Palimpsestos - Texto de abertura da Mostra

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‘Separa e deixa longe dos olhos...’ – Fotografia em P&B com viragem parcial em selenol. Juazeiro do Norte/CE, Série Palimpsestos, 1996. ©Flavya Mutran

“O tempo é o grande encarregado das significativas mudanças nos trabalhos dos homens, assim como na própria vida deste e especialmente em suas idéias. O curso desse caminhar leva­nos sempre a questionar o que foi vivido, produzido, e inevitavelmente há um julgamento ao final. Quando Flavya Mutran, após caminhar pela fotografia experimentando todos os processos possíveis a ela e dela conhecidos, inaugura mostra em que os palimpsestos são inspiração e norteamento, compreende­ se o quanto ela está ligada ao processo de sumiço e sublimação do discurso, morte e ressurreição de imagens. Trabalhando com fotografias do passado e do presente, Flavya apaga e sobrepõem as lembranças. Os slides fungados, sobreviventes de uma enchente, e as pontas de filmes que realizou a maioria no Juazeiro no Norte (Ceará), servem para a construção de seu discurso, de sua fala, que busca, agora, o mesmo resgate da memória. A escrita visual é forte nesses poucos trabalhos – restos de imagens não corporificadas por inteiro, que acabariam no cesto do lixo, mas que a mágica do pensamento, atrás do qual todo andamos, acabou levando para a constituição de uma obra. É evidente um processo de perda, assim como uma melancolia cortante, como se o passado, riscado, ponta de filme perdido, a levasse à parede deixando­as sem saídas.


O mais belo, pura redundância, é a beleza que os trabalhos traduzem. Além de um discurso formal, intelectual e arquitetado no risco de tornar os trabalhos exageradamente pensados, existe o espiritual da arte transformando algumas imagens em pura abstração, outras em imagens de fantasmagoria surpreendentes, mas todas com um timbre de solidão interior. A solidão do amor descrito por Rilke, que vê além do tempo um futuro onde todos temos a obrigação de estarmos melhor. Esta exposição tem gosto de auto­julgamento. Flavya, cruel consigo mesma, consegue ver e discutir a própria produção. O mérito da questão é ela mesma. A sentença é a libertação, a liberdade em forma e beleza.” Cláudio de La Rocque Leal ­ Abril de 1996 *Texto de apresentação da Exposição Palimpsestos, escrito pelo jornalista e amigo Cláudio (in memorian)


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