Não é isso, pois algo acon-tece Cibele Barbará*
Algumas vezes ouvi colegas dizerem que ler um texto sobre psicanálise fora de um dispositivo de cartel é como se nunca o tivessem lido. Este comentário é curioso e devo dizer que em parte concordo. Não é que não seja possível a construção de um saber ou apreender um texto de outra forma. Não é isso. É que de fato parece que em um cartel algo acontece. Frequentemente temos que nos haver com as impossibilidades, disponibilidades das agendas e em geral, quando achamos que agora vai, que aquele horário fica... Algo sempre acontece e temos que entre tantos compromissos apostar mais uma vez. De partida declaramos nossas questões de pesquisa. Fio condutor, que ramifica, desdobra, muda sem se fechar. Podemos até segurar obsessivamente o fio da questão, mas em geral a questão anda, passa. Sim, claro. Algo fica. Mas daquilo que tentou concluir descobre-se certamente que não era bem isso! Organizamos, combinamos o modo de trabalho. Dividimos capítulos, apresentações, responsabilidades e na hora H é de outro modo que acontece. Porque não é isso. Sozinhos, preparamos a leitura: Pesquisamos, esquematizamos, ligamos, desligamos. “Eurecamos”, diga-se de passagem, com muito suor e dificuldade. Para que ali no cartel descubramos que: não é isso é um pouco disso, mas também é aquilo. Passamos longos meses debruçados nos seminários, acompanhando as inúmeras retomadas, recolocações e separações de termos, conceitos, traduções, sentidos, para que logo na sequencia o próprio Lacan fale: tudo isso, para dizer que não é isso, ou que não existe e/ou simplesmente que ex-siste. Assim, penso que em um dispositivo de cartel no afã de encontros, nos deparamos com desencontros e nisso uma experiência. Não quero dizer que em um dispositivo de cartel um saber não se construa. Não é isso! É que algo acontece, tece, um fazer se apreende. Como diz Gilberto Gil† (2013), ora como linho, ora como linha, ora como agulha, ora como nó, como um vazio, com ponto e final. Uma trama... que “destrama”. * †
Participante de Formações Clínicas do FCL-‐SP Inspirado na música de Gilberto Gil -‐ A linha e o linho
Isso me faz lembrar a preciosa frase de Lacan (1972, p.59) do seminário 19: “Eu te peço, para recusar-me, o que te ofereço - porquê: não é isso”. Referências bibliográficas GIL. G. Disponível em: < http://www.gilbertogil.com.br/sec_musica.php>. Acesso em: 01 de maio de 2013. LACAN, J. (1971-1972) Seminário 19 ...ou pior. Salvador: Espaço Moebius Psicanálise, publicação interna da Associação Freudiana Internacional.