Diálogos - Março 2012

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Diálogos do Fórum DRS

Edição 1 Ano 1 Março/2012

Ivanilson Guimarães

Cândido Grybowski

Jean Marc

Alberto Adib

A inclusão Socioprodutiva sob a óptica dos movimentos sociais


Expediente Coordenador Executivo do Fórum DRS Carlos Miranda

Esta publicação está disponível em formato eletrônico (PDF) e audio no site: www.iicaforumdrs.org.br

Assessor Técnico do Fórum DRS Breno Tiburcio

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Apresentação A série “Diálogos do Fórum DRS” é uma publicação exclusiva do Fórum Permanente de Desenvolvimento Rural Sustentável (Fórum DRS). Com origem na seção “Diálogos”, do Boletim Informativo do Fórum DRS, que brindou durante anos o leitor com entrevistas e debates com personalidades relacionadas ao tema DRS, a série “Diálogos do Fórum” ganha espaço exclusivo entre publicações do Fórum DRS a partir de março de 2012. Em novo formato, a série oferece ao leitor conteúdo rico e exclusivo, com pontos de vista distintos, permitindo que você tenha um panorama mais amplo à respeito dos temas relacionados ao DRS. A interação marca este novo espaço, já que os usuários podem interagir com os participantes dos diálogos por meio do site do Fórum DRS.

Diálogos do Fórum DRS

Edição 1 Ano 1 Março/2012

Ivanilson Guimarães

Cândido Grybowski

Jean Marc

Alberto Adib

A inclusão Socioprodutiva sob a óptica dos movimentos sociais

Nesta Edição O primeiro número da Série Diálogos do Fórum DRS aborda a temática da inclusão socioprodutiva como política de enfrentamento da pobreza e das desigualdades sociais. A perspectiva adotada no diálogo é a visão das organizações da sociedade civil nas palavras de Cândido Grybowski, Diretor-Geral do Ibase e Jean Marc Von Der Weid, da AS-PTA. Os animadores e provocadores das questões colocadas nesse diálogo foram os consultores do IICA Ivanilson Guimarães e Alberto Adib.


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A inclusão Socioprodutiva sob a óptica dos movimentos sociais

O consultor do IICA Ivanilson Guimarães e o especialista para a região sul do Programa Agricultura, Território e Bem Estar Rural do IICA Alberto Adib entrevistaram, durante o VI Fórum Internacional de Desenvolvimento Territorial: estratégias de inclusão socioprodutiva, realizado em Salvador, entre os dias 26 a 28 de outubro, o sociólogo Candido Grybowski, diretor geral do Instituto Social de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), e Jean Marc Von Der Weid, da equipe executiva da organização social Agricultura Familiar e Agroecologia (AS-PTA). O diálogo girou em torno do tema central do VI Fórum: a inclusão socioprodutiva, mas sob a óptica dos movimentos sociais. A discussão focou o conceito de inserção sócioprodutiva a ser utilizada nas políticas públicas. Acompanhe a opinião de cada um dos participantes. IVANILSON GUIMARÃES - Bem, o que nós vamos tratar nesta conversa é tentar, através de algumas questões, ver, do ponto de vista da sociedade, mais precisamente das organizações sociais, como é a interpretação do conceito de inserção socioprodutiva. Como é que vocês vêem isso? E como se pode qualificar melhor o conceito? Como sabemos, é um conceito que está relativamente a pouco tempo na preocupação das políticas públicas e, atualmente, se tem um programa: o Brasil sem Miséria, que pretende fazer a inclusão dos mais pobres do país e uma das suas linhas é a inserção socioprodutiva. Acredito, hoje, que há no ponto de vista político uma preocupação em qualificar bem em termos conceituais o que é inserção socioprodutiva. Então esta seria a questão inicial para precisar melhor o ponto de vista de vocês dois. Qual é a concepção que vocês têm, refletindo um pouco o que anda nos movimentos sociais, com relação a isso?

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CANDIDO GRYBOWSKI: A gente não teve tempo de discutir antes. Simplesmente mandei uma proposta que focasse mais na emancipação social do que na inserção (referindo-se à apresentação que fez no VI Fórum Internacional de Desenvolvimento Territorial), que na minha opinião, reflete mais a perspectiva que trabalhamos, a visão que temos. Não dá para ver um problema como o Sebrae, que vê um problema em um cara que está fora e não em um sistema que cria formas. Como eu disse antes brincando, trabalho escravo é uma forma de inserção produtiva das mais radicais e temos muito disso por aí, ligado a algum negócio por sinal. Então a palavra pode carregar uma dimensão não necessariamente adequada. Essa visão da natureza do problema, que estamos tratando, não quer dizer que não se façam ações dessa ordem, inclusive nossas entidades, nossas organizações, em diferentes níveis. Durante a apresentação, brincando também, estava contestando os dados do secretário, que dizia, pelos dados do IBGE, “70% do que se come vem da agricultura familiar”. Eu disse: “é, de alguma forma o cara produz e vem, né?” Mas o

Nós temos uma questão aqui: eu diria que a emancipação social implica em vários processos. Na verdade, ela significa “ser” esses sujeitos, em plenos direitos e com possibilidades de interferir de forma decisiva no modo como se gere esse negócio, essa economia, o que eu acho bem mais complexo do que simplesmente ter um produto pra vender no mercado, sem

conceito que a gente tem, o modo de organizar

questionar a qualidade deste produto,

e desenvolver a agricultura, que fosse baseada

vem desde aí toda nossa discussão.

na agricultura familiar, você não teria essa forma onde o cara tem o Pronaf (...). Eu to pegando dados de uma avaliação, base de texto lá do Paraná, onde 80% não fazem outra coisa que soja, ou seja, é parte do modelo, ele está subordinado

Cândido Grybowski

a uma lógica de uma acumulação na cadeia prowww.iicaforumdrs.org.br

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dutiva que não fica nada de alternativa, é fami-

Nós somos uma sociedade das mais radicais

liar? É familiar em que sentido? Inclusive um

de agricultura, de agronegócio. Hoje, das que se

modelo que implica em usar determinada tec-

expandem ainda. Em outros lugares ainda estão

nologia para produzir que implica em ser o que

em dificuldade, mas aqui se expande de forma as-

diziam ser agricultor de telefone. Ele fica encomendando tratorista, fica encomendando aplicador de inseticida, entende? Encomenda máquina pra colher, ele fica em casa.

sustadora. E a única mudança de fato que a gente conseguiu nessa perspectiva é de uma presença pública um pouco maior na questão, conseguiu ao menos dizer que tem alternativa. Agora, o gênio está sendo tratado como convivência, desde

Nós temos uma questão aqui: eu diria que a emancipação social implica em vários processos. Na verdade, ela significa “ser” esses sujeitos, em plenos direitos e com possibilidades de interferir de forma decisiva no modo como se gere esse negócio, essa economia, o que eu acho bem mais complexo do que simplesmente ter um produto pra vender no mercado, sem questionar a qualidade deste produto, vem desde aí toda nossa discussão.

que não afete o negócio então aí tudo bem. Ficar na margem, na periferia, aí tudo bem, mas afetar o negócio é que não pode. E o negócio é terrível e a perspectiva dos gestores tem de ser, muitas vezes, comandada por esta lógica. Imagina o financiamento quando vem, ele quer ter uma rentabilidade calculada naquele critério e não no que significa em termos, que é o que move a agricultura familiar. É um sentido de adaptação àquelas condições, é um sentido de vida marcada por aquilo. É muita relação vital, mas viver naquele

E eu colocaria assim: a experiência me mostra que a gente na verdade está em uma franja diferente talvez da situação do governo, do estado, que é a da resistência. Se você olhar bem todas essas experiências estão ligadas a situações concretas de resistências. E claro, se busca soluções, se produz alternativas, não existe resistência sem geração de alternativas. Agora, isso virar um modelo que é a questão para transformar, sem dúvida estamos em um quadro, aqui

contexto, não é só ver como é a acumulação do agronegócio, produzir para vender. Se for produzir cana tudo bem, mas se for produzir eucalipto é a mesma coisa, não tem apego nenhum. Soja, tudo bem, mas amanhã vai ser banana, vamos produzir banana, enquanto isso (...), não é assim que se coloca na lógica da agricultura familiar porque tem a vez da comida dele. Entra uma série de variáveis e possibilidade de trabalho humano da família, que dá uma dimensão também do modo como se relaciona com aquele bem comum na

no Brasil, ter o Pronaf porque a agricultura fami-

terra. E se você olhar nossa matriz ao longo do

liar é importante. Não foi uma dádiva do poder,

tempo, nunca mudou. Nós somos um país criado

inclusive não foi com o Lula, foi de antes. Houve

para ser um país colonizado para o agronegócio

mobilização, demanda. Essa resistência

tem

e estamos assim até hoje. Aliás, de forma bas-

impacto só que não conseguiu alterar a lógica

tante radical ultimamente. E pior, politicamente

dominante.

eles são mais forte hoje no progresso. Então, em

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termos de avaliar o contexto, eu diria: estão mais presentes, mas a tarefa está gigante. A vantagem que temos é que isso não tem perspectiva. O falamos hoje com bandeiras humanitárias, globais, igualitárias, como a questão ambiental, como se trata o bem comum chamado terra que é escasso, como se trata água que é escassa,(...) enfim essas questões que são postas na agenda, elas estão a favor dessa descrição, elas não estão a favor do outro. O outro não tem o que dizer, o único argumento é que produz alimento. Para quem que ele iria perguntar: Porque tem tanto faminto no mundo? JEAN MARC - Queria fazer uma relativização aqui. Não sei se o que estamos dizendo tem a ver com o que os movimentos sociais possam pensar a respeito. Seria uma coisa um pouco diferente, bastante diferente, um pouco mais significativa. A questão que faz falta nessa discussão é que

O ponto numero um é o seguinte: esses excluídos existem porque o

não há um diagnóstico que diga por que existe

modelo socioprodutivo que está aí não

exclusão. Precisamos fazer inserção? Constata-

os pode incorporar. Então, se você

se que existe excluídos, então, vamos procurar

está querendo trazê-los para uma

incluí-los. Quando você não pergunta porque

inclusão nesse mesmo modelo, você

existe exclusão, então você arrisca ao fazer uma inclusão, que vai reproduzir as situações que aconteceram antes. O ponto numero um é o seguinte: esses excluídos existem porque o modelo sócioprodutivo que está aí não os pode incorporar. Então, se você está querendo trazê-los para uma inclusão nes-

vai fracassar, você não vai conseguir ganhar, você perde o jogo.

Jean Marc

se mesmo modelo, você vai fracassar, você não vai conseguir ganhar, você perde o jogo. Você vai ganhar meia dúzia daqueles que você eventualmente possa. Como se diziam em outros tempos: o negócio dos viáveis e não viáveis, os que www.iicaforumdrs.org.br

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estavam incluídos no mercado, os que potencial-

esse ciclo de expansão do PRONAF no governo

mente poderiam ser incluídos e os que estavam

Lula e isso não é diferente do que acontece com

descartados. Esses eram objetos de política so-

o grande agronegócio, com o “agronegocinho” do

cial, essa era uma lógica que prevaleceu em um

PRONAF. E o “agronegoção” tem inclusive uma

certo momento de discussão e, eu diria, continua

carga de divida maior. Hoje em dia, você está fa-

prevalecendo, só que com um discurso diferen-

lando de endividamento de 80 bilhões, quer dizer,

te. Agora, ao se pretender trazer esses excluídos

a negociação de divida que está colocado pelo

para um modelo que os excluiu, estamos fadados

agronegócio é isso: 80 bilhões, dos quais o minis-

ao fracasso, quer dizer, analisando os que já es-

tério do governo reconhece, digamos assim, não

tão incluídos, que são candidatos à exclusão, dá

oficialmente, mas 26 bilhões são impagáveis, es-

para você ter uma certa ideia do que essa situa-

tão na categoria de não pagável.

ção está oferecendo.

O grande sucesso do agronegócio é na verda-

Então, por exemplo, você “pega” o desenvolvi-

de um sucesso relativo. Éstá dando muito certo

mento mais forte da agricultura familiar nos últi-

mas você deve 80 bilhões, sabendo que nos últi-

mos anos, que maciçamente teve esse impacto de

mos 15 anos você teve duas anistias e três rene-

massa maior via Pronaf, (...)o crédito rural, que o

gociações de divida. Olha a economia america-

Cândido citou e acho que a pesquisa do IBASE no

na, os europeus estão endividados até não poder

Paraná, pela nossa experiência no resto do pais, é

mais e que, na verdade, apesar de todos subsí-

válida, embora a gente não tenha dados quantita-

dios, estão hoje em dia pendurados nos bancos,

tivos levantados.(...) Ela significa o que?

todo mundo endividado, rolando divida, pegando

Fundamentalmente o Pronaf é um grande estimulador do modelo do agronegócio chegar até a agricultura familiar. Então foi a expansão do uso de insumo químico, uso de agrotóxico, pesti-

novos créditos e enrolando a coisa pra frente. É esse modelo que a gente quer incluir esses excluídos? Um modelo que continua gerando mais exclusão e jogando mais gente para fora.

cida, adubos químicos, o pacote tecnológico todo

Tinha uma imagem que hoje em dia ao se

da chamada revolução verde e que integrou nisso

usar(...), mas que foi usada numa época no Plano

ai um movimento dos anos seguintes, que é você

Real e dizia assim: o que que era o desenvolvi-

ter uma parcela relativamente pequena, quer

mento rural e cultural em uma espécie de estei-

dizer,ter um aumento no ritmo de venda e uma

ra rolante que se acelerava sempre. O fator de

parcela muito grande que se endividou, uma par-

aceleração era a tecnologia, em outras palavras,

te que inclusive perdeu suas terras e o resto ta

dado o tipo de tecnologia o capital. E quem não

pendurado em divida. Então, tem-se a massifica-

consegue acompanhar a “passada”, que significa

ção do processo de endividamento da agricultura

acompanhar a capacidade de investimento, fica

familiar que só fez crescer nesse período, desde

de fora. Então essa lógica da esteira rolante é

o começo do PRONAF para agora. Intensificou-se

um gerador de exclusão, portanto é contra esse

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modelo de desenvolvimento que a gente está discutindo. Então, tudo o mais que está se falando de inclusão e inclusive em expressão no MDA, faz usar

O agricultor Rural tem problemas

a extensão rural para “pegar” o agricultor rural

de acesso a recursos produtivos

pela mão e levá-lo ao desenvolvimento e isso cer-

básicos, como citou, a água e a terra

tamente não tem efeito nenhum. Você está se co-

fundamentalmente, ou seja, a inclusão

locando diante de um universo de gente que cujas

no mercado não necessariamente é, no

razões de exclusão são muito profundas. Não precisa de alguém guiá-lo pessoalmente do mercado até onde quer que seja para ele poder evoluir. O agricultor Rural tem problemas de acesso a recursos produtivos básicos, como citou, a água e a terra fundamentalmente, ou seja, a inclusão no mercado não necessariamente é, no curto prazo,

curto prazo, uma solução.

Jean Marc

uma solução. Em nosso Programa, temos trabalhado com

ralmente estão fora desse universo ou eles perten-

muitas situações nas regiões mais pobres, em

cem a um tipo de rede social com o qual normal-

particular pelo nordeste, em que o primeiro mo-

mente a gente não lida as ONGs e organizações do

vimento de inclusão social é o conseguir produzir

governo agricultura familiar você vai pegar o pu-

para melhorar a sua alimentação, o que repre-

blico e organizar em sindicatos, nas cooperativas,

senta ao mesmo tempo, uma coisa fundamental

nas associações, nas pastorais. De repente você

nesse processo, o aumento da autoconfiança.

tem um universo que não tem nada disso, que não

Nós estamos lidando com uma população ex-

encontra nesses lugares, você tem certa dificulda-

tremamente deprimida por “n” razões, que não

de ali. Não quer dizer que eles sejam inteiramente

acredita na sua própria capacidade de resolver os

isolados e individualizados, não tenham nenhum

seus problemas e “pegar” pela mão só faz refor-

tipo de relação, mas é uma coisa muito trêmula,

çar isso ai.

muito frágil e normalmente invisível.

Você tem que, na verdade, criar algum tipo de

Você tem que procurar descobrir quais são

ação concreta que tenha resultados práticos pro-

essas modalidades de articulação. Em alguns

dutivos para essas famílias e para essas pessoas

casos, a gente descobriu coisas que eram formas

de uma forma que eles possam começar a acredi-

de ligação que a gente não podia nem se meter,

tar. Precisam criar movimentos para reconstituir

como, por exemplo, o pessoal que se reunia para

ou constituir redes sociais locais de solidariedade

rezar, uma comunidade de oração, mas que tam-

e de coesão social. Esses exclusos são os que ge-

bém eram momentos em que também converwww.iicaforumdrs.org.br

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savam outras coisas e esse era o publico mais fragilizado do ponto de vista econômico, social. E essa mini rede de oração, quer dizer, também era uma mini redezinha de solidariedade, pequenos apoios e foi, então, usando isso (...) você começa a puxar essa gente pra dentro de uma

as se auto excluem, dizem: “esse negocio não é pra nós, é pro pessoal da associação”. Você tem que ter, de fato, uma coisa de intencionalidade de você procurar expandir e agregar essas redes sociais existentes. E a questão, para terminar, é a questão tecno-

participação. Outras formas são interessantes, também, quando trabalhadas com intencionalidade. E eu vou explicar porque isso são as associações comunitárias. A tendência de uma associação comunitária, pelo menos na nossa base de trabalho, é você ter mais ou menos de 20 a 30 por cento do que você poderia chamar de comunidade potencial organizada dentro de uma associação e que os outros não participam. E a pergunta que sempre ficou foi: porque não? Porque essas pessoas não participam? – Existem “n” razões, às vezes são até familiares. Por exemplo, você tem um choque de famílias, você tem problemas

lógica. Que tipo de proposta tecnológica você faz que permita fazer um processo inclusivo e não entra na esteira rolante da exclusão, da dependência, da subordinação, da sujeição, das cadeias produtivas? As alternativas tecnológicas, a gente apontou no campo da produção agrícola, ensinou uma resposta para todas as questões. Certamente do ponto de vista do modelo sustentável de produção agropecuária, a gente então trabalha com agroecologia que permite que uma serie de questão sejam enfrentadas, da apropriação do produtor, sua capacidade de usar aquilo, mas não é uma coisa que seja automática nem fácil.

políticos, ou até de religião, tem problemas de

Quando eu vejo, por exemplo, as propostas

todo tipo. Mas também é uma questão de você

para certo tipo de público, essas propostas do

ter o grupo organizado, que é um grupo que se

PAS que tem um nome indiano: Mandala, siste-

fecha, os bons contra os outros e é fundamental

ma Mandala, que o SEBRAE está jogando a rodo

que você tenha intencionalidade de romper essa

pelo país a fora. Isso não é inclusão socioprodu-

exclusão, romper esse processo segregativo.

tiva. Um sistema produtivo específico de cada

Um dos programas mais eficientes pra esse processo de inclusão foi o programa de cisternas. Primeiro porque era uma necessidade vital para todo mundo, quer dizer, toda pessoa em uma comunidade, em uma família desejava ter aquilo. E se a forma de acessar esse recurso era através da associação, as pessoas entravam na associação. Agora a associação tinha que ter abertura

agricultor desenvolveu através das condições que ele tem, não vem com modelitos : “agora vamos fazer todos esses negócios”. Acaba-se criando uma artificialidade para os mais excluídos. O cara ter seus mandalinhas, você tem que ir lá e botar tudo ali, tem todos os recursos (...) se o cara for capaz de absorver esse conhecimento aplicá-lo se não é outra questão.

e a iniciativa também de trazer, de aceitar, de

A fórmula que a gente procura utilizar é valori-

procurar inclusive. Porque volta e meia as pesso-

zar o que existe de recurso por mais limitado que

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seja. Tem que exigir o conhecimento e construir a partir disso ai. E você trazer novas informações, consolidar a produção e a economia dessas famílias para facilitar a sair da exclusão e, finalmente, a dificuldade de fazer isso com as políticas publicas tal como elas são formuladas, que mesmo quando elas tem a melhor das intenções, quer dizer, a vontade de cooperar, existe uma coisa terrível em todas essas políticas que se chama pressão. Tudo tem que ser feito já e em grandes quantidades, grandes alcances. Como se isso pudesse ser feito assim, não pode. Isso dá problemas complicadíssimos. Para conseguirmos trazer(...), a partir do momento que a gente fez um diagnóstico, sete a oito anos atrás que a gente identificou se seria o nosso programa contra pobreza na Borborema. Fomos fazer uma análise do nosso trabalho lá e identificamos o seguinte: os mais pobres não es-

Você tem que procurar descobrir quais são essas modalidades de articulação.

tavam dentro do programa, então o pessoal que

Em alguns casos, a gente descobriu

não era necessariamente os mais ricos, digamos,

coisas que eram formas de ligação que

a massa dos mais pobres não estavam. Come-

a gente não podia nem se meter, como,

çamos a nos perguntar: “porque o que estamos

por exemplo, o pessoal que se reunia

oferecendo pode ser bom para eles?” Uma série

para rezar, uma comunidade de oração,

de razões, que citei aqui, que a gente tinha que ter intencionalidade de enfrentar e resolver essa questão em especifica e leva tempo. Isso leva

mas que também eram momentos em que também conversavam outras coisas

muito tempo. Você não reconstrói a capacidade

e esse era o publico mais fragilizado do

de um micro produtor de meio hectare, numa si-

ponto de vista econômico, social

tuação geral de terra degradada, com o sujeito com uma economia familiar totalmente desequilibrada depende do subsídio público, de trabalhar fora, a própria família meio desmontada, o marido esta trabalhando em São Paulo, a mulher fica

Jean Marc

lá e ele volta (...), enfim, reconstruir uma base social inclusiva a partir delas. É um trabalho lento e www.iicaforumdrs.org.br

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é um trabalho persistente e paciente, não adian-

um aumento de escala de 3 municípios para 15.

ta você querer acelerar. “eu boto muito dinheiro”,

Deu uma acelerada no processo e daí pra frente

colocar muito dinheiro pode ter o efeito contrário

ele vira um processo razoável de aceleração. Mas

do que você quer e esse é um problema geral no

você tem que olhar esses processos como uma

ponto de vista da política pública.

coisa que você não chega com uma solução má-

Desde o começo do governo, tive acesso à discussão de praticamente todas as políticas que foram montadas para área rural. Eu participei, na área da agricultura familiar, de todas elas, e todas elas passaram pelo mesmo problema: “tem que ser tudo rápido, agora e muito”. Ao ponto que você tem no programa de assistência técnica de extensão rural chamada elas são dadas para o território inteiro. Você tem que começar um trabalho eventualmente num lugar e em todo território. É um número grande, como se fosse possível de uma hora para outra pegar todo mundo, jogar dentro da coisa e isso só funcionaria se você tivesse soluções generalizáveis para todo mundo com recursos relativamente infinitos para poder jogar de forma acelerada, mas a ideia não é essa. Você tem uma quantidade extremamente diversificada de situações e tem que descobrir soluções especificas para cada um e, isso ai, não se faz com a velocidade. Eu diria assim, você pode de uma forma eficiente trabalhar num acordo comercial, você começa no pequeno, vai consolidando e quanto mais você vai consolidando você consegue acelerar o seu processo. Nós começamos hoje em dia com nosso trabalho no território da Borborema, considerado exemplar no Brasil inteiro, e não começou com 15 mil agricultores, começou com 30 agricultores, 3 comunidades, 2 municípios e as coisas foram se expandindo até que 7 anos depois teve MARÇO | 2012

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gica, quer dizer, chamado “magic bullet” ou bala mágica que você dá um tiro e acerta tudo. ALBERTO ADIB - Eu queria fazer outra colocação, mais relacionada inclusive com a questão do próprio conceito que hoje se adota e já está quase unânime. É a história da pobreza rural, que não se resolve o problema da pobreza só com a renda, é muito mais que isso o problema. Hoje na America latina, nós temos a pobreza persistente. O Brasil conseguiu vencer bastante com esses programas de inclusão social, bolsa família, previdência e tudo mais. Conseguimos diminuir em todo o resto da America latina, mas as políticas públicas não tem sido suficientes para resolver o problema. O que eu queria provocar com relação a isso: quando falamos de inclusão social, os programas de governo que a gente tem de inclusão social são programas direcionados para renda, mesmo que seja transferência ou mesmo esse programa de previdência, está relacionado a renda, sendo que para vencer tudo isso e para chegar a inclusão de fato tem muito mais coisa. Nós estamos em um momento horrível na área de educação, de saúde no meio rural, de estrutura e tudo mais. A minha preocupação e eu não sei como vocês percebem isso, é que esse modelo que estão adotando de fazer transferência, agora com esse programa novo do Brasil sem Miséria vai acelerar esse processo. Será que não esta havendo uma acomodação por parte da própria sociedade organizada? De não cobrar mais do que deveria, para contradizer a pobreza, nem que seja só pelo lado da renda? Essa é uma pergunta


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Sejamos claros: inserção produtiva desmantela o agronegócio

Cândido Grybowski

que eu queria saber se não há uma acomodação,

quer, ao mesmo tempo porque está nas piores

mesmo por parte do governo e por parte das or-

terras, nas áreas marginalizadas. Enfim, eu diria

ganizações, se não está havendo uma acomoda-

que tem um dado novo nesse governo, que é nós

ção do tipo: “está ótimo eu recebendo o bolsa fa-

no governo, um movimento sindical, movimento

mília”. Temos aqui o previdência principalmente no nordeste onde está a grande massa.

dos sem terra, da necessidade de mudar, escutar, se relacionar e, claro, esse governo atende

CÂNDIDO GRYBOWSKI - Acomodação eu não

em parte o que eles pediam. Não está fazendo

sei. Por exemplo, volta a uma coisa se falou no ini-

reforma agrária, mas a situação não está tão

cio dos movimentos, vamos dizer assim, se você

ruim, no sentido de que se tenta radicalizar. Eu

pegar um movimento sem terra todos recebem

me lembro o João Pedro dizendo há uns dois ou

o bolsa família, (...). é uma variável complicada,

três anos, no tempo do mensalão, ele dizia as-

todos acampados, todos assentados com bolsa

sim: “se a gente tomar uma posição mais dura, a

praticamente, é inclusive porque eles são mais

base nos deixa”, não dá pra fazer assim o drama.

visíveis pelo fato de estarem organizados, então

Então, essa “coisa” eu insisto em um ponto de

foi mais fácil cadastrar. Esses que estão fora de-

vista humanitário: a sociedade deve fazer coisas

vem ser muito parecidos é que não acha assim

imediatas para o cara não morrer amanhã, tem

fácil. Mas quando lá em Brasília em agosto aque-

que fazer o Brasil Sem Miséria e ir atrás dos 16

les mapas do IBGE eram tudo entorno eucalipto,

milhões e etc, no entanto, isso não quer dizer que

cana, soja, boi. Quer dizer, só não vê quem não

está mudando substantivamente e reconhecemos www.iicaforumdrs.org.br

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a gente não consegue levantar a bandeira de que o petróleo é uma questão que está na mesa para

tencial transformador é de ordem política, é claro que não é só de ordem política, ele é de adesão do montão de gente que não depende da agricultura mas o mundo (...) melhor dito, continua sendo a grande matriz dessa sociedade, o poder que passa pelo congresso, basta isso para dizer que nós somos dependentes dessa m.... É disso

discussão, discutir os benefícios: “ah

ai, é isso que condiciona a política, isso que teria

não, mas o emprego que vai dar...“.

que ser mudado para poder de fato transformar.

Claro que nós não vamos mudar de

Mas eu vou mais longe, será que a aliança que

um dia para o outro, mas o jeito de

está no poder sindical e empresarial, que eu de-

tratar essa questão não pode ser como a Dilma disse lá na campanha: uma loteria, ganhar na loteria só pra aprofundar o mesmo modelo que está também atrás desse. negócio.

fino assim, né? Como um lado popular, sei lá, um (...) tem uns setores ai um pouco agregado que significa que o PT era uma aliança entre sindicalistas no setor mais avançados com movimentos populares, mas que se aliou com empresários e é uma aliança forte, você não consegue. Outro dia tava debatendo com a CUT, a gen-

Cândido Grybowski

te não consegue levantar a bandeira de que o petróleo é uma questão que está na mesa para discussão, discutir os benefícios: “ah não, mas o emprego que vai dar...“. Claro que nós não vamos mudar de um dia para o outro, mas o jeito de tratar essa questão não pode ser como a Dil-

que é inadmissível, porque tem gente morrendo de fome ou nesse estado, mas que estamos criando dependentes da boa vontade do estado. Sejamos claros: inserção produtiva desmantela o agronegócio, senão não tem como.

ma disse lá na campanha: uma loteria, ganhar na loteria só pra aprofundar o mesmo modelo que está também atrás desse negócio. Quem produz o agroquímico? Da onde vem isso? Para as pessoas, vem da própria refinaria do petróleo. Enfim, nós temos um intricado processo político

Eu disse isso pessoalmente lá, eu disse: “en-

para pensar em emancipação social, no sentido

quanto tiver um ministério que gasta 10 vezes

que eu acho que ao menos isso é uma bandeira

mais produzindo o pobre, enxugando gelo”. Não é

que, ainda de diferentes modos, explica a persis-

importante enxugar gelo? É importante enxugar

tência ainda de movimentos e de organizações.

gelo, não to dizendo que não, mas ele não tem

(...) É disso que estamos falando, porque nem a

um potencial transformador necessário. O po-

agricultura é (...) bom, está destruindo, está ex-

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cluindo mais gente. Talvez nem é tanto, para o

que não tem um horizonte exatamente confronte

funcionário, o que é produzido, mas está excluin-

do sistema.

do. Só que isso não significa incluir, vamos dizer, outros na volta. É uma energia para produzir alumínio que também já excluiu lá não sei onde e para manter o mesmo sistema 4 mil km abaixo, né? (...) estão os consumidores de energia elétrica e que, às vezes, usam muita energia para essa máquina continuar funcionando.

A igreja católica refluiu muito, nós mesmos refluímos muito. Quantas organizações existem hoje fazendo educação popular? Claro que começa a aparecer e se a gente fizer um mapa das resistências, a gente ia dizer: “opa, tem esperança”, mas o que tem de focos de luta que não estão conectados, não forma rede, porque se for-

A gente tem um trabalho de fazer uma análi-

massem rede teriam impacto político e enorme.

se mais política, eu diria assim, nós tivemos uma

Mas isso é como se fossem pequenos pontos e

onda de democratização, que chegou nisso aqui,

essa é uma tarefa política gigante, mapear, co-

onde alguns temas entraram na agenda. Não é

nectar para então tirar inspiração. Enfim, é uma

mais palavrão falar na agricultura familiar, fa-

tarefa que implica em prioridades e políticas. É

lar na necessidade disso, associar a agricultura

um pacto que tem que ser construído entre in-

familiar a democracia, agronegócio e a não de-

cluídos e excluidos. E esse impacto democrático,

mocracia, isso está quase ganho. Mas enfim, a

como se não estivesse na mesa hoje, a gente se

gente avançou, mas esta onda não vai produzir

contenta se fizer alguma coisa, se der uma bol-

coisa melhor, é daqui para pior agora. Ela perdeu

sinha. A gente precisava ir bem mais longe, bem

seu integro. Ai volta a coisa assim, essa onda foi

mais fundo. Eu não vejo no horizonte das políticas

criada em parte por um trabalho de resistência

existentes hoje, deixo o espaço para a discussão,

que vem das pastorais, que vem da oposição sin-

mas não vejo onde pode romper alguma coisa.

dical, que vem de um começo de agricologia, que

Eu vejo, pelo contrario, uma investida, essas coi-

vem de várias coisas, do MST, e surge la no final

sas do código florestal, essas coisas dos caras

dos anos 70. E toda ideia da educação popular

sem vergonha, parece com o banqueiro que pe-

que ainda está presente nisso, o que é um exem-

diu 80 milhões de perdão da divida e, talvez, vão

plo disso de começar pequeno, é por ter todo um

conseguir tanto pelo poder como pelo congresso,

processo de construção, vamos dizer no sentido

talvez não tanto. Enfim, vê o tamanho da coisa e

grande da palavra, da pessoa se convencer que

a gente não consegue um dinheiro para enfren-

ele é capaz, que pode e, portanto, ele é o ator que

tar isso. Esse é o quadro que temos: convencer

vai fazer a mudança. Essa mudança supõe pri-

uma educação dialógica como dizia Paulo Freire.

meiro ele gritar, ter voz e dizer: “ eu não aceito

Agora, tem princípios fundamentais no campo

isso, não quero isso. Quero fazer isso” entende?

especifico da agricultura. O grande mérito que

Significa disputar esse espaço, porque estamos

faz experiência, que a gente apresenta, é mostrar

falando de disputa social. Nós precisamos voltar

como isso é mais anunciador de futuro do que

a isso e quem esta fazendo hoje são essas igrejas

conseguir até pouco tempo de passado, é como www.iicaforumdrs.org.br

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Diálogos do Fórum DRS

se fosse uma resistência moderna, hoje o pro-

isso? Faz assim, de repente quem vai pegar isso

blemático é o outro, que tem na sua essência a

é o mesmo (...) não se definiu, o biodiesel para a

tecnologia dominando o modelo convencional. É

agricultura familiar e quem ta fornecendo se usa

se proteger do meio ambiente. Enquanto a agro-

no grosso a soja. Quem ta fornecendo a agricultu-

ecologia parte do principio contrario, tira partido

ra familiar não.

das possibilidades que são diferentes, variáveis, sem afetar a integridade do ecossistema que esta se manipulando, e ai a outra concepção de tudo:

JEAN MARC - O primeiro ponto que você levantou dos programas compensatórios, os pro-

Primeiro que eu acho que é uma mentira dizer que

gramas de assistência, como o bolsa família na

70% do alimento vem da agricultura familiar, por-

verdade são uma reivindicação que surge do

que isso é ignorar o que quem determina o que é

foro de brasileiro de segurança alimentar de

a agricultura familiar que passa a produzir grande

96, seja a conferencia mundial de alimentação,

parte é a agroindústria, vamos dizer, é a lógica da

que constitui o foro brasileiro, que naquela época

acumulação, é o frango integrado, que implica em

foi uma das questões. Depois o que veio o foi o

ter milho e soja e o cara é familiar dependente,

Fome Zero. Sempre foi muito claro para o foro:

totalmente fora. Claro que convém para o negocio,

juntaram tudo que tinha possíveis e imagináveis,

passa o risco dessa parte para o cara, sempre tem

desde a área de produção até a área de consumo,

risco. E ele fica em uma parte boa do negocio, mas

e que isso ai com o bolsa família era uma medida

quem determina o prato que eu como lá no Rio

excepcional, o objeto dela era a excepcionalidade,

não é uma agricultura familiar não. Por mais que

era algo que era necessário enquanto uma serie

eu tente encontrar produto da agricultura familiar

de outras coisas deveriam funcionar. O problema

é muito difícil achar. Porque o supermercado faz

foi que se tornou no objeto em si, quer dizer, as

já na encomenda e ele é parte desse poder, uma

outras coisas foram ficando pra trás e você tem

grande rede distribuidora acaba impondo onde a

mais uma vez um dos elementos fundamentais

massa, que é hoje o grande produto urbano, tem o

dessa questão de extensão da pobreza e da fome

que de familiar atrás dela? É ovo com sei la o que,

a área rural.

farinha de trigo. O importado é o arroz, nada de familiar, feijão talvez ainda tenha, mas também na

A questão do acesso é bem produtivo, o acesso

medida em que entra o pacote tecnológico entra

a terra o acesso a água tem acesso a tecnologia

nesse circuito, esse mesmo pacote convencional,

acesso a mercado eventualmente. Agora quando

e o alternativo entra onde? A rede de supermer-

você tem a reforma agrária desde 85, ou seja, ela

cado grande comprador, compra desses “caras”.

está, segundo as estatísticas do M.E, o que temos

Os “caras” não tem problema de mercado local, a

de 85 até agora alguma coisa em torno de, apro-

escola não compra do Carrefour, ao invés de com-

ximadamente um milhão cento e poucos mil as-

prar do local, do grande fornecedor. Que seriam

sentados, por exemplo em 2006 eram setenta mil,

potencialidades grandes, claro que já se definiu

o que da uma média de sessenta mil por ano em

e tem que ter tantos por cento. Como é que faz

torno de um milhão e duzentos em vinte anos.

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Agora naquela altura tinham 5,6 milhões de

bandeiras e a sua relação com o estado. Eu acho

agricultores somados, se agente acrescenta

que se você for olhar para o lado, para o governo

mais um milhão e 200 poderia estar com 6 e 800,

social, todo mundo diz que é necessário alterar

na verdade o que se tem é 5,1, então na verda-

a questão da estrutura fundiária, a questão do

de esse período em que você assenta o milhão

acesso a recursos, alterar as próprias políticas,

e duzentos você perde um milhão e oitocentos

que foram mal à beça nesses últimos governos:

(risos) então na verdade o jogo é que esta sen-

Pronaf, políticas de assistência técnicas são coi-

do perdido pelas mesmas razões que eu estava

sas que todo mundo discute, agora capacidade de

tocando antes, quer dizer o que você procura in-

influir na política por incrível que pareça diminui.

tegrar e manter um modelo que exclui ele repete

É um fenômeno interessante por que o governo

a exclusão, então você não consegue dar a volta

nunca teve tanto espaço pra negociação, tanto

no sistema , então por mais que você faça direito

espaço de discussão com o estado e, eu diria, que

acho que tanto o governo do FHC quanto o go-

a capacidade de influir praticamente quer dizer o

verno Lula foram meio tidos, mornos com essa

rumo das políticas é pequeno.

questão da reforma agrária eu diria até que não é em varias razoes para isso, uma delas é que é uma questão de correlações de forças mesmo, infelizmente esse mundo ruralista mais atrasado do Brasil tem bala na agulha tem força política quer dizer por mais que o governo tentasse, acho que tanto um quanto o outro governo se esbarrou praticamente nas mesmas essências, quer dizer o FHC assentou uma media de 60 mil famílias por ano e o Lula assentou 60 mil famílias por ano, por mais que o discurso fizesse eles estão mais ou menos no mesmo pé, entretanto não se viabilizou os próprios assentados.

Eu digo isso por experiência pessoal. Eu participei de todas as negociações do P.A do Fome Zero para a área rural, do primo plano safra, e a questão da produção alimentar do aumento da produção alimentar estava esperada com a instituição do Fome Zero 2003; Pronaf, que foi negociado e renegociado, enfim, a minha sensação, no fim de isso tudo, é que por mais que a gente falasse ou proposto que se fosse feito, não foi. Então as coisas que falamos que afirmamos que seria problema não foram absolvidas. Os problemas aconteceram e continuam acontecendo. Ai a questão por que as pessoas não são, digamos

Agora, para a situação que você estava me

assim, mais combativas. Eu diria por um lado que

colocando, pois a pergunta estava dirigida mais

é por que existe esse mecanismo de trazer para

sobre comportamento da sociedade civil, quer

mesa, ele é um excelente neutralizador por que

dizer sobre as forças organizadas, eu acho que

todo mundo acha que esta participando das de-

certamente eu não diria que há uma acomoda-

cisões. Senta ali no Condraf, em torno dos con-

ção do ponto de vista político intelectual brasilei-

selhos, esse governo tem 300 conselhos, ou seja,

ro. Eu acho que o que existiu foi ,nesse período

esta todo mundo ali de alguma forma sempre

de governo Lula, uma fragilização desse setor

tem um pé em algum conselho, teve um momen-

organizado da sociedade frente as suas próprias

to que eu participava de dois conselhos, e eu perwww.iicaforumdrs.org.br

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Hoje em dia você tem na área de desenvolvimento rural o seguinte: 90% das entidades dependem de uma forma ou de outra de algum dinheiro público

Jean Marc

der tempo em um já era suficiente. Fiquei só em

ticamente permanente. Depois tem uma outra

um, mas o fato é que por mais que você ache que

questão que não é desprezível, eu diria que o go-

a influência é pequena, também não larga o osso.

verno abriu um processo de financiamento das

Quem sabe eu continue no comitê de Agricologia

organizações da sociedade civil por “n” formas

do Pronaf participe das discussões embora tenha

que tornou todo mundo praticamente dependen-

uma certo ceticismo em relação do que possa-

te do estado.

mos conseguir disto tudo, mas, ao mesmo tempo, você sai, você faz exatamente o que foi dito.

Hoje em dia você tem na área de desenvolvimento rural o seguinte: 90% das entidades de-

Essa é a posição de uma ruptura mais radi-

pendem de uma forma ou de outra de algum di-

cavelmente nesses espaços de fazer oposição

nheiro público. Se uma época a gente dependeu

política. De uma forma mais aberta, sentando a

mais da cooperação internacional, hoje em dia

mesa e trocando figurinhas a quatro paredes, co-

essa cooperação está se retirando pelas crises

locando as contradições mais de público. Eu só vi

do próprio mundo desenvolvido e pela visão que

uma organização fazer isso, mesmo assim com

esse mundo tem que o Brasil não precisa mais.

muita ambiguidade, que foi a Via Campezina. Via

Então, você tem uma retirada forte e, por outro

Campezina saiu dos espaços de negociação do

lado, o estado vem assumindo esse lugar, nas

gorverno, desses espaços coletivos, continuou

condições que são muito difíceis, no ponto de vis-

a fazer suas políticas de ocupações, agressivas,

ta das condições de acesso de uso, gerando uma

mas nunca deixou de sentar com o governo e ne-

desestruturação, desorganização dessas organi-

gociar seu programa. Um morde e assopra pra-

zações gigantescas, desses movimentos.

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Para começar colocam uma exigência e uma

desenvolvimento rural e organizações não gover-

carga administrativa e de gestão que a gente

namentais caiu pela metade do ponto de vista da

nunca teve. O problema é quando condições que

capacidade de intervenção. Mais ou menos isso,

são impossíveis de cumprir depois você vai lá e

e está todo mundo com a corda no pescoço, ge-

fiscaliza o que você não cumpriu. É um ciclo vi-

rando dívidas, correndo atrás e isso gera, voltan-

cioso. Nós tivemos desde a fundação do ASPTA,

do a sua pergunta, uma situação de impotência.

comecei sozinho em oitenta e três. Nós nunca

Porque ao mesmo tempo que você depende des-

tivemos gastos administrativos que fossem su-

se recurso, você tem críticas a forma como ele se

periores a 5%. Depois que a gente começou a

faz, é ofertado, como é gerido, como é que você o

pegar dinheiro do governo, esse negócio foi su-

acessa e usa, mas você depende dele, mas isso

bindo. Apesar de subir você não tinha fôlego para

não quer dizer que tenha sido um pacto digamos

arranjar os alguns recursos pra bancar isso aí,

de não agressão, do tipo você me paga e eu não

porque o próprio governo não banca, e você aca-

te critico. Não é assim. As pessoas não tem mais

ba estrangulado pelo seguinte: você tem uma

fôlego para fazer esse movimento crítico. Estão

exigência administrativa muito maior, então você

preparando a conferência da terra, Conferencia

não tem recurso pra bancar isso. Resultado?

Nacional de Assistência Técnica e Extensão Ru-

Você falha, você comete erros. Volta e meia es-

ral, uma batalha para arrancar do governo uma

sas exigências são realmente absurdas, durante

coisa que estava definida até na lei, que tinha que

muito tempo nos convênios, nos convênios com o

ter, uma conferência, uma dificuldade de tirar e

governo, continuação do “cine” na verdade, nós é

ainda não ta 100% tirado.

que saímos um pouco do formato convenio para um formato contrato. Mas no formato convênio,

Agora, toda vez que eu tentei mobilizar nosso

as regras do jogo são as mesmas que a de uma

mundo das ONGS para discutir esse problema,

multinacional. Você pega a 8.666, ela valia para

as respostas são muito limitadas, muito limita-

gente, como vale para nação, como para qual-

das. Porque as pessoas estão emburacadas ten-

quer outra grande empresa, você tem os mes-

tando sobreviver. Agora esta começando a pegar

mo procedimentos que tem um custo absurdo de

um pouco mais de impulso porque eu acho que

você fazer uma licitação para gastar dez milhões

eu estou tentando demonstrar para as pessoas

ou gastar dez mil reais. O custo licitatório é mais

o seguinte: ou a gente consegue um programa

ou menos o mesmo só que a proporção em rela-

de assistência técnica adequado aquilo que a

ção ao gasto da necessidade que você vai fazer

gente quer fazer ou pode se preparar pra fechar

é outro. O resultado foi um estrangulamento gi-

as portas ou pra virar outra coisa, outro tipo de

gantesco contra as organizações. Está todo mun-

organização, vai fazer um trabalho convencional

do com a corda no pescoço e muitas fecharam ou

com aquilo tipo de assistência técnica bem difu-

estão reduzidas a uma expressão muito peque-

sionista do passado e ponto final. O que eu diria

na. Eu diria que, sobretudo no segundo governo

é o seguinte, a sociedade está anestesiada neste

Lula, segunda parte do governo Lula, na área de

sentido. www.iicaforumdrs.org.br

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CÂNDIDO GRYBOWSKI - Eu me preocupo. Eu

verno tem de fato uma pressão forte para atingir

vi um artigo recente, que foi publicado pelo Ade-

suas metas e suas coisas, que não é o tempo da

mir Cazela, no qual ele fala do programa “Brasil

sociedade e tem que chegar a compatibilizar es-

sem Miséria” e faz um questionamento: “o que

sas duas coisas. Mas naquele tempo havia mais

aconteceu com esse programa? Esqueceram de

negociação, agora com o tempo isso foi ficando

ouvir o que está acontecendo nas discussões do

cada vez menor, quer dizer, você tem espaço, por

Ministério do Desenvolvimento Agrário? O que é

exemplo, o Plano Safra não é negociado, o Plano

a realidade da agricultura familiar?” Estão pro-

Safra ele é colocado, ele diz assim é isto, aonde

pondo um programa “Brasil sem Miséria” que pa-

pessoas vão La e dizem, você tem os tempos, da

rece desconhecer a realidade, a pro atividade, as

terra, coloca as reivindicações tem uma pauta,

atividades dos agricultores familiares, quer dizer,

depois o governo elabora seu programa e tchau.

é o programa mais moderno que você está falan-

O Condraf, não discutiu um plano de Safra uma

do hoje em termos de combate a pobreza e, de

vez em oito anos de governos, nove, com esse,

repente, o Ademir está colocando isso a questão

antes dele ser publicado, aí cada um reivindica-

territorial não passa por aí é um programa que

va uma discussão anterior a que acontecia e os

ta propondo a distribuir semente a torto e direito

representantes diziam eu vou-me embora e em

sem saber de fato o que necessita essa gente...

cima do fato consumado eu já vi no computador

JEAN MARC - Eu diria a você o seguinte, eu vou até fazer uma correção na minha afirmação,

qual foi o resultado, não precisa vocês me explicarem.

o governo abiu muito espaço para negociação,

Cheguei a uma certa conclusão das coloca-

mas em geral em cima de fatos consumados.

ções feitas apontam no sentido de uma questão

Esse aí, por exemplo, é um: quando foi prepara-

muito fundamental no que se refere a uma certa

do esse programa a gente ficou tentando chegar

contundência de relativização das atuais políti-

nele, quando a gente viu, já estava pronto, co-

cas publicas sobre a opinião de vocês, o coloca

locado, sacramentado e rodado. O dinheiro co-

como ponto fundamental um conceito de pro-

meçando a ser injetado, esse teve muito pouca

dução produtiva e emancipação social por que

coisa de participação, outros teve mais, eu diria

colocar a emancipação sócio produtiva, inclusão

até com o tempo o governo foi ficando um pouco

no mesmo processo que esta excluindo eu acho

mais rígido nesse sentido, por exemplo, o primei-

que essa é uma questão central que se deve de

ro programa de ATER de governo foi elaborado

alguma forma, eu diria é uma reflexão a fazer e

em 2003, nós levamos quase um ano de discus-

de continuar inclusive nos vários pontos de refe-

são, participação, relação, foi uma coisa que foi

rencia que se esta discutindo a questão do de-

longa, que chegou um ponto que o “Adnet” disse

senvolvimento a outra questão que eu acho que

pelo amor de Deus, nós temos que tomar algu-

e importante e que esta visão que os dois ma-

mas decisões mais rápido porque nós temos um

nifestaram aqui não esta presente nos próprios

orçamento para gastar, tem que entender, o go-

segmentos sociais pelas relativas expostas, des-

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sa transição que se fez inclusive se você analisar

o começo do governo lula pra ca o que me parece segundo vocês falaram é um estreitamento da participação da sociedade civil da possibilidade de Formulação das políticas pública acha que se você analisar a importância do

É um desafio, tenho por hipótese que temos certo impasse e este não é o governo quem irá resolver, e sim, a

Condraf no começo e hoje, se passou pratica-

cidadania.

mente seis meses sem se saber se ia continuar

ou não, acho que é algo importante para se reter desta nossa conversa aqui, penso que o ponto mais importante da conversa é que se existe essa

Cândido Grybowski

maior precisão do conceito que se quer muita gente esta entrando nessa defesa da produção sócio produtiva muitas vezes inadequada. IVANILSON GUIMARÃES - Considerações finais

globalização fez isso, então ao trazer este debate

CÂNDIDO GRYBOWSKI - É um desafio, tenho

para a sociedade o desafio seria de aproveitar ao

por hipótese que temos certo impasse e este não

menos, eu estou vendo estamos indo para o rio

é o governo quem irá resolver, e sim, a cidadania.

mais vinte que é um tema ligado para nos mais

Eu o desafio estar no colo da cidadania, entre-

caro, e ao meu ponto de vista um desastre arma-

tanto como se faz para criar uma agenda pública

do, pelo modo que ela esta arrumada pela ONU

para uma coisa que consegue por em questão

no contexto de crise dos principais governos que

isso que é dado de mão beijada, não tem funda-

deveriam assumir compromissos e um governo

mento uma sociedade alto estridente democráti-

nosso que esta achando ótimo essa contradição,

ca que esta se montando, e como conseguimos

pois o capitalismo nunca fui único, bom o Brasil

isso, pois estamos em um período em que muitos

o Brasil da Dilma com uma agenda nuclear com

ganham esse negocio, e como sempre digo, não

belo monte, com agronegócio valorizado pelo

vamos desprezar o cara que ganhava 100 dólares

próprio governo, temos a oportunidade de aler-

e o cara que hoje ganha 300 o salário mínimo,

tar a sociedade, talvez a aposta seria de tentar

por exemplo ele em termos reais cresceu em tor-

não dar muita bola, para fazer mais claro para a

no de 60 % é muito dinheiro para quem ganhava

sociedade.

menos que isso, entretanto as sociedades são sempre relativas com as suas políticas publicas,

Esta crescendo uma sensação de que deveria

o que pode-se dizer é que não há um absoluto po-

se inverter o jogo e quem tem algo a dizer é essa

bre, sempre essa sociedade é criar desigualdade

contraditória sociedade civil, e obrigar os gover-

destruição e exclusão, podendo mudar o nível da

nos mostrando que os desastres estão ai, o que www.iicaforumdrs.org.br

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Diálogos do Fórum DRS

é preciso ser feito é mudar isso, e se fazer mais

circunstância histórica negativa: quando o go-

visível na cidadania, pois, por exemplo, esse de-

verno popular, as forças populares chegam ao

bate de território e cidadania é importante, pois,

poder, elas chegam com uma concepção de de-

por exemplo, tem-se favela, como território, a

senvolvimento passada, continuamos querendo

solução só se torna mais ampla quando vários

repetir o que os outros fizeram, e de certa forma,

locais se conectam a grande pergunta é como

foi o que se fez, atenuando até as contradições

fazer isso, estamos pensando de fazer uma es-

que esse governo coloca exemplo bolsa família.

pécie de feira junto para trazer diferentes experi-

Agora a essência do modelo do desenvolvimen-

ências, para fazer uma mostra, para que as pes-

to esta posta e é um problema que não entra na

soas venham para participar mas que também demonstrem boas praticas de gestão de construção eu acho que isso seria uma oportunidade de ganhar espaço. O governo municipal do Rio está apostando bastante na cúpula. Eu já desisti de esperar do governo que já diz que já possui uma posição das coisas. JEAN MARC - Só vou acrescentar uma coisa que vejo como importante, um problema, uma

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concepção das pessoas. Tem-se como síntese que embora o governo conheça os problemas referentes a diversas agendas no Brasil, ele ainda no famoso ”more than this” (mais do mesmo), ou seja, não fica, e nem esta se preparando para o que vem por ai, como crise de petróleo entre outros. Talvez o que seja necessário de fato é trazer a público o que realmente esta acontecendo, e o que se pode fazer em relação a isto.



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