Éramos seis Luciana Guarreschi*
Achei que o espaço era propício para dividir uma experiência e, quem sabe, nos servirmos dela. Há tempos tento fazer um cartel em minha cidade, sem, no entanto, obter sucesso. Sempre me perguntava se minhas investidas que eram insuficientes e/ou se os cartéis só são possíveis a partir daqueles que já teriam um bom percurso lacaniano. Pensava no momento histórico da criação do Cartel, nos interlocutores de Lacan, na virada política que ele promoveu, mas também na solução prática, já que era preciso dar continuidade a um agrupamento, mas não o mesmo da IPA. 48 anos depois, isso ainda é possível? Seus interlocutores eram... Bom, sabemos quem eram. Pode-se argumentar: mas não é de saber que se trata, pouco importa se eram sabichões, letrados e doutores. Será? Bom, não estamos em Paris, nem mesmo em São Paulo, mas em um lugar onde se acredita que o único meio de tornar-se psicanalista é passando pelas burocráticas formações oferecidas pelas instituições tradicionais e onde, sabe deus o que é Lacan! Então, no fim de 2012 tomei como tarefa, mais uma vez, talvez a quarta tentativa, montar um cartel. Mudei um pouco de estratégia. Se antes procurava montar um cartel para mim, desta vez anunciei o cartel como possibilidade de entrar em contato com Lacan. Tenho que admitir, fui um pouco marqueteira. Usando toda minha lista de contatos envolvidos com psicanálise, pouco mais de 180 pessoas, enviei, em 02/10, um e-mail com uma pequena explicação sobre o que era o cartel, e um texto, apresentado no Café Cartel de 2011, anexado. Recebi 3 ou 4 vagas respostas, tipo: tem que pagar? Quantas vezes por semana? Insisti, colei cartazes nas faculdades, telefonei, ninguém mais apareceu. Apelei! Mandei um segundo e-mail em 19/10, cujo título era “Reunião de apresentação sobre cartéis” e o conteúdo: “Convido a todos para uma pequena apresentação sobre Cartel. Alguns já mandaram temas. Outros têm mais dúvidas que respostas. Alguns pensam se conseguirão. Outros já acreditam que não. E você? Não quer nem saber como é? Aquele que tem ganas de estudar já tem lugar garantido e você que não sabe como começar também! O estudo da psicanálise não é sem envolvimento e trabalho. O cartel é um dispositivo feito para isso. Venha saber de seu funcionamento!” Incríveis 16 pessoas responderam afirmativamente para a apresentação. Destas, 8 apareceram na reunião. Todas com alguma entrada em Lacan. Alguma. Fiz a apresentação com um colega psicanalista, contanto um pouco sobre a história do cartel, que se mistura com a de Lacan, seu funcionamento etc. As pessoas se apresentaram e falaram um pouco de seus percursos ou da falta destes, bem como os temas que tinham interesse. E aí surgiu a primeira dificuldade, eram *
Membro do Fórum SP
diversos demais. Como “agrupá-los”? Combinou-se então que eu enviaria uma pequena bibliografia sobre cartéis via e-mail, a qual eles poderiam acrescentar o que achassem em suas pesquisas pessoais, um deles o fez. E que nos encontraríamos dentro de um mês para discutirmos os textos. Neste meio tempo, outras pessoas procuraram por informações, respondi repassando a bibliografia e a data da próxima reunião. Em 24/11, tivemos 16 pessoas e, agrupando temas dentro do possível, saíram dali 3 cartéis. Um findou-se antes da escolha do mais-um, os outros 2 estão em funcionamento. Falarei daquele que faço parte. Em torno de questões sobre cultura, pulsão de morte, mal-estar, ética, sublimação e gozo começamos a trabalhar. Porém, ainda neste “pré-cartel”, 2 integrantes se retiraram via e-mail. E, em um encontro decisivo, seguimos ou não, alguém diz: E então? Éramos seis? Digo: e não é um bom nome “prum” cartel? E assim foi. A partir de um nome que já aponta algo descompletado, faltante, escolhemos uma leitura a seguir, o mais-um, datas, prazos e afins. E assim tem sido, como na antiga Feira do Rolo no centro da cidade, cada um comparece com o que tem: uma faca sem cabo, um balde furado, uma cadeira sem pé, um rádio que não toca e vai trocando por uma xícara sem asa, um chuveiro que não esquenta, um pente para careca... Sim, me parece possível. Ano que vem trago mais notícias!