Desmaneiras do trabalho em cartel

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Desmaneiras do trabalho em cartel Ana Paula Gianesi*

Um cartel acontece no tempo e no espaço. Instantes, cronologias, lógicas temporais, nós, desenodamentos, e outras figuras topológicas: toros neuróticos e até cross cap (por que não pensarmos momentos fantasmáticos?). Mas, como? Como isso acontece? Será que poderíamos pensar a função de mais um e o funcionamento de um cartel por uma referência que Lacan nos deixou sobre o autorizar-se de si mesmo? Qual seja: O sentarse como analista ocorre pela “desmaneira que nele impõe à verdade”. Mais, ainda: “somente um saber dá a dita desmaneira” (Lacan, 1970/ 2003, p.426). O saber sobre a verdade, não-toda, saber furado, oco e insabido, fornece-nos, por suporte, uma desmaneira. E isto me pareceu muito interessante – A Desmaneira – mais um termo subversivo e disruptivo em relação aos passos didáticos de uma análise. Autorizar-se de si mesmo por uma desmaneira. Ocupar a função de mais um, apostar em um cartel por uma desmaneira? Definitivamente na há maneira, não há manual, não há Outro que estabeleça os bons modos, ou as boas maneiras. Com sua desmaneira, Lacan já estava às voltas com o saber fazer com – saber fazer com a verdade não-toda! Daí incluir a pergunta: como nos viramos em cartel? Como nos viramos com o oco do saber? Como nos viramos com o real em jogo? Interessante pensarmos que a desmaneira de modo algum exclui princípios e orientação. Afinal, cada cartel é uma aposta de Escola. Assim, posso dizer que há princípios norteadores em torno dos cartéis, mas não há mandamentos. A desmaneira implica a responsabilidade. Há que se inventar a cada vez este saber que estará também a cada vez no forno. Eis o “saber fazer com” próprio ao trabalho em cartel. Pelo menos penso que sim. Lanço, então, minhas apostas, aqui movidas por um desejo presente: que cada cartel invente suas desmaneiras, possa trabalhar fora dos sentidos feitos às pressas ou dos triunfos religiosos. Que os “mais uns” não se aportem nos refúgios do poder e que o horror de saber tenha lugar para turbilhonar, turbilhonar, turbilhonar desde os furos. *

Membro da IF-­‐EPFCL – Fórum SP


Referência Bibliográfica LACAN, J. (1970) Radiofonia. In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.


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