ARISTIDES ALVES
fotografia | photographs
Num rastro de relâmpago In the wake of lightning
No abismo da linguagem: a narrativa autobiográfica
Escavar a memória é sempre um ato do presente e um meio de reinventar o passado. Walter Benjamin
Desde sua origem, a fotografia foi considerada “um lugar de memória”. Essa expressão, cunhada nos anos 1980 pelo historiador francês Pierre Nora, serviu de imediato a cientistas sociais das mais variadas latitudes geográficas. A questão é oportuna uma vez que é possível repensá-la diante de obras fotográficas atuais, como a de Aristides Alves, que, ao escavar o passado, traz à superfície inúmeras camadas que conformam um possível amálgama de sua história de vida. Esquadrinhar, especular, vasculhar, rememorar, dão lugar a arranjos visuais disjuntivos e ecléticos que se tornam fundamento do trabalho sob o ponto de vista da linguagem. É por aí que começa o processo criativo de Aristides Alves. Suas narrativas visuais, abertas a longas latências e repentinas revitalizações, são integradas por imagens armazenadas em seu arquivo fotográfico. Fotos feitas com filme tri-X, com celular, negativos 6x6, cromos em processo de esmaecimento, além de retratos de família, radiografias e obras emblemáticas da história da arte (Homem Vitruviano, Leonardo da Vinci/1490), compõem um painel multifacetado – integrado por dípticos, trípticos e polípticos – que operam uma reelaboração semântica fora de qualquer normatização. Concebidos
deste modo, flutuam de maneira errática, movendo-se dentro e fora de contextos unitários, erradicados de sua origem e de sua procedência. Não por acaso suas imagens se oferecem como um campo de especulação de sentidos. O corpo, ponto de contato com nossa subjetividade, funciona como uma espécie de escuta para a vida e a finitude. Sua presença também pode ser vista através das radiografias que guardam em sua superfície dura a lembrança de uma pele. Nesses deslocamentos, somos convocados à consciência desta representação de nós mesmos. Por outro lado, a procura de elementos da realidade na materialidade da obra condiz com a culminação de um trabalho revestido de um caráter biográfico e retrospectivo. Retratos da família e do próprio artista em diferentes épocas mesclam-se tanto às paisagens rasuradas pelo tempo quanto às marcas de impressão do corpo como vestígio da presença humana. O jogo livre da imaginação tem um timbre metaforicamente afetivo. Obra-abismo carregada de oposições (ordem e desordem, improviso e rigor, sombra e luz) da qual emerge uma fatura fotográfica atravessada por uma recorrência atemporal num processo para sempre inacabado. Angela Magalhães e Nadja Peregrino Curadoras e Pesquisadoras Associadas
Plumbing the depth of expression: an autobiographical narrative
Excavating memory is always a present-day endeavor aiming to reinvent the past. Walter Benjamin
Since its origin, photography has been considered “a place of memory;” a phrase coined in the 1980s by the French historian Pierre Nora, that immediately served social scientists from the most varied geographical latitudes. This perspective is opportune as it offers a framework to reexamine a body of current photographic works, such as those of Aristides Alves, that, when excavating the past, brings to the surface innumerable layers making up a conjectural amalgamation of his life history. Delving, probing, searching and remembering yield disjunctive and eclectic visual arrangements that become the foundation of the work from the standpoint of form. Aristides Alves’s creative process starts right there. Open to broad latencies and sudden revitalizations, his visual narratives are composed of images stored in his photographic archive. Photos made with Tri-X film, cell phone shots, 6x6 negatives, fading chromes, as well as family portraits, radiographs and emblematic works of art history (Vitruvian Man, Leonardo da Vinci, 1490), make up a multifaceted panel — integrated by diptychs, triptychs and polyptychs — operating a semantic reworking beyond the bounds of standardization. Conceived this way, the images
float erratically, moving in and out of unitary contexts, unmoored of their origin and source. It is not by chance that Alves’s images offer themselves as contemplative expanses of the senses. The human body, the point of contact with our subjectivity, works as a conduit for listening to life and finitude. Its presence can also be seen through radiographs that retain the memory of flesh on their hard surface. In these displacements, we are summoned to the awareness of this representation of ourselves. Alternately, the search for elements of reality in the materiality of the work is consistent with the culmination of a work cloaked with a biographical and retrospective character. Portraits of the family and the artist himself at different times blend both with landscapes faded by time, and with the impression of the body as a vestige of human presence. The free play of the imagination has a metaphorically affective timbre. Deep work loaded with oppositions (order and disorder, improvisation and rigor, shadow and light) from which emerges a photographic output crossed by a timeless recurrence in a process that is forever unfinished. Angela Magalhães and Nadja Peregrino Curation and Research Associates
Magalhães and Peregrino previously worked in the exhibition area of the National Photography Institute (Funarte), organizing events (National Photography Weeks, 1982-1989) and exhibitions by renowned photographers such as Sebastião Salgado: Photographs (1984), José Medeiros: 50 Years of Photography (1987); and Cuba, Images of History, by Raul Corrales (1987). Peregrino worked at the UFF Arts Center between 1990-1998, where she created and organized the Niterói Photo Festival. Subsequently, as independent curators, they received awards from Fundação Vitae (Revista Realidade 1966-1976: Paradigm of Modern Photojournalism in Brazil) and Rio Arte (Rio de Janeiro by José Medeiros). They also published the books Photography in Brazil: A Look from the Origins to the Contemporary (MINC/ Funarte, 2004) and Photo Clubs in Brazil - The Legacy of the Fluminense Photography Society (SENAC, 2012). They participated as curators of the festivals FotoRio (2016-2019), Paraty em Foco (2016-2019) and as speakers at various events such as the Fifth Latin American Photography Colloquium in Mexico City (1996) and the Festival of Knowledge (UFRJ) with the theme “Chronology of Brazilian Photography” (2020). Currently, they are curators of ICON Artes Galeria (Rio de Janeiro), where they held a series of photograph exhibitions, Fotografia Arte Plural.
Angela Magalhães e Nadja Fonseca Peregrino atuaram na área de exposições do Instituto Nacional de Fotografia (Funarte), organizando diversos eventos (Semanas Nacionais de Fotografia, 1982-1989) e mostras de renomados fotógrafos como Sebastião Salgado Fotografias (1984), José Medeiros: 50 Anos de Fotografia (1987); Cuba, imagens da história, de Raul Corrales (1987). Peregrino trabalhou no Centro de Artes da UFF entre 1990-1998, onde criou e organizou o festival Niterói Foto. Depois disto, como curadoras independentes, receberam os prêmios da Fundação Vitae (Revista Realidade, 1966-1976: paradigma de um fotojornalismo moderno no Brasil) e Rio Arte (O Rio de Janeiro de José Medeiros) tendo publicado, ainda, os livros Fotografia no Brasil: um olhar das origens ao contemporâneo (MINC/Funarte, 2004) e Fotoclubismo no Brasil – o legado da Sociedade Fluminense de Fotografia (SENAC, 2012). Participaram como curadoras dos festivais FotoRio (2016-2019), Paraty em Foco (2016-2019) e, como conferencistas, de vários eventos como o V Colóquio Latinoamericano de Fotografia, na Cidade do México (1996) e o Festival do Conhecimento (UFRJ) com o tema “Cronologia da fotografia brasileira” (2020). Atualmente, são curadoras da ICON Artes Galeria (RJ), onde realizaram a série de exposições Fotografia Arte Plural.
This book was crafted over the course of 2020, living in quarantine, under the sign of Covid-19. It presents a reflection, the conception of a narrative assembled from fragments, in times of a pandemic: life in the wake of lightning.
Born in Belo Horizonte, Aristides Alves has been living in Salvador since 1972, where he graduated in Journalism and Communication from the Federal University of Bahia. Among his accomplishments, he produced the collective exhibition Fotobahia (1978-84); served as coordinator of the Photography Center of the Cultural Foundation of the State of Bahia, and produced and edited the book Photography in Bahia (1839-2006). He was one of the founders of the first Bahian photography agency, ASA, and was a correspondent with the São Paulo photojournalism agency F4. He served on the executive committee of the Network of Cultural Producers of Photography in Brazil and the Bahian Forum of Photography. He has held numerous solo exhibits and participated in distinguished group exhibitions in Brazil and abroad. Currently his endeavors include authorial works, editorial projects, curatorship and exhibitions. He has published nineteen books dedicated to the investigation of the human and natural landscapes of Brazil. His works are found in the collections of the Museum of Modern Art, Bahia; the Museum of Modern Art, Rio de Janeiro; the Museum of Art of São Paulo, Pirelli Collection; the Afro Brazilian Museum; and the Museum of Photography of the City of Curitiba.
Este livro foi realizado no ano de 2020, vivendo a quarentena, sob o signo da covid-19. Ele apresenta uma reflexão, a construcão de uma narrativa através de fragmentos em tempo de pandemia: a vida num rastro de relâmpago.
Aristides Alves nasceu em Belo Horizonte. Desde 1972 mora em Salvador, onde se formou em Jornalismo e Comunicação pela Universidade Federal da Bahia. Realizou a exposição coletiva Fotobahia (1978/1984); foi coordenador do Núcleo de Fotografia da Fundação Cultural do Estado da Bahia, produziu e editou o livro A fotografia na Bahia (1839/2006). Foi um dos fundadores da primeira agência baiana de fotografia, a ASA, e correspondente da agência paulista de fotojornalismo F4. Participou da diretoria executiva da Rede de Produtores Culturais de Fotografia no Brasil e do Fórum Baiano de Fotografia. Realizou diversas exposições individuais e participou de importantes coletivas no Brasil e no exterior. Atualmente realiza trabalhos autorais, projetos editoriais, curadoria e montagem de exposições. Tem 19 livros publicados, dedicados à investigação da paisagem humana e natural do Brasil. Suas imagens estão nos acervos de importantes instituições culturais brasileiras: Museu de Arte Contemporânea da Bahia, Museu de Arte Contemporânea do Rio de Janeiro, Museu de Arte de São Paulo/Coleção Pirelli, Museu Afro Brasil, Museu da Fotografia Cidade de Curitiba.
Ficha catalográfica elaborada por Ana Lúcia Reis Fonseca CRB-5 \ 317
Alves, Aristides A474 Num rastro de relâmpago. Texto Angela Magalhães e Nadja Peregrino. Tradução para o inglês Mollie James Cerqueira. -- Salvador: Asa Foto, 2021. 72 p. il.
ISBN: 978-65-00-16478-7
1. Fotografia. 2. Fotografia no Brasil. I. Título. 770 779.81
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Este livro foi impresso e finalizado na gráfica Ipsis/SP; utilizou-se tipografia Eras; produzido em Salvador/BA, 2021. Tiragem 1.000 exemplares.
Projeto editorial, fotografia e produção Editorial project, photographs and production
Aristides Alves Texto/Curadoras e Pesquisadoras Associadas Text /Curation and Research Associates
Angela Magalhães e Nadja Peregrino Edição de fotografia Photo editing
Aristides Alves, Angela Magalhães e Nadja Peregrino Projeto gráfico e editoração Graphic design and layout
Aristides Alves e Zeo Antonelli Preparação e revisão de texto Copy editing and proofreading
Dalila Pinheiro Tradução English version
Mollie James Cerqueira
ARISTIDES ALVES Num rastro de relâmpago
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