Colégio de Aplicação Universidade Federal do Rio de janeiro
Admissão
2010 2ª série
ensino médio
Língua Portuguesa
Língua Portuguesa/ 2a Série
ADMISSÃO2010
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS COLÉGIO DE APLICAÇÃO
CONCURSO DE ADMISSÃO À SEGUNDA SÉRIE DO ENSINO MÉDIO - 2010
PROVA DE LÍNGUA PORTUGUESA
INSTRUÇÕES: 1. Confira o número de textos (5), de questões (8) e de páginas (10) de sua prova. 2. Registre nas folhas de resposta seu número de inscrição no local solicitado, não escrevendo seu nome na prova, de modo algum. 3. Faça letra legível: o que não for entendido não será considerado. 4. Use caneta azul ou preta. 5. Não é permitido o uso de fita ou líquido corretivo. 6. Responda às questões sempre com suas próprias palavras, a menos que seja solicitada alguma transcrição do texto. 7. Não exceda o limite de linhas traçadas para cada questão. 8. Procure reler a prova antes de entregá-la.
ADMISSÃO2010
Língua Portuguesa/ 2a Série
TEXTO 1 Mil e uma noites Cosette Alves (Empresária, nascida no interior de São Paulo, no século XX)
5
10
Era uma vez um sultão que descobriu que sua mulher o traía. Cortou-lhe a cabeça. Triste e infeliz, dedicou o resto da vida à vingança. Todas as noites, dormia com uma mulher diferente, que mandava matar no dia seguinte. Sherazade1, jovem princesa, se oferece para dormir com o cruel sultão. Caprichosa, garante que tem um plano infalível que a livraria da morte. Assim aconteceu. Passa mil e uma noites com o rei, contando histórias de traição. O sultão enganado mudou seu destino. Esquece da vingança, ouvindo muitos outros casos iguais ao seu. O que aconteceu com o sultão? Conformou-se, pois a traição faz parte da vida? Sossegou ao saber que muitos outros também eram enganados? Perdeu a inveja dos homens felizes? Ou simplesmente ficou entretido com as histórias de Sherazade? Não se sabe como termina a história. O rei voltou a acreditar nas mulheres ou mandou matar Sherazade ao final das mil e uma noites? Histórias emendadas umas às outras distraem, divertem e não fazem pensar. Anestesiam. As histórias têm certa magia.
15
Tenho pensado sobre os inúmeros casos de corrupção contados por jornais e revistas. Emendados uns aos outros, parecem histórias das mil e uma noites brasileiras. A denúncia da imprensa é o instrumento mais importante de que dispõe a democracia para combater a corrupção e saber o que acontece por trás dos bastidores. (...)
20
25
A sociedade brasileira precisa ter acesso a fatos que a convençam. A esperada e saudável indignação não vai surgir com denúncias feitas sem provas. Histórias de corrupção em cores, fatos cruéis, denúncias vazias levam a quê? Será que com comédia e piadas é que se pretende apresentar fatos de tal relevância? Não há lugar para tanto sense of humor2 em um país onde a miséria seja tão grande como a nossa. Infelizmente, a hora não é para brincadeiras. Do contrário, as pessoas esperarão os jornais e revistas apenas ansiosas para o próximo capítulo da novela das mil e uma corrupções brasileiras. O que vai acontecer com os brasileiros? Vão se conformar com a corrupção pois faz parte da vida? Sossegar ao saber que existem casos de corrupção em outros países? Perder a admiração pelos homens honestos? Ou ficar simplesmente entretidos com as histórias de Sherazade? A corrupção não pode se tornar mais uma distração entre os brasileiros. 1 2
Narradora das histórias das Mil e uma noites, obra clássica da literatura persa, composta de contos orientais. Sense of humor (do inglês) – senso de humor
3
Língua Portuguesa/ 2a Série
ADMISSÃO2010
30
35
Corrupção faz parte da natureza humana. Para a controlar, a imprensa deve apresentar a denúncia com o máximo possível de provas. Só assim a sociedade pode reagir, e a Justiça, atuar. Os casos são contados muitas vezes com insinuações e sem fatos. Muitos são esquecidos e substituídos por outros mais novos. Confundem as pessoas e levantam dúvidas sobre a veracidade da notícia. Não há tempo para se perder com histórias das mil e uma noites. Estamos escrevendo a história de um país com 130 milhões de habitantes 1. Gente muito sofrida. Pessoas não podem virar ficção. É preciso cuidado. (ALVES, Cosette. Folha de São Paulo, 12 de julho de 1991.)
TEXTO 2 Epigrama4 Gregório de Matos (Poeta baiano, nascido em 1636. Morreu em 1695). Que falta nesta cidade?... Verdade. Que mais por sua desonra?... Honra. Falta mais que se lhe ponha?... Vergonha. 5 O demo a viver se exponha, Por mais que a fama a exalta, Numa cidade onde falta Verdade, honra, vergonha. Quem a pôs neste rocrócio5?... Negócio. 10 Quem causa tal perdição?... Ambição. E no meio desta loucura?... Usura6. Notável desaventura De um povo néscio7 e sandeu8, 15 Que não sabe que perdeu Negócio, ambição, usura. (GUERRA, Gregório de Matos. Poesias selecionadas. São Paulo: FTD, 1993)
De acordo com o censo de 2007, feito pelo IBGE, a população brasileira passa hoje dos 180 milhões. O número divulgado no texto diz respeito ao censo de 1990. 4 Poesia breve, sátira. 5 Neologismo possivelmente criado pelo poeta para significar roubo, rapinagem 6 Crime cometido por quem empresta dinheiro, cobrando taxa excessiva de juros; agiotagem. 7 Ignorante, estúpido 8 Idiota, tolo 3
4
Língua Portuguesa/ 2a Série
ADMISSÃO2010
TEXTO 3 Sermão do bom ladrão Pe. Antônio Vieira (Jesuíta português nascido em 1608. Viveu muitos anos no Brasil e morreu em 1697).
5
10
15
Suponho finalmente que os ladrões de que falo não são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza9 de sua fortuna condenou a este gênero de vida, porque a mesma sua miséria, ou escusa10, ou alivia o seu pecado (...). O ladrão que furta para comer, não vai, nem leva ao inferno; os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são outros ladrões, de maior calibre11 e de mais alta esfera (...) Não são só ladrões, diz o santo [S. Basílio Magno], os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa: os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. — Os outros ladrões roubam um homem: estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo do seu risco: estes sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam. Diógenes, que tudo via com mais aguda vista que os outros homens, viu que uma grande tropa de varas e ministros de justiça levavam a enforcar uns ladrões, e começou a bradar12: — Lá vão os ladrões grandes a enforcar os pequenos. — Ditosa13 Grécia, que tinha tal pregador! E mais ditosas as outras nações, se nelas não padecera a justiça as mesmas afrontas! Quantas vezes se viu Roma ir a enforcar um ladrão, por ter furtado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo um cônsul, ou ditador, por ter roubado uma província. E quantos ladrões teriam enforcado estes mesmos ladrões triunfantes? (...) (VIEIRA, Antônio [Padre]. Sermão do bom ladrão. São Paulo: Edipro, 2007)
Baixeza; mesquinhez. Desculpa, perdoa, releva; justifica. 11 Qualidade, classe, importância. 12 Gritar 13 Feliz; afortunada. 9
10
5
ADMISSÃO2010
Língua Portuguesa/ 2a Série
TEXTO 4 Mentiras do Brasil Gabriel Pensador (Cantor e compositor brasileiro de rap nascido em 1974).
5
10
15
20
25
30
35
40
Era uma vez duas criancinhas Um mundo do faz de conta era onde eles viviam Seus nomes eram José e Maria E verde e amarelo era a bandeira que vestiam Queriam viver com felicidade mas pra isso era preciso saber sempre a verdade Os adultos hipócritas provocavam sua ira Pois quem é puro não gosta de conviver com a mentira Mas Zezinho e Maria eram puros porém sabidos Deixavam tapados um dos lados de seus ouvidos Pra não entrar por aqui e sair por ali O que escutavam e achavam importante refletir E na TV as histórias que os adultos contavam Eles gostavam de ver Mas nem sempre acreditavam Se revoltavam vendo coisas que até cego já viu E resolveram fazer uma lista com... As maiores mentiras do Brasil (...) E uma mentira absurda encabeçava o rol: Deus é brasileiro... (Só se for no futebol!) Certas frases conhecidas são mentiras e ninguém nega (por exemplo?) “A justiça é cega!” Quem prega isso é canalha (psh! Não espalha) Porque aqui a justiça tarda... E falha! E o Zezinho gargalha com outra mentira boçal (qual?) “O brasileiro é cordial” aha! Mas que gracinha, imagina se não fosse! Se o brasileiro é amável, Adolf Hitler é um doce Porque a lei de Gérson é o nosso evangelho Todos querem se dar bem e não se respeita nem os velhos Dizem também que o pobre é malandro Mas o povão tá só ralando e quem tá armando são os grandes empresários e empreiteiros Mas até hoje só prenderam o PC e os bicheiros No país da impunidade tudo é contraditório Deixam o resto em liberdade em troca de um simples bode expiatório Que situação patética É real ou ilusório o processo de restauração da ética? Será que é boato? Zezinho e Maria perguntavam E enquanto isso anotavam... (...) (GABRIEL O PENSADOR. As melhores. 1998)
6
Número de inscrição: Língua Portuguesa/ 2a. série
ensinomédio
TEXTO 5 ANGELI (Chargista brasileiro, nascido no interior de São Paulo em 1956) O GIGANTE DA CORRUPÇÃO
– Prendemos apenas um dos membros, o resto do corpo, provavelmente, irá responder em liberdade! (ANGELI. In.: http://www2.uol.com.br/angeli. Capturado em 18/09/09)
QUESTÃO 1 Reúna os dois fragmentos abaixo em um só período, utilizando um conectivo (conjunção ou locução conjuntiva) adequado, de modo que a relação de sentido se mantenha semelhante àquela enunciada no texto 1. a) “A sociedade brasileira precisa ter acesso a fatos que a convençam.” (linha 18) b) “A esperada e saudável indignação não vai surgir com denúncias feitas sem provas”. (linhas 18 e 19) ______________________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ 7
Número de inscrição: ensinomédio
Língua Portuguesa/ 2a. série
QUESTÃO 2 No texto 3, Padre Antônio Vieira, autor barroco, desenvolve seu sermão por meio de raciocínios lógicos e complexos. Nesse texto, tenta esclarecer o conceito de ladrão. a) Para justificar a concordância com a afirmação de Diógenes, Vieira cita um exemplo. Explique o exemplo citado por ele, utilizado como argumento de sustentação de sua própria tese. ____________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________ b) A estratégia argumentativa utilizada por Vieira deixa clara sua opção por uma das duas correntes do Barroco literário. Qual é essa corrente? Justifique sua resposta. ____________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________
QUESTÃO 3 A partir da leitura do texto 3, pode-se entender que pecado é uma falta absoluta ou relativa? Justifique sua resposta. ____________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ______________________________________________________________________________
8
Número de inscrição: ensinomédio
Língua Portuguesa/ 2a. série
QUESTÃO 4 No texto 2, o poeta não explicita a quem dirige suas críticas, mas dá indícios de uma aproximação com um dos tipos de ladrão descritos no texto 3. a) De qual tipo de ladrão aproxima-se a descrição do texto 2? Justifique sua resposta. __________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ b) O crítico literário Alfredo Bosi afirma que o homem barroco divide-se entre céu e inferno porque está em constante conflito. Transcreva do texto 2 um exemplo que comprove a afirmação do crítico e justifique sua escolha. __________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ __________________________________________________________________________ QUESTÃO 5 Na música popular brasileira, há canções que se aproximam, pela forma e pela intenção comunicativa, das cantigas medievais. a) Apropriando-se de alguns provérbios e ditos populares, o compositor do texto 4 faz fortes críticas a algumas “verdades”. Cite a única apropriação de provérbio em que ele faz alterações que comprometem o sentido original para adequá-lo ao contexto de suas críticas. __________________________________________________________________________ b) De que tipo de cantiga medieval a canção (texto 4) se aproxima no que diz respeito à temática? __________________________________________________________________________ 9
Número de inscrição: ensinomédio
Língua Portuguesa/ 2a. série
QUESTÃO 6 Tendo em vista os recursos utilizados na construção dos textos, os autores dos textos 1 e 4 usam uma estratégia semelhante. a) Que expressão comum aos dois sinaliza a estrutura de que ambos os autores se utilizam? __________________________________________________________________________ b) A expressão utilizada pelos dois autores indica a opção por qual estratégia de construção de texto? __________________________________________________________________________ QUESTÃO 7 A representação imagética atribuída ao gigante no texto 5 revela-lhe apenas a mão e o início do braço. a) Essa relação semântica pode ser representada, na escrita, por meio de qual figura de linguagem? ____________________________________________________________________________ b) Indique qual verso do texto 4 melhor se associa ao que se diz em relação ao resto do corpo na frase que integra a charge de Angeli (texto5)? ____________________________________________________________________________ QUESTÃO 8 A ambiguidade pode ser explorada como recurso na construção de textos. A partir do entendimento da charge (texto 5), indique as duas interpretações possíveis para a palavra membro. Justifique sua resposta. __________________________________________________________________________ _________________________________________________________________________ 10
__________________________________________________________________________