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PROTEÇÕES a liberdade religiosa
n Por Charles Alberto Barbosa de Souza1
Todos nós pouco ou muito já experienciamos o choque cultural que caracteriza o fenômeno do estranhamento que ocorre entre duas culturas, quando nos encontramos com o diferente de nós mesmos no outro ou nos grupos sociais diferentes do nosso. O choque cultural não necessariamente é maléfico, mas pode gerar desconforto pela situação atípica sobretudo no primeiro momento. Decorrente do choque cultural, duas atitudes podem mover-se: atos de intolerância e discriminação ou de assimilação, convivência e enriquecimento recíproco.
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Dentre as várias situações, tem-se como exemplo o direito que todo ser humano tem de ter ou não uma religião, de mudar de religião ou crença e de viver essa religião ou crença em público ou em privado, individual ou coletivamente pela prática, ensino, culto e ritos. Esse direito está expresso no artigo 18 da Declaração Universal das Nações Unidas. Também a Igreja Católica defende o direito à liberdade religiosa, sobretudo na declaração DignitatisHumanae do Concilia Vaticanos II: “Os homens de hoje tornam-se cada vez mais conscientes da dignidade da pessoa humana e, cada vez em maior número, reivindicam a capacidade de agir segundo a própria convicção e com liberdade responsável, não forçados por coação, mas levados pela consciência do dever. Requerem também que o poder público seja delimitado juridicamente, a fim de que a honesta liberdade das pessoas e das associações não seja restringida mais do que é devido. Esta exigência de liberdade na sociedade humana diz respeito principalmente ao que é próprio do espírito, e, antes de mais, ao que se refere ao livre exercício da religião na sociedade. Considerando atentamente estas aspirações, e propondose declarar quanto são conformes à verdade e à justiça, este Concílio Vaticano investiga a sagrada tradição e doutrina da Igreja, das quais tira novos ensinamentos, sempre concordantes com os antigos” (DDH. 1).
Nesta perspectiva a liberdade de crença e de culto é garantida pela atual Constituição brasileira promulgada em 1988, nos artigos 5.º e 19.º, e pela Lei n.º 7716 de 1989 que estabelece como crime a discriminação por raça, cor, etnia, religião ou nacionalidade.
As políticas públicas voltadas para o combate a discriminação iniciaram-se pela questão racial, seguida de gênero e mais recentemente da religiosa. Em 1989 foi criado um órgão federal responsável por implementar políticas públicas contra a discriminação. Vale destacar que em 22 de dezembro de 2003, durante o seu primeiro mandato, o presidente Lula sancionou a lei que garante personalidade jurídica às organizações religiosas, e foi durante o seu governo que aconteceu o maior número de concessão de rádios evangélicas no país.
Em 2015 foi criado, neste âmbito, um órgão dedicado especificamente à discriminação religiosa, a Assessoria de Diversidade Religiosa e Direitos Humanos, indicando uma atenção crescente para com esta questão. Contudo, com a crise financeira que afetou o setor público brasileiro na última década, tanto o Governo federal como os governos estaduais tenderam a reduzir as suas atividades nesse campo, extinguindo os órgãos voltados à defesa da diversidade religiosa. Com isso, a Assessoria de Diversidade Religiosa e Direitos Humanos do Governo federal foi extinta. Posteriormente, em 2019 no mandato do presidente Jair Bolsonaro, foi criada a Coordenação de Liberdade de Religião ou Crença, Consciência, Expressão e Acadêmica.
Em 12 de janeiro de 2023 o atual presidente da República,Luíz Inácio Lula da Silva, assinou a lei 14.532 que torna crime atacar ou tentar fechar igrejas ou locais de culto, reforçando o compromisso com a sociedade brasileira na conquista das garantias comuns ao exercício da liberdade religiosa. A lei também protege o direito fundamental do povo brasileiro de professar livremente sua fé e espiritualidade seja qual for a religião.
Há 60 anos atrás iluminados pela Palavra de Deus os bispos reunidos no Concílio Vaticanos II profeticamente foram claros numa matéria que somente hoje no Brasil está tomando corpo de reconhecimento jurídico declarando que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa, a qual consiste no seguinte:todos os homens devem estar livres de coação, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a própria consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites. Declara, além disso, que o direito à liberdade religiosa se funda realmente na própria dignidade da pessoa humana, como a palavra revelada de Deus e a própria razão a dão a conhecer. Este direito da pessoa humana à liberdade religiosa na ordem jurídica da sociedade deve ser de tal modo reconhecido que se torne um direito civil.
Por isso o Concilio Vaticano II continua apontando metas e luzes para a nossa prática humana e construção do Reino dos Céus sobre a terra. Nesta esteira na manhã do domingo 22 de janeiro do corrente ano na praça da República em Belém foi realizado um Ato pelo o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Este dia foi sancionado pela Lei n. 11.635, de 2007, em homenagem a Mãe de santo Dona Gilda que sofreu “violência” a fim de promover, ampliar e dar visibilidade à questão.
1O autor é Antropólogo, Cientista Político. Professor na Faculdade Católica de Belém. Membro do Movimento dos Focolares, do Núcleo Setorial de Planejamento SEMEC-Belém e do Conselho AmazônicodeIgrejasCristãs.
Refer Ncias
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 5 de outubro de 1988. 4 Ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
BRASIL, Lei nº 14.532 de 11 de janeiro de 2023.
Assembleia Geral da ONU. “Declaração Universal dos Direitos Humanos”. 217 (III) A. Paris, 1948.
Declaração dignitatishumanaesobre a liberdade religiosa. Fonte: https://www.vatican. va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vatii_decl_19651207_dignitatishumanae_po.html. Acessado em 21/01/2023.