Arquitectura Andante - As Arquitecturas do Metro do Porto

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arquitectura andante ENTREVISTAS

P R O VA F I N A L PA R A L I C E N C I A T U R A E M A R Q U I T E C T U R A F A U P 0 8| 0 9



F R E D E R I C O

V I E I R A

arquitectura ENTREVISTAS


Prova Final Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto Aluno Frederico Manuel Calçada Vieira Docente Acompanhante Arq.to Nuno Brandão Costa Estágio Curricular Realizado no período de 15/10/07 a 15/04/08 no atelier Teixeira Sousa Arquitectos Associados Lda. sob a responsabilidade do Arq.to José Carlos Sousa. Agradecimentos Ao Professor Nuno Brandão, pela orientação e aconselhamento sempre eficazes. Aos Arquitectos: Adalberto Dias, Adriano Pimenta, Alcino Soutinho, Álvaro Siza, Bernardo Távora, Carlos Cruz, Eduardo Souto Moura, João Álvaro Rocha, e José Gigante, pelas conversas e pelo material fundamental. Ao Metro do Porto, pela autorização dos registos fotográficos. Aos amigos e família, por estarem lá sempre que preciso. Maio 2009


Índice Intro

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1. Alcino Soutinho

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Estação Brito Capelo

2. Bernardo Távora

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Estação Sra. da Hora

3. João Álvaro Rocha

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Estação Parque da Maia

4. José Gigante

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Estação Póvoa de Varzim

5. Carlos Cruz

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Estação Estádio Dragão

6. Adalberto Dias

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Estação Pólo Universitário

7. Álvaro Siza Vieira

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Estação São Bento

8. Adriano Pimenta Estações Casa da Música, Bolhão e Trindade

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Intro Bom dia, O meu nome é Frederico Vieira. Agradeço em primeiro lugar a sua disponibilidade, e a oportunidade que me deu de chegar à conversa consigo. Sou aluno do último ano da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, e estou neste momento a preparar a Prova Final com o título “Arquitectura Andante: As Arquitecturas do Metro do Porto”. Em conjunto com o meu orientador, o Arq. Nuno Brandão Costa, pareceu-nos enriquecedora a possibilidade de completar este trabalho com algumas breves entrevistas aos arquitectos responsáveis pelos espaços que escolhi estudar. As questões que lhe proponho pretendem, de uma forma geral, ser respondidas também pelos outros arquitectos, e, em conjunto, penso que constituirão um interessante testemunho daquele que foi o vosso contributo para a Arquitectura, para o Metro, e para as cidades que redesenharam. Assim começaram as entrevistas que, ao longo de vários meses, fui conduzindo com alguns dos arquitectos do Metro do Porto. Feitas de uma forma aleatória, e ditadas sobretudo pela apertada agenda dos entrevistados, tiveram como objectivo principal reunir pela primeira vez as opiniões e perspectivas destas pessoas sobre uma matéria que lhes é comum: as Arquitecturas do Metro do Porto. Tendo por base as dez estações analisadas nesta Prova Final, propus-me chegar à conversa com cada um dos seus responsáveis. Foram quatro as questões centrais e comuns a todos eles: a primeira sobre a chegada à equipa de trabalho, a segunda sobre as condicionantes impostas no projecto, a terceira sobre a relação com o lugar, e a última sobre a opinião global quanto à intervenção. Quer acontecessem no final de um dia de trabalho, ou num qualquer intervalo entre discussões de atelier, os encontros deram-se invariavelmente frente a estiradores carregados de projectos, por entre maquetas e papéis desenhados, e acompanhadas quase sempre pelo fumo de um cigarro. Sobre a mesa, um pequeno gravador de bolso registava as conversas que teria de reproduzir inúmeras vezes. As palavras de cada arquitecto foram depois meticulosamente analisadas, transcritas, e revistas por eles próprios, na tentativa de traduzir, tão fielmente quanto possível, as respostas que deram após cada pergunta. 7


O resultado destes oito interessantes encontros vai, no entanto, para além das palavras escritas, e do que me foi possível traduzir com elas. Estas foram acima de tudo conversas únicas, extremamente enriquecedoras, e seguramente inesquecíveis. Momentos em que confrontei arquitectos cujo trabalho segui e analisei ao longo dos anos, recebendo em primeira mão as suas ideias. Percebi que havia afinal um Homem por trás de cada Arquitecto, sempre com uma voz e um sorriso diferentes, e todos eles com convicções e personalidades particulares. Entendi as dificuldades que encontraram, e em que medida afectaram cada experiência. Constatei que estavam todos unidos pela obra, mas também por relações de afinidade, respeito e amizade, que faziam muitas vezes cair os últimos nomes, ou os títulos de “arquitecto”. Em conjunto com a análise decorrente da vivência destes espaços, as entrevistas constituíram um importante e fundamental contributo para que mergulhasse na complexa realidade do processo de construção do Metro do Porto. No espaço de tempo que duravam, deixava o plano do utilizador e estudante de Arquitectura, para me juntar ao entrevistado enquanto Arquitecto, partilhando do pensamento por trás da obra. Ao aproximar-me da compreensão daquilo a que chamei Arquitectura Andante, produzi ainda conhecimento sobre o papel da Arquitectura em geral, e sobre a temática que envolve uma intervenção na cidade. A oportunidade de falar, mas sobretudo ouvir Arquitectos que admiro, remataram da melhor forma um percurso pela Faculdade de Arquitectura do Porto, introduzindome ainda pessoalmente àquele que é o discurso e as preocupações de um mundo profissional onde a actividade projectual é cuidada, responsável, e capaz de produzir beleza.

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1. Alcino Soutinho Estação Brito Capelo FV – É capaz de me contar resumidamente como é que chega a fazer parte do projecto Metro do Porto? AS – Eu fiz parte de uma das equipas perdedoras, digamos assim, de entre as várias que concorreram à adjudicação do Metro. Era um consórcio liderado pela Engil mas com várias parcerias. Apresentamos também o nosso projecto, mas a adjudicação acabou por ser entregue à Soares da Costa cuja responsabilidade de coordenação era do Eduardo Souto Moura. Ele entendeu, do meu ponto de vista bem, que era uma tarefa excessiva sobretudo quanto ao timing e considerou por isso adequado formar uma equipa com parcerias e com distribuição do trabalho conforme os diversos locais. Nessa distribuição terão jogado não só questões de amizade, mas sobretudo questões ligadas ao conhecimento profissional das pessoas a integrar na equipa. Quanto a nós, para além dessas valências que terão seguramente influído a decisão, importou o facto de termos também feito parte do concurso como coordenadores na parte da arquitectura e estarmos de alguma maneira mais familiarizados com o processo. Na sequência dessa distribuição do trabalho integramos como parceiros o projecto Metro, aceitando obviamente a coordenação do Eduardo. O facto de os membros escolhidos terem sido pessoas realmente de confiança tanto ao nível profissional como pessoal foi quanto a mim, numa avaliação feita à distância, uma mais-valia que considero ter sido importante quer para o projecto quer para as relações que tínhamos de estabelecer, até porque o nosso início foi relativamente conturbado. Era um projecto pioneiro e não havia ainda um conjunto de aceitações que teve de ser delineado e posto em curso entre a Administração do Metro e a Câmara de Matosinhos. FV – Como é que foi desenvolver um trabalho que tinha à partida fortes condicionantes não só técnicas, devido ao funcionamento do sistema, mas também formais impostas por uma pormenorização tipo do Arq. Eduardo Souto Moura? AS – A pormenorização foi muito condicionada pelos lugares. O Metro, conforme lhe disse, atravessava um território multifacetado que ia desde o campo às cidades muito consolidadas e suscitava ponderação para as F01 - Fotografia gentilmente cedida pelo próprio Arq. Alcino Soutinho.

pormenorizações específicas a cada caso, salvo evidentemente aquilo que era a linha e a margem ao longo da qual

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todas as infra-estruturas se desenvolviam. Houve nesse aspecto grandes polémicas como foi o caso dos postes que sustentavam as catenárias e dos quais discordávamos em absoluto por pensarmos que seria possível desenhar uma coisa mais delicada, mas que entretanto dados os compromissos e os interesses empresariais associados foram declarados pelo Metro como um processo adquirido e irreversível. São elementos do nosso ponto de vista muito pesados e que procuramos aligeirar, mas não foi possível. A Rua Brito Capelo foi um caso complicadíssimo. Nós discordamos um pouco da utilização da Brito Capelo por ser uma rua muito comprometida. Naquela altura, o Presidente da Câmara Narciso Miranda achou que seria mais oportuno fazer o Metro passar por aquele espaço na medida em que lhe conferia uma certa modernidade e agitação face à decadência que se vinha verificando no comércio tradicional da rua, e apesar de defendermos a passagem pela avenida que lhe é paralela, mais descomprometida e onde seria mais fácil introduzir todo o sistema, isso assim não aconteceu. O problema da suspensão das catenárias foi por exemplo muito sério porque era preciso recorrer às fachadas sendo que não havia uma unidade de cérceas. Depois tivemos de retirar dali o trânsito mecânico salvaguardando corredores que garantissem o acesso a cargas e descargas para o sector comercial. Havia ainda um compromisso da parte da Câmara de criar percursos cobertos laterais que, funcionando como uma galeria, pudessem acentuar a vida comercial daquela via. Nós fizemos estudos e mais estudos ao longo de um processo muito penoso que envolvia inclusivamente os comerciantes, mas apesar de todo o esforço empenhado constatamos que a multiplicidade colossal de infra-estruturas daquele espaço tornava completamente impossível encontrar um ritmo. Com a ajuda de um grande trabalho de campo e em conjunto com as medições que fazíamos directamente, conseguimos encontrar um sistema de apoios não modelados que encontravam depois um elemento estrutural condutor a partir do qual saíam as consolas que suportavam essas coberturas. Apesar de esta ter sido uma ideia que perdurou por bastante tempo, a determinada altura os custos que implicava tornaram-se completamente impensáveis e foi portanto abandonada. Acabamos por fazer o sistema de pavimentação tentando resolver o cais, que como sabe requer a altura da plataforma nivelada com o estribo das carruagens; para isso invertemos o processo natural de elevação numa espécie de negativo que faz o Metro mergulhar, mas cumprindo os mesmos objectivos. Isto tudo enfim, para que possa entender que cada intervenção teve as suas particularidades e os seus desenhos específicos porque assim era necessário. FV – Como é que foi a relação da sua linguagem com a imagem e a identidade comum pretendidas pelo Arq.

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Eduardo Souto Moura? AS – O Eduardo Souto Moura nunca nos impôs qualquer tipo de linguagem. Nós desenvolvemos as inserções e as soluções das ruas e do espaço público com projectos nossos e de acordo com as necessidades do Metro a que era estritamente necessário responder, como eram o princípio da eficácia e todos os elementos infra-estruturais debaixo de terra. Relativamente à parte da imagem penso que não teve grande peso, digamos que havia quase um subentendido que estava já expresso nas coisas. Há para mim uma questão notável que eu muito aprecio em relação à intervenção Metro em Matosinhos, e digo-o sem qualquer tipo de orgulho profissional: é que se chega lá e não se sabe se houve algum arquitecto ou alguém a intervir ali. A naturalidade com que as coisas acontecem vem da minha maneira de entender a cidade, e um passeio é um passeio. Tenho de resto uma crítica muito severa em relação às intervenções feitas em 20011 na cidade do Porto, salvo a intervenção feita pelo Alexandre Alves Costa e Sérgio Fernandes na Rua Sá da Bandeira, uma intervenção pacata que não procura protagonismo nem pirotecnias desnecessárias. Digo isto sem problemas até porque todas as pessoas que intervieram em 2001 são pessoas que considero competentes, quer sob o ponto de vista profissional, quer humano. Quanto ao Metro em Matosinhos, e embora esteja agora a falar comigo, estou convencido que dentro de meia dúzia de anos ninguém fará ideia de quem fez aquilo, e é precisamente assim que interessa que seja. A história do chão das cidades, salvo praças como o Campidoglio ou outras assim, são sobretudo coisas naturais e completamente banais como as ruas e vielas. Em Matosinhos julgo que é isso que acontece. Apesar de ter sido feito por nós e de sabermos as complexidades, as dificuldades, os debates e as dores de cabeça que tivemos, tanto ao nível do projecto como das negociações, penso que não há protagonismos. Uma coisa que dizia muito aos meus alunos quando ensinava era que um arquitecto, para além de fazer os seus projectos, tem de usar de um grande senso comum nas suas relações humanas e com as outras disciplinas que intervêm. Nós neste projecto utilizamos muita dessa sensibilidade, isso é uma coisa que está lá e que fica esquecida. Não tenho esta posição por espírito de modéstia pessoal, mas antes porque é assim que entendo uma intervenção na cidade deste tipo. Repare que se todos nós começássemos com orgulhos profissionais e assumíssemos em cada intervenção as nossas convicções pessoais teríamos um Metro que seria uma sucessão de coisas diferentes, e saberíamos em cada 1. As intervenções urbanísticas coordenadas pela Sociedade Porto 2001, e feitas no âmbito do projecto Porto 2001 Capital Europeia da Cultura.

trecho onde começava o trabalho de um e acabava o trabalho do outro. FV – Quais foram as preocupações particulares ou pessoais que teve no desenvolvimento de uma Estação

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Metro naquele Lugar? AS – Esta era à partida uma estação mais pesada sob o ponto de vista do conforto e do abrigo em relação a todo um conjunto de outras estações mais aligeiradas. Foi-nos dito que para além do programa de funções base e primárias, que se prendiam com o facto de ser um local de espera para os utentes Metro, esta estação teria ainda um conjunto de outras valências ligadas aos serviços de apoio e informação a esses mesmos utentes. Esta dimensão advinha do entendimento que aquele era um espaço central e importante que devia por isso funcionar como uma espécie de pivô da rede Metro em Matosinhos. O que esteve em causa desde logo foi portanto conseguir uma abertura que fosse detectável como uma estação importante, não como uma pequena loja de ocasião onde se venda tabaco ou revistas, mas como uma Loja Metro que ia estar permanentemente aberta. A parte de cima era um complemento, era um edifício que tinha de se fazer porque a Câmara assim exigia. Numa rua já tão cheia de movimento, a Câmara pretendia um edifício que a nivelasse pela cércea mais significativa, rés-do-chão mais primeiro e segundo, e portanto fizemos um coisa perfeitamente banal e tranquila que aliás teve a particularidade de ter sido projectada e construída com muito pouco tempo. As pressões do Metro em relação àquela estrutura foram de tal maneira grandes que tivemos de fazer aquela coisa com uma rapidez enorme, e embora até o tenhamos projectado com pormenorizações foi depois construído com igual rapidez surgindo quase por geração espontânea. Acho que nunca fizemos um projecto com tanta velocidade. A Estação Brito Capelo foi muito para além do projecto do edifício onde instalamos a estação coberta, e constituiu-se como o tratamento de toda aquela rua. No sentido de marcar um lugar e um espaço preciso, há junto à estação um afundamento ou desnivelamento do chão que cria também uma perturbação significativa e nos faz pressentir que algo se passa ali que não é rua simplesmente. Está ainda previsto, não sei bem ainda quando, estudar para a frente da estação uma réplica não inserida na frente urbana com uma estrutura de cobertura do cais que possa ampliar o nível de conforto e abrigo dos utentes também do lado contrário. Tenho contudo uma crítica muito grande ao funcionamento do Metro e ao seu sistema de controlo: acho aquilo insuportável. Já tive nesta sala uma discussão enorme com o Eng. Eduardo Vieira que acha aquilo superiormente moderno, inteligente e fantástico, mas eu continuo a acha-lo uma idiotice total. Tal como acontece nos metros de Paris, Berlim, Madrid, Londres, tem que haver um sistema mais simples em que se possa chegar,

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comprar um bilhete e ir rapidamente à nossa vida. Um estrangeiro que chegue ao aeroporto e queira utilizar o Metro está desgraçado. Este esquema de zonas reutiliza um conceito que existia já no eléctrico do tempo em que estudava Arquitectura nas Belas Artes em S. Lázaro mas que, tal como então, continua a exigir um conhecimento prévio da rede e a gerar paradoxos que são uma estupidez total. Nessa altura em que morava um pouco antes do Marquês de Pombal utilizava o eléctrico para descer até S. Lázaro e aproveitava a totalidade do percurso dessa zona pagando sessenta centavos; mas se por acaso entrasse logo depois do Marquês e quisesse ir até casa, fazia um terço do percurso e pagava muito mais porque abrangia já duas zonas. Isso é o que acontece também agora com este sistema e em relação a isso estou frontalmente em desacordo. Penso que só há razões para haver zonas nos trajectos para fora do centro urbano, nas linhas da Póvoa, da Trofa ou da Maia, tal como acontece de resto nos outros Metros europeus, em relação ao cliente circunstancial urbano elas perdem todo o sentido Devo dizer-lhe também que uma das principais qualidades que vejo no projecto Metro do Porto foi a de unir finalmente todas as Câmaras Municipais pertencentes à Área Metropolitana do Porto, que de outra maneira o que faziam era olhar cada uma para o seu próprio umbigo. Comparo o Metro a um sistema vascular de corrente sanguínea que não pode ser cortado, e penso que os nossos gestores municipais tiveram consciência disso e que não podiam entrar em conflito. Penso que houve por isso uma grande compreensão e a capacidade de encontrar soluções comuns como nunca antes houve em relação ao resto. O Metro vai quanto a mim ser um processo longo e com alguma lentidão, mas que vai acabar por se dissolver na cidade. Embora tenha vindo a aumentar significativamente o seu número de cliente, não é neste momento ainda um Metro urbano porque é fundamentalmente radial. Penso que já começa a haver a consciência de que ele tem de começar a servir as zonas urbanas, e que é agora preciso começar a coser toda esta malha imensa para poderem ser colmatadas as principais falhas desta rede na cidade. FV – O que pensa da qualidade geral destas Arquitecturas Metro? AS – Eu acho que de um modo geral são intervenções interessantes. Não estou muito de acordo, aliás já o disse antes, com as estações que o Eduardo Souto Moura inicialmente propôs. Acho o abrigo urbano um bocadinho redutor. Sob o ponto de vista plástico e de imagem acho-o bem dimensionado, bem concebido e interessante, mas acho que é uma estrutura mais formal do que efectivamente útil. É um bom suporte para as máquinas e bilheteiras,

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mas como solução daquilo que é fundamentalmente um abrigo torna-se pouco eficaz e deixa que a subtileza e a leveza das formas se sobreponham à função. Tenho desde há muitos anos a opinião de que a função principal do arquitecto é promover a felicidade das pessoas sem moralismos ou quaisquer outros efeitos secundários. Acho por isso que devemos ser capazes de fazer uma arquitectura que deve funcionar com um funcionamento implícito e não explícito. Niemeyer dizia que a arquitectura devia ser bela, se funcionar melhor. Eu gosto muito dessa frase mas acho que deve funcionar e ser bela. A arquitectura deve funcionar primeiro sem recorrer a linguagens acessórias e sem necessitar de explicações, e depois com uma configuração espacial de tal maneira que ela própria conduza à fruição do edifício com naturalidade e informe directamente as pessoas. A função deve estar implícita na forma sem que seja necessário cairmos no chamado edifício funcionalista e que eu acho uma coisa detestável. Os abrigos são elementos interessantes e belos, mas são pequenos monumentos arquitectónicos. Apesar de tudo as coisas têm que ser analisadas no seu tempo exacto, e diga-se em abono destes elementos que foram projectados numa época em que as coisas se propunham com uma leveza muito grande e com uma economia de tempo, espaço e custos bastante elevada. Quanto ao resto são intervenções bastante interessantes, veja-se o caso da Estação de S. Bento, da Estação da Trindade, ou da Estação da Casa da Música de que gosto muito, que são momentos em que o veículo mergulha e dá lugar a estações mais convencionais de Metro no subsolo. A nossa intervenção em Matosinhos é digamos que bastante prosaica, dentro de uma cidade que já existia e onde havia só que colocar o Metro. Foi mais difícil do que efectivamente parece mas é precisamente disso que eu gosto, e que a simplicidade e a despersonalização de tudo aquilo leve quase a pensar-se que uns senhores do Metro ali chegaram, pousaram-no e foram-se embora. Isso não quer dizer que não haja críticas a fazer, haverá certamente coisas que podiam ter sido feitas de outra maneira e se calhar melhor, mas globalmente e no essencial penso que aquela foi uma operação conduzida de uma maneira interessante e correcta. Foi para mim uma inovação profissional depois de muitos anos de trabalho maioritariamente ligado ao edifício e a algumas intervenções pontuais, e constituiu-se ainda como um processo de aprendizagem intenso e frutuoso quer ao nível das relações humanas quer da experiência de projecto urbano, ao qual fomos beber muitos ensinamentos para intervenções posteriores como por exemplo a da Marginal Atlântica de Vila do Conde. Deixe-me dizer-lhe com toda a franqueza que eu próprio passo hoje em dia pela minha intervenção em

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Matosinhos e quando a olho já a sinto libertar-se da lei das autorias. Pessoas que têm uma formação específica, como é o seu caso, poderão ver numa guia, no lancil de um passeio, numa rampa ou numa concordância que é uma intervenção feita com alguma cabeça, caso contrário ela perde-se na cidade. Ao contrário de um edifício, que para o bem e para o mal será sempre feito por alguém que fez melhor ou pior e deixou por isso vincada a sua presença, sinto que esta intervenção se desvanece na cidade porque é rua, é passeio, e é isso que eu acho interessante. Os chãos da cidade são sempre anónimos, e quando não são é o diabo, ou são fantásticos como o Campidoglio ou então…

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2. Bernardo Távora Estação Sra. da Hora FV – É capaz de me contar resumidamente como é que chega a fazer parte do projecto Metro do Porto? BT – É muito simples. Era um concurso com uma dimensão impossível para nós, na altura falavam-se em 70km, e talvez 80 a 90 estações. O Arq. Eduardo Souto Moura tomou desde o princípio a iniciativa de assumir o centro do Porto com a parte subterrânea, e fazer uma coordenação de todo o Metro à superfície, chamando para isso vários arquitectos que interpretassem depois as normas que em conjunto foram sendo estabelecidas. No meu caso calhou, não sei se bem ou mal, ter sido o primeiro a desenvolver trabalhos depois de se ter ganho o concurso. Ele avançou para a parte subterrânea, e eu iniciei com a intervenção à superfície. Esta atitude de distribuição de trabalhos por parte do Arq. Souto Moura quando poderia naturalmente ter assumido todo o projecto parece-me uma coisa notável e não é habitual hoje em dia, num período em que no fundo o que as pessoas querem é ter. A verdade é que ele com o seu génio e a sua capacidade de trabalho conseguiu fazer algo sem deixar grandes marcas ou sinais pessoais, que é outra das coisas que hoje está muito na moda na arquitectura. Diria assim que há uma grande unidade em toda a intervenção, e que aquilo que qualquer um de nós fez poderia ter sido outro a fazer. Ninguém se apercebe de onde começa ou acaba o meu trabalho, ou o do Soutinho, ou o de todos os outros que participaram na equipa. Na fase de concurso, o primeiro problema complicado foi precisamente o de saber o que era um Metro de Superfície. FV – Como é que foi desenvolver um trabalho que tinha à partida fortes condicionantes não só técnicas, devido ao funcionamento do sistema, mas também formais impostas por uma pormenorização tipo do Arq. Eduardo Souto Moura? BT – Nós tínhamos no concurso apenas os cais dos abrigos, e portanto aquilo que se chamou depois de “inserção urbana de fachada a fachada” não fazia ainda parte dele, havia pequenas intervenções pontuais. No meu caso, e na situação concreta da Estação da Sra. da Hora, tratava-se de uma estação muito importante sob o ponto de F02 - Fotografia extraída do Jornal Planeamento, de 22 de Dezembro de 2007.

vista do transbordo de pessoas e de interface das linhas que vêm do Porto e que vão depois para Matosinhos, Maia,

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e Póvoa. Nesse sentido, e ainda na fase de concurso, esta foi uma estação bastante desenvolvida e chegou a estar prevista como sendo coberta. Essa ideia foi mais tarde abandonada, e paradoxalmente voltou agora a ser ponderada. Dado o número de utentes, a importância que tem vindo a assumir, e por questões técnicas relacionadas com o transbordo, estamos neste momento, e em conjunto com o Metro, a estudar uma nova cobertura para a estação. Relativamente ao processo foi muito complicado, acho que ninguém faz bem ideia do que é o processo do Metro. Se for à central em Guifões percebe talvez um pouco melhor tudo o que são os comandos, os semáforos, as regras de segurança, as normas, os milímetros… A conclusão a que chego é que o Arquitecto é de facto um tipo espantoso, porque ainda que não saiba nada de especialidades tem o sentimento e a capacidade únicas para estar numa reunião com 30 outras pessoas de todos os cantos do mundo, onde se fala inglês, em que cada um entra e sai cheio de pressa querendo saber apenas da sua área específica, e fazer a coordenação de toda essa gente. Nós fomos assim tomando conta do processo, e há um momento em que é o próprio Arquitecto que desenha e até implanta a catenária, a drenagem e faz tudo. Nesse sentido eu acho que esta foi uma experiência verdadeiramente notável. Em momento nenhum nos disseram: A linha é esta, e agora faça o resto! Quando comecei a trabalhar em Matosinhos deixei claro que só faria o trabalho se fossem mudadas algumas partes da linha. Antes de começar não tinha ideia do que era esta questão do Metro, ou se quisermos um Metro Ligeiro de Superfície, e fiz por isso o que qualquer arquitecto faz, ver o trabalho dos outros. Fui ver o que de melhor se fazia na Europa, alguns nos países nórdicos, mas sobretudo aquele que mais me interessava que era o caso de Estrasburgo. O nosso tinha um conceito ligeiramente diferente e que se diz de 3 em 1, porque faz linha férrea, túnel e cidade. Se formos por exemplo a Lisboa encontramos as mesmas funções no metro subterrâneo, nos comboios da linha de Sintra ou da Ponte 25 de Abril, e no Eléctrico da Baixa que está preso no meio do trânsito. O nosso tem na zona urbana um canal próprio e dedicado, é ele quem comanda o trânsito com um sistema que dispara os semáforos por onde passa, e permite ainda em caso de emergência que um veículo prioritário seja desviado e circule por esse próprio canal. Bom, fizemos umas viagens, estudamos, percebemos, e começamos também a impor as nossas regras. O que me surpreendeu mais foi o respeito que as pessoas começaram a ter por nós e a forma como era às vezes chamado para resolver problemas técnicos. Isto para mim foi uma das lições mais espantosas. Por outro lado é preciso não esquecer que o que estava previsto em Matosinhos era retirar carris, substitui-los e implantar catenária nova, sem qualquer tipo de inserção urbana. A Câmara teve depois a visão e a capacidade

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de exigir também a remodelação de todo o espaço público de fachada a fachada: novas linhas, novas redes, nova iluminação, pavimentação, e reposição dos lugares de estacionamento. Trabalhei desde a Casa da Música até ao Parque Real aqui em Matosinhos, até ao Aeroporto com a nova linha, e a linha toda até ao Centro da Maia. Foram dez anos de trabalho, e às vezes quando penso naquilo que se fez… é uma coisa verdadeiramente impressionante em tão pouco tempo, com tão poucos desvios, e que funciona. Só Deus sabe o que passamos no início com os insultos e as ameaças. As pessoas têm a ideia de que o Metro é uma coisa enterrada, mas hoje em dia já não se fazem Metros enterrados. A tendência é cada vez mais, sempre que possível, trazer os Metros para a superfície porque ele tem de ser um sistema alternativo e não um sistema complementar à cidade. Tenho amigos que se queixam de que agora com o Metro é uma chatice porque os carros já não andam na cidade. É exactamente isso que se pretende, que as pessoas deixem os carros em casa ou nos vários parques e passem a andar de Metro. Hoje em dia penso que já perceberam, e as reclamações das pessoas vão agora no sentido de exigirem mais veículos Metro em horas de ponta. Ao princípio iam vazios porque eram um fiasco, porque não tinham interesse, porque em Matosinhos faziam as curvas muito devagar; mas agora em horas de ponta já circulam aos pares, o que quer dizer 500 pessoas. Bom tem alguns problemas evidentemente… FV – E quanto aos problemas de circulação relacionados com a bilhética? BT – Apesar de tudo acho que isso passou. Há algum tempo estive em Berlim e andei dois dias sem bilhete porque não consegui perceber como é que eles se tiravam, portanto o nosso sistema não é pior do que outros. O meu pai morreu sem nunca na vida conseguir usar um cartão multibanco, porque tinha códigos e uma máquina… tal como ainda há gente que tem medo de andar de avião. Não, penso que por aí não vale a pena entrarmos. FV – Quais foram as preocupações particulares ou pessoais que teve no desenvolvimento de uma Estação Metro naquele Lugar? BT – Primeiro perceber o que era o Metro, depois perceber a dimensão, a extensão e o apoio que tinha. Tinha a preocupação de fazer bem mantendo um certo anonimato, uma coisa que me preocupa cada vez mais na arquitectura é que se tem vindo a transformar num mundo de vedetismo e que não me interessa para nada. A mim interessa-me o anonimato, a qualidade da arquitectura, do espaço, e a resistência-sobrevivência. Tudo aquilo que

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fiz na Sra. da Hora tem sete ou oito anos e está como novo. Isso é o que me preocupa de facto na arquitectura, a qualidade e a despretensão. Sinto-me muito honrado e feliz, tal como toda a equipa que ali trabalhou, porque realmente passados estes anos tudo aquilo funciona, o que é raro; e depois porque o Parque de Estacionamento está sempre cheio e peca só por ser pequeno, há agora uma proposta para subir e descer mais dois andares, e a Estação também vai ser coberta porque realmente tem muita gente. Há um problema muito simples, é que quando o Eduardo começou a desenhar os abrigos tinham dois metros e vinte de altura, e depois foram chegando equipamentos e mais equipamentos até que foram quase parar aos três metros. Havia até uma solução inicial em que parte dos equipamentos eram subterrâneos, mas depois começaram a vir para a superfície e começaram a engordar. Há já novas soluções de abrigos e essa é uma situação que eu diria ser talvez a única aceitável do ponto de vista da crítica. Neste momento está a estudar-se uma hipótese de duplicação, de colocar portanto dois abrigos que distribuam as pessoas e para que não se concentrem num mesmo ponto as máquinas dos bilhetes. Tudo isso é estudado, e o Metro tem esse sentimento. Na altura o que existia era uma base para a estação urbana e uma base para a estação rural, com os abrigos em inox e os abrigos em betão que o Eduardo desenhou. A Estação da Sra. da Hora era a única fora das subterrâneas que teve algum tratamento especial. Trata-se de uma avenida, ou se quisermos um grande alinhamento recto, com quase 2km que é, contrariamente a outros casos, fruto do reaproveitamento de uma linha de comboio. O comboio normalmente, pelas pendentes e pelas curvas, anda o mais possível em linha recta para não perder velocidade. Antes das obras o que existia era um muro de betão com metro e meio de altura que depois ia baixando, e o que nós propusemos numa reunião de trinta pessoas com a administração do Metro e a Câmara foi desnivelar e fazer tudo aquilo ao contrário. A ideia que apresentei como jovem arquitecto passava por baixar o Metro, passar o trânsito à superfície e fazer ali uma grande alameda com 2km de comprimento. Coisa espantosa, passados dois anos rigorosamente tudo o que tinha proposto estava feito. Trata-se não apenas do tratamento de uma avenida, mas também de um grande interface com especial atenção à dimensão do parque de estacionamento. A ideia era que com o Metro se criasse também uma nova lógica de cidade, e que a própria arquitectura dos edifícios ali melhorasse; ideia quanto a mim completamente falhada porque a arquitectura que ali se faz hoje em dia é tão má ou pior do que aquela que se fazia anteriormente. Toda aquela lógica do grande alinhamento recto e nivelado, que não é muito comum em Portugal, continua a dar origem a prédios com a mediocridade e a banalidade que tinham antes das

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intervenções do Metro. No fundo, à boa maneira portuguesa, cada um faz como quer, onde quer, e o quer. Depois dizemos todos mal. FV – O que acha deste conjunto de Arquitecturas com uma identidade tão forte e cuidada que servem afinal para andar pelo Espaço Metropolitano e que sob esse pretexto provocaram a reformulação e o redesenho da cidade? BT – Não gostava de falar de Arquitecturas, preferia falar da Arquitectura do Metro. Eu diria que há uma grande unidade, mais uma vez graças à inteligência do Arquitecto Souto Moura, que consegue com aquele desenho de caixa e com um conjunto básico de regras definir uma imagem extremamente coesa. O abrigo é muito bonito, o cais é muito bonito, mas os postes e aquelas luminárias são horríveis. Ainda assim nós não podíamos alterar, e só mais tarde por exemplo nas estações da linha do Aeroporto o consegui fazer com H’s, porque já era outro tipo de intervenção. O problema é que, quando se começou a falar há quinze anos, isto foi de um atrevimento e de uma dimensão impensáveis e portanto teve de haver alguma contenção. No entanto fez-se aqui uma coisa notável que Estrasburgo não tinha, e que foi repito altamente atrevido, ao fazer cais para dois veículos. Estrasburgo só tem cais para um veículo e que está neste momento completamente ultrapassado. O que vejo que está a acontecer é que ainda assim as coisas já começam a entupir, e que as pessoas o usam bastante. Devo dizer que de todas as coisas que fiz na minha vida de arquitecto esta foi das mais gratificantes. Quando faço um edifício depois não o visito e acaba por vir a senhora da secretaria que põe umas luzinhas e mais não sei o quê, aqui sinto que mexi com a vida de milhares de pessoas, e portanto isso para mim não tem preço. A ideia que me dá é de uma grande unidade, grande sobriedade, grande qualidade, e sobretudo como já disse de uma grande capacidade resistência-sobrevivência. Funciona e melhora a vida de dezenas de milhares de pessoas por dia. Evidentemente que há quem diga, e tendo em conta a Linha da Póvoa, que o comboio antigo era mais rápido. Era, mas o comboio tinha menos de metade das estações, porque com esta coisa do Metro todos os sítios começaram a reclamar paragens. Actualmente há estações onde o Metro pára que são utilizadas por uma pessoa a cada hora. Esses dados existem e são conhecidos, mas quanto a isso também se fizeram alguns ensaios com os veículos novos que já chegaram e que podem vir a melhorar o problema. Gostava ainda assim de salientar, e por comparação, que os comboios chamados suburbanos pesados que vão a Braga ou a Guimarães circulam em linha única a 80km/h, à mesma velocidade que os nossos.

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Isto tudo para dizer que, na minha opinião algo suspeita, esta intervenção foi exemplar e notável; e por ter sido tão exemplar e tão notável, à boa maneira portuguesa, foi suspensa.

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3. João Álvaro Rocha Estação Parque da Maia FV – É capaz de me contar resumidamente como é que chega a fazer parte do projecto Metro do Porto? JAR – Via Eduardo Souto Moura. Portanto, tínhamos de ir muito atrás à fase de concurso ainda, quando o Eduardo inteligentemente percebeu que se tratava de uma coisa muito grande e que portanto sozinho não teria a possibilidade de ter um controlo absoluto e integral como ele gosta. Logo aí na fase de concurso ele entendeu que devia constituir uma espécie de equipa coordenada por ele obviamente, e que depois ir-se-ia encarregar de várias intervenções. Já posteriormente, e escolhido o consórcio do qual ele fazia parte, o problema era um pouco o de saber como é que aquilo se podia dividir, como é que aquilo podia ser eficaz. Ficou claro que o Eduardo actuaria no Porto cidade, fazendo portanto as estações enterradas com duas excepções, a dos Aliados com o Álvaro Siza e o Pólo Universitário com o Adalberto. Bom e o resto, fundamentalmente todo à superfície, era necessário dividir e chegou-se à conclusão que seria interessante que cada arquitecto estivesse limitado a um concelho e o seu diálogo se fizesse única e exclusivamente com um município. A mim tocou-me a Maia porque tinha na altura uma série de trabalhos a decorrer com a Câmara da Maia com quem tinha e tenho boas relações, apesar de actualmente não estar a fazer rigorosamente nada, o que é óptimo também. A excepção foi a do José Gigante, o último a entrar, porque quem estava com o trabalho era o Humberto Vieira que entretanto faleceu e que o José Gigante substituiu para concluir o seu trabalho, esse sim o único que apanha dois concelhos: o de Vila do Conde e Póvoa, apesar de tudo, penso eu, com uma continuidade geográfica e morfológica muito próxima. Também aí no caso do Gigante o facto de ter dois concelhos em simultâneo não apresenta grande diferença uma vez que, ao contrário do que acontecia com Matosinhos ou com a Maia, estes eram de facto concelhos relativamente idênticos em termos morfológicos. FV – Não houve portanto o interesse por parte do Arq. Eduardo Souto Moura de desenvolver todas as estações? JAR – Não era só uma questão de interesse, é que era impossível... Seria possível se o controlo que ele queria ter sobre as coisas não fosse aquele que foi. Provavelmente se a mão fosse mais ligeira teria dado para tudo, mas o F03 - Fotografia gentilmente cedida pelo próprio Arq. João Álvaro Rocha.

objectivo não era esse. O objectivo era intervir com qualidade e de uma forma controlada, e portanto para isso ele

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não tinha hipótese de o fazer sozinho, ou melhor entendia que não tinha hipótese de o fazer e eu também acho que não tinha. Portanto desde a fase de concurso que estava claro que aquilo iria ser sempre dividido, obviamente coordenado pelo Eduardo. Naturalmente que cada um iria intervir no concelho ou na área que lhe tocasse de acordo com pressupostos que eram definidos por ele. As estações são uma espécie de projecto-tipo, internamente nem era isso que se designava, havia elementos-tipo que é diferente, e depois cabia a cada um de nós pegar nesses elementos-tipo combiná-los e aplicá-los. O abrigo por exemplo que é o mesmo, o cais, a parte de infra-estruturas que é tratada sempre da mesma maneira… Em relação às estações de superfície basicamente havia dois tipos: a estação urbana e aquilo que se designava por estação rural, quer dizer que está em meio rural e portanto eram em betão por exemplo. Essas tinham um bar e uma instalação sanitária, ou melhor tinham e têm, aquilo nunca abriu mas está lá. A situação de estação urbana, ou designada como urbana, em que o abrigo é esse conhecido, metálico, em aço inox e que é menos construído, se é que assim se pode dizer. Depois havia a questão das sinaléticas, a publicidade, o equipamento, e tudo isso estava praticamente pré-definido sendo portanto um problema de combinar. Esta situação cabe ou não, tenho largura para pôr ou não tenho, o poste de catenária está para a esquerda ou está para a direita… bom esse tipo de coisas. É evidente que isto depois depende do tipo de entendimento que cada uma das pessoas fez, enfim, do desempenho que tinha de praticar, mas do meu ponto de vista fazer isto eu acho que era o mínimo que se pode exigir a um arquitecto: pegar nestes elementos e colocá-los de uma forma ordenada. FV – Como é que foi desenvolver um trabalho que tinha à partida fortes condicionantes não só técnicas, devido ao funcionamento do sistema, mas também formais impostas por uma pormenorização tipo do Arq. Eduardo Souto Moura? JAR – Preços e prazos, esses ainda eram os piores. Não, para mim não foi problema absolutamente nenhum. Foi fantástico, porque se há um conjunto de elementos-tipo que estão definidos, então é como um lego em que tenho as peças e que depois só tenho de montar, e é fascinante poder montar a mesma coisa de variadíssimas maneiras. Portanto desde logo não senti qualquer tipo de limitação, antes pelo contrário, senti que como exercício até podia ser estimulante considerando que as peças são sempre as mesmas, agora a maneira de as encadear é que pode mudar e isso também pode fazer a diferença dos lugares por exemplo. O que quer dizer que para mim foi sempre muito mais importante o problema da inserção urbana do que propriamente o sistema. O sistema está

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definido, tem regras próprias, regras apertadas, de funcionamento físico e técnico também, e portanto isso está definido e o mínimo que se pede a um arquitecto é que seja capaz de pôr isto no terreno direito. Portanto para mim isso já deixou de ser arquitectura, deixou de ser problema, esse é o aspecto a que eu tenho de responder quase automaticamente, portanto o que me interessa é aquilo que está para além disso. Como é que um equipamento ou uma infra-estrutura destas é capaz de se inserir no território, criar-lhe outro sentido de ordem que não tem, e na maior parte das vezes não tinha, como é que pode contribuir para uma outra leitura do território e eventualmente corrigir até situações de desequilíbrio urbanístico ou de paisagem. Em que medida é que uma inserção urbana que está associada à estação pode ajudar a corrigir esse tipo de situações. E portanto interessou-me por essa valência, o resto é o que eu dizia antes, é o mínimo que eu posso pedir a um arquitecto seja ele qual for. FV – Como foi a relação da linguagem do arquitecto com a imagem e a identidade comum pretendida? JAR – É evidente que há afinidade e penso que essa afinidade é comum a todas as pessoas de uma forma geral. Eu penso que a afinidade está para além disso, não é tanto de linguagem ou formal, mas está muito mais na maneira de fazer as coisas e na maneira de as entender do que propriamente no resultado. Não é um problema de linguagem nem nunca foi, é um problema de entendimento, da forma de entender as coisas e da forma de as fazer também. Se há Escola do Porto ela está aí, não é no resultado. O que é que o Álvaro Siza tem que ver com o Eduardo Souto Moura em termos de resultado? Muito pouco. Mas têm tudo a ver na forma de enfrentar o problema e nas preocupações que manifestam. A preocupação por exemplo com a inserção, com a implantação, com a maneira como os edifícios se encaixam nos lugares, aí sim pisamos todos o mesmo território, a mesma formação se é que assim se pode dizer. Portanto do meu ponto de vista, mas penso que falo também em nome dos outros, esse problema nunca existiu. De uma forma mais prosaica posso dizer-lhe que nunca embirrei com as portas do abrigo do Souto Moura, quer dizer, estão bem… podiam ter mais uma dobradiça, se calhar podiam, mas não há problema! Para mim o desafio esteve sempre para além disso. Pronto eu tenho a mobília e não é mal construída, vou dispor a mobília, mas agora quero fazer a casa. Nunca isso constituiu qualquer tipo de limitação. No Metro interessou-me particularmente a questão urbana, a questão do território, isso é que me interessou. Aliás, repare por exemplo que esta estação do Parque Maia e a outra da Zona Industrial que está ainda incompleta, não têm nada que ver com isto que estamos a falar, são excepções. O que há ali de elementos-tipo? O display sim, mas esse é o

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display que está em todas as estações sejam elas de superfície ou subterrâneas; a máquina de validação e a de compra de bilhetes, isso são equipamentos que são iguais em todas elas; em todo o resto da estação são completamente diferentes de todas as outras. Porquê, porque a sua condição assim o exigiu, e portanto há elementos que se mantêm mas tudo aquilo que não pode manter-se deita-se fora, e é feito descomplexadamente sem problema nenhum. Penso que, em termos de resultado, aquilo que são elementos tipo e que existem portanto noutras estações convivem perfeitamente com tudo aquilo que foi apresentado e que não é elemento tipo. Portanto aí, e se estamos a falar em termos de análise, a análise será interessante fazê-la no sentido de saber como é que esta coisa se compatibiliza. FV – Quais foram as preocupações particulares ou pessoais que teve no desenvolvimento de uma Estação Metro naquele Lugar? JAR – Repare, há aqui um dado importantíssimo que faz toda a diferença e que faz com que esta, sem qualquer desprimor para qualquer dos meus colegas ou para qualquer das outras intervenções, não seja uma estação mais. É que de facto a Maia, bem, e aí tire-se o chapéu ao Município e não só, entendeu que o Metro devia vir ao centro da cidade. Inicialmente não estava previsto, ou seja, utilizava a antiga linha do caminho-de-ferro e a estação seria periférica no sítio onde já existia a antiga estação, completamente desviada do centro. Tomou-se portanto a decisão de a trazer ao centro, e há que dizer que o Eduardo teve aqui também a sua importância, dada a coincidência de estar a trabalhar na cidade. Antes de se decidir o traçado final, o Eduardo está a intervir no centro da cidade numa praça e com o plano que fez em toda a área envolvente. Eu estava a intervir um pouco mais a norte dessa zona com um plano de pormenor que estava articulado com o dele. Tínhamos portanto um conhecimento do território profundíssimo, e numa das reuniões em que por acaso coincidimos, ele por causa da praça e eu por causa do plano, levantou-se essa questão. Penso que foi ele até, à Eduardo, “Isto ficava bonito era com o Metro a passar na praça”, e na altura o Presidente da Câmara Vieira de Carvalho concordou, “Porque não? Isso era interessantíssimo”, e não largaram mais a ideia. O facto de isto sair da antiga linha de caminho-de-ferro e portanto desviar, vir a centro e voltar muito mais acima a apanhar o canal ferroviário fez toda a diferença. Ou seja, apesar de cruzar uma situação que é urbana como o centro há depois o problema das ligações e de uma determinada continuidade que era uma oportunidade única de inverter todo um crescimento que até então tinha acontecido de uma forma, não completamente desordenada, mas

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seguramente desorganizada. Percebeu-se que esta era a oportunidade, através da construção desta infra-estrutura, de lançar pontes para uma reformulação de toda a ocupação urbana. Agora começando a pôr a arquitectura em cima, como é que eu posso fazer isto? E há aqui um aspecto que num primeiro momento não deixa de ser um pouco estranho, mas o que está a fazer uma estação em cima de uma estrada nacional? Uma ponte, porque é que se localiza uma estação aí? Por uma razão muito simples, porque o lado poente tem a prazo prevista uma ocupação que é urbana, portanto residencial, e que tem espaço público, há um parque público previsto para essa zona. Enquanto a Estrada Nacional 14 estiver ali aquilo é como um rio, divide. Enquanto isto permanecer qualquer ligação com o outro lado é difícil, e portanto esta ocupação que acontecerá a médio-longo prazo, ela terá sempre problemas de ligação ao lado de cá. Bom, como é que se pode estimular estas ligações? Se eu fizer a estação aqui ela serve-me os dois lados, e se a estação for entendida como um percurso melhor ainda, porque então liga efectivamente os dois lados. É assim que ela está pensada, para já é um pouco estranho porque só está ocupada do lado de cá, mas quando a ocupação do outro lado começar a surgir ela explica-se naturalmente. Acrescido ainda de um outro aspecto, que é o de estar prevista uma outra linha que há-de cruzarse com esta, uma linha que vem do Hospital de S. João pelo interior e que há-de passar por baixo desta estação, para depois seguir no sentido de Pedras Rubras. É uma linha importantíssima porque é uma linha transversal, o cruzamento é fundamental e isso é que me dá mobilidade. Isso ainda dá mais força a esta ideia porque mostra que esta estação tem um papel crucial nisto, que é um nó. Do outro lado, a poente, está também previsto localizar-se o interface rodoviário, os estacionamentos já lá estão, não com um projecto nosso mas sim do Metro do Porto, e a prazo será ali que os autocarros passarão também. Digamos que a placa de articulação com todos os transportes rodoviários passa a estar nesse plano, e se pensarmos que aquela estação está a cerca de 400 metros do centro da cidade, ter um interface de transportes a esta distância do centro em qualquer país do mundo é um luxo supremo. Bom, mas tudo isto me resolve uma parte apenas, a outra parte estaria em saber como podemos entrar na cidade, atravessá-la e voltar a sair. Tudo isto foi montado como um filme, um filme tem frames e o que lhe dá movimento é a sucessão desses frames que passam a uma velocidade de tantos por segundo. A ideia que se tentou utilizar foi a de que a pessoa que vai no veículo tenha também uma sucessão de frames que vão desde o agrícola, a paisagem aberta, ao agrícola de qualidade em que figura por exemplo a Quinta do Nazoni na subida que faz para a estação, e que lentamente vai mudando com a cidade ao fundo. A própria Estação é transparente porque

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a cidade está ali, eu não preciso mais nada, já tenho o fundo e quanto menos presença tiver sobre ele melhor. A estação é por isso uma espécie de porta para o urbano, e a seguir toda aquela zona ajardinada é uma forma de ligar as malhas que parecem ali todas descosidas, uma tentativa de ligar pelo miolo. Uma vez que já não posso nem faz sentido construir, é portanto o vazio que tenta ligar as coisas, até entrar no urbano e na rua, na praça, de novo rua, rotunda, e depois descola outra vez até chegar à zona industrial que já é um outro cenário. A ideia é portanto este encadeamento, mas se fizer este raciocínio ao contrário, ou seja, de norte para sul, é exactamente a mesma coisa. Quando falo em sequência é no sentido de organizar um percurso, preparando no fundo o utente perante as coisas que vão mudando de uma realidade para outra. Esse é um trabalho diria quase que invisível, onde a maneira de organizar tudo no fundo o que faz é estimular os meus sentidos, é um trabalho que não se vê mas que passa pela guia, pelo passeio, pelo caixote do lixo, pelo prumo do sinal de iluminação, pela área que é ajardinada ou não é, pela escala das coisas, pela proporção... e portanto não é uma coisa que seja imediatamente visível. A Estação é o que menos conta. Isto ainda está tudo incompleto, as inserções urbanas ainda não se completaram, e algumas já tendo sido completadas na parte que toca ao Metro ainda não o foram na parte que toca ao Município. Ainda há aqui portanto uns anos que são precisos esperar até tudo se configurar, de qualquer maneira um dado interessantíssimo é que de facto isto arrastou tudo. Paralelamente à inserção da linha e aos problemas relacionados com ela, estudou-se em termos urbanísticos tudo o resto. O Município tem neste momento em seu poder todos os instrumentos de gestão urbanística de que necessita em relação a toda esta área, ao ponto de saber quantos pisos são, qual é a volumetria, como é que quer as varandas, está tudo definido. Levou-se isto muito para além daquilo que seria implantar estritamente a infra-estrutura. Se fizer, por exemplo, o percurso a pé desde a Estação Parque da Maia à da Zona Industrial vê que as coisas estão todas encadeadas umas nas outras, e que afinal uma guia é como um rodapé de uma casa e tem de ter continuidade porque um rodapé não se interrompe nunca, ou não se deve interromper. Há uma atenção na disposição das coisas que responde, ou pelo menos tenta responder, a essa noção de continuidade. Uma continuidade que deve existir mas que também tem de se adaptar a cada uma das circunstâncias, e isso é que me dá as tais frames. A ideia do rodapé, ou se quisermos a da guia, é no fundo a que liga tudo. Portanto aqui a questão é território, se o HEB é 300 ou 320, eu respondo: é o que a estrutura determinar.

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Claro que depois posso explicar cada uma das outras coisas. Aquela estação é assim porquê? Bom, pelos motivos que já lhe disse em termos de território, mas depois há ali um problema de fundo relativamente ao viaduto. O viaduto é um ponte ou não é uma ponte? É claro que é uma ponte, mas é uma ponte sem margens e onde nem há rio sequer, e uma estação não deixa de ser um edifício. Agora como é que eu ponho uma coisa em cima da outra? Vou assumir que há um edifício e há um viaduto que são duas coisas diferentes ou vou tentar fazer das duas coisas uma só? Estação e viaduto que são a mesma coisa, só que não podem ser porque a estação são 110 metros e o viaduto são 650. Então como é que eu consigo resolver o viaduto e resolver a estação sem que a estação se sobreponha ou faça desaparecer o viaduto? E como é que isto tem princípio e fim? O viaduto é simples, tem um encontro de um lado e tem outro do outro, começa em A acaba em B, mas estes A e B não são iguais. O A tenho-o no meio dos campos e da verdura e o B tem um urbano, o que explica por exemplo que deste lado tenha aquela espécie de “V” em planta e que é mais topográfico, que rasga mais à pendente do próprio terreno e que se crava ali como uma espécie de plataforma que recebe o viaduto. Mas recebe criando uma sensação que é um pouco ambígua, por um lado parece que pousa, e por outro parece que bate. O que permite à estação estar nesta entidade que é o viaduto sem a fazer desaparecer são aquelas costelas que envolvem ambas e as mantêm legíveis. O tabuleiro é a peça de base e o acessório é a estação, se for ao topo poente está lá tudo. Tem o pórtico separado, a peça que multiplicada vai dar a estação, e a seguir tem os pórticos já associados com todos os elementos horizontais e intermédios visíveis, sem pavimento nem cobertura, mostrando como é que o elemento tipo se liga e se transforma noutra peça. Por isso aquilo está desconstruído e explica tudo, eu tenho isto, isto é multiplicado, e há um conjunto de elementos que interligam tudo, que são basicamente o tecto e o pavimento. E se reparar o pavimento da estação está sobre a espessura do próprio viaduto, montado por cima. Portanto todos os elementos estão decompostos no sentido de serem legíveis e de se perceber o que é que é viaduto e o que é estação. Mais nada… A crítica gosta de escrever coisas e escreve coisas em que eu nunca pensei, como sempre acontece, mas tudo o que se possa tentar inventar é pura retórica, porque o que há claramente ali é uma vontade de dizer: isto são duas coisas! FV – Escolhe mostrar essa desconstrução precisamente do lado poente, e onde a urbanidade está ainda menos presente. JAR – Porque o lado da cidade é preciso agarrar, é granito é pesado. O outro está expectante, e porque se

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sabe à partida que será um território relativamente aberto. A linha está exactamente em cima de um vale que está meio destruído do lado de cá, e se reparar no sítio onde ela se implanta, a plataforma granítica que se encaixa no terreno restitui de alguma forma a antiga configuração do vale. Gera-se assim um percurso longo e lento desde lá de cima até chegar à estação, e por isso é eu se optou também por quase não construir, deixar um vazio. Posso estar enganado mas pareceu-me que a melhor forma de agregar aquilo tudo era com a topografia, porque isso é que era o pré-existente, e voltando de alguma forma à topografia e a um pré-existente reconfigurado conseguia juntar tudo e ligar aquilo que não estava ligado. Portanto o que há é uma espécie de arqueologia da topografia em que se incorporam novas coisas mas num sentido de restituição. Isso explica também porque teria de ser diferente dos dois lados, a cada condição a sua resposta, sendo que essa resposta tem de fazer parte de um tronco comum que a torna identificável, reconhecível e porque é isso que pode fazer cidade. A estação no fundo depende desta estratégia e está claramente ao serviço dela. Lembro-me perfeitamente que a certa altura quando se concluiu que a solução desta estação teria de ser uma solução diferente a Metro do Porto, não sei porquê, esperava alguma festividade, uma coisa mais arrojada. Eu sempre respondi: Isto só pode ter estrutura! Aqui a arquitectura é estrutura. Porque sendo um viaduto não faz sentido estar a pôr folhinhos, isso é decoração e nunca vi um viaduto decorado, nem um aqueduto nem uma ponte. Hoje sim, a Zaha Hadid faz algumas com muita decoração, mas isso não é a arquitectura que me interessa, e portanto sempre achei que aquilo se teria de se limitar ao mínimo indispensável, mínimo esse que é o da estrutura. Poderia até dizer-se que isto não é um projecto de arquitectura mas antes um projecto de estrutura, e evidentemente que para ser dessa maneira foi desenhado parafuso por parafuso. O Eduardo teve o problema da mesma maneira nas estações subterrâneas, que estão cheias de infra-estruturas e de tralhas como as admissões de ar, e que obedecem a tempos de evacuação rigorosíssimos de quatro minutos para o cais e seis para a estação, estando tudo isso cumprido e garantido sem que se veja. Só a regulamentação aplicada eram dois volumes enormes, isto pondo já de parte toda a regulamentação electromecânica da qual nem queria saber. Foi tudo muito apertado. Ainda assim, e creio que o Eduardo concordará comigo, estas condições até foram vantajosas no sentido em que nos afunilaram o leque de opções e nos obrigaram a focar sobre aquilo que é importante, evitando as perdas de tempo com questões secundárias, não essenciais, e que portanto não faziam falta. O Metro é uma questão de movimentos, seja ele de superfície ou subterrâneo, trata-se de conseguir articular

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um fluxo de pessoas com um fluxo de veículos. Acho que esta é uma alusão interessante, que nos leva de novo aos frames no filme e a ver as coisas pelo movimento. Por isso pensei também que devíamos ser capazes de levar esta coisa um pouco mais longe e tentar com ela melhorar um bocadinho a paisagem e o urbano. Se fosse só para instalar infra-estruturas, então os arquitectos não faziam falta. O Eduardo poderá certamente falar-lhe melhor do que eu sobre as dificuldades que no início tivemos em impor-nos enquanto arquitectos num grupo liderado pela engenharia, mas quando a arquitectura começou a conseguir entrar e marcar o passo verificou-se que as soluções até se tornaram mais baratas. Como disciplina de síntese que é, a arquitectura passou a coordenar o projecto evitando situações absurdas de desperdício que passavam por ter duas áreas de engenharia a fazer projectos diferentes para o mesmo sítio. Isto só foi possível porque desde o início houve pessoas a acreditarem ser vantajoso ter a arquitectura na equipa, mesmo que os restantes noventa por cento entendessem que se tratava de um mundo exclusivo da engenharia. Lentamente fomos ganhando o nosso espaço, levando muita tareia e cometendo erros também, mas depois conseguimos fazer esse espaço crescer e finalmente levamos os engenheiros a compreenderam as vantagens de nos ter por ali. FV – O que acha deste conjunto de Arquitecturas com uma identidade tão forte e cuidada que servem afinal para andar pelo Espaço Metropolitano e que sob esse pretexto provocaram a reformulação e o redesenho da cidade? JAR – Eu penso que ainda é cedo para fazermos esse tipo de balanço. É preciso esperar mais algum tempo porque acho que as intervenções no território são sempre lentas. O Metro realizou-se muito depressa. No fundo realizaram-se setenta quilómetros de linha em quatro anos e isto é único a nível europeu. É uma referência em toda a Europa porque nuca se tinha feito, e fomos nós portugueses com a nossa grande disciplina e capacidade de organização, com tudo em cima do joelho, que o fizemos não sei bem como. Acho que o balanço podemos fazê-lo ao nível do Porto cidade, onde talvez o alcance de transformação estava mais limitado ou condicionado porque é subterrâneo. Os acessos que pontualmente surgem à superfície permitiram mesmo assim operações grandes como a da reformulação de toda a Avenida dos Aliados, ou a da Rotunda da Boavista, que apesar de todas as polémicas considero terem sido resolvidas exemplarmente. Haverá quem não goste porque é cinzento, ou por outro motivo qualquer, eu acho que é como tinha de ser: neutro. Não

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veria nunca os Aliados às bolinhas e às cores, vejo-o sim tal qual como está, uma coisa neutra e que ponha em destaque fundamentalmente toda aquela envolvente construída que é de facto interessantíssima. Está tudo vazio e há muita coisa podre mas isso seria uma outra discussão. Na Boavista passou-se um pouco a mesma coisa, muitos dirão que os arquitectos foram conservadores e não mudaram nada, mas precisaria de ser mudado? Penso que bastava arrumar a estrutura como se fez, direccionando melhor os atravessamentos, uma vez que se trata de uma rotunda, mantendo as árvores bestiais que lá estavam e tratando ou substituindo aquelas que estavam doentes. Não partilho desta ideia comum a muitos arquitectos de que quando chegam a determinado sítio têm de o marcar. Acho exactamente o contrário. Não deixa de ser sintomático e quase surpreendente para a maioria das pessoas como arquitectos do estatuto do Siza ou do Eduardo Souto Moura fazem os Aliados daquela maneira, o mais discreto possível. Acho que para se chegar a esse nível é preciso uma maturidade enorme e uma grande inteligência, e quem denegriu a intervenção não é de facto inteligente nem percebe que se as coisas não forem feitas com aquele tipo de abordagem só vêm destruir. Penso que a imagem do Metro no Porto, quer dentro das estações, quer cá fora nas áreas que sofreram intervenções, transpira essa sobriedade que é elegante, é culta e é erudita no verdadeiro sentido da palavra. Se olharmos historicamente para o Porto, ele foi sempre assim, provavelmente de entre as cidades portuguesas o Porto é a mais europeia de todas, precisamente porque sempre soube ter essa descrição e elegância. Normalmente reconhecem-se como sendo qualidades portuenses mas não são, na verdade são características próprias da cultura inglesas e que são consequência directa da sua influência sobre a cidade do Porto. No fundo as intervenções do Metro estão em conformidade com essa forma de estar, de fazer e de ter cidade, e que do meu ponto de vista é perfeitamente adequado. Por muito que venha a crescer o Metro do Porto, é no entanto impossível pensar que esta rede possa vir a cobrir tudo. Temos de começar a investir em articula-la muito bem com os restantes transportes e isso está ainda por fazer. Há trinta anos atrás, em Estocolmo, já utilizava dois comboios, um metro, e um barco para chegar ao emprego em cinquenta minutos. O nosso problema em Portugal é que este tipo de infra-estruturas está a chegar com muitos anos de atraso, e as cidades nunca estiveram preparadas para nada disto. Olhando um pouco para trás e para alguns dos momentos marcantes da cidade como o da Muralha, o dos Almadas, e o da Av. da Boavista, penso que o último grande gesto depois disso terá sido o do Metro. Se me

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imaginar daqui a cem anos, o Metro terá com certeza marcado o território tal como o fez a visão na abertura da Av. da Boavista. Aquilo que me parece interessante é que é uma marca discreta, não foi feita para ser visível. Fora do Porto as coisas são diferentes, aí é preciso mais tempo para deixar que as coisas aconteçam. Penso que o que está nesses casos é a semente, resta aguardar que se multiplique para que possamos saber se foram ou não capazes de gerar e determinar outras coisas. Como conclusão julgo que a postura do Eduardo Souto Moura em particular no meio de tudo isto foi uma postura de descrição e de eficácia. Prefiro a eficácia à eficiência, acho que a eficiência é da engenharia e a eficácia é da arquitectura. FV – O grupo de arquitectos intervenientes no Metro do Porto está de certa forma ligado àquilo que alguns consideram ser uma Escola do Porto. Pensa que essa questão terá influído de alguma maneira no resultado? JAR – Aquilo que está a dizer é um facto, mas não vamos estender isto à escola. Vamos estender isto a um conjunto de pessoas que já alguém definiu como loucos. Acho que todos fomos um bocadinho, mas houve aqui sobretudo um misto de acreditar, alguma ingenuidade, e muito voluntarismo. Basta compararmos com o que aconteceu em 2001. A famosíssima remodelação urbana do Porto que iria mover mundos e fundos não fez um décimo daquilo que o Metro fez, e nessa altura sim, a escola esteve muito envolvida quase institucionalmente. De entre todos os que participaram no Metro, a nossa relação efectiva com a escola, se é que se pode falar de escola, é em termos de formação e de princípios. Para mim há a Escola do Porto como entidade que é uma coisa, e há a escola do porto que é uma invenção exterior, até porque nunca nos classificamos como uma escola; mas se quisermos falar nesses termos então só podemos identificar-nos como pessoas com uma forma de estar e de entender a arquitectura que é comum. FV – São todos arquitectos portugueses e todos arquitectos do Porto. É uma coisa muito local? JAR – Calhou assim. Talvez por ter sido um consórcio liderado inicialmente pela Soares da Costa que é uma empresa da cidade e que convidou o Souto Moura. Posso ainda dizer-lhe que em dois dos outros consórcios concorrentes estavam também como arquitectos coordenadores o Siza e o Soutinho. É engraçado que nenhum dos outros o disse, mas o Eduardo assumiu, logo à partida, que caso ganhasse o concurso os convidaria a ambos para

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integrar o seu projecto. Havia por isso, já nessa altura, uma consciência plena de que esta intervenção não se fazia sozinho. Fui há pouco tempo convidado para fazer uma linha Casa da Música – Campanhã, e a primeira coisa que disse e que pensei foi: Casa da Música é para o Eduardo não é para mim. Creio por isso que esse espírito se mantém. Curiosamente estamos a ser convidados, já não pela empresa Metro do Porto, mas sim por empresas por ela contratadas para desenvolver os estudos destas linhas novas. Este facto deixa-me deveras desgostoso e demonstra que aparentemente a Metro do Porto não tem ainda a noção do património que tem em mãos. Não percebeu ainda muito bem que esse património lhe cria sérias responsabilidades. Tudo o que fizer a seguir vai ser medido pelo que está feito, e para qualquer gestor que se preze o mínimo seria atingir uma qualidade idêntica. Infelizmente creio que não vai ser assim, mas acredito que todos lucraríamos se pelo menos o mesmo padrão de qualidade fosse mantido. FV – Terá todo este processo sido uma espécie de SAAL dos anos 2000? JAR – Pode acontecer. Claro que aqui a escala faz diferença, e que à escala a que isto aconteceu já não desaparece. Apesar de tudo, em termos físicos de concretização, o SAAL traduziu-se em muito pouco. Marcou uma época, mais nas pessoas que estiveram ligadas a ele do que propriamente na cidade. Ficaram algumas pequenas marcas, poucas, e que a certa altura creio até se tentaram politicamente fazer desaparecer: chegou a ser discutida na Câmara do Porto uma proposta de demolição para a Bouça do Siza. Daqui a alguns anos também não me surpreenderia portanto se alguém se propusesse demolir a Estação de S. Bento para construir uma melhor. Espero que não. Apesar de tudo há uma diferença, acho que a opinião pública reagiu muito bem ao Metro do Porto e que se reconhece nele. Não só porque é um transporte útil e que até facilita a vida para chegar mais cedo ao emprego, mas sobretudo porque criou um conforto e uma imagem na qual as pessoas se começam a reconhecer. Julgo que isso é um dado novo e que nunca tinha acontecido antes, poucas intervenções na cidade tiveram a qualidade de tão facilmente serem assimiladas e assumidas pelas pessoas. Temos exemplos de coisas que começaram por ser polémicas e foram depois, pouco a pouco, sendo digeridas pelas pessoas até formarem parte da memória colectiva; penso que o Metro do Porto hoje, e com apenas alguns anos, já faz parte dessa memória colectiva. Isto só pode querer dizer que está bem, mesmo com todos os problemas que terá, e que obviamente são defeitos. Posso só dizer-

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lhe que a dada altura nós próprios detectamos esses problemas e tentamos resolvê-los, mas porque isso envolvia custos superiores, ou devido a contratos que havia a cumprir, eles tornaram-se depois completamente impossíveis de corrigir. Lá fora gastam-se dois anos a fazer um projecto para se poder construir num ano, aqui há uma outra maneira de fazer as coisas, tem de se fazer o projecto em dois meses para depois construir em três anos. O que custa dinheiro é a obra e o seu tempo de execução. O custo do projecto num investimento é de cerca de três por cento, mas é nesse momento que se pode planear e acertar toda a gestão desse investimento. Tende a subvalorizar-se o trabalho do arquitecto porque os projectos são só papel, mas é precisamente enquanto tudo está sobre esses papéis que se pode poupar dinheiro ao cliente. Em termos gerais e apesar de tudo eu acho que esta foi uma intervenção muito gratificante para nós. Para mim há uma imagem insubstituível, uma das poucas vezes em que senti que ainda valia a pena ser arquitecto, e que se deu poucas horas depois da inauguração oficial aquando da abertura ao público. Vi toda aquela gente inundar o Metro e começar a experimentar com prazer e satisfação os espaços que foram pensados para os ajudar a ter uma vida melhor. Senti que afinal, apesar das horas de trabalho investidas e das dores de cabeça que causara, aquilo servia para alguma coisa e que alguém ia realmente beneficiar desse esforço. Ao contrário do que acontece cada vez que projecto uma casa, aqui senti que a minha utilidade era pública, e só por isso já valeu a pena.

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4. Carlos Cruz (Coordenador do Projecto) Manuel Salgado Estação Estádio do Dragão FV – É capaz de me contar resumidamente como é que chegam a fazer parte do projecto Metro do Porto? CC – No nosso caso, este projecto do Metro do Porto decorreu um pouco do Plano de Pormenor das Antas. Plano este que englobava numa primeira fase o Plano de Pormenor propriamente dito, e mais tarde o projecto de infra-estruturas e espaço público. Foi aí que acabou por ficar incluído o projecto do Metro do Porto e também o do Estádio do Dragão que, embora fossem unidades de projecto ambas feitas por nós, correspondiam a clientes diferentes, e eram por isso relativamente distintas. Este caso do Metro do Porto articulava-se com uma outra questão, que fazia também parte da estação e estava integrado no projecto de infra-estruturas, que tinha que ver com o parque de estacionamento projectado para a zona envolvente do estádio. No fundo a encomenda decorreu do próprio Plano de Pormenor das Antas, e foi abordado em continuidade com esse projecto. Penso que quem o geria era uma agência da Câmara do Porto, e que terá depois havido um entendimento natural com o Metro do Porto, dado que o projecto da estação estava também muito fundido com todo o trabalho de redesenho do sistema de ruas e infra-estruturas. FV – Quando começam a desenvolver o Plano de Pormenor das Antas, estava prevista desde o início uma Estação do Metro do Porto? CC – Desde uma fase relativamente embrionária do projecto, estava já prevista a inclusão da estação. Penso que num primeiro momento chegou-se a temer que ela não estivesse pronta para o Euro 2004. Depois achou-se que era importante, e acelerou-se até um pouco o processo para que ela fosse concluída a tempo. A estação tem a função de servir obviamente o estádio, mas tem também uma outra, talvez mais importante ainda, a de resgatar uma zona da cidade que é uma espécie de grande traseira das Antas. Era uma zona relativamente desqualificada da cidade, na qual interessava criar alguma centralidade, e um sentido urbano que permitisse, pela sua posição, ser uma rótula entre uma série de outras zonas envolventes. Pretendia-se introduzir ali um factor de F04 - Fotografia gentilmente cedida pelo próprio Arq. Carlos Cruz.

alguma coesão urbana, e nesse sentido a estação era uma importante forma de servir e de dar acessibilidade. Tudo 37


aquilo está ainda muito pouco ocupado, estão feitos os grandes equipamentos, resta agora esperar que o tecido urbano normal se preencha. A sua posição é algo excêntrica, o que tem a ver com o traçado da linha que segue depois para Gondomar. Apesar de tudo, essa posição pode ser interessante se tivermos em conta que no futuro a zona do Mercado Abastecedor pode também vir a ser objecto de uma intervenção, e que tornaria este ponto extremamente importante ao nível da articulação. Estas coisas precisam agora de ir crescendo com alguma lentidão, até porque isso vai permitindo corrigir coisas sobre as quais provavelmente nem pensamos na altura em que fizemos o Plano. FV – Como é que foi desenvolver um trabalho que tinha à partida fortes condicionantes não só técnicas, devido ao funcionamento do sistema, mas também formais impostas por uma pormenorização tipo do Arq. Eduardo Souto Moura? CC – Por um lado foi muito interessante, porque foi a primeira vez no âmbito do atelier que fizemos um projecto de uma infra-estrutura deste tipo. Fazer o projecto da estação era também uma coisa que nos interessava porque ele era importante como forma de remate de todo aquele sistema urbano que se criou ali, e que implicou uma grande transformação topográfica. Ali foi quase construída uma topografia artificial e que alterou bastante a fisionomia do território. Agora existe um outro projecto, que concluímos há pouco tempo, de uns pavilhões para o Futebol Clube do Porto, e que dá continuidade ao fechamento e colmatação dessas plataformas artificiais que foram criadas. A cota antiga e natural do terreno é a da rasante do Metro, a cota a que andam as linhas. Uma vez que essas cotas foram depois consideravelmente subidas, era importante controlar o projecto da estação, como forma de rematar todo o sistema daquele lado. Dadas essas condicionantes, tinha realmente algumas singularidades relativamente às outras estações. Não é bem uma estação tipicamente enterrada como a do Marquês, a dos Aliados, ou a de São Bento, em que claramente há um terreno sob o qual a estação se faz em túnel, e onde é preciso fazer depois chegar as pessoas. É uma estação enterrada, no fundo não porque a estação se enterrou, mas porque o terreno subiu e criou uma espécie de estrutura por cima dela. Também não é bem uma estação de superfície, porque é uma coisa que funciona a um outro nível, e ainda por cima tinha a dificuldade acrescida de ter uma relação algo promíscua com a VCI. Uma parte das linhas estavam debaixo da VCI, outra parte já debaixo da nova estrutura, e tinha portanto um pé em cada lado. Estava

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entalada numa faixa bastante estreita entre a VCI e a rua do estádio, o que obrigou a alguma ginástica. Foi preciso rever um pouco o próprio modelo de estação que existia e houve alguma adaptação do ponto de vista da tipologia, coisa que, de resto, penso ter acontecido também em outros casos. Quanto à questão da pormenorização, o Metro do Porto sempre manifestou essa ideia de haver uma certa coerência e unidade do ponto de vista do desenho das estações, nomeadamente ao nível dos materiais de revestimento, dos sistemas de mobiliário e sinalização. Tentamos seguir a pormenorização desenvolvida em parte pelo Arq. Souto Moura, apesar de tudo com adaptações àquela situação específica, mas penso que isso foi até um desafio interessante. Dentro de um sistema que tem uma certa homogeneidade do ponto de vista da sua caracterização enquanto ambiente e enquanto pormenorização, é muito estimulante perceber como acaba por ser a própria situação específica da estação, na relação que tem com a cidade e com o espaço urbano, a introduzir factores de diferenciação relativamente grandes ao nível do espaço interior. Isso é verificável em todas as estações, mesmo entre aquelas que foram desenvolvidas pelo mesmo arquitecto. FV – Quanto a esse vosso trabalho de adaptação e constante reajustamento das regras, havia alguma espécie de controlo da parte do Arq. Souto Moura? CC – Sim. Não com o Arq. Souto Moura directamente, embora tenha a ideia que relativamente a algumas situações o Metro do Porto o consultava. Tendo como interlocutores o Metro do Porto, iam-nos fazendo chegar aquela que era, no fundo, a vontade de ser mantida essa linha de coerência global em relação a todas as estações. Apesar de tudo, mantinham em linha de conta o conjunto de peculiaridades que a estação apresentava do ponto de vista da implantação, da sua presença urbana, e da adaptação ao contexto muito específico que o Plano das Antas tinha gerado. Partindo daí, era depois o Metro do Porto que ia dando alguns inputs quanto à questão de tentar homogeneizar as situações diferentes que, apesar de tudo, foram aparecendo ali. Houve da nossa parte sempre a tentativa de respeitar e perceber que era um sistema que pretendia ter uma certa coerência do ponto de vista da imagem. Ao contrário do que é por exemplo o caso do Metro aqui de Lisboa, que é uma opção tão legítima como qualquer outra, onde as estações são peças autónomas e constroem claramente situações muito diferenciadas do ponto de vista da caracterização do espaço. No Porto havia essa vontade de uma espécie de tecido condutor, que tornava reconhecível uma intervenção ao longo de todas as estações. Tentamos

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encaixar isso, e também não era particularmente difícil, dado que o trabalho de base do Arq. Souto Moura era uma coisa bem sistematizada e muito clara do ponto de vista do desenho, da sinalização, do mobiliário, da integração das infra-estruturas técnicas, e de muitas outras situações. FV – Quais as vossas preocupações particulares ou pessoais que no desenvolvimento de uma Estação Metro naquele Lugar? CC – Uma delas era a situação que decorria naturalmente do aparecimento do Estádio do Dragão, e dessa relação que deveria estabelecer-se com ele, mas também com todo o sistema de novos espaços públicos propostos. A ideia de que, no fundo, a estação deveria procurar rematar todo aquele sistema topográfico artificial que se criou a pretexto da construção do estádio. Tentamos de alguma maneira retomar a própria modelação feita em torno dele, de muros e sucessivas plataformas, sendo aquela mais uma plataforma e mais um sistema que se cria ali de relação com a VCI. Criamos uma espécie de cota de referência que funciona como um embasamento onde assenta depois esse grande volume da estação mais transparente. Uma vez que era um sistema relativamente longitudinal e desenvolvido ao longo da rua, foram previstas duas entradas distintas: uma à cota baixa, do lado sul, articulada com a praça que dá acesso à zona de S. Roque; e um outro átrio norte, que tinha já a perspectiva de se articular com o acesso ao estádio, com os Pavilhões do Futebol Clube do Porto, e com um atravessamento sobre a VCI que nunca se construiu. A ideia desta nova ponte vinha do Plano, e pretendia agarrar a rua envolvente ao estádio com uma outra intervenção prevista para o lado contrário, de uma espécie de novo pavilhão multi-usos da cidade do Porto. A estação serviria também a noção de continuidade urbana que se pretendia obter entre as duas margens desse sistema, mas que entretanto não foi cumprido. Ainda assim, ficou reservado no interior da estação um espaço para que no futuro, não sei bem quando, se possam construir os pilares de apoio desse novo viaduto. A estação desenvolve-se entre os seus dois átrios, que correspondem a dois pólos de naturezas algo distintas, mas que tentam responder de maneira clara às condicionantes urbanísticas presentes em cada um deles. Ela é um dos poucos elementos que permite ler, hoje em dia, e sobretudo a partir do átrio inferior, a dimensão da transformação topográfica que ali ocorreu. A ideia era também um pouco essa, e para isso se enfatizaram os grandes espaços vazados, que correm a estação de cima a baixo. Funciona como uma escala, que permite ler no espaço vazio desde os cais da estação até à cobertura do átrio norte, toda a transformação ocorrida.

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Outra das preocupações era tentar que a luz natural, dentro do possível, pudesse penetrar ao longo dos átrios. Pretendíamos fazer chegar o máximo dessa luz às cotas inferiores e aos cais, tentando qualificar de alguma maneira os seus espaços. Isso acabou por contrapor uma grande verticalidade à leitura mais horizontal dos átrios. O átrio norte é mais transparente, muito horizontal, e aberto sobre a paisagem; o átrio sul é escavado no embasamento, com os lanternins que lhe dão uma luz mais zenital; e há depois o grande vazio central que liga verticalmente todos esses sistemas, e estabelece um corte sobre aquela que foi a transformação imposta ao terreno. Na Estação do Estádio do Dragão, tivemos também uma outra questão sensível. A proximidade ao estádio de futebol levantava problemas ligados à utilização mais intensiva em dias de jogo, e à maior probabilidade de enfrentar actos de vandalismo. Uma vez que existiam grandes áreas envidraçadas, estas estavam também mais sujeitas a eventuais problemas. Recordo-me por exemplo de um pormenor com as guardas da estação, que numa primeira fase seguiam o que estava tipificado para todas as outras, e que a dado momento tiveram de ser reforçadas, tendo em consideração a eventualidade de uma maior pressão que a grande concentração de pessoas poderia exercer sobre elas. Quanto à questão do vandalismo, curiosamente não se tem verificado, talvez porque o grau de requinte funcione como factor de dissuasão. FV – Qual a ideia que vos ficou deste conjunto de Arquitecturas com uma identidade tão forte e cuidada, que servem afinal para andar pelo Espaço Metropolitano, e que sob esse pretexto provocaram a reformulação e o redesenho da cidade? CC – A uma escala mais global, acho que é uma intervenção fundamental. Numa área metropolitana com alguns problemas de articulação entre manchas urbanas, e com tecidos urbanos por vezes desconexos, conseguiu criar uma infra-estrutura capaz de os amarrar e lhes dar uma outra coerência. Como se não bastasse, conseguiu aliar a tudo isso uma grande qualidade do ponto de vista do desenho arquitectónico. Em alguns casos, foi a oportunidade de produzir situações muito importantes de reabilitação urbana. Produziram-se realmente resultados muito interessantes a esse nível, e até no entendimento do papel que a infra-estrutura pode e deve ter no funcionamento do território, e dos diferentes layers que constituem o espaço da cidade. A nossa intervenção foi um pouco ao contrário, pois foi a reformulação urbana que estávamos a desenvolver que nos permitiu um pretexto para o projecto da estação.

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A uma escala mais próxima, o Metro do Porto conseguiu produzir inúmeras situações, das quais conheço algumas, de excelentes projectos de arquitectura. Esta coisa da arquitectura enterrada ou escavada é um tema muito estimulante, e produziu estações que são no fundo grandes espaços públicos: Aliados, Casa da Música, e Marquês. Estes são alguns dos exemplos que eu conheço, dos quais gosto particularmente, e que são quase espaços públicos enterrados. Penso que o Projecto Metro do Porto consegue percorrer todas as escalas da intervenção, dando uma maisvalia a cada uma delas. É um projecto que, do ponto de vista da qualidade, se poderá dizer até que peca pelo excesso. Tem um entendimento da infra-estrutura que não é só o que conhecemos em outras redes de Metro, nomeadamente em países da Europa central. Aí a infra-estrutura é praticamente uma conduta para as pessoas se movimentarem, e é desenhada com um grau de eficácia que não pretende ir muito além disso. Aqui tentou-se se calhar que houvesse uma mais-valia do ponto de vista arquitectónico, e do desenho de algumas das situações. Apesar de tudo, curiosamente, também com uma grande disciplina no sistema, e na forma como todo ele foi pensado. Voltando um pouco à questão anterior, e num contexto em que havia uma grande tipificação de elementos de projecto, o seu confronto com as diferentes situações urbanas conseguiu gerar um conjunto de soluções também elas bastante diferenciadas. Nem sempre a uniformização é sinónima de monotonia, e pode às vezes ser até o que realça as diferenças essenciais.

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5. José Gigante Estação Póvoa de Varzim FV – É capaz de me contar resumidamente como é que chega a fazer parte do projecto Metro do Porto? JG – Quando o Souto Moura fez o concurso, através do qual lhe foi entregue o projecto do Metro do Porto, penso que a proposta nomeava já um conjunto de colegas aos quais ele sabia que podia entregar algum trabalho. Tratava-se de um projecto imenso que ele não podia fazer por completo, e admitiu portanto à partida que grande parte desse trabalho iria mais tarde entregá-lo a vários outros colegas. Eu sei que o meu nome estava entre o dessas pessoas, porque nessa altura ele falou comigo e chegou até a pedir um currículo. Apesar disso inicialmente não fiz parte, mas com o falecimento do Humberto Vieira, o Souto Moura abordou-me no sentido de poder vir a continuar o seu trabalho, e foi nessa altura que entrei. Todos os trabalhos em que peguei no âmbito do projecto inicial do Souto Moura são portanto feitos em cima de estudos prévios da autoria do Humberto Vieira. Eram coisas muito elementares que tinham sido feitas sobretudo para definir estimativas de obra e orçamentos. Devo dizer que depois as estações foram regra geral bastante alteradas, algumas delas completamente, mas esses trabalhos iniciais fixavam já algumas coisas, tais como o trajecto da linha, os locais das estações, e determinados princípios de programa. Creio que comecei a colaborar no projecto em 2003, e tenho entretanto continuado a fazer uma série de outros projectos que já não estão integrados no do Souto Moura. São projectos que me são entregues directamente pela Metro do Porto, mas que eu continuo a encarar do ponto de vista conceptual como um prosseguimento desse projecto inicial. Acho que é um projecto interessantíssimo pelo modo como é equacionado, e porque não se baseia numa personalização das intervenções, mas antes numa grande uniformidade ao longo do percurso. Se formos no Metro distraídos somos capazes de não chegar a perceber onde estamos, porque as estações são todas muito semelhantes, de uma forma que normalmente não acontece em outros projectos de Metro. Tento ver este trabalho sempre nessa linha de pensamento, e mesmo quando intervenho agora com encomendas que me são entregues directamente, tento diluir um pouco a nossa postura enquanto arquitectos numa intervenção muito mais global, que embora já sem a mão de Souto Moura, permanece no espírito com que foi feita. O Souto Moura deu-nos inteira liberdade, praticamente não interferindo em nada nos nossos projectos, e só F05 - Fotografia gentilmente cedida pelo próprio Arq. José Gigante.

me lembro de mostrar uma ou outra coisa de vez em quando. Ele confiou completamente o trabalho nas pessoas que 43


escolheu, e penso que também não foi defraudado. Considero que nos encaixamos bem no espírito, e não tentamos pôr o dedo no ar para dizer: - estou aqui. Fiz portanto o projecto praticamente sozinho, mas sempre com a noção de que estava integrado numa coisa colectiva e feita em equipa, com uma certa concepção à partida do que era a intervenção Metro do Porto. Eu começo a intervir a partir de Vilar do Pinheiro inclusive, e em todas as estações que existem depois até à Póvoa, sendo que a norte do Rio Ave a intervenção é claramente mais urbana. As estações anteriores de Vilar do Pinheiro, Modivas Sul, Modivas Centro, Espaço Natureza, Varziela, Árvore e Azurara, consistem no fundo em apeadeiros para os quais tínhamos um cais tipificado, e que requeriam apenas algum trabalho no estudo das pendentes e dos remates para proceder depois à colocação dos Abrigos Rurais desenhados pelo Souto Moura. Nos casos em que existiam estações antigas, como aconteceu em Vilar do Pinheiro e em Mindelo, recuperamos a estação existente e substituímos o Abrigo Rural por um mais ligeiro do tipo Urbano. Os Abrigos Rurais tinham a componente extra do Bar e do Sanitário, mas quando essas funções estavam já presentes nas estações pré-existentes, passava a usar-se o Abrigo Urbano, mais simples. Fizemos também um projecto um pouco diferente para Modivas Sul, onde por motivos de estratégia a estação foi deslocada para uma nova localização, e foi-nos pedida a transformação da antiga construção da estação num Centro Interpretativo para um Monumento Megalítico que há ali perto. Todas estas estações são ainda assim espaços muito pequenos que resultam em intervenções muito localizadas, enquanto a da Póvoa é já um espaço de maior dimensão, e que tem também um pouco mais de abrangência. FV – Como é que foi desenvolver um trabalho que tinha à partida fortes condicionantes não só técnicas, devido ao funcionamento do sistema, mas também formais impostas por uma pormenorização tipo do Arq. Eduardo Souto Moura? JG – Não diria que tivéssemos propriamente uma pormenorização tipo. O que existia era um Abrigo-Tipo já feito que nós teríamos de colocar adaptando-o simplesmente à pendente. O cais tinha também já larguras mais ou menos tipificadas mas podíamos escolher os acabamentos, fiz cais em granito, em micro-cubo, e fiz até alguns mais largos. Havia portanto uma certa margem, mas a linha já estava toda muito definida quanto ao comprimento das estações, as larguras mínimas dos cais, e as posições dos abrigos. Toda a pormenorização das estações recuperadas foi feita com inteira liberdade, e praticamente nunca falei

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com o Souto Moura sobre isso. Andei naturalmente a ver o que outros colegas tinham feito noutras estações, porque o entendimento foi no sentido de tentar homogeneizar. Este projecto faz, de resto, muito bem a um arquitecto, porque nos permite aprender a despir de vez em quando aquela coisa do autor. Passando por ali ninguém sabe quem o fez, porque o arquitecto não está muito presente no meio daquilo tudo. Eu acho que isso é óptimo, até porque temos sempre aquele bichinho que nos leva a querer sempre mostrar, mas há também que aprender a não querer tornar tudo tão ostensivo. As condicionantes propriamente do projecto são muito balizadas pelas engenharias que o compõem. É um projecto interdisciplinar, tal como todos os projectos de arquitectura. Acho que um arquitecto está apto a fazer qualquer tipo de obra, e tanto faz uma casota de um cão como um aeroporto. Tenho a certeza que sei fazer tanto uma como outra, mas sei também que tenho de me rodear naturalmente das especialidades que as compõem. Devo dizer que o projecto do Metro do Porto é tecnicamente facílimo, e está entre os mais fáceis que já fiz, porque está tudo tão definido que nos limitamos basicamente a colher elementos e layouts já parcialmente estudados para montar cada uma das estações. Admito que as estações enterradas pudessem ter um grau de complexidade maior, mas aqui a dificuldade esteve sobretudo na coordenação, e nas muitas reuniões, nomeadamente com as autarquias, que as intervenções em solo urbano sempre significam. Reconfigurávamos porções de cidade. Desde Vila do Conde à Póvoa acabamos por fazer uma nova avenida, a Av. da Liberdade, onde vão surgir novos edifícios. O Metro ali revolucionou de certa maneira a ligação entre as duas cidades, que até aqui era feita unicamente através da estrada nacional e pela marginal, na continuação do projecto do Siza para norte. Neste momento afigura-se já essa terceira ligação ao longo da linha Metro, e embora falte ainda continuidade, porque só foram feitos alguns tramos, o projecto foi já todo feito e pelo que sei já está em concurso. Assim que estiver tudo construído poder-se-á ir de Vila do Conde à Póvoa sempre ao longo das estações Metro. Isso requer muito acompanhamento para enquadrar edifícios que já existem, edifícios que vão sendo feitos e que precisam de ser ajustados, e acaba por se perder mais tempo com isso do que com tudo o resto. O Projecto do Souto Moura acabou, neste momento já está encerrado, mas todos os arquitectos têm estado a fazer mais coisas em continuidade. Agora estou por exemplo a fazer na zona rural a sul de Vila do Conde, três pontes sobre a linha que pretendem anular passagens de nível. Essas passagens sobre a linha são uma obra logicamente de engenharia, mas onde todo o arranjo entre a ponte e as ruas será feita por nós. São obras muito

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parcelares mas que vão completando. Anteriormente estávamos a fazer um projecto do Souto Moura em que ele nos entregava o trabalho, agora lidamos directamente com o cliente Metro do Porto, mas não somos duas pessoas diferentes. Quando fizemos o projecto anterior enquadramo-nos no seu espírito, e tudo o que fizermos a seguir penso que naturalmente o seguirá. FV – Quais foram as preocupações particulares ou pessoais que teve no desenvolvimento de uma Estação Metro naquele Lugar? JG – Para além da estrita resolução da estação nas suas componentes técnicas e no confronto com a linha, percebemos que aquele era um ponto importante, uma estação terminal e a principal da Póvoa, mas que estava num espaço altamente desqualificado. Estava à margem de uma estrada que, embora já não seja tão fundamental na ligação Porto/Viana como no passado, funcionava ainda muito pouco como uma rua. Acho que a requalificação do espaço foi no sentido de tentar abri-lo para criar uma leitura mais directa entre a rua, a estação e a linha do Metro. Abrimos esse espaço pavimentando-o, e criando um jogo entre as ligações pedonais ao longo da praça e um arranjo ajardinado ainda incompleto por faltarem as árvores. Tudo isto introduziu uma outra qualidade ao espaço, para além da recuperação dos edifícios. Havia até a ideia, dada a grande proximidade a uma das praças principais da Póvoa, de fazer uma ligação pedonal directa entre a estação e essa praça através de uns edifícios que iriam ser expropriados. Deixou de se falar nessa ideia e não sei se terá sido abandonada ou não, mas ela prova sobretudo que a questão do espaço urbano era ali fundamental, e que havia algum campo de manobra que ultrapassava o da própria estação. A Estação da Póvoa tem dois edifícios, porque para além da estação antiga propriamente dita manteve também um armazém que recuperamos para fazer a Casa dos Maquinistas. Na estação anterior existia toda uma confusão de construções que ocupavam o espaço entre o edifício da estação antiga e o armazém que decidimos recuperar, criando uma separação completa com o espaço da rua. O que fizemos foi no fundo limpar todos esses edifícios intermédios, sem qualquer interesse arquitectónico ou funcional para a obra, mantendo apenas aqueles dois que pela sua posição estariam mais aptos a servirem de limites e remates do espaço. Requalificamos o espaço entre as duas vias, a dos automóveis e a do Metro, recompondo todos os seus elementos. Criamos uma espécie de praça balizada precisamente pelos edifícios mantido, e acabou por ser esse

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desenho que a tornou um pouco diferente de todas as outras estações. A praça está toda ela inclinada porque a estação antiga estava já em cima de uma base mais alta do que a rua, e tínhamos portanto de resolver um problema de acesso. Em vez de expressar o acesso dos deficientes motores com rampas muito pontuais, resolvemos antes fazer uma praça já inclinada. Há muitas praças inclinadas, basta ir a Siena em Itália. Para além de resolver a drenagem das águas, que escorrem assim todas para o mesmo ponto, esta solução evita também de forma deliberada a ocupação da própria praça. Tentou-se ainda fazer com que a praça e a pavimentação pertencessem mais ao edifício da antiga estação, dando à Casa dos Maquinistas uma maior autonomia. FV – O que se passa no interior dessa Casa dos Maquinistas? JG – A Póvoa é neste momento uma estação terminal. Está prevista uma continuação futura desta linha que se prolongaria ao longo da curva deixada em aberto para duas novas estações: Mourões e Barreiros, mas esse projecto só foi desenvolvido em estudo prévio pelo Humberto Vieira, e ainda não sei se será construído. Os veículos param aqui durante algum tempo, e pretende-se com este edifício construir um espaço que os maquinistas possam frequentar nesse intervalo. É uma espécie de casa de descanso para eles, existindo por isso uma pequena sala onde podem confraternizar, uma pequena kitchenette para que possam fazer refeições, e um balneário onde podem tomar banho. Trata-se de um espaço que não tem que ver com o público, daí que o desenho da praça não seja também simétrico em relação aos dois edifícios. Tivemos notícia de que o armazém teria sido primitivamente um armazém ferroviário, por isso o que fizemos foi andar a ver como eram os armazéns em madeira construídos inicialmente junto aos caminhos-de-ferro. Mantivemos a estrutura de madeira da cobertura e os pilares de betão em que apoia, e refizemos toda a envolvente novamente em madeira. FV – A nascente a intervenção parece contudo um pouco inacabada. JG – Essas coisas que ficaram ainda por resolver estão incluídas no Projecto da 3.a Fase da Inserção Urbana, e passam por construir no prolongamento do terminal a nascente um parque de estacionamento e um arruamento novo, que fará no fundo a continuação desta nova avenida que liga Vila do Conde à Póvoa. FV – O que acha deste conjunto de Arquitecturas com uma identidade tão forte e cuidada, que servem afinal para andar pelo Espaço Metropolitano e que sob esse pretexto provocaram a reformulação e o redesenho da cidade?

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JG – A implantação do Metro tem importância em si por ser uma via de comunicação que substitui, nestes casos, a linha do comboio. Enquanto a linha do comboio era uma linha traçada sem grandes preocupações do ponto de vista do enquadramento nos lugares em que passa, o Metro é concebido com essa preocupação, até porque é um transporte que pára muitas mais vezes. No espaço rural isso não é tão visível, porque as intervenções são pontuais e apropriam-se apenas de determinadas áreas em torno das estações, mas ainda assim criaram pólos que reordenaram pequenos espaços. O Metro foi utilizado em muitos casos como pretexto para reordenar espaços urbanos. Claro que isso nem sempre acontece ao longo da linha, e podemos vê-lo no caso do Porto onde, excluídas as estações enterradas, a intervenção é muito pouco significativa nesse aspecto. Se fizermos o trajecto entre Casa da Música e Matosinhos, atravessando estações como a de Francos, Ramalde, e até à Circunvalação, percebemos que o Metro faz um percurso praticamente pelas traseiras dos edifícios. Isso não terá com certeza tido que ver com o arquitecto, até porque o mesmo Bernardo Távora teve essa preocupação depois noutros sítios onde actuou, mas sim com as autarquias. Nota-se na entrada em Matosinhos que a posição é radicalmente diferente, porque houve ali da parte da Câmara Municipal uma exigência ao Metro para que ao passar pela área urbana a requalificasse. A requalificação é aí sempre feita criando ruas ao longo da linha, e resolvendo o espaço urbano até à fachada dos edifícios. Penso que essas mesmas exigências deveriam ter sido feitas também no Porto a norte da Casa da Música, até porque é uma área de periferia onde teria havido campo aberto para fazer muita coisa para além da simples implantação da linha. Penso que o Metro não é apenas uma via de comunicação, foi portanto também um pretexto para requalificar o espaço urbano, mas o seu sucesso terá tido muito a ver com uma interacção entre o poder Municipal e a empresa Metro do Porto. Em Vila do Conde, por exemplo, houve um grande empenho da parte da Câmara e um grande acompanhamento no sentido de ser feita toda a requalificação daquela nova avenida até à Póvoa. Esse é, a meu ver, um aspecto fundamental da intervenção do Metro, porque acho que em muitos sítios resultou e teve um peso enorme. No centro do Porto, embora seja uma intervenção enterrada, criou uma espécie de cidade debaixo da própria cidade, onde se circula a uma velocidade bestial e com grande comodidade. Mesmo à superfície serviu para requalificar espaços, como aconteceu por exemplo com a Estação da Trindade que redesenhou toda uma zona praticamente abandonada, ou com a Avenida dos Aliados que, mesmo havendo quem não goste, está no meu

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entender muito melhor do que estava. A cidade é um elemento em transformação, se assim não for é uma cidade morta. Apesar de tudo acho que a intervenção foi feita sem criar grandes feridas na cidade, sem grandes roturas. Há ainda muita coisa por escrever sobre o Metro, e está ainda muita coisa em aberto. Daqui a alguns anos quando mais estiver feito, e mais consolidado, talvez se consiga discorrer melhor sobre aquilo que é a intervenção Metro do Porto.

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6. Adalberto Dias Estação Pólo Universitário FV – É capaz de me contar resumidamente como é que chega a fazer parte do projecto Metro do Porto? AD – Penso que esta história se ajusta a todos os arquitectos que colaboraram com o Metro do Porto. Como se sabe houve um concurso público de concepção-construção, e alguns arquitectos portugueses integraram esses consórcios. Lembro-me que o Siza estava num, o Soutinho noutro, e o Eduardo Souto Moura colaborava em outro ainda. O Metro do Porto acabou por escolher, numa relação entre o conceito de operação e respectivos custosbenefícios, o projecto coordenado na parte de arquitectura pelo Arq. Souto Moura. Este entendeu, durante a negociação do contracto, como penso que era já sua intenção dada a dimensão da operação e os tempos de projecto envolvidos, convidar vários colegas com os quais sabia que se identificavam sob o ponto de vista profissional e que naturalmente não lhe iriam causar dificuldades. Acabei por entrar numa fase mais tardia da operação, porque me foi destinada uma parte final da linha amarela, fase última do conjunto de toda a operação. Desconheço quais terão sido os critérios para esta escolha, a da linha amarela, mas naturalmente tiveram em consideração o planeamento e execução da operação, a eficácia de coordenação, etc. No conjunto de toda a operação, havia acções de inserção urbana, com as chamadas linhas de superfície as linhas exteriores, que eram no fundo as acções de requalificação, desenho urbano e de articulação e encontro dos sistemas de transportes com a cidade. Houve portanto arquitectos que, logo desde o princípio, começaram a trabalhar nas zonas consideradas mais favoráveis e por isso prioritárias, como aconteceu na Sr.ª da Hora e em Matosinhos, com o Arq. Soutinho e o Arq. Távora. Entretanto começaram também os traçados enterrados, com outra especificidade, tudo isto acompanhando naturalmente as discussões sobre a rede, estações, percursos, etc. Quando se pensa num Metro e num sistema de transportes para uma cidade, envolve tudo e todos: envolve as câmaras, a cidade, o próprio promotor, e os outros arquitectos. A parte que me foi pedida para desenvolver, e como já referi um dos últimos troços a realizar no conjunto de toda a operação, foi a zona do Pólo Universitário e Hospital de S. João.

F06 - Fotografia gentilmente cedida pelo próprio Arq. Adalberto Dias.

FV – Como é que foi desenvolver um trabalho que tinha à partida fortes condicionantes não só técnicas,

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devido ao funcionamento do sistema, mas também formais impostas por uma pormenorização tipo do Arq. Eduardo Souto Moura? AD – Numa operação desta natureza o sistema e o material circulante é que ditam as regras do jogo. Isto é, a arquitectura, que em certo sentido aparece como sendo a disciplina mãe, até porque também assumiu parte da coordenação das especialidades, acaba por não ser a disciplina que dita as regras. O que dita as regras é o conceito do traçado que tem exigências muito específicas e com limitações muito grandes como sejam as inclinações, dimensões, pendentes, potências, sistemas de segurança, etc. Há uma parte do trabalho que acaba por ser condicionado inevitavelmente pelas regras do material circulante e do sistema, e a arquitectura parte depois desse embrião já muito formado e definido dá-lhe outro entendimento, outra forma, outra qualidade. Daí que desde o início as diferentes equipas iam colaborando em articulação, as que estavam mais ligadas às estações subterrâneas, e aquelas mais ligadas às operações de superfície e de inserção urbana. Evidentemente que uma situação tem reflexo na outra, quando se pensa numa estação subterrânea há que pensar inevitavelmente na importância do seu sistema de acesso e na sua relação com a cidade, e quando se chega cá em cima é preciso saber como é que os contactos vão condicionar, modificar e qualificar o próprio ambiente urbano; havia outros momentos em que quem trabalhava na inserção urbana tinha de se articular com quem estava a trabalhar nas estações subterrâneas, e os dois trabalhos formavam-se e aconteciam em sobreposição. Tudo isto para dizer que havendo uma regra e princípios de projecto para as operações subterrâneas, houve necessidade também de criar regras e princípios para as obras de inserção urbana, sendo que não era possível tipificar nem definir tudo; não só ao nível da superfície porque a cidade é sempre diferente - nos passeios, nos espaçamentos e nas ruas, mas também ao nível das estações subterrâneas porque o contacto com a cidade, sempre diferente, introduziam mudanças e esquemas de acesso que alteravam a tipologia das estações. Isto é, sendo definidas algumas tipologias, o contacto delas com a superfície acabava por ser sempre diverso, mas sempre com o mesmo princípio e regra. O Arq. Souto Moura com a sua equipa foi definindo tudo o que era importante e que podia ser tipificado, obtido como regra, e construindo a imagem de uma operação equilibrada e contínua. Tive a tarefa de pegar no que foi definido, que sabia estar pensado sob os pontos de vista da sua função, do seu custo, e da sua manutenção, e sem resistência em assumir essas regras do jogo, continuá-las no trabalho que me era destinado. Estas regras constituíam um programa (tal como um programa fornecido por um cliente para um projecto) impreciso e mais aberto em alguns aspectos, e dirigido em relação a outros. Havia elementos perfeitamente definidos em relação à natureza 52


de alguns espaços das estações, de materiais a utilizar e em que circunstâncias, estavam decididas ainda algumas soluções técnicas e construtivas mais adequadas. Esta tipificação e horizontalidade que advém da definição de regras para todos e para todas as situações, naturalmente dentro do possível, não tinham só como objectivo manter uma imagem coerente da intervenção, mas também uma optimização dos custos e dos sistemas construtivos, das operações de conservação e manutenção. Desta forma, os empreiteiros podiam encomendar antecipadamente um determinado número de milhares de metros quadrados de azulejo, de pedra cortada, ou aço inox, porque para cada estação havia previsões e estimativas aproximadas; e também desaconselhava cada arquitecto de fazer suas próprias escolhas de materiais particulares ou alternativos. Quando se equaciona uma operação desta dimensão, tem de facto de se pensar nestes termos de optimização - de recursos técnicos, de recursos construtivos, de meios humanos, de soluções, etc. O que é interessante verificar é que mesmo estando grande parte do trabalho feito, ou em certo sentido programado e sistematizado, as operações acabaram praticamente todas por serem diferentes e cada uma com a sua própria especificidade, mas todas idênticas e uniformes. Existia sempre um traçado e esquema base para cada estação, que ia sendo sempre aprofundado, testado e formatado à realidade e resolução dos problemas, incluindo os casos em que a solução final foi profundamente alterada. A minha estação passou de superfície para subterrânea, assumiu várias versões, e o seu programa, localização, tipologia, forma, e dimensão, foram-se construindo e decidindo ao longo dos dois ou três anos de trabalho. FV – Como era então o trabalho de equipa com o Arq. Eduardo Souto Moura, e como é que era exercido algum tipo de controlo? AD – Foi muitíssimo natural, com pouco controlo, ou se quisermos, articulação. Por várias razões; em primeiro lugar porque eu e o Eduardo trabalhámos juntos durante muitos anos no passado, e havia portanto algumas afinidades não só sob o ponto de vista da metodologia de trabalho como também da experiência de cada um a atingir determinado tipo de soluções. Depois porque começando tarde, ou mais tarde do que os outros, fui também recolhendo alguma informação e a experiência acumulada. Acredito que outras intervenções - no início, tenham sido objecto de um acompanhamento e de uma articulação mais forte e mais intensa, mas a minha foi perfeitamente pacífica. Quando existiam dúvidas havia naturalmente que as expor e tivemos algumas reuniões, normalmente precedidas por um jantar ou um almoço. Em certo sentido nem sequer houve interferência do Arq.

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Souto Moura naquilo que foi a evolução do próprio trabalho e de como acabámos por atingir a solução. As regras do jogo estavam ditadas, era portanto a resposta natural a um problema específico. Eu fazia o trabalho no meu escritório, ele fazia-o no dele, e quando necessário encontrávamo-nos para discutir os problemas, para saber como os ultrapassar, ou saber como já tinham anteriormente sido resolvidos problemas idênticos. FV – Quando fiz esta mesma pergunta a um outro arquitecto, a conversa acabou por resvalar para a discussão sobre a escola do porto… AD – Aquilo que se considera e classifica como a escola do porto, hoje, e especificamente nos últimos anos, tem tido várias interpretações. O que interessa perceber são as coincidências, afinidades ou o denominador comum num determinado grupo de arquitectos: formaram-se praticamente num mesmo período, tiveram praticamente as mesmas experiências sob um ponto de vista escolar e profissional, tiveram os mesmos professores, trabalharam nos mesmos escritórios, e faziam arquitectura com um determinado tipo de preocupações que eram transmitidas pela escola, pelos professores e pelos escritórios onde trabalhavam. Isso naturalmente conduz a uma homogeneidade sob o ponto de vista de uma metodologia de trabalho. Esse facto não nos impede (e impedia) de fazer a nossa própria arquitectura nem de ser diferentes, mas a forma de encarar os problemas, a forma de lidarmos com eles e de os investigar, essa sim é a mesma. Isso é o facto interessante e particular nesse grupo que em determinado momento foi identificado como a escola do porto. FV – Quais foram as preocupações particulares ou pessoais que teve no desenvolvimento de uma Estação Metro naquele Lugar? AD – Voltava um pouco atrás, ainda, para dizer que não participei (e de certa forma os arquitectos convidados pouco participaram) no traçado geral da rede Metro. Estamos a falar de uma operação que começou na década de 90 e cujo período de construção demorou praticamente seis anos, já depois de 2000. Digo isto apesar de se ter debatido muito a estratégia global, os possíveis traçados e as zonas servidas. Na área que me diz respeito - Pólo Universitário, foi objecto de muita discussão e de indecisão face às duas alternativas equacionadas para o seu traçado, se devia passar junto à nova Faculdade de Engenharia captando os estudantes de Engenharia, Economia e os utentes do Hospital, ou se devia, como acabou por se concretizar, de passar pelo lado poente captando os utilizadores do

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IPO, os estudantes de Dentária, Psicologia, etc. Os dois cenários de traçado neste território conduziam a reflexos de traçado da rede também a montante, fundamentalmente após a Estação do Marquês. Eu não apanhei esta discussão (que acabaria por influenciar também a natureza enterrada da Estação do Pólo Universitário) e a minha participação é posterior à decisão do traçado definitivo pelo lado do IPO. Colaborei sim na discussão sobre como realizar este traçado, se o desenvolver à superfície ou como subterrâneo. Era também da minha responsabilidade decidir como resolver o contorno do Hospital - onde acaba actualmente a linha, assim como a continuação depois para o concelho da Maia, o que envolvia toda a inserção urbana em frente do Hospital, passando pelo desnivelamento de parte da circunvalação. O projecto de resolução de toda esta área foi interrompido por decisões politicas, está em aberto, mas deixámos alguns temas para continuar. Na discussão de como e onde se ganha ou recupera a superfície - na estação do Pólo Universitário, fizeramse várias aproximações, vários esquemas, várias tipologias, recuperando inclusivamente algumas soluções já equacionadas desde o tempo do concurso; que tinham reflexos até sob o ponto de vista do processo construtivo, se eram feitas por trincheira ou por processo mineiro. A dado momento considerou-se que não podendo o traçado chegar até ao Hospital de S. João, por razões de tempo e de estratégia, a própria estação teria de suportar temporariamente o estatuto de terminus, o que levou a uma operação um pouco mais complexa e com mais necessidades que aquelas inicialmente pensadas. Em certa medida, e de uma forma mais prosaica, aquilo que inicialmente se configurou como um apeadeiro enterrado ou de superfície, acabou por evoluir para se tornar de facto numa estação com tipologia de cais central, que penso ser única até hoje em toda a operação Metro. Isto levantava por um lado uma maior facilidade na relação com a cidade, dado que tinha dois pontos de contacto no mesmo eixo, contra os dois ou mais e sempre desfasados nas tipologias de cais laterais; mas por outro lado tornava o sistema de acesso o elemento mais importante da estação, porque constituía o limite do próprio cais e estação. Depois tratou-se de conseguir uma solução de equilíbrio naquilo que não dominávamos e onde não podíamos intervir, como por exemplo o perfil da via e sua profundidade, definidos já pelo sistema. Sabíamos e estava tipificado também que a estação tinha determinado comprimento, mas neste caso tal não podia acontecer. Nas estações convencionais de cais laterais o comprimento podia ser respeitado porque os acessos se adaptavam segundo os condicionalismos particulares da superfície; porém numa configuração de cais central isso tornava-se impossível, dado que os acessos em cada extremo necessitavam de determinado dimensão que não podia diminuir o espaço necessário para o embarque

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nos veículos. Aí as coisas começaram então a ser difíceis porque a engenharia (do sistema) não percebia como é que a arquitectura podia inverter uma coisa que para eles era tipificada. A rua em cima tinha inclinação num sentido, mas a linha em baixo tinha inclinação oposta, obrigando a escadas diferentes de cada lado. Depois havia também os elevadores, as casas das máquinas e espaços de operação resolvidas de um lado e do outro, e tudo isso foi introduzindo naturalmente uma certa complexidade e entusiasmo perante um trabalho que como dizia há pouco quase parecia um simples apeadeiro. Transformei o corte transversal tipificado e resultante de um sistema construtivo de trincheira, numa secção mais próxima do conceito de túnel, e foi uma tarefa enorme convencer a engenharia estrutural e financeira a fazer esse espaço quase em abóbada. Na superfície a resolução foi muito mais pacífica porque se tinha criado desde o início um espaço para uma estação. O Arq. Rui Mealha tinha feito para a Universidade do Porto um Plano de Pormenor desta zona, e definiu nessa altura com o Metro do Porto uma alameda e canal na perspectiva de que ele ali passasse. Tudo ficou mais facilitado quando a linha foi enterrada e a alameda se manteve a céu aberto sem Metro. O meu trabalho recomeça um pouco mais à frente a partir do momento em que a linha vem de novo à superfície em direcção ao Hospital de S. João. Na parte que se refere à estação enterrada, o lugar para mim acaba fundamentalmente por ser o encontro dos diferentes sistemas, e sob o ponto de vista urbano, os problemas mais interessantes foram os que surgiram na inserção do Metro na envolvente do Hospital: as relações e conflituosidades que essa passagem criava com as entradas para o Centro Comercial, com a Escola Superior de Enfermagem de um lado e o IPO do outro, a curva que antecede a chegada provisória ao Hospital S. João, e a continuidade para a Maia interrompida. FV – A estação que desenhou é uma das três únicas de toda a intervenção Metro que encontra uma forma de iluminar naturalmente o espaço subterrâneo. Que tem a dizer sobre essa luz? AD – Nasceu naturalmente no desenvolvimento do projecto, veio resolver alguns problemas e foi possível porque não tinha constrangimentos na superfície, na tal alameda. Precisava de fazer um sistema de desenfumagem não mecânico porque, para além de ser caro, as condutas alteravam a espacialidade e a geometria abobadada da estação. Precisava de sistemas de iluminação e ventilação

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natural, juntei tudo, e transformei as dificuldades em riquezas do projecto. Fiz umas aberturas no tecto da estação para a desenfumagem natural - é mais eficaz porque funciona sempre, é mais económica porque não consome energia. Essas aberturas permitem igualmente a entrada de luz natural, e o espaço também beneficia. É claro que isso levantou outros problemas, se é para desenfumagem natural não pode haver vidro, e se não há vidro a água também entra. Houve que garantir que a água que entrasse também saía, sem molhar. Este jogo acabou também por introduzir a sensação de continuidade no espaço da estação, entre o interior e exterior, entre um passeio coberto e um percurso a céu aberto. FV – O que acha deste conjunto de Arquitecturas com uma identidade tão forte e cuidada que servem afinal para andar pelo Espaço Metropolitano e que sob esse pretexto provocaram a reformulação e o redesenho da cidade? AD – Há alguns anos era crítico em relação à eficácia do Metro no Porto. As minhas resistências, ou parte delas, foram resolvidas quando a determinado momento se decidiu que no centro mais consolidado da cidade, com o tecido mais denso e de formação histórica até ao século XVIII / XIX, o traçado seria enterrado em relação ao que se encontrava inicialmente considerado, de superfície. Estou perfeitamente convencido que essa resistência resultava das dificuldades e reflexos que adivinhava de um Metro de superfície no centro da cidade do Porto; a partir do momento em que esse cenário foi abandonado, e se considerou que no centro da cidade ele seria enterrado e que conquistaria a superfície só quando a cidade nova o permitisse, essa minha resistência deixou de existir. Penso que foi uma boa estratégia. É um sistema de compromisso que conseguiu ligar, unir e resolver vários territórios, conciliar bem as realidades e as várias escalas que existem no Porto. Conseguiu resolver o problema de uma escala suburbana como as ligações à Póvoa, a Vila do Conde, e a Santo Tirso, recuperando alguns sistemas existentes como as linhas de comboio; uniu algumas zonas da periferia imediata da cidade, é cada vez mais elemento de dinamização e de aglutinação noutras áreas ainda difusas e dispersas. Conseguiu entrar na cidade com passividade, ainda em superfície; e conseguiu, pela forma como entrou na terra, unir outra cidade que também estava um pouco separada. Tem-se mostrado extremamente eficaz e com uma adesão cada vez maior, as pessoas não têm apresentado qualquer tipo de resistências e isso significa que está a funcionar bem. Considero-o um sistema que veio ajudar a resolver o problema da mobilidade da nossa cidade, embora pense que falta ainda uma coisa importante que é

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a articulação com os outros sistemas de superfície, os chamados interfaces. Parece-me que aí tem havido alguma dificuldade, e as várias redes de transportes urbanos não estão ainda cosidas. Confesso que não sou um utilizador assíduo. A natureza das minhas deslocações diárias não me permite ser servido pelo Metro, a não ser ocasionalmente. E nestes momentos de utilização, confronto-me sempre com alguma dificuldade no sistema de bilhética e comunicação. Tal dificuldade não tenho encontrado nos outros metros das grandes cidades europeias; num minuto percebemos onde estamos, para onde queremos ir, e como adquirir bilhete. Aqui precisamos de muitos minutos. Este sistema de bilhética e comunicação contrasta, na minha opinião, com a eficácia e rigor da concepção do Metro do Porto, com a qualidade do seu serviço e de sua arquitectura. Não havia necessidade…

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7. Álvaro Siza Estação São Bento FV – É capaz de me contar resumidamente como é que chega a fazer parte do projecto Metro do Porto? AS – O Arq. Souto Moura convidou-me para fazer a Estação de S. Bento. Isto porque eu estava então a fazer a Avenida da Ponte. Aliás, depois vim a trabalhar também sobre o conjunto da Av. dos Aliados, onde me propôs que trabalhasse associado a ele, uma vez que eu tinha já feito um projecto para a Praça da Liberdade. Nesse projecto tinha englobado em termos de objectivos a Av. dos Aliados, por causa daquela continuidade, e ele convidou-me também. FV – Como foi a relação da linguagem do arquitecto com a imagem e a identidade comum pretendidas? AS – Eu conhecia já uma série de princípios que o Arq. Souto Moura tinha estabelecido para todas as estações, e que depois tive de conhecer em pormenor. Uma parte do trabalho feito estava portanto referido a princípios, modelagens e desenhos já definidos em termos gerais. Esses eram então os aspectos comuns às várias estações que estavam a ser feitas pelos arquitectos que o Souto Moura convidou. Eu sujeitei-me gostosamente àqueles princípios estabelecidos, visto que havia plena concordância com o que estava a ser feito, e bem feito. Encontrávamo-nos regularmente, o que aqui é quase inevitável. Muitas vezes tinha de pedir esclarecimentos sobre alguns aspectos, ou visitava, para ter uma noção mais precisa, alguma obra feita por ele de raiz, de entre as tantas que há. Falamos também bastante até sobre as negociações feitas entretanto por ele, sobre assuntos gerais como por exemplo: publicidade, iluminação, e princípios aceites em termos de economia. Trocávamos impressões constantemente e o que eu fazia mostrava-lhe, para que não houvesse dúvidas sobre a relação necessária entre esta estação e as restantes. Quando trabalho com o Souto Moura, coisa que já aconteceu mais do que uma vez, e que está a acontecer agora no Metropolitano de Nápoles, nunca tive nem tenho quaisquer dificuldades. Acho que nem ele tem comigo, é um trabalho pacífico e mutuamente enriquecedor.

F07 - Fotografia da autoria de Manuel Aguiar, extraída do livro Retratos de Siza.

FV – Há claramente excepções suas, e elementos muito próprios como os desenhos sobre o azulejo, ou a 59


mármore no lambrim da escada para a Sé… AS – Os princípios que estavam estabelecidos não eram nenhum colete-de-forças, mas apesar de tudo, quando introduzi alguma coisa que não tinha ainda visto nas estações, tive o cuidado de mostrar-lhe para perguntar o que pensava daquilo. Ele dizia o que pensava. Comecei por algumas coisas que tinham a ver, não propriamente com idiossincrasias, mas com as especificidades daquele lugar. Tinha aspectos particularmente complicados como sejam a topografia, os condicionamentos postos pela passagem de uma galeria, ou a colocação do ascensor, que por sinal não está exactamente no sítio desenhado na execução. A obra teve, como todas, aqueles pontos difíceis e de não inteira satisfação, mas de um modo geral foi uma satisfação inteira. Quanto à questão do azulejo, tal como na experiência anterior do Metropolitano de Lisboa, a minha ideia era forrar a estação. Se bem que de uma maneira diferente, porque em Lisboa o túnel é de volta, e o modelo foi muito referido àquela imagem do Metropolitano de Paris, incluindo os azulejos facetados. Nessa altura era a referência que eu tinha, aliás, visitei muitas estações em Paris. Em São Bento não podia ser nada de semelhante dado que não havia as curvas, e portanto a minha ideia ali foi o azulejo simples. Foi de resto o Arq. Souto Moura quem fez a proposta para que aquele azulejo tivesse uma decoração, uma vez que é uso do Metropolitano reservar uma parte do dinheiro para a arte no transporte. O Souto Moura propôs então que fosse eu a fazer os desenhos, e pronto, assim fiz. Não posso deixar de notar algum paralelismo entre o que acontece aos azulejos do átrio da Estação de São Bento mais antiga e àqueles que ocupa com os seus desenhos contemporâneos, ambos representando momentos importantes da cidade. AS – Sim, talvez tenha pensado também nisso. Os azulejos da Estação de São Bento são motivos históricos, de resto um conjunto belíssimo. Não têm uma ligação directa, tem mais a ver com o facto de eu achar que o azulejo funciona muito bem, e há inclusivamente uma tradição disso, numa estação de metropolitano. No Marco de Canavezes tinha tido uma experiência onde fiz também um painel de azulejo, de tal maneira que optei por isso, e como não podia deixar de ser na Av. da Ponte, o tema foram naturalmente as Pontes, tratadas de uma forma não naturalista mas bastante livre. Foi o tema que eu encontrei mais imediato e mais adaptado aos condicionalismos

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do espaço, que não tem um grande pé-direito, mas tem aqueles abertos de comunicação entre os dois pisos que permitiam uma larga escala utilizando essas penetrações. FV – Um pouco à imagem do que se passa também na Estação do Chiado em Lisboa com os dois pisos sobrepostos a permitirem um efeito de pé-direito duplo. AS – Sim, claro. Ali era um problema especial exactamente por haver dois pisos, mas porque também se pretendia que fosse utilizado para proporcionar um acesso público, livre, e mais cómodo, com a possibilidade das escadas rolantes, entre a cota da praça de São Bento e a Sé. Nesse aspecto estava portanto articulado com o que eu pensava fazer na própria Av. da Ponte, e que como se sabe não teve depois seguimento. FV – Esse projecto continua estagnado? AS – É alguma maldição sobre a Av. da Ponte. O primeiro projecto aprovado foi o que fiz em ’68, num contexto muito diferente, quando era urbanista o Robert Auzelle1 e o que estava no ar era também diferente: o terciário no centro da cidade. Com esse mesmo tema pretendia-se vencer a cota existente entre a parte de baixo e a parte alta mas com outros pressupostos programáticos. Esse projecto foi depois abandonado porque houve uma mudança política e os presidentes sucessivos não quiserem pegar naquilo. De resto, o próprio Auzelle se demitiu por não encontrar condições de trabalho, e foi ele quem me anunciou que não se faria a Av. da Ponte, cujo projecto de execução estava concluído e pronto a ser construído. Desta vez, consegui também aprovar um projecto segundo um programa dado: um museu da cidade. Quanto a mim, tratava-se de um programa demasiado ambicioso, desde o princípio pensei isso e o disse, mas que foi realmente aprovado pela Comissão de Acompanhamento. Como o 2001 era uma coisa muito urgente, a Sociedade 2001 e a Câmara formaram uma Comissão de Acompanhamento da primeira fase, que era um estudo prévio, exactamente com a intenção de não se perder tempo. Eles punham todos os seus pontos de vista, e quando apresentei o estudo prévio era o resultado de um trabalho conjunto, que estava aprovado pela Comissão de Acompanhamento, onde estava também representada a Câmara. Foi portanto uma grande surpresa que tivesse sido levantado um problema, 1. Arquitecto e Urbanista francês (1913-1983). Trabalhou no Porto, e concebeu em

um detalhe, e que era no fundo a total impossibilidade daquele projecto. Isto porque foi nomeada para apreciação,

1962 um Plano Director para a cidade que ficou conhecido com o seu nome.

dentro da Câmara, uma comissão diferente, curiosamente com dois elementos que tinham acompanhado primeiro

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e que depois já não estavam de acordo. A maioria não tinha feito parte dessa Comissão de Acompanhamento, que foi à vida, e o projecto foi assim outra vez reprovado. Há uma espécie de maldição em relação àquilo. FV – Tem esperança de algum dia ver esse projecto construído, talvez reconfigurado? AS – O meu, nenhuma… FV – Sei que o Arq. Bernardo Távora, por exemplo, visitou estações em Estrasburgo. Não teve por acaso curiosidade de visitar outros sistemas de Metro de Superfície? AS – No meu caso não. Mais tarde tive, na Av. da Boavista, que eu e o Souto Moura fizemos em comum, mas aí já havia uma experiência prévia muito grande da parte dele, particular no Porto, que tornava portanto desnecessárias essas visitas a outras obras. Era uma proposta arquitectónica que já estava desenvolvida noutros pontos e que tinha também ali as suas especificidades, mas que não exigia uma viagem de estudo, visto que ela já estava feita pelo Souto Moura. Eu próprio, há uns anos atrás, tinha ido a uma cidade em França ver um Metro de Superfície, quando concorri juntamente com o Arq. Madureira e outros empreendedores com um trabalho que não foi seleccionado. Tinha feito algumas visitas nessa altura, mas depois já havia toda a experiência do próprio Metropolitano do Porto, e muito bem feita aliás. FV – Quais foram as preocupações particulares ou pessoais que teve no desenvolvimento de uma Estação Metro naquele Lugar? AS – Como lhe disse, uma estação e aquele contínuo metropolitano têm certos aspectos que são essenciais para toda a rede, e há portanto uma grande parte que é a sequência do que estava a ser feito. Já tinham sido feitas várias estações subterrâneas e muitos dos princípios são aqueles que já tinham sido adoptados. Dispunha portanto de todo o material do arquivo Metro do Arq. Souto Moura. Os problemas especiais prendiam-se com a possibilidade de utilizar a estação ali para melhorar condições naquele local, como por exemplo, a possibilidade dos meios mecânicos para ligar a parte baixa à parte alta. Estava também desenhada uma ligação em galeria à Estação de São Bento, dentro da estratégia e das decisões do Metro e dos Caminhos de Ferro de então. O acesso que está apontado, mas não foi executado, previa ligar subterraneamente

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ambas as estações para garantir um percurso abrigado entre elas. Essa foi também uma parte muito discutida, porque se pretendia inicialmente que a saída fosse feita dentro do átrio, coisa que eu considerava inconveniente, até que foi negociada uma para fora, sob os cobertos da linha. Também se pensava que fosse incluída na rede de Metropolitano a própria linha de caminhos-de-ferro existente em São Bento, isso chegou a ser estudado mas não foi realizado. Havia também a dificuldade de relacionamento com o exterior, que é geral, relativamente à dificuldade da topografia. Tudo calhava em zonas empenadas, e aí não era livre a escolha do local, era discutida porque havia muitos condicionamentos, quer do que estava no subsolo, quer dos próprios propósitos do Metropolitano. Tudo foi resolvido com tempo salvo a localização do ascensor, que não era naquele ponto, mas sim mais longe. Houve ainda um problema em relação à colocação do quiosque, na minha perspectiva demasiado perto do ascensor, mas isso são já problemas de detalhe. Paralelamente, estava a ser feito, ou talvez já tivesse terminado, o estudo prévio para a Av. da Ponte, e houve portanto uma relação entre eles. FV – Quando é convidado novamente para desenhar a Av. da Ponte pela Porto 2001, já se previa a passagem do Metro, com o tabuleiro superior da ponte a ser utilizado? AS – Já. Depois o Souto Moura pediu-me para fazer o desenho da saída do túnel, mas a influência do Metropolitano, tal como toda a modificação decorrente do trânsito naquela zona, estavam já inseridas no estudo prévio da Av. da Ponte. No que se refere, por exemplo, à ligação do trânsito rodoviário com a Sé, ela é desenhada em função do condicionamento posto pelo Metropolitano. A zona é feita em paralelo, portanto. FV – Na Estação de São Bento, concebe a galeria do piso superior como um percurso alternativo para chegar à Sé? AS – Claro, era um aspecto fundamental. Ia até ter um largo no desenvolvimento da construção que albergava o tal museu da cidade. A escada que lá está saía em frente desse largo, onde havia um café, já muito próximo da Sé, e que era muito cómodo em relação ao deslocar dos peões na cidade. A organização dessa galeria é feita nesse sentido. Um dos aspectos marcantes da solução é que a laje do piso de baixo é suspensa. A laje forte é a de cima, a

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da superfície, e aqueles pilares que aparecem são no fundo tirantes que agarram a laje de baixo de forma a deixá-la completamente livre. Foi um aspecto muito importante do projecto porque facilitou muito a organização da parte de baixo e do cais. FV – O que acha deste conjunto de Arquitecturas com uma identidade tão forte e cuidada que servem afinal para andar pelo Espaço Metropolitano e que sob esse pretexto provocaram a reformulação e o redesenho da cidade? AS – Acho que foi da parte do Souto Moura, o arquitecto responsável, um trabalho colossal. A inclusão de outros projectistas em várias estações corresponde também à personalidade dele. Não é um trabalho dotado de egocentrismo, antes pelo contrário, foi buscar essa complementaridade e proporcionou a expressão de alguns dos colegas. Foi um trabalho de equipa que correu maravilhosamente bem, e portanto não julgo que se notem gestos de egocentrismo por parte dos projectistas. É bem visível a globalidade da intervenção. Em cada projecto a identidade do autor não está em contradição, ou não é oposta à leitura global que deve ter um Metropolitano, linhas contínuas que atravessam a cidade, visíveis ou não. Acho que foi um trabalho extraordinário com uma condução igualmente extraordinária, e pena é que de um dia para o outro, sem se saber exactamente por que razões, seja substituída a equipa, quer dentro do Metropolitano, quer fora. Houve uma quebra num processo que estava a correr bem, dos poucos que acontecem. Depois desta paragem não se antevê que haja um prosseguimento rápido nem com a mesma linha de condução global. Quando um trabalho está a correr bem não se percebe… Há muitas visitas que foram feitas para analisar o caso de estudo do Metropolitano do Porto, e fala-se agora em enterrar de uma forma sistemática, com o projecto da Boavista a ser afastado por razões que, segundo o que leio, não me parecem pertinentes. É uma linha absolutamente indispensável, entre outros aspectos, porque a ligação de Matosinhos ao Porto está a romper pelas costuras. Por outro lado, estava dentro de uma linha geral que compreendia uma nova ligação a Gaia, a cruzar na Rotunda da Boavista. Há todo um esquema global que foi pensado durante muitos anos pelos técnicos do Metropolitano, e acompanhados pelo Arq. Souto Moura, ao qual de repente não se sabe muito bem o que vai acontecer. FV – Esta é uma frase sua: “O que interessa é o que fica, o uso colectivo, e as intenções de quem o faz”. Será

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isto que interessa também a propósito do Metro do Porto? AS – No essencial interessa a sua participação na transformação da cidade, que foi, ou melhor, estava a ser enorme. Não só do ponto de vista das deslocações, e já há indicativos disso, mas também no que representou na descoberta da cidade desconhecida. Abre novas vias que dão uma nova visão da cidade, e provoca em muitos sítios a regeneração do espaço público. Nesse aspecto penso que foi altamente transformador, e uma transformação no bom sentido.

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7. Adriano Pimenta (Coordenador do Projecto) Souto Moura Estações Casa da Música, Bolhão e Trindade FV – Quando um atelier concorre a um projecto com a dimensão do Metro do Porto haverá certamente que defender ideias base muito precisas. Como foi a evolução e o debate dessas ideias? Com que tipo de pesquisa e de referências? AP – Eu começo a trabalhar no projecto numa fase posterior, já depois de o concurso ter sido ganho. Pelo que julgo saber, o concurso foi desenvolvido num consórcio onde existiam várias empresas que cobriam as áreas necessárias de projecto As estações foram desenvolvidas em conjunto com a SEMALY (empresa francesa com experiencia em sistemas de transportes), que ficou encarregue de fazer o concept engineer. Trabalhou-se sobre um programa base desenvolvido pelo Metro do Porto, que estipulava as premissas do projecto e o traçado, sendo que estavam já definidas estações enterradas para o centro do Porto. O grupo Normetro onde trabalhamos, foi o único a apresentar duas soluções, propondo também que o Metro passasse à superfície no centro do Porto – descendo a Avenida Vímara Peres em superfície, atravessando a Praça da Liberdade e Avenida dos Aliados também em superfície e enterrando na Estação da Trindade. Mais tarde fez-se ainda uma tentativa para recuperar este projecto, mas havia muitas dificuldades devido à evolução do projecto que se encontrava numa fase já muito desenvolvida e à opinião pouco favorável de algumas entidades Apesar de a Normetro ter convidado o Arqt.º Souto Moura para projectista, o concurso foi feito com o apoio do Gabinete de Projectos da empresa Soares da Costa e com o Arqt.º Távora na zona de Matosinhos e Arqt.º Humberto Vieira na recuperação das Estações da Linha da Povoa e Trofa. O projecto é inicialmente concebido neste gabinete externo ao nosso, e visava sobretudo uma estratégia global, delineada em conjunto com todas as especialidades, e apoiada na experiência francesa da SEMALY em Estrasburgo e Lyon. No fundo construíram-se dois modelos tipo de estação enterrada, um para as que recorriam ao processo de escavação mineira (M3), outro para as que usavam a escavação por cut and cover (M1). Numa fase posterior e após o conhecimento de ter realizado o projecto de execução das estações iniciais tais como Campo 24 de Agosto e Heroísmo, e como o trabalho da SEMALY tinha terminado, pois no fundo eles

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desenvolviam um estudo prévio das estações, o gabinete começou a projectar novos modelos de estação com o apoio da engenharia de estrutura e o apoio também fundamental da engenharia de mecânicas. Tudo isto era um sistema muito complexo, e passou por um processo evolutivo natural de um projecto de concepção/construção. Na fase de concepção foram fundamentalmente seguidas as indicações e o know-how trazidos pelos especialistas no transporte. No entanto, e depois de ganho o concurso, interessava economizar ao máximo, tanto o tempo, como o dinheiro, e alguns dos processos construtivos propostos provaram-se demasiado caros. Durante a construção, a arquitectura teve portanto de trabalhar em conjunto com a engenharia e a mecânica, principais condicionadoras do espaço, na busca de soluções que se adaptassem a cada caso com uma maior economia de meios. Ainda que o modelo delineado para as estações em cut and cover tenha sido basicamente mantido, aquelas que recorriam à escavação mineira tornaram-se verdadeiros dramas, e foram sendo constantemente reinventadas. Quanto à intervenção à superfície, tratou-se basicamente de definir e aperfeiçoar o traçado, e projectar um modelo de estação. Precisávamos de um módulo que abrigasse as pessoas, precisávamos também dos equipamentos, e acabamos por fazer uma concepção integrada. O abrigo é alto porque o equipamento é alto também lá dentro. O cais era lateral e tinha de ter 70 metros, a linha passava ao meio, e havia depois a catenária. Nessa altura não havia ainda estudo de integração urbana, isso foi feito mais tarde a pedido das Câmaras Municipais. O que estava previsto no contrato era instalar o cais, as linhas com as catenárias, a iluminação, e abrigar as pessoas. Cheguei a ir a Estrasburgo, tal como fez o Arqt.º Távora, porque era realmente uma forma de perceber como é que aquilo se podia integrar numa cidade. Bem ou mal feito, era uma pesquisa natural e um exemplo de Metro de Superfície. Fui ver também Bilbao, e o Arqt.º Souto Moura tinha até um livro só sobre essa obra. A intervenção do Foster em relação à estação foi uma referência. A componente da engenharia era tão forte que a ideia era um pouco ver aquilo que outras pessoas tinham já feito, para que nos pudéssemos depois adaptar. Enquanto eles escavavam nós preparávamos o estudo prévio, e o projecto de execução era feito depois sobre a obra de contenção e sobre a engenharia. O processo foi-se fazendo no caminho: sugerindo, remetendo, ouvindo, experimentando em maqueta, e tentando sempre tirar partido das situações, quer adversas ou favoráveis. FV – Ao definirem elementos-tipo para toda a intervenção, criaram um corpo de regras e princípios comuns, que ditaram a noção de continuidade do Metro. Como foi imaginar e desenhar esse conjunto de peças, que

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pretendiam ser repetidas dezenas de vezes ao longo da linha? AP – Quando fizeram o concurso, lembro-me de o Souto Moura dizer que tinham contabilizado 10km de guias só no capeamento de escadas. Isto foi-lhe dito para que imaginasse a importância da escolha, por exemplo do granito que revestiria essas escadas, e dá a noção do que é a tipificação do pormenor. Para além de criar unidade, a introdução da pormenorização e dos elementos-tipo tem o benefício muito importante do custo. Chegar a uma pedreira e comprar 10m 2 ou 10.000m 2 é muito diferente, era um pouco essa a procura. Havia por exemplo uma bíblia da SEMALY, que nos foi dada inicialmente com noções sobre a tipificação de elementos como as escadas: o afastamento do corrimão, o número máximo de degraus seguidos, ou a inclinação de uma escada rolante. Baseadas nas experiências anteriores, essas noções gerais abrangiam também coisas como os tempos de evacuação necessários, ou as dimensões de um determinado espaço. Depois do concurso fomos um pouco mais à frente e tipificamos tudo. Foram criados dois cadernos com a pormenorização tipo de todas as estações, um para as M1 – tipologia da escavação em cut and cover, outro para as M3 – tipologia da escavação mineira. Esse caderno poupava muito tempo porque só se imprimia uma vez, e toda a gente passava a saber como era o corrimão, como era a portinhola do fim do cais, como se faziam as portas cortafogo, ou mesmo que a escada fixa tinha uma determinada faixa amarela. Tudo isto ajudava muito, porque permitia uma unidade de linguagem, e porque os projectos só eram depois desenvolvidos sobre as partes que eram diferentes. FV – A Casa da Música foi uma espécie de banco de testes para todas as outras estações. O que recorda de mais importante na descoberta dessa construção? AP – A certa altura fez-se na Av. de França a maqueta de um cais à escala 1:1, no interior dos barracões da CP que ainda lá existiam. Lembro-me perfeitamente de andar a ver como era o cais nesse protótipo dentro dos armazéns de madeira com cerca de 100m 2. Podíamos ver dois bocados de estação, tanto a M3 com o tecto redondo, como a M1 com o tecto recto. Montou-se tudo aquilo para analisar o preço, remates e efeitos das várias propostas, quanto ao tipo de granito e de azulejo. Estudou-se o gesso e como se iria segurar, o rasgo da ventilação do cais, a peça do bordo, e o remate das zonas de ventilação acima do cais, à cota 2,40m, que mandava depois em toda a estação fazendo as padieiras e as portas também. Todas essas coisas importantes foram ensaiadas à escala real e testadas ali naquele espaço antes da construção. Foi lá que se decidiu com o consórcio que tipo de materiais utilizar

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nas estações, fazendo realmente desse espaço uma espécie de banco de testes. A Casa da Música era uma estação menos complexa, porque tira partido da ventilação natural, e dispensava assim toda a componente da ventilação mecânica. Apesar disso, e por ter sido a primeira a ser construída, foi também a grande oportunidade de ensaiar o tipo de linguagem que elas iriam ter. Depois de tudo o que já tinha sido ensaiado, e de estarem criados os tais cadernos de regras que eram a bíblia das estações, a Casa da Música foi uma confirmação. Embora tenha tido esse grau de menor complexidade, devido às condicionantes em jogo, acabou por ser o primeiro ensaio de toda a tipificação, havendo mesmo pormenores que foram revistos e adaptados para todas as outras situações. Até ao fim fica quase tudo como está na Casa da Música, são poucas as adaptações. FV – Na Estação do Bolhão construíram por escavação mineira e criaram espaço público mais de 20 metros abaixo do chão. Quais as dificuldades de desenhar estes espaços enterrados, de dentro para fora? AP – O Bolhão é uma estação quase tripla no que toca ao método construtivo. Utiliza-se a construção em trincheira sob o espaço da rua – cut and cover; a escavação mineira que recorre aos métodos tradicionais, com explosivos e brocas e dando continuidade ao trabalho da tuneladora que escava até ao espaço do cais, e que é depois empurrada oitenta metros para continuar mais à frente. O outro processo foi a construção de poços para criação de frentes de obra. A Rua Fernandes Tomás é muito estreita, e a largura da rua correspondia quase à largura do cais. Há uma componente de construção em trincheira na qual se rasga o chão junto às fachadas, respeitando apenas uma distância mínima para que as micro-estacas pudessem ser marteladas pela máquina sem embater nos beirais salientes. Essas estacas desenhavam no fundo a parede de contenção, sobre a qual era projectado o betão. Para chegar lá em baixo, recorreu-se também à intervenção mineira. A estação tinha poucas frentes de ataque, e isso tornava tudo mais lento. Foi então que começou a trabalhar no Consórcio Normetro a CJC1, e se abriu um poço numa casa abandonada junto à igreja. Esse poço deu uma nova frente de ataque à obra, e por lá se desceu rapidamente para começar a

1. A certa altura, a equipa de engenharia que trabalhava nas estações subterrâneas,

trabalhar no espaço do cais, permitindo ainda fazer as saídas de emergência e os elevadores para acessos dos PMR’s

é substituída por uma nova empresa brasileira: CJC – Engenharia Lda. A partir

. Os túneis de acesso previstos pela SEMALY eram bastantes complexos e com estes métodos em poço agilizou-se

desse momento há uma abordagem renovada à forma de escavar, privilegiando-

a construção. A simplificação passou por rasgar umas escadas rolantes que ligaram a um espaço sobre o da linha, e

se o recurso à perfuração de poços circulares. Ao permitir um maior número

que o intersectava para fazer o acesso a ambos os cais.

de frentes de ataque, este método resultava em tempos de construção menores.

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Bolhão e Faria Guimarães eram as estações mais complexas, e foram projectadas muitas versões até atingirmos esta, lembro-me que foram feitos uns doze anteprojectos. A Câmara do Porto não queria a saída junto a Santa Catarina, e chegamos a propor fazê-la dentro de uma loja, como em Londres, mas a ideia foi rejeitada e acabou por ficar na esquina. Depois queriam também uma entrada junto ao Mercado, porque alguém tinha ganho o concurso para o Bolhão e pretendia-se um futuro acesso a essa zona comercial. É pena que todo este processo não esteja documentado, porque teria piada mesmo numa abordagem construtiva, e daria quase para um livro só com os doze ante-projectos do Bolhão. FV – A Estação da Trindade é talvez a mais importante de todas as que surgem à superfície, e uma das mais ambiciosas no que toca ao seu impacto sobre a cidade. Num projecto que é protagonista do espaço da Baixa, e do qual só parte foi construído, quais as preocupações e intenções por trás do desenho? AP – A Estação da Trindade sempre foi considerada o centro de toda a rede, o coração. É a única estação de cruzamento de duas linhas, pelo menos até este momento, e a única que permite intermodalidade entre as duas linhas, e ainda com os transportes exteriores. Era na Trindade que se iriam situar quer os edifícios da administração e sede do Metro, quer o posto de comando de todo o sistema. Na altura o programa definia que aquele seria o Centro de Operações do Metro, e chegaram a desenvolver-se projectos para colocar ali muitas das funcionalidades que foram depois deslocadas para o Parque de Manutenção e Oficinas de Guifões. Para além do seu carácter na rede, já de si importante, era ainda um espaço público que estava no centro da cidade. Anteriormente era uma estação de comboios que quase não pertencia à cidade, com uma Bomba de Gasolina na frente. A imagem que tenho é de um espaço com muito pouca dignidade, e que à noite era mal frequentado. A ideia foi devolver todo aquele espaço à cidade, quer visualmente, como acho que se conseguiu fazer na parte de trás não visitável, mas da qual podemos usufruir com o olhar, quer com a criação de um espaço público. Arranja-se uma praça grande superior e uma praça inferior à cota da rua, transformando o espaço anteriormente vedado num espaço que passa a ser parte da cidade e que liga os arruamentos que foram interrompidos pela pedreira e mais tarde pelos caminhos-de-ferro. O que realmente é pena é que falta colmatar isto tudo, porque neste momento parece e ainda está incompleto. Chegou a haver um edifício que seria muito bonito junto ao viaduto Gonçalo Cristóvão, e que rematava essa frente

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de rua. No fundo, tentava-se associar nesse edifício os STCP e o Metro do Porto, criando um centro de mobilidade da cidade, a partir do qual tudo pudesse ser administrativamente controlado. Pelo que sei o projecto caiu por questões monetárias. Cá em baixo o edifício continuava, e uma pala ligava a estação a um edifício de escritórios que nascia para rematar o encontro com a Rua do Alferes Malheiro. Havia uma preocupação grande para não subir a cota importante estabelecida pelo edifício da Ordem da Trindade. O projecto desenvolvia-se inicialmente a sul, junto à Rua Alferes Malheiro, mas mais tarde a Metro do Porto decide associar-se aos STCP, e o espaço torna-se curto. É aí que surge então o edifício a norte, na parte mais alta, mas quando uma das empresas desiste do processo o espaço passa a ser excessivo, e tudo ficou nesse ponto, sem se fechar nem a norte nem a sul. Não sei se alguma vez se fechará isto. Propusemos também um edifício de remate junto às escadas, em relação com a torre de acessos que liga à Rua do Bonjardim, onde estaria uma loja com um café. Chegaram a lançar-se também outras ideias, entre as quais estava a de uma nova Loja do Cidadão mais central, mas que depois foram sempre caindo por terra. Lembro-me por exemplo que o problema da Bomba de Gasolina foi muito grande, visto que era a única naquele ponto de saída da cidade, e valia muito dinheiro. A indemnização que pediam era um balúrdio, e por isso sempre foram feitos projectos prevendo uma relocalização dessa Bomba ao longo da subida. Isso era evidentemente uma complicação, que só se ultrapassou quando chegaram finalmente a acordo, e a bomba pôde desaparecer por completo. Espera-se agora que as traseiras da Rua do Bonjardim se possam também desenvolver um pouco perante a intervenção. Sei até de uma farmácia naquela zona, aberta para a rua de trás, que manifesta desde a fase de projecto uma vontade clara de se virar para a frente, junto à saída do Metro. Esse edificado permanece um pouco como estava, ainda degradado e com ar de traseiras. Isso aconteceu também no troço entre Carolina Micaelis e a Lapa, mas como sempre acontece depois de uma intervenção, espera-se agora uma resposta. Apesar de não estar completo, o que foi realmente importante foi perceber-se o que é esta praça, e toda a ligação de cotas que ali se prevê. Aquilo no fundo era uma pedreira, e é muito bom pensar no que era, e no que se conseguiu fazer daquele espaço… está sempre ocupado. FV – O que acha deste conjunto de Arquitecturas com uma identidade tão forte e cuidada que servem afinal para andar pelo Espaço Metropolitano e que sob esse pretexto provocaram a reformulação e o redesenho da cidade?

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AP – O que é de louvar é a naturalidade com que tudo aquilo acontece e é integrado. Não sendo projectado na procura de uma marca muito importante, como acontece por exemplo com aqueles espaços novos em Barcelona ou com o Guggenheim em Bilbao, penso que o Metro do Porto conseguiu um carácter não ostensivo e anónimo muito interessante. Se todos os arquitectos fizessem o tratamento de espaço público tentando criar ícones, seria uma salgalhada. Quando levava pessoas a verem as estações, ficavam sempre espantadas por verem tudo limpo e ordenado. Perguntavam-me como era possível manter todas aquelas coisas diferentes controladas, e a resposta era sempre a mesma: muito trabalho! Falávamos constantemente com os engenheiros para que fosse possível controlar tudo aquilo que ia da iluminação aos detectores de incêndio. Aquela cota de 2,40m era também muito importante, porque dava o nível humano à estação. O mesmo não acontece por exemplo em Lisboa, onde as coisas ultrapassam muitas vezes essa dimensão humana. Em Nova Iorque abre-se a porta do Metro e há um pilar à frente, porque foram construídas no princípio do século passado, e com outro tipo de preocupações. O que é bom neste Metro é que se vê que é cuidado, mas com um trabalho que é feito sobretudo no sentido de simplificar a sua complexidade dando naturalidade ao projecto. O resultado final criou no fundo uma imagem Metro do Porto identificável. Se vir uma estação de Bilbao ou de Londres sei reconhecê-las, porque criaram também essa imagem. O que caracteriza a imagem deste Metro é uma naturalidade não ostensiva e quase anónima, onde a Arquitectura lutou, lutou, e lutou para poder conjugar e controlar todos os seus parâmetros anulando-os.

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