APASE - Associação de Pais e Mães Separados www.apase.org.br Artigo publicado no Caderno de Estudos nº 3- Direito de Família Ciências Humanas do Instituto Brasileiro de Estudos Interdisciplinares de Direito e Família- Editora Jurídica Brasileira, 2000.
GUARDA COMPARTILHADA- NOVAS SOLUÇÕES PARA NOVOS TEMPOS
Maria Antonieta Pisano Motta1
INTRODUÇÃO O relacionamento entre o genitor que não detém a guarda e seus filhos, não tem equivalente e portanto não tem nenhum modelo dentro da denominada “família intacta”. Diante deste fato faz-se necessário seguir alguns princípios orientadores para que o melhor interesse da criança seja de fato atendido. A continuidade do convívio da criança com ambos os genitores é um destes princípios sendo indispensável o respeito ao mesmo para que o desenvolvimento emocional da criança se dê de forma saudável. O respeito mútuo e a valorização recíproca dos genitores não podem também faltar para que a criança não desenvolva conflitos de lealdade com os consequentes sentimentos de traição e culpa em relação a um ou a ambos os genitores. A proteção dos filhos em relação aos conflitos parentais decorrente da capacidade destes últimos separarem o exercício da conjugalidade, do exercício da parentalidade, é máxima que não pode ser esquecida. Sendo assim, o maior interesse da criança baseado em princípios reguladores de seu desenvolvimento físico e psicológico deve ser a meta buscada na atribuição de toda e qualquer modalidade de guarda, seja ela compartilhada ou uniparental. Os parâmetros, limites e potencialidades do relacionamento entre pais e filhos ainda foram pouco estudados e pesquisados e precisam ser mais explorados antes que possamos fazer afirmações definitivas. Entretanto temos formas particulares e específicas de aplicar a Lei. que estão de acordo com os usos, costumes, tradições de nossa sociedade e que muitas vezes não se coadunam com o atendimento aos melhores interesses da criança quer seja pelo fato de estarem em desacordo com a particularidade do caso, quer seja porque muitas dessas aplicações são anacrônicas pelo descompasso entre a lei e a revolução de costumes que vivemos nos dias de hoje. Em nossa sociedade, a grande maioria das famílias pós divórcio revelam a mãe como a detentora mais freqüente da guarda e o pai como o detentor do direito a visitas.
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Psicóloga, Psicanalista, Ex-Professora em Cursos de Formação em Psicanálise; Co-fundadora, Conselheira e Ex-Presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Interdisciplinares de Direito de Família; Mestre em Psicología Clinica pela PUC-SP.
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A tradição das visitas nos finais de semana ou a cada quinze dias se manteve apesar de estarmos vivendo numa sociedade imensamente modificada, na qual as mulheres são uma força de trabalho cada vez mais presente e relevante no orçamento familiar e portanto com possibilidades e necessidades também modificados. Diante deste mundo pós moderno não podemos continuar a manter sem questionamentos, paradigmas e formas de solucionar problemas de há muito ultrapassados. Trazidas por este sopro renovador começamos a ouvir a respeito de outras formas de solução para a guarda dos filhos após a separação do casal e é neste contexto que os arranjos de guarda compartilhada começam a ser discutidos em nosso país fazendo-se assim necessárias algumas ponderações. HISTÓRICO Para que possamos compreender o caminho trilhado até aqui e tecer as considerações a respeito da manutenção rígida de posturas tradicionais assumidas, muitas vezes, sem questionamento, faremos um pequeno apanhado sobre as atribuições de guarda em diferentes momentos históricos. Como sabemos, a Lei reflete os costumes e desta forma ela já atribuiu a ao pai a guarda exclusiva sobre os filhos uma vez que considerava-se que ele detinha as condições materiais para sustentar seus filhos assim como as condições psicológicas e educacionais para bem criá-los. Com o advento da industrialização e a substituição do convívio na família extensa pelo convívio na família nuclear, composta pelo casal de pais e respectivos filhos, o pai passa a trabalhar e estar a maior parte do tempo fora de casa; passa a ser o principal provedor financeiro. A mãe, por sua vez, torna-se cada vez mais, a maior, quando não a única encarregada do cuidado dos filhos. Sua presença passa a ser valorizada e indispensável uma vez que na falta dela não há outras mulheres disponíveis para cuidar das crianças. Temos que, no início do século, o momento sócio econômico vigente, leva à construção de várias teorias psicológicas que colocam a mãe como a principal responsável pela criação dos filhos. A mãe passa a ser encarada como aquela dotada instintivamente do amor aos filhos e do “saber” para deles cuidar adequadamente. Aos poucos ela foi assumindo contornos de figura indispensável aos filhos, cresce a “teoria dos anos tenros” e o mito do amor materno ganha toda a sua força. Os filhos passam a ser vistos como os que sofrerão danos irreparáveis se separados da mãe, principalmente durante a primeira infância. Essa doutrina em muito apoiada pela Psicanálise, que em suas várias vertentes colocava a importância máxima e quase exclusiva do convívio entre mãe e filhos, transformou-se em base legal para a assunção da mãe como detentora preferencial da guarda dos filhos. Na realidade a atribuição automática da guarda à mãe nem sempre vem de encontro ao atendimento do melhor interesse da criança e muitas vezes a guarda é atribuída à mãe mesmo nas situações mais adversas. Observa-se entretanto que, nas últimas três décadas, com o crescimento do movimento feminista, com a participação crescente das mulheres no mercado de trabalho, diante da reivindicação cada vez maior por parte dos homens no sentido de maior participação na vida e educação dos filhos, com a preocupação e dedicação de estudos e pesquisas às formas de guarda e visitas, mudanças importantes vêm se mostrando necessárias.
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Até a década passada, quase a totalidade dos pais aceitava o papel de provedor material a eles atribuído sem cogitar qualquer questionamento em relação aos parâmetros estabelecidos pela sociedade. Até então, fôsse atribuída à mãe ou pai, a guarda cabia somente a um dos genitores: é o que se conhece como guarda uni ou mono parental. Hoje em dia vislumbramos importantes mudanças com homens e mulheres questionando as posições tradicionalmente a eles atribuídas. Cada vez mais tende-se a considerar cada caso em suas vicissitudes e particularidades, livres de conceitos ultrapassados ou até de preconceitos limitantes pois os arranjos costumeiros estão baseados numa tradição cultural do começo deste século que já enxerga seu final. A ATUALIDADE Tal como os demais componentes da sociedade, os juizes, profissionais da saúde mental, assistentes sociais e advogados, apenas refletem as tradições da sociedade a que pertencem o que faz com que raramente sejam questionadas as tendências tradicionalmente enraizadas, ainda que a realidade de cada caso revele suas especificidades, demandas e possibilidades específicas. Além disso há algo inerente à natureza do Direito que se não devidamente cuidada pode prejudicar a possibilidade da atenção e do atendimento aos melhores interesses da criança. Concordamos com Wallerstein e Kelly quando afirmam que “A Natureza antagonista dos procedimentos, por definição, implica em que cada cliente, através de seu advogado, queira ser um vencedor, não um perdedor. “Vencer” inclui não apenas o acordo de divisão de bens mas também a questão de quem vai possuir os filhos ou de quem vai pagar por eles”. Os autores acima referidos acrescentam ainda: (...) “Os advogados são obrigados pelo treinamento, ética legal e em alguns casos pela sua própria personalidade a proteger e lutar pelos direitos e desejos de seu cliente.” Entretanto, o que o cliente deseja, muitas vezes tem pouca relação com as necessidades ou desejos das crianças envolvidas, especialmente em divórcios que se transformam em disputas amargas. Dentro deste contexto, os pais que declaram seu desejo de ter maior contato com os filhos, são olhados com desconfiança, e as mães que se sentem inclinadas a “ceder” sentem-se culpadas por querer dividir equilibradamente seus encargos e responsabilidades parentais com seu ex-marido. Falamos aqui da necessidade de uma modificação de mentalidade da sociedade de um modo geral e especialmente da nossa realidade de profissionais diretamente envolvidos e responsáveis pelo futuro de nossas crianças. PAPEL DOS PAIS NO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA Um dos conceitos que precisa ser urgentemente absorvido é o de que ambos os pais devem continuar centralmente e igualmente envolvidos e responsáveis pelo cuidado com o interesse e bem estar de seus filhos mesmo e talvez especialmente, após a separação do casal. A guarda compartilhada, que se apresenta sob muitas formas e revela possuir várias definições , propõe a participação de ambos os pais na execução das atribuições emergentes do pátrio poder. O objetivo que se persegue através de sua aplicação é o de garantir que ambas as figuras parentais mantenham um contato permanente, assíduo e co-responsável com seus filhos. 3
Vale entretanto lembrar que mais do que a modalidade de guarda ou regulamentação de visitas escolhidas, o mais importante é que haja uma disposição de ambos os pais no sentido de separar seus possíveis conflitos decorrentes da conjugalidade, da necessidade de exercer bem e adequadamente a parentalidade. A disposição ao diálogo, a flexibilidade, a predisponibilidade para ceder quando necessário são condições primeiras para que qualquer arranjo seja bem sucedido e para que os filhos cresçam num clima de compreensão e cooperação extremamente necessários para seu saudável desenvolvimento físico e psíquico. GUARDA COMPARTILHADA OU CONJUNTA E GUARDA ALTERNADA Nos Estados Unidos, a partir da década de 80, muitos Estados norte americanos promulgaram leis que incentivavam o contato freqüente e contínuo da criança com os dois genitores. A “ guarda legal conjunta em que os filhos têm uma residência principal mas os pais têm responsabilidade conjunta pela tomada de decisões importantes tem sido muitas vezes a alternativa preferida, sendo atualmente concedida em cerca de 80% dos casos de divórcio”. (Teyber, E – 1995). Em nosso país ela ainda se configura como novidade, olhada com desconfiança e muitas vezes descartada a priori, lamentavelmente em algumas situações em que poderia revelar-se como opção adequada e favorável ao interesse das crianças envolvidas. Temos verificado que muito freqüentemente tecem-se defesas ou oposições acirradas à guarda compartilhada as quais são entre outras coisas, fruto de uma indiscriminação estabelecida entre os conceitos de guarda compartilhada e guarda alternada. São formas de atribuição de guarda que entendemos, diferentes, embora sejam freqüentemente confundidas entre si. Na GUARDA ALTERNADA é atribuída a guarda física e guarda legal, alternadamente a um e a outro dos pais, o que implica em que a criança passe dias da semana, meses ou anos morando com cada um dos pais. Este é um tipo de guarda que se contrapõe fortemente contra o princípio de “continuidade” que deve ser respeitado quando desejamos preservar o bem estar físico e mental da criança. (Motta ,M. A . P. –1998). A GUARDA FÍSICA CONJUNTA OU COMPARTILHADA, refere-se aos aspectos mais concretos da guarda e das visitas. Implica na divisão do tempo passado com a criança entre os dois genitores. Aproxima-se da guarda alternada no sentido de que a criança terá moradias diferentes em períodos de tempo alternados, porém diferencia-se daquela pois a guarda legal conjunta implica em que os guardiães legais sejam ambos os pais. A guarda física conjunta pode assumir muitas formas e os pais podem negociar ou modificar a divisão de tempo de convivência com a criança, levando em conta as necessidades de adultos e crianças. Esta modalidade de guarda pode, a nosso ver parecer um abuso ou uma violência em se considerando a realidade brasileira na qual dificilmente os pais vivem em cidades diferentes. Entretanto, na realidade americana onde é comum que após a separação as pessoas mudem de emprego, de cidade ou até de Estado, talvez, a guarda física conjunta além da legal seja o único meio de garantir a continuidade do relacionamento com o genitor não guardião. Nesses casos só a guarda física conjunta poderá garantir a continuidade da convivência e portanto dos vínculos entre ambos os pais e os filhos. Evidentemente, todos os fatores intervenientes devem ser considerados 4
para que o interesse da criança continue sendo a meta a ser alcançada, sopesando-se, em quais circunstâncias específicas, aquela criança específica será melhor atendida em suas demandas físicas e emocionais. No ANINHAMENTO ou NIDAÇÃO os pais se revezam mudando-se para a casa onde vivem as crianças em períodos alternados de tempo. A GUARDA LEGAL CONJUNTA OU COMPARTILHADA OU DIVIDIDA, referese a um tipo de guarda onde ambos os genitores dividem a responsabilidade legal sobre os filhos ao mesmo tempo e ambos compartilham as responsabilidades pelas decisões importantes relativas ao filho. Refere-se mais a um conceito do que a uma modalidade de guarda. Trata-se de conceber ambos os pais comprometidos, cuidando dos filhos “numa atmosfera de intercâmbio civilizado e respeitoso”( Wallerstein e Kelly- 1998). Na guarda compartilhada, como por nós entendida, um dos pais pode deter a guarda material ou física, mas não necessariamente em todos os casos. O que, no nosso entender, efetivamente define este tipo de guarda é o fato de ambos os pais compartilharem dos direitos e deveres emergentes do pátrio poder. Não significa, por outro lado uma exata divisão pela metade, do tempo passado com os filhos, ou um deslocamento por parte das crianças entre as casas de seus genitores em semanas, meses ou semestres alternados, ou qualquer outro esquema rígido de divisão igualitária de tempo de convivência. Na guarda compartilhada o genitor que não tem a guarda física não se limitará a supervisionar a educação dos filhos mas ambos os pais participarão efetivamente dela como detentores de poder e autoridade iguais para tomar decisões diretamente concernentes aos filhos seja quanto à sua educação, religião, cuidados com a saúde, formas de lazer, estudos, etc.. A guarda compartilhada permite que o(s) filho(s) viva(m) em estreita relação com ambos os genitores, podendo permitir a alternância de períodos de convivência, tanto com um quanto com outro. A alternância na guarda física é pois possível desde que seja um arranjo conveniente para a criança em função de sua idade, local de estudo, saúde, e outros fatores que deverão ser cuidadosamente considerados. Por sua vez a co-participação em igualdade nos direitos e principalmente nas responsabilidades e decisões relacionadas aos filhos, assim como coresponsabilidade pelo sustento material deles, são condições que de nosso ponto de vista caracterizam esta instituição, possibilitando a convivência da criança ou adolescente com cada um dos genitores e facilitando sua inclusão e participação no grupo familiar extenso paterno e materno, evitando assim a existência de pais periféricos ou ausentes. A guarda compartilhada muitas vezes revela o poder de conseguir que os pais sejam mais próximos e participativos da vida dos filhos, do que eram antes da separação do casal, validando o papel parental de ambos os genitores com igualdade de importância e relevância, incentivando-os ao envolvimento próximo, continuo e estável com a vida e o bem estar de sua prole. Além disso, alguns estudos revelaram uma tendência menor dos pais com guarda compartilhada a usarem seus filhos como armas para atacar seus ex-cônjuges. Embora alguns possam argumentar que o pai não está preparado para exercer determinadas atividades ou desempenhar determinados papéis estereotipicamente ligados à figura feminina, pesquisas têm revelado que talvez uma das maiores aquisições proporcionadas pelo exercício da guarda compartilhada é o de facilitar ou possibilitar que o pai esteja mais envolvido com seu(s) filho(s) em atividades cotidianas, do que antes do divórcio. (Irwing,H.H.; Benjamin,M. e Trocme,N ; 1984). Além disso, pesquisas recentes têm dado suporte à idéia de que os papéis sexuais relacionados à parentalidade são estruturalmente mantidos e que os homens, quando colocados na 5
posição de principal “cuidador”, tendem a “maternar” tão bem quanto as mulheres. O autor encontrou que pais sozinhos que são por alguma razão “forçados”a exercer o papel de cuidador primário, adapta-se a ele.( Risman, B.;1986). Pesquisas revelaram também que o pai que divide a guarda gasta mais tempo com seus filhos e toma parte em um maior número de atividades com eles do que o pai que não detém a guarda. Revelaram também que esses pais têm mais força nos processos de decisão referentes às crianças. ( Bowman, M.E. e Ahrons, C.R.;1985) Outra conseqüência em potencial embora ainda não suficientemente estudada diz respeito ao fato de que na guarda compartilhada ambos os pais parecem sofrer menos de sobrecarga, a qual está freqüentemente associada à guarda uniparental. ( Leupniz,D.; 1986) Parece evidente que as crianças se beneficiarão muito mais de pais mais descansados, atenciosos do que de pais estressados e sobrecarregados. No entanto é essencial que enfatizemos que não existe panacéia para os enormes problemas que a separação do casal suscita e a guarda compartilhada não funciona para muitas famílias, principalmente nos casos de pais em conflito judicial. É uma forma de regulamentação que funciona bem para a maioria dos pais cooperativos e muitas vezes tem êxito quando o diálogo entre os pais não é bom mas que sejam capazes de isolar os filhos de seus conflitos conjugais, preservando o exercício adequado da parentalidade. FATORES QUE FAVORECEM A INSTALAÇÃO E MANUTENÇÃO DA GUARDA COMPARTILHADA E FATORES QUE AS DIFICULTAM OU IMPEDEM. Com o argumento de que a formação do caráter dos menores requer unidade de critério na direção e estabilidade, e que tais princípios são desvirtuados quando a criança “passa de mão em mão”, a guarda uniparental tem sido até agora, apontada como o único caminho possível. Entretanto esta modalidade de guarda não garante a unicidade ou harmonia no que tange à condução da criação dos filhos. A guarda pode ser uniparental e as crianças serem submetidas a estressantes desentendimentos propostos por normas conflitantes ou valores parentais mutuamente desqualificantes. Como já observado anteriormente, o diálogo, o respeito mútuo são características indispensáveis à àqueles que pretendem compartilhar qualquer tipo de guarda de seus filhos e muito especialmente àqueles que pretendem dividi-la. As idéias, valores ou normas diferentes, não apresentam valor conflitante em si. Não há, em geral, problemas de que as crianças sejam expostas a regras, valores ou rotinas diferentes pois conseguem adaptar-se a formas diferentes de ser e agir desde que isto seja colocado com muita clareza para elas e desde que não seja utilizado pelos pais com outros objetivos, como por exemplo, o de desqualificar o outro genitor. O imprescindível é que as crianças saibam o que se espera delas na casa de cada um dos pais e que estas regras sejam firmes, consistentes e claras para que os pais transmitam segurança quanto à sua posição, evitando manipulação por parte dos filhos. Os pais também não precisam temer perder o amor ou o carinho dos filhos por mostrar-se firmes em suas expectativas e exigências enquanto seu ex- companheiro mostra-se liberal e permissivo. Os filhos poderão testá-lo e dar um certo trabalho inicialmente. Poderão até ameaçar preferir estar com aquele que se mostra menos preocupado ou dedicado à disciplina. No entanto, com o tempo, se o genitor mantiver as regras e as conseqüências das infrações cometidas pelos
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filhos, desde que dentro de parâmetros razoáveis, as crianças tenderão a preferir a convivência com ele pois ao mesmo tempo estará lhes transmitindo segurança, interesse e apoio. Se há aqueles que se posicionam contra, há aqueles favoráveis a este tipo de guarda pela constatação iniludível de que aqueles regimes de comunicação mais fluida e permanente entre pais e filhos são comprovadamente benéficos para o desenvolvimento saudável físico e mental das crianças Além disso, ambos os pais serem guardiães favorece a responsabilidade civil conjunta pois evita omissão por parte do genitor que não está com a guarda no momento; qualifica a aptidão de cada um dos pais e equipara-os quanto ao tempo livre para a organização de sua vida pessoal e profissional. Compartilhar o que se refere aos gastos de manutenção do filho. A nosso ver o tratamento da questão econômica deve ser livre e o mais amplo possível pois é ele que subjaz a uma série de outros argumentos que consciente ou inconscientemente são utilizados para substituir ou “representar” os aspectos econômicos. A menção dos aspectos psicológicos, sociais ou filosóficos é bem aceita ou pelo menos tolerada. Já, a consideração ao aspecto econômico envolvido na guarda dos filhos é em geral tratado com constrangimento e precisa ser “atenuado” por uma série enorme de disfarces. Vivemos numa sociedade capitalista e qualquer atitude que não leve o fator econômico em conta é hipócrita e limitada em seu alcance e efetividade. Principalmente, em se tratando de filhos mais velhos, sejam púberes ou adolescentes, é comum passarem parte da semana, do mês ou do ano, seja em períodos de férias ou não, com o genitor que não detém a guarda legal. Assim sendo, parece-nos necessário colocar às claras o fato de que com muita facilidade, o genitor que paga pensão e ao mesmo tempo acolhe os filhos com a mesma ou semelhante rotina e responsabilidade financeira maior que a do genitor guardião, se sinta injustiçado e venha a “deslocar” sua insatisfação para outros aspectos que muitas vezes chegam a carecer de sentido ou compreensão possível. Deter a guarda em conjunto ou compartilhar todas as responsabilidades (adequando às possibilidades reais de cada um) referentes aos filhos, nos parece evitar sentimentos de sobrecarga, injustiça e revolta por parte de um dos genitores, o que muitas vezes complica relacionamentos desnecessariamente. Muitos estudos sobre guarda conjunta ou compartilhada revelaram uma certa equidade na forma como as despesas com os filhos são divididas e uma elevada taxa de concordância com relação aos acordos referentes ao sustento dos filhos. Verificou-se que esta modalidade de guarda, estimula maior cooperação entre os pais o que potencialmente pode beneficiar os filhos uma vez que tende a ocasionar um decréscimo dos conflitos ocasionados por questões financeiras, ao longo do tempo. O afastamento do pai em relação aos filhos é geralmente tomado como desinteresse daquele, uma manifestação de seu egoísmo ou falta de vinculação com a prole. Entretanto, Stuart e colaboradores (1986) tiveram resultados em suas pesquisas que contrariam easta visão dos fatos pois encontraram que os pais que não detinham a guarda sofriam muito mais de depressão e ansiedade e tinham maiores problemas de ajustamento que aqueles pais que detinham a guarda ou que eram “recasados”. Greif (1979) encontrou que os homens freqüentemente expressavam grande tristeza e depressão a respeito da “perda” de seus filhos e sentiam que afastar-se era a única maneira de 7
conseguirem lidar com esses sentimentos. Pais com dificuldade de elaborar adequadamente o distanciamento em relação aos seus filhos, podem e muito facilmente “deslocam” para o descumprimento da pensão alimentícia sua insatisfação e seu pesar por não estarem participando mais ativamente da vida de seus filhos. Diante destas evidencias, é cristalino que o interesse da criança deixa de ser atendido na medida em que o resultado é o afastamento do genitor não guardião e/ou seua falta de comparecimento com os alimentos favorecendo ademais a idéia de que ele se encontra distante porque não se interessa e não tem afeto pelos filhos. A atribuiçãpo da guarda compartilhada pode ser uma soluçao para este tipo de problemas e ainda tende a facilitar a comunicação entre todos os membros da família o que por sua vez coloca os pais menos sujeitos aos desejos de manipulação dos filhos, como também evita que os pais usem-nos como meio de pressão sobre o ex-conjuge. . Diminui os conflitos de lealdade. Estes conflitos podem ser traduzidos na necessidade da criança ou adolescente de escolher um de seus pais em detrimento do outro com desenvolvimento concomitante de sentimentos de culpa e remorsos. Os pais podem levar seus filhos a vivenciar estes conflitos mesmo que não tenham a intenção de faze-lo e com isto a criança entende que a ligação, interesse, carinho, afeto, necessidade de convivência e apoio a um dos pais significa deslealdade e traição ao outro. As conseqüências emocionais são muito sérias e a criança pode isolar-se afastando-se de ambos os pais, inclusive daquele que teme estar traindo e magoando. Steinman (1981) encontrou em suas pesquisas que as crianças submetidas a situações de coparentalidade não eram perturbadas pelos conflitos de lealdade. Além disso, a convivência estreita com ambos os genitores favorece o desenvolvimento infantil pois proporciona a convivência com ambos os papéis, masculino e feminino, paterno e materno, perfeitamente diferenciados, o que facilita a formação de identificações assim como proporciona facilidades no que tange ao processo de socialização. Diminui a angústia produzida pelo sentimento de perda do genitor que não tem a guarda. Ahrons, C.R. (1981), realizou uma pesquisa da qual depreendeu que quanto maior era o envolvimento dos pais, menos drástico parecia ser o sentimento de perda experimentado pelos filhos, na fase pós divórcio. Ambos os pais participam mais direta e igualitariamente das proibições advindas do estabelecimento de normas e das gratificações proporcionadas mais intensamente nos momentos de lazer, (nos outros tipos de guarda facilmente se dividem os genitores entre bons e maus em função disto) e ainda pode ajudar a diminuir eventuais sentimentos de tristeza, solidão e rejeição por parte dos dos filhos, uma vez que possibilita o acesso sem dificuldades, a ambos os pais.
CONCLUSÕES
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A nosso ver a guarda compartilhada absolutamente não se aplica a todos os casos. Confiar a guarda de crianças pequenas a seus pais conjuntamente, especialmente quando a responsabilidade e o controle compartilhados incluem alternar a guarda física, é insuportável quando os pais são seriamente antagônicos e vivem se desentendendo. Essas situações são extremamente disruptivas e dificilmente suportáveis pelo frágil psiquismo infantil. Além do que dificilmente se conseguiria proteger as crianças dos maus sentimentos, do ódio e do desrespeito eivado de mútuas acusações e retaliações. Segundo Teyber, E (1995) : “Os planos de cuidado parental compartilhado podem ser lesivos aos filhos de pais em conflito. De acordo com as pesquisas, os filhos que passaram mais dias por mês com um genitor amargo e hostil têm probabilidade significativamente maior de serem descritos pelos pais como deprimidos, retraídos e não comunicativos: também são mais propensos a ter sintomas somáticos como dor de cabeça, de estômago, distúrbios de sono e agressividade. Nessas famílias, não devem ser feitos arranjos de cuidado parental compartilhado, em vez disso, deve ser dada a guarda legal exclusiva e a guarda física ao genitor que fizer menos objeções ao acesso do filho ao outro genitor”. Quando a criança é muito ansiosa ou insegura talvez não tenha estrutura interna para ser submetida a rotinas diferentes ou a regras e normas até certo ponto conflitantes. Provavelmente este tipo de criança necessite de uma rotina mais estável e sempre igual, para fazer frente à turbulência interior mais exacerbada. Quando a criança é muito pequena e porisso mesmo necessita da convivência estreita e contínua com a mãe ( salvo exceções) para a formação sadia das bases de sua personalidade, entendemos que a guarda compartilhada não é a melhor modalidade a ser empregada. A guarda compartilhada não é um paradigma para abordar a problemática da guarda de filhos depois do divórcio ou separação. Sua adoção dependerá do tipo de relação que mantenham os ex-conjuges, idade das crianças, sua relação pregressa com cada um dos genitores, etc., e ainda pressupostos materiais, tal como o de que os pais não vivam em lugares distantes um do outro. Tal como Coller (1988) acreditamos que “ As questões essenciais não são mais aquelas de se tais modalidades de guarda podem funcionar mas como e sob quais circunstâncias elas de fato funcionam; como os tribunais, os clínicos e os pais podem faze-las funcionar melhor e quais devem ser os critérios para a sua aplicação e suspensão”. Esta modalidade de guarda funciona bem quando os pais colocam os interesses das crianças acima dos seus próprios e conseguem proteger o exercício da parentalidade do restante das dificuldades e desentendimentos que possam estar vivenciando. Insistimos em que a guarda compartilhada deve ser tomada antes de tudo como um conceito, uma postura diante dos filhos de pais separados, reconhecendo sua necessidade de um relacionamento ininterrupto com ambos os pais que se encontram numa posição central e igualitária para o desenvolvimento da saúde física e psicológica de seus filhos. Entretanto deve-se ter em conta sempre a avaliação objetiva deste tipo de guarda em relação à gama de condições e circunstâncias que cada caso apresenta, evitando-se a admissão préconcebida de sua falta de operacionalidade. Descartar a priori algum tipo de guarda, pode dificultar a concretização do atendimento aos interesses da criança, como também pode dificultar ou entorpecer dinâmicas familiares levando muitas vezes a intervenções judiciais que de outra forma seriam desnecessárias. A importância do papel dos operadores do Direito na busca do atendimento aos melhores interesses da criança é indiscutível. Assim sendo deverríam
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a partir da Lei e das sentenças judiciais, promover a importância da relação paterno-filial com ambos os genitores e entusiasmá-los a que compartilhem direitos e responsabilidades na educação de seus filhos. E importante que mantenhamos em mente que o instigamento dos cônjuges através do filhos, questionando reciprocamente as diretrizes educacionais e desqualificando-se mutuamente é conseqüência da dinâmica do casal e não do regime estabelecido, portanto cabe a estes operadores procurar intervir nesta dinâmica incitando-os a valorizar-se e apoiar-se mutuamente. O casal deve ser informado sobre as vantagens e desvantagens, prazeres e dificuldades trazidos pelo exercício da guarda. Tal papel deveria ser preferencialmente desempenhado pelo advogado não só pela ascendência que possui sobre as partes e pela oportunidade de estar com eles e de fazer-se ouvir. Uma clara compreensão do significado e da transcendência do que se decide em termos de guarda, tanto por parte da família como dos juizes, advogados, assistentes sociais, psicólogos, etc., redundará em benefício das crianças envolvidas, da família e da sociedade como um todo. Seria portanto desejável que a Lei incluísse esta forma de guarda, permitindo aos juizes aplica-la quando e onde julgarem benéfico, desfazendo desta forma as duas correntes extremas: a que a considera a panacéia nas questões de guarda, ou a oposta, que nem sequer a admite. Vale lembrar entretanto que a nosso ver aplicar esta modalidade de guarda, em especial, através de sentença e não como fruto de um acordo exaustivamente “trabalhado” e elaborado pelas partes, pode se revelar em contra indicação para que o melhor interesse da crianças seja atendido uma vez que os tribunais não serão capazes de construir o que de fato não existe, ou seja deve haver uma disposição básica, natural, por parte dos pais para que tal modalidade de guarda venha de fato a funcionar satisfatoriamente. Em se tratando de guarda compartilhada ou não, a decisão sobre a guarda de cada criança deve ser usada como uma chance para proteger futuras gerações de se tornarem adultos incapazes do exercício adequado da paternidade. Para tanto, consideramos que os tribunais devam promover sempre aqueles regimes de comunicação mais fluida e permanente entre pais e filhos, salvo situações concretas que aconselhem em contrário. Somente com o cumprimento desse princípio haverá uma oportunidade real de se começar a quebrar o ciclo de males e sofrimentos que são transmitidos de geração a geração por adultos que foram crianças às quais foi negada a alternativa menos prejudicial. BIBLIOGRAFIA AHRONS, C.R. - “The continuing coparental relationship between divorced spouses”- In: American Journal of Orthopsychiatry, 51: 415-428, 1981. BOWMANM.E.; AHRONS, C.R. - Impact of Legal Custody Status nos Father’s Parentig Postdivorce – In: Journal os Marriage and the Family 47: 481-488,1985
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