lixo por parque”, e depois de aceito, os parceiros institucionais convidavam pessoas de suas redes de contatos para participar. Não pediam autorização para a prefeitura, mas em alguns casos a prefeitura se colocou prestativa, 60
muito por conta dos projetos estarem sendo exibidos numa emissora televisiva famosa. A escolha de qual equipamento a ser construído é sobretudo por conta de alguma estrutura que já se encontre no local. Além do Jardim Miriam, os outros projetos aconteceram nas seguintes áreas consecutivamente: Heliópolis, Jardim Keralux, União de Vila Nova e na Usina de Criação de Brinquedos.
“O lixo não existe” em Heliópolis
Em Heliópolis a intervenção contou com a parceria da UNAS (União dos Movimentos de Moradia). Foram feitos pneucicletas e balanços com pallets que tiveram um uso muito intenso.
“O lixo não existe” em Jardim Keralux
A intervenção em Jardim Keralux, um bairro ao lado da USP Leste, foi feita em uma praça que encontrava-se abandonada. Através de um projeto de extensão realizado por alunos da USP nessa região, Basurama foi apresentado a associação cultural local que viabilizou a intervenção. De acordo com Rodríguez (2014): É interessante porque na maioria das vezes não são as associações de moradores que facilitam esse tipo de projetos, mas sim as associações culturais, talvez porque tenham uma visão mais aberta dessa questão da arte e da intervenção com resíduos.
Um manual de instruções de como se fazer uma pneucicleta foi colocado na praça durante o processo: 61
Eu gostava da ideia de ter um equipamento lá na praça e ter acesso as instruções, ao conhecimento. Então na teoria se você ver esse equipamento e ver a forma de se fazer, você poderia fazer (RODRÍGUEZ, 2014).
“O lixo não existe” em União de Vila Nova
Em União de Vila Nova a intervenção deu-se em uma praça de aproximadamente 50m x 50m, com o apoio de várias ONGs, e de uma igreja católica que cedeu espaço da igreja que ainda não estava terminada. A prefeitura também ajudou disponibilizando uma escavadeira e com a contratação de serviço para limpeza da praça.
“O lixo não existe” na Usina de Criação de Brinquedos
O projeto na Usina de Criação de Brinquedos teve como parceria a Associação Portal de Santana e a Escola Municipal Derville Allegretti, local onde foi realizado a oficina e a construção dos equipamentos junto dos estudantes da escola. O diretor da escola, Francisco Cargueijo, envolveu a Coordenação Pedagógica e contatou os professores, e estes fizeram o convite aos alunos para participar do projeto. Segundo Rodríguez (2014): Eu achava interessante passar essas tecnologias para os alunos e eles ensinarem para outras pessoas. Lá na escola junto com os alunos montamos uma usina, levávamos material e inúmeros pneus e montamos meio que uma cadeia de produção para parafusar e pintar os pneus.
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Durante quatro dias, construíram pneucicletas, sendo que algumas permaneceram na escola e outras foram levadas para uma praça abandonada em um Conjunto Habitacional Cingapura da Avenida Zaki Narchi, em Santana, na Zona Norte de São Paulo. Difundiu-se a tecnologia afim de demonstrar de que os usuários não precisam depender exclusivamente das autoridades públicas para a solução de problemas.
“O lixo não existe” em Taioca
Após as cinco edições dos projetos que participaram da série “São Paulo mais limpa”, o projeto “O lixo não existe” continuou em uma praça de Taioca, a convite da ONG Células de Transformação. Moradores locais se inscreveram nas oficinas, e ao final receberiam um diploma. A primeira atividade realizada na oficina, a “Escola de Criação de Praças”, apresentou aos moradores projetos de transformação de espaços públicos, com a intenção de criar um repertório para depois coletar, através de desenhos, o imaginário desses participantes sobre o que gostariam que tivesse na praça. De acordo com Rodríguez (2014): Eu percebi que o imaginário sobre espaço público é bastante limitado no Brasil, isso não sei o porque é, mas quando você pergunta a uma pessoa o que ela gostaria de fazer na praça se ela pudesse fazer qualquer coisa, as pessoas te respondem só gangorra, ou piquenique... Eu sinto que há uma falta de um imaginário saudável, porque esse campo de possibilidades seria o que você poderia fazer ou imagina. Se eu pudesse eu gostaria de tomar banho na praça, gostaria de um parque de diversões, mas o fato das pessoas não terem esse imaginário muito ativo é como uma falta de repertório.
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A fruição das experiências do projeto “O lixo não existe” depende de três pré-requisitos: materiais descartados, troca de conhecimento coletivo e participação do usuário. A participação do usuário é proposital e indispensável para que o projeto aconteça, sendo um dos pontos de partida, assim, a obra só existe com o usuário. Nota-se que sem a adesão dos participantes não seria possível que o projeto se concretizasse, uma vez que o projeto não consiste só na intervenção em espaço público para os participantes, mas em uma intervenção com os participantes. A compreensão do processo participativo no “O lixo não existe” será precedida pela divisão das atividades empregadas em cinco partes sob uma lógica sequencial. A primeira a quarto momento se refere a participação durante a intervenção, e o quinto momento ao pós-intervenção. Em um primeiro momento, o Basurama propõe à participação aos moradores e instituições não-governamentais locais. Assim, são convidados a participar, podendo optar por dizer sim ou não. Nota-se que a participação encontra-se no ato de escolher entre dois caminhos prováveis: participar ou não do projeto. Em um segundo momento, a atividade decorre da participação nas oficinas realizadas para ensinar técnicas construtivas de mobiliário urbano com materiais descartados e de despertar a imaginação para as possibilidades de intervenção no espaço público. A participação nesse momento encontra na ação de aprender. Em um terceiro momento, os participantes produzem desenhos para expressar sobre a qual destino de uso no espaço público eles gostariam. Dentro da proposta de desenhar, a participação nesse momento leva a caminhos um pouco mais improváveis, na medida em que não se sabe o que cada um vai propor de uso no espaço público. No quarto momento, a partir do aprendizado adquirido nas oficinas, o coletivo Basurama e os participantes constroem e instalam os mobiliários nos espaços públi64
cos selecionados. A participação encontra-se na ação conduzida pelo saber adquirido nas oficinas. O quinto momento, refere-se ao efeito maior esperado pelos proponentes do projeto, que é a relação de pertencimento e uso do espaço público. Na maioria das propostas de arquitetura que partilham o processo com o usuário, há uma promessa de promover a autonomia do sujeito, contra uma passividade e alienação, além da defesa do resgate da subjetividade e do estabelecimento de uma prática democrática. No caso específico da proposta aqui em análise, a participação do usuário se apoia na tentativa de transformação da relação dos usuários com o espaço público, afim de provocar um maior uso desse espaço e despertar um sentimento de pertencimento. O processo funciona como um antídoto ao estado de indiferença e individualismo nos espaços públicos contemporâneos, além de revisar o lugar do lixo e a relação da vizinhança com esses resíduos. Os espaços submetidos a intervenção revelam uma forma de convívio coletivo, isto é, uma amabilidade urbana. Segundo Fontes (2013), amabilidade é “[...] uma qualidade de amável, o ato ou estado de comportamento que pressupõe a generosidade, o afeto ou a cortesia com o outro, evocando, portanto, a “proximidade entre indivíduos”. Em outras palavras, quando o espaço deixa de ser um “objeto” e passa a ser um espaço habitado, é o encontro do espaço físico com o espaço social em um determinado tempo. Para que a amabilidade se manifeste são necessários atributos comunicativos e atraentes do lugar, é portanto uma qualidade física e social, resultado de um espaço potencialmente atraente e com contexto social possíveis através de uma intervenção temporária. Apesar de amabilidade urbana ter-se manifestado durante a realização da proposta, esse efeito não se prolonga no pós-intervenção. Havia uma demanda por parte do coletivo Basurama de que os participantes tornassem-se responsáveis e usassem 65
o espaço público a partir da renovação de espaços pouco valorizados ou esquecidos e da transformação da relação entre o público e o espaço público. Porém, o efeito esperado não foi tão acolhido pelos moradores no pós-intervenção. De acordo com Rodríguez (2014): Entrevistadora: Após a implementação dos projetos, os locais de intervenção foram visitados? Rodríguez: Sim, no projeto União de Vila Nova, a Rede Globo me contatou: “Ei Mister, os moradores aqui estão cobrando a instalação de umas traves porque você falou que ia instalar uma traves”. Eu nunca falei que ia instalar uma traves na praça, umas traves para a quadra de futebol, no momento, na maior das correrias, talvez falei para eles que podíamos tentar construir umas traves se a gente encontrar o material necessário, mas essa coisa de o morador cobrar na televisão, e a televisão passar o isso tempo depois, então eu fui pra lá e conversei com os moradores e eles conseguiram trazer umas traves. Eu vi como estavam os equipamentos um tempo depois da intervenção em União de Vila Nova e a situação deles não era muito boa, foi um projeto na maior das correrias, e os equipamentos estavam lá, estavam um pouco deteriorados, muitos tinham perdido o guindaste porque talvez não estivesse muito bem apertado, a cara do projeto não era boa, a tinta tinha sumido. É uma critica que acho que deve se fazer sobre esse tipo de projeto, são projetos bem precários, e se não tem manutenção é difícil ter uma boa cara tempo depois. Os balanços de brinquedo em Heliópolis feito com pallets tinham uso super intenso, eu voltei lá e as cordas tinham sumido, isso é sempre o primeiro que acontece com o balanço em espaço publico no Brasil, a corda ou a corrente some, pelo uso ou porque vanda-
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lizaram. Então quando sumiram as cordas, eu acho que o pessoal já começou a jogar lixo lá e acho que os próprios moradores queimaram, eu só vi quando sumiram as cordas, eu acho que consertei mas se os moradores não consertam aqueles equipamentos vão se deteriorando. Os elefantes em Jardim Keralux já estão um pouco acabados, um pouco mole, eu acho que três ou quatro semanas depois esses elefantes já estavam encostados no chão, também por problema tecnológico porque acho que os pneus que usamos aqui não eram pneus adequados para fazer isso.
Como interpretar o fenômeno do sentimento de pertencimento nos projetos “O lixo não existe”? Apesar da adesão dos usuários como participantes das oficinas e da execução dos mobiliários, o mesmo engajamento não é notado no processo de manutenção desses espaços construídos. O recorte acima, extraído da entrevista feita ao membro do Basurama, evidencia que os participantes não sentiam que eram responsáveis pela gestão dos espaços modificados e que os mobiliários construídos encontravam-se em condições deterioradas após sua construção em função das técnicas precárias de construção. Mesmo que as técnicas tenham sido precárias, nota-se uma ausência de engajamento dos usuários para reparar os danos causados pelo uso dos mobiliários. A intervenção quer mostrar um novo entendimento do uso do espaço público para os usuários, mas não teria sido suficiente para que continuassem como responsáveis por ele. É questionável se o não-envolvimento dos usuários na manutenção se configuraria como uma fragilidade do sentimento de pertencimento se partimos do pressuposto que esse fenômeno conduziria ao cuidado com o espaço, como salientou Hofmann (2014). 67
Hertzberger (1999) aponta como possíveis causas da fragilidade do sentimento de pertencimento quando não há participação dos usuários no processo e quando as responsabilidades de produção e manutenção do espaço são entregues a uma entidade burocrática, gerando um sentimento de alienação em relação aos espaços construídos. No projeto o “O lixo não existe”, a participação do usuário é uma peça fundamental para sua realização, mas mesmo assim esta não teria sido suficiente para despertar a responsabilidade do usuário com o espaço construído. O que teria acontecido para a intervenção não se sustentar ao longo do tempo pelos moradores? A falta de um reforço pela repetição periódica da intervenção? Segundo Fontes (2013, p. 386) a maior parte dos legados oriundos das intervenções são provenientes da repetição da intervenção ao longo dos anos, que pouco a pouco transforma permanentemente o lugar. As intervenções temporárias sem repetição poderiam contribuir para a criação de uma nova imagem do espaço público, na descoberta de um novo uso ou uma futura valorização econômica, porém, as transformações físicas seriam mais escassas. Essa hipótese não pode ser verificada uma vez que as experiências de intervenção “O lixo não existe” só foram testadas uma vez em cada lugar. Apesar de não ter tido uma continuação por parte dos participantes, a primeira intervenção do coletivo no Brasil, o Brás-Madrid, conquistou uma adesão do poder público a partir transformação de caráter formal:
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Então ano depois, ou dois anos depois, a prefeitura acabou fazendo uma reforma da praça. Era uma praça meio esquecida, e acho que o fato de a gente estar por aí acabou dando em uma intervenção mais formal. E um pouco do que eu acho que acontece nesses projetos do “O Lixo não existe”, que a gente está fazendo coisas menores ou maiores em tamanho, mas acho que o processo de empoderamento é a verdadeiro investimento do Basurama e dos parceiros na transformação desses lugares (RODRÍGUEZ, 2014).
Dessa forma, a contribuição da intervenção temporária se expressa na visibilidade e reconquista dos espaços públicos submetidos à intervenção. Mesmo assim, essa transformação de caráter formal, ainda não representa uma adesão e um sentimento de pertencimento por parte daqueles que estiveram envolvidos no processo, visto que essa foi uma medida de atuação do poder público. A partir disso, é levantada outra hipótese para justificar a fragilidade no sentimento de pertencimento esperado pelos proponentes. Estaria a fragilidade no sentimento de pertencimento relacionada ao fato de que o modo como os proponentes “habitam” o espaço público não seria diferente do modo como os participantes o “habitam”? Heidegger pensa o “habitar” como um conceito que transcende à concepção de moradia, compreendendo-o como o modo fundamental do homem de ser-no-mundo, representado pelo seu comportamento. O caráter ontológico de “habitar” se manifestaria no sentimento de “pertencimento”. Essa pertença se daria pelo modo do homem de estar no mundo entre as coisas, no ato de dar-lhes significados a partir de uma ordinária familiaridade (HEIDEGGER, 2002). Seria essa intenção de promover um sentimento de pertencimento mais uma vontade de quem propôs do que uma demanda dos moradores envolvidos? Como poderiam os participantes se sentirem responsáveis por aqueles espaços diante disso? Estariam os arquitetos impondo um poder e um saber? Para qual caminho teria conduzido a experiência dos participantes na intervenção “O lixo não existe”? A proposta inverte a lógica embrutecedora em favor da emancipação? Ou a proposta investe a lógica da ética tradicional em favor da ética do bem-dizer? Como já foi visto, de acordo com Rancière (2012), a emancipação não trata de converter a condição passiva em atividade, já que o ato de olhar também é um estado ativo, e não há distinção entre quem só olha e quem só faz, ambos estão na mesma posição. Dessa forma, não é a capacidade de agir dos participantes que determina a sua emancipação. 69
Dentre os cinco momentos citados, o primeiro e o terceiro são os que lidam com propostas de intervenção “abertas”, em que não há uma predeterminação completa da condução do participante, e sim uma potência de participação. No primeiro momento, tal abertura encontra-se no ato dos participantes escolherem se desejam participar ou não. O primeiro momento trata de começar a intervenção através do convite de participação. Os participantes são necessários para a realização da intervenção e participam como recurso dos arquitetos. Para tanto, conquistam a confiança dos participantes dando-lhes opções determinadas por um conjunto de ideias externas. Há uma inevitabilidade da intervenção em apresentar um olhar externo e, por conseguinte, em trazer parâmetros externos para o objeto no qual interfere, pois as ditas “comunidades” possuem sua definição normalmente originada de sujeitos externos e pertencentes à classe intelectualmente hegemônica. Como atesta Arendt (2007): Começar (archein) e agir (prattein) podem, assim, transformar-se em duas atividades inteiramente diferentes, e o iniciador passa a ser um governante (um archon, da dupla acepção da palavra) que não precisa em absoluto agir (prattein), mas governa (archein) aqueles que são capazes de executar (ARENDT, 2007).
Quando o proponente adota a prática participativa, a relação de dominação não seria dissolvida por completo já que se trata de uma ideia que parte do arquiteto. A própria etimologia da palavra arquiteto se relaciona com o archein, que significa ao mesmo tempo começar e governar (ARENDT, 2007). Mesmo que a proposta seja em certo grau aberta à participação, quem começa é quem governa. Segundo Platão, governar é um instrumento para ordenar e julgar os negócios humanos sob todos os aspectos. 70
Entrevistadora: Como se deu a escolha dos locais de intervenção? Rodríguez: Foi uma articulação muito na amizade, eu chamei para todos os meus contatos, para pessoas que puderem ajudar, porque eu tinha uma semana de tempo para fazer uma produção de cinco intervenções em cinco espaços da cidade. E alias, a SPTV queria fazer as intervenções em lugares espalhados pela Grande São Paulo, imagina, eu não tinha contato nenhum fora do contato do Jardim Miriam, então esses anjos que me contataram com as associações locais. A articulação principal era com a ONG, que tinha uma rede de contatos (RODRÍGUEZ, 2014).
Ainda que esse projeto tenha sido em consentimento com os usuários envolvidos, a iniciativa e a proposta de intervenção é do Basurama, portanto externa aos usuários, e parte de uma predeterminação maior que é a de intervir. Apesar dos espaços públicos degradados escolhidos se constituírem como uma demanda, não é certo que os participantes sintam o mesmo e o habitem do mesmo modo como lhes propõe, ou que considerem essa como uma demanda principal. Predeterminar uma intervenção sem consultar os usuários demonstra a permanência de uma atitude baseada em projetar segundo o que os proponentes pensam que os usuários querem; essa é a mesma lógica da ética tradicional, que se opõe à ética do bem-dizer lacaniana. No terceiro momento, a intervenção demanda a produção de um desenho que expresse qual o uso que os participantes gostariam que se fosse destinado ao espaço público. O grau de indefinição de uma proposta abre alternativas para que os participantes definam a finalidade. Portanto, nesse momento o grau de indefinição é maior do que no primeiro momento, pois trata de possibilidades diversas, já que não prevê o que cada participante vai propor quanto ao uso do espaço público expresso no desenho. 71
Ainda que os participantes trouxessem novas ideias de intervenção no espaço público, encontrariam uma limitação de execução técnica, visto que as tecnologias de mobiliários com materiais descartados empregada pelo Basurama, não permitem que se construa todo tipo de coisa, e são determinadas majoritariamente pelos materiais e técnicas disponíveis. Se há alguma produção de subjetividade no terceiro momento pela possibilidade de criação do participante, pode-se dizer que ela é desperdiçada. Os outros momentos (segundo, quarto e quinto) tratam de ações predeterminadas pelos proponentes, em que já se define a priori o que os participantes devem aprender nas oficinas (segundo momento), o que devem construir de mobiliário urbano (quarto momento) e como devem se relacionar com o espaço público (quinto momento). Na entrevista sobre a decisão de quais mobiliários serão construídos, Rodríguez (2014) afirma: Eu vejo umas possibilidades por conta de alguma estrutura que já tem pronta no local e eu faço o design, e a gente chega lá com os materiais, e tem uma galera que vai participar dessa atividade, e as vezes rola uma grana para materiais, as vezes rola um cachê, as vezes não, mas quase sempre rola um dinheiro para materiais, que principalmente são parafusos, e materiais necessários para fixar materiais uns com os outros.
Há um pressuposto de um continuum sensível entre a proposta do Basurama e a percepção que os participantes poderiam ter. Tais ações são conduzidas a partir do saber transmitido, na qual espera-se que a compreensão dos participantes decorra daquilo que foi lhes foi proposto, o que pressupõe a lógica de causa e efeito do embrutecimento. Na lógica do espectador emancipado não há ponto de partida privilegiado, e sim pontos de partida. Nesse caso, cabe questionar: houve troca de papel 72
e poderes entre participantes e proponentes? Durante a intervenção do Basurama, nota-se o estabelecimento de papéis definidos, entre os que instruem e os que são instruídos, na qual os proponentes agem como titulares de um certo poder devido à sua posição de profissionais especializados. O efeito maior esperado pelos proponentes desse tipo de intervenção é a relação de pertencimento e o uso do espaço público pelos participantes, de modo a manter a noção de integridade da proposta. Pode-se questionar se tal prática não levaria a uma limitação da potência de uso do espaço que poderia ser provocado por uma indefinição, por uma condução inesperada da intervenção e pelo poder decisório dos participantes. Assim, a proposta “O lixo não existe” é definida e formulada de uma maneira externa aos participantes envolvidos, e permanece praticamente inalterada durante todo o processo, desde a sua concepção até sua realização nos locais onde são inseridas. Apesar de haver um intercâmbio de técnicas construtivas entre os proponentes e os participantes, nota-se que o grau de “contaminação”1 é muito maior em relação aos participantes do que aos proponentes. A subjetividade dos participantes se perde no caráter universal da proposta. Questiona-se, portanto, aqui se tais propostas explicam o saber dos proponentes ou enunciam o saber dos participantes? Tornam os participantes conscientes de seu poder intelectual? Preocupam-se mais em torna-los sábios ou homens emancipados? Seria a intenção inicial formar os participantes em uma especialidade social ou formar homens emancipados? Há um caminho para o saber dos participantes, mas ele não é o da emancipação. 1 Estudos antropológicos apontam que o próprio ato de observar por si só já influencia o cotidiano de uma comunidade: “[...] pois quando o pesquisador se revela para qualquer sujeito como um novo elemento do seu cotidiano, preocupado em investigá-lo, é inevitável a ocorrência de algum tipo de alteração” (FANTINEL; SILVA, 2014).
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Foucault (1979) reconhece que os intelectuais que falavam a verdade em nome daqueles que não podiam dize-la por julgarem que esses não teriam a consciência das coisas, foram rechaçados, já que: [...] as massas não precisam deles para saber; que as massas sabem claramente, precisamente, muito melhor que os intelectuais. E que sabem afirmar extremamente bem o que sabem. Mas há um sistema de poder que proíbe, que impõe obstáculos, que invalida esse saber e esse discurso. [...] Os próprios intelectuais são parte desse sistema de poder. A ideia de que os intelectuais seriam os agentes “da consciência” e do discurso está incluída nesse sistema de poder.
Quando uma ideia de reforma/reinvindicação é exterior a parte interessada, isto é, é proclamada de uma forma representativa, segundo Deleuze (1979), não é nada mais do que a remodelagem do poder: Por isso a noção de reforma tem, de estúpida, o que tem de hipócrita. Ou a reforma é feita por gente que se apresenta como representativa, gente que faz profissão do tomar a palavra de outros, do falar em nome de outros; nesse caso, a reforma não passa de remodelagem do poder, distribuição do poder, que sempre se faz acompanhar de repressão violenta; ou é reforma reclamada, exigida, por gente interessada em ser reformada e, nesse caso, a reforma deixa de ser reforma, é ação revolucionária que, do fundo de seu caráter parcial, está determinada a alterar a totalidade do poder e da hierarquia do poder.
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Em sua totalidade, a intervenção demonstra a crença em uma desigualdade intelectual e atribui ao ensino a tarefa de reduzir essa distância entre os que instruem e os que são instruídos. Assim, a desigualdade é o ponto de partida, e a igualdade é colocada como objetivo. Segundo Jacotot, essa conduta é a eternização da desigualdade, visto que reproduz a própria existência, na qual o que embrutece não é a falta de instrução, mas a crença na inferioridade de sua inteligência (RANCIÈRE, 2002). É o coletivo que tem a necessidade de intervir/instruir ou são os participantes que necessitam ser ajudados? Instruir alguém de algo parte do pressuposto que esse alguém não teria condições de fazer por si só. Os participantes são instruídos à maneira dos proponentes. Na lógica emancipadora, não se instrui o outro, mas a si próprio. Se na proposta existe espectador emancipado, este não está no efeito esperado pelos proponentes do projeto, já que tal efeito não pode ser antecipado. Nota-se que na ocasião em que se poderia esperar o comandante ou o mestre, encontra-se a política baseada na falta, no “não-saber” do analista/mestre ignorante. A prática do mestre ignorante e do psicanalista de uma ética do bem-dizer não pretende dar preceitos ou prescrever soluções. É essa lógica de abertura que serve para que o analisando e o sujeito emancipado façam associações à sua própria maneira, e é exatamente aí que encontra-se a possibilidade de emancipação e a singularidade do sujeito. O mestre ignorante e o psicanalista da ética do bem-dizer não são aqueles que não saibam nada, mas sim aqueles que abdicam do “saber da ignorância” e fazem com que o analisando/sujeito use da sua própria inteligência. “Ele não ensina seu saber aos alunos, mas ordena-lhes que se aventurem na floresta das coisas e dos signos, que digam o que viram e o que pensam do que viram, que o comprovem e o façam comprovar” (RANCIÈRE, 2012, p. 15-16). 75
A emancipação dos participantes só aconteceria no momento em eles mesmos produziriam uma sabedoria individual, isto é, quando estes assumem o papel de intérpretes ativos, quando elaboram sua própria tradução e relacionam a algo novo a ser conhecido, e quando os proponentes ensinem algo que eles mesmos ignoram. Como define Sherry Arnstein seria possível identificar os níveis de participação em uma escada, cujo cada degrau corresponde ao poder dos cidadãos em determinar o produto final. Percebe-se que na ocasião que o proponente/intermediador se ausenta é quando o participador mais exerce sua autonomia. Assim, o grau de participação tem uma relação direta com o não-controle do propositor, na qual o maior nível de participação se encontra quando não há um propositor para intermediar, já que a demanda de intervir/agir parte do próprio sujeito. Não cabe aqui determinar em qual grau de participação se situam os envolvidos na intervenção analisada, mas sim questionar o modo de atuação de arquitetos que propõem práticas participativas. O projeto do Basurama não ressalta características do campo e sim modifica aquilo que já havia, para então inserir um modelo externo ao meio. Além disso, nota-se que os participantes não decidem as técnicas construtivas e nem mesmo a proposta. Questiona-se se os proponentes não se colocam muito mais como sujeitos potencialmente conhecedores e proprietários de um saber maior, como age a ética tradicional, ao invés de adotarem uma prática guiada pela ética do bem-dizer ou pela lógica do mestre ignorante, que promovem uma igualdade entre sujeitos. A princípio, a proposta de intervenção do Basurama não tem como intenção emancipar o sujeito que dela participa ou imprimir a singularidade deste no projeto. Porém, a caminhada aqui por essa reflexão em torno da emancipação deu-se em razão da hipótese que a não emancipação apontasse para a fragilidade no sentimento de pertencimento procurado pelos proponentes. Se o participante não produziu algo 76
ao seu próprio modo, não há emancipação, então, não haveria como despertar um sentimento de pertencimento já que trata de um modo de habitar externo ao modo de habitar dos participantes. O sentimento de pertencimento seria despertado quando o sujeito fizesse algo ao seu próprio modo de habitar, e não ao modo de alguém que pensa que sabe o é melhor para esse sujeito. A influencia do Basurama sobre quem participa pode ser “boa” ou “ruim”. Porém, não cabe a essa pesquisa ressaltar se “verdade” proposta pela intervenção é melhor ou pior que a “verdade” dos participantes envolvidos. Segundo Kapp (2005) não existem funções que possam ser tomadas como naturais e diretamente relacionadas ao corpo, já que são de caráter social, e portanto, criadas e cultivadas. Mesmo que se fale de uma necessidade natural e universal, quando se analisa essa problemática historicamente e geograficamente nota se que se confirma uma organização social. Natureza e cultura estão interligadas de forma que quando se trata da satisfação de uma necessidade da construção como abrigo, não é possível entende-las separadamente. A fabricação de necessidades está atrelada as mesmas ideias que regem o mercado de consumo, na qual o que a “indústria arquitetônica” produz é em função do valor de troca e não pelo valor de uso. Assim, a indústria arquitetônica promove: [...] a substituição cada vez mais rápida dos objetos de uso, em geral sob o pretexto do progresso técnico; a criação contínua de necessidades e desejos com satisfação reduzida a pequenas amostras; pouca inovação real e pouca variedade real, apesar da aparência contrária; pouco espaço para a criatividade, a ação autônoma ou a reflexão crítica do consumidor; e transposição, para o mundo do ócio, de habilidades, comportamentos e modelos exigidos pelo mundo do trabalho (KAPP, 2005).
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03 PERSPECTIVAS POSSÍVEIS:
H E T E R O T O P I A E M A N C I PA D O R A
Como pensar a emancipação do usuário na arquitetura? Propõe-se aqui pensar na possibilidade da emancipação do usuário através de uma arquitetura emancipadora, baseada na lógica da emancipação intelectual, que de acordo com Rancière (2002; 2012), é possível quando um sujeito aprende por conta própria, ou quando aprende com o “mestre ignorante”.
Um ensaio de uma heterotopia emancipadora
Primeiramente, na arquitetura emancipadora, o usuário só se emanciparia quando a iniciativa de intervir partisse dele próprio, já que ninguém emancipa o outro, mas a si próprio. Segundo Foucault (1994) não existe nada na estrutura das coisas que garantam o exercício da liberdade, ou seja, a intenção libertadora não é garantia dessa liberdade. Então, por mais que um arquiteto pretenda emancipar o sujeito, isso não seria um fator determinante. A emancipação não é algo a ser assegurado pelo arquiteto ou por alguém, já que a liberdade é aquilo que deve ser praticado: Não acho que seja possível dizer que algo seja da ordem da “liberação” ou da ordem da “opressão”. [...] não importa quão aterrador possa ser um dado sistema, sempre há a possibilidade de resistência, desobediência e insurreição. A liberdade é uma prática. Assim, de fato, sempre haverá um certo número de projetos cujo objetivo é modificar situações opressivas, atenuá-las, ou mesmo mudá-las. Entretanto, nenhum destes projetos pode, por sua própria natureza, garantir que a liberdade será conquistada automaticamente ou que a liberdade será conquistada por um projeto em si. A liberdade dos homens não é jamais assegurada pelas instituições ou leis que pretendem garanti-la. É por esta razão que quase todas as leis e instituições podem ser subvertidas. Não porque sejam ambíguas,
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mas simplesmente porque liberdade é aquilo que deve ser praticado (FOUCAULT, 1994, p. 139).
Entende-se essa iniciativa autônoma do usuário como uma ação sem intermediação do governo ou de profissionais especializados, como arquitetos e engenheiros. Inclui desde invenções cotidianas, como apropriações espontâneas da cidade, até a autoconstrução de habitações e sistemas de autogestão. Lefebvre (1991a) e Certeau (1998) apontam a possibildidade criativa na vida cotidiana que se projeta como: [...] um campo e uma renovação simultânea, uma etapa e um trampolim, um momento composto de momentos (necessidades, trabalho, diversão; produtos e obras; passividade e criatividade; meios e finalidade), interação dialética da qual seria impossível não partir para realizar o possível (LEFEBVRE, 1991a, p. 19).
A apropriação é entendida não pelo simples reuso de um espaço, mas pelo uso criativo desse espaço, isto é, pela tensão entre o espaço e a sua desconstrução. O sentido espontâneo é adquirido quando a apropriação é voluntária, ou seja, de iniciativa do usuário. Um exemplo são os skatistas que se apropriam de elementos/ lugares potenciais para a prática do esporte subvertendo as regras preestabelecidas (FONTES, 2013). Outra forma de iniciativa autônoma é o que acontece na produção cultural “Faça-você-mesmo” (em inglês: do-it-yourself – DIY), um termo comum no Punk para denominar às formas alternativas de produção cultural, como a organização de shows, selos, gravadoras independentes (MESQUITA, 2008).
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A iniciativa pode estar muitas vezes ligada a uma necessidade, como as construções de moradias ilegais, que são realizadas quando a população não tem acesso a habitação regular, restando alternativas em seus próprios recursos, produzindo como podem em locais desprezados pelo mercado imobiliário privado, como os loteamentos ilegais, favelas e ocupação de terras e imóveis (MARICATO, 2011). Como assinalou Santos (1988): Pouca gente para e pensa no enorme dispêndio de energia social necessária para a maioria da população realizar tamanho salto histórico. No que foi preciso fazer para sair da vida rural, sem perspectivas, e entrar em cidades onde se tentava viver segundo os moldes da mais moderna cultura capitalista. Deixados à revelia, os pobres se viram mesmo muito ocupados com os problemas prementes que diziam respeito à sua sobrevivência e, por extensão, ao processo de urbanização. Tiveram de enfrentar como puderam a necessidade de inventar empregos, lugares de moradia, transporte, saneamento, opções de lazer. Não se saíram tão mal: mantiveram vivas áreas centrais, desprezadas por ocupantes anteriores; construíram, de qualquer maneira, favelas em sítios impossíveis e proibidos; foram para periferias, para cidades novas e frentes pioneiras.
Kapp (2005) atribui a maioria das modificações no espaço sem mediação de terceiros aos usuários inseridos na produção informal, visto que os usuários inseridos na produção formal são os que aceitam com mais facilidade usos predefinidos por serem usos confortáveis. Em contrapartida, usuários inseridos na produção informal do espaço, como catadores de papel, se comportam de modo mais ativo em relação ao espaço.
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Enquanto não são violentamente impedidos de fazê-lo, testam o espaço da cidade, definem seu próprio entorno e seus próprios movimentos e modificam as coisas segundo suas necessidades. É como se o baixo valor de troca dos objetos com que lidam os tivesse tornado especialistas no uso desses objetos e nas suas múltiplas possibilidades (KAPP, 2005).
As iniciativas autônomas podem caminhar para ama autogestão, como um movimento de massa que se auto organiza, em uma direção da “demissão” do Estado como provedor de serviços públicos, e de toda a burocracia cartorial, como o CAU/ BR (Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil), o CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia), e outras unidades de interesses corporativos e lucrativos. Assim a produção autônoma se apresenta como uma alternativa que vai além das possibilidades do Estado e do mercado. Em segundo lugar, propõe-se a alteração do termo “arquiteto” para “téknon ignorante”, já que na etimologia da palavra “arquiteto”, o archein é aquele que inicia, e na arquitetura emancipadora a iniciativa de intervir não seria do arquiteto, mas do usuário interessado em intervir. Ainda sobre a etimologia do termo do “arquiteto”, segundo Derrida (2001) o “archein” é “de onde a ordem é dada”; de acordo com Michelangelo Buonarroti “a arquitetura não é senão a ordem”; com as palavras de Aristóteles “todos que comandam tem função idêntica aquela do arquiteto” (Aristóteles, apud, Bicca, 1984, p. 72), ou ainda a partir da visão de Viollet-le-Duc “o canteiro é um pequeno governo” (Viollet-le-Duc, apud, Bicca, 1984, p 122). Arkhê, lembra Derrida, designa tanto o começo quanto o comando, o que significa que tal palavra reúne e coordena ao mesmo tempo
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os dois princípios relativos a esta dupla designação; quanto ao começo: o princípio físico, histórico ou ontológico, princípio que diz respeito ao lugar onde as coisas começam - seja a partir de causas físicas, naturais, de fatores históricos ou de determinações ontológicas; e, quanto ao comando: o princípio nomológico, princípio da lei que diz respeito ao lugar onde os homens e os deuses comandam; portanto, onde se exerce a autoridade, a ordem social, enfim, o lugar a partir do qual a ordem é dada, estabelecida, instituída (DUQUE-ESTRADA, 2010).
Da mesma forma, Bicca (1984) aponta para a contradição do papel do arquiteto: E o fato de o arquiteto ser o suporte de uma trabalho intelectual dividido do trabalho manual faz da sua existência algo de profundamente social e inevitavelmente comprometido com as contradições daí resultantes. Ele participa, inexoravelmente – de modo mais ou menos consciente, pouco importa -, da reprodução de uma sociedade estribada na propriedade e posse privadas dos bens materiais e dos homens. São esses o estigma e a contradição que carregam consigo todos os arquitetos, posto que, e malgrado certas diferenças ideológicas, o trabalho de todos depende da “livre disposição da força de trabalho alheio”, isto é, depende da exploração e da dominação da construção civil. [...] Não existe, na história dos homens, exemplos nos quais as obras de magnificência tenham existido como resultado do trabalho coletivo para a realização do qual todos tivessem participação de forma igualitária. O nascimento da “arquitetura com o arquiteto” não se explica de outra maneira. [...] Se para Corbusier a arquitetura é uma colocação em ordem, é verdade que, no nosso caso, esta se faz segundo o comando daqueles que dão as ordens. Aqui a expressão ordenar deve ser vista no seu
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duplo sentido, enquanto ordenar (organizar) o espaço e enquanto ordenar (dar ordens) àqueles que constroem esse mesmo espaço.
Mesmo que uma proposta de intervenção de iniciativa do arquiteto fosse em certo grau aberta à participação do usuário, quem começa é quem governa. Já que na lógica da arquitetura emancipadora o arquiteto nunca é quem inicia, por que não pensar na retirada do “archein” e alternar o termo “arquiteto” para “téknon ignorante” cuja lógica de operação seria semelhante a de um “mestre ignorante”? Téknon é aquele que possui a techné, e techné, segundo Aristóteles é a habilidade de fazer com que algo aconteça, ou, segundo o filósoso islâmico Ibn Khaldūn é a habilidade de produzir artífices (SENNETT, 2012). Dessa forma, a figura do “téknon ignorante” só existiria quando seu serviço fosse solicitado pelo usuário, e nunca o contrário. Isto não significa a total supressão do arquiteto, apenas em parte. O paradoxo está em acreditar que algum arquiteto permitiria tal condição. Em terceiro lugar, além da iniciativa de intervir partir sempre do usuário, a proposta deveria ser desenvolvida pelo próprio usuário, ou em conjunto com o “tékton ignorante”1. A lógica empregada por um “mestre ignorante” opera de modo como Jacotot e Rancière falam, ao afirmarem que um ignorante pode ensinar a outro ignorante aquilo que ele mesmo não sabe. Em quarto lugar, sugere-se a alteração do próprio termo usuário para habitante para tratar do usuário envolvido na arquitetura emancipadora, visto que aquele termo possui uma conotação na qual sugere que o usuário é, primeiramente, pré-deter1 Pressupõe-se que o usuário tenha a noção de que existe um profissional especializado, o arquiteto, já que a demanda por intervir em conjunto com esse arquiteto só seria possível se previamente o sujeito soubesse da existência desse profissional.
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minado por uma função. Em contrapartida, “habitante” relaciona-se com o conceito de habitar a qual Heidegger (2002) se refere, como algo que transcende à concepção de moradia e compreende o modo fundamental do home de ser-no-mundo. Deve-se ter em mente, que não se trata de um sujeito totalmente emancipado, mas sim de um sujeito emancipado na situação específica de uma arquitetura emancipadora. Em quinto e último lugar, a arquitetura emancipadora não trataria de uma utopia, mas sim de uma heterotopia. Da mesma forma como Rancière (2002) anuncia que o ensino baseado na emancipação intelectual não vingará, ou seja, não será estabelecido na sociedade, enuncia-se aqui que a arquitetura emancipadora também não será estabelecido na sociedade, já que a manutenção da sociedade se sustenta em princípios desiguais. As sociedades de homens reunidos em nações, desde os Lapões até os Patagônios, precisam, para sua estabilidade, de uma forma, de uma ordem qualquer. Aqueles que são encarregados da manutenção dessa ordem necessária devem explicar e fazer explicar que ela é possível, e impedir qualquer explicação contrária. Esse é o objetivo das constituições e das leis. Portanto, repousando sobre uma explicação, toda ordem social sempre exclui qualquer outra explicação e, sobretudo, rejeita o método da emancipação intelectual (RANCIÈRE, 2002, p. 111).
A utopia indica uma possibilidade que não existe no lugar real, assim se conecta com a extraterritorialidade, já que essa possibilidade encontra-se fora de um lugar. Nas definições de Ricoeur (1991, p. 90):
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O nenhures da utopia pode tornar-se um pretexto para o escape, uma forma de fugir às contradições e à ambigüidade quer do uso do poder quer do postulado da autoridade numa dada situação. Este escapismo da utopia pertence a uma lógica de tudo ou nada. Não existe nenhum ponto de contacto entre o “aqui” da realidade social e o “algures” da utopia. Esta disjunção permite à utopia iludir qualquer obrigação de se debater com as dificuldades reais de uma dada sociedade. Todas as correntes regressivas denunciadas tantas vezes em pensadores utópicos –tais como a nostalgia do passado, de um paraíso perdido– partem deste desvio inicial do nenhures em relação ao aqui e agora.
A heterotopia, segundo a definição de Foucault (1984), são lugares reais dentro da sociedade mas que invertem a lógica dessa sociedade. Numa sociedade em que a regra é a hierarquia, a arquitetura emancipadora é um desvio dessa regra. Assim, reconhece-se a arquitetura emancipadora como uma possibilidade dentro da sociedade, como uma heterotopia, e não como uma proposta totalizadora de uma outra sociedade possível, como uma proposta utópica.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa identificou o contexto histórico do aparecimento dos processos participativos na arquitetura e constatou que esses modos de operar não se apoiam na reinterpretação de algum movimento estético do passado, e não são portanto, revival de nenhum movimento arquitônico preexistente. As experiências do “O lixo não existe” analisadas ensaiaram uma alternativa em relação ao modo de operação segregacionista e excludente das políticas públicas. O processo funcionou como um antídoto ao estado de indiferença e individualismo nos espaços públicos contemporâneos. Assim, a intervenção trouxe novas possibilidades de integração entre os moradores, funcionou como catalisadora de proximidade e conexões entre os indivíduos e com o próprio espaço público. Porém, apesar de trazer benefícios para os participantes, não se podem ocultar conflitos decorrentes dessa prática. Pondera-se em que medida a proposta canaliza para atender a vontade dos moradores ou somente dos proponentes, visto que a proposta influencia mais do que é influenciada pela vontade de quem participa. Colocou-se em questão se os proponentes da intervenção não se colocaram muito mais como sujeitos potencialmente conhecedores e proprietários de um saber maior, como age a ética tradicional, ao invés de adotarem uma prática guiada pela ética do bem-dizer ou pela lógica do mestre ignorante, que promovem uma igualdade entre sujeitos. Houve uma inevitabilidade da intervenção em apresentar um olhar externo e, por conseguinte, em trazer parâmetros externos para o objeto no qual interfere, pois as ditas “comunidades” possuem sua definição normalmente originada de sujeitos externos e pertencentes à classe intelectualmente hegemônica.
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Quando o proponente adota a prática participativa, a relação de dominação não seria dissolvida por completo já que se trata de uma ideia que parte do arquiteto. A própria etimologia da palavra arquiteto se relaciona com o archein, que significa ao mesmo tempo começar e governar (ARENDT, 2007). Mesmo que a proposta seja em certo grau aberta à participação, quem começa é quem governa. Predeterminar uma intervenção sem consultar os usuários demonstra a permanência de uma atitude baseada em projetar segundo o que os proponentes pensam que os usuários querem; essa é a mesma lógica da ética tradicional, que se opõe à ética do bem-dizer lacaniana. Há um caminho para o saber dos participantes, mas ele não é o da emancipação. Os participantes são instruídos à maneira dos proponentes. Na lógica emancipadora, não se instrui o outro, mas a si próprio. Apesar de dispor de um conhecimento específico, o arquiteto não é um conhecedor de todas as coisas, e que tem um saber maior sobre o que pode ser o “melhor” para os usuários, por isso a reflexão crítica ocupa a posição de analisar sobre uma prática menos contraditória. A princípio, a proposta de intervenção do Basurama não tem como intenção emancipar o sujeito que dela participa ou imprimir a singularidade deste no projeto. Porém, a caminhada aqui por essa reflexão em torno da emancipação deu-se em razão da hipótese que a não emancipação apontasse para a fragilidade no sentimento de pertencimento procurado pelos proponentes. Se o participante não produziu algo ao seu próprio modo, não há emancipação, então, não haveria como despertar um sentimento de pertencimento já que se trata de um modo de habitar externo ao modo de habitar dos participantes. O sentimento de pertencimento seria despertado quando o sujeito fizesse algo ao seu próprio modo de habitar, e não ao modo de alguém que pensa que sabe o é melhor para o outro.
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Definições a priori contrariam o pressuposto de que há um potencial de autonomia de decisão dos usuários. As necessidades criadas pela sociedade não são absolutas, podem ser reinventadas, mas se há uma predeterminação das decisões do usuário, diminui as possibilidades de promover a autonomia destes. Diante desse panorama, as decisões dos arquitetos não são legítimas e inquestionáveis, cabendo ao usuário decidi-las. Assim, apontou-se para as perspectivas de uma arquitetura emancipadora, isto é, como uma prática que pensa na emancipação do usuário, na qual acredita-se que a intenção de intervir sempre deveria ser de iniciativa do usuário, e nunca externa a ele.
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ÍNDICE DE IMAGENS Imagem 01: Ilustração de um estudante francês. Fonte: Arnstein, 1969.
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Imagem 02: Degraus de participação. Fonte: Arnstein, 1969.
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Imagem 03: Cinema em parede cega e orquestra ao vivo. Fonte: León, 2015.
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