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Postais para outra história da arte

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Noxaí

Noxaí

A série Postais para outra história da arte surgiu a partir da observação de obras, dentro do campo das artes visuais, que abordavam relações amorosas entre mulheres. O descobrimento dessas imagens, assim como o aprofundamento das reflexões, ocorreu principalmente ao longo dos estudos para o mestrado em Artes Visuais — ênfase em História, Teoria e Crítica de Arte, no qual pesquisei artistas lésbicas e representações de mulheres que se relacionam com mulheres.

Assim como acontece com praticamente toda a narrativa histórica que conhecemos, a História da Arte foi construída a partir da perspectiva masculina. As pesquisadoras Griselda Pollock e Rozsika Parker argumentam que as mulheres não apenas devem ser reconhecidas como artistas, como também “os signos e significados da arte na nossa cultura precisam ser rompidos e transformados, pois a iconografia tradicional trabalha contra as tentativas das mulheres de se autorrepresentarem” (POLLOCK; PARKER, 2013, p. 119).

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Assim como na História da Arte, pesquisadoras/es de outras áreas do conhecimento, como História e Antropologia, têm refletido sobre como as representações e narrativas foram, historicamente, centralizadas em quem tinha o poder — normalmente o ser que concentra em si o maior número das seguintes atribuições: homem, branco/europeu, rico e heterossexual. Entretanto, atualmente, a propagação da fotografia e de outras mídias têm ampliado a possibilidade de grupos historicamente marginalizados mostrarem-se a partir de suas próprias perspectivas. Segundo Almeida:

Isso impacta de forma irreversível na antropologia, seja em seu campo prático quanto teórico. Uma das primeiras implicações desse processo é que os “nativos” conquistaram definitivamente o status de sujeitos e reais interlocutores, não fazendo mais sentido falar deles, senão com eles, pois independentemente da figura do antropólogo eles estão produzindo seus próprios filmes, músicas, livros, com o intuito de oferecer uma medida mais justa de si e a partir disso atingir os objetivos mais diversos (ALMEIDA, 2012, p. 387).

e para que sejam apresentadas, desta vez, por quem vivencia a lesbianidade. Inclusive, é importante destacar o quanto esse grupo específico de mulheres é apagado e obscurecido nas narrativas hegemônicas.

Segundo Adrienne Rich, escritora lésbica e feminista, existe um medo muito grande da mera existência do amor entre mulheres, pois essas relações podem ser realmente muito ameaçadoras à lógica patriarcal e à supremacia masculina: “Junto com a perseguição, conhecemos também a negação e um silêncio total e sufocante: a tentativa de nos erradicar da história e da cultura de uma só vez” (RICH, 2019, p. 114). Portanto, a mulher lésbica é, no mínimo, duplamente invisível — podendo ser ainda mais marginalizada por questões de raça e classe, por exemplo.

A partir dessas reflexões sobre a invisibilidade da mulher artista e da dupla invisibilidade das mulheres/relações lésbicas, decidi trazer a discussão, inicialmente teórica, para o âmbito das poéticas visuais. Para desenvolver as colagens digitais, comecei a coletar fotografias de casais de mulheres e juntá-las com obras que havia encontrado ao estudar história da arte. As imagens que servem como base para os “postais” são pinturas, feitas por homens, que mostram relacionamentos de mulheres. As fotografias que estão sobre as pinturas são, em sua maioria, de casais reais — apesar de não possuir muitos dados e, tampouco, informações sobre a autoria. Para produzir o trabalho, realizo a apropriação dessas imagens e as sobreponho — como já citado, como um gesto de ressignificação.

Com os Postais para outra história da arte, por fim, busco criar tensões em relação a uma narrativa que foi construída majoritariamente por visões masculinas e que subjugou as mulheres e suas relações entre si. Sobre essa memória velada das mulheres lésbicas, “temos que encontrá-la e significá-la no tempo, registrá-la e fazê-la sair do lugar de nada” (PISANO, 2004, p. 74). Em concordância com o que propôs Margarita Pisano, procuro fazer o movimento de resgatar essas relações — que, apesar de ocultadas, sempre existiram. Ainda, tenho a intenção de gerar debates e reflexões acerca da imagem da mulher lésbica e, também, sobre os lugares que essas mulheres ocupam (ou deixam de ocupar) na nossa sociedade.

Referências

GONÇALVES, Marco Antonio; HEAD, Scott (Org.). Devires imagéticos: a etnografia, o outro e suas imagens. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009. 308 p. Resenha de: ALMEIDA, Francieli Lisboa de. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 18, n. 37, p. 387–390, jan./jun. 2012.

PISANO, Margarita. El Triunfo de La Masculinidad. Fem-e-libros/creatividad feminista, 2004.

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