ADB Setembro

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ADB Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros Ano XV Nº 62 Jul/Ago/Set 2008 ISSN 0104-8503

O LONGO CAMINHO

DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA



C on vers a co m o s as s o ci ados

E

m 8 de agosto, o Correio Braziliense noticiou que a medida provisória relativa ao aumento dos salários das carreiras típicas de Estado previa para os diplomatas nível inferior aos que seriam atribuídos para auditor-fiscal da Receita, auditor-fiscal do Trabalho, procurador da Fazenda Nacional, advogado

da União, procurador federal, defensor público e procurador do Banco Central. Ficariam em situação de inferioridade salarial a carreira diplomática e as de analista de Finanças e Controle, analista de Planejamento e Orçamento, analista de Comércio Exterior, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, analista do Banco Central, analista técnico da Susep, analista da Comissão de Valores Mobiliários e técnico de Planejamento e Pesquisa. Esperei até o dia seguinte, para aguardar uma possível correção da informação. Nada de novo tendo vindo à luz, escrevi ao Correio, ao Estado de São Paulo e ao Globo cartas às respectivas seções de cartas dos leitores. Apenas a carta enviada ao Estadão foi publicada. Seu texto: "Carreira diplomática, apenas vice-elite?: Foi com perplexidade e indignação que tive conhecimento da notícia segundo a qual a MP que trata dos reajustes salariais "para a chamada elite do funcionalismo público" (nas palavras à p. A9 do Estado de hoje, 9/8) criaria duas classes de elites, na inferior das quais estaria a carreira diplomática. Seria uma monstruosa injustiça para com uma das mais antigas carreiras de Estado existentes no Brasil. É bom relembrar, embora devesse ser desnecessário, as responsabilidades que lhe incumbem: representar o país, negociar em seu nome e defender seus interesses e os dos cidadãos brasileiros perante todos os governos com os quais mantemos relações diplomáticas e nas organizações internacionais de que participamos. A carreira diplomática não pode, não deve, não merece ficar em nível abaixo daquele atribuído a outras carreiras de Estado, por meritórias e respeitáveis que estas sejam. Em nome da Associação dos Diplomatas Brasileiros, entidade independente do Itamaraty e que congrega diplomatas em atividade e aposentados, espero seja levado à atenção do Senhor Presidente da República esse grave erro, para que a MP seja corrigida em tempo hábil." Estou certo de que não me excedi ao usar termos como "perplexidade e indignação" e "monstruosa injustiça". Não sei que gestões foram feitas em nome do Itamaraty a fim de corrigir esse, repito, grave erro. Mas o fato é que, publicada a MP 440, vê-se que o nível do subsídio fixado para a carreira de Diplomata ficou igual ao de Analista de finanças e controle, de planejamento e orçamento, de comércio exterior e Especialista em políticas públicas e gestão governamental, Analista do Banco Central, Analista técnico da SUSEP, Analista e inspetor da CVM e de Técnico de planejamento e pesquisa do IPEA. Portanto, cabe perguntar, mais uma vez: até quando aceitaremos continuar sendo meros "iguais"?

Marcelo Raffaelli Presidente da ADB B o l e t i m d a AD B | 1


sumário 4 Entrevista O jornalista Alberto Dines, do Observatório da Imprensa, avalia os 200 anos da mídia brasileira

ADB Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros Ano XV Nº 62 Jul/Set 2008 ISSN 0104-8503

7 Meio ambiente Expo Zaragoza coloca os recursos

O LONGO CAMINHO

DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

hídricos no centro do debate. O pavilhão brasileiro foi um dos destaques

10 Made in Brazil Pernambucanos da orquestra Spok levam o frevo aos teatros do Brasil e do mundo

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12 Capa Os rumos da educação no País. Números mostram que ainda temos um longo caminho a percorrer


16 Meio ambiente O mundo deve acelerar a implantação de alternativas energéticas que reduzam a importância do petróleo

19 Direitos humanos A erradicacão do trabalho infantil ainda é um desafio para o Estado brasileiro, apesar dos avanços

22 Perfil A Consultoria Jurídica do MRE, comandada por Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, emite cerca de mil pareceres/ano

27 Ponto de Vista Edmundo S. Fujita conta sua experiência como "turista religioso"na Ilha das Flores, na Indonésia

29 Ponto de Vista Em 2010, por ocasião do 50º aniversário de sua fundação, Brasília acolherá o 10º congresso da Brazilian Studies Association

31 Prata da Casa Nas resenhas desse mês temos poesia, história da formação do Rio de Janeiro, memórias de Roberto Campos e romance

24 Entrevista Álvaro da Costa Franco fala sobre o Centro de História e Documentação Diplomática do Ministério das Relações Exteriores (CHDD)

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En t rev is t a

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Arquivo pessoal

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pós 200 anos, a qualidade do primeiro jornal a circular no País, o Correio Braziliense, ainda é superior a boa parte do que a imprensa nacional produz. A opinião é do jornalista Alberto Dines, que no dia 25 de agosto completou 56 anos de profissão. “Precisaríamos de empresários e jornalistas dispostos a fazer produtos com qualidade. (...) O jornal querer se diferenciar do que se vê, mas a maioria prefere ficar igual, e acaba se nivelando para não levar pancada de todos sozinho”, diz, ao avaliar o que falta para os jornais brasileiros manterem o nível de seu precursor. Um dos principais críticos da imprensa nacional, Alberto Dines propõe a reformulação no ensino de Jornalismo no Brasil e fala sobre a experiência do Observatório da Imprensa, entidade civil que acompanha o desempenho da mídia brasileira, num bate-papo sobre os 200 anos da Imprensa Nacional. Também defende a criação de uma entidade capaz de estabelecer padrões de excelência para os meios e profissionais de comunicação e de fazer com que o ponto de vista da sociedade se reflita na mídia. Alberto Dines já fez roteiros para cinema, escreveu livros e criou jornais e revistas no Brasil e em Portugual, onde dirigiu o Grupo Abril e lançou a revista Exame. Lecionou Jornalismo na Columbia University, nos Estados Unidos, e na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC/ RJ). Foi editor-chefe do Jornal do Brasil e passou pela Folha de S. Paulo, revistas Visão e Manchete, e Última Hora. Atualmente, discute o jornalismo brasileiro no programa Observatório da Imprensa, veiculado em rádio, televisão e internet, e é pesquisador sênior do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp, do qual foi co-fundador.


E n t revista

O poder da imprensa no Brasil Como avalia os 200 anos da Imprensa Nacional? Houve avanços? O País tem hoje um poder chamado imprensa. Agora, se é bem exercido ou não, isso é outro problema. Mas existe e é uma referência para outros meios. Temos hoje o que não havia em 1808. O Correio Braziliense é o primeiro paradigma com o qual podemos comparar a Imprensa Nacional atual. Havia o jornal A Gazeta do Rio de Janeiro que não tinha outra pretensão senão divulgar os atos oficiais. Então, temos que comparar tudo com o Correio Braziliense, que circulava no Brasil, embora não fosse feito aqui [Nota: Hipólito da Costa criou o Correio Braziliense em 1808. Editava em Londres a publicação, que chegava ao Brasil clandestinamente. O jornal circulou entre 1808 e 1822]. Era uma publicação extraordinária, porque foi o nosso primeiro jornal político, econômico e científico. A primeira crítica da Imprensa e o primeiro defensor da liberdade de Imprensa estavam lá. Tudo isso num veículo apenas e feito por uma pessoa só. É obrigatório reconhecer que o Correio Braziliense estava num patamar acima da média, embora com circulação restrita. A imprensa brasileira hoje consegue ter o nível do Correio Braziliense? Poderia, mas precisaríamos de empresários e jornalistas dispostos a fazer produtos com qualidade, vendendo o suficiente para equilibrar o veículo sem necessariamente ter grandes tiragens.

Falta compromisso da imprensa ou formação dos seus profissionais? Formação não existe no Brasil. Estas 350 universidades não ensinam nada, o que têm são bons alunos que vão pegando no ar as coisas. Não quero generalizar, mas a maioria dos professores são muito ruins porque não pisaram em redação, são todos teóricos. Então, o senhor é contra a obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão? Eu fui a favor durante muitos anos. Hoje, as coisas mudaram. A verdadeira campanha pelo diploma começou em 1988 e eu participei. Quatro anos de graduação bem ministrados são insuficientes para a formação em cultura geral. Temos que fazer como no exterior, sobretudo nos Estados Unidos. Eu lecionei na Columbia University e lá o aluno undergraduated, ou seja, aquele que já é subgraduado em alguma área, faz um curso de pós-graduação profissionalizante em jornalismo. Em um ano, o estudante sai um bom jornalista. Isso poderia prender os profissionais aos seus setores ou áreas temáticas? Acredito que não, mas, se setorizar bem, qual o problema? Por exemplo, um profissional da área de Medicina estaria bem qualificado para trabalhar como jornalista científico. É isso que precisamos. No programa Observatório da Imprensa, edição sobre a crise aérea, falávamos que não há nas

redações ninguém preparado para cobrir a área técnica de aviação. O ideal seria termos especialistas de todas as áreas. O importante é ter jornalistas com nível de cultura geral muito bom e no Brasil é zero. Quais são os principais problemas da imprensa nacional? E qual o primeiro passo para melhorá-la? A formação é um deles. Há problemas na área empresarial, comercial, institucional e na redação. Há problemas em todos os níveis, ou seja, é um conjunto de fatores. O primeiro passo para mudar a Imprensa seria o jornal querer se diferenciar do que se vê, mas a maioria prefere ficar igual porque participa das entidades corporativas e acaba se nivelando para não ficar e levar pancada de todos sozinho. Então, ficam todos iguais e ao mesmo tempo todos ruins. A criação de uma entidade reguladora da profissão poderia contribuir para o avanço da imprensa nacional? Uma entidade reguladora da profissão nunca poderia contribuir para a melhoria da Imprensa. No entanto, uma ordem dos jornalistas brasileiros poderia trazer boas contribuições, mas sem regular a atividade jornalística, que é “irregulável”. Precisamos de uma comissão que receba as críticas da sociedade sobre o comportamento da mídia. Seria uma entidade como a inglesa Press Complaints Commission (PCC) e a norte-americana Federal Communications B o l e t i m d a AD B | 5


En t rev is t a

"Não temos que agradar a ninguém. Nossa posição independente obriga-nos a cutucar todas as partes" Commission (FCC), que já perderam um pouco das suas forças, mas se conseguíssemos estabelecer algo assim já seria muito bom. Essa crítica da sociedade interferiria de que maneira na atuação da mídia? Essas entidades levam as críticas da sociedade para instâncias com poder de interferência nos meios de comunicação. Não basta ter uma seção de carta dos leitores, principalmente porque as cartas são selecionadas, quando não inventadas. E esse método é insuficiente, apenas uma amostragem. As cartas e opiniões dos leitores têm que ter conseqüências e ser levadas adiante. Hoje, além do Observatório da Imprensa, há muitas outras entidades que têm o olhar crítico sobre a mídia. No entanto, seria interessante que houvesse uma instituição, reguladora ou auto-reguladora. Infelizmente, o Conselho de Comunicação Social (CCS), que funcionou durante dois anos, está inoperante. As entidades corporativas jornalísticas não souberam aproveitar essa chance, fizeram do Conselho uma plataforma ideológica. Todo mundo ajudou a perder essa oportunidade maravilhosa que foram os dois anos do CCS, entre 2002 e 2004. Então é preciso observatórios com poder de intervenção? Além de levar adiante a crítica da sociedade, precisamos de uma entidade que estabeleça padrões de excelência. O Observatório da Imprensa fala em qualidade e, por 6 | B o l e t i m d a AD B

isso, procuramos fazer as coisas com qualidade. Então, impomo-nos a excelência. Nosso programa na TV tem cada vez mais penetração, apesar do horário tardio. Como a imprensa reage ao Observatório da Imprensa? Bom, basta dizer que meu nome está na lista negra das publicações de maior importância. Há outros veículos que não fazem isso tão ostensivamente, mas também não se animam muito a publicar qualquer coisa feita por mim. Pisamos nos calos! Até com entidades corporativas já tivemos polêmicas. Isso é ótimo, pois não temos que agradar a ninguém. A nossa posição independente obriga-nos a cutucar todas as partes. O trabalho do Observatório tem se refletido no meio acadêmico? Sim, há professores que usam os produtos do Observatório. Vemos que há muitos trabalhos acadêmicos em cima do Observatório. Há várias monografias e agora vai sair um livro sobre os observatórios da imprensa. Grande parte do nosso trabalho estará lá, porque fomos os primeiros. Em 1996, quando o Comitê Gestor da Internet (CGI) estava sendo montado, o Observatório da Imprensa foi utilizado como um modelo de como a internet poderia beneficiar a sociedade. O conteúdo colaborativo ganhará força nos próximos anos? Concorrer com a grande mídia não, mas pode ganhar certa legi-

timação social. Porém, a questão não é essa. Preocupo-me com a qualidade desse tipo de conteúdo, que em geral é muito ruim. São raros os que conseguem fazer uma crítica de nível, a maioria quer aparecer. O narcisismo é o grande impulsionador deste jornalismo participativo na internet. O benefício não é tão grande. O Observatório publica a crítica dos usuários, desde que não seja ofensiva e que a pessoa se identifique. É difícil encontrar algo bem escrito e apurado. A maioria não tem nada a acrescentar. O conteúdo colaborativo está começando, daqui a pouco padrões de participação efetivos podem ser estabelecidos. Falta compostura para os meios de comunicação brasileiros? Os jornais têm mais compostura porque, de uma forma geral, estabeleceram padrões de comportamento melhores do que os das revistas. A Veja, quando foi lançada, trouxe uma contribuição de altíssimo nível. Esse padrão de jornalismo durou por muitos anos. As revistas não conseguem ser melhores que os jornais. O jornal é corrigido todo dia e vai se ajustando aos temas mais importantes. O que falta para se ter um jornalismo exemplar em termos de confiabilidade? Depende de todos: dos profissionais, dos comandos jornalísticos, das empresas e do governo, que deve aprender a respeitar a imprensa. O que não pode é haver uma guerrilha diária entre e governo e imprensa. Isso é antidemocrático. A publicidade também tem que se disciplinar, o que está fazendo com os jornais é um crime. Os publicitários estão repaginando os jornais: falsas capas com anúncios.


Rosane Marinho

Mei o am b i ente

Países se reúnem em Zaragoza e discutem gestão de recursos hídricos

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o mundo todo, quase 10% das doenças poderiam ser prevenidas com investimentos em políticas públicas de acesso à água potável, saneamento básico, higiene e gestão dos recursos hídricos. A afirmação é da Organização Mundial de Saúde (OMS), que lançou em junho o levantamento Safer Water, Better Health. Anualmente, água

tratada poderia prevenir a morte por diarréia de 1,4 milhões de crianças, evitaria o falecimento de 500 mil pessoas por malária e de 860 mil meninos e meninas por má-nutrição. Os problemas relacionados à água preocupam a população mundial porque seus efeitos são sentidos muito além da saúde humana. Hoje, 500 milhões de

habitantes do planeta vivem em países em situação de escassez de recursos hídricos. A estimativa da Organização Mundial para Alimentação e Agricultura (FAO) é de que no ano 2050 mais de 4 milhões de pessoas viverão em regiões com escassez crônica de água. O panorama exige que sejam implementadas medidas de gestão

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Meio a mbi e nt e Rosane Marinho

dos recursos hídricos para ampliar o acesso à água e estabelecer regras de consumo sustentável. Por isso, durante três meses, de 14 de junho a 14 de setembro, líderes mundiais, especialistas, ONGs, empresários e estudantes discutiram e trocaram experiências sobre o tema na Expo Zaragoza 2008, realizada na Espanha. Os participantes puderam avaliar a água sob variadas perspectivas: ambiental, energética, agrícola, turística, cultural, econômica e tecnológica. A EXPO Zarogoza reuniu 107 países e 19 sociedades autônomas, que apresentaram atrações culturais e informações sobre sua gestão de recursos hídricos. O Brasil teve destaque no evento, merecido por concentrar 12% da água doce do planeta – proporção que pode chegar a 18%, se considerado os volumes recebidos de países vizinhos – e também por ter uma Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) implementada. O comissário geral da Expo Zaragoza, Emílio Fernandez Castaño, afirmou que o Brasil é um dos países mais importantes no cenário mundial do século 21. "O 8 | B o l e t i m d a AD B

Brasil é uma verdadeira superpotência hídrica", disse ao confirmar que a Espanha se interessa em formar parceria com o País na defesa do meio ambiente. Mais de 60 experiências brasileiras de gestão da água foram apresentadas na Tribuna da Água, espaço para discussão técnica na Expo Zaragoza. No estande do País – batizado de Sob a Chuva, Florestas Tropicais e Bosques de Clima Temperado –, montado no pavilhão América Latina - Bajo La LLuvia, os visitantes puderam aprender mais sobre as três principais bacias brasileiras – do Amazonas, do Prata e do São Francisco – e sobre a diversidade nacional. Aproximadamente 700 mil pessoas passaram pelo espaço, uma média de 8 mil visitantes por dia. A comissão brasileira levou para o evento expressões culturais brasileiras, como o boi de Parintins, e montou exposições de fotografia e de esculturas em madeira. Entre os principais nomes da música brasileira, fizeram show o ministro da Cultura, Gilberto Gil, Gal Costa e Maria Rita. Também selecionou os projetos apresentados na exposi-

ção internacional e organizou as atividades comemorativas do Dia do Brasil, no dia 15 de junho – todas as nações tiveram um dia temático para melhor divulgar a sua política de recursos hídricos e sua cultura. De acordo com o ComissárioGeral do Brasil para a Expo, João Bosco Senra, o País mostrou no evento que está se preparando para ser uma potência na gestão da água. “O Brasil é um dos poucos países do mundo que construiu um Plano Nacional de Recursos Hídricos a partir da visão da gestão integrada, cumprindo uma das Metas do Milênio”, ressalta. Senra é diretor da Secretária de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente (SRHU/MMA). O presidente da Agência Nacional de Água (ANA), José Machado, afirma que o Brasil está se preparando para assegurar água em quantidade e qualidade para a sociedade brasileira. Machado lembra que muito já foi feito, mas falta implantar muitas etapas. “A implementação do PNRH começou há 11 anos, ou seja, é muito recente. Então, há muito por ser feito, mas já fizemos muito também. Atualmente, os 27 estados já desenvolvem suas políticas de recursos hídricos e a ANA se consolida como gestor nacional da água”. O sistema brasileiro de gestão das águas conta com a participação de mais de 140 comitês de bacias e mais de 25 conselhos estaduais e um nacional. Com essa estrutura de administração participativa – atenta à realidade dos cidadãos das regiões de importância hidrográfica –, o PNRH tem alcançado bons resultados no manejo do solo, no uso da água e na resolução de con-


Mei o am b i ente flitos. “O Brasil amadureceu muito na gestão das águas e tem muita experiência para compartilhar com os demais países, principalmente porque, da maneira como foi construído, o PNRH é muito inovador”, diz João Bosco. Além do PNRH, outras iniciativas brasileiras se destacaram na Expo Zaragoza 2008. Uma das mais comentadas foi o Cultivando Água Boa, desenvolvido pela hidroelétrica Itaipu Binacional e que trabalha responsabilidade social e ambiental com a comunidade local. Segundo Senra, o projeto deve entrar na Carta de Zaragoza como exemplo prático na gestão de recursos hídricos. Também foram debatidas as experiências: Programa de Despoluição de Bacia Hidrográfica (Prodes); o Programa de Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (PRSF); e o Programa Nacional de Desenvolvimento dos Recursos Hídricos (Proágua Nacional), financiado pelo Banco Mundial e coordenado pela Agência Nacional de Águas (ANA) e o Ministério da Integração. José Machado explica que a Agência participou de vários debates promovidos na Tribuna da Água. “A ANA se destacou na Expo Zaragoza. Apresentamos nossos projetos, coordenamos mesa sobre o PNRH e discutimos a gestão descentralizada e participativa da água”, conta. A ANA é responsável no Brasil pela operação de represas e de reservatórios hidrelétricos, pela administração da rede hidrometeorológica nacional e pela identificação de oferta segura de água.

O mapeamento de mananciais na região do semi-árido foi chamado de Atlas Nordeste. A população de mais de 1.500 municípios nordestinos está sendo beneficiada por esse trabalho, que será replicado no Sul do País. “O Atlas foi um dos trabalhos que apresentamos na Expo. É um projeto que faz diagnósticos sobre a segurança hídrica em diferentes regiões brasileiras. A partir dos diagnósticos, elaboramos alternativas para as cidades ampliarem o acesso à água, indicando a necessidade de investimentos em obras”, diz José Machado. Agenda Internacional – Na abertura das comemorações do Dia do Brasil, o embaixador brasileiro na Espanha, José Viegas, disse que a gestão da água e as mudanças climáticas serão os

principais temas da agenda internacional. O diplomata acredita que sem as Nações Unidas será difícil alcançar um manejo eficaz dos recursos hídricos em nível mundial. “É necessário que os países tomem decisões conjuntas, que sejam eficazes, racionais e democráticas, para que os nossos povos possam desfrutar da água”, declarou Viegas a agências de notícias espanholas. O embaixador também falou sobre o potencial energético do Brasil. Lembrou que, além das riquezas em recursos hídricos, o País investiu em outras fontes de energia limpas e renováveis. “O etanol contribui para a manutenção de nível aceitável de emissões de carbono, além de ser uma forma de exploração energética racional e menos agressiva ao meio ambiente”, ponderou. B o l e t i m d a AD B | 9


Ma d e in B r az i l

É de perder o sapato

A

lgumas das mais recentes surpresas da cena musical brasileira saíram de Pernambuco. Chico Buarque é um dos que apontam, há algum tempo, a importância da efervescência pernambucana. E o frevo, estilo musical centenário que marca as folias de Carnaval daquele estado, está, quem diria, entre as maiores novidades dos últimos tempos. Os responsáveis por mostrar ao Brasil que frevo não é apenas “trilha sonora de carnaval” são os 17 músicos que integram a SpokFrevo Orquestra, uma verdadeira Big Band, cuja motivação é fazer com que as pessoas apreciem o frevo como música.

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A orquestra surgiu em 1996 com o nome de Banda Pernambucana, para acompanhar o músico Antônio Nóbrega. Os integrantes aos poucos começaram um trabalho paralelo que conduzia à independência, alcançada tempos depois. Nos anos seguintes passou a se chamar Orquestra de Frevo do Recife e, em 2003, após contato com Washington Lima, que divide a produção do grupo com Zé da Flauta, chegou ao nome atual. Preconceito – O maestro Inaldo Cavalcante de Albuquerque, o Spok que dá nome à orquestra, destaca apenas frevo e choro como estilos musicais brasileiros genuinamente

Flávio Lamenha

instrumentais. Com o desafio de levar o ritmo nordestino a espaços diferentes, tratou de ir contra tabus de puristas que achavam que a forma musical do frevo deveria ser aquela tocada há tantos anos. A orquestra começou, então, a trabalhar harmonias que privilegiavam o improviso, elemento tradicionalmente excluído. Spok acha clara a influência do jazz na banda. A primeira crítica que tiveram de enfrentar era sobre americanização e perda de identidade cultural. “Digo que somos frevo jazzístico por causa dos improvisos. Mas somos 17 pernambucanos em cima do palco, que ouvem frevo e convivem com isso desde que nasceram, que têm propriedade para tocar”, rebate o


Mad e i n B ra zil plano é o folião. “Não tenho nada contra quem se mantém na raiz, mas para nós estudantes é igualmente maravilhoso um público que só senta e ouve”, diz. A SpokFrevo vive com o pé na estrada. Mesmo sendo difícil viajar em um grupo de 20 pessoas, o conjunto já se apresentou em várias partes do Brasil e também em países como França, Alemanha, China e Estados Unidos, entre outros. Em

junho deste ano, saiu em novo tour pela Europa. “É a realização de um sonho”, conta Spok. “É a primeira vez que tocamos lá com a liberdade do improviso.” A banda já dividiu o palco com Chico Science, Sivuca, Gal Costa, Ney Matogrosso, Maria Rita, Luiz Melodia, Vanessa da Mata, Lenine, Gilberto Gil, Leo Gandelman, Armandinho, Genaro do Trio Nordestino e outros músicos de renome nacional e internacional.

Flávio Lamenha

maestro. Para reforçar essa analogia, cabe uma frase de Zé da Flauta: “O frevo está para o Capibaribe como o jazz para o Mississipi”. Apesar da proposta, a orquestra não restringe sua atuação apenas a apresentações em teatros e casas de shows. Como todo frevo que se preza, ganha as ruas no Carnaval. Porém, Spok acha difícil dar à música o carinho que ela merece quando o que vem em primeiro

Ouvido de músico Enquanto a professora explicava, o menino Inaldo se distraía balançando as orelhas usando apenas a musculatura da cabeça. Um amigo de sala viu e não perdoou: “Só quer ser o Spock!”, em referência ao famoso personagem do seriado Jornada nas Estrelas. O apelido pegou. “Hoje acho que tenho amigos que não sabem meu nome. Acostumei, eu gosto. No mínimo não deu azar”, diverte-se. Foi mais ou menos na mesma época que Spok começou a estudar música, com ajuda do amigo Ademário. Iniciou com requinta, um tipo de clarinete, mas logo partiu para o saxofone alto. Em pouco tempo estava ganhando o

primeiro dinheiro com música. “A demanda por músicos no Carnaval é muito alta. Quando comecei não sabia nem fazer escala”, conta. Hoje aos 37 anos de idade, 24 dos quais dedicados à música, orgulha-se de ter sido aluno de todos os grandes mestres de Pernambuco. O primo Gilberto, também estudante de sax, está na banda desde o início. Apesar de ser arranjador, saxofonista e diretor musical, Inaldo Albuquerque se sente pouco confortável com seu apelido ter se tornado o nome da banda. Destaca o desempenho dos outros componentes, que “vestem a camisa” e têm excelente qualidade.

Sistematização do Frevo Com apoio da Prefeitura de Recife, Zé da Flauta, Spok e outros músicos estão realizando pesquisas e produzindo material para registrar a história do frevo e criar novos métodos de estudo. Eles vêem a escassez de material na área como ameaça ao estilo e problema para estudantes. “Hoje você tem milhares de livros falando só sobre blues. De frevo não existe um”, lamenta Spok. A SpokFrevo Orquestra já lançou os CDs Passo de Anjo e Passo de Anjo ao Vivo, o último também em DVD. Para o futuro planeja outro DVD, desta vez com Dominguinhos. Sons e fotos do grupo podem ser encontrados em http://www.spokfrevo.com.br. B o l e t i m d a AD B | 11


Ca p a

O Brasil de recuperação Zsuzsanna Kilián

É

possível passar de ano com média 4,2? Seja particular ou pública, nenhuma escola permite aprovação com esse resultado. Pois foi esta a nota tirada pelo Brasil no Indicador de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), do Ministério da Educação (MEC), divulgado em junho. Contudo, o índice faz parte de um planejamento de metas que estabelece, ainda para 2021, o alcance da nota 6,0, equiparável a resultados de países desenvol12 | B o l e t i m d a AD B

vidos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). O primeiro resultado do Ideb, que é realizado a cada dois anos, registrou, em 2005, média nacional de 3,8. O número esperado para 2007 era de 3,9. Mesmo baixo, o resultado supera expectativas. A evolução de cada município é planejada de forma diferente. “Estudamos as condições, não dá para tratar da mesma forma uma escola rural e outra no meio de


C a pa uma metrópole”, afirma o diretor de Articulação e Apoio aos Sistemas de Educação Básica do MEC, Romeu Caputo. “Sempre há escolas muito abaixo ou muito acima da média nacional”, completa. O Ensino Básico é dividido em Ensino Fundamental, que compreende séries iniciais (até o 4º ano) e séries finais (do 5º ao 8º ano), e Ensino Médio, até o 3º ano. O Ideb é aplicado nas três categorias, e mede desempenho e evolução em Língua Portuguesa e Matemática, considerados básicos para a vida estudantil. Leva em conta dados de duas naturezas: aprovação, reprovação e evasão, apurados pelo Censo Escolar da Educação Básica, e desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e na Prova Brasil, aplicados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do MEC. Os exames desta edição foram aplicados entre 5 e 20 de novembro. Como termômetro educacional, o indicador traz novidades. O pesquisador e educador Cláudio de

Livia Barreto

Moura Castro explica que ele permite discriminar resultados de cada município e escola participantes, localizando pontualmente situações problemáticas. “É fácil de entender e usar, e capta quantidade e velocidade do aprendizado”, diz. Romeu Caputo afirma que as 10 mil escolas com pior avaliação recebem atenção especial do MEC e as que alcançaram as metas programadas têm aumento de 50% da verba destinada pelo Ministério. “Não fizemos à toa. É para ser um instrumento de política, de gestão.” Comparação – As metas estabelecidas para cada município foram influenciadas pelos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), coordenado pela OCDE. Ele é realizado trienalmente com jovens de 15 anos, idade considerada padrão para o término do Ensino Fundamental em vários países. Avalia Português, Matemática e Ciências. O Brasil integra o programa desde 2000, como participante externo à OCDE. A escala é diferente da do Ideb. Por comparação,

calculou-se a nota 6,0 como média dos membros da OCDE. Por isso este se tornou o objetivo para o Ideb de 2021. O ano seguinte, quando deve ser divulgado o resultado, carrega o simbolismo do centenário da Independência. O presidente da Ong Instituto Alfa e Beto, o educador João Batista Oliveira, diz que nenhum país faz reforma educacional significativa em menos de 20 ou 30 anos. Repelindo fórmulas mágicas, considera que desperdício é não cuidar do essencial. “Não adianta pensar em período integral se mal dão conta de quatro horas por dia. O que funciona é um ensinar e o outro estudar, o resto é detalhe”, diz. Como principal problema, Oliveira cita a falta de formação prévia dos professores. “Precisamos atrair bons alunos para carreiras de ensino. Hoje, apenas quem não consegue passar em outros cursos se torna professor. O aluno de hoje é o educador de amanhã.” Para ele, a melhora econômica vai mudar a educação, e não o contrário. “Como as boas profissões estão sendo ocupadas vai começar a sobrar gente boa para a sala de aula.” O senador Cristovam Buarque (PDT-DF) propõe políticas mais ousadas. “Deveríamos federalizar os concursos para professores, com altos salários pagos pela União. A gerência continuaria com o município. Também implantaríamos horário integral em escolas com computadores e prédios bonitos, que faz diferença. Haveria uma Lei de Responsabilidade Educacional, como existe a Fiscal. Se o prefeito não cumprisse as B o l e t i m d a AD B | 13


Ca p a metas ficaria inelegível. Estes professores iriam apenas para algumas cidades escolhidas, que funcionam como pólos. Não dá para o País inteiro. Em cinco anos haveria grandes diferenças nestas cidades, em 10 na metade do país. Em 20 o Brasil seria outro”. “Bons salários atrairiam no máximo 300 mil bons professores

no Brasil. A partir daí começaria a chover candidatos para pedagogia e licenciatura. Na Finlândia, professores são os mais bem pagos das carreiras públicas. Estão entre os 5% melhores alunos da universidade. Na Coréia entre os 10%, na França entre os 20%. No Brasil é o contrário” No PISA 2006, o Brasil ficou no

final da fila entre os 57 participantes. Em Leitura, a nota foi 392,89, ficando em 49º; em Matemática obteve 369,52, o que o deixou em 54º lugar; em Ciências tirou 390,33, o que lhe rendeu a 52ª posição. Os melhores colocados foram: Coréia do Sul (556,02) em Leitura, Taiwan (549,36) em Matemática e Finlândia (563,32)

Salto com o pé direito Divulgação

Divulgação

Divulgação

O município de Nova Olinda (CE) surpreendeu. Vindo de 2,7 pontos nos anos iniciais e 1,9 nos anos finais, em 2005 chegou a 4,0 e 3,0 respectivamente, quando as metas eram de 2,7 e 2,0. Os índices alcançados estavam projetados apenas para 2015 e 2011. “Foi uma alegria total, levantou a auto-estima de alunos e professores”, conta Vanda Lúcia Sampaio, secretária municipal de Educação. Fizemos anúncio na rádio, a comunidade precisava ficar sabendo.” Foram quatro escolas avaliadas, das quais três eram do município e apenas uma estadual. O sistema educacional da cidade atende 3.700 alunos. Vanda conta que após anali-

sar os indicadores do MEC em 2005, toda a comunidade escolar foi convocada para transformar a situação. Escolas foram construídas em bairros onde antes não havia, a turma de educação infantil que funcionava no parque de vaquejada foi transferida para um prédio escolar, foram implementados programas como o Agente Escolar, em que alunos da própria escola buscam os colegas faltosos e aulas de reforço em turmas separadas. O diferencial, no entanto, está no tratamento dado ao professor. Parceria com a Universidade Regional do Cariri deu oportunidade a quem não tinha nível superior, ao oferecer cursos de Biologia

e Letras. Programas de formação continuada e cursos trabalham conceitos importantes para a região turística, como o de sustentabilidade, e o Plano de Cargos e Salários foi reformulado. “Em 2005 o salário-base do professor nível médio era de R$ 119. Hoje é de R$ 423 para 20 horas semanais, além de 14º salário quando sobra dinheiro. O professor é quem está na ponta”, diz Vanda. Apesar de tudo, a secretária reconhece que ainda falta muito. “Quero que as crianças leiam, escrevam, interpretem. O avanço foi significativo, mas não o suficiente.” Ela afirma que a responsabilidade aumenta, e planeja continuar no mesmo ritmo.

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C a pa em Ciências. Entre participantes da América Latina, o Brasil superou apenas Colômbia e Argentina em Leitura, e novamente a Colômbia em Ciências. Em Matemática ficou em último. Foi ultrapassado em todos os quesitos por Chile, Uruguai e México. Situação de dificuldade – Em 2005 a nota do município mineiro de Medina foi 2,9. A avaliação foi feita apenas nas séries iniciais do Ensino Fundamental, e a meta para 2007 era 3,0. A divulgação do resultado contrariou a projeção: 2,4, seis décimos abaixo do esperado. A meta de 2009 é 3,3, o que significa uma corrida de recuperação de 0,9 pontos. Em 2021 Medina precisa alcançar 5,2. Cinco escolas foram avaliadas, quatro delas estaduais e uma, a Dra. Odete Alves, municipal. Nenhuma das 18 escolas rurais foi avaliada. São 428 alunos no ensino regular avaliado, além de 118 do programa para jovens e adultos. Mesmo reconhecendo as qualidades do Ideb, Norma aponta que os exames poderiam ocorrer após o término do período letivo. “Às vezes é cobrado conteúdo que o aluno ainda não viu”, conta. Ela aponta avanços posteriores ao exame, como a ampliação do número de escolas urbanas, de uma para três; o recebimento de 11 novos computadores, programas de formação de professores e aceleração de aprendizagem, aquisição de enciclopédias de pesquisa e redução do número de alunos em sala, de 35 para 27. “Estamos fazendo todo o possível para não cair mais”, afirma.

Corrupção nas escolas O desvio de recursos, a violação de critérios seletivos, irregularidades em licitações e "professores fantasmas" estão entre as fraudes mais comuns em estabelecimentos de ensino público, de acordo com relatório sobre a corrupção em escolas e universidades em todo o mundo (elaborado pela Unesco). No caso do Brasil, o relatório destaca – sem maior detalhamento – "distorções no uso de recursos" para recrutamento, nomeação e pagamento de professores. O documento, apresentado durante o "Seminário Internacional Ética e Responsabilidade na Educação: Compromisso e Resultados", realizado pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, no dia 5 de agosto, ilustra uma série de irregularidades praticadas internacionalmente e sugere ações para coibi-las. Providências – De acordo com uma das autoras do estudo, Muriel Poisson, três ações básicas são necessárias para combater as irregularidades: estabelecer normas de gestão que permitam a distribuição de responsabilidades; aumentar a transparência administrativa, com auditorias internas e externas nas escolas e demais órgãos educacionais; e permitir ao público o acesso às informações obtidas. Essas atitudes, acrescentou Muriel Poisson, devem ser incluídas em uma eventual Lei de Responsabilidade Educacional. "Em alguns países, essas leis são

mais amplas ou mais restritas, mas o fundamental é despertar o interesse social pelo tema." Durante o seminário, o ministro da Educação, Fernando Haddad, disse que o governo desenvolveu a minuta de um projeto para estabelecer responsabilidades na área. Segundo ele, porém, os termos alcançados tornaram-se "polêmicos" diante das dificuldades para definir as atribuições de cada ente federativo. O texto foi elaborado pelo Ministério da Educação e pela Secretaria para Assuntos Estratégicos. O resultado do encontro, realizado em parceria com a Unesco e o movimento Todos Pela Educação, foi uma declaração suprapartidária para que a educação básica seja guiada por critérios de relevância, probidade, ética e qualidade. A Declaração sobre Ética e Responsabilidade na Educação cobra providências contra a evasão escolar e pede mais recursos para o setor, com estratégias de valorização da carreira dos educadores. O documento ainda propõe uma maior colaboração entre União, estados e municípios na política educacional. A Lei de Responsabilidade Educacional, defendida na declaração, promoverá a qualidade na educação e estabelecerá metas e punições para combater falhas na aplicação de verbas escolares, administração do corpo docente e aquisição de bens e serviços. Outra preocupação é encontrar formas de identificar e prevenir a fraude acadêmica.

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Divulgação

Meio a mbi e nt e

Petróleo e mudanças

climáticas 16 | B o l e t i m d a AD B

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ento e cinqüenta anos depois de sua descoberta, a popularidade do petróleo está em baixa. Se no século XIX, poços petrolíferos a perder de vista traduziam o que seria o futuro do desenvolvimento da humanidade, hoje o cenário é menos otimista e nos faz lembrar a todo instante que o combustível é uma ameaça à nossa existência. Ao mesmo tempo, discutem-se as possíveis conseqüências que o planeta sofrerá com a adoção de outras formas de energia, em especial os biocombustíveis, cujo uso em escala industrial alimenta uma série de especulações. Como se não bastasse, o mundo pode estar chegando ao limite das reservas


Mei o am b i ente naturais disponíveis e as mudanças climáticas acarretadas pelo excesso de consumo energético resultarão em transformações nos âmbitos econômico e social. A cada dia, os sinais de que é preciso reverter uma série de posturas se tornam mais evidentes. No entanto, o petróleo, assim como seus derivados, ainda está no centro de diversas decisões estratégicas ao redor do mundo e deve continuar assim por muito tempo. O problema é frear a avalanche de más notícias e superar o aumento da demanda pelo produto, principalmente pelos bilhões de consumidores em países como China e Índia, as restrições ambientais à produção e a desvalorização do dólar no mercado mundial provocada pela crise enfrentada pelos Estados Unidos. Além disso, a redução das reservas no mundo afetou os custos de logística, das operações de perfuração de camadas mais profundas, da manutenção de plataformas petrolíferas e do maquinário utilizado para as etapas de processamento e refino. Contudo, mesmo anunciando investimentos pesados na produção de petróleo (leia quadro abaixo), o País caminha para exercer grande influência mundial sobre o uso dos biocombustíveis, tornando-se uma superpotência na fabricação de etanol a partir da cana-de-açúcar e, por tabela, está promovendo uma pequena revolução na agroindústria. Conforme dados do Centro de Estudos em Desenvolvimento Econômico da Universidade de Campinas (Unicamp), o setor comporta hoje 60 mil produtores responsáveis pela colheita de 300 milhões

de toneladas de cana por ano, numa área de plantio calculada em 4 milhões de hectares. Isso representa 24% da produção mundial, sendo metade destinada à fabricação do etanol. A utilização do combustível permite importante redução de emissões de gases de efeito estufa, cujo consumo significou, no período de 1970 a 2005, a não-emissão de 644 milhões de toneladas de CO2. Além de ser uma potencial solução energética para estabilizar os danos causados pelas mudanças climáticas, o etanol brasileiro conta com forte representatividade política na comunidade internacional. Na primeira reunião do G8 – o grupo dos sete países mais industrializados do mundo mais a Rússia – ocorrida no início de julho deste ano no Japão, o presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, e o secretário geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-Moon, atribuíram parte da culpa pela inflação mundial dos alimentos aos biocombustíveis. Mas em nenhum momento culparam o etanol brasileiro, reconhe-

cendo que sua produção não levou a altas substanciais no preço do açúcar. Estudo desenvolvido pelo Banco Mundial mostra que, nos últimos três anos, cinco milhões de hectares de terras aráveis nos EUA, Rússia e Canadá poderiam ter sido usados para plantação de trigo. Em vez disso, foram destinadas à produção de colza e girassol para biocombustíveis. Isso fez com que os preços dos grãos mais que dobrassem desde 2006. Apenas neste ano, a alta acumulada é de 60%. O clima do planeta – Não importa a alternativa energética. É preciso que a sua aplicação seja a mais rápida e abrangente possível. O aumento do consumo em escala mundial tem sufocado o planeta. Os efeitos da poluição, no longo prazo, estão no topo das preocupações de estudiosos desde a década de 1970, quando foi elaborado um dos maiores estudos sobre os impactos ambientais causados pelos excessos da industrialização, intitulado “Os Limites do Crescimento”. O Estado do Maranhão

Várias regiões do mundo estão sofrendo com as mudanças climáticas, forçando os governos a uma solução energética urgente B o l e t i m d a AD B | 17


Meio a mbi e nt e Concluído por uma junta de pesquisadores do Massachussets Institute of Technology (MIT), em 1972, às vésperas do primeiro grande choque do petróleo, o relatório nasceu das inquietações de um empresário sobre o futuro da humanidade. Aurelio Peccei, um executivo da indústria automobilística italiana, reuniu outras lideranças empresariais, além de cientistas e intelectuais, interessados em discutir o futuro da civilização. Esse grupo ficaria conhecido posteriormente como o Clube de Roma e teria como principal legado a discussão pública de temas antes restritos aos meios acadêmicos como crescimento demográfico, escassez de alimentos e esgotamento de recursos não renováveis, entre outros. Apesar de incontestável relevância, “Os Limites do Crescimento” chegou a algumas conclusões desmentidas pela realidade atual, especialmente no que se refere ao consumo de petróleo. A expectativa apresentada no relatório determinava que o combustível não duraria mais de 31 anos, esgotado-se por completo em 2003. No entanto, o relatório não pretendeu fazer previsões, mas se baseou em cenários que despontavam na época – com pouca tecnologia de exploração, certamente o número de reservas petrolíferas era bem menor nos anos 1970. “O que seus pesquisadores pretenderam fazer foi chamar a atenção para a natureza do crescimento exponencial e de como isso colidia com um suposto déficit de recursos. O objetivo deles 18 | B o l e t i m d a AD B

era precisamente evitar que essa colisão existisse e adiar o quanto possível os limites indicados nos seus próprios cenários. De outro modo não teria valido a pena o esforço” explica o superintenden-

te de Refino e Processamento de Gás Natural da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e professor da Escola de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Waldyr Martins Barroso.

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Na contramão das análises pessimistas, o Brasil pode figurar na lista dos maiores produtores globais de petróleo. A Petrobras anunciou para 2008 investimentos da ordem de R$ 55 bilhões a serem aplicados em todas as etapas de operação que envolvem a petrolífera. Hoje, a empresa é a segunda maior companhia energética do mundo em valor de mercado – cerca de R$ 430 bilhões, de acordo com a Bovespa. Só na exploração em águas profundas, uma das especialidades da empresa, são investidos anualmente R$ 1,6 bilhão. Tais investimentos se justificam. Estudos geológicos podem confirmar a existência de reservas petrolíferas na bacia de Santos que formam gigantescos depósitos minerais no Atlântico, conhecidas como camadas de pré-sal. Porém, os benefícios econômicos só poderão ser conhecidos dentro de um prazo ainda não definido. “As perspectivas de extração nesse campo são promissoras, mas demorará pelo menos uma década para que esse produto seja comercializado. É necessário perfurar mais para fazer uma avaliação mais precisa sobre a dimensão dos campos.”, explica o ex-presidente da Eletrobrás e presidente do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, Luis Pinguelli Rosa. Ele vai além, afirmando que o atual modelo, que prioriza apenas o lançamento da commodity no mercado é inadequado. “Acho que o Brasil deveria fazer um planejamento estratégico de seu uso, priorizando tanto o consumo interno como os clientes estrangeiros e não se tornar apenas um exportador”, diz Pinguelli.


Di rei t os h u m anos

A nova abolição

Será mais bem–sucedida que a de 1888? Iolanda Huzak

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o dia 12 de junho, Dia Nacional e Mundial de Combate ao Trabalho Infantil, o presidente Lula assinou o Decreto 6.481, regulamentando a Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que traz a lista das piores formas de trabalho infantil. Batizada de Lista TIP, ela proíbe que meno-

res de 18 anos ocupem qualquer função descrita na relação. Ela inclui atividades que contenham operação de máquinas pesadas, uso de instrumentos perfurocortantes, desgaste físico extremo, manuseio de produtos químicos e contato com animais, entre outros. Outra aliada da luta contra o trabalho infantil é a Convenção

138 da OIT, sobre idade mínima para trabalhar. De acordo com a OIT, há mais de 200 milhões de crianças ainda em situação de trabalho no mundo. Três quartos delas estão envolvidas com as piores formas desse tipo de exploração, incluindo tráfico, escravidão, exploração sexual, conflitos armados e B o l e t i m d a AD B | 19


D ireito s hum ano s Iolanda Huzak

ofícios de risco. Colocando em perigo a saúde física e mental, a maior parte trabalha porque precisa. Suprir necessidades imediatas acaba por comprometer o próprio desenvolvimento. “A criança que trabalha hoje é o desempregado de amanhã”, diz Ariel Castro, conselheiro do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). Os dados são conflitantes. No Brasil, a última Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apurou 2,7 milhões de crianças e adolescentes, entre 5 e 15 anos de idade, trabalhando em 2006. A OIT considera 5 milhões. Em qualquer caso, apesar de alto, o número vem caindo. “No início da década de 90 ultrapassava os 10 milhões”, afirma o diretor do Departamento de Fiscalização do Trabalho do MTE, Leonardo Soares de Oliveira. Entre os motivos da variação estatística estão aceitação cultural e dificuldade de localizar a exploração. 2 0 | B o l e t i m d a AD B

“A maioria das crianças está em setores que não configuram relação de emprego, não há empregador. Vem dos próprios responsáveis legais, no trabalho doméstico, na economia familiar”, diz Soares. “A dificuldade é conscientizar os pais.” No Brasil é permitido trabalhar dos 14 aos 16 anos em regime de aprendizado, com garantias específicas, em meio período da manhã ou da tarde. Dos 16 aos 18 já é possível trabalhar, mas ainda com restrições. A favor da formação – A preocupação das últimas décadas levou à organização de vários espaços de discussão e ação sobre o tema, como o Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, do Ministério da Justiça (MJ), e a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil (Conaeti), do Ministério do Trabalho e Emprego. Ambos têm participação igualitária entre governo, trabalhadores, empregadores, organismos internacionais e sociedade civil.

Uma das ações de maior divulgação do governo é o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Existente desde 1996, o objetivo do Peti é tirar crianças de situação de risco e colocá-las na escola, concedendo à família uma bolsa de até R$ 40 por criança. O orçamento geral do programa para este ano foi de R$ 286,4 milhões, para atendimento de 872 mil crianças e 597 mil famílias. O Peti conseguiu integração com o Bolsa Família, de forma que quem recebe benefício de um, não recebe do outro, evitando duplicidade. As crianças são colocadas em trabalho socioeducativo e na escola, onde é exigida freqüência mínima de 85%. No entanto, o apelo da esmola é maior e rende mais do que a bolsa do Peti. “Crianças emocionam, têm bons dividendos na rua”, diz Castro. Para a diretora do Departamento de Proteção Social Especial do MDS, Valéria Gonelli, a estratégia precisa se aprimorar. “Chegamos ao ponto em que transferência de renda pode não ser grande diferencial”, afirma. “Temos que trabalhar a raiz do problema. A família deve ser conscientizada.” Ela propõe medidas em três frentes: construção de ações concretas, atuação interministerial e conscientização da sociedade. O programa atende hoje 3.500 municípios. Conforme Valéria, 59% das crianças trabalhadoras têm renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo, e 20% recebem até um salário.


Di rei t os h u m anos Crianças no mundo – Conforme Soares, o Brasil é referência mundial no combate ao trabalho infantil. “Sempre é citado como exemplo de boas práticas por organismos internacionais”, diz. Ele afirma que o último relatório global da OIT, de 2006, trazia o País como um dos poucos exemplos a serem seguidos. O Brasil possui termos de cooperação técnica com vários países para repassar a experiência e fortalecê-los no combate ao trabalho infantil. Já realizou ações com Argentina, Paraguai, Peru, República Dominicana, Costa Rica, Honduras, Portugal, Angola e Moçambique, entre outros.

A partir de censos divididos por regiões mundiais, a OIT estima 122,3 milhões de crianças trabalhadoras na Ásia; 49,3 milhões na África; 13,4 milhões nos países árabes e 5,7 milhões na América Latina e Caribe. Com dificuldades parecidas com as brasileiras, os números podem variar. A organização conduz o Programa Internacional de Eliminação do Trabalho Infantil (Ipec) desde 1992, presente em 88 de seus 178 países-membros. Como o Peti, o Ipec tem ações com todos os setores da sociedade. No Brasil, o Ipec tem presença nacional e ações diretas em dez estados e no Distrito Federal. Na Vila

Estrutural de Brasília, a Associação Viver fez parte do Projeto Catavento, da OIT. Hoje 230 crianças e adolescentes participam de atividades socioeducativas no contraturno escolar. “Temos reforço escolar, música e atendimento de saúde”, conta Coracy Chavante, presidente da associação. “A área é complicada, próxima a um lixão. O trabalho psicológico é feito também com as famílias das crianças de catadores”, diz. As ações são de prevenção e de abordagem. O trabalho foi semifinalista entre mais de 1.500 participantes do Prêmio Itaú-Unicef 2007, e hoje recebe treinamento específico para ações sociais. Iolanda Huzak

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Perfil

149 anos de

Consultoria Jurídica Wagner Ulisses

Prof. Dr. Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros

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mportantes conquistas do Direito Internacional no Brasil têm influência direta do trabalho feito pela Consultoria Jurídica (CJ) do Ministério das Relações Exteriores. Nos últimos 10 anos, por meio de parece-

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res da CJ, o País reconheceu a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), instituição autônoma da Organização dos Estados Americanos, e o Tribunal Penal Internacional (TPI). A partir do reconhecimento de

sua competência obrigatória, o País aceita a aplicação e interpretação que a Corte IDH dá à Convenção Americana sobre Direitos Humanos e a outros tratados da mesma temática. Julga, portanto, casos de violação dos direitos ou liberdades nos Estados-membros da OEA signatários da Convenção. O Brasil já teve representante na Corte IDH. O jurista brasileiro Antônio Augusto Cançado Trindade foi vice-presidente em 1999, presidente de 2000 a 2003 e juiz em 1996, e de 2004 a 2007. Cançado Trindade é ex-consultor jurídico do Itamaraty. Tem Ph.D. em Direito Internacional pela Universidade de Cambridge e é professor da Universidade de Brasília (UnB) e do Instituto Rio Branco. O Tribunal Penal Internacional foi criado pelo tratado Estatuto de Roma para julgar pessoas acusadas de genocídios, crimes contra a humanidade e de guerra. Atualmente, 106 países compõem o TPI. O Brasil ratificou a sua entrada nessa corte permanente em 2002. A juíza brasileira Sylvia Steiner foi eleita em 2003 para representar o Grupo de Estados da América Latina e Caribe (Grulac, sigla em inglês). O mandato de Steiner é de nove anos. A jurista, que faz parte da Divisão de Pré-


Pe rfil Julgamentos, tem mestrado pela Universidade de São Paulo (USP) e foi Procuradora da República e Desembargadora Federal. Consultoria Jurídica – Anualmente a CJ emite uma média de mil pareceres. O resultado foi conquistado após a modernização do setor. Entre 1° de abril e 31 de maio deste ano, a equipe do setor produziu 160 pareceres de direito administrativo e internacional, atuou em 103 processos e fez 322 expedientes (veja quadro). O Prof. Dr. Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros é o Consultor Jurídico do Itamaraty desde fevereiro de 1998. É o 18° jurista a assumir o cargo. Assim como a maioria de seus antecessores, Cachapuz de Medeiros consolidou sua carreira no meio acadêmico. É Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo e Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Também é professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) e ajudou a criar pósgraduação em Direito Internacional na Universidade Católica de Brasília (UCB) e no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Além do consultor jurídico, mais sete advogados fazem parte da equipe da CJ. Cachapuz de Medeiros explica que a Consultoria é responsável pelo controle da constitucionalidade e legalidade dos atos da Administração do MRE. Atua tanto na análise de questões de Direito Internacional como de atos normativos do MRE. Qualquer ato de natureza legal tem que ter o parecer da CJ, seja

a criação de uma embaixada ou a proposição de lei para a regulamentação do Serviço Exterior Brasileiro. “Todos os tratados internacionais são atos normativos, pois são aprovados e promulgados por Decretos. Além disso, a Lei nº 8.666/93 impõe a emissão de parecer para a realização de licitações e a assinatura de contratos públicos”, explica o consultor jurídico. A Consultoria foi criada no Brasil Império por Dom Pedro II. Até a Constituição Federal de 1988, o setor era um órgão subordinado apenas ao Itamaraty. “Não havia nada que impusesse o parecer da CJ, que só os emitia se o ministro ou o secretário geral julgassem necessários”, esclarece Cachapuz. A partir da CF/88, com a criação da Advocacia Geral da União (AGU), as consultorias jurídicas dos ministérios ganharam dupla vinculação: passaram a ser tanto órgãos setoriais da AGU como se mantiveram subordinados administrativamente aos ministros. Segundo Cachapuz, “ainda cabe ao ministro escolher o consultor jurídico e aprovar o parecer da CJ, mas apesar disso é um órgão de referência da AGU”. Os maiores nomes do Direito no País passaram pela CJ do MRE. Clóvis Bevilaqua foi o quinto consultor do MRE. Bevilaqua é autor do projeto de Código Civil promulgado em 1916, que vigorou até a publicação de um novo Código em 2002; Hildebrando Accioly também foi responsável pelo órgão. Ele é reconhecido por sua importante contribuição no campo internacional público.

Estatística da Consultoria Jurídica Dados referentes ao período de 1º/04/2008 a 31/05/2008 Fonte: MRE/CJ PROCESSOS: Ação Ordinária 11 Mandado de Segurança 04 Reclamação Trabalhista 88 Total 103 PARECERES (DIREITO ADMINISTRATIVO): Contratos/Convênios 17 Dispensa/Inexigibilidade de Licitação 08 Licitação/Pregão Eletrônico 15 Locação de imóvel no exterior 10 Relatório técnico de identificação e delimitação de área remanescente de quilombo 09 Outros assuntos 21 Total 80 PARECERES (DIREITO INTERNACIONAL): Criação de Posto 02 Decreto 07 Tratado/Convenção/Acordo/ Protocolo 48 Outros assuntos 23 Total 80 EXPEDIENTES: Despachos em Memorando 09 Informações 03 Ofícios 110 Consultas informais 200 Total 322

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En t rev is t a

A diplomacia brasileira documentada Soraya Brandão

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onversamos com o Embaixador Álvaro da Costa Franco. Fomos conhecer um pouco da sua história, da sua jornada como representante do Brasil no exterior e do Centro de História e Documentação Diplomática do Ministério das Relações Exteriores (CHDD), que ele dirige há oito anos. Filho de cariocas, o Embaixador é natural de Jaguarão, no Rio Grande do Sul. De lá saiu ainda pequeno, para a capital, Porto Alegre. Formou-se em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É casado há quase 50 anos e tem duas filhas e duas netas.

Embaixador, como e quando surgiu essa “inclinação” para o Rio Branco? Tive um tio diplomata. Depois, quando eu era ainda menino, meu irmão (10 anos mais velho) fez o concurso e passou. Acho que vem daí a minha inclinação à carreira, combinada com certo desejo de “correr o mundo”. No quinto ano de faculdade, em 1956, fiz con2 4 | B o l e t i m d a AD B

curso para o Rio Branco, cursei dois anos e, no dia 22 de janeiro de 1959, comecei a trabalhar – isso foi na gestão do Juscelino Kubitschek. Trabalhei por quase 40 anos e me aposentei antes dos 65, porque queria estar mais perto da minha família. Em quais países morou? Morei na Bélgica, no Uruguai,

na França e nos Estados Unidos, em Washington. Fui embaixador na Colômbia, na Suíça, junto à UNESCO e na Grécia. Qual desses países lhe traz mais recordações? Cada país contribuiu para a minha história de vida e para minha visão do mundo: no Uruguai, encontrei muitos ecos da infân-


E n t revista cia, das férias na fazenda à beira do rio Jaguarão, de onde se via o país vizinho; a Colômbia foi uma experiência muito rica; trabalhar em Washington, um grande desafio profissional. Sempre tive grandes afinidades com a cultura francesa e, na Grécia, reencontrei as raízes da nossa civilização. Quando voltou ao Brasil? Voltei para o Brasil em 1998. Continuei vinculado ao Ministério como presidente da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG). Quando deixei a presidência da Fundação, assumi a direção do Centro de História e Documentação Diplomática, que é um órgão da FUNAG, no Rio. Já estava, então, aposentado, a meu pedido. Como surgiu o Centro de História e Documentação Diplomática? Já existia um centro no estatuto da FUNAG, chamava-se Centro Barão do Rio Branco de História e Documentação Diplomática. Existia no papel, não tinha criado corpo. Quando assumi, desenvolvi alguns projetos de restauração do prédio e de apoio à Biblioteca, à Mapoteca e ao Arquivo. Depois de avaliar as potencialidades do Centro e conhecer o acervo documental existente no Rio, achei que o melhor e mais duradouro que tínhamos a oferecer era a transcrição e edição de documentos da nossa história diplomática. A razão de o centro estar no Rio é exatamente o fato de estarmos ao lado de um dos maiores acervos documentais sobre a história diplomática do Brasil, o Arquivo Histórico, a Mapoteca e a Biblioteca do Itamaraty. Optei,

então, por essa forma de ação. Como subproduto, surgiu a interação com as universidades. Desde quando dirige o CHDD? Assumi em 2000, quando criei efetivamente o Centro. Desde então, ele tem crescido de maneira discreta, com a participação de estudantes de História, estagiários que colaboram na transcrição e digitação dos documentos antigos, que, depois de devidamente revisados, são editados. Publicamos alguns livros e criamos uma revista semestral, cada número com o porte de um livro (400 a 500 páginas aproximadamente). Ao longo dos anos, o senhor vem compilando, organizando e publicando os mais diversos materiais históricos, importantes para o estudo da diplomacia brasileira. Como surgiu essa idéia e por quê? É um trabalho continuado e muito recompensador, no sentido de que nos permite divulgar documentos que são importantes para

um público muito mais amplo do que aquele que normalmente teria acesso aos nossos arquivos. A trajetória diplomática do Brasil é muito interessante, rica e criativa. O Brasil é um país em que o Ministério das Relações Exteriores – Ministério dos Negócios Estrangeiros, no tempo do Império – teve um papel ativo e positivo na delimitação das fronteiras e, portanto, no traçado do território nacional e tem, desde meados do século XIX, um papel decisivo na definição da política exterior e no desenho de nossa inserção no mundo. O senhor é o criador dos “Cadernos do CHDD”. Como surgiu a idéia do projeto? Surgiu do interesse em facilitar o acesso dos estudiosos aos nossos arquivos. Ademais, uma revista tem uma forma mais flexível do que um livro e cria uma expectativa de continuidade.

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E n t rev is t a Soraya Brandão

"O CHDD preserva e mantém viva a imagem do Itamaraty", diz o Embaixador Alváro da Costa Franco

Isso me pareceu importante, pois ao criar uma instituição nova é preciso dar-lhe fundamentos e deitar raízes, é preciso um compromisso continuado e uma publicação periódica cria esse compromisso. Creio que atingimos nosso objetivo. Estamos publicando o número 12 dos “Cadernos” e alcançamos o mais alto grau de qualificação acadêmica no Sistema Qualis da CAPES. Qual a principal finalidade desses “Cadernos”? As publicações atendem a vários propósitos: difundir e facilitar o acesso dos pesquisadores às fontes originais depositadas no AHI; preservar os documentos da 2 6 | B o l e t i m d a AD B

manipulação pelos usuários; promover os estudos e o conhecimento sobre a História de nossas relações internacionais. A articulação com a Universidade se faz mediante os estágios oferecidos a estudantes de história e contatos com o corpo docente e a distribuição da revista às bibliotecas universitárias e de centros de estudos dedicados às relações internacionais, no Brasil e no exterior. Hoje, já há certo número de mestrados e doutorados feitos a partir de nossa documentação e de pesquisas independentes. Há, portanto, um efeito secundário, do Centro e de suas publicações, de suscitar vocações e interesse pelo estudo da história das relações internacionais. Qual a periodicidade, a tiragem e o número de “Cadernos do CHDD” já editados? Eles são lançados semestralmente, numa tiragem de cerca de mil exemplares. Como são distribuídos os cadernos e livros editados pelo CHDD? Grande parte de nossas publicações são doadas para cerca de 800 destinatários. Fornecemos esse material gratuitamente a bibliotecas de universidades brasileiras que têm pós-graduação em história; centros de estudo em Relações Internacionais; Institutos Históricos e Geográficos Brasileiros; academias de História Latino-americanas e para um número grande de pesquisadores, no Brasil e no exterior, interessados no tema. Enviamos, ainda, exemplares a importantes bibliotecas no exterior, como a Biblioteca do Congresso, em

Washington, o Instituto IberoAmericano de Berlim e numerosas bibliotecas universitárias. Qual a sua responsabilidade nessas publicações? Eu me ocupo da escolha de matérias, da substância da pesquisa e de sua orientação. Toda a parte editorial dos livros e Cadernos publicados é de responsabilidade de Maria do Carmo Strozzi Coutinho, que coordena e supervisiona nossas edições. Qualquer pessoa pode ter acesso a essas publicações? Sim, claro. Os cadernos do CHDD e os livros estão digitalizados na biblioteca virtual do site da FUNAG (www.funag.gov.br) e, caso haja interesse em adquirir alguma publicação, basta entrar em nossa loja virtual. Qual a importância do CHDD para o Itamaraty? À medida que a continuidade das instituições passa pela memória e pela imagem, o Centro, ao reavivar a memória do Ministério, preserva e mantém viva a imagem da instituição. É a preservação da memória e da imagem do Itamaraty por meio de procedimentos que obedecem a uma metodologia histórica. Não temos um direcionamento publicitário. Promovemos a reprodução de fontes primárias da história de nossa diplomacia e de nossas relações internacionais. Tornamos acessíveis e difundimos esse material, no propósito de tornar conhecido e transparente o passado de nossas relações internacionais. Não fazemos uma história “chapa branca”.


Po n t o d e vista

Flores na paixão Edmundo S. Fujita

Arquivo Pessoal

Arquivo Pessoal

Arquivo Pessoal

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proveitando os longos feriados da Semana Santa, minha mulher e eu decidimos visitar algumas localidades mais distantes dentro do imenso arquipélago indonésio para aprofundar nosso aprendizado cultural. Já conhecíamos Borobudur, Prambanam, Yogjakarta, Sumatra, Sulawesi e Papua, mas considerando que era Páscoa, resolvemos fazer uma espécie de "turismo religioso" que nos possibilitasse vivenciar a rica variedade confessional da Indonésia. Apesar de não sermos exatamente muito religiosos, para tornar a experiência ainda mais sinérgica, optamos por uma viagem não apenas observante, mas praticante. Chega-se a ilha de Flores, situada na Província de Nusa Tengara Timur, a cerca de 2.000km de Jacarta, por meio de um vôo de 1h30 até Bali; depois, mais de 1h30 de vôo até Maumera, e por fim uma viagem de 3h, por terra, até Larantuka, nossa destinação final e centro da religiosidade católica no país desde a vinda dos portugueses em 1512. O que experimentamos nessa região, nessa época do ano, foi realmente marcante. Desde minha adolescência, quando atendia às missas em latim, não havia revisitado um ritual tão rico e fervoroso. Após a longa jornada para Larantuka, atravessando paisagens encantadoras, de ilhas majestosas e mares serenos, chegamos à cidade no começo da noite de quarta-feira, 19 de março, a tempo de presenciar um oratório para a Reinha Rosari (Rainha do

Rosário), protetora do antigo reino de Larantuka, fundado há 700 anos. A cantoria dos devotos era uma mescla de latim, português arcaico e dialeto local, numa espécie de reza de terço absolutamente hipnótica, que durou cerca de uma hora. A cerimônia teve lugar na capela de Tuan Ma (Santa Maria), cuja imagem, diz a tradição, chegou do mar milagrosamente (talvez de Málaca) e a cuja proteção se submetiam os rajás católicos de Larantuka. A lamentação, realizada perante imagem de Tuan Ma coberta com véu, era em preparação ao "desvelamento" da manhã seguinte, Quintafeira Santa. Visitamos também, em seguida, a capela irmã denominada Tuan Ana, situada entre o Palácio Episcopal e a casa da ex-rainha de Larantuka, onde o povo ensaiava para a Grande Procissão. Desde as 8h da manhã do dia 20, a multidão se aglomerava perante a entrada da capela de Tuan Ma à espera da abertura solene da porta para o ritual de adoração da imagem sagrada. Existe uma Konferia de cidadãos locais escolhidos por sua devoção cristã, reconhecida pelo Papa Gregório XVI em 1622, que é a entidade curadora da imagem de Tuan Ma e organizadora da famosa procissão da Sexta-Feira Santa de Larantuka, celebrada pela primeira vez em 1599. Com a abertura solene da porta da capela pela ex-rainha desse antigo reino, Mama Donna (viúva do último rei-rajá, cujo nome de batismo era Dom Lourenço Dias Serra de Godinho), o povo entra de joelhos e vai até a imagem descoberta da santa – uma impresB o l e t i m d a AD B | 2 7


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Po n to d e v i s t a sionante Mater Dolorosa de estilo barroco – para beijar-lhe os pés. Enquanto isso, para minha grande surpresa, uma imensa congregação de devotas recitava o terço em português (com sotaque brasileiro e não de Portugal!). Como nunca treinei nas escadarias da Igreja do Bonfim, confesso que meus joelhos ficaram roxos de hematomas ao final da cerimônia… À tarde fomos ver uma famosa imagem local, conhecida como Standing Christ, numa das numerosas capelas nas ilhas circunvizinhas, juntamente com um grupo de freiras franciscanas indonésias, lideradas por irmãs de ordem de origem filipina. Pode-se encontrar belas obras de arte religiosa por toda a região, como uma imensa estátua de "Jesus Rei Pastor" segurando uma ovelha, na pequena ilha deserta de Waibalun, ou da Reinha Rosari em frente ao palácio Episcopal. Na noite da Quinta-Feira Branca, como é chamada aqui, o bispo celebra a missa de Lavapés na catedral da cidade, num elaborado ritual cantado. O povo de Larantuka tem grande talento musical, cada paróquia é dotada de afinados coros que se revezam nas missas semanais. Um aspecto que nos deixou muito impressionados durante a estada foi que, além do nosso anfitrião e da guia religiosa, até o motorista e o fotógrafo que nos acompanhavam cantavam proficientemente hinos religiosos em várias vozes, inclusive o Aleluia, de Handel! O ponto alto da Semana Santa de Larantuka é a Sexta-Feira da Paixão. De manhã, realiza-se uma procissão marítima que transporta, numa tradicional embarcação a remo chamada sampan, a imagem do Tue Meninu (Santo Menino) da praia de Kota, de uma capela distante a 15 km pelo mar, até a "Armida Episcopal", onde se encer2 8 | B o l e t i m d a AD B

ra, de noite, a grande procissão terrestre, numa pictórica cerimônia formada por dezenas de barcos de pescadores. Acompanhamos a procissão, que leva cerca de uma hora e meia remando contra a maré, numa das embarcações que tentava sempre chegar o mais próximo possível da imagem do Tue Meninu, muitas vezes arriscandose a abalroar outros barcos lotados de passageiros. À noite, os preparativos para a Grande Procissão terrestre se iniciam com uma missa solene em que são "ensaiadas" as principais músicas entoadas durante a caminhada, que leva cerca de quatro horas. Particularmente tocante é uma ária tradicionalmente cantada a capella por uma afinadíssima soprano, a cada parada da estação da via crucis, reencenando a lamentação de Santa Verônica pelo martírio de Cristo. Após a missa preparatória, que leva cerca de duas horas, toda a cidade parte da catedral para a procissão vestida de preto e carregando velas. A konfreria coordena o andamento da cerimônia, vestida em mantos brancos, enquanto as imagens de Tuan Ma e de Tue Meninu são carregadas por devotos em vestes medievais (denominados "nikodemos"), ao som de hinos polifônicos e rezas do rosário. A cada parada nas Armidas, que mostram estações da via crucis, se repete o ritual de lamentação de Santa Verônica e as rezas tradicionais. Para completar o ciclo dos ritos da Semana Santa, assistimos a Missa de Páscoa na noite de Sábado de Aleluia, com toda a simbologia de Alfa e Ômega anunciando a ressurreição das esperanças do povo por novos tempos. Não vou descrever aqui, para não alongar demais a narrativa, outros episódios que ficaram em nossas mentes, como os encontros com o bispo Frans de Larantuka e com a

ex-rainha Mama Donna, ou a visita a uma aldeia tradicional local, de fé católica, que nos recebeu com danças e cantos de rituais ancestrais, bem como com um grupo instrumental semelhante ao nosso regional, com cavaquinho, violão, violino e sanfona, que lembra a herança Tugu de tradição portuguesa em Jacarta desde o século XVI. Acredito que não se deve ser excludente para entender as mensagens das diversas religiões. No fundo, são unívocas. Desde minha vinda à Indonésia fiquei impressionado com a riqueza étnica, cultural e confessional de um país que, de resto, constitui ele mesmo um milagre de persistência, consistência e convergência num universo aparentemente inverossímil de 18 mil ilhas, 300 etnias e 400 dialetos. Mas desde o século IX, civilizações e impérios budistas, hindus e muçulmanos, temperados posteriormente pelas influências portuguesa e holandesa, têm dado uma amálgama de convivência, tolerância e adaptabilidade. Os diversos povos e culturas com quem minha mulher e eu temos interagido nesses anos na Indonésia me levam a acreditar que há esperanças para um diálogo entre civilizações nesta parte do planeta.


Po n t o d e vista

O brasilianismo e as relações raciais no Brasil Paulo Roberto de Almeida

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m 2010, por ocasião do 50º aniversário de sua fundação, Brasília acolherá o 10º congresso da Brazilian Studies Association. Desde sua fundação, em 1994 – no seio da Latin American Studies Association –, a BRASA realizou dois encontros no Brasil: Recife (2000) e Rio de Janeiro (2004). Quando da BRASA VIII (Vanderbilt University, Nashville, 2006), o Professor Thomas Skidmore foi homenageado com o primeiro “Lifetime Contribution Award”. Dois de seus estudantes, Jerry Dávila e Zachary Morgan, realizaram uma entrevista com o Professor Skidmore, por ocasião do 40º aniversário da publicação de Politics in Brazil (Brasil: de Getúlio a Castelo). Abaixo, excertos dessa entrevista, especificamente sobre as relações raciais no Brasil, publicada originalmente na The Americas: A Quarterly Review of InterAmerican Cultural History (vol. 64, n. 3, Jan. 2008). Desde Black Into White: Thomas Skidmore e as relações raciais no Brasil Nos 40 anos desde que publicou Politics in Brazil, 1930-1964: An Experiment in Democracy, Thomas Skidmore tem sido simultaneamente o estudioso mais importante dos Estados Unidos em História da América Latina e uma figura pública proeminente no Brasil. Equilibrando esses papéis, Skidmore escreveu e comentou extensivamente sobre a recente história política e econômica do Brasil. Mas ele é também o autor de uma história intelectual muito influente do pensamento racial no Brasil, Black Into White: Race and Nationality in Brazilian Thought (1974). Black Into White examina o que Skidmore chamou de “tese do branqueamento”, pela qual os intelectuais brasileiros, do final do século XIX e início do século XX, administraram suas ansiedades raciais e nacionalistas, interpretando a miscigenação como um processo dinâmico que diluiria a população negra do Brasil.

Divulgação

Black Into White permanece sendo muito lido e estudado, tanto nos EUA como no Brasil, Desde a sua publicação, no entanto, o cenário das relações raciais no Brasil mudou. Enquanto a discriminação racial era vista pela maioria dos brasileiros como um problema externo, a consciência social atualmente se aproxima mais dos dados de pesquisas, que mostram desigualdades profundas. A população e as instituições, desde o gabinete da Presidência até as organizações de base, estão experimentando programas de inclusão racial que incluem ação afirmativa e cotas para a admissão nas universidades e no emprego público. B o l e t i m d a AD B | 2 9


Po n to d e v i s t a

Como você se interessou originalmente pelo tema de Black Into White? Fiquei interessado porque simplesmente eu era um americano no Brasil aprendendo sobre o Brasil, o que incluía sacudir os comentários da elite cultural brasileira sobre o tema da raça. O que eu ouvia, naturalmente, era a visão convencional de que o Brasil estava bem e que os EUA estavam errados, porque nos EUA havia discriminação e no Brasil, não. (...) O mais interessante para mim era que eles trombeteavam sua interpretação como prova da superioridade do Brasil. Os brasileiros pensavam que eles eram superiores em relações raciais, que eles tinham relações raciais humanas e que os EUA não. O problema constante para os brasileiros era como se comparar aos EUA. Isso era constante. Os brasileiros tinham de conceder que os EUA tinham melhores automóveis, mais filmes e outras coisas, mas eles pensavam que isso era superado pelo fato de terem melhores relações raciais. Assim, para a elite brasileira, as relações raciais eram uma parte essencial de sua ideologia nacional e uma defesa 3 0 | B o l e t i m d a AD B

contra os EUA. Eles sabiam que os americanos eram moralistas e se sentiam culpados por causa de suas relações raciais, então o fato de os brasileiros poderem apontar para essas relações raciais bárbaras era uma grande vitória para (...). Eu também estava interessado nas realidades das relações raciais. Eu li um bocado de Antropologia, e, obviamente, a antropologia do Brasil era mais intensa no terreno das relações raciais. Eu então fiquei sensível ao fato de que os brasileiros não pareciam ter uma distinção absoluta entre negros e brancos; eles tinham, com efeito, uma espécie de realidade mestiça. Foi isso que me levou a Black Into White, porque isso significou que você tinha uma mistura (e, portanto, o branqueamento) dos negros no Brasil. Em um nível, isto era efetivamente um anátema para as elites brasileiras, pois que elas valorizavam sua própria “branquidão” pessoal, mas em outro nível isto significava que elas eram muito humanistas e assim por diante (...). Qual foi a reação inicial a Black Into White? Os brasileiros não gostaram do meu livro, porque ele parecia sugerir (1) que a raça branca brasileira estava diluída e (2) que os brancos brasileiros não eram mais humanistas do que seus contrapartes americanos, eles não tinham nenhuma vantagem moral. Quando meu livro foi publicado, o Jornal do Brasil o atacou, dizendo que ele era um insulto às relações raciais no Brasil (...). Você pensou em escrever um outro livro sobre a questão racial no Brasil? Em meados dos 90, eu de fato sugeri ao meu editor, Fernando Gasparian, que eu poderia escrever

um outro livro sobre a questão racial na atualidade, mas ele disse não (...). Como emergiu a questão das cotas no Brasil? Penso que foi diretamente emprestada dos EUA (...). Fernando Henrique Cardoso foi seu autor (...). Essas iniciativas foram implementadas a partir do alto, num claro contraste com os EUA, onde organizações de base foram responsáveis pela mudança (...). Então você vê o Brasil como dependente dos EUA nas políticas raciais internas? Sempre foi assim. Esta é a ironia. O que eu estava dizendo, que era tão irritante para as elites brasileiras sobre essas políticas raciais, era que elas eram a prova de que havia discriminação. Os americanos são supostamente superiores do ponto de vista material, mas os brasileiros são moralmente superiores. Este é o ponto. O que você leu recentemente que lhe pareceu interessante nesse campo? Race in Another America, por Edward Telles, é um livro fantástico, explicitamente comparativo. Ele será – no Brasil, como nos EUA – muito, muito importante de apreender. Porque ele é científico, é sociológico, tem todos os dados e foi escrito rigorosamente; é muito difícil contestá-lo. Que conselhos você daria a um estudante de pós-graduação sobre caminhos futuros da pesquisa em relações raciais na América Latina? Penso que eles deveriam estudar seriamente Antropologia. É uma forma diferente de pensar da História.


Prat a d a C a sa O Príncipe Irreal e o Poeta Errante GARCIA, Fernando Cacciatore de. Porto Alegre: Editora Nova Roma, 2008, 96 p., Il. Trata-se de uma poesia incomum, como adverte o prefaciador Armindo Trevisan: ele sublinha o caráter sutil da poesia de Garcia, refletida em imagens e metáforas, todas elas evocativas de uma vida bem vivida, nos cenários sempre inéditos de uma trajetória diplomática que o levou a cidades poeticamente significativas. No “príncipe irreal” os poemas são dedicados a colegas de carreira e aos amigos íntimos. No “poeta errante”, são aqueles poemas lapidados em suas caminhadas por Buenos Aires, Rio de Janeiro, Londres, Salvador, Lisboa, Brasília, Bonn e tantas outras cidades. Um quê de Mario Quintana cosmopolita aqui, uma pitada de Jorge Luis Borges ali, nas metáforas mais elaboradas. Garcia é um artesão das palavras bem esculpidas, revelando uma erudição adquirida em leituras refletidas na experiência das errâncias diplomáticas. Nem por isso descomprometida, como revela Sotto Voce, que reflete o terror dos assassinatos sob a ditadura argentina. Uma poesia inspirada, uma trajetória de instantâneos, de Brasília (1973), a Porto Alegre (2008), como só uma mente rica poderia construir.

Tesouros do Morro do Castelo: mistério e história nos subterrâneos do Rio de Janeiro KESSEL, Carlos. Rio de Janeiro: Zahar, 2008, 103 p. Uma antiga lenda urbana, de quase dois séculos, queria que o Morro do Castelo, arrasado pela prefeitura carioca em 1922, abrigasse fabulosos tesouros subterrâneos, deixados pela Companhia de Jesus, ao ser expulsa do Brasil em 1759. Posto que só tivessem sido recolhidos meros 500 mil réis com os jesuítas, o mito dos tesouros escondidos cresceu ao longo dos anos. O historiador Kessel retraça esta incrível aventura arqueológico-fantasista, com base numa rigorosa pesquisa de arquivo e em uma rica compilação iconográfica. Suas “antiqualhas” e memórias do Rio de Janeiro vão muito além do Morro do Castelo, pois que ele percorre a trajetória histórica da cidade com tanta atenção quanto aquela dedicada à leitura de velhos papéis. O diplomata farejador foi atrás do “rastro fascinante do ouro e da cobiça, por vezes se mostrando abertamente, por vezes oculto e envergonhado”. Nossa recompensa, longe das míticas toneladas de ouro dos jesuítas, é a de dispor agora de um fascinante relato sobre a formação da cidade do Rio de Janeiro. Vale um título de cidadão emérito!

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Po n to d e V i st a A Lanterna na Popa: Memórias CAMPOS, Roberto. 4ª. ed. rev. e aum. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001-2004, 2 vols. O mais conhecido dos diplomatas-economistas também foi um prolífico escritor e um polêmico debatedor público, ademais de Ministro do Planejamento e, nessa condição, um dos grandes arquitetos do conjunto de reformas empreendidas pelo regime militar em sua primeira fase. Depois disso foi embaixador em Londres e, não tendo conseguido ser chanceler como provavelmente gostaria de ter sido, começou uma carreira de político, sempre nadando na contracorrente das tendências da época. Como Raymond Aron, teve a satisfação de ganhar de seus adversários, mas já no final da vida. Vale reler, por exemplo, pois valida ainda hoje seu debate na TVE com Luiz Carlos Prestes, em 1985: Campos era especialista em desarmar adversários com base na lógica mais cristalina. Esta quarta edição apenas corrige erros menores no texto principal e agrega, tão simplesmente, os discursos de posse na Academia Brasileira de Filosofia, na “curva” dos 80 anos (1997), de despedida na Câmara dos Deputados e o de posse na Academia Brasileira de Letras (1999).

Um Livro em Fuga RIBEIRO, Edgard Telles. Rio de Janeiro: Record, 2008. Depois da publicação de O Olho de Rei (Record, 2006), Edgard Telles Ribeiro, autor de O Criado-mudo (Brasiliense, 1991) e de O Livro das Pequenas Infidelidades (Companhia das Letras, 1994), entre outros, lança seu mais novo romance: um mergulho na melancolia, no abandono e na constante busca de um lugar no mundo. O protagonista, não identificado por meio de um nome, está ininterruptamente fazendo um balanço da própria existência. A história é leve como se pairasse no ar. As ausências são tão marcantes como o que está presente e palpável, o mundo "real" em volta do personagem principal. A volta ao passado e à sua terra é quase uma impossibilidade para o protagonista: é um diplomata, mas bem poderia ser um marinheiro. Este viajante "deslocado" vive no continente asiático, mas sempre passa, em "conexões" aéreas, por diversos lugares do mundo e tenta fazer o ajuste de contas com seus velhos tempos, quando era uma criança vivendo no bairro do Leme, na cidade do Rio de janeiro, ou na capital Brasília, onde trabalhou na vida adulta. (resumo da resenha de Luiz Bernardo Pericás, Carta Capital, 13.08.2008)

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Expediente Diretoria da ADB Embaixador Marcelo Raffaelli – Presidente Embaixador Guy M. de Castro Brandão – Vice-presidente institucional Embaixador Luiz Brun de Almeida e Souza – Vice-presidente executivo Embaixador Hélcio Tavares Pires - Diretor Ministro Paulo Roberto de Almeida – Diretor Secretário Carlos Ribeiro Santana – Diretor Secretário Sérgio Carvalho de Toledo Barros – Diretor Conselho Fiscal Embaixador Sérgio Bath Embaixador Luiz Orlando Carone Gélio Ministro Flávio Mendes de Oliveira Castro Secretariado da ADB Gerente Administrativo: Térsio Arcúrio Assistente Administrativa: Jacqueline Francisca da Cruz ADB Boletim da Associação dos Diplomatas Brasileiros Ano XV – nº 62 Edição Julho/Agosto/Setembro de 2008 – ISSN 0104-8503 Conselho Editorial Marcelo Raffaelli Guy M. de Castro Brandão Paulo Roberto de Almeida Carlos Ribeiro Santana Fábio Cereda Cordeiro Reportagem Danilson Ramos Fabio Leon Moreira Fernanda Peregrino Soraya Brandão Edição Patrícia Cunegundes Revisão Luciana Melo Projeto Gráfico Fabrício Martins e Wagner Ulisses Capa Fabrício Martins sobre ilustração de Sérgio Carvalho de Toledo Barros diagramação Fabrício Martins Impressão Gráfica Athalaia Tiragem 3 mil exemplares

Diretora responsável Patrícia Cunegundes (61) 3349 2561


ADB - Associação dos Diplomatas Brasileiros Ministério das Relações Exteriores - Esplanada dos Ministérios Palácio do Itamaraty, Anexo I, 3º andar, sala 329-A 70170-900 - Brasília - Brasil Fones: (61) 3411 6950 e 3224 8022 Fax: (61) 3322 0504


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