Informação e diversão: análise dos newsgames da Super Interessante diante do conceito de narrativas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - JORNALISMO

Flavio de Almeida Santos

Informação e diversão: análise dos newsgames da Super Interessante diante do conceito de narrativas transmidiáticas

Vitória 2011


FLAVIO DE ALMEIDA SANTOS

Informação e diversão: análise dos newsgames da Super Interessante diante do conceito de narrativas transmidiáticas

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para do grau de Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Orientador: Professor Doutor José Antonio Martinuzzo

VITÓRIA 2011


FLAVIO DE ALMEIDA SANTOS

Informação e diversão: análise dos newsgames da Super Interessante diante do conceito de narrativas transmidiáticas Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Departamento de Comunicação Social do Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para do grau de Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo. Aprovada em 11 de julho de 2011.

COMISSÃO EXAMINADORA

__________________________________ Prof. Dr. José Antônio Martinuzzo Universidade Federal do Espírito Santo Orientador

___________________________________ Profª. Drª. Renata Rezende Ribeiro Universidade Federal do Espírito Santo

_________________________________ Renato Pereira da Costa Neto Rede Gazeta de Comunicação


A Deus. A Dulcinéia, Jusceli e Juliana, pela graça da família. A Thaís, por novamente me inspirar. Aos amigos.


Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada. Romanos 8, 18


Resumo

As novas tecnologias da comunicação e da informação vêm provocando grandes mudanças no fazer jornalístico. Na recepção e na difusão da notícia, muito se alterou nas últimas décadas. Enquanto as mídias tradicionais se adaptam às novidades, outros meios se apresentam, trazendo consigo novos métodos de se veicular a informação. Para a difusão das reportagens via internet, criou-se o termo webjornalismo, onde as características midiáticas de hipertextualidade, interatividade e multimedialidade favorecem o surgimento de novas linguagens e formatos, criando um cenário propício para a experimentação de modos narrativos que até pouco tempo seriam impraticáveis no jornalismo. Dentro desse universo on-line, o presente estudo lança as bases e exemplifica um novo modo de se contar a notícia, o Newsgame. Um formato de narrativa que utiliza o suporte de jogos virtuais para reportar um fato noticioso. Os Newsgames apresentam um jornalismo que não se atém apenas à função de informar. Neste caso, o leitor/ jogador acessa a notícia também como uma forma de entretenimento e, como veremos ao longo deste trabalho, com a possibilidade de apreender mais conteúdo nesta mídia do que em outros suportes, como a TV, rádio ou mídia impressa. Com menos de dez anos desde a produção do primeiro jogo jornalístico, muitas questões ainda são lançadas sobre esta narrativa e outras práticas já parecem consolidadas, como a utilização destes jogos dentro dos princípios de narrativas transmidiáticas, em que os newsgames são apenas uma parte de toda a história, que vem a ser contada em outros meios. Mas sabemos também que grandes empresas de comunicação já apostam nesta nova narrativa e acompanhar a evolução destes jogos é também acompanhar o desenvolvimento da internet como meio de difusão de conteúdo. Palavras-chave: newsgames, internet, narrativas transmidiáticas, infotenimento

SUMÁRIO


INTRODUÇÃO ................................................................................................................................ 7 1 O MUNDO CONECTADO E A VELOCIDADE DA INFORMAÇÃO ............................................14 1.1 SOCIEDADE, TECNOLOGIA E COMUNICAÇÃO ....................................................................14 1.2 A INTERNET E A APROPRIAÇÃO SOCIAL DAS MÍDIAS .......................................................19 1.3 NARRATIVAS TRANSMIDIÁTICAS E O CONSUMO DA INFORMAÇÃO ............................... 22 2 O JORNALISMO EM MUNDO ON-LINE E OS JOGOS JORNALÍSTICOS ............................... 28 2.1 CONCEITOS E TRANSFORMAÇÕES NO JORNALISMO DA ERA DIGITAL ........................ 28 2.2 UMA NOVA LINGUAGEM PARA UM NOVO JORNALISMO .................................................. 31 2.2.1 TEXTOS, LINKS E O HIPERTEXTO .............................................................................. 33 2.2.2 ÁUDIO, VÍDEO, TEXTO E A MULTIMEDIALIDADE ......................................................... 35 2.2.3 A INTERATIVIDADE E O PÚBLICO PARTICIPATIVO ....................................................... 37 2.2.4 O MERGULHO NA NARRATIVA E O LEITOR IMERSIVO .................................................. 39 2.3 INFORMAÇÃO COMO ENTRETENIMENTO ........................................................................... 44 2.4 NEWSGAMES ...........................................................................................................................47 3 A REVISTA SUPER INTERESSANTE ........................................................................................ 53 3.1 DE MUY INTERESANTE À SUPER INTERESSANTE ............................................................. 53 3.2 UMA REVISTA TRANSMIDIÁTICA .......................................................................................... 56 4 NEWSGAMES, UM JOGO AINDA NO INÍCIO ........................................................................... 61 4.1 UM NOVO MODO DE CONTAR A NOTÍCIA E SUAS PARTICULARIDADES ........................ 61 4.2 OS NEWSGAMES DA SUPER INTERESSANTE, UM ESTUDO DE CASO ........................... 64 4.2.1 CSI: CIÊNCIA CONTRA O CRIME ................................................................................... 66 4.2.2 JOGO DA MÁFIA ............................................................................................................. 71 4.2.3 CORRIDA ELEITORAL ................................................................................................... 74 4.3 A NARRATIVA DOS NEWSGAMES .................................................................................... 77 CONCLUSÃO ................................................................................................................................. 81 BIBLIOGRAFIA .............................................................................................................................. 84

Introdução


Quando em 11 de março 2004, uma série de explosões teve como alvo estações ferroviárias de Madrid, capital da Espanha, causando a morte de 191 pessoas e ferindo mais de 1.700, criou-se uma comoção mundial diante dos ataques terroristas. O fato alarmou não só o país atingido, que recebeu mensagens de solidariedade de diversos continentes. A busca por novas informações e explicações para tamanha violência exigiu dos meios de comunicação um trabalho intenso, um esforço de reportagem para atualizar o público minuto a minuto. Nessa caminhada, juntamente com os canais de rádio e televisão e a imprensa escrita, a internet se apresentou como um meio eficaz para dar vazão ao volume de notícias que chegavam a cada hora. Entretanto, veículos espanhóis abriram espaço para que os ouvintes, leitores e telespectadores pudessem colaborar e se manifestar sobre o incidente. Além dos fóruns de discussão, blogs e outros exemplos de canais abertos para o leitor interagir com a notícia, o jornal El País acreditou ser aquele o momento exato para experimentar uma narrativa ainda pouco conhecida no meio jornalístico. Então, poucos dias após os atentados, estava disponível no site do jornal um dos primeiros newsgames publicados, o Play Madrid1. O jogo, cujo desafio é manter acesas todas as velas, ao final não resulta em vencedores ou perdedores. Em verdade, neste jogo jornalístico, especificamente, não há um fim, pois a tarefa de manter as chamas acesas é incessante. O que se pode perceber no Play Madrid é que, muito mais do que informar e entreter, este newsgame segue uma tendência adotada em outros jogos, que é o uso dessa narrativa como ferramenta retórica, transmitindo ao leitor/ jogador um discurso ou posicionamento do veículo sobre determinado assunto. Seguindo o mesmo viés do El País, o jornal norte-americano The New York Times disponibilizou em 2007 na internet o newsgame Food Import Folly2, sobre a falta de fiscalização na importação de alimentos nos EUA. Este jogo surgiu de forma 1

Play Madrid, http://www.newsgaming.com/games/madrid/ acesso em 16/01/2011 Food Import Folly, http://www.persuasivegames.com/games/game.aspx?game=nyt_food acesso em 16/01/2011 2


secundária, após a cobertura desse tema dias antes nas páginas do jornal impresso. Neste caso, o jornal propôs ao leitor uma simulação da experiência relatada anteriormente. E esse convite ao aprofundamento sobre assuntos publicados em outras mídias segue a tônica de grande parte dos newsgames produzidos até o momento. O que se percebe é que veículos tradicionais de comunicação com grande credibilidade, haja vista os casos do El País e New York Times, e, no Brasil, a Folha de São Paulo, a Rede Globo e a Editora Abril, começam a explorar este modelo de narrativa jornalística, que, dentre outras características, possibilitam “aumentar a retenção de informações, de envolver públicos mais jovens e de elevar o nível de interatividade (LUZ, 2010)”. Com os jogos jornalísticos, o envolvimento pessoal com a informação se dá de forma ampliada. Sendo assim, “ao aproveitar a capacidade interativa e imersiva dos jogos, o newsgame amplia as possibilidades de compreensão do fato jornalístico ao qual se refere e estimula a memorização”. Para Seabra (2007), “a tendência é da consolidação de um tipo de jornalismo diferente para os games.” Como observa o pesquisador, “a informação pode nem sempre aparecer de forma explícita, clara, como numa exposição de aula tradicional, ou numa manchete de jornal, de forma descritiva”. Essa forma, muitas vezes indireta, de noticiar, faz parte de um contexto em que informação e entretenimento compõem o mesmo conteúdo, enquadrando esse produto jornalístico no gênero jornalismo diversional (REGO, 1984 apud SEABRA, 2007).

A notícia que chega ao leitor como entretenimento é uma das possibilidades da evolução na relação entre as diversas mídias. A partir de inovações tecnológicas e o aperfeiçoamento dos meios no sentido de proporcionar um diálogo com outros suportes, ocorre o que Jenkins (2008) conceitua como convergência dos meios de comunicação. Esclarece o autor: Por convergência refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca de experiências de


entretenimento que desejam. (JENKINS, Henry; 1ª ed – São Paulo: Aleph, 2008, p.27)

Assim como Jenkins (2008), que propõe analisarmos a convergência a partir de uma ótica sociológica, tão ou mais importante do que a tecnológica, Santaella (2004) dispõese a pesquisar e descrever o perfil do usuário que se comunica a partir das mídias interligadas pela internet. A semioticista classifica este usuário como “leitor imersivo.” Um leitor que navega no universo on-line, “unindo, de modo a-sequencial, fragmentos de informação de naturezas diversas, criando e experimentando, na sua interação com o potencial dialógico da hipermídia, um tipo de comunicação multilinear e labiríntica” (p. 11-12). É a este perfil de leitor, conectado à internet e cada vez mais familiarizado com a estética e linguagem típicas do ambiente hipermidiático, que a Super Interessante, ao diversificar seu conteúdo, originariamente da revista impressa para o suporte on-line, busca atingir. Um público que, segundo dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2009 3, já soma uma população de mais de 67,2 milhões de brasileiros e que tende a ser ampliada. A partir do estudo de caso da Super Interessante, uma das pioneiras e mais recorrentes produtoras de newsgames no Brasil, vamos buscar compreender como se dá a produção de conteúdo jornalístico por meio dessa estratégia narrativa. Para este fim, foram escolhidos três jogos que, por serem completamente diferentes entre si no que se refere à estética, mecânica e dinâmica do jogo, personagens, cenários, dentre outros elementos, possibilitam uma análise mais ampla de todo repertório narrativo que os newsgames proporcionam ao campo do jornalismo. A entender, os jogos analisados serão: o primeiro, “CSI: Ciência Contra o Crime”, produzido especificamente para a matéria de capa da edição 257, de outubro de 2008; o segundo newsgame “Jogo da Máfia”, para a principal reportagem da edição 262 de fevereiro de 2009; e um jogo mais recente, “Corrida Eleitoral”, de setembro de 2010, que não possui qualquer relação com 3

Resultado do PNAD 2009, http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php? id_noticia=1708&id_pagina=1 acesso em 15/02/2011


a matéria de capa daquele mês, que abordou o tema genética, mas que foi lançado poucas semanas antes de um grande evento, as eleições presidenciais. Com o intuito de qualificarmos os newsgames como um modo narrativo, nos apoiaremos nos estudos de Barthes (1976) que descreve formas de narrar das mais primitivas até as mais sofisticadas. Barthes afirma que “a narrativa começa com a própria história da humanidade”, e que a evolução dos povos traz à sociedade diferentes maneiras de se narrar os fatos: “a narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas estas substâncias” (p. 19). Soma-se ainda o trabalho de Seixo (1976) na busca por se descrever os elementos e a estrutura da narrativa, que vão desde uma simples frase até textos complexos como o teatro, o cinema e, inclusive, os jogos eletrônicos, afirmando que estes elementos é que sustentam o ato de comunicar, Porque (e isto parece ser o essencial da consideração da narrativa como atitude, ou modelo lógico, ou cronológico, fundamental na literatura) os elementos narrativos estão na base de qualquer tentativa de informação e esta é parte importante do conteúdo normal da comunicação; sendo a significação a estrutura central da via comunicativa, a condição de formação da mensagem. (SEIXO, Maria Alzira; 1ª ed – Lisboa: Arcádia, 1976, p.14)

É a partir da comparação e análise dos jogos que podemos compreender quais as características estéticas e narrativas que o qualifica como mídia. Ao estudar a produção da Super Interessante e de outros exemplos espalhados pelo mundo, enquadramos os newsgames no debate sobre narrativas transmidiáticas, explorando as potencialidades desta forma ainda recente de se noticiar um fato. Além desse objetivo principal, este trabalho tangencia algumas questões em torno dessa nova mídia, tais como: o que determina a opção editorial de criar reportagens no modelo de newsgame; como o público, majoritariamente composto por jovens, influencia nessa decisão; como se dá a transferência do conteúdo da mídia impressa para a on-line; e uma breve exposição do mercado dos newsgames pelo mundo.


Para chegar a conclusões de modo que possamos assegurar os newsgames como um modelo de narrativa e o enquadrá-lo como produto jornalístico, abordaremos no primeiro capítulo deste trabalho os conceitos teóricos sobre convergência entre as mídias, comunicação em rede e narrativas transmidiáticas com base, principalmente, em estudos formulados por Henry Jenkins e Gustavo Cardoso. Na segunda parte, falaremos especificamente sobre jornalismo on-line e os newsgames, com destaque para as origens destes jogos, as primeiras experiências dos games no jornalismo, quais características e peculiaridades e como estes jogos estão sendo utilizados em várias partes do mundo. Para este capítulo, teremos como base artigos e reportagens publicados principalmente na internet, já que a literatura sobre o tema ainda é bastante restrita. Para o terceiro capítulo, direcionaremos as atenções para a revista Super Interessante, fazendo um histórico da publicação, o perfil de suas reportagens e como se dá a relação da revista com a internet e, enfim, chegarmos à última parte do trabalho, onde reservaremos espaço para a análise dos newsgames da Super Interessante citados anteriormente. Neste caso, faremos uso dos jogos para se entender como ocorre a transferência do conteúdo retirado da mídia impressa para a on-line, o que os newsgames apreendem de cada mídia para que no produto final ela própria seja considerada um meio de informação. Ressaltamos que, por ser uma narrativa ainda recente, a literatura sobre os jogos jornalísticos é bastante reduzida, com maior volume de conteúdo disponibilizado na internet, destacando-se para os textos de Geraldo Seabra, Ian Bogost e Tiago Dória. Em uma análise inicial, podemos afirmar que a Super utiliza da narrativa dos games de dois modos: primeiro, como um complemento ou aprofundamento de uma reportagem publicada na versão impressa. Uma segunda opção seria a utilização dos newsgames como forma de repercutir um fato em evidência, mas que não necessariamente tenha


sido abordado na revista. Mas ao se pesquisar sobre as possibilidades desses jogos, nota-se que esta mídia oferece outros usos além daqueles dos quais a Super se apropriou. Ademais, com a disponibilização de novos recursos tecnológicos, muito ainda se tem a ganhar no que se refere ao dinamismo e à capacidade de interatividade e imersão do público. Por certo, podemos afirmar que os jogos jornalísticos chegam ao mercado brasileiro ainda como um grande desafio às redações. Requere-se dos profissionais um conhecimento prévio do funcionamento de jogos virtuais (referências de mecânicas, estética e de jogabilidade), uma aproximação com outras áreas de conhecimento, como programadores e ilustradores, e um investimento de tempo e recursos financeiros. No Brasil, onde ainda não se completaram cinco anos desde que o primeiro newsgame foi lançado, há quem aposte nestes games como emuladores de notícia (SEABRA, 2007), jogos baseados em notícias ou acontecimento em tempo real, mas há também quem atribua a estes jogos o lugar destinado aos “cadernos especiais, as grandes reportagens do século XXI”, como classifica o jornalista Fred Di Giacomo 4, editor de Internet Núcleo Abril Jovem, responsável por produzir os newsgames da Super Interessante. Com um grande mercado ainda a conquistar, a produção desses jogos jornalísticos certamente sofrerá adaptações. Sabe-se que uma parcela do público on-line tende a preferir acessar a informação quando ela vem de forma lúdica, interativa e imersiva. Porém, cabe aos veículos a maneira mais acertada de se apropriar deste novo modelo de narrativa jornalística.

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Entrevista cedida à Andre Diek, do site Jornalismo Digital: http://www.jornalismodigital.org/2009/12/newsgames-entrevista-com-fred-di-giacomo/ acesso em 18/12/2010


1. O mundo conectado e a velocidade da informação

1.1 Sociedade, Tecnologia e Comunicação Pesquisando no site de buscas Google a expressão “notícias em tempo real”, encontra-se um resultado de aproximadamente 1.760.000 5 endereços na internet

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Pesquisa realizada no site de buscas em 1 de abril de 2011.


ofertando as notícias “na hora em que elas ocorrem” 6. Um número impressionante, mas de certa forma irreal, se considerarmos que grande parte dos sites jornalísticos se vale de características próprias ao meio, que disponibiliza recursos de atualização a qualquer momento e em qualquer plataforma, seja ela texto, vídeo ou áudio, para transmitir a impressão ao público de que em qualquer hora do dia se estará informado sobre tudo o que acontece no mundo. Porém, nem todos os canais de notícia on-line constituíram suas redações com profissionais e equipamentos capazes de levar ao leitor a informação exatamente no momento em que surge o fato. Ao público que percorre os inúmeros endereços da internet, há a expectativa permanente de se encontrar a informação desejada. A notícia, ou apenas um conhecimento novo, está disponível em sites dedicados ao jornalismo, mas também em locais onde o conteúdo veiculado é produzido, em grande parte, por pessoas comuns, que utilizam o espaço à disposição para se comunicar com sua rede de contatos. Para melhor exemplificar este pensamento, vamos recorrer, então, a um episódio ocorrido próximo à produção deste trabalho, para demonstrar como o poder de comunicação dessas redes de contatos, ou redes sociais 7 como se convencionou chamar, superou no primeiro momento o papel dos sites jornalísticos de atualizar a população. Era madrugada e enquanto boa parte da população brasileira repousava, descansando de mais um dia de trabalho, os grandes veículos de informação também não se atualizavam, não se manifestavam sobre um acontecimento de larga repercussão. Era por volta de duas horas da manhã, do dia 11 de março deste ano, quando abalos sísmicos de grande magnitude no Oceano Pacífico faziam tremer as ilhas do Japão. Como consequência natural ao fenômeno, ondas superiores a dez metros de altura assolavam a costa nordeste do país, causando a morte de milhares de pessoas, além de prejuízos econômicos e ambientais. 6

“Saiba todas as notícias na hora em que elas ocorrem” é o slogan do site de notícias Último Segundo, www.ultimosegundo.ig.com.br 7 Segundo MARTELETO (2001), uma rede social é “um conjunto de participantes autônomos, unindo ideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados”.


Pelo que constatamos, os meios de comunicação de maior investimento, como a TV e o jornal impresso, foram surpreendidos logo pela manhã ao perceber que nas redes sociais a tragédia japonesa estava entre os assuntos mais discutidos. Foi necessário um trabalho de apuração intensificado para se trazer algo de novo ao público que se informou, antes de tudo, pela internet. Neste caso, acontece o que Cardoso (2010) aponta como a evolução do papel do público na relação com as mídias8, quando se trata da produção de conteúdo. “No nível da informação existe uma multiplicidade de opções, podendo efetivamente tornar o usuário produtor e consumidor de informação quando olhamos, por exemplo, as possibilidades oferecidas pela internet.” (p. 138) O episódio citado serve, dentre outros motivos, para exemplificar que a primazia da notícia já não pertence tão exclusivamente aos meios tradicionais de comunicação e tão pouco aos canais dedicados ao jornalismo. Um novo paradigma na produção e no acesso à informação torna-se cada vez mais recorrente quando se percebe que, a partir do aprimoramento da capacidade das redes infoeletrônicas (satélites e fibras óticas) e da midiatização das relações sociais e da produção simbólica (MORAES, 2006), o antes leitor passivo, que aguardava a chegada da notícia por meio de canais restritos, sai em busca do conhecimento desejado por incontáveis pontos de acesso. E, seguindo este pensamento, vale ressaltar que, neste trabalho, diante das possibilidades que o modelo atual de organização das mídias disponibiliza para que o antes receptor passivo possa ocupar um espaço de atuação na produção de conteúdo, utilizaremos o conceito de “usuário” para definir o leitor atual. Para Gosciola (2003), o termo usuário é mais adequado porque “engloba as ações de uso, utilização e comunicação com a obra” (p. 20).

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Neste trabalho, a palavra mídia é utilizada segundo Gosciola (2003) “para identificar o recurso pelo qual uma informação é transmitida, ou seja, o canal ou o meio de comunicação através do qual se desenvolve uma comunicação.” (p. 27) Para o termo novas mídias usaremos o conjunto de meios citados pelo autor, que incluem “os vídeos e cinemas digitais, os sites da Web, os ambientes e mundos virtuais, os games de computador e de consoles computadorizados, as instalações interativas por computador, as animações com imagens reais e sintéticas por computador, multimídias e demais interfaces humanocomputador.” (p. 20)


Voltando ao aumento no leque de oportunidades de acesso a informação, faz-se necessário destacar que isto é parte do que Cardoso (2007) cita como a “evolução do papel da mídia na sociedade em rede”. O autor recorda que a presença da mídia nos acompanha desde que a humanidade passou a organizar de forma sistematizada os códigos de comunicação (ECO, 1977; apud CARDOSO, 2007, p. 26). No entanto, as atribuições sociais de informação, entretenimento, ação e organização que dispensamos aos meios de comunicação diferenciam a sociedade contemporânea das demais no que se refere aos usos que fazemos deles e a rede de interdependência criada entre cada um, configurando o que Cardoso (2007) conceitua como sistema de mídia: Por sistema de mídia entende-se, na formulação de Ortoleva (2002), o quadro das interligações entre tecnologias que guiam as diversas formas de comunicação. Trata-se de uma categoria de origem essencialmente institucional e econômica, que nos ajuda a explicar, por um lado, a dinâmica evolutiva dos meios de comunicação e, por outro, como cada sociedade se estabelece, entre as diversas mídias, uma divisão das funções, que nasce dos processos socioculturais complexos, mas que encontra a posteriori a sua legitimação nas empresas e quadros legislativos (p.15).

Dando prosseguimento ao trabalho de Cardoso (2007), compreendemos que, junto com o sistema de mídia, outros dois fatores caracterizam e qualificam a comunicação dentro de um espaço de tempo. Na ordem apresentada pelo pesquisador, “as diferentes matrizes de mídia que utilizamos para classificar as mídias em função das nossas necessidades e objetivos, ou se preferirmos as nossas representações ante as mídias, e das nossas, dietas de mídia, ou práticas com as mídias” (p. 135). Ainda sob a ótica de Cardoso (2010), compreende-se que a cada geração as atribuições sociais dadas à mídia vão sendo alteradas a partir da influência que os meios de comunicação exercem sobre a economia, a cultura e as relações interpessoais. Há uma certeza na fala do autor sobre a centralidade da mídia na sociedade atual. Corroborando esta afirmação, encontramos o trabalho de Castells (1999) que consegue datar o início deste protagonismo dos meios de comunicação. Segundo o pesquisador, a década de 1970 foi fundamental para o surgimento e sustentação deste sistema tecnológico no qual estamos imersos até o presente


momento. Castells aponta como descobertas fundamentais para o fortalecimento da presença da mídia, com destaque para a internet, na sociedade atual a invenção do microprocessador, em 1971, do microcomputador, em 1975, e do primeiro produto comercial de sucesso entre os microcomputadores, o Aple II, e da produção de sistemas operacionais pela Microsoft, no ano de 1977. Deve se destacar também nessa década, a produção em larga escala da fibra ótica, o aperfeiçoamento da ARPANETrede eletrônica criada em 1969 que se desenvolveu nos anos 70 e deu origem a internet, e por fim, em 1973, a criação do TCP/IP, “protocolo de interconexão em rede que introduziu a tecnologia de ‘abertura’, permitindo a conexão de diferentes tipos de rede” (p. 91). Para Castells (1999), todas essas descobertas no âmbito da tecnologia da informação têm algo de essencial em comum: Embora baseadas principalmente nos conhecimentos já existentes e desenvolvidas como uma extensão das tecnologias mais importantes, essas tecnologias representam um salto qualitativo na difusão maciça da tecnologia em aplicações comerciais e civis, devido a sua acessibilidade e custo cada vez menor, com qualidade cada vez maior (p.91).

O que tanto Cardoso quanto Castells demonstram é que as novas tecnologias da informação proporcionaram a presença constante, ou, por que não dizer, a popularização dos meios de comunicação na sociedade contemporânea. Chega-se à conclusão de que há uma “crescente centralidade da mídia no exercício de poder e na condução do nosso dia a dia” (SILVERSTONE, 2005 apud CARDOSO, 2010, p. 23) Essa presença ampliada da mídia, ocorrendo em contextos variados nas relações sociais, explica-se dentre outras razões pela organização em rede do sistema de comunicação. Acredita-se, que este modelo de organização em rede do sistema de mídia que ocorre, principalmente, a partir das duas últimas décadas 9, devido ao crescimento das 9

Período apontado por Jenkins (2008) como aquele em que a internet passa a compor definitivamente o cenário da comunicação, sendo fundamental no modelo de organização em rede da sociedade.


atribuições dadas à internet no campo da comunicação. Na visão de Cardoso (2010), essa organização em rede aconteceu em duas etapas: Numa fase inicial, o aparecimento da Internet permitiu a migração dos mass media tradicionais de tecnologias analógicas para as digitais, construindo assim as pontes necessárias entre as antigas e as novas mídias. Numa segunda fase, a Internet e, até certo ponto, os telefones celulares e a tecnologia SMS permitiram a constituição de um número cada vez maior de interligações entre todas as mídias (Karlsen et at., 2008; Jenkins, 2006; Livingstone, 1999; Slevin, 2000), sejam elas analógicas ou digitais. Essas ligações foram socialmente apropriadas pelos cidadãos e moldaram as formas como as mídias interagem com o nosso dia a dia (CARDOSO, Gustavo; org. MORAES, Dênis de; 1ª ed – Rio de Janeiro: Pão e Rosas, 2010, p.26).

Neste contexto, a internet surge como articulador fundamental para sustentar as ligações entre as mídias já existentes, como a TV, o rádio e a mídia impressa, e a comunicação que tem como suporte o computador, ou até mesmo as mídias mais recentes, como os telefones celulares e os tablets. Como um nível fundamental da organização em rede das mídias, está a apropriação social que se dá ao conjunto de meios de comunicação já tradicionais e àqueles que ainda começam a ocupar espaço em todas as camadas sociais. A esta apropriação social, temos como referência o fenômeno da convergência midiática.

1.2 A internet e a apropriação social das mídias Quando Cardoso (2010) afirma que a sociedade atual caracteriza-se por um novo modelo de organização das mídias, faz esta constatação, entre outros, a partir da relevante presença da internet como novo agente de mediação entre as relações econômicas, sociais e tecnológicas. Para o autor, a internet favoreceu o surgimento do modelo de uma organização social em rede e, consequentemente, uma organização em rede das mídias. Cardoso argumenta que o modelo atual ultrapassou o modelo de


comunicação em massa como predominante na forma de comunicação e troca de informações entre os indivíduos. Podemos entender que, na visão de Cardoso, o modo de comunicação a partir da troca de mensagens de forma massificada, é caracterizado quando há a clara identificação de um emissor, produtor de conteúdo, que destina a informação a um público receptor, que apenas assiste, de forma passiva, a tudo que lhes é enviado. O modelo de comunicação de massa se configura “graças ao uso de tecnologias específicas de mediação, uma só mensagem é dirigida a uma massa de pessoas, isto é, é enviada a uma audiência cuja dimensão é desconhecida, e como tal não está previamente delimitada” (Cardoso, 2010, p. 43). Esse modelo passa a concorrer e a ser superado por um modelo de comunicação baseado na troca em rede, em que os antes receptores agora alcançam o status de “utilizadores10”. Aos utilizadores, podemos atribuir a maneira como os diferentes meios de comunicação são apropriados, podendo desempenhar papéis sociais que podem ser de informação, de entretenimento, de ação e organização. Em grande parte, é a partir da forma como a sociedade atribui valor à determinada mídia, “e não apenas como as empresas de mídia e o Estado organizam a comunicação” (Cardoso, 2010, p. 25), que os usos e as relações entre as diferentes mídias alcançam importância no cenário das trocas de mensagens e informação. No contexto das apropriações sociais que ocorrem no modelo de organização em rede da mídia, Cardoso insere a convergência midiática como um resultado da evolução entre a relação da sociedade com os meios de comunicação. Para convergência, o autor faz a seguinte descrição: Podemos descrever “convergência” como a superação das barreiras tecnológicas, econômicas e institucionais, o que foi possível graças à tecnologia digital. Essas barreiras dividiam a mídia em quatro setores principais: o setor editorial, dominado pela imprensa privada e controlada pelos direitos de autor; o setor das transmissões, ou seja, as redes de distribuição, que incluem os setores postal e das telecomunicações e a Internet; o setor das emissões, baseado na 10

Para Cardoso (2010), diante da forma como os indivíduos alcançaram a capacidade de se apropriar das novas tecnologias de comunicação, a palavra utilizadores é a maneira mais indicada de classificar o público que faz diferentes usos no processo de organização da mídia.


publicidade; e o setor de hardware, baseado na produção e distribuição de equipamentos de comunicação (câmaras de vídeo, sistemas estéreo, cassetes e periféricos) (CARDOSO, 2007, p.25).

Jenkins (2008) ainda explora outros significados para o conceito de convergência. “Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que imaginam estar falando” (p.27). Na sequência, Jenkins acrescenta que esta convergência, vista como a circulação de conteúdos por meio de diferentes sistemas midiáticos, “depende fortemente da participação ativa dos consumidores”. Jenkins compartilha da mesma opinião de Cardoso ao afirmar que a convergência é, antes de tudo, um fenômeno social, em que a participação dos usuários das mídias possui mais relevância nesse processo do que as inovações tecnológicas, que permitem um único aparelho executar múltiplas funções. “Em vez disso, a convergência representa uma transformação cultural, à medida que consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões em meio a conteúdos midiáticos dispersos” (p. 27-28). Jenkins complementa: A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com os outros. Cada um de nós constrói a própria mitologia pessoal, a partir de pedaços e fragmentos de informações extraídos do fluxo midiático e transformados em recursos através dos quais compreendemos nossa vida cotidiana. Por haver mais informações sobre determinado assunto do que alguém possa guardar na cabeça, há um incentivo extra para que conversemos entre nós sobre a mídia que consumimos (2008, p.28).

Jenkins afirma que a convergência é um “conceito antigo assumindo novos significados” (p. 31). Isto porque, ao longo da história da evolução das mídias, muitos debates são gerados em torno do impacto que uma nova mídia pode causar sobre o modo de comunicação existente. Um exemplo pode ser apreciado no modo como a televisão conquistou o patamar de grande veículo de comunicação. Um meio que, no início, na ausência de um padrão próprio de apresentar a informação, apoiou-se na linguagem do rádio e até mesmo do teatro para se dirigir ao público. Atualmente, a


discussão sobre a TV está no âmbito da digitalização de seu sinal. Existem diversas dúvidas de como se dará a aproximação da televisão com a internet. Acrescentando à hipótese de Jenkins de que a convergência midiática não pode ser vista como um fenômeno exclusivo do mundo pós internet, Santaella (2003) acrescenta: “A rigor, todas as mídias, desde o jornal até as mídias mais recentes, são formas híbridas” (p. 43). A autora explica que até mesmo o jornal impresso, um dos primeiros meios de comunicação, se baseou na literatura para determinar seu modelo de linguagem. De forma prática, quando determinada mídia converge sua forma originária de comunicar para se aproximar de características próprias de outros meios, ocorre um fenômeno que vai além da questão tecnológica, pois quando mídias se convergem há obrigatoriamente a adaptação de linguagens de modo que se adéque a maneira de apresentação da informação. Deak (2007) recorda que no jornalismo existem casos de apropriação que ocorrem antes mesmo da popularização da internet: Experiências de apropriação narrativa das mais diversas linguagens pelo jornalismo não são novidade. Assim foi quando o jornalismo utilizou a narrativa desenvolvida pelo cinema para fazer documentários. Ou quando, há algumas décadas, o jornalismo utilizou a literatura e criou um gênero híbrido, capaz de produzir um texto sobre fatos reais utilizando ferramentas narrativas típicas da ficção – aquilo que, anos depois, ficaria conhecido como new journalism.

O conceito de convergência, sem dúvida, extrapola o campo da tecnologia. O que assistimos, é o surgimento de um novo modo de produção e acesso a conteúdos onde apenas um meio já não se faz suficiente para nos manter informado sobre a realidade em que vivemos. O jornalismo ocupa um papel fundamental neste processo de adaptação e descoberta de novos caminhos para a construção das narrativas, das novas linguagens e dos princípios estéticos que compõem o novo modelo de informação que tem como principal canal de circulação a internet. Esta grande rede, a internet, a partir de aspectos estruturais como a “hipertextualidade, multimedialidade e interatividade,11” permite a produção da notícia de forma que apenas um suporte, seja 11

Em outros momentos deste trabalho exploraremos com mais profundidade estes aspectos estruturais da internet que, na visão de Bertocchi (2006), compõem a “tríplice exigência” para a construção da


ele o computador ou o celular, possa suportar a convivência de diferentes formatos, como o texto, o vídeo e o áudio, proporcionando a hibridização das linguagens. Outro aspecto a que devemos atentar neste sistema de organização a que estamos inseridos refere-se à importância que há na associação de diferentes mídias para o fortalecimento de uma mensagem. Estas parcerias entre as mídias representam a construção de narrativas em diferentes suportes, narrativas transmidiáticas, que abordam um assunto em comum, mas respeitando as diferenças entre as linguagens existentes em cada meio, precisam ser construídas dentro das especificidades de cada suporte, para ampliar seu alcance social, atingindo o público em diferentes situações de seu cotidiano.

1.3 Narrativas transmidiáticas e o consumo da informação Neste trabalho, usamos como referência e objeto de estudo sobre a aplicação do conceito de narrativas transmidiáticas no jornalismo brasileiro a experiência desenvolvida pela revista Super Interessante. Poderíamos ter como exemplo outros casos. Não seria difícil encontrarmos situações que exploram com muito sucesso as narrativas transmidiáticas em ações de entretenimento e até mesmo na publicidade. Entretanto, convém a este trabalho se ater em exemplos relacionados à produção de notícia e informação. De início, faz-se necessário situarmos o significado aqui utilizado para definir narrativa. Segundo Seixo (1976), qualquer tentativa de transmitir uma informação, “parte importante do conteúdo normal da comunicação”, pode ser entendido como uma narrativa. Para a autora, a efetividade da narrativa está no conjunto “destinador”, “destinatário” e “significação”. De forma simplificada, os dois primeiros termos representam os agentes necessários ao processo. O primeiro é aquele que emite uma retórica no webjornalismo. A autora tem por base os estudos de Salaverria (2005) nesse campo. “Por hipertextualidade, entende a capacidade de interconectar diversos textos digitais entre si. Define multimedialidade como a capacidade outorgada pelo suporte digital, de combinar em uma mesma mensagem pelo menos dois dos três seguintes elementos: texto, imagem e som. E por interatividade entende a possibilidade que o usuário tem de interagir com a informação apresentada pelo cibermeio.” (p. 57)


informação e o segundo é quem a recebe. No entanto, o esforço em comunicar estará perdido se não houver “significação”, ou compreensão da mensagem (p. 14). Para a autora, A narrativa fará, então, parte da comunicação verbal que utilizamos todos os dias, oral ou escrita, e fácil será entender como ela impregna o tecido da nossa existência: da conversa com amigos ao filme que se vê, da receita de cozinha à estrutura discursificada de um dia que se viveu. Tudo o que se conta é narrativa (p.15).

Acrescentamos ainda a este contexto uma reflexão de Barthes (1976), entendendo que a partir da evolução social novas formas de contar os fatos vão surgindo. Compreendemos isto com mais clareza quando analisamos as narrativas recentes, no momento em que a convergência midiática se torna cada vez mais presente em nosso cotidiano. Na era da convergência, afirma Jenkins (2008), múltiplos textos integram uma única narrativa que, de tão ampla, não pode ser contada apenas por uma única mídia (p. 134). Esse esforço de estender uma narrativa através de múltiplos suportes é o que buscamos compreender a partir da análise dos newsgames produzidos pela Super Interessante. São vários os fatores, e estes veremos mais à frente, que motivaram a publicação a investir na produção de narrativas transmidiáticas, tornando uma reportagem originalmente do meio impresso em conteúdo para jogo on-line. Os newsgames da Super Interessante são enquadrados aqui como exemplo de narrativas transmidiáticas a partir da comparação de conceitos e definições teóricas, baseados, principalmente, sob a perspectiva de Jenkins (2008). Para o autor, Uma história transmidiática se desenrola através de múltiplos suportes midiáticos, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma ideal de narrativa transmidiática, cada meio faz o que faz de melhor- a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games ou experimentado como atração de um parque de diversões (p.135).


Barros

(2010) faz ainda

outras considerações

da

utilização

das narrativas

transmidiáticas no processo de comunicação e consumo: A convergência dos meios e os processos transmidiáticos implicam em uma alteração na forma de consumir a mídia. Sem querermos aqui determinar relação de causa e efeito, é preciso observar que diante de uma mídia convergente e transmidiática, o consumidor consome, produz e faz praticamente tudo em um só meio e de uma única vez. Os limites entre as mídias, os suportes e os conteúdos são muito tênues e por isso fazemos uso e consumimos a mídia de um modo convergente. Não precisamos mais estar em frente da televisão para assistirmos à publicidade de uma empresa. A partir de um comentário de um amigo podemos buscar o comercial no site da empresa, em redes de relacionamento e, neste mesmo local, fazer críticas, perguntas ou sugestões (p.6).

As narrativas midiáticas, portanto, inserem no cenário da comunicação um novo modo de consumir informação e, consequentemente, consumir as mídias. Determinado assunto ou conteúdo já não está necessariamente restrito a um meio. Apostando em uma forma de comunicação que explore as possibilidades de contato com o leitor além de sua mídia central, a revista, Super Interessante, em sua edição de número 257, no mês de outubro de 2008, transferiu para o site, em forma de game, o conteúdo da matéria de capa, intitulada “CSI: Ciência Contra o Crime”. A matéria tratava por levar ao público algum dos segredos do seriado de TV norte-americano CSI e também algumas informações sobre a profissão de perito criminalista, já que a trama da série se baseia na investigação de provas feita pela polícia para encontrar os responsáveis por diversos crimes. Atualmente, a Super é uma das publicações brasileiras que mais investem na produção de newsgames, além de conteúdos transmidiáticos. Certamente, houve algum êxito nesta empreitada, motivando novas produções. Para compreender como a Super Interessante conseguiu ser bem sucedida na utilização dos jogos jornalísticos se faz necessário realizar esta análise diante do contexto das narrativas transmidiáticas. Porque os jogos por si só não explicariam o investimento. Esta é uma das partes que representam todo o universo 12 criado pela revista, que 12

“Cada vez mais, as narrativas estão se tornando a arte da construção de universos, à medida que os artistas criam ambientes atraentes que não podem ser completamente explorados ou esgotados em uma


incluem ainda os aplicativos para telefones celulares, mídias sociais, livros reportagens, DVDs e o site. Ou seja, poderíamos dizer que a mídia central da Super Interessante é a revista, mas não apenas este meio, porque cada uma das outras mídias supracitadas servem para acrescentar informação a uma notícia veiculada no material impresso. O que acontece no caso da Super, e de tantos outros exemplos de narrativas transmidiáticas, é que cada mídia representa um novo produto girando em torno de um assunto em comum. Porém, devemos ressaltar dois pontos fundamentais para a realização de narrativas transmidiáticas. O primeiro, é que cada plataforma utilizada não faz mera réplica do que é exibido na mídia central e, em segundo lugar, o conteúdo de cada suporte deve funcionar como adendo ou complemento, não implicando o entendimento da trama ao consumo dos produtos periféricos. No caso do nosso objeto de estudo, cada produto gira em torno de uma reportagem em comum. O resultado disto é que “a compreensão obtida por meio de diversas mídias sustenta uma profundidade de experiência que motiva mais consumo” (Jenkins, 2008, p. 135). A intenção da Editora Abril, proprietária da marca Super Interessante, é levar o leitor da revista a conhecer outros suportes, provocando a permanência do contato com o conteúdo da marca por mais tempo. Por outro lado, a diversificação de mídias em torno de uma reportagem favorece a atração de mais leitores ou “múltiplas clientelas”, como cita Jenkins (2008). No caso da Super, cada narrativa transmidiática em torno de uma reportagem deve oferecer experiências novas, ou um aprofundamento no conteúdo apresentado no meio impresso. Isto faz com que o desejo em consumir o que foi produzido para as outras mídias seja elevado. Dentro do cenário brasileiro de publicações, a Super Interessante certamente alcança lugar de destaque quando se trata da utilização dos recursos oferecidos pelas novas tecnologias de comunicação. Aconteceu em 2008, quando se lançou no mercado de newsgames, mas já havia acontecido quando começou a explorar as redes sociais e até mesmo os celulares como locais de disponibilização do conteúdo criado única obra, ou mesmo em uma única mídia.” (JENKINS, Henry; 1ª ed – São Paulo: Aleph, 2008, p.158)


originariamente para o meio impresso. A linha editorial da revista, que trata de novidades tecnológicas e científicas, juntamente a temas como desenvolvimento sustentável e curiosidades, favorece a exploração de ferramentas comunicacionais características do atual modelo de comunicação, que se estabelece em rede. Mas outras empresas dedicadas à produção de notícias em várias partes do mundo estão estruturadas para alcançar o público em diferentes meios. Isto porque a estrutura em rede não é característica própria do sistema de mídia, mas de toda uma sociedade que evoluiu para um modelo de convivência em que todas as relações, inclusive as econômicas e comunicacionais, caminham no sentido de se criar pontos em comum, e até mesmo interligações, proporcionando novos modos de utilização das mídias. Esses novos modos de utilização das mídias apontam, cada vez com mais frequência, na direção da convergência de potencialidades que cada meio dispõe. A convergência midiática, a partir da superação de barreiras tecnológicas, econômicas e institucionais, transporta para determinados meios características específicas de outros suportes, proporcionando a construção de narrativas em que se utilizam recursos provenientes de mídias completamente distintas para a difusão de informações. Juntamente com o fenômeno da convergência midiática, temos ainda como característica deste ambiente de comunicação em rede a utilização com maior frequência das narrativas transmidiáticas. Narrativas idealizadas para acontecerem em diversas mídias, de modo que um meio acrescente novas informações à história central. E é a partir da exploração dos recursos ofertados pela convergência midiática e também pelas narrativas transmidiáticas que veículos de comunicação, como a revista Super Interessante, constroem novos modos de produção da notícia, em que o leitor/ usuário tem papel de destaque, escolhendo por quais caminhos seguir e até mesmo interferir na construção da história.


2. O jornalismo em um mundo on-line e os jogos jornalísticos

2.1 Conceitos e transformações no jornalismo da era digital Quando abrimos uma reflexão no capítulo anterior sobre o atual modelo de organização das mídias, em um sistema estabelecido a partir da evolução dos meios de difusão da informação e do modo como a sociedade se apropria dessas novas mídias, implantando novos processos socioculturais, estávamos direcionando a discussão para o impacto que a chegada desses meios de comunicação e, principalmente, a popularização da internet, provocam na rotina da produção de notícias, influenciando o


surgimento de novas linguagens e, consequentemente, tipos de narrativas jornalísticas adequados aos meios que surgem. Ao jornalismo, tal como outras áreas da comunicação social, novas ferramentas e rotinas foram introduzidas de modo que se acompanhasse a evolução dos processos comunicacionais. Processos estes que caminham em direção à convergência de meios e a narrativas cada vez mais interrelacionadas, possibilitando que um tema em comum alcance o público em diversos suportes. A internet entra nesse contexto como potencializadora deste novo modelo de comunicação, possibilitando à produção de notícias outras formas de construir a informação. Entre aqueles que se dedicam a estudar a questão do jornalismo dentro do atual sistema de mídia, em que os meios de comunicação ganham novas atribuições, principalmente na maneira como os meios são utilizados para informar, entreter, e organizar a sociedade contemporânea, há certa discordância para encontrar a melhor definição que enquadre o jornalismo realizado em meios digitais dentro de seus aspectos de produção e de participação do público. Em alguns casos, o problema está apenas na terminologia aplicada. Entretanto, outros autores analisam a partir de princípios técnicos. De acordo com Pinho (2003), por exemplo, a produção de notícias a partir da internet deve ser classificada como jornalismo digital, porque este se diferencia do jornalismo tradicional “pela forma de tratamento dos dados e pelas relações que são articuladas com o usuário” (p. 58).

Por jornalismo digital, o autor faz coro com a

seguinte conceituação: O jornalismo digital é todo discurso que constrói a realidade por meio da singularidade dos eventos, tendo como suporte de circulação as redes telemáticas ou qualquer outra tecnologia por onde se transmita sinais numéricos e que comporte a interação com os usuários ao longo do processo produtivo (Gonçalves, 2000 apud Pinho, 2003, p. 58).

Outro conceito que acreditamos ser importante nesta discussão é o de ciberjornalismo, defendido aqui por Bertocchi (2006) “para tratar da produção noticiosa exclusiva e


específica para edições no ciberespaço 13, em particular a voltada à web” (p. 2). Para a pesquisadora, a expressão se aproxima em muitos pontos da definição de jornalismo digital, porém a designação segue uma corrente de pensamento europeia, onde o jornalismo feito em redes digitais é classificado com grande frequência a partir do emprego do ciberespaço na investigação, produção, edição e difusão de conteúdos. No entanto, neste trabalho, para fins de classificação do jornalismo produzido em meios digitais, utilizaremos o termo webjornalismo, defendido por Canavilhas (2001). Esta designação dialoga com os dois conceitos apresentados anteriormente, mas vai além ao explorar as características relacionadas à convergência de linguagens que a internet possibilita na construção da notícia. A webnotícia, segundo Cardoso (2001), é o “resultado da exploração de todas as potencialidades que a internet oferece” (p. 1), com base no potencial de convergência entre texto, imagem e som que o meio digital tem por características fundamentais. Assim como Pinho e Bertocchi, Canavilhas se mostra contrário à utilização do termo jornalismo on-line. Ambos acreditam que este é um conceito bastante reducionista da potencialidade que a internet tem como meio. Bertocchi (2006), por exemplo, vê o termo jornalismo on-line dizendo respeito apenas “ao uso instrumental da internet para a recolha de informações por parte dos jornalistas” (p. 2), muito aquém das possibilidades que esta grande rede de comunicação disponibiliza. Canavilhas (2001) ainda acrescenta que, o chamado jornalismo on-line, “não é mais do que a simples transposição dos velhos jornalismos escrito, radiofônico e televisivo para um novo meio” (p. 1). Afirma que essa designação está diretamente ligada a uma fase inicial da internet no processo de comunicação, quando, por questões técnicas e até mesmo pela falta de profissionais qualificados, a internet servia apenas como canal de distribuição, abrigando material produzido originariamente para as mídias tradicionais.

13

“O ciberespaço engloba tanto a internet como outras redes telemáticas; e, além de estar relacionado com a investigação, produção e difusão de conteúdos, diz respeito ainda ao armazenamento de mensagens jornalísticas” (Calvo, 2006 apud Bertocchi, 2006, p. 2).


Neste momento, percebemos que a produção de notícia nos moldes relatados acima já se mostra completamente ultrapassada, dando espaço a conteúdos tipicamente digitais, com linguagem e modo narrativo característicos da web, onde o jornalismo que se pratica dentro do contexto on-line se diferencia de outros tipos de jornalismo. Outra diferença é que boa parte dos sites existentes já não deriva de veículos originários em outros meios, juntando-se a isso a chegada de sites noticiosos segmentados, dedicados a temas e mercados exclusivos. No Brasil, de acordo com Andrigueti (2007, p. 101), as primeiras iniciativas dos jornais em direção à web somente ocorrem entre os anos de 1995 e 1996, quando O Estado de São, o Jornal do Brasil e o Jornal do Commercio lançam suas matérias na internet. Nesta fase, havia apenas a transposição do conteúdo do meio impresso para o digital, sem inovações ou recursos parecidos com os disponíveis atualmente. Em seguida, três grandes grupos de comunicação iniciaram a adaptação de suas redações ao meio online: grupos Folha, Abril e Globo. Com estas grandes empresas, ocorreu uma elevação nos investimentos em novas ferramentas e recursos, atraindo a atenção do mercado de anunciantes e também encorajando a chegada de novos canais de notícia à internet. Ao fim da década de 1990 e início dos anos 2000, aconteceu o que a autora chama de “grande período de experimentação de recursos”. Inúmeras páginas de notícia foram “superpovoadas por imagens piscando e um excesso de vídeo e áudio, mesmo quando seu conteúdo era dispensável e repetitivo (p. 101).” Neste momento, tanto o webjornalismo em prática no Brasil como em boa parte do mundo está inserido na terceira fase do jornalismo produzido para o meio on-line. De acordo com Machado & Palacios (2003 apud Seabra, 2007) as fases que precederam o estágio atual foram, respectivamente, a da simples reprodução do meio impresso, superada pela fase em que o jornal impresso foi “utilizado como metáfora para a elaboração das interfaces dos produtos (p. 8)”. A terceira fase caracteriza-se pela oferta de produtos jornalísticos que apresentam recursos em multimídia, como imagens em movimento e sons, que enriquecem a narrativa e ainda disponibilizam recursos de interatividade e atualização contínua. Esta variedade de possibilidades na construção de narrativas no ambiente on-line torna a cada momento a internet um meio propício


para inovação e experimentação de novos formatos, novo modelos de construção da notícia. Diferentes autores como Seabra (2007), Canavilhas (2000) e Cardoso (2007) dedicam-se a analisar o processo de construção da informação no meio digital. Ambos apontam para a internet como um meio em potencial. Juntos também concordam que este modelo de webjornalismo ainda é um processo em mutação, construindo uma linguagem própria, dentro de contextos sociais e de inovações tecnológicas que surgem constantemente.

2.2 Uma nova linguagem para um novo jornalismo Iniciamos esta parte do trabalho direcionados por um questionamento de Cardoso (2007), que, ao estudar o atual modelo de organização em rede do sistema de mídia, busca identificar o que de novo a internet traz ao processo de produção e acesso à notícia. Em determinado estágio de suas pesquisas, é lançada a seguinte indagação: “Como se diferencia então o jornalismo on-line de outros tipos de jornalismo?” (p. 200) Para o próprio autor, o primeiro elemento diferenciador está na tecnologia associada, no caso, a internet, um espaço multimídia. Esta, certamente, está entre as características que transformam a web em um meio distinto de outros existentes. Porém, mais fatores possibilitam que a produção de notícia na internet tenha aspectos diferenciadores da realizada nas mídias tradicionais. A distinção entre os meios ocorre devido às possibilidades que são acrescidas à capacidade de construção de narrativas. O webjornalismo evolui de simples reprodutor de conteúdo para um meio em potencial, com linguagem, dinâmica e princípios estéticos próprios. Favorecendo a formação de um ambiente digital onde a relação entre mídia e público ganha novos atributos. Bertocchi (2006) afirma que juntamente com o webjornalismo surge uma nova referencialidade retórica, alterando o modo como as histórias são narradas. A autora destaca que esta retórica se configura em uma “tríplice exigência”, em que as potencialidades narrativas da internet estão fundamentadas na multimedialidade, como apontado anteriormente por Cardoso, na hipertextualidade e na interatividade.


Bertocchi (2006) afirma que o modelo clássico de retórica jornalística ainda está presente no processo de construção da notícia na web, porém os jornalistas e usuários começam a se adaptar e até mesmo exigir que o conteúdo jornalístico na internet apresente algo de diferente do que se tem à disposição nas mídias tradicionais. Para a autora, uma linguagem em formação, apoiada em características próprias ao meio online, influencia a produção de conteúdos jornalísticos na internet, e segue: sobre a produção de narrativas jornalísticas para o ciberespaço tem incidido a força de uma nova retórica em formação – muito fundada nas potencialidades do suporte tecnológico – que traduz-se na ideia de que agora tais espécies de textos jornalísticos podem (ou devem, para alguns autores), no meio digital, primar pela hipertextualidade, multimedialidade e interatividade (BERTOCCHI, Daniela. Braga, Universidade do Minho, 2006, p. 9).

Somamos ainda à “tríplice exigência” defendida por Bertocchi (2006) a capacidade de imersão que o ambiente on-line oferece. A este elemento, principalmente para fundamentar os newsgames como narrativa jornalística, utilizaremos conceitos defendidos por Santaella (2004) e Murray (2003) para explicar como os jogos jornalísticos trazem uma nova forma de contato com a notícia. Interface em que o leitor/ usuário toma conhecimento de determinado assunto a partir da ação sobre as reportagens, contribuindo para a construção da história. A esses quatro componentes da narrativa jornalística no meio on-line, hipertextualidade, multimedialidade, interatividade e imersão, acreditamos ser necessário apresentá-los separadamente, a fim de que cada elemento possa ser especificado dentro das contribuições que trazem à produção da webnotícia.

2.2.1 Textos, links e o hipertexto Navegando pela web, o usuário tem inúmeras opções para encontrar a informação desejada. Em qualquer página, ao menos na grande maioria delas, percorre a narrativa até encontrar um ponto que desperta outro interesse e o faz desviar do percurso linear


do texto. Normalmente, esta ação ocorre a partir de palavras ou ícones inseridos dentro de uma história programados para que, a partir da ação do usuário, possam remeter a outro tema ou outro fato, de maneira que uma leitura possa ser dividida ou acrescida de novos textos. No webjornalismo, essa possibilidade de transformar uma narrativa em uma grande teia de histórias está entre os recursos com maior utilização e também estão entre aqueles de maior identificação do público. A essa narrativa, composta de textos articulados com diferentes documentos, dá-se a nome de hipertexto. O hipertexto, segundo Murray (2003), “é um conjunto de documentos de qualquer tipo (imagens, textos, gráficos, tabelas, videoclipes) conectados uns aos outros por links” (p. 64). De acordo com Gosciola (2003), o termo link possui várias designações, porém todas apontam no mesmo sentido. “Em vários estudos o conceito link recebe nomes diferentes, porém equivalente, como elo, vinculação, conexão, interconexão, nexo, inter-relação, caminho, atalho (p. 80).” Ou seja, o link é um recurso capaz de ligar diferentes textos, em variados suportes. Em vista disto, recorremos a Andrigueti (2010, p. 99) ao afirmar que para esta nova maneira de leitura, em que o usuário “navega pelo hipertexto”, faz-se necessária a participação de outro recurso das narrativas digitais, o da interatividade. Porque sem a atuação do leitor sobre as possibilidades de ligações com outros textos que a webnotícia proporciona, o hipertexto não realiza sua principal função, que é a de dar ao usuário o poder de escolha para decidir qual caminho irá percorrer. Para Canavilhas (2001), a pirâmide invertida, modelo de organização dos fatos a partir de um grau de importância dado pelo jornalista, determinando qual informação ocupará o topo do texto, sendo esta a mais importante, e as de menor relevância logo abaixo, já não deve ser o princípio norteador das narrativas on-line. O autor afirma que “no webjornalismo não faz qualquer sentido utilizar uma pirâmide, mas sim um conjunto de textos hiperligados entre si. Um primeiro texto introduz o essencial da notícia estando os restantes blocos de informação disponíveis por hiperligação (p. 3).” Seguindo a lógica do hipertexto, a função de ordenar a narração compete diretamente ao usuário.


Neste contexto, será do público a iniciativa de seguir linearmente ou não uma sequência programada pelos jornalistas. Esta sequência previamente estruturada sustenta-se sobre pontos de ligações em que o conteúdo dessa narrativa tem a capacidade de direcionar o usuário a outra história. No hipertexto, o link é o ponto de ligação entre diferentes conteúdos possibilitando uma leitura multilinear e multissequencial dos acontecimentos. Gosciola (2003) procura definir a função do link: “tecnicamente falando, link é uma palavra, uma frase ou um gráfico de um documento eletrônico que contém o endereço de outro documento eletrônico (p. 80)”. Como elemento característico das narrativas na web, a hipertextualidade, além das funções citadas anteriormente, tem, a partir da referencialidade entre os conteúdos, a capacidade de tornar a busca por informação um processo mais dinâmico, de modo que uma narrativa complemente outra e possibilite um aprofundamento sobre determinado tema. Bertocchi (2006) resume com bastante clareza a participação do hipertexto na constituição de uma linguagem no ambiente on-line: O hipertexto é como um texto em três dimensões: além de conter a altura e a largura própria de todo texto, possui também profundidade. Cada unidade do hipertexto é chamada de nó ou lexia14. O jornalista, para criar hipertexto (combinar as lexias), precisa de duas habilidades: uma tecnológica e outra linguística. Para Salaverría (2005B, 31), esta última é a mais importante, posto que o domínio instrumental, por si só, não assegura um “bom” jornalismo. Neste sentido, o autor define a destreza linguística como a capacidade de compor e combinar nós hipertextuais de maneira que qualquer leitor os compreenda e não se desoriente. Isso significa que o jornalista do século XXI precisa, conforme expõe o autor, aprender a compor textos jornalísticos mediante procedimentos hipertextuais (BERTOCCHI, Daniela; Braga, Universidade do Minho, 2006, p. 57-58).

2.2.2 Áudio, Vídeo, Texto e a Multimedialidade 14

Segundo Murray (2003), lexia pode ser entendida, dentro da lógica do hipertexto, como “unidades de leitura (p. 64)”. Neste sentido, a lexia são as palavras ou blocos de palavras que servem como links para outros textos.


Seguindo o percurso apontado por Bertocchi (2006) ao descrever a “tríplice exigência” das narrativas na web, trataremos neste momento da capacidade “outorgada pelo meio digital de combinar em uma mesma mensagem pelo menos dois dos três seguintes elementos: texto, imagem e som” (p. 57). A este recurso, que permite ao usuário acessar uma informação a partir de diferentes mídias, como som, imagem (estática ou em movimento) e texto e até mesmo realizar estas ações concomitantemente, dá-se a classificação de multimedialidade. A união desses elementos, segundo Bertocchi (2006), afeta diretamente o campo discursivo das narrativas on-line. Isto porque cada uma dessas mídias traz consigo características de linguagem e expressividade próprias do suporte de origem. No caso do áudio, por exemplo, a grande influência vem do rádio que, a partir da “palavra dita” e até mesmo do silêncio, cria ambiente e estímulos utilizando recursos da música, ritmo e harmonia (Canavilhas, 2001, p. 4). Para Canavilhas (2001), o emprego de imagem e som às notícias acrescenta credibilidade, objetividade e coerência à narração dos fatos. Com estes elementos, aumenta-se o sentido de veracidade do fato, pois o jornalista vai poder mostrar os personagens e ocorrências, diferentemente do modo que se fazia no início da internet, quando a tecnologia da época permitia apenas o relato textual dos acontecimentos. Gosciola (2003) faz uma descrição técnica da multimedialidade no campo das narrativas on-line. Para o autor, multimedialidade “é a integração de gráficos, animações, vídeo, música, fala e texto, baseada em computador, para comunicar conteúdo intelectual aos leitores por um caminho simples ou uma linha de apresentação” (p. 31). Atualmente, as notícias veiculadas na internet exploram com bastante frequência o recurso multimídia. A evolução e simplificação dos processos de publicação das narrativas tornaram mais ágeis as construções de documentos por parte dos jornalistas, possibilitando que o mesmo profissional apure e divulgue uma informação, sem necessitar, por exemplo, da presença de um diagramador. Entramos neste contexto, porque atualmente muitos jornalistas vão a campo munidos de


equipamentos capazes de captar áudio e imagem, e então, o processo multimídia da notícia se inicia na apuração, no contato entre o repórter e o personagem. A multimedialidade é uma característica marcante e fundamental da linguagem on-line. É impensável na prática do webjornalismo atual a construção de uma narrativa que não explore no mesmo espaço os recursos de texto, som e imagem. No entanto, a multimedialidade pode ser até melhor percebida ao estudarmos com maior atenção as narrativas próprias ao ambiente web, como o nosso objeto de estudo, os newsgames, em que a união destes sentidos se mostra tão bem elaborada ao ponto dos elementos seguirem uma espécie de sincronia, onde se percebe a presença de cada um, mas a sequência em que estão dispostos formam um todo e a junção de texto, vídeo e som constituem uma narrativa coesa, única. A construção de uma narrativa a partir de mídias distintas emprega ao fato o caráter de complementaridade. O vídeo agrega informação ao áudio, da mesma forma que o som adiciona ao texto novos dados e assim sucessivamente, formando uma linguagem característica ao meio digital, onde a capacidade de entreter o usuário a partir de múltiplos suportes se mostra bastante presente. 2.2.3 A Interatividade e o público participativo O princípio da interatividade confere aos documentos on-line duas práticas elementares ao exercício do webjornalismo. Em uma produção digital, o usuário tanto pode interagir com o meio, optando por qual percurso seguir dentro de uma obra, quanto pode se comunicar com os produtores de conteúdo, no nosso caso, os jornalistas. Para Canavilhas (2001), a interatividade proporcionada pela internet permite que práticas oriundas do modelo de comunicação das mídias de massa sejam superadas: A máxima “nós escrevemos, vocês leem” pertence ao passado. Numa sociedade com acesso a múltiplas fontes de informação e com crescente espírito crítico, a possibilidade de interação direta com o produtor de notícias ou opiniões é um forte trunfo a explorar pelo webjornalismo. Num jornal tradicional o leitor que discorda de uma determinada ideia veiculada pelo jornalista limita-se a enviar uma carta para o jornal e aguardar a sua publicação numa edição seguinte... No


webjornal a relação pode ser imediata. A própria natureza do meio permite que o webleitor interaja no imediato (CANAVILHAS, João Messias. 2001. p. 2).

Pinho (2003) também faz referência à falta de interatividade nas mídias que denomina de “veículo de mão única” e cita a televisão, que o máximo de interatividade que oferece é a possibilidade de mudar de canal por meio do controle remoto (p. 53). Bertocchi (2006) ainda acrescenta às diferentes modalidades de interação na internet um modo mais avançado, em que o usuário pode personalizar o conteúdo. Há experiências onde o leitor acrescenta dados pessoais e a informação se ajusta às necessidades

daquele

público

específico.

São

questões

de

programação

e

configuração de dados que conduzem o usuário a uma experiência mais próxima à notícia. No webjornalismo, também existem espaços interativos dedicados à produção de conteúdos por parte do próprio público. Praticamente todos os grandes portais de notícias destinam páginas onde o usuário pode expressar opinião. São espaços como fóruns de discussão, salas de conversação com especialistas em diferentes áreas do conhecimento e até mesmo a utilização de redes sociais. Canavilhas (2001) acredita que a notícia, nesse caso, funciona como o “tiro de partida” para uma discussão com o leitor (p. 3). O autor defende que o ponto de vista dos usuários enriquece a informação e ainda leva em conta que quanto mais comentários existirem maior será o interesse de novos leitores em torno de determinada discussão. No caso destas empresas de comunicação, e demais mercados, que disponibilizam pontos de interação com os usuários, Pinho (2003) afirma que as organizações devem atentar para o fato de que a partir do momento que se abre espaço para a interatividade com o público, as empresas já não mais “falam” com o usuário e sim “conversam” (p. 54), porque o nível de exigência por respostas será maior e deve-se estar preparado para o relacionamento com o público. No campo da narrativa, Gosciola (2003) defende que a interatividade está na base da construção de enredos não-lineares. É a partir da possibilidade de interação com a


história que o usuário poderá definir qual percurso seguir. O pesquisador faz as seguintes ponderações a respeito da interatividade: Interatividade é, para nós, a partir dos estudos no campo das ciências da comunicação e no campo das novas tecnologias, um recurso de troca ou de comunicação de conhecimento, de ideia, de expressão artística, de sentimento. Segundo Anne-Marie Duguet, a interatividade promove no espectador uma mobilização, um desejo de interferir, de se relacionar com a obra e com seus personagens... Entretanto, para Kristof e Satran o núcleo da interatividade eficiente ainda é uma mensagem forte e uma apresentação clara... Essa interatividade é o resultado da busca constante em organizar e interligar conteúdos consistentes em relação á proposta geral da obra (GOSCIOLA, Vicente. São Paulo, Editora Senac, 2003, p. 87).

A interatividade vista dessa forma, resulta em diferentes modos de atuação dentro da esfera da internet. A partir da análise de Andrigueti (2010), percebemos que o princípio de interatividade “está relacionado às ideias de comunicação de mão dupla e ao feedback, (ao retorno, às respostas) do usuário” (p. 98). E ainda, a interação se faz necessária para tornar o receptor um colaborador na construção das narrativas. Neste caso, o usuário atua como condutor da história, definindo os próximos passos, as próximas cenas de um enredo. A interatividade dentro dessa ótica torna a internet um meio colaborativo, que incentiva o usuário a participar das narrativas e até formular suas próprias histórias. O usuário, a partir de condições formuladas pelo emissor da mensagem, se torna um elemento fundamental para a realização deste que é um dos conceitos essenciais à linguagem web. Percorrendo vias contidas nos sites através de variáveis previamente definidas pelo produtor do conteúdo ou acrescentando informações novas, em obras mais abertas à intervenção do público, a participação do usuário nas notícias on-line deve ser um fator ainda mais explorado e o webjornalismo caminha nesta direção.

2.2.4 O mergulho na narrativa e o leitor imersivo


A ideia de imersão percorre um sentido próximo ao da interatividade, no entanto, no caso do usuário imerso em uma narrativa, o indivíduo envolve-se com tamanha intensidade que acaba criando vínculos emocionais com a obra. Murray (2003) afirma que faz parte do trabalho inicial em qualquer meio a exploração dos limites entre o mundo da representação e o mundo real (p. 105). A autora analisa o mundo digital como um meio sedutor, capaz de atrair a atenção do público de maneira que ocorra, em muitos casos, uma participação com engajamento por parte dos indivíduos. Esse engajamento ao lidar com a informação vinda da web ocorre em parte, de acordo com análises de Santaella (2004, p. 52), porque a internet, em comparação com outras mídias, é de fato o único meio inteiramente dialógico e interativo. Portanto, torna-se impossível, na visão da autora, entrar em contato com essa linguagem hipertextual e multimidiática da internet de modo reativo e passivo. Porque nas narrativas on-line “é o usuário quem determina qual informação deve ser vista, em que sequência ela deve ser vista e por quanto tempo”. Dessa forma, contribuindo para a definição do destino da história, o usuário amplia o vínculo com a informação e quanto maior for a interatividade proporcionada pela narrativa ao usuário, maior será a imersão do mesmo. E esta imersão, na visão de Santaella, “se expressa na concentração, atenção, compreensão da informação e na interação instantânea e contínua com a volatilidade dos estímulos” (p. 52) por parte do público. Para Sodré (2002), isto acontece porque a web tem como características próprias a recombinação de meios, simulando e virtualizando a existência humana, e ainda acrescenta outras informações: Um medium como a internet inclui desde dispositivos televisivos até os de comunicações interpessoais, como telefone e correio. É uma reconfiguração realística do mundo por homologação de imagens adrede elaboradas, com o acréscimo da interatividade: a interface cria uma outra realidade cultural, que outorga ao usuário um nível de controle da ação e o coloca simulativamente no cenário midiático (SODRÉ, Muniz. Petrópolis, Editora Vozes, 2002, p. 146).

A imersão pode ser compreendida dentro deste cenário como a potencialização da “tríplice exigência” das narrativas on-line, definidas por Bertocchi (2006). Isto porque quanto maior for a utilização, por parte dos desenvolvedores de conteúdo, dos recursos


de hipertexto, multimídia e interatividade, maiores serão as possibilidades de envolvimento dos usuários com a informação. Esse relacionamento com a informação, ora com maior profundidade, ora menos intenso, defendemos aqui como uma clara evidência do papel da imersão na web. A imersão, segundo Murray (2003, p. 101), é um convite das narrativas on-line para que o leitor “entre na tela”, vivendo uma realidade irreal em um universo ficcional, intensificado por um meio participativo onde o usuário pode entrar em contato com a história. E ao aceitar o convite, o usuário passa a conviver com que Sodré (2002, p. 119) classifica de “outro mundo” ou um “novo real”, proporcionado pelas tecnologias de simulação existentes nas novas mídias, programadas para modelar matematicamente uma realidade original em dados, criando mais a frente uma “realidade artificial”. Nestes novos meios de comunicação, a imersão do público na narrativa vai além da experiência puramente mental ou afetiva, como acontece nas mídias tradicionais. O que ocorre, é uma participação por múltiplos sentidos (perceptiva, auditiva, tátil), “uma vivência propriamente áptica”, como propõe Sodré (2002, p. 122). A “vivência áptica”, na qual o usuário está inserido ao imergir no modo de narrativa das novas mídias, representa, segundo Sodré (2002), uma virtualização da realidade, empenhada em “substituir a sensorialidade natural – visão, audição, tato – por informação digitalizada (p. 121)”. Neste ambiente sinestésico, capaz de simular um acontecimento ou uma situação própria ao mundo natural, os dispositivos eletrônicos ofertam tecnologias que possibilitam ao produtor de conteúdo desenvolver uma narrativa “que dá ao participante sensação de inclusão ou de imersão na cena projetada”. Por outro lado, vale ressaltar que a ação do público em meio a essa “realidade virtual” não se dá apenas nas narrativas on-line, como possa parecer, pois são igualmente virtuais, segundo Sodré (2002), “a comunicação em rede e os ambientes cibernéticos em que um número indeterminado de pessoas é capaz de interagir em tempo real, imerso numa simulação tridimensional (para a visão e a audição) (p. 125)”.


No ambiente imersivo, o público torna-se personagem de um fato, realizando ações inimagináveis para sua realidade cotidiana. A imersão tem a capacidade de transportar o usuário a um lugar simulado, fazendo-o experimentar situações em um ambiente virtual. Murray (2003) recorre ao sentido original da palavra imersão para elevar a compreensão sobre o tema, mostrando que a palavra antes utilizada para explicar uma ação dentro do espaço físico, passa a ser empregada em eventos no campo psicológico. Para a autora: “Imersão” é um termo metafórico derivado da experiência física de estar submerso na água. Buscamos de uma experiência psicologicamente imersiva a mesma impressão que obtemos num mergulho no oceano ou numa piscina: a sensação de estarmos envolvidos por uma realidade completamente estranha... Gostamos de sair de nosso mundo familiar, do sentido de vigilância que advém de estarmos nesse lugar novo, e do deleito que é aprendermos a nos movimentar dentro dele. A imersão pode requerer um simples inundar da mente com sensações... (MURRAY, Janet H.; São Paulo; Itaú Cultural: Unesp; 2003, p. 102).

Sendo assim, podemos acreditar que o emprego de novos recursos capazes de tornar uma narrativa jornalística ainda mais interativa e imersiva contribuirá para uma nova maneira de apreender conteúdo noticioso. Dentro da produção do webjornalismo, fazer com que o usuário tome conhecimento de um assunto a partir de sua inserção no cenário onde ocorreu determinado fato pode aumentar a capacidade de compreensão sobre o assunto. Com o usuário imerso em uma narrativa, há também a possibilidade de maior fixação de informações por parte deste indivíduo, pois se espera que ao praticar ou, de certa forma, vivenciar determinada tarefa, o usuário possa reter maior conhecimento sobre aquilo que executou, estreitando a ligação com a notícia. A esta relação do usuário com o meio digital, a partir de todos os recursos que o ambiente on-line oferta e do modo de organização do sistema de mídia em rede, em que prevalece a internet como principal articulador das relações sociais, políticas e econômicas, inaugura-se no campo da comunicação um novo perfil de recepção. O público das mídias digitais distingue-se de outros públicos que predominaram em períodos anteriores e, de acordo com Santaella (2004), deve ser descrito e estudado a


partir da familiaridade com os computadores e outros suportes que utilizam a internet como veículo difusor de conteúdo. Para a autora, ao longo da história percebemos três diferentes perfis de leitores no tocante à forma como lidavam com as mídias disponíveis para o acesso à informação. Santaella (2004), ao tentar definir o perfil do leitor das novas mídias, a partir da análise das “novas formas de percepção e cognição que os atuais suportes eletrônicos e estruturas híbridas e alineares do texto escrito estão fazendo emergir” (p. 16), afirma que a sociedade fora antes apresentada ao leitor típico de livros, um leitor contemplativo, e aqueles inseridos no contexto das mídias tradicionais, como TV, rádio e jornal, um leitor movente, e, atualmente, o perfil de público pode ser descrito como leitor imersivo. Antes de prosseguirmos, vale ressaltar que a autora explica que a presença de um modo de leitura não exclui a existência de outro. Portanto, enquanto estamos diante de um livro, comportamo-nos como um leitor contemplativo, mas ao transitarmos em outras mídias, como TV e a internet, estamos praticando um modo de leitura movente e imersivo, respectivamente. Para a autora, o leitor contemplativo pode ser enquadrado em um percurso histórico desde o início do século XVI, quando ler um livro passou a ser uma atividade individual. Dentro deste modo de leitura, encontramos também outras formas de comunicação como pinturas, esculturas e partituras, em que o principal sentido utilizado era a visão, convidando o leitor a explorar a imaginação, devendo assim contemplar e meditar sobre o conteúdo exposto em tais mídias. Já o perfil de leitor movente pode ser encontrado no percorrer da história, segundo a autora, a partir de meados do século XX, com o crescimento dos centros urbanos e a predominância de meios de comunicação de massa, como jornal, TV, cinema e rádio, em que o leitor teve de desenvolver hábitos de leituras onde prevalece o uso excessivo de imagens em meio a linguagens efêmeras e misturadas. Posterior a esses dois perfis de leitores, a era digital, com um modelo de comunicação baseado “no poder dos dígitos para tratar toda e qualquer informação - som, imagem,


texto, programas informáticos - com a mesma linguagem universal” (p. 31) favorece o nascimento de um terceiro tipo de leitor, um leitor imersivo, distinto dos outros leitores. Este tipo de leitor navega pela linguagem hipertextual, multimidiática e interativa da internet

e,

diferentemente

dos

leitores

contemplativo

e

meditativo,

está

permanentemente em “estado de prontidão, conectando-se entre nós e nexos, num roteiro multilinear, multissequencial e labiríntico que ele próprio ajudou a construir ao interagir” (p. 33). De acordo com Santaella (2004), esta nova linguagem, além de trazer à tona um novo modelo de leitor, acrescenta grandes transformações no tocante a habilidades sensórias, perceptivas, cognitivas e, de certo modo, de sensibilidade. A afirmação da autora segue o pensamento de que a cada nova linguagem inserida o ser humano tende a desenvolver novas aptidões psicomotoras, e segue: Com relação ao leitor imersivo, parti da hipótese de que a navegação interativa entre nós e nexos pelos roteiros alineares do ciberespaço envolve transformações sensórias, perceptivas e cognitivas que trazem consequências também para a formação de um novo tipo de sensibilidade corporal, física e mental (SANTAELLA, Lúcia; São Paulo; Paulus; 2004, p. 34).

Ao leitor imersivo, que aceita o convite das novas mídias para mergulhar em suas narrativas cada vez mais interativas, hipertextuais e multimidiáticas, fica a expectativa para que um maior número de empresas de comunicação explorem essa linguagem envolvente e participativa, onde o usuário tem papel determinante para a condução da história e este mesmo indivíduo segue a tendência de que apenas estar informado não importa, o novo leitor busca sentir a informação, colaborar para o desenrolar da história, vivenciar o fato, simular experiências.

2.3 Informação como entretenimento O primeiro passo para o início desta discussão encontra-se no sentido utilizado no âmbito da comunicação para o termo entretenimento. Ao que percebemos, duas


correntes divergem sobre qual lógica o entretenimento está inserido em nossa sociedade. Há os defensores de que o princípio de entreter está no papel de alienar e preencher o tempo ocioso dos indivíduos, o entretenimento como simples distração. Porém, existe outra linha de pensamento que determina o entretenimento como forte aliado dos meios de informação no que confere à facilitação da compreensão de conteúdos, indo além da simples brincadeira de ocasião. O termo entretenimento, de acordo com Bucci (2006 apud Deak, 2007), origina etimologicamente do latim, onde encontramos a palavra intertenere (inter significa entre; tenere quer dizer ter) que serve de raiz para o verbo entreter. Este verbo, afirma o autor, levou consigo diversos significados ao longo da história. A partir do século XVI, quando se tem notícia do surgimento desta palavra, ela estava ligada ao significado de passatempo e divertimento, atrelada até mesmo ao conceito de pecado. Seguindo o percurso histórico, a partir do início do século XIX, entretenimento estava vinculado diretamente ao modo de consumo praticado pelas classes populares, sendo associado a eventos menos importantes, em lado oposto ao conceito de erudito ou às expressões artísticas apreciadas pela elite cultural. Chegando à segunda metade do século XX, inaugura-se outro significado para entretenimento. Este novo sentido vem a cargo dos meios de comunicação de massa, referindo-se ao poder de entreter como atributo para distrair a audiência, tornando o entretenimento uma indústria diferenciada, um negócio global. Deste modo, a interrelação entre a função de entreter e a de informar que a mídia massificada assume, correspondem ao que Castells (1999) vem definir já no fim do século anterior como “infotenimento”. Neste período, e principalmente a partir da década de 1990, a produção jornalística ganha novos contornos, apropriando-se de ferramentas típicas do entretenimento. A internet, neste contexto, contribui para acelerar o desenvolvimento das técnicas de produção em que há essa combinação de elementos do universo do entretenimento com os do jornalismo. Lara (2010, p. 2) afirma que a internet foi importante para a consolidação do infotenimento como modelo de produção de conteúdo informativo. O


autor acredita que a internet tornou possível a descentralização da emissão de notícias, horizontalizando a relação entre os que recebem e difundem a informação, aumentando a interação entre os agentes da comunicação. Por outro lado, o princípio de infotenimento tratou por diminuir a fronteira entre a informação jornalística e o entretenimento, provocando em alguns casos a espetacularização da notícia, em que o fato em si tende ou não a ser publicado a partir de critérios que vão além da relevância social, mas sim a partir de elementos que tornem determinado acontecimento em algo vendável, que possa ser apresentado como um verdadeiro espetáculo. Neste trabalho, seguimos a linha de pensamento que defende o uso de ferramentas típicas do entretenimento por parte do jornalismo como uma forma de tornar a informação ainda mais atrativa. O leitor/ usuário, nesse caso, tem como principal beneficio ao consumir este tipo de conteúdo a possibilidade de se informar ou se educar por meio de uma diversão. Atualmente, a grande maioria das mídias, de uma forma ou de outra, segue a tendência do infotenimento em suas redações e produzem os noticiários de acordo com parâmetros estabelecidos em que a informação deve ser apresentada de maneira atrativa, com certo apelo aos elementos visuais e, quando possível, em formatos lúdicos. O webjornalismo certamente não foge a estas regras e desde os primeiros portais de notícia busca explorar ferramentas capazes de facilitar a apreensão e compreensão da informação noticiosa. Não chega a ser novidade a utilização de enquetes, fóruns de discussão e até mesmo os infográficos, mas nos últimos anos surge uma tendência que trabalha a aplicação de dados contidos em notícias para a formulação de jogos. A iniciativa, a princípio, surge basicamente com jogos no modelo de quiz, que nada mais são do que desafios aos usuários a partir de testes de conhecimento, em que são lançadas perguntas sobre determinado tema e ao público cabe a função de responder. A procura por explorar os jogos como modelo de narrativa para conteúdos jornalísticos se deve principalmente ao fato de que os games correspondem, nos últimos anos, a uma das principais fontes de renda da indústria do entretenimento. Esta razão econômica influencia diretamente na produção em ambiente on-line, tanto que os


games, segundo Costa Bisneto (2008, p. 290), representam “a indústria carro-chefe do mundo cibernético” e são determinantes para que o conceito de infotenimento se aplique a praticamente toda a produção na web. Em vista disso, com o aprimoramento dos recursos de interação, hipertextualidade e multimedialidade da internet, tornou-se possível aos desenvolvedores de jogos convergir as narrativas antes praticadas somente em televisões conectadas aos aparelhos de videogame, para o ambiente online, onde o usuário tem a disposição produtos semelhantes em vários aspectos aos disponíveis anteriormente em videogames. Com a web preparada para hospedar os games, surgem iniciativas no campo do jornalismo buscando explorar os jogos como suporte para conteúdo informativo. Surge, então, no início do século XXI, os primeiros newsgames. Estes jogos jornalísticos representam claramente os principais conceitos de infotenimento. Nascem da ideia de transformar a notícia em algo atraente, divertido, mas sem perder a capacidade de informar e ensinar. Os newsgames representam uma evolução do webjornalismo, onde podemos ver aplicadas as principais características do ambiente on-line servindo como base para o surgimento de uma narrativa condizente à era digital, onde a convergência de meios, somada a uma linguagem não-linear, fragmentada e imersiva siga em compasso com as principais características do entretenimento, em que o jornalismo mantém o caráter informativo, entretanto, com um aspecto mais descontraído.

2.4 Newsgames Certamente, nem todos os portais de notícia na internet se encontram no mesmo patamar de desenvolvimento. Quer seja por fatores financeiros ou de acesso a novas tecnologias, muitos sites ainda não conseguiram evoluir sua dinâmica de produção no sentido de se apropriar dos recursos disponíveis de hipertexto, multimedialidade e interatividade e, dessa forma, explorar novos formatos e linguagens. Por outro lado, algumas empresas jornalísticas avançam em direção a um novo modelo de


webjornalismo, combinando as características informativas e lúdicas da internet, inaugurando o que Seabra (2010) chama de “Jornalismo 4.0”. Para o autor, esta nova fase do webjornalismo supera as três etapas citadas anteriormente neste trabalho. Seabra (2004) aponta os newsgames como principais representantes deste novo modo de produção da notícia, em que um fato noticioso serve como base para narrativas de histórias em suportes de jogos on-line. Os newsgames, neste cenário, servem para ilustrar claramente como a web a partir de características completamente distintas de outros meios consegue reutilizar e recombinar formas e linguagens exploradas em outras mídias, realizando o que Luz (2010) aponta como a capacidade de remidiação dos jogos jornalísticos. Adicionam-se aos newsgames todas as particularidades outrora mencionadas em relação ao perfil hipertextual, imersivo, interativo e multimediático do ambiente on-line, e, também, todos os recursos que estes jogos trazem de seu formato original, os videogames, ou simplesmente games, como este termo se popularizou no mercado. Os games, produzidos inicialmente para serem jogados a partir da conexão de um dispositivo com a função de leitor de cartuchos ou fitas onde se armazenam os jogos, com um aparelho de TV, estão constituídos, segundo (Gosciola, 2003) em um meio tipicamente audiovisual e, como apontam Branco & Pinheiro (2006), trazem em sua essência a hibridização de linguagens. Em outras palavras, os autores afirmam que o modo narrativo do videogame sofre forte influência das mídias que o antecedem e em uma análise mais aprofundada percebemos nitidamente a presença de elementos característicos do cinema, da televisão, das histórias em quadrinho e até mesmo da literatura para a formulação de enredos, cenários e enquadramentos nesses jogos. Para Seabra (2004, p. 3), os games, em cada detalhe, podem ser explorados como fonte de informação. O pesquisador afirma que desde a escolha do roteiro até o suporte utilizado podem determinar o modo discursivo desta narrativa. Seabra afirma que “o ponto de partida para a concepção informativa do jogo” está na escolha do roteiro do jogo e a outra parte fundamental desta mídia está no “roteiro descritivo”, composta pela


interface dos games, ou as informações audiovisuais, como cenário, personagens, animações, produção sonora, uso de planos e enquadramentos. Seabra ainda afirma ser fundamental para a execução de um jogo a formulação de desafios ao usuário, porque a partir desta proposta a história convida o jogador a interferir no desenrolar do acontecimento, envolvendo-o na trama. E esta relação com a narrativa possibilita ao usuário desenvolver diversas habilidades simultaneamente, como a memória (visual, auditiva, cinestésica), a orientação temporal e espacial (em duas ou três dimensões), a coordenação sensório-motor, a percepção auditiva e visual, o raciocínio lógicomatemático e a expressão linguística (Silva, 1999 apud Seabra, 2004). Sendo assim, é a partir do exercício dessas competências que o usuário, como defende o autor, apreende informações de caráter educativo e pode também tomar conhecimento de fatos novos. Luz (2010), ao parafrasear o pesquisador e desenvolvedor de games Ian Bogost, defende a tese de que os jogos “não apenas entregam mensagens, mas também simulam experiências”. Para a autora, deve-se explorar com mais ênfase o potencial de atividade lúdica dos games ao ponto de torná-los uma ferramenta retórica, conduzindo o jogador a entrar em contato com a linha editorial da empresa jornalística, compartilhando do mesmo ponto de vista. A produtora de jogos Persuasive Games15, em que entre os proprietários está Bogost, citado acima, acredita com tanto entusiasmo no potencial imersivo e retórico dos newsgames a ponto de considerá-los uma ferramenta jornalística de persuasão e ativismo, mobilizando o jogador a se engajar em determinada causa. Deste modo, acreditamos ser importante reproduzirmos a mensagem inserida na página inicial do site da desenvolvedora de jogos Persuasive Games, a fim de compartilhamos o ponto de vista de uma das maiores empresas desse mercado sobre o potencial midiático dos games: We design, build, and distribute videogames for persuasion, instrunction, and activism. Games communicate differently than other media; they not only deliver messages, but also simulate experiences. Our games 15

Endereço eletrônico da empresa Persuasive Games http://www.persuasivegames.com/. Acesso em

5/01/2011.


influence players to take action through gameplay. While often thought to be just a leisure activity, games can also become rhetorical tools.

A partir da iniciativa de empresas como a Perspective Games que os jogos jornalísticos começam a abrir espaços nas redações como uma forma de narrativa. Em todo o mundo, grandes veículos apostam no potencial dessa nova maneira de se reportar um fato. Entre aqueles que se destacam na produção de newsgames, estão os jornais o The New York Times, dos Estados Unidos, e o El País, da Espanha, que, por sinal, ganhou notoriedade pelo fato de lançar o primeiro jogo a se destacar na aplicação de uma notícia como base para um game on-line. O acontecimento que motivou a realização do jogo foi a série de atentados terroristas em 11 de março de 2004, nas estações de metrô da cidade de Madrid, que ceifou a vida de 191 pessoas e alarmou todo o mundo, repercutindo diretamente no meio jornalístico e exigindo um grande investimento na apuração e construção de notícias. Diante da relevância do fato, o El País tornou público o game Play Madrid16 e convidou a todos a compartilharem daquele momento de forma simbólica, porque a proposta do jogo estava no desafio ao usuário em não deixar as velas apagarem, como forma de lembrar as vidas perdidas no atentado. De 2004 até o presente momento, diversas experiências utilizando os games como ferramenta jornalística foram realizadas. Na maioria dos casos, mídias tradicionais utilizando como extensão de suas reportagens os newsgames. O que percebemos, é que aos jogos jornalísticos ainda não foi confiada a função de revelar um acontecimento. Aos games, atribui-se a repercussão do fato ou, em muitos casos, o aprofundamento sobre determinado conteúdo. Os casos do The New York Time e El País são notórios devido à quantidade de jogos disponibilizados e até mesmo por estarem entre os primeiros a desenvolverem este modelo de narrativa. Entretanto, outros veículos já exploram os games em seus canais na internet, como as empresas de TV norte-americanas CNN, MSNBC e MTV, e, no Brasil, a Folha de São Paulo e a Editora Abril, por meio das revistas Capricho, Mundo Estranho e Super Interessante. 16

http://www.newsgaming.com/games/madrid/, acesso em 16/01/2011


A Super, assim como grande parte dos veículos que investem em newsgames, utiliza os jogos para repercutir as matérias impressas nas páginas da revista. O que diferencia esta de outras publicações está no espaço conquistado pelos jogos na linha editorial da revista, tendo, inclusive, uma seção 17 no portal on-line dedicada a analisar a produção de newsgames pelo mundo e também os lançamentos da própria revista. A Super Interessante, no mercado brasileiro, está entre os casos de veículos bem sucedidos nessa aposta em narrar um acontecimento de forma lúdica por meio da combinação de imagens, sons e programação de dados. E ao leitor/ usuário a revista afirma ser possível produzir notícia unindo jornalismo e videogames, contextualizando um fato, em muitos casos, com mais êxitos do que as atuais grandes reportagens das mídias tradicionais. O texto publicado em 2009 ainda acrescenta outras informações: Se você acha que não dá para combinar jornalismo e videogame, pense mais um pouco. De acordo com Howard Finberg, um dos principais nomes em jornalismo online, a retenção de informação em newsgames fica entre 70% e 80% – isso sem contar que os jogos, muitas vezes, podem transportar o jogador para o contexto da notícia com mais êxito do que uma grande reportagem.18

O que fica evidente, é a busca pela melhor aplicação dos games na produção de notícias por parte das empresas de comunicação. Sabe-se que as redações ainda não evoluíram no sentido de construir um jogo capaz de acompanhar um evento em tempo real. Enquanto seguem nesta direção, cabe aos jogos jornalísticos a função de repercutir um fato ocorrido, detalhando-o e trazendo o usuário para experimentar determinada situação. Segundo Bogost (2009 apud Luz, 2010), a respeito dos custos de produção e justificando o problema da atualidade dos games em relação ao acontecimento reportado, o autor afirma que os jogos jornalísticos “são difíceis de criar e de publicar rapidamente de forma que também tenham significado, algo que não é necessariamente verdadeiro em palavras escritas ou faladas, ou até mesmo em desenhos feitos à mão”. 17

Seção “Multimídia” da Super Interessante, http://super.abril.com.br/multimidia/, acesso em 20/03/2011. Cf. http://super.abril.com.br/blogs/superblog/conheca-os-newsgames-mais-bacanas-da-super/, acesso em 27/12/2010. 18


Diante de todos estes elementos citados, este trabalho seguirá o percurso da análise do objeto de estudo, neste caso a Super Interessante, e todo o esforço da publicação em conduzir uma narrativa de forma transmidiática. Veremos com mais detalhes três games disponibilizados pela Super na internet. Assim, nos aprofundaremos nas características específicas para esses jogos e como ocorre a transposição de conteúdos originalmente do meio impresso para o digital. Sabemos que este modo de comunicação faz parte da evolução do sistema de mídia e esta revista exerce com certo sucesso o empenho em criar conteúdos para os novos meios. Acreditamos, como estudiosos da comunicação social, ser necessário estar atentos ao caso da Super, assim como de outros veículos, que trilham os caminhos das novas tecnologias da informação sem perder sua essência de mídia tradicional, voltada para um público de massa. São novas formas de se fazer jornalismo, a partir de novas linguagens e maneiras diferenciadas de se relacionar com os leitores, ou usuários.


3. A Revista Super Interessante

3.1 De Muy Interesante à Super Interessante Idealizada para ser uma versão brasileira da revista espanhola Muy Interesante, a Super Interessante, ou Super, como popularmente ficou conhecida, chegou ás bancas nacionais no início do mês de setembro de 1987 por meio da Editora Abril com uma linha editorial voltada ao campo das ciências exatas e biológicas. Logo na primeira publicação, batizada de “edição zero” 19, percebeu-se um grande interesse por parte do público sobre a forma com que foi abordada a temática, vista inicialmente como algo próprio ao campo acadêmico. Esta primeira revista, lançada de forma experimental, foi distribuída como parte integrante de outras revistas do grupo Abril e, em suas vinte páginas, propôs um novo tipo de leitura, buscando tratar de assuntos complexos de maneira simples, mas nem por isso de forma rasa. Com a proposta de traduzir o que era discutido nas universidades ou ainda novidade nos laboratórios de todo o mundo, a Super Interessante conseguiu agradar uma parcela 19

Rigo & Lopez (2010, p. 4)


significativa do público, percebendo-se então um nicho de mercado ainda pouco explorado pelas publicações da época. Com estes argumentos surge a edição número um, cuja matéria de capa trazia o tema supercondutores. As expectativas da editora foram alcançadas em pouco tempo, e a tiragem de 150 mil revistas se esgotou, sendo necessária uma reimpressão de 65 mil exemplares, que também foram vendidos. Acrescenta-se ainda o fato de que logo no primeiro dia de veiculação foi alcançada a marca de cinco mil assinantes. Porém, o sucesso do lançamento da Super não pode ser creditado em todo por esta ter comprado os direitos da Muy Interesante. Porque, ao contrário da intenção inicial de se fazer uma tradução do que era lançado na Espanha, assim como faziam as versões alemãs, francesas e italianas, fatores técnicos e econômicos impediram que os planos da Abril fossem levados a diante. Percebeu-se que as chapas de impressão, ou fotolitos, utilizadas na Europa eram maiores do que as do Brasil, e então, achou-se menos oneroso fazer novas matérias, adequadas aos padrões gráficos brasileiros. Partindo deste que seria um problema, os repórteres incorporaram a forma de abordagem original da Muy Interesante e passaram a escrever matérias inéditas, mas dentro do contexto do país. Quase 25 anos depois, a Super tornou-se exportadora de conteúdo e encontra mercado para seus infográficos, ilustrações e textos em países americanos e europeus. A linha editorial da revista também sofreu alteração, direcionando os trabalhos na tentativa de “informar o público leigo” (Rigo & Lopez, 2010, p. 5) com temas que ainda tratam de ciências exatas e biológicas, mas agora com mais espaço para as ciências humanas e sociais, como religiões, cultura e assuntos ligados ao universo da internet. O distanciamento das divulgações científicas por um lado desagradou uma parcela de leitores que se interessavam em matérias de maior profundidade, porém popularizou a revista, direcionando o modo de comunicar para um público mais abrangente. Para a Editora Abril, a Super é a revista que “antecipa tendências” e desta forma, no site da


PubliAbril20, voltado para as agências de publicidade, resume-se como a publicação é apresentada aos anunciantes: A Super Interessante é a maior revista jovem do País. Ela inova nas pautas com abordagens criativas para os temas que todos estão discutindo e antecipa tendências, contando para o leitor, em primeiríssima mão, aquilo que vem por aí. Super Interessante é a revista essencial para entender este mundo complicado em que vivemos, ajudando a separar a verdade do mito, o importante do irrelevante, o novo do velho – tudo de forma surpreendente, provocativa e ousada.

Ao primeiro contato com qualquer edição mais recente da revista, principalmente a partir de meados da década passada, percebe-se que a Super Interessante volta suas atenções a um leitor tipicamente jovem e de classes sociais com poder aquisitivo de maior alcance. E este fato se confirma em pesquisas feitas por institutos dedicados ao mercado de comunicação. Segundo dados apresentados pela empresa de estudos de mídia Marplan referentes ao ano de 2010, em se tratando de gênero, 52% dos leitores são do sexo masculino e 48% feminino, sendo que deste total 60% encontram-se na faixa etária de 15 a 34 anos, e a grande maioria, mais precisamente 99%, estão entre as classes A, B e C. Quanto à distribuição, de acordo com o Instituto Verificador de Circulação (IVC), no ano passado 71% das impressões foram enviadas para os estados das regiões Sul e Sudeste do Brasil. Em relação à tiragem, os números da Super também a qualificam como uma das maiores publicações no mercado atual de revistas. Ainda com base em levantamentos do IVC, referentes a fevereiro deste ano, a Super Interessante figura como a terceira maior tiragem do país, alcançando a marca de 435.430 revistas vendidas por meio de assinaturas ou compras avulsas. E levando-se em conta também a projeção estimada de leitores, que calcula em torno de cinco a sete leitores por revista, a Super é lida

20

Endereço eletrônico da PubliAbril http://www.publiabril.com.br/marcas/superinteressante/revista/informacoes-gerais. Acesso em 28/03/2011.


aproximadamente, segundo a pesquisa Projeção Brasil de Leitores consolidado 2010, por 2.299.000 pessoas. São dados significativos que representam o direcionamento tomado pela revista em relação ao perfil de leitor e a maneira de se comunicar com este público. Convencionou-se adotar uma linguagem voltada aos jovem, privilegiando uma abordagem mais descontraída e menos formal, apoiada em padrões estéticos que favorecem a utilização de infográficos e ilustrações como forma de apresentação das informações. A Super Interessante investe em um jornalismo mais dinâmico e menos conservador, desta forma consegue seguir as inovações tecnológicas e adequar à linha editorial, no sentido de permanecer próxima aos costumes de seu público alvo.

3.2 Uma revista transmidiática Grande parte do conteúdo publicado mensalmente na revista Super Interessante se estende para outras mídias. Dentro do grupo Abril, a Super e os demais títulos que compõem o Núcleo Jovem da editora, são os que melhores exploram o potencial transmidiático das novas tecnologias de comunicação de acordo com a oferta de recursos em vigência. Mais especificamente sobre a Super Interessante, suas matérias já deram origem a livros, CDs, DVDs, sites, redes sociais, fóruns de discussão, a newsgames, dentre outros suportes que confirmam a aposta de se alcançar o leitor desta publicação em vários momentos de seu dia, proporcionando até mesmo a aqueles que não têm acesso à versão impressa o acesso ao que é pauta na Super. A Super Interessante além de diversificar e prolongar o conteúdo por outras mídias, também deu origem a outras revistas que circulam em torno de um nicho de mercado bem próximo, sendo que uma delas, a Mundo Estranho, era uma seção da Super que ganhou uma publicação própria. Incluindo estas duas revistas, outros títulos fazem


parte do Núcleo Jovem da Editora Abril, que é definido da seguinte forma 21 em um site exclusivo para este segmento da editora: O Núcleo Jovem é responsável pelas publicações, sites e eventos da Editora Abril, dirigidos a jovens adultos e adolescentes. Suas principais marcas são: Super Interessante, Mundo Estranho, Aventuras na História, Guia do Estudante e Almanaque Abril. O Núcleo é especialista em falar e acionar a audiência jovem em torno de vários interesses na linguagem que usam e entendem. Por meio de revistas, sites, celular, eventos, ações cross-media, DBM e conteúdo publicitário sob medida, nossa equipe gera informação relevante e de qualidade para esse público.

Estar compreendida em um Núcleo voltado a ações para o público jovem contribui para definir a forma de abordagem dada às reportagens, porque faz parte de qualquer veículo de comunicação encontrar o devido espaço no mercado e criar uma identidade diante do público. A tarefa da Super de se mostrar uma revista que visa os leitores jovens se estendem por um longo período. Passa por transformações editoriais, reformulações gráficas e aposta em novas mídias, chegando ao estágio atual, quando determinadas reportagens são produzidas com o intuito de serem complementadas por meio da internet, do celular ou de edições especiais.

Como havíamos dito anteriormente, a primeira revolução da Super Interessante foi a opção

por

temas

menos

restritos

ao

campo

acadêmico,

abordando

assim

acontecimentos mais próximos ao cotidiano, ou até mesmo mostrando a partir de um viés científico fatos que estão em pauta. Com a definição de novos rumos na linha editorial, uma nova linguagem passa a acompanhar a revista. Percebe-se ao ler a revista, que a opção por um texto mais descontraído e dinâmico foi a fórmula que a Super encontrou para tornar suas matérias mais atraentes ao público jovem. Entretanto, notou-se que a questão estética ainda não correspondia ao esperado para o novo padrão da revista.

21

Endereço eletrônico do Núcleo Jovem da Editora Abril http://www.njovem.com.br/nucleo-jovem/. Acesso em 14/04/2011.


Então, em 1995, a Super Interessante passa por reformas no projeto gráfico, alterando em vários aspectos seu layout. Os infográficos ganharam mais espaço, em alguns casos, substituindo as próprias matérias. A Super se especializou na produção de infográficos, sendo que muitos deles foram premiados internacionalmente. A partir desta reforma, as fotografias também foram mais valorizadas, juntamente com ilustrações, que a partir da colaboração de profissionais renomados nacionalmente conseguem explicar diversos assuntos a partir de desenhos, mapas e tabelas. Há também um investimento, ainda no meio impresso, para se produzir edições que ampliem a discussão levantada por uma reportagem. Isto ocorre com certa frequência nas Edições Especiais lançadas sem periodicidade definida, mas sempre que um tema desperte polêmica ou esteja em destaque. Outro produto ofertado é o Guia Super, uma espécie de manual ou apanhado geral sobre algo que também desperta interesse dos leitores.

No ano de 1998, uma tendência direcionava os veículos de comunicação às mídias digitais. Os computadores começavam a se popularizar como aparelhos domésticos e conteúdos passavam a ser produzidos para este equipamento. A primeira aposta da Super nesta mídia foi o lançamento de um CD comemorativo aos dez anos de existência da revista, com todas as edições digitalizadas, algo ainda inovador naquele ano. O mesmo aconteceu no aniversário de 15 anos da Super, que passou a lançar CDs com as matérias digitalizadas todos os anos. Dentro desta coleção o leitor encontra um software desenvolvido exclusivamente para visualizar as reportagens. A Super Interessante também levou suas reportagens para a mídia DVD, mas o que acontece neste caso é que as reportagens publicadas na revista dão base para a produção de vídeos documentários, como foi feito a respeito de matérias que tratavam de temas como a NASA, a maconha, “Os dias que abalaram o mundo”, dentre outros.

Passando por estes suportes, o caminho em direção à internet surge naturalmente. Em 2007, a Editora Abril resolve disponibilizar o conteúdo da Super gratuitamente, incluindo as primeiras edições, de 1987. Porém, o que se vê nas páginas on-line é que uma diversidade de conteúdos não apresentados na edição impressa é produzida


especialmente para o leitor que navega na web. A Abril encontrou na internet a plataforma ideal, em se tratando especificamente da revista Super Interessante, para a aplicação dos conceitos de narrativas transmidiáticas, que propõe uma interrelação entre mídias, sem que a existência de um meio não anule a importância de outro dentro do percurso de um enredo.

Seguindo os princípios de atualização, o site da Super 22 realiza constante alteração nas matérias de destaque do endereço eletrônico. No entanto, nota-se que as reportagens correspondentes ao mês vigente da versão impressa norteiam a oferta de conteúdo na web. Reproduzem-se na íntegra as matérias e, em muitos casos, procura-se acrescentar informações ao que está sendo abordado na edição que circula nas bancas. O meio on-line passa a ser um prolongamento da revista e, devido a questões estruturais da internet, novos conteúdos podem ser criados dentro de determinada temática, ampliando a discussão sobre o assunto e levando o usuário a permanecer ainda mais tempo em contato com a publicação. Para alcançar este fim, o site da Super construiu uma estrutura capaz de armazenar o que provém da versão impressa e outras produções exclusivas para a web. Desta forma, o site está dividido nas seguintes seções: Canais, Superarquivo, Supermanual, Multimídia, Blogs, Testes, Jogos, Fórum, Superverde e a mais recente, iPad (voltada para a comercialização e acesso à Super a partir desta nova plataforma). As três primeiras seções citadas são versões idênticas ao que encontramos na revista, ao contrário das demais, que abrem espaço para a participação de especialistas, jornalistas exclusivos para as reportagens on-line e também para a contribuição do público. A Super Interessante disponibiliza ao leitor um site que privilegia a interatividade. Pode-se explicitar um ponto de vista, realizar questionamentos às diversas editorias e até mesmo praticar o que está sendo noticiado. É o caso dos newsgames e de outras formas de narrativas encontradas na seção Multimídia, que transformam a notícia em base para a construção de espaços lúdicos e ao mesmo informativo.

22

Endereço eletrônico do site da Super Interessante: http://super.abril.com.br/ Acesso em 04/06/2011.


Talvez por estes motivos a Super Interessante consiga se destacar tanto no suporte digital, quanto no impresso. A audiência destas mídias evolui significativamente, qualificando a Super como um dos títulos mais lidos no meio revista e também nas versões digitais destes veículos. Tanto que para comemorar este fato o editorial da edição de maio de 2011 trouxe os principais números dessa escalada na audiência. O diretor de redação Sérgio Gwercman apresenta os dados do mês de março deste ano, quando o site alcançou 1.141.575 acessos únicos 23 , um recorde para a Super Interessante, que ainda não havia ultrapassado a marca do milhão. Outros números também foram lembrados, como os mais de 370 mil seguidores no Twitter, a duplicação da audiência no Facebook e a liderança, por 11 dias, como o aplicativo mais baixado para iPad no Brasil. Vale reproduzir parte do texto, que contribui para acrescentar ao que apontamos aqui como o protagonismo da Super entre os veículos impressos e online: Dá pra ver que a gente anda crescendo nos meios digitais. Mas março também foi um mês que a Super impressa, esta que você tem em mãos, alcançou uma das melhores vendagens dos últimos meses. Ou seja: ficamos maiores no digital e no impresso ao mesmo tempo. Isso me faz acreditar que estamos certos ao apostar que a internet e papel não se excluem. Pelo contrário: esta é uma conta de adição. Você não escolhe entre um e outro, mas usa ambos em diferentes momentos da vida. E é por isso que trabalhamos para que você leia a Super quando, onde e como preferir. (GWERCMAN, Sérgio, São Paulo, Editora Abril, nº 291, maio de 2011, p. 6)

A Super Interessante trabalha para não ficar refém do seu suporte original. Desta forma investe em novos formatos, que transformem as matérias em narrativas transmidiáticas, em que o leitor, na busca por mais informação possa ter a opção de prolongar a experiência com o universo da Super. A revista pode ser vista como o início da relação entre veículo e público, que provavelmente não tem fim, mas continuações. Onde o leitor passa a figurar como usuário e a partir do telefone celular, computador e iPad fortalece o vínculo com a revista, mas para que esse interesse pelo conteúdo digital permaneça presente deve haver um esforço para se adequar as exigências dos novos suportes e do público, que majoritariamente jovem, segue atento aos meios que surgem. Sabemos que no mercado editorial brasileiro a Super está entre as primeiras 23

Audiência contabilizada levando-se em conta o número de computadores que acessaram o site.


em investir nas novas mídias e nas novas linguagens que estes meios trazem. Assim, segue atualizada com as tendências tecnológicas e, por consequência, com as novidades no campo da comunicação.

4. Newsgames, um jogo ainda no início

4.1 Um novo modo de contar a notícia e suas particularidades Como havíamos comentado no segundo capítulo deste trabalho, o emprego de jogos no cenário do jornalismo para a narração de um acontecimento ocorre há menos de uma década. A evolução em termos de roteiro, qualidade técnica e atratividade do público segue em compasso com os novos recursos desenvolvidos para a internet no que se refere à hipertextualidade, interatividade e multimedialidade. No entanto, mesmo com um período relativamente curto no mercado da comunicação, pode-se afirmar que do início dos anos 2000 até os games atuais muitos aspectos foram alterados no sentido de oferecer ao leitor/usuário um jogo que informe e divirta ao mesmo tempo. E passa por este propósito a iniciativa de se utilizar fatos noticiosos como base para enredos de jogos. Diante disto, não se faz necessária uma análise muito aprofundada para perceber que os newsgames se enquadram no contexto apresentado por Cardoso (2010, p. 135), quando ao estudar o atual sistema de mídia identifica no modelo de comunicação


predominante uma vocação para o entretenimento como recurso fundamental na difusão de conteúdo e construção de sentido. Dentro da organização em rede das mídias pesquisada pelo autor, dois meios despontam como protagonistas diante dos demais devido a fatores econômicos, de transmissão de conteúdo e também no que se refere à apropriação por parte do público. A primeira mídia apontada por Cardoso, a internet, entra em nosso estudo como o suporte para os jogos jornalísticos e como meio propício para a realização de experiências transmidiáticas. A outra tecnologia de comunicação citada se refere à TV, meio que, segundo o autor, segue responsável pela maior parcela de abrangência na veiculação de informações e que também contribui para a elevação dos videogames, uma das indústrias mais rentáveis no universo do entretenimento, em um dos mais populares modelos narrativos das últimas décadas, referência indiscutível para a formulação dos newsgames. Porém, mesmo em se tratando de um modo narrativo híbrido, se apoiando em elementos essencialmente

dos

videogames, que

por hora

se

baseiam em

características provenientes do cinema, das histórias em quadrinhos, desenhos animados, da literatura e até mesmo da televisão, somado ainda a princípios estruturais ofertados pela web, deve-se ressaltar que os newsgames são compostos de particularidades observadas neste jornalismo da era dos games. Inúmeros fatores regulam a oferta dos jogos jornalísticos, passando por questões financeiras dos veículos de comunicação, pela qualificação e especialização dos profissionais e até mesmo ao tempo de produção de cada jogo. Seabra (2007) propõe a partir dos newsgames um novo paradigma de produção e concepção de notícia. O autor acredita que a instituição destes jogos “contribui para a adequação da notícia tradicional ao mundo digital” (p. 9). Seabra vislumbra nos newsgames a subversão da edição como conhecemos e afirma que, em pouco tempo, será possível desenvolver narrativas que possam ser alimentadas em tempo real, seguindo o percurso do acontecimento, possibilitando, se necessário, a criação de outro jogo, caso ocorra de uma história favorecer o surgimento de outra. Entretanto, o que acompanhamos até o presente estágio de desenvolvimento dos jogos jornalísticos é que as chamadas hard news, ou notícias quentes, que tratam de acontecimento em


curso, não são as melhores opções de enredos para os jogos. Isto se dá devido ao tempo dispensado desde a concepção do jogo até o momento que chega ao público e também, dentre outros fatores, pela baixa duração de um fato na agenda midiática. Casos como o jogo Play Madrid, que levam aproximadamente 24 horas para serem produzidos, são a exceção no mercado dos newsgames. Um jogo jornalístico normalmente exige dias ou até mesmo semanas para ser disponibilizado e por isso é mais bem aproveitado para repercutir reportagens de maior abrangência, quando há um caráter reflexivo ou explicativo sobre o que foi apurado. Acreditamos ser esta dificuldade em conciliar o cronograma de produção com a notícia no tempo em que ela acontece também um dos motivos que tornam os games em complemento para matérias apresentadas primeiro na TV, no rádio ou jornal impresso. Sendo que a prática dos jogos pode ampliar o aprofundamento sobre determinado conteúdo exposto anteriormente em outro meio, devido à capacidade interativa e imersiva que esta mídia proporciona. Para se ter uma noção da complexidade presente na execução de um newsgame, vale conhecer a estrutura criada pela redação da revista Super Interessante, que tem a tarefa de converter em jogo um assunto abordado primeiro na edição impressa. Em entrevista ao site Jornalismo Digital24, o editor do Núcleo Jovem da Editora Abril, Fred di Giacomo, responsável por coordenar a produção de newsgames, afirma que, no mínimo, cinco profissionais são envolvidos diretamente na construção de um jogo. Além do repórter, cada game necessita de editor, ilustrador, designer e programador e há casos em que a revista contrata temporariamente outros colaboradores para participar exclusivamente da produção de um newsgame. Na mesma entrevista, Di Giacomo resume o processo de execução dos jogos jornalísticos: Às vezes aproveitamos uma apuração que o repórter tenha feito para uma matéria da revista, em outras pagamos alguém pela apuração. O editor coordena a parte de texto do newsgame e muitas vezes também é responsável por desenvolver o roteiro e a mecânica do jogo. O designer cuida do layout e coordena o trabalho do ilustrador e do programador. 24

Endereço eletrônico para acesso à entrevista de Fred Di Giacomo: http://www.jornalismodigital.org/2009/12/newsgames-entrevista-com-fred-di-giacomo/. Acesso em 02/02/2011.


Como se vê, a aposta por parte dos veículos de comunicação segue diretamente pela questão do investimento de recursos financeiros em um momento que grande parte das redações passa por um enxugamento de seus quadros. Por outro lado, a oferta de mais um recurso informativo para o leitor diferencia uma empresa de comunicação das demais, pois o leque de possibilidades de permanência com a marca aumenta, ampliando um vínculo cada vez mais valorizado também pelo mercado de anunciantes, fundamentais para a sustentação dos veículos. Dentro desta perspectiva econômica, mas também tecnológica e de recursos humanos, a produção de newsgames evolui de acordo com as tendências que surgem no campo da internet. O atual jornalismo 3.0 que, segundo Seabra (2010), já aproxima-se da fase 4.0, busca a melhor maneira de explorar as potencialidades multimediáticas, interativas e hipertextuais deste meio cada vez mais presente na organização social, mas que por ainda estar em período de experimentação de padrões estéticos e narrativos tem muito a avançar em relação à definição de métodos de abordagem de conteúdo, construção de sentido e formação de públicos. E, ainda, o que se deve destacar na inserção dos newsgames no mercado de comunicação é que esta mídia vem exatamente para somar a outras, reforçando os princípios de narrativas transmidiáticas onde diferentes meios compõem uma rede capaz de ampliar o conhecimento por determinado tema.

4.2 Os newsgames da Super Interessante, um estudo de caso A revista Super Interessante, como parte integrante do Núcleo Jovem da Editora Abril, passou a investir na produção de newsgames no ano de 2008, aproveitando a experiência já adquirida por parte do Núcleo no desenvolvimento de conteúdo para a web. Esta equipe mantida pela Abril, desde o início dos anos 2000, vem produzindo vídeos e infográficos voltados para a internet com o propósito de ampliar o entendimento sobre as reportagens veiculadas nas revistas. E como as demais


empresas que apostam nos jogos jornalísticos, a linha editorial da revista Super Interessante influencia diretamente na composição de cenários, forma de narrativa e modo de abordagem sobre os temas que saem do papel para as telas dos computadores. Isto quer dizer que do mesmo modo quando lemos alguma matéria na Super, sendo ela um assunto mais denso, e ainda assim encontramos alguma pitada de humor e descontração, de tal forma são os games, que reconstituem a partir de imagens, sons e dados o mesmo conteúdo que o leitor tem à disposição nas bancas. Nota-se que há um esforço em se manter uma unidade no que se refere aos princípios estéticos e textuais quando se produz um game. Por isso, mesmo com uma equipe capacitada para desenvolver produtos para a internet, necessita-se de uma sintonia da mesma com a redação do veículo principal, que neste caso é a revista. Seguindo esse conceito, a primeira empreitada da Super na criação de jogos jornalísticos veio no ano de 2008 e, de acordo com o blog 25 criado exclusivamente pela Super Interessante para tratar de newsgames, foi também o primeiro jogo a responder duas questões lançadas pelo coordenador do Núcleo Jovem na época, Rafael Kenski. Para ele, ao se concluir a produção de um game a equipe deveria fazer duas perguntas: o newsgame que acaba de ser produzido, “ele diverte? Ele informa?”. Se dentro desta fórmula as respostas fossem positivas o jogo estava pronto para ser apresentado ao público. E segue assim, desde o lançamento de “CSI: Ciência contra o Crime”, o primeiro game da Super, até os newsgames mais recentes a proposta de relacionar informação e entretenimento. Ainda explorando o blog citado anteriormente, encontra-se neste espaço uma enumeração dos tipos de dinâmicas de jogos já testadas pelos newsgames da Super. Passam desde os games mais simples, com poucos recursos multimídia e baixa interatividade; pelos jogos educativos; por infográficos fundidos com jogos; newsgames para explicar eventos quentes, como o da “Corrida Eleitoral”, que analisaremos mais adiante; e jogos que misturam testes de perguntas e respostas com newsgames. Em contrapartida, há também uma série de possibilidades ainda a ser explorada por parte da equipe de desenvolvimento de jogos, com os social newsgames, jogos mais 25

Endereço do endereço eletrônico do blog Newsgames, no site da Super Interessante: http://super.abril.com.br/blogs/newsgames/page/3/. Acesso em 20/05/2011.


engajados, que trazem em seu enredo um discurso voltado para alguma questão social; o Núcleo Jovem ainda espera pôr em prática alguns jogos de maior duração, para serem baixados gratuitamente ou até mesmo comprados; grandes reportagens multimídia em que o jogo seja apenas um dos itens que compõem o todo e uma diversidade de linguagens, formatos e tecnologias que surgem a cada momento e podem contribuir para a formulação de novas dinâmicas de jogos. Para analisarmos com maior propriedade o que a Super tem disponibilizado no mercado de newsgames, elegemos três jogos e suas respectivas matérias na versão impressa para exemplificarmos como são os procedimentos e o que se leva em conta quando uma notícia transforma-se em game. Cada jogo aqui analisado difere dos demais em relação ao nível de habilidade exigida do jogador, aos elementos que compõem a parte gráfica, à temática e dinâmica narrativa. Porém, cada um deles cumpre a função de informar e entreter, dentro dos padrões da revista e ainda de acordo com os princípios determinantes para a realização de narrativas transmidiáticas. Os três casos aqui apresentados são jogos de fácil utilização e entendimento, com interface simples e autoexplicativas, em que a dificuldade em se evoluir na trama varia a partir da necessidade de encontrar elementos dentro do enredo, quando o jogador deve exercitar a concentração e a atenção, a dificuldade pode estar também na qualidade de estrategista e também na habilidade motora para se chegar ao fim do jogo e da notícia. Nos jogos aqui estudados, cabe ao leitor o papel principal na história, de conduzir a trama e a partir de suas escolhas chegar às conclusões e à reflexão sobre cada narrativa. Pela ordem que aqui trabalharemos, os jogos analisados serão: primeiro, “CSI: Ciência Contra o Crime”, produzido especificamente para a matéria de capa da edição 257, de outubro de 2008 e, como dito anteriormente, o jogo que inaugurou a entrada da Super no universo dos games; o segundo newsgame, “Jogo da Máfia”, desenvolvido para a principal reportagem da edição 262 de fevereiro de 2009; e um jogo mais recente, “Corrida Eleitoral”, de setembro de 2010, mas que não possui qualquer relação com a


matéria de capa daquele mês, que abordou o tema genética. Para melhor detalharmos cada game, acreditamos ser necessário fazê-lo separadamente e por isso cada item a seguir trata especificamente dos jogos na sequência que apresentamos.

4.2.1 CSI: Ciência Contra o Crime O jogo CSI: Ciência Contra o Crime 26 convida o leitor/ usuário a fazer o papel de um investigador da área criminalística foi criado em conjunto com a edição 257, do mês de outubro de 2008, com o intuito de desvendar os bastidores e toda a ciência que há por trás do seriado de TV norte-americano CSI (Crime Scene Investigation, série exibida pelo canal AXN desde outubro de 2000). Um programa de televisão que também alcançou bons índices de audiência no Brasil e tem como trama principal o trabalho de uma equipe policial cuja tarefa é desvendar os delitos em circunstâncias misteriosas e pouco comuns. Neste clima de suspense, a Super Interessante produziu conteúdos que testam a capacidade do leitor de se concentrar e se atentar aos mínimos detalhes, assim como na série de TV e também como acontece diariamente no trabalho real dos investigadores. A Super Interessante primou por se criar uma identidade entre o material impresso e o on-line. E parte disso se deve à participação do jornalista que realizou todo o processo de apuração, juntamente com o fotógrafo da revista, na execução do game, na equipe com mais de dez profissionais envolvidos na produção do jogo. Analisando o newsgame e a matéria da revista, percebe-se que houve um trabalho em conjunto por parte da equipe da redação com a do Núcleo Jovem e nesta tarefa ocorreu um compartilhamento de elementos figurativos e textuais, proporcionando que o jogo siga a mesma sequência informativa do impresso. Podemos usar como exemplo para esta afirmação um comparativo da primeira página da reportagem (Figura 1) com a cena que ilustra a primeira fase do jogo (Figura 2). Ou seja, na mesma ordem que o leitor encontrar os subtítulos do texto, assim segue a distribuição das cinco fases do game. 26

Endereço eletrônico do newsgame CSI: Ciência Contra o Crime: http://super.abril.com.br/multimidia/info_405177.shtml Acesso em 01/06/2011.


Ambos vão orientar o público a primeiro presenciar a cena do crime e as provas mais evidentes, seguindo para a sala da autópsia, depois para os exames laboratoriais e análise dos suspeitos até identificar o verdadeiro criminoso.

Figura 1 – Primeira página da matéria.


Figura 2 – Primeira fase do newsgame.

O jogo requer do usuário habilidades como raciocínio lógico e atenção aos detalhes, assim como, defende a reportagem, exige a profissão de um investigador. As duas narrativas tentam demonstrar ao leitor que neste trabalho não existe margem para especulações ou para a intuição. Por isto, tudo se baseia em provas e são estas que devem ser encontradas durante todo o newsgame. Como instrumento para transmissão de conteúdo, este jogo se diferencia aqui dos demais pela recorrente utilização de elementos textuais, em que diversas caixas de diálogo são abertas para conduzir às novas fases da história e, principalmente, pela persistência no recurso de hipertextualidade que, devido a grande quantidade de informação selecionada para o jogo, criando o que Murray (2003) chama de articulação entre textos, requer do usuário inúmeras intervenções, podendo até mesmo se tornar um fator de desistência por parte do jogador. Todo o jogo CSI: Ciência Contra o Crime é conduzido pela figura do chefe de investigação que, assim como nos videogames, onde há a presença de um mestre, é o responsável por determinar as prioridades, cobrar maior efetividade do jogador e sugerir as linhas de raciocínio nas tomadas de decisões.


Do mesmo modo que na revista, o público se depara com a cena de um homem morto, que mais a frente descobre-se ser um juiz que se envolve amorosamente com a estagiária, não se relaciona bem com a filha, brigou com o vizinho por causa do excesso de barulho que este provocava e incluem ainda a presença de um empregado da casa. Logo surge a primeira dúvida: terá sido um assassinato ou suicídio? Questão esta que se esclarece nas primeiras fases e o jogador fica por conta de encontrar as pistas do caso, utilizando apenas a ajuda do mouse do computador para vasculhar o local do crime e mais adiante os outros cenários. Para explorar com mais efetividade os vestígios, os jogadores têm à disposição equipamentos como aparelhos emissores de luz ultravioleta, microscópios e exames de DNA. Todo um aparato que pretende mostrar ao público como se descobrem os reais culpados em crimes de difícil resolução. Avançando-se no jogo e também na matéria impressa, encontram-se os suspeitos e as prováveis motivações que tenham levado cada um a cometer o assassinato. Na penúltima página da reportagem (Figura 3) e também na terceira fase do newsgames (Figura 4) percebemos semelhanças aparentes entre cada narrativa. Mas fica à cargo da versão on-line, no “Laboratório da Perícia”, a possibilidade do leitor entrar em contato com os materiais recolhidos na cena do crime.


Figura 3 - Penúltima página da matéria.

Figura 4 – Terceira fase do jogo, o “Laboratório da Perícia”.

Chegando ao fim do newsgame, é preciso que o jogador tenha descoberto uma senha que levará ao criminoso. Uma tarefa para quem cumpriu com sucesso cada etapa da investigação e conseguiu se atentar aos detalhes e pistas espalhadas ao longo do jogo.


Um game que cumpre o papel de entreter e também apresenta uma diversidade de informação que nem mesmo o seriado de TV consegue alcançar. A combinação dos conteúdos impressos e on-line passados de forma interativa e didática, ampliam a possibilidade de conhecimento sobre um assunto pouco usual, que de certa forma surge na agenda midiática devido à curiosidade dos telespectadores por um produto de entretenimento.

4.2.2 Jogo da Máfia O newsgame Jogo da Máfia27 insere o jogador no papel de um agente policial infiltrado em uma quadrilha do crime organizado internacional.

A missão a ser cumprida é

conseguir negociar o maior número possível de contrabando, comprando por preços abaixo do praticado na venda, arrecadando grandes fortunas para assim ter acesso aos maiores mercados em todo o mundo, conhecendo os segredos dos grandes cartéis e dos grandes chefes do tráfico, que transformaram o crime organizado em uma das principais fontes de arrecadação de recursos financeiros. Somente bem sucedido nesta tarefa o jogador alcança o objetivo central do game, prender em flagrante o vilão do jogo, ou o “Chefão”, como é conhecido dentro da narrativa. Neste caso, o game vem acrescentar informações que a matéria intitulada “Máfia”, da edição 262, de fevereiro de 2009, não apresentou. Na versão impressa o trabalho esteve voltado para explicar que o crime organizado atual vem se desprendendo da imagem romantizada pelo cinema e que de alguma maneira existiu em décadas passadas. A revista mostra como esta ação ilegal atinge níveis institucionais, inseridas em governos e grandes corporações e estruturadas como empresas de fato. A Super comprova por meio de dados como estes crimes representam uma complexa ação de economia, interferindo diretamente na condução de um país, seja pelos altos valores de impostos não arrecadados, seja pela corrupção que algumas vezes levam à 27

Endereço eletrônico do newsgame Jogo da Máfia: http://super.abril.com.br/multimidia/info_420553.shtml Acesso em 01/06/2011.


impunidade e até mesmo, no caso do lixo tóxico, torna-se questão ambiental e de saúde pública. Para ampliar o nível de informação da revista, o jogo traz em linguagem de infografia inúmeros dados referentes ao mercado negro onde atua o crime organizado. Algumas informações apenas reforçam o que antes foi apresentado no impresso, mas na condição de comerciante de ilícitos o usuário saberá quais são as principais mercadorias negociadas em todo o mundo. A saber, seriam: escravos, jogadores de futebol, remédios, armas, cocaína, lixo e remédios. Para orientar a ação do jogador, que ao entrar no newsgame recebe um codinome, uma identidade no mundo do crime, uma tabela de cotações mostra quais mercadorias custam menos e as mais onerosas em diversos continentes. Guiado pela silhueta de um mafioso, que surge na capa da revista (Figura 5) e no corpo da matéria e durante todo o desenrolar do game (Figura 6), o jogador realiza viagens para negociar mercadorias, tendo que em determinados momentos evitar ser apreendido pela Interpol e para este fim lançar mão de suborno de autoridades e até mesmo fugas. O jogo exige do usuário raciocínio lógico, para realizar cálculos matemáticos, conhecimento de geografia e principalmente a capacidade de tomada de decisões.


Figura 5 - Capa da edição 262 da Super Interessante.

Figura 6 – Primeira cena do newsgame Jogo da Máfia.

Segue dessa forma, com o usuário comandando as ações de um policial disfarçado de criminoso, a tarefa do newsgame Jogo da Máfia de informar sobre a abrangência do


crime organizado em todo o mundo. Neste caso, a aplicação dos conceitos de narrativas transmidiáticas acontecem a partir do momento que a revista, de maneira analítica e com maior profundidade explora as maiores consequências da atuação das grandes empresas formada pelo tráfico. E o jogo vem acrescentar informações, fazendo o leitor/ usuário praticar o que demonstra a revista e assim conhecer os meandros dessas corporações sustentadas por ações ilegais.

4.2.3 Corrida Eleitoral Talvez seja a maior inovação por parte da Super Interessante a partir do newsgame Corrida Eleitoral28 a aposta em um evento ainda em andamento, ou também como classificam no meio jornalístico, uma hard news. Sabemos que a revista, por adotar periodicidade mensal, tem certa dificuldade em adaptar seu conteúdo para um game que lida com a atualidade. Por isto, trabalhar com o tema eleições, que entra na pauta midiática muitos meses de antes do dia votação, foi a oportunidade de experimentar uma categoria que normalmente não faz parte das opções de enredo para os jogos e que dificilmente ganha as páginas da revista, que explora com mais frequência assuntos menos comprometidos com o tempo ou menos vulneráveis a mudanças de percurso. Sem relação com qualquer matéria veiculada na revista, mas amplamente divulgado nas redes sociais e no próprio site, o jogo Corrida Eleitoral foi disponibilizado ao público semanas antes das eleições presidenciais, ocorridas no mês de outubro de 2010, quando nove nomes disputavam a preferência do eleitorado brasileiro. Cada candidato tornou-se um piloto de carro e o desempenho nas pistas estava diretamente ligado ao andamento da campanha eleitoral, levando em consideração as últimas pesquisas de intenções de votos, a arrecadação de doações e até mesmo os valores gastos para promover a candidatura. Corrida Eleitoral foi um newsgame concebido então como um 28

Endereço eletrônico do newsgame Corrida Eleitoral: http://super.abril.com.br/multimidia/corridaeleitoral-595043.shtml. Acesso em 01/06/2011.


jogo de carros, tendo como finalidade transmitir informações e conceitos sobre eleições, ajudar a informar sobre os candidatos e explicitar a importância dos investimentos de campanha na disputa presidencial. Antes de entrar definitivamente no jogo, são dadas algumas orientações sobre como pilotar o carro (Figura 7) e também se gostaria de disputar o primeiro turno (com todos corredores) ou o segundo (numa disputa entre dois concorrentes). Em seguida pode-se escolher o candidato (Figura 8), todos com fichas informativas a respeito do currículo do político, a qual partido pertence e qual o valor previsto com gastos de campanha.

Figura 7 - Página inicial do jogo Corrida Eleitoral.


Página 8 – Menu com os nove candidatos.

Entre os “perigos” da pista cujo traçado faz referência ao desenho do mapa do Brasil, estão “o buraco da boca de urna” e as “pizzas disparadas pelo político corrupto”. No final do jogo, o internauta se depara com gráficos que mostram as pesquisas eleitorais de primeiro e segundo turno e o dinheiro arrecadado por cada candidato para as eleições. Com o newsgame Corrida Eleitoral a Super Interessante buscou participar da cobertura jornalística sobre as eleições presidenciais de 2010. Trouxe informação e entretenimento de maneira diferenciada, mas dentro dos padrões constituídos pela revista e de acordo com a linha editorial conhecida pelo público.

Figura 9 – Largada para a corrida.

4.3 A narrativa dos newsgames A internet propicia uma nova referencialidade retórica, alterando e incorporando novas formas de contar a notícia. Partindo deste pressuposto formulado por Bertocchi (2006), quando vê no webjornalismo uma evolução das práticas tradicionais jornalísticas a


partir da utilização de três elementos fundamentais na linguagem do meio on-line, sendo eles a hipertextualidade, multimedialidade e interatividade, compreendemos ser possível enquadrar os newsgames neste cenário, qualificando estes jogos jornalísticos como um novo modelo de narrativa, devido a particularidades e tendências que o emprego destes jogos podem inserir no jornalismo atual. Os newsgames são jogos que vão muito além do entretenimento e jornalismo que fazem mais do que informar. Pode ser que boa parte deles não chegue ao público como instrumentos de persuasão e ativismo, como pretende Ian Bogost, e nem sempre ofereçam a informação de forma explícita, como lembra Seabra (2007), mas pelo fato de levar à prática o que apresenta a reportagem e também de simular uma situação calcada na realidade, os jogos jornalísticos se diferenciam das demais ferramentas utilizadas tanto na web quanto nas mídias tradicionais no que se refere à veiculação de notícias. Em alguns modelos de narrativas até encontramos espaços para interatividade do público, como fóruns de discussão na internet ou programas de rádio e TV em que o espectador pode interferir na programação; vemos nos links de sites a possibilidade de se realizar a hipertextualidade e alguns produtos também na internet o emprego de princípios da multimedialidade, mas em poucos casos como dos newsgames encontramos a tríplice exigência da retórica da web, defendida por Bertocchi (2006), aplicada no mesmo contexto. Os jogos jornalísticos por estarem hospedados no espaço on-line, podem ser programados para permitir que o leitor/usuário acesse um novo texto e conecte outros temas enquanto joga; possibilitam que a ordem de leitura das informações sejam determinadas pelo usuário de acordo com a efetividade do mesmo dentro do jogo e tudo isso apresentado em formato de imagens em animação, sons e textos. Somamos ainda a capacidade que cada um desses elementos, segundo Seabra (2007), tem de passar informação. Para o autor, desde o roteiro, passando por cenários, pela escolha dos personagens, pelos desafios impostos na narrativa, pelo ponto de vista imposto no


enredo (jogo de primeira ou terceira pessoa) e o nível de participação do jogador na trama configuram fontes de conteúdos e explicitam a linha editorial da empresa de comunicação. Entretanto, ao contrário dos jogos eletrônicos comerciais, que levam meses para serem produzidos e disponibilizados ao público, os newsgames precisam ficar prontos em poucas semanas para poder acompanhar o ritmo das redações e ser lançado em datas próximas da veiculação das mídias que também repercutem a notícia. Outra distinção em relação aos videogames está no tempo de duração de cada newsgame, que dura em média de dez a vinte minutos, ao passo que muitos videogames necessitam de horas para chegar ao final. Mas algumas semelhanças entre estes dois modos narrativos precisam ser observados. Uma delas está na necessidade de haver um equilíbrio na construção da história, ou seja, o jogador não pode receber um game em que a informação venha com muita facilidade. É uma condição determinante para tornar o jogo atrativo a criação de algum desafio ao jogador/leitor, sendo necessário que o nível de exigência das habilidades do usuário cresça proporcionalmente com a evolução da trama. Outro fator relevante no desenvolvimento de games está na elaboração de interfaces amigáveis, onde o jogador possa transitar pela narrativa sem precisar recorrer à intermediações ou pedir ajuda, e por isso o jogo precisa ser autoexplicativo e de fácil utilização, em que as regras para a continuidade do enredo surjam na medida que a narrativa evolui e onde não haja teclas de atalhos ou elementos de difícil percepção, que comprometam o desenrolar do jogo. Como vimos anteriormente, os newsgames proporcionam ao jogador uma capacidade de retenção de conteúdo muito superior às mídias tradicionais e até mesmo outras narrativas on-line. Muito disso se deve ao nível de imersão que estes jogos exigem, já que a concentração e a necessidade de tomada de decisões por diversas vezes ao longo do game colaboram para que o público de fato mergulhe na trama e experimente


situações. Desta forma, simulando um fato, o jogador precisa praticar diversas habilidades como a de leitura, de orientação espacial e temporal, de coordenação motora, para enfim concluir a leitura da notícia. Além de todas estas características que marcam a narrativa dos newsgames, outros elementos podem ser inseridos no sentido de enriquecer e tornar ainda mais interativo este modo de se contar uma notícia. Espera-se com o desenvolvimento de novos recursos do suporte on-line, que o jogador possa ampliar seu papel dentro da trama, podendo até mesmo contribuir criando conteúdos ou alterando o que for encontrado dentro da história. Ao leitor, pode ser ofertada em breve a capacidade de se comunicar com outros jogadores e criar uma rede de informação, tornando o newsgame um espaço colaborativo e de discussão. Em um futuro não muito distante, apontam estudiosos, podem até mesmo ocupar o lugar dos infográficos, que já se popularizaram e são fundamentais para ilustrar matérias de difícil compreensão. Claramente notamos que os newsgames, ao ampliar a participação no mercado jornalístico, contribuem para conduzir o webjornalismo à definição de linguagens e formatos condizentes às especificidades da internet como um dos meios de comunicação em franca evolução e que mais se popularizam.


Conclusão Com o atual ordenamento do sistema de mídia tendo a internet como um dos principais pilares para veiculação de conteúdo, onde este suporte amplia consideravelmente a presença na organização econômica, política e de interrelações sociais, devido ao acelerado desenvolvimento tecnológico e também pela possibilidade de convergência entre os meios, torna-se compreensível que a comunicação acompanhe este processo evolutivo. Da mesma forma, ocorrem mudanças no jornalismo, como parte deste mercado, no sentido de experimentar e consolidar novas linguagens e formatos na construção de narrativas que conciliem tecnologias da informação com práticas jornalísticas tradicionais. Teóricos como Jenkis (2008) e Cardoso (2007) dedicam boa parte de seus estudos a compreender a complexidade existente na convergência midiática, a origem deste fenômeno, os impactos sociais que proporcionam e, de maneira prática, como essas mídias interrelacionadas modificam o modo de se comunicar. Está na base das pesquisas sobre convergência um de seus efeitos, as narrativas transmidiáticas. Cada vez mais utilizadas pela empresas jornalísticas e de entretenimento, o uso de mídias associadas para difundir um assunto, um produto em comum, é um claro exemplo das possibilidades que as inovações tecnológicas disponibilizam ao universo da comunicação. Mais especificamente no campo do jornalismo, a união das mídias tradicionais (impresso, rádio e TV) aos meios online provoca uma nova maneira de se produzir a notícia. Já são inúmeros casos em que a difusão de um fato noticioso se desenrola através de múltiplos suportes midiáticos. Os newsgames aqui estudados como uma nova narrativa jornalística também cumprem esse papel. Estes jogos, que têm a função de contar um fato real e, em alguns casos, ainda em acontecimento, fazem uso do suporte de videogames, mas também reutilizam e transformam linguagens de outras mídias pré-existentes, alcançando um público que não apenas deseja receber mensagens ou informações, mas interagindo, simulando experiências e também se


entretendo com um produto que traz em sua essência a função de informar. No mundo, grandes veículos de comunicação já exploram as possibilidades dos newsgames, às vezes como mídia principal, mas na maioria dos casos como apoio a uma grande reportagem, proporcionando um aprofundamento no assunto. No cenário da comunicação, a narrativa dos jogos jornalísticos ainda caminha em direção à consolidação de formatos, linguagens e até mesmo espaço dentro do jornalismo. Vemos que os newsgames têm a capacidade de enriquecer o relato de um acontecimento, inserindo o leitor em cenários e situações próximas da realidade, aumentando a compreensão sobre o tema e a retenção de informações. Isto porque estes games apontam para o que muitos estudiosos da comunicação vislumbram ser o futuro do webjornalismo, que deve se apropriar com mais frequência dos recursos hipertextuais, multimediáticos e interativos do meio on-line, que evolui no sentido de firmar presença como grande veículo de informação na atual configuração do sistema de mídia. Sabemos também que novos usos podem ser aplicados aos newsgames, como defende Seabra (2007), na função de apresentar um fato no momento em que ele acontece e de maneira que o leitor possa também ser um produtor de conteúdo. Acreditamos que estas atribuições surgirão juntamente quando os jogos jornalísticos tornarem-se uma narrativa independente de outra mídia, sendo utilizada para também veicular notícia em primeira mão, não ficando a cargo de somente repercutir um acontecimento. Porém, estas funções começam a surgir a partir do momento que houver maior investimento por parte das empresas de comunicação no que confere ao desenvolvimento de novas tecnologias. Atualmente, importantes veículos brasileiros, como a revista Super Interessante, apresentam casos bem sucedidos do uso dos newsgames, unindo informação e entretenimento. O recurso adotado pela Super corresponde às características essenciais da revista, que é uma linguagem coloquial e bem-humorada, capaz da leitura para além do texto. Nos newsgames da Super Interessante, como outros aqui


citados, o público pode se inteirar do assunto se envolvendo com ele, interpretando outros signos, e não apenas lendo. Permitindo a simulação de experiências. Portanto, se justifica o esforço em compreender o que traz de novo essa narrativa ainda tão recente no meio jornalístico, dentro da perspectiva de novos formatos, linguagens e padrões estéticos. Os newsgames se destacam e a diferem das demais mídias, a partir da capacidade de se adequar ao suporte on-line e ao contexto de novos modelos narrativos dentro do webjornalismo, devido à evolução de novas tecnologias e à possibilidade de formação de novos públicos, que esperam da internet um meio capaz de oferecer algo diferenciado do que já apresentam as outras mídias. Ou seja, são uma fonte de pesquisa que está ainda no começo, exatamente como os newsgames estão em seus tempos iniciais.


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