ENTRE VAZIOS: O Brás como uma reserva de passados e de valor urbano

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ENTRE VAZIOS

O Brás como uma reserva de passados e de valor urbano Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo FAU Mackenzie

Prof. Dra. Orientadora Lizete Maria Rubano

CASTRO, Francine Pistoia Alves de. ENTRE VAZIOS: O Brás como uma reserva de passados e de valor urbano. São Paulo, DEZ 2015. Trabalho Final de Graduação em Arquitetura e Urbanismo Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015 1.Área industrial obsoleta 2.Reserva 3. Democratização do espaço urbano 4. Re-significar 5. Genius loci

São Paulo 2015 2

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“Percepções: se dão sob a ótica da nãodemolição. Se baseiam em jamais desfazer o que está feito (construído), mas sim em sempre adicionar. Se dão com base em não cortar/podar o que está vivo. (...)

Atitude: Significa obter resultados extraordinários (...). Significa tratar todas as situações urbanas como excepcionais, dando prioridade àquilo que não é amado (admirado), que é desastroso ou parece inacabado (...).” (LACATON, 2015).

A todos que acreditaram neste trabalho. Imagem 1.Casa das Retortas, Brás, São Paulo, 2015. Edificação construída em 1870, integrante do Complexo do Gasômetro.

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CONTEXTUALIZAÇÃO A PAISAGEM URBANA DO BRÁS Motivações

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RESERVAS DEMOCRATIZANTES DA CIDADE Potencial Intervenções _Docklands _Spina Centrale Aprendizados

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RASTROS Desajustar o sentido dado

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LEITURAS URBANAS RE-SIGNIFICADO

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HIPÓTESE PROJETUAL Escolha do território Atitude Atualização Fragmentação programática Fortalecimento das culturas urbanas À escala da metrópole Arquiteturas Vazios Implantação, praças e pisos Formas Volumes Materialidade 6

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CONSIDERAÇÕES

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CONTEXTUALIZAÇÃO Transformar a cidade é, primeiramente, transformar a maneira como olhamos para ela. Significa vê-la como uma coleção de capacidades [potencialidades] e energias para crescer [expandir-se], e não como espaço para se produzir [edificações] em massa ou para reproduzir modelos que já foram testados, e que não asseguram o prazer de se viver nestes espaços nem garantem qualidades à vida em sociedade. (LACATON, 2015, “tradução nossa”).

Na cidade de São Paulo, a desconcentração da indústria, nos anos 70, deixou marcas na paisagem de diversos bairros da metrópole contemporânea. Tais territórios, resquícios das instalações dos edifícios industriais, atualmente, expressam um processo de transformação de dinâmicas anteriores, bem como de suas características físico-morfológicas originais. Sendo este um momento de transição e latência, em que os lotes industriais aparecem como “expectantes” por modificações e revisões quanto a seu papel – e vocação – no meio urbano, cabe à pesquisa investigar, reconstituir contextos históricos e destacar fenômenos que contribuíram para a situação de latência atual, buscando destacar o potencial da antiga área industrial, e o que a mesma pode representar e abrigar, nos dias atuais, em termos de espaço público, equipamentos e sentido urbano-social, para os cidadãos e para a cidade de São Paulo. Como principais fatores que contribuíram para a transformação dos bairros industriais, a exemplo do que ocorreu no Brás, em São Paulo, destaca-se a inversão do papel da ferrovia, que, na contemporaneidade, funciona

Imagem 2. Paisagem urbana: Estação Roosevelt (Estação do Norte), edifício histórico de 1867, no Brás, São Paulo.

Imagem 3.Paisagem urbana: viaduto Rangel Pestana (olhar do pedestre ao sair da Estação Roosevelt). Brás, São Paulo.

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essencialmente como transporte urbano de passageiros. Atualmente, a linha férrea que corta o Brás é um elemento auxiliar à mobilidade, que dá suporte ao deslocamento pendular que ocorre diariamente na cidade de São Paulo. As instalações industriais que permaneceram e que ainda hoje marcam a paisagem urbana do bairro, são referenciais à identidade e ao espírito do lugar. Em contraponto à “reserva” de patrimônio industrial que o Brás se tornou, o mercado imobiliário, movido pela lógica capitalista de exploração da terra como bem material lucrativo, tem agido de modo a demolir construções históricas e resquícios da indústria para instalar condomínios fechados residenciais, produtos que negam o processo histórico e demarcam uma transformação que desarticula, ainda mais, o uso público do território urbano. Neste sentido, questiono-me: O que levou o bairro a ficar à mercê da atuação do mercado imobiliário, sem permitir que outros agentes (Estado) atuassem ali, regulando ou construindo perspectivas para as antigas áreas industriais?

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A resposta, porém, se faz simples ao encararmos a fragilidade das políticas públicas e a escassez de iniciativas estatais para administrar, investir, transformar e (re) significar as áreas obsoletas da cidade. Exemplificando essa morosidade, destaca-se o Plano Diretor Estratégico de 2004 (ver imagem *), que já considerava o Brás uma região central provida de transporte público, com eixos estruturais e polos de comércio referenciais na cidade (ver mapa 1) e destacava, ali, áreas de ZEIS 3 (Zona Especial de Interesse Social, nos centros): ZEIS 3 – L010 (MO) Inicia-se na confluência da Rua Maria Domitila com a Rua Vasco da Gama, segue pela Rua Vasco da Gama, Avenida Rangel Pestana, Rua Prof. Batista de Andrade, Rua Torquato Neto, Rua Piratininga, Rua Campos Sales, Rua Flora, Rua Paraná, Rua Piratininga, Avenida Alcântara Machado, Rua Wandenkolk, Rua Azevedo Júnior, Rua Capitão Faustino de Lima, Rua Pires Ramos, Rua Maria Domitila até o ponto inicial. (fonte: site Subprefeitura da Mooca, Plano Regional Estratégico. Quadro 04B, Livro XXV, anexo à Lei nº 13.885, de 25 de agosto de 2004).

Imagem 4. Bairro Brás, cidade de São Paulo. Fonte: Google Maps.

As ZEIS 3 se localizam prioritariamente nas áreas centrais da cidade, principalmente nas Macroáreas de Estruturação Metropolitana e de Qualificação da Urbanização Consolidada. Nas ZEIS 3 deve-se (...) recuperar áreas urbanas deterioradas e aproveitar terrenos e edificações não utilizadas ou subutilizadas para a construção de novos empreendimentos como HIS, HMP ou atividades não residenciais. (fonte: site Gestão Urbana, da Prefeitura de São Paulo, acesso em 13 de setembro, às 15h).

Imagem 5. Bairro Brás, São Paulo. Destaque ao perímetro de intervenção projetual. Fonte: Google Maps.

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Mapa 1.Eixos Estruturais. Anexo XXV do Plano Diretor Estratégico da Subprefeitura da Mooca, 2004. 14

Mapa 2. Transportes. Anexo XXV do Plano Diretor Estratégico da Subprefeitura da Mooca, 2004. 15


Mapa 3. Áreas de Intervenção Urbana. Anexo XXV do Plano Diretor Estratégico da Subprefeitura da Mooca, 2004. 16

Mapa 4. Uso do Solo. Anexo XXV do Plano Diretor Estratégico da Subprefeitura da Mooca, 2004. 17


Conforme a definição, observamos que, em 2004, o Estado já havia se conscientizado de que o território, por se localizar numa área central e apresentar lotes subutilizados, encaixava-se nas categorias P.I.U.E. (Projeto de Intervenção Urbana Estratégica) e P.U.E (Projetos Urbanísticos Específicos, dependentes de Operações Urbanas consorciadas), definidos, pelo artigo 2° da Lei Nº 13.885, de 25 de agosto de 2004 (Projeto de Lei nº 139/04, do Executivo, aprovado na forma de Substitutivo do Legislativo):

da Mooca) sobre o potencial das áreas lindeiras como AUI (Áreas de Intervenção Urbana) (ver mapa 3): Art. 49 – As Áreas de Intervenção Urbana da Subprefeitura da Mooca, criadas neste Plano Regional, são aquelas constantes do Quadro 05 e do Mapa 05 integrantes deste Livro e têm como diretrizes: I. implantar parques lineares; II. implantar áreas verdes de recreação e lazer; III. viabilizar áreas de retenção de águas pluviais para auxiliar o sistema de drenagem; IV. manter a permeabilidade do solo existente, garantindo as condições de drenagem e absorção das águas pluviais; V. ampliar as áreas permeáveis nos fundos de vale; VI. valorizar a paisagem, privilegiando espaços de uso público; VII. criar e qualificar espaço de uso público destinado ao lazer da população residente nas imediações dos parques lineares e ZEPAM’s; VIII. implantar ciclovia; IX. transformar a calçada em caminho verde para pedestres, com complementação da arborização; X. promover espaços de uso público, viabilizando integração com calçadas e praças para as áreas das estações de metrô; XI. criar e qualificar os espaços públicos no entorno das estações do metrô; XII. revitalizar e manter as praças públicas; XIII. manter com tratamento adequado as calçadas, avaliando, inclusive, a arborização existente, visando ao conforto térmico e à atenuação dos ruídos; XIV. implantar habitações adequadas para abrigar os moradores da favela e cortiços; XV. implantar habitações de interesse social e seus equipamentos de uso coletivo, permitindo a recuperação das áreas atuais ocupadas por favelas e cortiços. (fonte: site Prefeitura de São Paulo, Subprefeitura da Mooca, acesso dia 12 de setembro, às 21h, “grifo nosso”).

XXXV. Projeto de Intervenção Urbana Estratégica é aquele que incide num território cuja localização urbana o predispõe a receber projetos urbanísticos e à implantação de equipamentos capazes de dinamizar e qualificar toda a região circunstante; XXXVI. Projetos Urbanísticos Específicos - PUE são aqueles aprovados pelo Executivo como necessários à concretização das finalidades das Áreas de Intervenção Urbana - AIUs, das Operações Urbanas Consorciadas, das reurbanizações de territórios e de projetos de intervenção urbana estratégica; (fonte: site Prefeitura de São Paulo, Subprefeitura da Mooca, acesso dia 12 de setembro, às 20h).

O bairro do Brás também foi entendido, desde 2004, a partir da categoria A.I.U. (Áreas de Intervenção Urbana) e foi, novamente, reconhecido como potencial para receber planos urbanísticos e equipamentos que o qualifiquem diante das necessidades contemporâneas da cidade e seus habitantes, bem como expressa o Artigo 49 da Seção VI (das Áreas de Intervenção Urbana do ANEXO XXV - Livro XXV Plano Regional Estratégico da Subprefeitura

Considerando que a construção dos condomínios 18

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fechados é um fenômeno recorrente e intensificado nos anos 1996 em diante, encontra-se, no Plano Regional Estratégico da Subprefeitura da Mooca, fragilidades quanto à (re)urbanização do bairro e, ao mesmo tempo, demora na colocação das ações – previstas em 2004 - em prática no território. À medida que o Estado prolongava o prazo de aprovação e início dos projetos – inclusive as Operações Consorciadas, de parceria público-privada – fazia com que os lotes obsoletos ficassem vulneráveis à especulação imobiliária, uma vez que o mercado, os moradores e a sociedade não contavam com a administração pública no local, e a subutilização das terras tornava-se realidade. Outra fragilidade, quanto às previsões de 2004 para o bairro, dá-se pelo fato de o Plano não considerar peculiaridades e potencialidades locais de cada uma das regiões - Mooca, Pari, Brás -, formulando possibilidades genéricas a diferentes partes da cidade, o que contribuiu para a demora da aplicação das medidas nos bairros, uma vez que, para projetos urbanísticos impactantes à escala metropolitana faz-se necessário estudar e entender a fundo os territórios, aumentando o tempo de elaboração de projetos. Os projetos que aparecem listados nos artigos do PDE 2004 (praças, parques lineares, ciclovias, habitação social) não se concretizaram. As possibilidades postas naquele momento expressam medidas complexas para se instalar no solo urbano existente, às quais seria necessária gestão e administração públicas intensas, para serem efetivamente colocadas em prática. Das estratégias citadas no Artigo 49, de 2004, as únicas que se concretizaram no bairro Brás foram: “XII. revitalizar e manter as praças públicas; XIII. manter com tratamento adequado as

Imagem 7. Canteiro central na Rua do Gasômetro, arborizado, reforma concluída em 2015.

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calçadas, avaliando, inclusive, a arborização existente, visando ao conforto térmico e à atenuação dos ruídos;” – ações realizadas e finalizadas somente no canteiro central da Rua do Gasômetro, no primeiro semestre de 2015 (ver imagem 4). Quanto às demais estratégias apresentadas pelo Artigo 49, as de maior relevância à temática deste trabalho de pesquisa – não realizadas - são: “VI. valorizar a paisagem, privilegiando espaços de uso público; VII. criar e qualificar espaço de uso público destinado ao lazer da população residente (...); VIII. implantar ciclovia; IX. transformar a calçada em caminho verde para pedestres, com complementação da arborização; X. promover espaços de uso público, viabilizando integração com calçadas e praças para as áreas das estações de metrô“. O destaque às ações anunciadas se dá por conta da busca por (re)significar o Brás como lugar de apropriação coletiva intensa, revelando as parcelas de terras industriais e vazias como áreas democratizantes ao espaço da cidade de São Paulo. Para tanto, vale dizer que, neste trabalho, refletirse-á sobre projetos e intervenções urbanas na escala do pedestre, destacando a fundamental importância de uma matriz pública e da qualificação e reinvenção dos percursos. Visto que o Plano Regional Estratégico de 2004 não foi efetivo quanto à transformação e qualificação das áreas industriais obsoletas no Brás, passamos à interpretação do Novo Plano Diretor, aprovado em 2014, buscando compreender perspectivas de futuro à região. Abaixo, o mapa n°* identifica as principais estratégias do Plano: eleição de “Eixos de Estruturação da Transformação Urbana” (ver imagem *), vias próximas 21


Mapa 5. (recorte) Eixos de Transformação Urbana. Novo Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo, 2013.

ao transporte público, que devem ser adensadas – com edifícios habitacionais -, para criar bairros mais dinâmicos, usos mistos, com permanência e interação entre os habitantes e a rua. A “Fachada Ativa” é outra premissa do Novo Plano Diretor, um “incentivo urbanístico para edifícios com comércio, serviços e equipamentos no térreo, com acesso aberto à população” (fonte: site Gestão Urbana, Plano Diretor Estratégico da Cidade de São Paulo). Deste modo, “ativar a fachada” seria uma orientação à implantação de novos edifícios com acesso voltado e facilitado ao passeio público, à rua e à escala do pedestre, configurando uma situação em que os serviços e comércio nos térreos tornam-se os olhos da cidade na cota do térreo urbano, uma vez que observam, interagem e se relacionam diretamente com os pedestres, com os acontecimentos e com a vida nas ruas da cidade.

Imagem 8. Ilustração da relação da rua, do passeio público, e dos térreos com serviços. Fonte: site Gestão Urbana, Novo Plano Diretor Estratégico da cidade de São Paulo, 2013.

Os Eixos são áreas demarcadas ao longo dos sistemas de transporte coletivo de alta e média capacidade – como metrô, trem e corredores de ônibus – onde se pretende potencializar o aproveitamento do solo urbano, articulando o adensamento habitacional e de atividades urbanas à mobilidade e qualificação dos espaços públicos. São áreas estratégicas para a organização da cidade, que promoverão a mudança de padrões construtivos e de estruturação urbana, com o objetivo de ampliar o direito da população à cidade e reequilibrar a distribuição entre moradia e emprego, além de reduzir a necessidade de longos deslocamentos diários. (disponível em Portal da Prefeitura da Cidade de São Paulo, website Gestão Urbana http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/ eixos-de-estruturacao-da-transformacao-urbana-2/, acessado em 15 de setembro de 2015, às 22h) 22

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No entanto, novamente, parte das premissas do Novo Plano Diretor Estratégico de São Paulo (2014) resulta da interpretação do território da cidade de maneira generalizada, fato que fragiliza e abre brechas para se construir sem vínculos com paisagens originais e préexistências. Ao que diz respeito ao Brás, portanto, sem perspectiva de resgate à memória e atmosfera singular do bairro, ou reaproveitamento de infraestruturas fabris existentes. Essa condição do PDE mais generalista poderia, entretanto, ser superada pela Lei de Uso e Ocupação do Solo ou pelas Operações específicas que, se bem encaminhadas, podem reger territórios de grande interesse à qualificação pública.

a preocupação de se manter pré-existências em ex áreas industriais. Nesta instância, retomando o discurso de Lacaton (2015) e da pesquisadora Letizia Vitale(2013), poderemos ter, no futuro, o território do Brás descaracterizado, uma população que não zela nem se vincula à sua proteção e conservação, resultando na reprodução do espaço urbano como “cidade genérica”, cidade contemporânea sem identidade ou conexão com os tempos históricos, identificada por Rem Koolhaas ainda na década de 1990. Vale dizer que essa perspectiva seria contrária aos desejos deste trabalho, uma vez que este busca o resgate do Brás essencialmente relacionado à densidade histórica e às marcas físicas preexistentes no território, além de como essa dimensão material do lugar abriga as apropriações feitas pelas pessoas. Entende-se que resgatar e atribuir sentido às terras industriais no âmbito urbano requer reconhecimento das peculiaridades e singularidades que realmente qualificam o lugar. Às terras, interpretadas como bens não monetizáveis neste trabalho, busca-se atribuir carga e conteúdo histórico que justifiquem sua permanência e reconversão como elementos que agregam valor-urbano e qualificam o espaço e a vida na cidade.

Espaço do Reconhecimento No que diz respeito ao Brás, deve-se destacar o valor e a importância do resgate da memória e da atmosfera singular do bairro, ou, ainda, do reaproveitamento de infraestruturas fabris existentes. No Novo PDE, considerase os eixos estruturadores – como, por exemplo, Rua do Gasômetro e Avenida Rangel Pestana - como potenciais a serem adensados, o que deveria desencadear uma regulação qualitativa (para além da quantitativa) dos novos projetos para a área. Pudemos constatar, nesta pesquisa, que de nada adianta o adensamento sem que os habitantes, a população e a sociedade em geral possuam consciência coletiva da importância e da memória do lugar. A definição e permissão do adensamento pelo Plano pode fazer com que o mercado imobiliário continue atuando e, possivelmente, degradando a paisagem histórica, já que o Plano Diretor não impõe limitações nem coloca claramente o que seria

Dimensão Pùblica Apesar do elevado número de trabalhadores que utilizam a ferrovia e o metrô para chegar ao Brás, a minoria deles permanece na área após o horário comercial. Tal fato se deve à escassez de habitação e de atividades culturais na área, segundo levantamento no site da Prefeitura da Mooca (ver tabela 1). 24

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No Brás, bairro que abriga centralidades comerciais importantes e referenciais para a economia da cidade de São Paulo, como o Mercado Municipal, a zona cerealista, os setores madeireiro, de ferragens e maquinários, não há áreas de permanências públicas nem equipamentos que instiguem a circulação e atraiam a população para a área em horários e dias variados. Deste modo, nota-se que o potencial do bairro provido de transportes públicos, localizado na área central - não é explorado. Como consequência, tem-se a sensação

de estranhamento ao percorrermos as ruas do lugar, dada a falta do sentimento de pertencimento (JACOBS, 1961) ao bairro histórico, justificada pela falta da convivência no âmbito público – resultante da escassez de espaços devidos, de efervescência social e cultural, praticamente inexistentes no bairro atualmente – e pela escassez da permanência das pessoas nas ruas, em horários alternativos. Aqui também conta a falta de eventos coletivos, estímulos ao fortalecimento da identidade e vínculos para com o território histórico, percebendo-se, ainda, a pouca (quase nula) manutenção dos edifícios e estruturas antigas, acarretando na diminuição do zelo e cuidado das infraestruturas e pré-existências por parte de toda a sociedade e do próprio Estado.

Tabela 1. Inexistência de Espaços Culturais no Brás. Fonte: site Infocidade, Prefeitura da Cidade de São Paulo, 2014.

Imagem 9. Relação Brás e marcos do centro de São Paulo. 26

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A PAISAGEM URBANA DO BRÁS Passadas as apresentações dos fenômenos que instigam a constituição deste trabalho de pesquisa, vale investigar e destacar alguns aspectos peculiares da gênese da industrialização em São Paulo, e, assim, compreender como diferentes períodos históricos influenciaram a formação da paisagem urbana, da cidade e do Brás: O incontestável papel do Estado de São Paulo como fulcro econômico na metade do século XIX está registrado nos percentuais da região em relação à produção nacional: em 1870 a produção paulista de café era de 16% da produção total brasileira; em 1875 era de 25%; e em 1885 de 40% (CANO, 1977, in VITALE, 2013, p.78).

Analisando o trecho em destaque, em concordância com os autores Cano, Diniz, Negri e Vitale, subordina-se a formação industrial da cidade de São Paulo ao capital proveniente da produção do café na região do oeste paulista. O capital cafeeiro, por sua vez, foi investido e invertido em outras atividades, como a industrial, bancária e de construção de infraestruturas, como a ferrovia, ferramenta que alavancou o crescimento econômico do bairro e a produção/escoamento de produtos na cidade de São Paulo. A constituição da atual paisagem urbana do Brás, deste modo, deve-se, primordialmente, a dois momentos e contextos históricos de transformação e crescimento da cidade: à prosperidade da economia cafeeira, no país e, especialmente, em são Paulo, a partir de 1860 que impulsionou a construção da ferrovia, para escoar 28

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produtos e atender à demanda de consumo e cultivo do café -, e à década de 1890, na qual o território do Brás e sua paisagem foram marcados como berço da instalação da indústria na cidade – graças à proximidade da ferrovia, que, neste segundo período, ainda era suporte ao escoamento de mercadorias, à serviço da indústria -. Foi somente num terceiro momento, posterior ao processo de dispersão e/ ou decadência industrial, em âmbito internacional, que a ferrovia, em São Paulo, em meados de 1970, tornou-se infraestrutura para o deslocamento das pessoas, realidade que se estendeu ao período atual da cidade, já que os trens são apoio para escassas infraestruturas existentes para o transporte da população e deslocamento pendular diário no perímetro metropolitano. Ainda analisando as influências que tais momentos históricos tiveram sobre a composição da paisagem do bairro, vale destacar aspectos sociais, de formação de uma identidade histórica multicultural dos moradores e construtores do território, que se deve aos fluxos migratórios para a região. Por existência inicial da ferrovia, revelada como estímulo à instalação industrial, o bairro foi habitado e teve sua paisagem urbana marcada pela ocupação e moradia precária dos trabalhadores, que vieram em diferentes momentos históricos para São Paulo, em busca de melhores condições de vida e emprego. Em muitos aspectos a formação do bairro revela a presença dos imigrantes italianos, - que vieram ao Brasil numa época de crise e desemprego na Europa, a serviço da economia cafeeira -, e migrantes nordestinos - mão-deobra barata e explorada pelo sistema capitalista-industrial, nas primeiras décadas do século XX -. Se, como na visão do autor Aldo Rossi (1976), o lugar sempre carrega identidade

da sociedade que o forma, que o reconhece e legitima, o Brás, por sua vez, revela, em suas antigas vilas, cortiços e pequenos hotéis, aspectos sociais e históricos peculiares e únicos à sua ocupação. Sobre a relação entre a constituição da sociedade industrial no bairro Brás, e sobre o período de industrialização, na cidade de São Paulo, destaca-se: A estrutura da sociedade paulistana, caracterizada pela passagem do trabalho escravo para o trabalho livre/assalariado – identificado na figura do imigrante estrangeiro - contribuiu para novas modalidades de ocupação do espaço urbano (...) Aquela mesma cidade sem distinção funcional na primeira metade do século XIX inicia a marcação das diversas funções no espaço urbano: residencial, comercial, industrial e bairros operários (...). A estratégia de ocupação do espaço evidenciava uma urbanização que mantinha a natureza inicialmente fragmentada da cidade de São Paulo, onde eram reconhecidas nas linhas férreas um fator engendrador para a implantação das primeiras indústrias e a consequente localização, muitas vezes em áreas insalubres (remanescentes), das moradias operárias. (VITALE, 2013, p.82) ¹: Letizia Vitale é pesquisadora no âmbito do Planejamento Urbano e Regional. Desenvolveu e apresentou a tese citada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), em 2013, para obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo, sob orientação do Professor Doutor Nabil Bonduki.

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Motivações É importante destacar que, tanto para desenvolvimento desta monografia, quanto para suporte da hipótese projetual final apresentada, a tese de doutorado “Áreas Industriais na Orla Ferroviária: Valorização Imobiliária ou Valor Urbano?”, de Letizia Vitale¹, é referência e motivadora, dado valioso processo de construção e especulação dos fenômenos, econômicos, sociais e políticos que a autora destaca como determinantes 31


à situação de obsolescência das áreas próximas à ferrovia, na cidade de São Paulo. O Brás – lugar escolhido como objeto de pesquisa, por ser um bairro histórico, registro físico e memória (ROSSI², 1976, p.156) da ocupação do território e da formação da sociedade paulista -, que se encontra num momento de latência, dado que grande parte dos lotes e imóveis estão em estado de desuso e/ou subutilizados, por serem resquícios do período industrial, vem sofrendo transformações em sua paisagem urbana. Pretende-se, nesta pesquisa, discutir como viabilizar a reconstituição da paisagem urbana do Brás, propondo um processo de contaminação positiva, capaz de se expandir para além dos terrenos que sofrerão intervenções projetuais. O período industrial é parte da história da ascensão econômica da cidade de São Paulo, é vestígio da memória do lugar (ROSSI, 1976), e o bairro, por sua vez, deve revelar tal herança histórica, já que se estruturou e desenvolveu aos moldes culturais e ocupacionais dos trabalhadores fabris, mão-de-obra imigrante e migrante. O conceito de “topia” para Rossi é o espaço do reconhecimento. E como a própria construção da palavra – reconhecer – indica um conhecimento através da memória. Rememorar-se, no entanto, não é somente a reincidência de experiências pessoais isoladas; para Rossi, a memória do lugar é o resultado de sobreposições das experiências individuais e coletivas, onde se acomodam signos do arbítrio e da tradição. (MENDONÇA, 2000, “grifo nosso”)

É natural que as características do território aqui abordado, deste modo, sejam multiculturais e, portanto, que as edificações de diferentes tempos históricos se

amalgamem umas às outras, se misturem, resultem numa paisagem urbana miscigenada. É essa miscigenação que compôs um território único, que o identifica, que poderia ser percebida quando o percorremos e observamos. Às diferenças físico-temporais da paisagem urbana do Brás não se devem somente ao fato do bairro estar à mercê da atuação do mercado imobiliário, mas sim à ineficácia de atuação do Estado para promover programas ou guiar a transformação e atualização da área, preservando sua herança e atmosfera histórica, porém tornando-o parte integrante da cidade contemporânea.

²: O autor Aldo Rossi, em sua obra “Arquitetura da Cidade” (1971) apresenta uma teoria geral da cidade, pautada principalmente na análise da cidade histórica. Em contraposição ao caráter “arrasa quarteirão” do urbanismo Moderno, que demolia áreas inteiras da cidade sem considerar pré-existências históricas, Rossi apresenta a noção de lugar ou genius loci – conceito teóricofísico que se refere a um campo perceptivo resultante, na definição de Rossi, da “relação singular e, ao mesmo tempo, universal entre certa situação local e as construções existentes naquele lugar”.

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O trabalho aborda a questão do processo de obsolescência das áreas industriais, lindeiras à orla ferroviária no eixo sudeste do município de São Paulo. Trata-se de uma extensa região ocupada pelos distritos do Cambuci, Brás, Pari, Móoca, Ipiranga e Vila Prudente, onde o capital industrial marcou tipológica e morfologicamente a estrutura e a paisagem urbana, desde o final do século XIX e durante o século XX. (...) em torno da análise do esvaziamento do ‘valor-de-uso’ da terra industrial e do processo de (re)produção do espaço por substituição de mercadorias imobiliárias.” (VITALE, 2013, p.15)

Em seu discurso, Vitale identifica um período de transformação e retirada das instalações industriais em diversos centros, no cenário econômico mundial, como fator determinante para a alteração na morfologia, estrutura fundiária e dinâmica urbana. Deste modo, o Estado não conseguiu nem buscou, no caso do Brás, destinar às instalações existentes novos usos, contribuindo, assim, ao abandono ou à venda ao mercado imobiliário dos 33


imóveis onde antes a atividade industrial era desenvolvida.

A desindustrialização dos países centrais e a desconcentração industrial nos países periféricos, como o Brasil, induziram, em parte, a um novo ordenamento territorial funcional, (...) resultando na ruptura da anterior relação existente entre estrutura econômica e urbana. (VITALE, 2013, p.15)

Verifica-se que, ao longo dos últimos anos, em porções significativas da região industrial vem ocorrendo a reprodução do espaço promovido pelo setor imobiliário privado, particularmente após a mudança das leis de uso e ocupação do solo (2004) e a aprovação do vigente Plano Diretor Estratégico de São Paulo em 2002. (VITALE, p.16, 2013)

No trecho, a autora distingue os termos “desindustrialização” e “desconcentração industrial”, explicitando que o segundo é o que ocorreu no Brasil, caracterizando não o desaparecimento da indústria como concebida no final do século XIX, mas sim o seu deslocamento para áreas menos metropolitanas e centrais. A “desindustrialização” que ocorreu nos países europeus deu-se com o encerramento das atividades industriais e reconversão dos lotes obsoletos em novos polos geradores de emprego, a serviço do investimento de empresas e polos tecnológicos. Destaca-se, na experiência de reconversão urbana destas áreas, o plano da União Europeia para atualizar as áreas obsoletas industriais, qualificando a mão-de-obra para ocupar as vagas de emprego, suprir a demanda da indústria da tecnologia e reciclar os territórios industriais. Nos moldes de reconversão urbana europeus, fica explícita a preocupação do Estado em construir parcerias público-privadas para a re-ocupação dos imóveis industriais, ao criar planos urbanos. Tomar-se-á como estudos de caso a revitalização das Docklands, em Londres, e o projeto Spiña Centrale, em Turim - que previam instalação de uso misto nas áreas remanescentes industriais, propondo o reuso das instalações existentes com comércio e prestação de serviços; incentivando novas construções no entorno, de

Vitale denuncia e esclarece, política e economicamente, parte do processo responsável pela escassez de incentivo a projetos de reativação e reaproveitamento dos lotes, e de sua área envoltória, destacando que, desde a desconcentração da indústria no país, a reprodução do espaço urbano ficou à mercê do mercado imobiliário, por falta de interesse público na administração de tais áreas. Como mais um aspecto de aproximação entre o trabalho aqui apresentado e a tese de Vitale, o desinteresse por parte do Estado e da sociedade, pela recuperação das áreas obsoletas industriais, colocam em risco o resgate de significativos patrimônios e resquícios históricos, edificações que contam a história e guardam memórias da cidade de São Paulo, em suas diferentes épocas. A decadência e dispersão da indústria foram tendências internacionais, e, por afetar diretamente as instalações que estavam no território das cidades, contribuiu diretamente à transformação dos tecidos e da dinâmica urbana, nas áreas antes primordialmente fabris. Entretanto, tais transformações, no cenário internacional, foram administradas para que não ocorressem prejuízos ainda maiores aos bairros e centros industriais. 34

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caráter habitacional - o que contribui ao uso constante das ruas. Dessa maneira, incentivou-se o retorno da população, circulação e ocupação do lugar, acrescentando-se a isso atividades de cunho corporativo e industrial tecnológico, responsáveis pelo desenvolvimento socioeconômico do país. Já a “desconcentração geográfica da indústria”, assim qualificada por Diniz (1996), também destacada por Vitale (2013), registrada no território brasileiro, especificamente na área metropolitana de São Paulo a partir de 1970, “não é associável nem comparável ao fenômeno de desindustrialização”3 (VITALE, 2013, p.96). Isso porque não ocorreu desmonte das instalações industriais, apenas desocupação e/ou abandono de imóveis, uma vez que o Estado promoveu planos e obras que visavam o desenvolvimento de outras regiões do Brasil (a partir de 1960), justamente para reverter a concentração de investimentos na região sudeste. (...) através de investimentos produtivos diretos (pólos petroquímicos, usinas de aço, indústrias de fertilizantes, entre outros), os incentivos fiscais (SUDENE, SUDAM, SUFRAMA, subsídio de crédito, etc) e de grande desenvolvimento da infraestrutura (transporte, telecomunicações, energia elétrica). (DINIZ, 2000, in VITALE, 2013, p.94)

A desconcentração industrial, portanto, é um fato histórico que deixou marcas na paisagem urbana paulista, a exemplo do Brás, lugar onde o processo é perceptível desde 1980, deixando resquícios e estruturas industriais esvaziadas, porém não desmontadas. Sendo assim, especula-se, nesta monografia, a permanência e o destaque

5:

3:

Processo identificável como um súbito desmonte das instalações industriais, suportado e incentivado por políticas centrais europeias, alto índice de desemprego e diminuição da população, típico de situações registradas, por exemplo, na Europa. 4: Letizia Vitale é pesquisadora no âmbito do Planejamento Urbano e Regional. Desenvolveu e apresentou a tese citada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), em 2013, para obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo, sob orientação do Professor Doutor Nabil Bonduki.

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Anne Lacaton, em discurso feito durante o evento “Freedom of Use”, promovido pela Escola de Design da Universidade de Harvard, em Cambridge, em 24 de março de 2015, exprime filosofias e ideais que embasam propostas projetuais do escritório Vassal&Lacaton. Durante a apresentação, a arquiteta incessantemente declara que, ao se construir nas cidades contemporâneas, deve-se considerar todos os elementos pré-existentes neste ecossistema, sejam eles edifícios, condições ambientais, geografia, apropriação, vida animal e vegetal, pois são eles que tornam o lugar “particular”. Lacaton defende que “jamais se deve demolir, mas sim adicionar – elementos, arquiteturas, estruturas – que transformem, modifiquem a dinâmica do lugar, para reativar pré-existências e lhes proporcionar novas possibilidades de convívio social”.

aos elementos característicos do período industrial como estruturas remanescentes que ganham valor, à medida que sobrevivem, que agregam identidade ao bairro, que podem receber novos usos e instalações. Em contraponto ao mercado e ao Estado, que negam a memória industrial, este trabalho visa transcender a barreira e o preconceito social de que o bairro não possui potencial senão para o comércio (ou para o desmonte). Investiga-se, ao longo dos textos e análise dos estudos de caso, a possibilidade de atualizar os usos em estruturas existentes, para revitalização das antigas fábricas e galpões, reativando a “memória do lugar”4 (ROSSI, 1976) “com projetos de arquitetura que proporcionem novas experiências e relações sociais”5 (LACATON, 2015, “tradução nossa”). Estes pressupostos relativos ao agente público (Estado) no urbano (território industrial) e as suas especificidades paulistanas integraram a lógica do capital, geraram novas configurações que extrapolam os limites da urbe, (...) deixaram cicatrizes industriais no tecido urbano, mediante a efetivação da coexistência de dinâmicas espaciais conflitantes, assim como contribuíram para a modalidade de reprodução do espaço a serviço do setor imobiliário. (VITALE, 2013, p.100)

Neste sentido, com inspiração no ideário de Lacaton, apresentado anteriormente, trabalhar-se-á a hipótese de transformação do lugar, transformando “a maneira como olhamos a cidade” – com foco no território do Brás considerando sua “coleção de potencialidades” (LACATON, 2015) como determinante às atitudes projetuais.

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RESERVAS DEMOCRATIZANTES DA CIDADE

6:

Com exceção ao Museu do Imigrante e ao Catavento Cultural.

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Consequências da transformação das lógicas de produção e da mudança de lugar das instalações da atividade fabril, “os lotes industriais, com as suas originais instalações arquitetônicas e construtivas, (...) constituem remanescentes no espaço urbano produzido pelo capital industrial dentro de um novo contexto econômico internacional.” (VITALE, 2013, p.16). Assim sendo, interpreto, em concordância com Vitale, as áreas industriais obsoletas como tipologia e morfologia singulares, em meio ao espaço e traçado existentes da cidade, e que passam a ter um profundo valor urbano-social, “valor no sentido de atribuição de capacidade de um determinado bem em satisfazer uma necessidade (...)” (VITALE, 2013, p.31). Neste sentido, a principal vocação dos lotes obsoletos poderia ser de abrigar usos e espaços dos quais, atualmente, a metrópole contemporânea carece, visando a necessidade coletiva e a dimensão pública. Entende-se “necessidade” (HARVEY, 1980) como parâmetro de “medição da justiça social territorial” – noção pertencente à consciência humana e, portanto, de difícil classificação -. Tal sensação da necessidade de algo é fruto da distribuição desigual de benefícios no território, apesar de todos os cidadãos e bairros da cidade possuirem os mesmos direitos à qualidade de vida. O Brás, por sua vez, por quase não possuir espaços culturais 6, de manifestação, encontro e convívio públicos, e ter suas ruas primordialmente voltadas a servir as atividades comerciais, é uma territorialidade que constantemente desperta a sensação da “falta de algo” a quem a percorre, exatamente por seu potencial quanto 39


a se transformar reeditando, de outra maneira, a intensa vida social e cultural que ali já existiu e que caracterizava aquele lugar. Como justificativa à última afirmação, segue uma análise de dados referentes aos territórios industriais obsoletos pertencentes à metrópole de São Paulo. Destacase que o Brás é administrado pela Subprefeitura da Mooca. Objetiva-se, ao final da observação das tabelas - do IGC, dos Censos (1990, 2000 e 2010) e do IBGE (1990, 2000 e 2010) – discutir a tendência de substituição dos lotes obsoletos fabris no Brás por construções e ocupações sem valor-urbano. Essas construções são condomínios fechados residenciais com térreos murados em resposta ao entorno histórico e às preexistências do território, e a ocupação de antigas estruturas industriais para fins religiosos, como instalação de igrejas protestantes, para realização de cerimônias nos finais de semana, o que, por sua vez, acaba limitando a possibilidade de utilização e apropriação do território a uma pequena parcela da população (membros de grupos religiosos específicos). A seguir, cartografia com o parcelamento do solo industrial, em 2004; cartografia com a configuração dos lotes industriais em 1972, em comparação à cartografia com a configuração dos lotes industriais em 2004; tabela de áreas dos distritos industriais, 2003; tabela da taxa de crescimento da população (comparativos em relação aos anos 1990, 2000, 2010); tabela de densidade demográfica (em 1990, 2000 e 2010):

Mapa 8. Padrão predominante do parcelamento do solo industrial, 2004. Fonte: VITALE, 2013, p.163). 40

41


Mapa 6. Zona predominantemente industrial, 1972. Fonte: PDDI - Lei M. 7.688 de 1971. FELDMAN, 2005 in VITALE, 2013, p.162).

Mapa 7. Zona predominantemente industrial, 2004. Fonte: VITALE, 2013, p.161. 42

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Tabela 1. Distritos industriais na cidade de São Paulo. Fonte: Instituto Geográfico e Cartográfico - IGC; IBGE.

Tabela 2. População residente, Censos IBGE e Taxa de Crescimento, 2000 e 2010. Fonte: VITALE, 2013, p.161.

Nota-se, observando a tabela 2, que a taxa de crescimento da metrópole de São Paulo foi positiva, de 1980 a 1990, enquanto que, nas áreas industriais em destaque e, inclusive, no Brás, o índice aparece negativo. Isso significa que, enquanto a população crescia de maneira geral na cidade, nos bairros industriais ocorreu o processo inverso: No caso do Brás, no intervalo de 10 anos analisado, a diminuição do número de moradores foi de, aproximadamente, 5.000 pessoas. Essa tendência de queda da população residente continuou sendo identificada nos municípios industriais até os anos 2000. No entanto, de 2000 a 2010 a taxa de crescimento passou a ser positiva em todos os bairros industriais analisados, exatamente por coincidir com o período em que o mercado imobiliário passou a explorar e atuar nessas regiões, desapropriando, demolindo e construindo condomínios residenciais em meio aos lotes e à paisagem fabril. No Brás, a exemplo da ação da exploração imobiliária, tem-se a construção de torres residenciais ao longo da Avenida Rangel Pestana, a partir de 2001. Em concordância com Vitale (2013): (...) A rápida transformação em curso pelo setor privado e os tipos de produtos imobiliários realizados nos lotes industriais obsoletos explicita uma tendência de mutação de uma paisagem urbana que ocorre de maneira desvinculada com o tecido urbano preexistente do entorno e a avaliação das características e potenciais locais. (VITALE, 2013, p.182)

Tabela 3. Densidade demográfica dos distritos industriais. Fonte: IBGE, Censos 1990, 2000 e 2010.

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Neste trecho, Vitale constata a transformação da paisagem urbana nos distritos industriais e, em seguida, expõe que a dificuldade de valoração dos lotes e estruturas fabris como potencialidades se deve à carência 45


de reconhecimento coletivo, pois as manifestações (edificações e estruturas fabris) do passado industrial, não tão distante, ainda não adquiriram “valor de memória” (DANSERO; VANOLO, 2006). Partimos, neste momento, à constatação da importância do vínculo entre as pessoas (população) e o lugar, para reconversão e resgate de áreas urbanas subutilizadas. Vitale destaca tal relação como: Valor Cognitivo da paisagem cultural: (...) relação entre o urbano e a cultura, na perspectiva de completar o entendimento de um território por meio do olhar da sociedade, promovendo conhecimento (DANSERO, 1993). Este conhecimento fundamenta a memória urbana na definição do petrimônio comum. (...) As referências [marcas físicas, da época industrial] na paisagem, aqui especificadas, são interpretadas enquanto “práticas materiais e sociais” (DANSERO; VANOLO, 2006), (...) resultantes da produção do espaço, das relações sociais e urbana existentes na cidade. (VITALE, 2013, p.165, “grifo nosso”).

Em concordância com a interpretação de que “numa leitura mais ampla (...) sobre o patrimônio industrial, o edifício fabril adquire um valor de memória urbana em termos de potencialidade para reconversão” (VITALE, 2013, p.167), neste trabalho e na proposta de projeto a ser apresentada, identificar-se-á elementos/préexistências no Brás que justifiquem a necessidade de um projeto urbano efetivo, de caráter público e coletivo, que fortaleça o vínculo entre as pessoas e o bairro - a condição coletiva, a memória urbana e a sensação de pertencimento ao lugar -, para consolidar seu valor-urbano perante a

Imagem 10. Paisagem urbana da Rua do Gasômetro (2015), no Brás. Nota-se o edifício histórico (rastro) e as torres residenciais, que rompem com o gabarito preexistente.

Imagem 11. Paisagem urbana da Avenida Rangel Pestana (2015), no Brás. Nota-se torre residencial sem relação com o entorno preexistente (em termos de escala, gabarito ou materialidade).

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sociedade e o Estado. Para conhecimento e localização das edificações de valor histórico-industrial, segue o mapa 8, elaborado por Vitale, que destaca os lotes interpretados como patrimônio industrial (imóveis levantados e classificados por Rufinoni), em comparação com os lotes já tombados por órgãos municipais, àqueles com interesse à preservação (classificados por Rufinoni), e às edificações fabris já demolidas. Diante das demolições realizadas nas áreas da orla da linha férrea, entende-se que, ainda que esparsas, são ações que desarticulam a paisagem urbana do bairro, e que contribuem para uma tendência de não preservação e, portanto, descaracterização de outras áreas das regiões industriais, bem como fortalecimento e incentivo ao fenômeno de implantação dos condomínios residenciais, que atualmente ocorre no Brás. Nas imagens 12 e 13, dá-se destaque à escala “monumental” dos edifícios residenciais, produtos do mercado imobiliário que colocam padrões outros, diversos das formas de ocupação, gabarito e escalas pré-existentes na Avenida Rangel Pestana e na Rua do Gasômetro - vias existentes e estruturadoras do traçado urbano do bairro do Brás desde 1910, que, por sua vez, possuem paisagens urbanas repletas de marcas (construções) históricas -. Revela-se, portanto, a introdução de novas lógicas que reforçam as segregações e a produção de estruturas isoladas, exemplificando a maneira como a especulação imobiliária tem agido nas regiões industriais, introduzindo situações outras que desconsideram contextos preexistentes, descaracterizando totalmente as paisagens fabris. 47


Os dados de densidade demográfica apresentados (tabela 3), referentes ao número de moradores por quilômetro quadrado da área do bairro, justificam, por sua vez, o fenômeno de diminuição do número de habitantes, de 1990 para 2000, bem como seu aumento, de 2000 a 2010 identificado no território do Brás. A análise destes índices comprova que a reprodução dos modelos imobiliários residenciais tornou-se tendência às áreas industriais, sendo, em muitos casos, estimulada por mídias e periódicos que circulam na cidade de São Paulo, como expresso pelo título do artigo de O Estado de São Paulo: “Galpões: estoques de oportunidades. Área industrial migra da capital e deixa para trás grandes edificações sem uso que despertam o interesse do mercado imobiliário, em luta contra a falta de terrenos” (O Estado de São Paulo, 14/11/2010, Classificados). Apresentam-se [no artigo] (...) hipotéticas propostas do poder público municipal em conjunto com o setor imobiliário para requalificar áreas degradadas e identificadas como áreas vazias em decorrência do “abandono industrial”. [a especulação imobiliária] pressupunha que estas áreas deveriam estar completamente livres, sem edificações, sem restrições de intervenções, quase como se não estivessem em um tecido urbano preexistente, consolidado, cuja ocupação refere-se ao final do século XIX até a primeira metade do século XX. (VITALE, 2013, p.184)

Como exposto por Vitale, no entanto, as mídias em 2010 não mostravam nem davam importância à densidade histórica do lugar, excluindo de suas matérias o fato de demolições e desmontes da paisagem urbana terem de ser feitos para gerar tais terrenos vazios, a serem

Mapa 8. Patrimônio Industrial em Sã Paulo. (VITALE, 2013, p.168). 48

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explorados pela ação imobiliária. Trabalhar com edifícios e complexos industriais significa em geral atuar em áreas grandes, na maioria das vezes obsoletas e decadentes, que só poderão ser reinseridos numa nova realidade agindo em escala mais ampla – através de intervenções articuladas em bairros, cidades (...) como único meio de viabilizar sua preservação (KUHL, 2009, p.134)

Numa cidade em que a consciência quanto à preservação da história, de patrimônios como registros físicos de tempos passados e da memória coletiva é frágil, entende-se que somente a proposta de projetos de revitalização urbana, com parcerias público-privadas, lideradas e reguladas pela administração Estatal, seria capaz de expor o real valor das áreas industriais como “reservas (de terras) urbanas”, devolvendo e atribuindo “valor urbano” – de caráter coletivo, público – à área de seu entorno. Em diálogo com Vitale, após refletir sobre os trechos citados, destaca-se tais parcerias entre Estado e entidades privadas como alternativa válida e efetiva para driblar e findar os fenômenos atuais que agem sobre, modificam e descaracterizam a paisagem urbana do Brás. Potencial

Vale lembrar que o bairro foi, nas décadas de 1940-70, centro produtivo e representativo da cultura do teatro e cinema da cidade e do país, e que suas ruas, além de servirem à indústria e aos trabalhadores industriais, eram também tomadas por espectadores atraídos pelos cinemas e teatros icônicos, localizados ao longo da Avenida Rangel Pestana 7. A atmosfera do bairro, portanto, era de

7:

Destaca-se que, na década de 1940, o Cine Piratininga, projetado pelo arquiteto Rino Levi, implantado na Avenida Rangel Pestana, foi o maior cinema do Brasil e um dos maiores da América Latina. Com capacidade para 4.000 espectadores, a edificação simbolizava, com sua cobertura retrátil, a possibilidade de espetáculos e eventos ao ar livre, a essência da fantasia, da inventividade e inovação que a espacialidade dos cinemas introduziam à época à sociedade brasileira.

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constante efervescência: cultural, comercial, industrial. Este cenário que caracteriza, historicamente, a dinâmica do Brás, nos leva a refletir acerca do que seria – considerando as transformações do setor primário - “reconstituir” o bairro, essa centralidade, valorando preexistências e implementando novas possibilidades. Harvey (1980) aponta que, por conta da escassez de políticas públicas e da atuação do Estado de modo não igualitário em todas as áreas da cidade, as desigualdades conformam-se territorialmente como segregação (VILAÇA, 2012). Considerando que as territorialidades industriais – patrimônio material e infraestruturas de apoio - não foram devidamente administradas no período de desconcentração fabril - deixando-se ao mercado o destino dessas áreas -, atribui-se a responsabilidade da perda do dinamismo do bairro, essencialmente, à atuação estatal ineficiente. Foi essa omissão que conduziu, por sua vez, o território à obsolescência, desatualização, perda de equipamentos culturais, intervenções inadequadas – a exemplo dos condomínios residenciais fechados e dos edifícios religiosos, que não compõem com a paisagem histórica nem dialogam com as pré-existências - e impactou a opinião pública quanto ao que o lugar (o Brás) representa, hoje, para a urbe. Considerando que este “esvaziamento de significado” na percepção coletiva é justamente a sensação de necessidade (HARVEY, 1980) da vida pública, que se perdeu nas últimas décadas, entende-se que cabe, a qualquer intervenção feita no bairro, a responsabilidade social de retomar o espaço para esse fim, ativado por atividades culturais e de convívio, dada a importância da reativação do convívio social no território, para além das 51


dinâmicas de circulação e consumo. Trata-se de cercar (...) um processo de reconhecimento, e não de quantificação, do valor (sentido) urbano da terra industrial relacionado ao caráter público de fruição coletiva e suas potencialidades – qualidades que efetivem as necessidades sociais inerentes a determinado contexto urbano. (VITALE, 2012, p.32, “grifo nosso”)

Para justificar o potencial da terra industrial como receptiva a usos públicos e coletivos, tomamos como exemplos bem-sucedidos dois estudos de caso: a revitalização das Docklands 8, em Londres, Inglaterra, e o projeto Spiña Centrale 9, em Turim, Itália. Apesar de inseridos em contextos internacionais, por resgatarem e (re)ativarem antigas áreas industriais, ambos projetos motivam e fortalecem a proposta deste trabalho no sentido da busca de significado aos lotes industriais, tornando-os áreas de uso público, apropriação e fruição coletiva. O fato de atribuir significado aos lotes obsoletos do Brás, abrindo e expondo-os à cidade, não só os legitima perante a consciência social e coletiva, mas, ainda, proporciona à metrópole o preenchimento, com funções e programas distintos, de uma parcela da área central que atualmente está subutilizada, e que pode reparar a recorrente e contemporânea falta de espaços públicos livres e de encontros, apontada constantemente como questão na cidade de São Paulo 10.

8:

Docklands ou “docas”, em português. 9: Spina Centrale ou “Eixo Central”, em português. 10: Faz parte de uma consciência coletiva dos moradores da cidade de São Paulo a sensação de “falta” (HARVEY, 1980) de espaços livres, bem como a escassez de áreas destinadas ao convívio público. Atualmente, a sociedade paulistana se conscientizou de que mais espaços livres e vazios configuram a possibilidade de maior qualidade de vida, do rompimento de barreiras e preconceitos sociais, de mais áreas de lazer. Tornando corriqueira a crítica (desde 2010) à prioridade exacerbada dada aos automóveis na metrópole, vemos maiores questionamentos, manifestações e reinvindicações, por parte da sociedade , à falta de espaços de expressividade e convívio públicos. Como exemplos mais pontuais, tem-se a transformação e divisão de vias com ciclo-faixas, dando espaço à alternativa mais ecológica de deslocamento e mobilidade na cidade, bem como pressões sociais para diminuição do uso do automóvel, que contribuíram para a decisão da Prefeitura de São Paulo (no mandato do prefeito Fernando Haddad, 2012-2016) em proibir a passagem dos carros na Avenida Paulista, em dois domingos.

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Intervenções Docklands Strategic Plan, 1989 (O Plano Estratégico para as áreas das docas, 1989) O Plano Estratégico de 1989, aplicado às áreas subutilizadas das docas londrinas, previa, sobretudo, a renovação urbana do entorno – portos, estivadoras e margens - do Rio Tâmisa. Os lotes e instalações portuárias tornaram-se, em grande parte, obsoletos a partir de 1980, uma vez que a desindustrialização trazia questões novas para o mercado internacional e para o próprio Reino Unido. Deste modo, as áreas urbanas onde as estruturas de desenvolvimento das atividades industriais estavam instaladas sofreram esvaziamento, necessitando de incentivo e ações estatais para serem resgatadas, (re) utilizadas e (re)convertidas como parte integrante do desenho e funcionamento urbano de Londres. Propondo parcerias público-privadas, o governo londrino incentivou as indústrias a reocuparem o local e a reciclarem suas instalações industriais, transformando antigas estruturas fabris em habitações sociais, modificando o uso interno de armazéns para lofts, abrindo novas janelas em fachadas existentes e novas perspectivas aos antigos imóveis: parte das construções, que no período industrial (1960) negavam o rio, interpretando-o como “divisor” da cidade em sul “pobre” e norte “próspero”, passam a valorizá-lo, voltam suas fachadas principais às margens e a vislumbram como área de convívio, mirante, passeio, permanência pública e turística. Ao todo, a recuperação das antigas docas reativaram três mil quadras na paisagem urbana londrina, 53


de modo que um passeio público de 2.000ha lineares foi criado às margens do Tâmisa, num percurso singular para pedestres, composto por decks de contemplação, inúmeros restaurantes e oferta de serviços, com vista privilegiada ao horizonte e às dinâmicas atividades desenvolvidas no rio. A revitalização das Docklands teve resultados tão positivos à cidade de Londres – turística, social e economicamente – que o governo inglês promoveu, ao longo dos últimos anos, inúmeros concursos de projetos urbanos e de arquitetura, para tornar contínuas e dinâmicas a atualização e renovação dessas áreas históricas. Um fator comum a todas as propostas apresentadas é sempre priorizar, às margens do rio, espaços livres, para uso e apropriação públicos e espontâneos, qualitativos à escala do pedestre e ao convívio público. Apesar da inciativa neoliberal 11 do governo inglês, no caso da recuperação das docas londrinas, houve forte participação da população, principalmente de arquitetos e urbanistas, quanto às decisões e transformações que garantiriam a seus espaços características e qualidade numa escala mais humana: O mais importante destas lições é que regeneração deve estar conectada com as necessidades locais e com a economia local. A segunda lição é que as propriedades privadas e as forças de mercado não podem e não devem estar autorizadas a ditar a forma, o ritmo e conteúdo das mudanças urbanas. Esta direção e controle devem vir das estruturas democráticas do governo local e da comunidade. A terceira lição é que o desenvolvimento da economia local não pode acontecer sem uma estratégia global para o desenvolvimento nacional e regional.

(COLENUTT, 1991, p.41, in VITALE, 2010, p.59, “grifo nosso”.)

Como exemplo da participação e opinião coletiva quanto ao destino e transformações de áreas urbanas obsoletas, conforme sugerido por Colenutt, acima, passamos ao estudo de caso de Turim - “Torino, a cidade do automóvel” -, na Itália. Projeto Spina Centrale (Projeto Eixo Central)

11:

Destaca-se que, a partir da década de 1980, a Inglaterra, sob o governo de Tatcher, iniciou um período de intensos experimentos neoliberais, no campo das moradias sociais (social housing) e das operações de renovação das Docklands, que tendiam a virar modelos e se espalhar por outras cidades, que não somente europeias. O Plano de intervenção de Turim, neste aspecto, pode ter sido inspirado pela experiência às margens do Tâmisa.

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12:

“Plano Regolatore Generale” significa, em português, “Plano Regulatório Geral” (“tradução nossa”).

Neste caso, a obsolescência no norte do território italiano deu-se por conta do fechamento e desmontagem da fábrica da produtora automobilística Fiat, que servia à economia industrial e tinha sede estabelecida em Turim, desde 1899. Os resquícios dos terrenos e instalações industriais se localizavam, principalmente, na orla da ferrovia e às margens do Rio Dora. Com a modificação da demanda industrial italiana, as antigas áreas industriais ficaram praticamente inabitadas, sem uso residencial, e com suas estruturas fabris subutilizadas. A solução para recuperação destas áreas veio, novamente, por meio de parcerias e investimentos público-privados, responsáveis por reintegrar ao tecido urbano 3km² de antigas áreas industriais. Retomando a afirmação de Collenut, neste estudo de caso, o papel da comunidade, que se comoveu e aprovou a iniciativa estatal imediatamente, no ano de 1986, e acompanhou as discussões para elaboração do Plano Regolatore Generale12 (PRG), foi crucial como apoio às novas empresas que ocupariam e transformariam os lotes obsoletos. O PRG buscou proporcionar aos territórios nova 55


qualidade ambiental, -recuperação no sentido sócioambiental das áreas de periferia - definindo zonas seguras para transformação urbana, visando a (re)conversão das áreas como centralidades, considerando seu potencial e antiga experiência em abrigar um setor de produção e polo de produção da economia italiana, no passado, o automobilístico. Para garantir o retorno das atividades econômicas e o adensamento dessas regiões, fez-se necessário um projeto, previsto no PRG, de atualização e aumento da capacidade dos sistemas de mobilidade nessas territorialidades, para diversificação dos usos e programas a serem instalados nas mesmas. Deste modo, o governo e a comunidade ofereceram à “cidade-fábrica uma nova imagem” (VITALE, 2010, p.60), bem como a possibilidade de uma temporada de laboratórios de projetos para sua revitalização e que seriam utilizados, posteriormente, como modelos para intervir em outras áreas obsoletas italianas.

reconversão e novas construções ao longo dos eixos e nas áreas entre linhas férreas distintas, partes antes obsoletas e desconexas do tecido urbano, por ocuparem trechos limitados pelas ferrovias. O projeto previa, para as subáreas, o enterramento de eixos viários, em alguns pontos de entroncamento, de modo que a superfície se tornou térreo comum e agradável à cidade, considerando a escala dos passeios e sua adequação para intensificação do uso por parte dos pedestres. Também legislava acerca do aumento da taxa de ocupação para as zonas de uso residencial e misto – aspecto que foi revisado no Plano Diretor italiano -, garantindo dinâmica e ocupação dos espaços, ruas e calçadas em horários distintos ao comercial. Além disso, previa o aumento de áreas verdes, com a inserção do ‘Environment Park’, um Parque Tecnológico, que, por sua vez, revitalizou, resgatou o sentido urbano do lugar, transformou sua identidade - não mais restrita ao polo de produção -, possibilitou e (re)qualificou a fruição pública, por meio de passeios dinâmicos, arborizados, “não-convencionais” e interessantes, como incentivo à troca de experiências e integração social na escala dos pedestres. Para a proposta de (re)qualificação do Brás, serão adotadas essas experiências, como referência, destacandose aspectos apontados por Vitale como importantes para a revitalização das áreas urbanas, quando se trata de sua (re) conversão como área pública, à população:

A experiência de Turim traz o contexto e as diretrizes para definição das intervenções urbanas executadas na cidade no âmbito do projeto Spina Centrale, a partir do reconhecimento de uma lógica multifacetada do problema da obsolescência de áreas ex-industriais e, portanto, de uma abordagem integrada entre os diversos setores e de políticas públicas para o equacionamento do problema urbano (...). (VITALE, 2010, p.61)

O Projeto Speciale Spina Centrale 13, instituído em 2000 e criado pelo PRG, implicava na interligação dos eixos ferroviários (Spinas) 1, 2, 3 e 4, prevendo a “(re)costura” da cidade de Turim, propondo projetos de

13:

”Projeto Especial para o Eixo (ferrovia) Central”, em português (“tradução nossa”).

56

Vale destacar dois elementos: o primeiro é relativo à postura dos órgãos públicos e a retomada do Plano Diretor italiano como instrumento de transformação 57


do território. (...): o reconhecimento do valor urbano de uma área com vínculos e restrições pode ser condição favorável para devolver parte das terras industriais em lugares de uso público. (...) A segunda consideração é que no caso de Londres o papel dos órgãos públicos visava (...) a desregulamentação do sistema de planejamento local, que se subordinava às lógicas de mercado funcionais [ao invés de] à viabilidade da operação de reconversão. (VITALE, 2010, p.79 e 80, “grifo nosso”.)

confirmar, consolidar ou para romper, mas para desajustar o sentido dado. O projeto de Hadid inserese como uma adição suplementar, uma inscrição desnecessária porque não apenas complementar. Não parece ter sido criado para suprir uma carência, mas para alterar a dinâmica de um território. (GUATELLI, 2010, p.150, “grifo nosso”)

No trecho, analisando um projeto de Zaha Hadid – Habitação Estudantil em Viena, a ser apresentado posteriormente -, o autor exprime sua aprovação por uma atitude de projeto que, por excelência, “arrebata” e modifica dinâmicas do território, e pode, exatamente por seu caráter des-necessário, contribuir intensamente à mudança da atmosfera do lugar, ou seja, re-significar esse lugar, torná-lo único, legítimo, singular.

Ou seja, sustenta-se que a operação de reconversão, para se tornar efetiva e gerar lugares com sentido e ‘valor-urbano’ ao território e à sociedade, pode, de modo inusitado, instituir legislações e modelos de construção diversos dos comuns, dos que vinham, até o momento, sendo desenvolvidos e definidos por convenções de planejamento urbano tradicional de uma determinada cidade. Por outro lado, dependendo do grau de degradação e abandono de algumas áreas, pode-se desencadear uma operação constituída por ações radicais interventivas, como desapropriações e redesenho urbano de quadras e lotes. De acordo com Vitale e Lacaton, radicalismos e atitudes drásticas de projeto são viáveis a contextos em que o significado do lugar começa a se perder e apagarse. Guatelli (2010), por sua vez, defende que quando elementos que expressam a memória do lugar se tornam “rastros” na consciência coletiva, o contexto sugere e pede transformações:

Aprendizados Em concordância e diálogo com as requalificações apresentadas, neste trabalho, a terra industrial obsoleta assume o caráter de espaço público, e passamos ao destaque e referência à utilidade da mesma, em seu sentido urbano-social, em contraposição ao interesse individual ou ao próprio mercado imobiliário. O valor urbano é público por excelência, e deriva do reequilíbrio ambiental entendido como qualidade do sistema dos espaços públicos, mas também enquanto adequação de prestação (em um sentido capaz de superar um conceito mecanicista de standard), enquanto reprodução de caracteres de identidades, enquanto valorização de recursos locais (RUSSO, 1994, p.122, in VITALE, “tradução nossa”, “grifo nosso”).

Um abalo radical parece só poder provir de um certo fora, de algo que vem de fora, não para completar, 58

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No caso do Brás, tal “valorização de recursos locais” (RUSSO, 1994, P.122) se explicita à medida que analisamos as vantagens de se possuir lotes remanescentes e subutilizados numa área central de São Paulo: a proximidade para com a ferrovia torna a área acessível e referencial aos demais bairros, podendo abrigar equipamentos e/ou usos que sirvam à escala metropolitana; por ser um território com infraestruturas existentes – saneamento básico, transporte, saúde –, por oferecer comércio e serviços, pode incentivar o adensamento, com uso misto e habitacional 14. O território em transição se revela potencial a receber intervenções e novos usos imediatamente, sem necessitar de estruturações ou demolições significativas, considerando os vazios potenciais (lotes industriais obsoletos) existentes na área. Cabe à pesquisa um paralelo com Milton Santos (2005) a partir do conceito rugosidades, que pode salientar o que os lotes industriais obsoletos representam para a configuração, dinâmica e necessidades contemporâneas da cidade. O conceito de “rugosidades” introduz uma reflexão comum a cinco autores distintos, estudiosos que também veem nos resquícios industriais paulistanos, e no momento de latência em que se encontram tais áreas pós-industriais, potencialidades para receber intervenções urbanas. Esse é o tema do artigo de Rolnik e Frúgoli “Reestruturação urbana na Metrópole paulista: Análise de Territórios em Transição” (2000); essas são as áreas que aparecem como tendo características específicas no livro de Regina Meyer e Marta Dora, “São Paulo Metrópole” (2004) e no trabalho de Schiffer, Professora da Universidade de São Paulo (FAU USP), “São Paulo: Globalização da Economia e Impactos na Estrutura Urbana” (2004), e na

14:

Como previsto pelo Novo Plano Diretor, aprovado para a cidade de São Paulo em 2014, o adensamento de áreas centrais deve ocorrer em paralelo com a implantação de atividades comerciais e serviços, no térreo das edificações (“fachada ativa”), gerando vigilância às ruas, intensificando relações sociais e permanência nos espaços públicos.

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15:

Definição do dicionário Houaiss. 16: Tal afirmação se dá em concordância com quatro autores citados, que desenvolveram trabalhos contemporâneos com reflexões sobre o que o tecido industrial representa para o território da cidade.

tese de doutorado já citada, de Vitale. Em paralelo com as temáticas citadas, que “destacam e reconhecem antigas regiões industriais no território enquanto “espaços estratégicos para projetos urbanos de abrangência metropolitana” (MEYER, 2004, p.52), neste trabalho final de graduação, questiona-se e constata-se: Por que áreas industriais obsoletas são potencialidades em si mesmas, aptas a receberem novos usos, funções e atualização de sentido, e devem, portanto, serem vistas como reservas na cidade? Principalmente por serem registros de um tempo histórico, vinculadas ao tecido urbano consolidado da metrópole de São Paulo, fato que as tornou sobreviventes ao processo de substituição radical por parte do setor imobiliário. São testemunho (físico) da era industrial, pela singularidade que emanam ao território e à paisagem do Brás. Qualificadas como rugosidades, “são o espaço construído, o tempo histórico que se transformou em paisagem incorporada ao espaço. As rugosidades nos oferecem, mesmo sem tradução imediata, restos (...)” (SANTOS, 2005, p.173). Considerando tais “restos” como sobras 15 construídas durante um tempo histórico, marcas físicas, permanências na paisagem, as rugosidades são registros únicos na configuração metropolitana, potenciais a receber transformações, exatamente por já não corresponderem ao tempo histórico e às antigas necessidades presentes quando de sua construção. Podem e precisam, portanto, ser atualizadas no sentido de proporcionar ao espaço da cidade o que lhe falta 16. E o que falta à metrópole de São Paulo são possibilidades espaciais plenas e singulares de espaço público e de direito à cidade, à cultura urbana, diferentes do que foi produzido 61


pelo mercado, qualificadas para novas experiências de convívio social.

Na visão benjaminiana, cada presente possui uma reserva de passados intactos, sob a forma de constelações históricas específicas, que podem ser resgatadas pelo historiador para delas extrair o genuinamente novo (...) [objetivando] a construção de sentido do presente: a promessa do novo situa-se no passado, enquanto produto de um trabalho processual de construção (...). Nestes termos, proteger a memória significa proteger o passado, o presente e o futuro. Cabe a cada presente resgatar o próprio passado, arrebatando-o ao esquecimento e revelando os possíveis futuros que ele comportava. Ao extrair-se o passado do continuum da história, (...) ele torna possível a legibilidade do todo. (OUTERGOSA, 2009, “grifo noso”.)

Em cada período, há, também, um novo arranjo de objetos. Em realidade, não há apenas novos objetos, novos padrões, mas, igualmente, novas formas de ação. Como um lugar se define como um ponto onde se reúnem feixes de relações, o novo padrão espacial pode dar-se sem que as coisas sejam outras ou mudem de lugar. É que cada padrão espacial não é apenas morfológico, mas, também, funcional. Em outras palavras, quando há mudança morfológica, junto aos novos objetos, criados para atender a novas funções, velhos objetos permanecem e mudam de função (SANTOS, 1992, p. 77, “grifo nosso”).

A passagem de Santos, por sua vez, explicita a importância do papel das rugosidades num território em transformação, e as qualifica como potenciais a receberem novas funções. As áreas industriais obsoletas, como rugosidades são marcas históricas permanentes (que ali permaneceram), que, portanto, sustentam, introduzem e contextualizam a chegada de novas dinâmicas, dos novos usos, num território antigo. Além de ilustrar e contar a história do lugar, são vínculos e referências visuais à paisagem e memória do bairro. Cabe, neste momento, um importante paralelo com o autor Walter Benjamin, sobre uma de suas interpretações da sociedade moderna: Para Benjamin, “a memória é constituída de impressão, de experiência e sua importância e significado estão no fato de que ela é o que retemos, o que nos dá dimensão de sentido no mundo” (AGGIO, 1995, p.153-162).

Imagem 12. Paisagem urbana: Avenida Rangel Pestana, Brás, São Paulo.

62

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O trecho em destaque revela a dependência entre o “tempo presente” e os “passados intactos”, para legitimidade da história e fatos históricos. Estendendo o pensamento Benjaminiano à análise de um território urbano em transição, temos como resultado a importância da preservação de edificações e elementos que possuam caráter de “passados”, em meio à paisagem que se modifica, para que a sociedade assimile os processos pelo qual o território passou até tomar sua forma atual. Ainda num paralelo para com o urbanismo, para Benjamin, seria através dos componentes de uma paisagem que a população reconheceria o que, de fato, é aquele lugar. Na interpretação deste trabalho, os lotes industriais obsoletos são as “reservas intactas do passado” do Brás, e, somente se presentes e mesclados à paisagem atual, podem atribuir e expressar a singularidade do território. Sendo assim, as construções industriais são marcas do passado e transmitem a toda a sociedade a vocação e a memória, constituintes da atmosfera do lugar (genius loci). Sendo tais áreas remanescentes reservas históricas, enxerga-se, nelas, elementos visuais capazes de legitimar o bairro e sua história perante a memória coletiva. Encontrou-se no discurso de Benjamin motivações à interpretação dos lotes industriais como parcelas de terra democratizantes na cidade. Cabe à intervenção proposta, ao final deste processo investigativo, destinar esses espaços remanescentes à metrópole, principalmente por seu caráter e vocação em se tornarem territórios de uso e apropriação públicos, como forma de garantia de que a sociedade legimitime o bairro o mais rápido possível, o reconheça, defenda e zele pelo patrimônio que o mesmo representa.

O projeto de intervenção urbana na área do Brás difunde, ainda, a ideia de “legibilidade” territorial, à medida que os elementos de sua paisagem são responsáveis por reforçar e resgatar o próprio passado. A paisagem urbana que conserva o antigo, portanto, difunde sua história, esclarece significados e processos que ocorreram até o momento presente, é capaz de estimular um caminhar mais legível, seguro, familiar a quem percorre as ruas do bairro. As arquiteturas de diferentes épocas são, por sua vez, o manifesto do sentido e passagem dos tempos históricos em meio ao qual o bairro se manteve, se transformou e devem, essencialmente, resgatar o sentido do antigo, do presente e do futuro, diante do cenário urbano em constante atualização. Novamente toma-se Outergosa como referência, agora em relação à interpretação de Gaston Bachelard, na obra “A Poética do Espaço” (1993) : “um espaço feliz é um lugar que provoca, pacífica e espontaneamente, uma sensação de acolhimento, instigando a troca e a criação, e despertando uma ligação afetiva em quem nele vive, pela memória que persiste nas pedras, solidificando imagens, identidades e signos” (BACHELARD, 1993, p. 25 e 26). Na visão de Bachelard, a lembrança tem função primordial no espaço, atribuindo-lhe a condição de âncora da memória: “o inconsciente permanece nos locais. As lembranças são imóveis, tanto mais sólidas quanto mais bem espacializadas”. Todos os espaços com os quais estabelecemos uma relação de intimidade adquirem “valores oníricos consoantes”. São justamente as lembranças localizadas na região da intimidade que nos dão o sentido de valorização dos aposentos, praças, ruas, edifícios e paisagens que 64

65


constituem patrimônios da história da humanidade, de uma determinada sociedade. A ausência de possibilidade de devanear gera o estreitamento da imaginação e a acomodação em relação à realidade. Em outras palavras: a ausência do sonho, do devaneio, impede a construção de utopias. É neste sentido, e não como tentativa de um resgate de um tempo perdido ou de uma cultura já morta, que a preservação da arquitetura e dos ambientes urbanos adquire importância. (OUTERGOSA, 2009, “grifo nosso”).

Retomando a memória como referência direta ao passado e à história, volta-se às rugosidades (SANTOS, 2005) como “testemunhas construídas da perda de valorde-uso industrial” (VITALE, 2010, p.108), e se justifica, finalmente, o sentido singular dos lotes remanescentes do período industrial, atribuindo-lhes significado de reservas, “santuários” do processo histórico pelo qual o Brás passou e passa – considerando sua territorialidade em constante transformação -, que não pode ser ignorado, descaracterizado ou ter seus registros históricoarquitetônicos transformados em indeléveis rastros (GUATELLI, 2010), uma vez que estes são os únicos vínculos ainda passíveis de criação de laços entre passado-presentefuturo para a população atual.

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RASTROS

preservação e zelo pelo mesmo. Aqui, o rastro como uma condição frágil necessária para o surgimento da alteridade 17. O “além-do-ser” a surgir proveniente daquilo que parece sempre não mais estar lá, seja como uma presença quase ausente (desativada), “invisível”, ou como movimento de contaminação suplementar – e conseqüente superação daquilo que parece ser da “natureza” ou próprio de algo – do objeto e/ou territorial, a hibridização. (GUATELLI, 2010, p.77)

Inicia-se, assim, uma reflexão quanto ao que é necessário para (re)constituir e, atribuir sentido a um lugar (o Brás). Elegeu-se, para isso, três aspectos que parecem conformar um processo progressivo para reconhecimento de um lugar, por parte de sua população, pois contribuem para a consolidação de sua identidade: a condição coletiva, a legitimidade e a apropriação. Considerando que a memória, tema abordado no capítulo anterior, é capaz de consolidar uma condição coletiva no tempo, que a percepção da atmosfera de um território contribui diretamente para a formulação de uma consciência social sobre seu potencial e ao sentimento de pertencimento àquele lugar, atribui-se às construções, marcas físico-históricas (signos) em sua paisagem, o papel de revelar acontecimentos e pontuar aspectos socioculturais que legitimam o que o bairro representa, para a história da metrópole e para a sociedade. À medida que se compreende que a arquitetura marca e expressa percepções históricas de um lugar, é imprescindível investigar, na morfologia e paisagem urbana do Brás, edificações rastro (GUATELLI, 2010), capazes de transmitir visualmente a passagem de diferentes períodos da história, e que remetem, por sua vez, à consciência coletiva de um tempo em que o território prosperava. Acredita-se que tais arquiteturas “rastro” são pontes importantes com o passado, pois determinam a maneira com que novos “padrões” de ocupação são implantados perante o antigo. Quando se destaca e conscientiza que há, na paisagem urbana, um “rastro”, as demais arquiteturas e os próprios cidadãos são, talvez, conduzidos à atitude de

17:

Alteridade (definição do dicionário Houaiss): Substantivo. Qualidade do que é diferente, do que é outro. Filosofia: Caráter diferente, metafisicamente.

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Na primeira frase do trecho, destaca-se o rastro como sendo um estímulo ao aparecimento do outro, daquilo que é distinto, de caráter diferente. Por este trabalho tratar da análise da paisagem urbana do Brás, aplica-se a qualidade de rastro a alguns elementos, permanentes enquanto noção abstrata ou física do que é o bairro. O rastro, por não ser necessariamente uma marca física, é uma pista histórica, que mantém e expressa a vocação do lugar, que condiciona o comportamento dos demais elementos - sua atmosfera, infraestruturas, matérias, relações sociais - diante de novas situações – usos, des-usos, construções ou demolições - introduzidas no território pela contemporaneidade. O papel do rastro, portanto, é de preservação da memória, ao mesmo tempo que estimula respostas, por parte de um todo pré-existente (o bairro), às novidades. O rastro pode ser um sujeito único, de expressão físico-territorial, e que, paralelamente, faz-se prova conceitual de condições coletivas, da vida pública de uma época outra. Como elementos característicos da duplicidade 69


apresentada, tem-se, no Brás: a ferrovia-rastro, as ruasrastro, as vilas-rastro, os cinemas-rastro e os teatros-rastro. A ferrovia é um rastro, pois constitui uma infraestrutura histórica que se manteve presente e ativa no território, apesar de mudanças austeras no contexto econômico-social do país. Esvaziada de sentido no período pós-industrial, já que não mais servia de apoio ao escoamento de mercadorias, torna-se suporte do deslocamento de pessoas na cidade de São Paulo, desde a época da desconcentração fabril, até os dias atuais. Denominam-se ruas-rastro as vias estreitas ainda existentes, hoje, no desenho urbano, mas que, em muitos casos, não mais levam direta e livremente aos miolos de quadra – como resultado do raciocínio especulativo da incessante venda de parcelas de terra nesta região da cidade para a implantação das estruturas fabris, a partir da década de 1930, em que tais ruas passaram a ser fechadas ou interrompidas por muros e portões. Ainda que o desenho das vias tenha se mantido nas cartografias, seu uso – antes coletivo, como “atalho” e alternativa ao deslocamento do pedestre pelas calçadas tradicionais, laterais às vias de automóveis - foi restringido. Deste modo, tem-se um elemento histórico, – antigamente estruturador de percursos, permanências, relações urbanas e sociais singulares criadas em interiores de quadra -, que se manteve, no desenho urbano, porém não na estrutura fundiária nem na vida pública, por conta do (re)parcelamento do solo no bairro, durante o estopim das instalações fabris. O fato de cartografias como o mapa Sara Brasil, elaborado em 1930 – retrato do desenho urbano antecessor à difusão industrial na região -, já revelar a possibilidade do acesso do pedestre aos miolos de quadra,

Imagem 17. Comparativo entre o desenho urbano e a estrutura fundiária do Brás - análise do eixo Largo da Concórdia-Parque Dom Pedro II -, em 1920-1930 (Mapa Sara Brasil) e 1980-2015 (Mapa Digital da Cidade). Comparase as principais vias e os vazios nos interiores das quadras, nos diferentes momentos históricos. 70

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e da existência de tais ruas se fazerem explícitas nos mapas contemporâneos Gegran e MDC 18, é mais uma justificativa do caráter desses resquícios como “pistas” (físicas) de uma condição histórica favorável aos relacionamentos sociais nos espaços. Como situação de convivência pública e coletiva distinta às que se possui no território tradicional de São Paulo, uma hipótese projetual que (re)interpreta e resgata o contexto histórico-social, que convida e leva as pessoas aos vazios e ruas internas, minimizando a experiência da poluição sonora e da escala agressiva dos automóveis, poderia difundir com muito mais precisão a identidade das construções, dos caminhos, da atmosfera e das possibilidades de convivência no Brás, tirando proveito e (re)significando esse rastro. Às vilas localizadas nos quarteirões entre as vias Rangel Pestana e Rua do Gasômetro, por sua vez, atribui-se o sentido de rastro por serem ocupações que preservam a configuração histórica de moradia dos operários industriais, residentes em casas térreas ou sobrados, implantados nos interiores de quadra, de modo que todas as entradas voltavam-se a um pátio vazio e coletivo, em frente às residências, ligado e acessado por ruas-rastro. Tais vilasrastro se aproximam do significado das ruas-rastro para o território, por também serem registros físicos e expressões permanentes de uma estrutura fundiária que se mantém desde 1930– conforme retratado pela cartografia Sara Brasil. Como no discurso de Guatelli, rastros são, além de elementos que sempre estiveram presentes numa territorialidade, pontes entre o passado e o presente. Podendo ser expressos, no Brás, por construções desativadas, quase ausentes em meio à paisagem

contemporânea, que passaram por descaracterizações que as deixaram invisíveis aos primeiros olhares, mas que são permanências, ou seja, aspectos comuns – neste caso, à paisagem - entre recortes e momentos temporais distintos. As carcaças históricas – denominadas cinemasrastro e teatros-rastro -, identificadas a partir de análises minuciosas da paisagem, se mostram como determinantes ao contexto de contaminação suplementar sugerido por Guatelli, de modo que a existência de tais carcaças influenciariam futuros usos e determinariam conteúdos (construções) posteriores, que poderiam compor com tais edificações-rastro, e elevar seu potencial, numa superação de seu atual sentido – situação de des-uso, desativação –, pela fusão (hibridização) entre o novo (construção arquitetônica, intervenção contemporânea) e o antigo, permanente. Poderia, então, a arquitetura do edifício ser pensada como rastro, nem ausência nem presença absolutas, mas um querer-ser? Seria possível pensarmos a arquitetura do edifício a partir do rastro, de um quererser-algo além dela própria? (GUATELLI, 2010, p.78)

18:

Cartografias que retratam o desenho urbano da cidade de São Paulo e datam, respectivamente, 1960 e 2010.

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Partindo dos questionamentos feitos por Guatelli, reflete-se sobre o desejo e a intenção de re-significar o Brás como espaço público, propondo arquiteturas capazes de se combinar com as edificações-rastro, para constituir situações de apropriações coletivas, por parte dos usuários da cidade. Neste trabalho de graduação, ensaiam-se arquiteturas que visam “costuras, alinhavamentos e articulações (...) num processo de colocar-se em público como um ser presente, mas não auto-suficiente, reduzido em seu sentido e frágil o suficiente para se por com” 73


(GUATELLI, 2010, p.), ou seja, compor com o rastro e com o existente, “compor-se não como um ente ideal ou idealizado, a-temporal e acima do público, mas a ser fortalecido, em sua razão de ser, pelo público” (GUATELLI, 2010, p.), ou seja, pela cidade e por seus habitantes.

de resgate histórico de conteúdos programáticos, de complementariedade ao caráter comercial consolidado e atual do bairro, de superação e diversificação de suas dinâmicas urbanas.

Uma arquitetura pensada como um meio de fortalecimento e enriquecimento de um ser-passado, nem absolutamente ausente nem absolutamente presente e, ao assumir o caráter conflituoso do próprio processo de com-posição, de por-se e posicionar-se com o outro, possibilitaria a emergência de novos sentidos e da alteridade quando ligada, hibridizada, deformada, amalgamada, quase fundida a algo além dela própria, além-de-si-mesma. (GUATELLI, 2010, p.76 , “grifo nosso”.)

Neste sentido, “a prática do amálgama enquanto proximidade do próximo [rastro], aproximação, dissolução de fronteiras entre o próprio [construção nova] e o próximo [rastro], entre arquitetura e cidade” contribuiria para que, juntos, numa composição elaborada para a paisagem – com a nova arquitetura se deformando, se fundindo ao rastro -, se buscaria atingir um grau de distinção e singularidade territorial. A prática do amálgama, por ser aproximação e fusão para com a pré-existência, inspira-se e capta o uso e a vocação do rastro, para se expressar e complementá-la no território. Partindo das carcaças dos cinemas e teatros, ao longo do eixo viário Rangel Pestana 19, considerando que tais equipamentos constituíam, conforme já citado, um cenário e época de prosperidade social e cultural no bairro, adota-se, como estratégia projetual, a escolha de programas culturais, no que se acredita ser uma condição

19:

Ao lado, leituras feitas sobre a cartografia do Brás (MDC, 2015). Destaca-se os cinemasrastro, teatros-rastro, vilasrastro, existentes atualmente no território de intervenção urbana - compreendido entre as Avenida Rangel Pestana e Rua do Gasômetro, do Largo da Concórdia (à direita) ao Parque Dom Pedro II (à esquerda). Destaca-se, ainda, as ruas-rastro, de acesso ao interior das quadras, em sobreposição aos imóveis em des-uso (vermelho).

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Desajustar o sentido dado

Imagem 13. Habitação estudantil em Viena, projeto de Zaha Hadid.

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Antes de apresentar o projeto de intervenção, nos valemos do estudo de caso da Habitação Estudantil em Viena, de Zaha Hadid, que antecipa discussões e atitudes projetuais, que serão comuns ao Brás. O projeto foi implantado numa área semiperiférica de Viena, Áustria, sobre a estrutura existente de um viaduto histórico, de Otto Wagner. O lugar, onde há uma estação de metrô subterrânea, uma incineradora de lixo e uma usina termal - construída em 1969 para fornecer energia ao município e a um novo hospital que estava sendo construído na mesma época, há 2 km da área de intervenção -, estava obsoleto por conta da desativação de um ramal férreo, fato que dificultava a conexão entre este território ao restante da cidade. Hadid, no entanto, entendeu o caráter singular que o viaduto e o ramal férreo atribuem ao lugar, e passou a tratá-los como rastros, implementando o sentido dos mesmos com ações projetuais: propôs que o ramal férreo se tornasse uma ciclovia, capaz de manter a articulação do território em continuidade com o tecido e desenho urbanos, e transformou a função original do viaduto em suporte ao desenvolvimento de formas e volumes arquitetônicos, reciclando seu uso e significado, re-significando-o como infraestrutura, completando-o como elemento singular, transformador de dinâmicas e da paisagem urbana ao seu redor. Partindo da observação das fotos, nota-se a disposição de blocos ao longo de um viaduto existente, revelando a atitude projetual de Hadid de compor uma nova relação com a paisagem urbana existente, com sua 77


arquitetura: “Um grande conjunto tectônico, de formas irregulares, fraturadas, tortuosas e aparentemente instáveis, envolve o antigo viaduto” (GUATELLI, 2010, p.77) As edificações se amalgamam e com-põem com o viaduto histórico, transformando-o num passeio de pedestres e ciclistas, nível comum e de conexão entre todos os blocos. Além dos edifícios conectarem cotas distintas – nível do canal do rio Danúbio, do térreo convencional da cidade, do viaduto – inter-relacionam elementos urbanos de caráter público, como deck inferior para permanência e contemplação do canal, deck superior de passeio para conexão entre os lados da cidade, percurso de pedestres no viaduto, como uma passarela elevada, observada e segura, delimitada por arquiteturas, de constante circulação e contato social por conta da proximidade para com os moradores dos blocos habitacionais. Para consolidar a intervenção e o uso contínuo e constante dos edifícios propostos, Hadid, novamente, inovou quanto aos programas a serem abrigados nos edifícios, que, ao olhar convencional, não são necessários e aparentemente (des)combinam entre si: residência, comércio – lojas, restaurante e bicicletário sob o viaduto -, danceteria – no subsolo, articulada à estação subterrânea do metrô -, e linhas-de-força estruturais - a ciclovia no ramal férreo, o passeio pelo viaduto, o deck superior de conexão direta para com a estação de metrô -. A nova “condição espaço-temporal” introduzida ao local se revela como “um conjunto urbano que parece não mais ser possível de ser visto como uma somatória ou justaposição de situações” já que “sobre o território do deslocamento, da passagem e da ligação, anuncia-se um território da tessitura, da costura, da articulação, da

permanência” (GUATELLI, 2010, p. 80). Neste sentido, assemelham-se as intenções de transformação de contextos urbanos, tanto em Hadid quanto na argumentação sobre a reconstituição do território obsoleto do Brás, uma vez que este trabalho propõe o resgate sócio-cultural da área justamente pela proposição de novos programas, da vida e escala do pedestre, que também não são, atualmente, pontuados como necessidades no Brás, mas que, entende-se, são capazes de levar um dinamismo e sentido outro ao lugar. Na intervenção em Viena, as unidades de habitação estudantil foram espalhadas por todos os blocos, para garantir a variedade de atividades, de horários de apropriação das estruturas, espontaneidade de usos aos decks, considerando o dinamismo que os jovens naturalmente atribuem aos espaços das cidades. O estudo de caso, portanto, é expressão da filosofia de Lacaton de “nunca demolir, e sim adicionar” para ganhar e travar novos sentidos urbanos. Guatelli também discursa sobre este aspecto da intervenção, quando afirma:

Imagem 14. Habitação estudantil em Viena, projeto de Zaha Hadid.

O projeto de Hadid insere-se como uma adição suplementar, uma inscrição des-necessária porque não apenas complementar. Não parece ter sido criado para suprir uma carência, mas para alterar a dinâmica de um território. Já cumprindo um papel de alinhavo territorial, o viaduto, evidentemente [convencionalmente], não seria “complementado” por um programa habitacional.(GUATELLI, 2010, p. 81) Imagem 15. Blocos habitacionais envolvem o viaduto preexistente.

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Imagem 16. Deck e passeio para pedestres, em cotas distintas.

Com relação ao estudo de caso, no entanto, Hadid dialoga com infraestruturas urbanas, e implanta o 79


conjunto de edifícios conectando escalas distintas (escala do rio, da rua, do passeio público, da moradia) num lugar onde construções arquitetônicas não eram vistas como “necessárias”. No entanto, foi essa iniciativa de transformar drasticamente um contexto e paisagem consolidados – sub-utilizados – que garantiu sucesso e recuperação à vida pública no local. No Brás, trabalhar-se-á com um contexto de arquiteturas totalmente construído e consolidado, no qual o maior desafio é compor (por-se-com), preencher e amalgamar à paisagem pré-existente, de maneira a re-valorar entorno e novas arquiteturas de maneira igualitária e complementar, e jamais apoiar ou dar mais um subsídio para a especulação imobiliária se valer. É por isso que, para o Brás, propõem-se novos edifícios que também possuem o caráter do rastro, que não são “valiosos” como mercadoria, mas sim como conjunto urbano. E que jamais possuem significado ou sentido sozinhos, uma vez que foram projetados partindo de elementos existentes (empenas cegas), para reconstituir o todo: a paisagem urbana, a escala do pedestre, o convívio social. O discurso de Guatelli de que “o espaço político, da polis, torna-se dinâmico nesse promissor processo de fortalecimento de um rastro” (GUATELLI, 2010, p.153), passa a orientar e motivar a maneira de se intervir num território com conteúdo e densidade histórica, como o Brás. À medida que se considera que as arquiteturas-rastro exalam uma presença do “além-do-ser” – ou seja, emanam energia de outros tempos, são potências no espaço, por serem registros físico-históricos, em relação aos demais objetos arquitetônicos inseridos num mesmo contexto

urbano -, entende-se que as mesmas podem induzir o caráter e os usos que o entorno terá. Uma vez contaminado pela intensidade histórica de seus rastros, tem-se um lugar próprio, como parcela de terra e paisagem urbana singulares. A partir daí, tal imagem e identidade formuladas passam a orientar e motivar a implantação de objetos que mantenham a legibilidade do território, de modo que os usos, situações e programas, passam a ser complementares e dialoguem entre si, visando a preservação do “espírito” e da atmosfera (genius loci) locais. Esse processo de atribuição de valor e reconhecimento da história de um lugar pode levar, talvez, à apropriação espontânea e coletiva das áreas da cidade, justamente pelo fato de que a sociedade contemporânea, que “necessita” (HARVEY, 1980) de mais espaços livres e de qualidade – que permitam atividades de experimentação, ócio, expressão -, passa a assimilar a constituição de sua atmosfera como referencial a um espaço aberto – físico e conceitualmente, não limitante, democrático -, convidativo ao público, e que, por permitir uma leitura clara e facilitada quanto ao que tal região representa e proporciona como urbanidade, recebe e encoraja novas formas de utilização de seus espaços. No caso do Brás, portanto, pontuar os edifíciosrastro, as ruas-rastro, vilas-rastro e cinemas-rastro, poderia conduzir ao resgate de antigas dinâmicas, que garantiam prosperidade e convivência público-democrática nos anos 40, e que se perderam ao longo do tempo, por conta de demolições ou descaracterizações das décadas pósindustriais. Como resultado teórico-projetual, acredita-se 80

81


que os equipamentos e espaços públicos, fortalecidos pela presença dos rastros, que, por sua vez, reforçam a atmosfera atemporal do bairro – e caracterizam sua paisagem como imigrante, migrante, operária, fabril -, provocam e constituem uma experiência espacial única e peculiar, incapaz de ser implantada noutra parte da cidade, principalmente pelo caráter histórico de proposição da mistura de atividades e públicos 19.

19:

Para exemplificar o caráter democrático do bairro, destacase o fato de pessoas com poderes aquisitivos bastante distintos frequentarem, na década de 194070, os mesmos cinemas, teatros e conviverem respeitosamente no âmbito público, conforme relato de um morador de uma das vilas, desde 1947, para o blog ‘São Paulo Antiga’- acesso às 21horas, no dia 5 de abril de 2015. O Largo da Concórdia, por sua vez, foi cenário de encontros, antes do início dos espetáculos no Teatro Colombo (em frente), por parte da elite paulistana, e, por ser uma praça aberta, democrática, permitia interação física e visual entre os espectadores e os trabalhadores do bairro, bem como para com os automóveis e transeuntes, que retornavam das fábricas aos cortiços ou às vilas operárias. Reconstitui-se esse cenário buscando uma reflexão sobre quais equipamentos culturais da metrópole contemporânea possuem espaços públicos, fora de seu perímetro privativo, como ponto de encontro antecedente ao espetáculo, e o quão interessante é a ideia de ter, na cidade de São Paulo, mais áreas públicas que motivem a interação social, rompendo preconceitos, que se façam instigantes ao convívio de pessoas distintas entre si, fortalecendo a integração pública.

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Imagem 17. Teatro Colombo, em frente ao Largo da Concórdia, 1908. O teatro foi completamente destruído por um incêndio, em 1966. Atualmente, um edifício da caixa econômica federal preenche seu lugar, fazendo com que a atmosfera cultural do Largo da Concórdia se perca.

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Memória do lugar Obsolescência industrial Espaço do reconhecimento Paisagem urbana Miscigenada Desindustrialização e Desconcentração Industrial Transformação do lugar Tempo histórico Coleção de Potencialidades Tipologia Singular Atmosfera cultural Vilas O lugar da indústria/o lugar da transformação: o brás e a cidade hoje rua interna Tecido urbano preexistente Substituição Densidade histórica do lugar Subutilização Dimensão pública Registros físicos de tempos passados Caráter industrial Vida pública Paisagem urbana Miscigenada Território em transformação Preexistências Tijolos Memória do lugar Obsolescência industrial Espaço do reconhecimento Paisagem urbana Miscigenada Desindustrialização e Desconcentração Industrial Transformação do lugar Tempo histórico Coleção de Potencialidades Tipologia Singular Atmosfera cultural Vilas O lugar da indústria/o lugar da transformação: o brás e a cidade hoje rua interna Tecido urbano preexistente Substituição Densidade histórica do lugar Subutilização Dimensão pública Registros físicos de tempos passados Caráter industrial Vida pública Paisagem urbana Miscigenada Território em transformação Preexistências Tijolos Memória do lugar Obsolescência industrial Espaço do reconhecimento Paisagem urbana Miscigenada Desindustrialização e Desconcentração Industrial Transformação do lugar Tempo histórico Coleção de Potencialidades Tipologia Singular Atmosfera cultural Vilas O lugar da indústria/o lugar da transformação: o brás e a cidade hoje rua interna Tecido urbano preexistente Substituição Densidade histórica do lugar Subutilização Dimensão pública Registros físicos de tempos passados Caráter industrial Vida pública Paisagem urbana Miscigenada Território em transformação Preexistências Tijolos Memória do lugar Obsolescência industrial Espaço do reconhecimento Paisagem urbana Miscigenada Desindustrialização e Desconcentração Industrial Transformação do lugar Tempo histórico Coleção de Potencialidades Tipologia Singular Atmosfera cultural Vilas O lugar da indústria/o lugar da transformação: o brás e a cidade hoje rua interna Tecido urbano preexistente Substituição Densidade histórica do lugar Subutilização Dimensão pública Registros físicos de tempos passados Caráter industrial Vida pública Paisagem urbana Miscigenada Território em transformação Preexistências Tijolos Memória do lugar Obsolescência industrial Espaço do reconhecimento Paisagem urbana Miscigenada Desindustrialização e Desconcentração Industrial Transformação do lugar Tempo histórico Coleção de Potencialidades Tipologia Singular Atmosfera cultural Vilas O lugar da indústria/o lugar da transformação: o brás e a cidade hoje rua interna

LEITURAS URBANAS

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Contaminação positiva Cultura urbana Rastros Paisagem urbana não-demoliçao apropriação Memória do lugar amálgama Caráter público Necessidade coletiva valor urbano Genius loci Desajustar o sentido dado ferrovia Uma reserva de passados intactos Industrial Rugosidades percurso Mudança de dinâmicas Registros físicos no tempo Legibilidade interior de quadra vazios Valorização de recursos locais Coleção de potencialidades democratizantes ciclo-faixa (re)conexões arquitetura fragmentada Novo: produto de um trabalho processual de construção Atmosfera do lugar Construção de sentido do presente (re)conversão Condição coletiva (re)uso Legibilidade territorial Lotes industriais obsoletos são as “reservas intactas do passado” do Brás resgate Legitimar o bairro e sua história perante a memória coletiva memória é cultura urbana Contaminação positiva Cultura urbana Rastros Paisagem urbana não-demoliçao apropriação Memória do lugar amálgama Caráter público Necessidade coletiva valor urbano Genius loci Desajustar o sentido dado ferrovia Uma reserva de passados intactos Industrial Rugosidades percurso Mudança de dinâmicas Registros físicos no tempo Legibilidade interior de quadra vazios Valorização de recursos locais Coleção de potencialidades democratizantes ciclo-faixa Contaminação positiva Cultura urbana Rastros Paisagem urbana não-demoliçao apropriação Memória do lugar amálgama Caráter público Necessidade coletiva valor urbano Genius loci Desajustar o sentido dado ferrovia Uma reserva de passados intactos Industrial Rugosidades percurso Mudança de dinâmicas Registros físicos no tempo Legibilidade interior de quadra vazios Valorização de recursos locais Coleção de potencialidades democratizantes ciclo-faixa Memória coletiva vazios a lembrança tem função primordial no espaço Potencialidades praças Desajustar o sentido dado ferrovia Uma reserva de passados intactos Industrial Rugosidades percurso Mudança de dinâmicas Registros físicos no tempo Legibilidade interior de quadra vazios Valorização de recursos locais Coleção de potencialidades democratizantes ciclo-faixa Tranformação A condição coletiva, a legitimidade e a apropriação percurso não-convencional vazios Valorização de recursos locais Coleção de potencialidades democratizantes ciclo-faixa Memória coletiva vazios a lembrança tem função primordial no espaço Potencialidades praças Perspectiva de futuro ferrovia-rastro ruas-rastro vilas-rastro cinemas-rastro teatros-rastro vazios fortalecimento da integração pública ultura urbana Rastros Paisagem urbana não-demoliçao Desajustar o sentido dado ferrovia Uma reserva de passados intactos Industrial Rugosidades percurso Mudança de dinâmicas Registros físicos no tempo Legibilidade interior de quadra vazios Valorização de recursos locais Coleção de potencialidades democratizantes ciclo-faixa Memória coletiva vazios a lembrança tem função primordial no espaço Potencialidades praças Desajustar o sentido dado ferrovia Uma reserva de passados intactos Industrial Rugosidades

RE-SIGNIFICADO

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HIPÓTESE PROJETUAL Atitude [projetual]: Significa obter resultados extraordinários em termos de qualidade de construção [arquitetônica]. (...) Significa tratar todas as situações [urbanas] como excepcionais, dando prioridade àquilo que não é amado (admirado), que é desastroso ou parece inacabado (...). (Não se constrói) para aumentar disparidades urbanas, propondo ações emblemáticas ou isoladas, mas para reequilibrar funções e prazeres urbanos. (...) Busca-se iniciar a ação de (re)construção [urbana] transformando situações frágeis préexistentes, partindo de questionamentos simples: Há algo necessário a se fazer aqui? O que é faltante? (LACATON, 2015, “tradução nossa”.)

Escolha do território Diante do momento atual de latência e transformação das paisagens urbanas de bairros tradicionalmente industriais paulistas, bem como do destaque dado por autores como Regina Meyer, Raquel Rolnik e Letizia Vitale ao território pós-industrial em obsolescência na cidade de São Paulo, elegeu-se o Brás como área de estudo, potencial a receber intervenções projetuais.

Deseja-se o vazio no interior de quadra como um espaço público, urbano, livre e democrático: de encontro, fluidez, interações entre arquiteturas, praças, pedestres.

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Imagem 18. Território de intervenção. Fonte: Google Maps.

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Localizado na região central da metrópole, entende-se o bairro como potencialidade principalmente por possuir variedade de sistemas de transportes públicos – trens da CPTM, metrô e faixas de ônibus -, sendo, assim, de fácil acesso e interligação para com as demais regiões da cidade, apto a comportar equipamentos públicos e espaços de referência e escala metropolitanas. Destacam-se dois fenômenos atuais responsáveis por descaracterizações da paisagem histórica do bairro – sofridas a partir de 1970, período marcado pela desconcentração industrial no país - e pelo esvaziamento de suas ruas em horários não comerciais – fenômeno, este, que revela a baixa densidade habitacional, falta de diversidade de usos, acontecimentos, novidades nas ruas no bairro, que se difiram da temática comercial: a ocupação de antigas estruturas fabris por instituições religiosas, para eventos esporádicos, a demolição de rastros (carcaças) históricos para construção de produtos do mercado imobiliário - como condomínios fechados residenciais, que voltam seus muros ao térreo da cidade sem preocupação em dialogar com o entorno construído -, contribuindo para a diminuição da permanência de pessoas pelas ruas do bairro, bem como para a escassez dos “olhos da cidade”, da sensação de acolhimento e de pertencimento ao lugar, ao se percorrer suas ruas. Como arquitetura, tais produtos do mercado imobiliário, por sua vez, se distinguem da paisagem urbana e de suas pré-existências, uma vez que se impõem como torres individuais, como condomínios clubes focados em desestimular a saída das pessoas dessas áreas e do convívio social para além de seus muros. Sem vínculos com a materialidade, gabarito ou escala das edificações

históricas, as intervenções dos condomínios, de cunho especulativo, tornam a paisagem do território, que já estava em transformação, desertificada - ainda que aumente a densidade habitacional -, uma vez que as torres são “estranhas” à paisagem da cidade, isoladas dela. A estratégia de intervenção projetual (a seguir) parte da análise do desenho urbano do bairro, da época em que o mesmo se estruturava, década de 1920-30, início da instalação da indústria no território às margens da ferrovia. Com base no mapa Sara Brasil – retrato dos lotes e quadras da cidade, em 1928-1933 – identificamse três condicionantes do desenho urbano da época: o traçado viário, que ligava o Largo da Concórdia ao Parque Dom Pedro II, através das Avenidas Gasômetro e Rangel Pestana; as ruas estreitas, que se estendiam ao interior das quadras, de acesso às vilas; e os vazios nos interiores de quadra (ver imagem 17), áreas livres aos lotes ou às vilas.

Imagem 19. Circulados, tem-se as carcaças culturais: cinemas-rastro e teatros-rastro, ainda existentes (porém em des-uso) ao longo de toda a extensão da Avenida Rangel Pestana.

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1. RE-LEITURA: Identifica-se e se propõe a retirada de lotes obsoletos, subutilizados (estacionamentos e depósitos, imóveis térreos de propriedade de transportadoras) identificados no eixo de intervenção.

2. RE-DESENHO: vazios potenciais revelam-se no tecido urbano, após a desapropriação (a favor da cultura e vida pública urbana) dos imóveis subutilizados. Os vazios se conectam, se fundem às ruas-rastro e às calçadas existentes, com-pondo acessos ao interior das quadras.

3. RE-SIGNIFICADO: Conecta-se os vazios às ruas-rastropotenciais revelam-se no tecido urbano, após a retirada de imóveis subutilizados (estacionamentos e depósitos, térreos).

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Atitude

entre estratégias e ações projetuais e apropriação pelos usuários. A hipótese projetual, motivada pela temática intrínseca e comum às discussões levantadas pelos autores citados é pautada na construção da cidade e dos espaços públicos na escala das pessoas e para as pessoas, estímulo à melhoria da qualidade urbana. Deste modo, acredita-se que a proposição de um percurso (caminho) não-convencional, entre quadras, não linear, variado em dimensões, arborizado, iluminado, com equipamentos públicos e arquiteturas pontuais em meio à sua extensão, além de bancas de jornais, de frutas e de flores dispostas ao longo de seus meandros e interiores, contribui para que o caminhar dos pedestres se torne dinâmico, para que a percepção das distâncias percorridas a pé mude, se torne mais segura e estimulante, por conter elementos que incentivam a permanência e a apropriação coletiva dos espaços públicos propostos.

No sentido de resgate e (re)valoração do Brás como lugar, a proposta de intervenção urbana aqui apresentada caracteriza um projeto de oposição à reprodução de modelos do mercado imobiliário, à ocupação de estruturas fabris por uma parcela restrita da sociedade, à descaracterização da paisagem do bairro e à perda de edifícios que marcam e expressam sua memória industrial. O Plano Urbano para a área, nesta instância, é a constituição de um percurso para pedestres, por interligação de interiores de quadra, incorporando lotes atualmente vazios ou subutilizados, articulando-os às ruasrastro internas às quadras onde há vilas existentes. A motivação e elaboração de um projeto de intervenção teve como perspectiva uma proposta de desenho urbano capaz de gerar espaços que aproximam o bairro e a população, com foco na escala e convívio entre as pessoas, motivada pelos discursos dos autores Jane Jacobs, Igor Guatelli e Anne Lacaton, que sustentam o desenvolvimento e construção da cidade criando vínculos

À medida que o percurso encanta, varia, cria novos fluxos e relações entre as pessoas, fortalecem-se, pretende-se, as experiências de cidadania.

Imagem 20. Re-leitura: destaca-se os lotes obsoletos e/ou subutilizados desapropriados, para elaboração da hipótese de intervenção urbana do Largo da Concórdia (à direita) ao Parque Dom Pedro II (à esquerda).

Imagem 21. Re-desenho urbano: articulação de vazios e ruas-rastro.

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Retomando o estudo de caso, considerando que a ação de Hadid para re-habilitação da área existente é uma projeção de transformação para o futuro do local, pautada no projeto de espaços livres, que venham a ser úteis e dinâmicos à medida que o público passa a se apropriar deles, estende-se tal perspectiva de futuro repleto de mudanças ao Brás: Qual potência territorial urbana poderá haver nessa combinação entre espaço urbano físico, comércio, moradores, percursos não-convencionais, miolos de quadra vazios e novos transeuntes?

Imagem 22. Nota-se o novo desenho urbano, resultante da interligação entre as quadras (expresso pelo piso único), do Largo da Concórdia ao Parque Dom Pedro II (1,2km lineares). Ao incorporar as travessas e ruas internas (existentes) aos vazios (propostos), tem-se um percurso contínuo na escala do pedestre. Para fruição pública a pé ou de bicicleta, interligam-se as quadras por um tipo de piso único, e cruzam-se as vias por lombo-faixas, estratégia projetual que reforça a continuidade do percurso, sua materialidade, prioriza o conforto e a segurança das pessoas, na travessia das vias.

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Imagem 23. Rastros revelados, complementados e valorizados pelos vazios.

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Imagem 24. Novos programas articulados garantem dinamismo aos vazios, atraindo diversos usuários ao percurso. Neste sentido, o conteúdo progrmático fragmentado democratiza o território, onde anteriormente as únicas novidades em termos de construção faziam-se decisões do mercado imobiliário.

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Imagem 25. Legibilidade urbana: propsta de comunicação visual no piso contínuo do percurso, orientativa aos pedestres e ciclistas, usuários cotidianos ou esporádicos destes espaços.

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Imagem 26. Legibilidade urbana: piso único (intertravado cinza) para o percurso; grama e madeira, no Largo da Concórdia, tornando-o uma praça livre, favorável ao encontro e à cultura urbana, uma vez que a madeira é um elemento convidativo e acolhedor; revitalização do gramado do parque Dom Pedro II.

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Imagem 27. Como re-desenho e re-significado, tem-se a conexĂŁo entre duas ĂĄreas verdes, arborizadas, por um percurso singular no bairro e na cidade.

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A S

A S Elevação Rua do Gasômetro (existente)

A R Q U I T E T U R A S

A R Q U I T E T U R A S

Elevação Rua do Gasômetro (proposta)

N A

N A

P A I S A G E M

P A I S A G E M

Elevação Av. Rangel Pestana (existente)

110 Elevação Av. Rangel Pestana (proposta)

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Atualização

com outros usos, como habitação, serviços, educação, resultando em dinamismo e (re)ativação de atividades com ocorrências paralelas.

Considerando a quantidade elevada de lotes obsoletos e interpretando-os como vazios potenciais e à espera de transformação e atualização, a proposta urbana apresentada busca introduzir novos programas – principalmente culturais e recreativos, escassos na área do Brás e no restante da zona leste -, bem como a implantação de espaços públicos e áreas livres, demandadas pela cidade. Deste modo, ainda no sentido de atualizar o território histórico, a estratégia projetual objetiva conectar o percurso de pedestres aos interiores de quadra onde serão implantadas edificações, destacando as históricas em meio ao passeio. O percurso constitui um corredor cultural e histórico, que interliga partes importantes do bairro e destaca alguns edifícios pré-existentes. Como um Corredor Cultural, articula programas e apoia a fruição pública, e é, ainda, um caminho alternativo, que acontece nas quadras e ruas perpendiculares às Avenida Rangel Pestana e Gasômetro, de caráter coletivo, que proporciona aos cidadãos a experiência de percorrer a “história da cidade”, enquanto caminham pelo bairro.

Há, (histórica e tradicionalmente, em arquitetura) no processo de definição programática, na maioria dos casos, uma utilização a-crítica daquilo que permanece na história como o mais apropriado, o próprio de cada tema. (GUATELLI, 2010, p.144)

Entende-se, baseada na afirmação de Guatelli, que a diversidade de programas pontuados ao longo do Corredor Cultural seria uma reinterpretação da escolha convencional de usos, em arquitetura. Deste modo, por conta da combinação destas atividades não ser convencional, conseguiria-se, mais facilmente, alcançar singularidade e dinâmicas únicas para o território, que expressem seu valor-urbano perante a cidade e as pessoas, em oposição à especulação do mercado. Fortalecimento de culturas urbanas Nesse sentido, se faz, ainda, um paralelo com os ideais do filósofo e sociólogo alemão Oskar Negt, que compreende a mistura e a diversidade como maiores catalisadores de trocas de experiências entre as pessoas de uma mesma sociedade. Para o pensador, no texto “Esfera Pública e Experiência: para a análise da organização da esfera pública burguesa e proletária” (1972), as pessoas vivem excluídas, focadas em si-mesmas, sob a ótica e escala individuais – facilitadas por tecnologias de incentivo ao relacionamento virtual, não-físico. No entanto, necessitam voltar a participar e conviver no âmbito público, uma vez

Fragmentação programática Conforme citado anteriormente, acredita-se que equipamentos e programas de caráter cultural e público possam contribuir de maneira mais eficaz à permanência e utilização do percurso proposto. Propõe-se a diluição do programa de uma mediateca em vários edifícios, fragmentado ao longo do Corredor Cultural, combinado 112

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que essa alienação do espaço coletivo da cidade enfraquece a cultura urbana (NEGT, 1972). Para Negt, o desenvolvimento intelectual da sociedade ocorre com o convício no meio coletivo, público, democrático, propício e estimulante à trocas de experiências, relatos da vida e exposição de problemas cotidianos. Se, para ele, a “cultura acontece nos espaços públicos”, os mesmos podem vir a ser a solução, no contexto contemporâneo e no caso do Brás, para se fortalecer culturas urbanas, enfraquecer e findar a diferença social neste território, tornando-o único como área de permanência e efervescência cultural. À escala da metrópole A mediateca é a “atualização” da biblioteca, porém se faz mais dinâmica e lúdica, uma vez que seu programa, as instalações internas e a difusão de informações, ganham apoio de tecnologias – projeções, digitalizações, acervo e consultas online – que permitem acessar obras – livros, CDs, DVDs, jogos, filmes – por um sistema operacional ilimitado e digital. É, portanto, um programa de necessidades contemporâneo, que se encaixa e supre demandas de pesquisa e educação na escala da metrópole. É aplicável ao território da cidade de São Paulo, por oferecer números ilimitados de exemplares de livros digitalizados, podendo, portanto, reunir um acervo incontável e variado de disciplinas existentes, hoje, no mundo globalizado. Quanto à escala metropolitana, por ser um programa inexistente na cidade de São Paulo – salvo a Mediateca Osesp (Centro de Documentação Digital

Imagem 28. Destaca-se as quadras a serem detalhadas neste trabalho. Hipóteses projetuais formuladas após a reflexão teórica e urbana sobre o território do Brás. No croqui 01, edifício do museu - da história do Brás, da Migração -, e escadarias que levam à sua espacialidade subterrânea, como transposição da ferrovia. No croqui 02, vazio no interior da quadra interpretado com praça seca, livre e pública, edifício da mediateca. 114

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Maestro Eleazar de Carvalho), inaugurada em 2010, no primeiro pavimento da Sala São Paulo, mas que é limitada, pois somente contempla disciplinas relacionadas à música clássica -, poderia, portanto, atribuir um significado singular ao Brás, colocando-o como referência territorial e destino (físico e digital, acessado via website) capaz de atender demandas educacionais e difundir informação sobre e para a cidade.

Imagem 29. A passarela elevada (precária) é, atualmente, a única alternativa para o pedestre transpor a ferrovia. Ao fundo da foto, observa-se a Estação Roosevelt. A maioria dos pedestres, no entanto, opta por percorrer os viadutos para automóveis, nas laterais estreitas e impróprias ao caminhar, para acessar as demais partes do bairro. 116

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Arquiteturas

Como usos e programas, a transposição se caracteriza como museu de fluxo: um eixo linear explícito, para travessia direta por parte dos pedestres e ciclistas, e patamares e salas de ensaio que envolvem tal eixo. A disposição dos patamares olha o eixo vazio, de transposição contínua, e torna-se um espaço com vocação para o encontro e a permanência. Como espaço fortalecedor das culturas urbanas e estimulante às relações sociais, transforma a passagem subterrânea num lugar (vazio) cheio de vida. De pessoas. Em frente aos patamares, há salas de ensaio de dança e teatro, fechadas por vidro: são a materialização (imaterial, do vidro) e o estímulo à espontaneidade do uso dos espaços, da liberdade de expressão.

(...) (Intervir/construir) é um trabalho focado em criar sensibilidade, gentileza, atenção. E atenção direcionada aos usos dados pelas pessoas, às estruturas, às árvores, insetos, a todo elemento que (ali) preexiste, e que permitem [ao território] abrigar, guiar, encantar. É um trabalho no qual se considera atenção igual a todo tipo de geografia. É um estudo do potencial para a evolução e transformação de cada situação construída, que já equipa e consolida o território. (LACATON, 2015)

Vazios Para viabilizar a continuidade do percurso de pedestres, da Concórdia ao Parque, propõe-se enterrar as vias elevadas (viadutos Rangel Pestana e Gasômetro), que antes passavam e segregavam o Largo da Concórdia. Deste modo, unifica-se o desenho urbano do Largo e uma parte da Rua do Gasômetro é transformada em rua de pedestres, viabilizando a implantação dos acessos (escadarias e rampas) à transposição subterrânea da ferrovia. Na hipótese de levar vida ao subsolo urbano, propõem-se vazios em meios aos trilho dos trens. Os vazios revelam e re-significam o trem: seus tempos, ritmos, sons com-põem com a arquitetura. Como aberturas zenitais, possibilitam iluminação e ventilação natural na espacialidade enterrada, na cota -5.50. Os vazios, ainda, favorecem a composição do espaço subterrâneo com a mistura de robustas estruturas de concreto aparente com áreas de jardins rebaixados (em relação à cota 0.00 da cidade).

Imagens 30, 31 e 32. Ilustram a hipóstese da transposição subterrânea como um vazio singular, estimuante à cultura urbana. 118

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O Corredor Cultural, portanto, faz-se presente na espacialidade deste subsolo habitável, expresso pelo piso único (igual ao da rua de pedestres, na cota 0.00) e pela busca da difusão da cultura, em meio ao cotidiano da cidade, num vazio urbano. Implantação, praças e pisos Escolheu-se, também, uma segunda área potencial à implantação de um dos edifícios da mediateca, a quadra entre a Rua Oiapoque e a Rua Correa de Andrade, por conter uma edificação de seis pavimentos, com empenas cegas voltadas ao vazio urbano criado após as desapropriações (imagem 40). Numa configuração de térreo inóspito e inadequado ao percurso do pedestre, cercado por muros (empenas), propõe-se a implantação do edifício principal da mediateca. Numa aproximação para com o projeto de Hadid, mesclar usos à quadra em que será implantada a mediteca, como o habitacional, a academia de ginástica - com atividades 24 horas -, a marquise sob a qual há um café, um ateliê e uma peuqnea marcenaria. A marquise, que ora margeia ora protege o percurso, implanta-se no térreo, desdobrando-se e encostando às empenas. Avança para além da qudra, convidando os pedestres desde a calçada a entrar no interior da quadra. Ao longo do Corredor Cultural, a variedade de usos fazem com que ele componha a infra-estrutura de mobilidade aos pedestres e ciclistas, e sugere a possibilidade de co-existência de tempos distintos da cidade e do bairro, permanência e aglomeração de pessoas, além da passagem e percurso. 122

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Como a proposta do Corredor Cultural é proporcionar espaços livres, com permanência e fruição pública, vistos e acompanhados pelos olhos da cidade (atividades no térreo e fachadas ativas) e articulados, na escala do pedestre, seria imprescindível trabalhar com um projeto que enfrentasse o tema da empena cega, e que a transformasse numa face ativa. Desta maneira, conforme mostrado pelos diagramas anteriormente, trabalha-se com arquiteturas que possam “anular” empenas cegas, reveladas após a remoção de lotes subutilizados, tornandoas fachadas vivas, ativadas por edificações implantadas próximas às mesmas, e de volumetria resultante deste processo de amálgama – “amálgama” no sentido de uma nova edificação ocupar o espaço livre entre empenas cegas. Os diagramas revelaram dois aspectos importantes da estratégia projetual, formulação que pode ser usada para implantação de novas edificações, em interiores de quadra: a preservação da continuidade entre os percursos que constituem o Corredor Cultural, e a volumetria final dos novos edifícios, determinada pela anulação de empenas cegas e pelo gabarito das construções vizinhas. Para preservar a constituição do Corredor Cultural, um eixo vazio, que se pretende legível, de uma calçada à outra da quadra, deve ser mantido (tal eixo contínuo aparece indicado com a seta vermelha, nos diagramas), antes e para implantação de qualquer edificação na quadra, colocando-se como determinante e limitante ao desenho de qualquer arquitetura. Destaca-se a importância de se manter o eixo de conexão entre quadras sem bloqueios visuais - sejam esses edificações ou arborização -, descoberto, iluminado

natural (durante o dia) e artificialmente (durante a noite). Os aspectos citados garantem legibilidade ao percurso como um todo único, uma interligação direta que dá a certeza ao pedestre de que seguindo o piso contínuo poderá percorrer o quilômetro linear proposto, indubitável e ininterruptamente.

Imagem 33. Implantação dos edifícios na quadra.

Imagem 34. Paisagem urbana da Avenida Rangel Pestana; identificação dos lotes obsoletos que darão lugar ao vazio de implantação da mediateca. 124

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PRIMEIRO PAVIMENTO

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Formas

investimentos (previstos à área) para que se consiga atingir situações urbanas de melhorias, de modo que todos possam se beneficiar com tais ações públicas. As percepções (aqui descritas) são em prol da remoção do sentido (meramente) financeiro, de quaisquer classificações e disparidades sociais, que possam ser limitantes às obras habitacionais (e às demais construções) urbanas. É [um manifesto] sobre opor-se ao princípio da produção de habitações (e construções) como produto econômico. É sobre, finalmente, poder atribuir às arquiteturas uma generosidade de usos, que lhes tem sido negada nos últimos 50 anos.” (LACATON, 2015, “tradução nossa”.)

É impossível não considerarmos a arquitetura edificada a partir de sua inexorável presença; faz parte do ser-no-mundo da arquitetura a ação de colocar-se em presença do público. Porém, tal condição histórica não nos impede de pensar e questionar essa razão de ser da arquitetura e como essa ação de colocar-se poderia ocorrer. (GUATELLI, 2010, p.144).

Neste trecho, Guatelli nos instiga a refletir sobre dois aspectos resultantes de atitudes de intervenções urbanas num território: a implantação de edificações novas diante de um contexto pré-existente, abordando como a novidade trata ou deveria tratar o antigo, para um relacionamento importante entre arquiteturas de diferentes momentos históricos; e o significado de se manter as préexistências, valorizando o rastro, complementando-o, e não se impondo como protagonista do contexto existente.

O pensamento de Guatelli e Lacaton, nas passagens textuais apresentadas, assemelham-se, uma vez que assumem posicionamentos de oposição à arquitetura “protagonista” de um contexto consolidado. Em concordância com ambos os autores, a proposta projetual aqui apresentada hora preenche, hora revela vazios urbanos em meio ao território do Brás, destacando seu papel de constituintes a partir de uma paisagem préexistente, não se limitando, portanto, a ser apenas forma ou volumetria arquitetônica visando benefício e destaque próprios. Visam, como projeto de transformação e (re) valoração de uma área urbana, amalgamar-se às empenas cegas existentes, para, assim, com-por e articular percursos no entre quadras, como suporte visual e de apoio ao passeio do pedestre, seguro e de qualidade.

Neste sentido, vale dialogar, novamente, com a arquiteta contemporânea Anne Lacaton, que manifesta o mesmo ideal que Guatelli, quanto a não demolir nem ofuscar pré-existências com novas formas, uma vez que são os rastros que contextualizam historicamente, introduzem e justificam o sentido e a presença da novidade, naquele território: Percepções [territoriais]: se dão sob a ótica da nãodemolição. Baseiam-se em jamais desfazer o que está feito (construído), mas sim em sempre adicionar (ao existente). Se dão com base em não cortar/podar o que está vivo. Se dão em ordem de rearranjar 130

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Imagem 35. As arquiteturas nas quadras abertas, os percurso nao-convencionais, os espaços livres e públicos.

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Imagem 36. Legiilidade do percurso principal (pedra mineira), interligando ambas as quadras. À frente, edifício da academia; rua Oiapoque e lombro faixa; mediateca, ao fundo.

Imagem 38. Acesso à mediateca pela Avenida Rangel Pestana. Notase a variação do número de pavimentos da mediateca e fragmentação de sua volumetria, orientada pelo gabarito dos edifícios vizinhos (preexistencias).

Imagem 37. Legiilidade do percurso principal, ao se cruzar o interior da quadra da mediateca, sentido Largo da Concórdia. Destaca-se a arquitetura do edifício como os olhos da cidade voltados ao vazio.

Imagem 39. Acesso à mediateca pela Rua Oiapoque. À esquerda, empena cega revestida por parede verde (painel vertical para cultivo de vegetações naturais).

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Volumes A volumetria fragmentada da mediateca foi motivada pela existência e anulação das empenas, voltada ao interior de quadra: conforma-se por volumes quase encostados às empenas e recuados do alinhamento tradicional das ruas, revelando praças secas (espaços públicos) à frente das edificações, vazios urbanos de transição entre as vias e a atmosfera lúdica do interior da quadra, vazio convidativo à apropriação e permeabilidade das pessoas à quadra aberta, pela Avenida Rangel Pestana ou pela Rua Oiapoque. Tal praça de convívio citada é caracterizada por um piso intertravado, comum a toda a extensão do percurso, conforme dito anteriormente, que configura o térreo livre e público, comum a todas as quadras desta intervenção, uma vez que os novos edifícios são implantados sobre pilotis, numa estratégia projetual que busca legitimar os térreos como espaços públicos para apropriações coletivas. Para identificar os halls da mediateca, pisos de ladrilho hidráulico se sobrepõem ao piso intertravado da praça, e recebem o pedestre. Os ladrilhos funcionam como um “tapete” urbano, garantindo legibilidade das áreas de estar pelos cidadãos, estimulando o uso das mesas de estudo e espaços de projeção (“mini-cinemas”, videotecas), dispostos sobre o mesmo, para entretenimento e permanência das pessoas no espaço público proposto. Vedações A importância da escolha de elementos arquitetônicos - como pisos e vedações – para constituir um térreo público convidativo, é imprescindível. 136

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Imagem 40. O térreo público: vedações e pisos configuram espaços de estar e eixos de fruição.

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Adota-se fechamento dos halls de elevadores por painéis de vidro piso-teto pivotantes, já que a transparência do vidro contribui para a integração visual entre espaços internos e o ambiente externo. A possibilidade da abertura dos painéis do chão à laje do primeiro pavimento, por sua vez, configura a flexibilidade do fechamento e, portanto, dos limites físicos entre a edificação e a cidade. Como resultado dos gabaritos inseridos, determinados pelas alturas das pré-existências vizinhas, tem-se a inserção da mediateca (em volumes fragmentados) como um elemento arquitetônico que se flexibiliza com implantação e volumetria que completa o vazio entre empenas, sem se sobrepor às construções antigas, inserindo-se como continuidade da paisagem urbana consolidada. A pele de vidro que conforma o fechamento da mediateca, por estar recuada e criar varandas, pede a colocação de uma segunda pele e/ou guarda-corpo, na extremidade das lajes. O programa interno escolhido, por sua vez, necessita de áreas de penumbra, favoráveis à atmosfera lúdica, às projeções, telões, informativos luminosos, característicos do espaço interno tecnológico e contemporâneo. Ciente da necessidade de criação de espaços internos com baixa insolação e luminosidade, inicia-se uma reflexão sobre a materialidade externa da edificação, e o que a mesma representa em termos de paisagem, para o pedestre, que caminha e a vê do térreo, para quem a observa de dentro dos automóveis, para os edifícios vizinhos, para o entorno pré-existente e consolidado, e, principalmente, para o território histórico do Brás.

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CORTE A-A (Edifício da mediateca ampliado). Explicativo quanto à estratégia projetual usada para criar ventilação cruzada; o vazio deixado entre as empenas e o edifício marca a transição ente a preexistência e a novidade, na arquitetura.

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Materialidade

variado à fachada da Rua Oiapoque. Cria-se, portanto, uma relação de proximidade para com a herança industrial e a vocação da paisagem urbana do bairro, à medida que se aproxima, referindo-se, aos períodos pré e pós-industriais com este material préfabricado, expressando-se a importância dada ao caráter de resgate e continuidade para com a identidade histórica do lugar.

Parte-se, deste modo, do estudo e observação das fachadas, vedações e materiais característicos e de destaque na paisagem do bairro, ao longo da Avenida Rangel Pestana e da Rua do Gasômetro. Nota-se, próximo ao Parque Dom Pedro II, na Avenida Mercúrio, o edifício Palácio das Indústrias – atual Catavento Cultural - construído em 1911, que apresenta elementos construtivos e ornamentais ecléticos, feitos com tijolo. Num segundo momento de observação, na Rua do Gasômetro, próximo ao palácio citado, destaca-se o muro e os pavilhões de tijolos da Casa das Retortas, parte do conjunto de edificações do Complexo do Gasômetro – responsável pela produção, armazenamento e distribuição de gás na cidade de São Paulo - inaugurado em 1890. Há, ainda, uma edificação histórica de tijolos, que abrigava uma das grandes fábricas de tecelagem do Brás, que se destaca na paisagem da Avenida Rangel Pestana, próxima ao Largo da Concórdia, como resquício industrial, temática deste trabalho . Deste modo, tem-se o uso do tijolo como desejo de composição da materialidade da nova edificação (mediateca) implantada no bairro tradicional e consolidado, como resgate e diálogo para com épocas e edifícios históricos existentes e preservados em sua paisagem urbana. A construção de cheios na fachada da Mediateca com blocos de tijolo ecológico – versão atualizada do material – é orientada de acordo com a necessidade de ambientes escuros do espaço interno, o que garante ritmo

Imagem 41: percurso contínuo, lombo faixa conduzindo o pedestre a cruzar a via (Rua oiapoque); edifício da mediateca, com painéis de tijolo criando a fachada dinâmica, com cheios e vazios.

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Imagem 42. Os edifícios, pavimentos, atividades, se entreolham dada a implantação das arquiteturas nas quadras abertas. Destaca-se a vista do primeiro pavimento da mediateca, vê-se a academia, o percurso cruzando a via, a marquise e o edifício habitacional.

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CONSIDERAÇÕES…

dos espaços propostos. Deste modo, no contexto do Brás, entende-se e coloca-se cada um dos rastros, a serem combinados com a intervenção projetual e com o conteúdo programático, como “(...) nem presença, nem ausência, mas articulação e fluxo de acontecimentos não-previstos no tempo e espaço, [como] possibilidade de insubordinação do programa” (GUATELLI, 2010, p.156). Novamente citando Guatelli (p.80), e buscando aplicar seu pensamento teórico à proposta de projeto, “operar um programa como um rastro (...) seria operálo como motor de fluxo contínuo de acontecimentos imprevistos”, atribuindo-lhe valor ilimitado, mutante, à medida que os fatores tempo e território se transformam, numa progressão do que poderia significar essa ação de intervenção num tempo futuro.

Não é mais possível clamar a evolução da cidade sem questionamentos e razões para se viver e permanecer em seu território (...). (LACATON, 2015, “tradução nossa”.)

Neste projeto de intervenção urbana, colocou-se a arquitetura como insuficiente e frágil quando interpretada sozinha, fora do contexto que a originou. O Brás, como campo de atuação delicado, não permite outro modo de intervenção que não aquele que preserve sua memória e coloque em destaque seus rastros. Citando Guatelli, 2010, “o projeto sugere a possibilidade de um rastro transformar-se em uma potente linha urbana” (pág. 77), uma vez que se tornam marcos e pontos de referência ao percurso dos pedestres. O Corredor Cultural, percurso proposto, nesta instância, perseguiria esta ideia: (...) o que parece amalgamar território e pessoas e fortalecer o nó e a possibilidade de uma des-limitação imponderável das manipulações e solicitações programáticas possíveis por parte do fruidor urbano.” (GUATELLI, 2010, p.155).

Objetivando uma transformação na paisagem e entorno a longo prazo, concebe-se arquiteturas que não são formas, mas sim dinâmicas urbanas em relação com o entorno, exatamente por não serem constituídas por volumes autistas ao espaço metropolitano, por preencherem vazios gerados pela intervenção, e transformá-los em potenciais suportes aos percursos, à escala do pedestre, aos usuários 148

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Bibliografia

São Paulo, OUT 2000. (acesso em 20 de julho de 2015).

AGGIO, Sandra Mara, Cidade e Memória em Walter Benjamim in revista Caramelo , n◦ 8, São Paulo: FAU-USP, nov./95, pp. 153 – 162.

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BACHELARD, Gaston, A Poética do Espaço, São Paulo: Martins Fontes, 1993.

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BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da Cultura. São Paulo: Brasiliense, 1985.

ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. Tradução de Eduardo Brandão. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

JACOBS, Jane. Morte e vida das grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

VITALE, Letizia. Áreas industriais na orla ferroviária: valorização imobiliária ou valor urbano? São Paulo, 2013.

GUATELLI, Igor. Indeléveis Rastros. Pós USP v.17 n.28, São Paulo, DEZ 2010 (p. 144 a 156) GUATELLI, Igor. Pensar Sobre Rastros: Arquiteturas além do objeto. O Arquiteto e a Cidade Contemporânea, São Paulo, 2010, p.74 -81. JACOBS, Jane. Morte e vida das grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2001. LACATON, Anne. Discurso em evento Freedom of Use, na Universidade de Harvard. Cambridge, 24 de MAR 2015 (“tradução nossa”). MENDONÇA, Denise Xavier de. Rossi e Eisenman... Freud explica!. Artigo revista Vitruius Arquitextos 005 11ano 01, 150

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Imagens

Imagens 30 a 42. desenhos, montagens de autoria e elaboração próprias.

Imagem 1. Foto de autoria própria, tirada em 2015. Imagem 2. Foto de autoria própria, tirada em 2015. Imagem 3. Foto de autoria própria, tirada em 2015. Imagem 4. Fonte: Google Imagens (acesso dia 14 de abril de 2015). Imagem 5.Fonte: Google Imagens (acesso dia 14 de abril de 2015). Imagem 7. Foto de autoria própria, tirada em 2015. Imagem 8. Fonte: site Gestão urbana (acesso em 15 de setembro de 2015). Imagem 9. Fonte: Google Imagens (acesso dia 14 de abril de 2015). Imagem 10. Foto de autoria própria, tirada em 2015. Imagem 11. Foto de autoria própria, tirada em 2015. Imagem 12. Foto de autoria própria, tirada em 2015. Imagem 13. Foto de autoria própria, tirada em 2015. Imagem 14. Fonte: Google Imagens (acesso dia 14 de abril de 2015). Imagem 15. Fonte: Google Imagens (acesso dia 14 de abril de 2015). Imagem 16. Fonte: Google Imagens (acesso dia 14 de abril de 2015). Imagem 17. Fonte: site São Paulo Antiga, disponível em http://www.saopauloantiga.com.br (acesso dia 11 março de 2015). Imagem 18. Fonte: Google Imagens (acesso dia 14 de abril de 2015). Imagens 19 a 28. desenhos, montagens de autoria e elaboração próprias. Imagem 29. Foto de autoria própria, tirada em 2015.

Imagem p. 6. Fonte: site São Paulo Antiga, disponível em http://www.saopauloantiga.com.br (acesso dia 11 março de 2015) Imagem p. 11. Fonte: site São Paulo Antiga, disponível em http://www.saopauloantiga.com.br (acesso dia 11 março de 2015) Imagem p. 38. Foto de autoria própria, tirada em 2015, no Brás. Imagem p. 67. Fonte: site São Paulo Antiga, disponível em http://www.saopauloantiga.com.br (acesso dia 11 março de 2015) Imagem p. 76. Fonte: Google Imagens (acesso dia 14 de abril de 2015). * Os demais mapas e tabelas já foram referenciados no próprio texto. **As demais imagens não referenciadas são desenhos e cartografias de autoria própria, elaborados para a disciplina de projeto da FAU Mackenzie (2015).

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