Arquitectura Andante - As Arquitecturas do Metro do Porto

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arquitectura andante A s Arq u i te c t u r a s d o M e tro d o por to

PRO VA F I N A L PA R A L ICE N CI A TUR A E M A RQUITECTUR A F A UP 0 8| 0 9



f r e d e r i c o

v i e i r a

arquitectura as arquitecturas do Metro do POrto


Prova Final Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto Aluno Frederico Manuel Calçada Vieira Docente Acompanhante Arq.to Nuno Brandão Costa Estágio Curricular Realizado no período de 15/10/07 a 15/04/08 no atelier Teixeira Sousa Arquitectos Associados Lda. sob a responsabilidade do Arq.to José Carlos Sousa. Agradecimentos Ao Professor Nuno Brandão, pela orientação e aconselhamento sempre eficazes.

Aos Arquitectos: Adalberto Dias, Adriano Pimenta, Alcino Soutinho, Álvaro Siza, Bernardo Távora, Carlos Cruz, Eduardo Souto Moura, João Álvaro Rocha, e José Gigante, pelas conversas e pelo material fundamental. Ao Metro do Porto, pela autorização dos registos fotográficos. Aos amigos e família, por estarem lá sempre que preciso. Maio 2009


aos meus pais e irm達, por tudo...



Índice

Abstract

9

I - Metro no Porto 1. Intenções

13

3. Consequências Urbanas

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2. Traçado

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II - Metros do Mundo 1. Londres, Paris e Nova Iorque: exemplos incontornáveis

27

3. Bilbao: o Metro de Norman Foster

35

2. Estrasburgo e Bordéus: dois parentes próximos 4. Lisboa: o outro Metro Português

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Estação do Parque, Keil do Amaral

Estação Cais do Sodré, Nuno Teotónio Pereira Estação da Baixa/Chiado, Álvaro Siza III - A Arquitectura Andante 1. O projecto geral de Eduardo Souto Moura Pormenorização tipo

47


2. Regras, Arquitectos e Lugar

Brito Capelo, Alcino Soutinho

Sra. da Hora, Bernardo Távora

55 57 65

Parque Maia, João Álvaro Rocha

73

Estádio do Dragão, Manuel Salgado

89

Póvoa de Varzim, José Gigante

Pólo Universitário, Adalberto Dias São Bento, Álvaro Siza Vieira

Casa da Música, Eduardo Souto Moura Bolhão, Eduardo Souto Moura

Trindade, Eduardo Souto Moura

81

97 105 113 121 129

IV - Considerações Finais

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Referências Bibliográficas

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Proveniência Imagens

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Abstract Os últimos cinco anos que constituíram o meu percurso pela Faculdade de Arquitectura coincidiram com os

primeiros cinco anos de um outro percurso, aquele que com carris e estações, ferro pedra e vidro, com máquinas novas e com pessoas sempre dependentes de movimento, tem vindo a (re)desenhar e (re)unir a cidade do Porto. A

intervenção com o objectivo de implementar o novo Metro de Superfície tem vindo a mostrar-se, mais do que uma

simples alternativa para os transportes na cidade, um formato completamente inovador de viver as deslocações quer no seu interior, quer na relação da cidade com a área metropolitana.

As premissas que este tipo de transporte supõe foram reagindo metro a metro com os espaços que se

pretendiam servir, e acabaram sendo pretexto para uma reformulação urbana e arquitectónica desses lugares,

com um carácter não só intensivo mas extensivo e abrangendo uma noção mais vasta e geral de pertença a uma rede comum e estruturante. O Metro do Porto deixa hoje e em cada lugar que passa uma cidade revista, actualizada e quase sempre melhorada.

Ao longo destes anos, como estudante de Arquitectura dependente do Metro para as deslocações diárias,

tive o privilégio de viver na primeira pessoa as construções e transformações que lhe são devidas, e de tomar

gradualmente consciência da importância desse fenómeno. Dei por mim muitas vezes sentado no espaço de uma qualquer estação, a usá-lo sem saber como um laboratório onde pouco a pouco testava e revia as lições aprendidas na faculdade e assimilava a estética de uma escola. Reconhecíveis num ou noutro gesto, os arquitectos do Metro

produziram arquitecturas que partilharam uma imagem, mas acima de tudo uma identidade assente na qualidade da construção, no respeito pelas pré-existências e no cuidado com o pormenor. Perguntei-me por diversas vezes

sobre a importância dessas coisas para os restantes utilizadores, e quanto do sucesso obtido não estaria afinal por trás destas escolhas.

O Metro do Porto é hoje o resultado de um esforço conjunto para dinamizar e melhorar o transporte urbano,

o início de uma nova fase que seguramente apenas deu os primeiros passos, mas acima de tudo, e como um futuro arquitecto, parece-me simbolizar uma maneira muito própria e reconhecível de fazer arquitectura na e para a

cidade. Um processo que envolveu arquitectos exclusivamente do Porto, comprometidos a respeitar regras e uma

certa linguagem comum, acabou por resultar numa vasta rede de estações de grande qualidade capaz de criar e 9


representar por si só uma imagem de contemporaneidade arquitectónica atenta e envolvente para toda a Área

Metropolitana do Porto. Agora que penso a intervenção com maior cuidado, percebo que não se tratou apenas

da satisfação de uma necessidade, mas que foi também para a cidade do Porto a afirmação de uma forte cultura arquitectónica, que apesar de timidamente reconhecida pelos seus protagonistas, tem na intervenção do Metro de Superfície um dos seus claros exemplos, talvez o maior e mais consistente em Portugal.

A prova final a que me proponho não é mais do que um repensar um pouco todas estas escolhas; situá-

las num espaço bem definido, com condicionantes muito apertadas, e certamente num tempo que os contém a todos. Escolhendo algumas estações como casos de estudo representantes de cada um dos modos de fazer esta arquitectura, e consciente das omissões incontornáveis deste tipo de representação, procurarei no entanto

caracterizar e analisar com os conhecimentos até aqui adquiridos as consequências espaciais deste Metro no Porto.

A distância que nos separa é ainda curta, e avaliações futuras serão com certeza mais completas e informadas,

como explica Umberto Eco referindo-se às teses sobre matérias modernas, “as opiniões são ainda vagas e discordantes, a nossa capacidade crítica é falseada pela falta de perspectiva e tudo se torna demasiado difícil”.

Faltam ao tema Metro do Porto “chaves interpretativas seguras às quais nos podemos referir”, e o repertório bibliográfico é por enquanto disperso e incompleto. Ciente desta limitação imposta pelo tempo, mas no entanto seguro da importância e actualidade do tema, sigo assim o conselho que o mesmo autor sabiamente nos deixa, e trabalho “sobre um contemporâneo como se fosse um antigo, e sobre um antigo como se fosse um contemporâneo”. O objectivo será talvez, e como sempre, o de perceber um pouco melhor o que é a Arquitectura destes espaços,

e em que medida os Arquitectos que são afinal exemplos vivos desta Faculdade de Arquitectura do Porto podem desenhar um pouco a vida de todos aqueles que tão simplesmente, dia-a-dia, vão andando pelo Metro.

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I - Metro no Porto



1. Intenções A história do Metro no Porto, se assim lhe podemos chamar, começará talvez no final da década de oitenta

quando, por ocasião das eleições autárquicas de 1989 para a Câmara Municipal do Porto, alguns dos candidatos se interessaram por debater a ideia aparentemente utópica e longínqua de dotar a cidade do Porto de um sistema

de metropolitano. Sendo conhecido o carácter extremamente granítico do subsolo da cidade, as proposições

apontaram desde o início na direcção de um Metro de Superfície, ou Tramway, que ao contrário do conhecido Metro Subterrâneo1, ou Subway, evitaria perfurações extensivas e de complicada execução.

A ideia que inicialmente terá sofrido do cepticismo mais ou menos geral característico do meio eleitoral e

fervoroso em que se desenvolveu, pouco a pouco, começou a ganhar algum protagonismo na imprensa interessada,

e consequentemente junto da população. Ainda que se possa ter tratado de uma decisão política nascida ao Norte,

como defende Custódio Oliveira no terceiro capítulo do seu livro2, independente do governo central em Lisboa,

esta proposta dava resposta à situação já algo caótica do trânsito automóvel na cidade e à falta de transportes públicos alternativos capazes de servir a área do grande Porto.

Em 1990, a recém-eleita Câmara do Porto procede pela primeira vez à procura de financiamento e à

encomenda dos diversos estudos técnicos que provaram a sua executabilidade. Apesar de nesse ano o Metro no Porto só convencer três em cada centena de questionados num estudo de opinião encomendado pelo Município, a ideia foi rapidamente ganhando a visibilidade e a difusão necessárias para que se iniciasse o processo informal de

troca de ideias, e os consequentes debates mais sérios participados por especialistas nas áreas de planeamento e 1. O tipo de intervenção mais antiga e comum, feita pela primeira vez em

dos transportes.

O Metro no Porto tornou-se então centro de um extenso debate político, económico e social, nem sempre

Portugal com o Metro de Lisboa, a funcionar desde Dezembro de 1959.

produtivo, mas que pela dimensão atingida fez prova, se não de outra coisa, da inevitabilidade do projecto. A ideia

do maior investimento do séc. XX na Área Metropolitana do Porto. Porto: Edições

dos dirigentes políticos e dos municípios da Área Metropolitana do Porto3; até que em Dezembro de 1998, depois

2. Oliveira, Custódio (2007), “Processo Político”, Metro do Porto: Os passos

Afrontamento, 27-29.

3. Criada em 1991, reuniu os municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa, Valongo, Vila

inicial para uma linha Gaia-Porto-Matosinhos foi-se alargando e crescendo à medida que foi reunindo as vontades

dos tradicionais avanços e retrocessos, são finalmente assinados os contractos de financiamento e adjudicação da obra à Empresa Metro do Porto, SA., prevendo-se já linhas num total de mais de 70 quilómetros.

A vontade de criar uma alternativa ao aumento da taxa de motorização e às suas consequências no Porto, 13


acabou por se aliar à vontade dos Municípios vizinhos de reforçar e modernizar as suas ligações à cidade. O Metro

no Porto responde por isso à intenção de reformular os transportes quer no interior da cidade quer na sua ligação com o exterior.

No interior do Porto, há preocupações com uma cidade com forte atrito nos seus movimentos internos, que

está ‘esclerosada’. Ora, a esclerose é o preâmbulo da decadência e da morte! Por isso quando esse atrito é demasiado,

se vaticina a degradação e a queda das cidades.1 As intenções do Metro passavam assim por uma tentativa de reequilíbrio e revitalização da malha em mutação, que denunciava já problemas de desertificação em determinadas áreas. Esperava-se que a oferta de um transporte público confortável, seguro, pontual, e menos poluente, pudesse ainda reformular o espaço público à sua passagem e servir não só a acessibilidade de centralidades emergentes, como a de um centro histórico algo debilitado, necessitado de incentivos à sua recuperação.

No conjunto da AMP, é evidente a capacidade de atracção dos empregos localizados intra-muros na Cidade do

Porto. Mas não pode deixar de surpreender, também a importância dos fluxos que do Porto irradiam para os Concelhos

Limítrofes.2 A extensão do Metro até alguns destes concelhos justifica-se numa lógica Metropolitana que promove e

alicerça inter-relações e interdependências já existentes. A previsão de futuras expansões da rede traduzia assim a intenção de uma AMP mais próxima, mais complementar, e logo mais forte social e economicamente.

“… existem três condições essenciais para a criação de uma verdadeira área metropolitana. A primeira é a existência de acessibilidades, que liguem, de forma eficaz, os vários municípios. (…) O Porto, contudo, terá de resolver os seus problemas em estreita relação com os seus vizinhos, numa escolha de oportunidades comuns, através de bases de discussão e de negociação constantes.” 1

1. OLIVEIRA, Luís Valente de (1999), Porto: Uma Cidade Boa para Viver. Porto: Porto Editora, pp. 187.

2. OLIVEIRA, Luís Valente de (1999), Idem. pp. 204.

3. PORTAS, Nuno (1999), Porto: Uma Cidade Boa para Viver. Porto: Porto Editora, pp. 29-30.

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2. Traçado Na idealização de um Metro de Superfície, as decisões sobre um traçado não se prendem somente, como no

correspondente subterrâneo, com uma selecção de pontos notáveis onde colocar as estações que poderão depois ser unidos, com maior ou menor dificuldade, por segmentos de recta que perfuram um subsolo comum e, salvo raras

excepções, ainda por ocupar. Quando se trata de um veículo que coabita na cidade com arruamentos e quarteirões, com automóveis e peões, e ainda assim requer como base indispensável uma via autónoma, as decisões sobre o

traçado têm de respeitar um espaço quase sempre densamente ocupado e com inúmeras situações de conflito e sobreposição a ponderar.

As decisões sobre o percurso a efectuar pelo Metro do Porto foram desde os momentos iniciais amplamente

contestadas e debatidas entre os dirigentes políticos que suportaram a sua construção. A ideia base defendida pelos Municípios de Vila Nova de Gaia, Porto e Matosinhos, propunha um percurso único essencialmente urbano

que os interligava. No entanto, a reivindicação da maioria dos municípios da AMP em fazer parte do projecto, acabou por acarretar contínuas modificações ao traçado, num processo de negociações constantes, que levaram à sua ampliação para o de uma rede com várias linhas, a ser cumprida em duas fases de construção.

O traçado actual compreende cinco linhas já em funcionamento abrangendo seis municípios: Porto, Vila

Nova de Gaia, Matosinhos, Maia, Vila do Conde e Póvoa de Varzim. Permanecem por construir as duas linhas que unirão a Boavista no Porto a Santo Ovídio (Gaia) e a Leça da Palmeira (Matosinhos). Para completar a segunda fase

restam ainda as ampliações das linhas existentes até à Trofa e a Gondomar, que elevarão para oito o número total de cidades servidas pelo Metro de Superfície do Porto.

Dos nove concelhos que constituíram inicialmente a AMP1, apenas dois: Espinho e Valongo, ficaram excluídos

do traçado proposto para as duas primeiras fases. Apesar dessa escolha, devida sobretudo às ligações ferroviárias D01 - Mapa da rede em Maio de 2009.

1. Em 2005, passou a designar-se Grande Área Metropolitana do Porto, integrando

também os concelhos de Arouca, S. ta Maria da Feira, S. João da Madeira, Trofa e S. to Tirso.

consideradas satisfatórias que já possuíam com a cidade do Porto, estas duas cidades são consideradas candidatas a uma futura integração na rede, através da ampliação das linhas de Gaia e Gondomar.

Da primeira fase de construção, a única até aqui concluída, fizeram parte as linhas A, B, C, D, e E.

A linha A, a linha azul, liga a Estação de Sr. de Matosinhos (Matosinhos) ao Estádio do Dragão (Porto). Com

15,6km de extensão, a linha possui um total de 23 estações que demoram aproximadamente 49 minutos a percorrer. 15


Foi a primeira a ser inaugurada em Janeiro de 2003, com a ligação entre Sr. de Matosinhos e a Estação da Trindade, mas só em Junho de 2004 foi estendida até ao Estádio do Dragão, a tempo de transportar os primeiros adeptos

para o Euro20041 . Trata-se de uma linha de importância fundamental, uma vez que constitui pela primeira vez

o troço Sr.ª da Hora – Estádio do Dragão, que pretendia ser depois partilhado por outras três das cinco linhas da

primeira fase.

A linha B, a linha vermelha, liga a Estação de Póvoa de Varzim ao Estádio do Dragão (Porto). Aumenta à rede

24,2km de extensão a partir da Estação Sr.ª da Hora para Norte, e possui um total de 35 estações que demoram aproximadamente 66 minutos a percorrer. Foi inaugurada em Março de 2005, até à Estação de Pedras Rubras, e

completada um ano mais tarde com a chegada à Póvoa de Varzim. A linha utiliza um canal ferroviário preexistente,

aberto no século XIX, e substitui portanto o comboio que ligava os concelhos da Póvoa de Varzim e de Vila do Conde à cidade do Porto.

A linha C, a linha verde, liga a Estação do ISMAI (Maia) ao Estádio do Dragão (Porto). Aumenta à rede 10,5km

de extensão a partir da Estação Fonte do Cuco para Nordeste, e possui um total de 25 estações que demoram aproximadamente 45 minutos a percorrer. Foi inaugurada em Julho de 2005, até à Estação Fórum Maia, e completada em Março de 2006. Parte do trajecto é construída, tal como na linha B, sobre um canal ferroviário preexistente que servia a linha da Trofa, e unia via comboio esta cidade e a Estação da Trindade no Porto.

A linha D, a linha amarela, liga a Estação do Hospital de S. João (Porto) à Estação D. João II (Vila Nova de

Gaia). Com 7,7km de extensão, a linha possui um total de 15 estações que demoram aproximadamente 23 minutos a percorrer. Foi inaugurada em Setembro de 2005 e é a única a cruzar o tronco comum das restantes quatro linhas e a atravessar o Rio Douro. Criada para servir as deslocações norte-sul na cidade, pressupôs inicialmente a

construção de uma nova ponte, a ideia foi entretanto ultrapassada e substituída pela reestruturação do tabuleiro

superior da ponte Luiz I para a instalação de duas vias dedicadas exclusivamente à travessia do Metro. Sem túneis

nem canais ferroviários preexistentes e sem espaço para circular, o traçado resultou de extensas escavações sob a cidade consolidada, e obrigou a que oito das quinze estações fossem completamente enterradas. Como resultado,

1.Campeonato Europeu de Futebol realizado em 2004 em Portugal e que previa vários

imbatíveis, mas também uma forte componente cénica com o longo trajecto escuro a desembocar numa vista

Estádio do Dragão, um projecto da autoria do Arq. Manuel Salgado, construído em 2003

o percurso assume um carácter misto subterrâneo/superfície que lhe permite, não só tempos de deslocação privilegiada sobre a cidade.

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jogos, entre eles o inaugural, a realizar na cidade do Porto. Os jogos foram disputados no

especialmente para esse efeito.


A linha E, a linha violeta, liga a Estação Aeroporto (Maia) ao Estádio do Dragão (Porto). Aumenta à rede 1,5km

de extensão a partir da Estação Verdes para Oeste, e possui um total de 21 estações que demoram aproximadamente

33 minutos a percorrer. Tendo sido a última a ser inaugurada, em Maio de 2006, concluiu com a sua entrada em funcionamento a primeira fase de construção. Com o principal objectivo de ligar a rede ao Aeroporto Francisco Sá

Carneiro, esta linha é na realidade uma pequena derivação da linha B com a qual comparte a grande maioria do traçado. Apesar de apenas acrescentar três novas estações à rede, esta linha permite com isso uma ligação directa,

sem intermediários, do centro da cidade ao recinto do Aeroporto, e constitui por si só um dos exemplos notáveis de complementaridade na rede do Metropolitano de Superfície do Porto.

A segunda fase, ainda por construir, prevê a ampliação das linhas A, C e D, bem como a construção de duas

linhas completamente novas: F e G, que servirão a parte ocidental da cidade.

A linha A deverá ser ampliada a norte desde a Estação de Sr. de Matosinhos até à Estação Belchior Robles

(Leça da Palmeira), e a oriente desde a Estação Estádio do Dragão até à Estação de Gondomar.

A linha C deverá ser ampliada a norte desde a Estação ISMAI até à Estação da Trofa, completando assim a

substituição da anterior ligação ferroviária.

A linha D deverá ser ampliada a sul desde a Estação D. João II até à Estação S.to Ovídio (Vila Nova de Gaia),

e a norte desde a Estação Hospital de S. João até à Estação Parque da Maia, criando assim a possibilidade de transbordo com a linha C e uma maior interacção do sistema.

A linha F, que será a cor-de-rosa, está projectada para unir a Estação da Casa da Música (Porto) com a Estação

1. À imagem do que aconteceu com a primeira travessia do Douro por parte do Metro do

Belchior Robles (Leça da Palmeira). O traçado prevê a descida da Avenida da Boavista pelo corredor central até

Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto liderada por Paulo Pinho, a quem o

o percurso até Leça da Palmeira. Esta linha permitirá uma relação mais próxima com todas as actividades de

Porto, também esta segunda, tem vindo a suscitar algum debate e polémica. A equipa da

Metro do Porto e o Ministério das Obras Públicas encomendaram um estudo para a segunda

fase da rede de metropolitano, propôs em Dezembro de 2007 a adaptação da Ponte da

Arrábida e a ampliação do tabuleiro principal como uma solução para o atravessamento.

ao Castelo do Queijo, e a interligação depois com a linha A na Estação de Matosinhos Sul com a qual partilhará carácter central instaladas ao longo da Av. da Boavista, mas também uma importante abertura da rede à frente de mar, ao Passeio Alegre e ao Parque da Cidade, importantes centros de lazer na vida dos habitantes do Porto.

A linha G, que será a cor-de-laranja, está também projectada para partir da Estação da Casa da Música

No entanto, a hipótese de uma nova ponte para esse efeito é também defendida por

(Porto) até à Estação de S.to Ovídio (Vila Nova de Gaia), onde partilhará a estação terminal com a linha D. O trajecto

presidente da Câmara de Gaia, Luís Filipe Menezes.

ao Pólo Universitário do Campo Alegre, atravessamento do Rio Douro1, e um percurso depois em Vila Nova de Gaia,

alguns pensadores da cidade como o geógrafo Rio Fernandes, e tem o conhecido apoio do

previsto terá passagem pela centralidade em torno do Centro Comercial e do Mercado do Bom Sucesso, descida até

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à cota alta, que serve a centralidade em torno do Centro Comercial Arrábida e grande parte do interior da cidade.

O projecto do Metropolitano de Superfície do Porto assume na totalidade do traçado já previsto, um carácter

Metropolitano na verdadeira acessão da palavra, cumprindo com o papel de meio unificador que lhe competia, não só no Porto mas um pouco por toda a região.

Apesar de extensa e igualitária, a rede traçada assume, contudo, uma certa tendência radial que favorece

pouco a interacção entre linhas. O troço que une a Estação de Sr.ª da Hora ao Estádio do Dragão alberga quatro das

cinco linhas actuais, o que condiciona a circulação dos veículos em toda a extensão dessas linhas. A total saturação desse trajecto e a necessidade de partilha da via acabam por ditar uma frequência mais baixa dos veículos nos

percursos que lhe são afectos, como é o caso das linhas de maior alcance: B (Póvoa de Varzim) e C (Trofa). Aqui, a substituição das ligações ferroviárias da CP preexistentes, deixa também algumas reservas aos utilizadores, que

se queixam da inadequação deste tipo de transporte ligeiro. Os utentes destas linhas de carácter suburbano, com baixa densidade populacional, não apreciam o número excessivo de estações, nem a redução da velocidade que implicam.

A expectativa para os futuros percursos a contemplar pelo traçado do Metro do Porto são ainda muitas e

variadas. Desde aqueles que vêm no Metro uma oportunidade de reequilíbrio ao nível da AMP, nomeadamente

com a ligação a concelhos mais pobres e menos influentes como o de Gondomar ou de Valongo, até aos que vêm

com desagrado as longas linhas lineares ou defendem pelo contrário a aposta em linhas circulares1 que possam cruzar as principais estações do interior do concelho do Porto; todos parecem contudo acreditar que a solução

para os problemas de transporte na e para a cidade do Porto passa pela expansão e evolução deste sistema. Haverá com certeza que o adaptar às exigências de cada percurso, e complementá-lo talvez com sistemas de capacidade

mais reduzida como sejam os eléctricos ou os autocarros, no entanto, não há dúvida que o traçado do Metro de

Superfície do Porto é e continuará a ser no futuro uma oportunidade para repensar e requalificar o transporte na cidade.

1. Quer o estudo encomendado sobre a segunda fase de expansão do Metro, quer os pareceres que a empresa Metro do Porto pediu ao arquitecto Manuel Correia Fernandes, ao geógrafo Rio Fernandes, ao economista José Costa, e ao engenheiro António Babo; todos se mostram favoráveis ao conceito de uma linha circular para o Porto. Sem consensos

porém quanto ao traçado, os especialistas concordam que esta linha, tendencialmente subterrânea, traria vantagens à rede no interior da cidade.

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3. Consequências Urbanas Uma via exclusiva, fornecimento de energia constante, e pontos de paragem onde se possam fazer as trocas

de passageiros, são as principais imposições urbanas de um sistema de metro ligeiro numa qualquer cidade. No

entanto, estes requisitos aparentemente básicos são sempre tanto mais difíceis de cumprir, quanto maiores as condicionantes do meio em que se insere. Implementar um Metro Ligeiro de Superfície centrado na cidade do Porto, onde a malha bastante antiga e quase sempre consolidada serve de palco a essas imposições, significou ponderar e aceitar sérias consequências urbanas.

Ainda que a implementação do Metro no Porto se tenha servido inicialmente daqueles que eram os canais

de chegada das linhas ferroviárias da Póvoa de Varzim e da Trofa, onde as condições de exclusividade e alguns

dos pontos de paragem estariam já garantidos, à medida que se vai afastando destes canais mais e mais questões foram sendo necessárias resolver. Mesmo nos canais pré-existentes, herdados do comboio, foi indispensável a introdução do fornecimento eléctrico, a garantia de duas vias de circulação constantes, e a alteração da frequência

dos pontos de entrada e saída de passageiros. Os anteriores apeadeiros foram assim convertidos em estações, e até as estações existentes foram reajustadas ou mesmo reconstruídas para acolher as novas exigências.

Ao longo do canal que unia a Sr.ª da Hora e a Trindade, um dos trajectos mais frequentados e com maior

importância da actual rede Metro, foram várias as operações de ajustes técnicos e estruturais que permitiram

a passagem dos novos veículos, mas as mais visíveis e com maior impacto urbano são sobretudo a duplicação da via que permite a circulação simultânea nos dois sentidos e a repetição dos elementos metálicos verticais da catenária que ilumina e electrifica a via. As ruas que envolviam a linha foram também repensadas para optimizar

a circulação pedonal, automóvel e o estacionamento; e pontos de conflito da linha com a cidade foram resolvidos

com várias passagens desniveladas que permitem o contínuo fluir de todos os movimentos. Para corresponder à maior interacção deste sistema com os utilizadores, foi também necessário o redesenho dos passeios de e

para o Metro, que levou à criação de pequenos novos espaços públicos, alguns deles com áreas ajardinadas, e à implementação de um novo mobiliário urbano condizente.

Nos canais ferroviários da Póvoa de Varzim ou da Trofa, para norte da Sr. a da Hora, as intervenções foram

também significativas nas estações de maior importância. Alguns dos conflitos com a rede viária permaneceram 19


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por resolver, com muitas das passagens de nível a obrigarem ainda a uma coexistência constrangedora, no entanto, é de salientar que a criação de muitos e novos pontos de paragem ao longo destes trajectos contribuiu igualmente

para a criação de uma rede de pequenos espaços públicos em torno deles, com grandes áreas ajardinadas e muitas

árvores. Uma das principais novidades nestas estações é ainda a preocupação com o parqueamento automóvel, que deu origem a um vasto conjunto de parques de estacionamento ao longo de ambas as linhas, e que permitem

aos utilizadores que habitam nestas áreas metropolitanas levar o carro até ao Metro e utilizá-lo depois para evitar o trânsito na cidade do Porto. Esta parece uma excelente resposta à, cada vez maior, dependência automóvel das

populações urbanas, e que potencia a solução de um dos objectivos do Metro, a diminuição do trânsito no interior da cidade, ao mesmo tempo que permite aos utentes uma situação de compromisso e de deslocação cómoda com o automóvel desde as suas casas até ao Metro.

Fruto de um parcelamento urbano exíguo, e de uma evolução histórica que muito pouco se lhe opôs, a

cidade do Porto, sobretudo na zona da Baixa e em torno do que é considerado o seu centro histórico, possui um espaço público fisicamente reduzido. Constituído essencialmente de ruas estreitas, algo desniveladas e com

poucos lugares onde os pontos de paragem pudessem ser criados, o núcleo central da cidade foi para o Metro de Superfície o mais difícil de ocupar. Mesmo sem espaço à superfície para circular, e com o inevitável enterramento

da linha, os resultados da sua passagem subterrânea parecem vir à tona como se de uma cura interior se tratasse.

As linhas e os cais de acesso emersos no subsolo fazem-se prever à cota da cidade por pavimentos reordenados, e escadas de acesso às galerias, elas próprias amplificadoras de um renovado espaço público. Os novos elevadores

vitrificados, bem como as placas indicativas do Metro, rejuvenescem e alegram a cidade, e no contraste com as

fachadas oitocentistas representam uma intervenção que se pretende respeitadora e consciente, mas ainda assim F01 - F02. Transformação do tabuleiro superior da Ponte Luis I. (página anterior)

contemporânea, eficiente e agilizada.

Nos casos em que os canais, embora completamente novos, encontram espaço para se desenvolverem à

F03 - F04. Transformação da Avenida de França. (página anterior)

superfície, como acontece na linha de Matosinhos, em Vila Nova de Gaia, ou na Maia, estes chegam a criar autênticos

F07 - F08. Transformação da Estação da Trindade - Cais. (página anterior)

um pretexto para a reformulação e requalificação de toda uma faixa envolvente ao território em que toca. No

F05 - F06. Transformação da Estação da Trindade - Rua. (página anterior)

F09 - F10. Transformação da linha ferroviária na Lapa. (página anterior)

F11 - F12. Transformação da linha ferroviária na Senhora da Hora. (página anterior)

boulevards metro. Nestas situações, a introdução do Metro tornou-se rapidamente uma fonte de soluções e enorme tapete verde sobre o qual o Metro desliza em Matosinhos, ou nas ruas que promoveu a pedonais com a

sua passagem pelo centro da cidade; na reestruturação da Ponte Luiz I de que se serve para chegar a Vila Nova de 21


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Gaia, ou na recuperação dos espaços na Serra do Pilar; no Viaduto Maia Sul ou nas alterações que introduziu no

centro da cidade da Maia, por todo o lado encontramos exemplos notáveis destas consequências urbanas. Devidas inteiramente a intervenções com um propósito Metro, são símbolos de uma arquitectura de qualidade superior e que produziu espaços, e melhor ainda, reorganizou outros, sempre com claros benefícios para a cidade.

As estações de maior importância, sobretudo aquelas que servem de interface entre várias linhas ou com

meios de transporte complementares1, foram também responsáveis por algumas das principais transformações urbanas. É o caso das estações da Trindade, Casa da Música, Sr.ª da Hora, São Bento, ou Parque da Maia, que procurarei mais à frente estudar com maior detalhe, capazes de introduzir por si só um certo carácter de centralidade associada aos movimentos na cidade. É ainda curioso notar que se trata talvez da primeira vez que se

constroem no Porto arquitecturas para a mobilidade interna, não meros pontos de chegada ou partida da cidade,

mas de verdadeiros pólos de distribuição interna. São estações pensadas como partes conectadas entre si, regidas por uma arquitectura maior sem edifícios, que serve a cidade e os movimentos dentro dela. Uma Arquitectura a que eu gosto de chamar Andante, porque andou também sobre a cidade, deixando com isso consequências a uma escala sem precedentes.

F13 - F14. Transformação da Estação Senhora da Hora - Cais. (página anterior)

F15 - F16. Transformação da Estação Senhora da Hora - Edifício. (página anterior)

F17 - F18. Transformação da Avenida de António Domingues dos Santos. (página anterior) F19 - F20. Transformação de um conjunto habitacional em Matosinhos. (página anterior) F21 - F22. Transformação do espaço junto à A28/IC1. (página anterior)

F23 - F24. Transformação da Estação da Póvoa de Varzim. (página anterior)

1. Dentro da cidade do Porto, a rede de Metro permite em certas estações uma correspondência com outros transportes públicos, como sejam os autocarros ou eléctricos dos Serviços de Transportes Colectivos do Porto (STCP), os caminhos-de-ferro dos Comboios de Portugal (CP), ou o Funicular do Guindais.

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II - Metros do Mundo



1. Londres, Paris e Nova Iorque: exemplos incontornáveis Todos os sistemas Metro derivam, como o próprio nome indica, da necessidade de dar resposta a um

problema exclusivo da Metrópole1. Faz por isso todo o sentido, que o nascimento e a difusão deste tipo de transporte tenham ficado para sempre ligados a algumas das grandes cidades do mundo moderno, e mais particularmente

a três dos seus melhores exemplos: Londres, Paris e Nova Iorque. Estas cidades que partilharam durante os anos que se seguiram à Revolução Industrial o papel de cidades mais importantes do mundo foram vítimas da migração massiva para os centros urbanos e protagonizaram alguns dos mais incríveis crescimentos populacionais de sempre. Entre os problemas que daí resultaram, punha-se o do transporte num espaço urbano sobrelotado, já que era urgente organizar os movimentos diários caóticos de centenas de milhares de trabalhadores a caminho dos seus empregos.

A primeira vez que os caminhos-de-ferro são enterrados numa cidade para satisfazer as necessidades de

deslocamento dos seus habitantes, acontece em Londres em 1863. Era então chamado de Metropolitan Railway

(Caminho-de-Ferro Metropolitano) e a sua linha de seis escassos quilómetros unia a Estação de Paddington à de

Farringdon Street. Numa cidade que rebentava pelas costuras, e onde o espaço à superfície vivia graves problemas

de salubridade, a linha subterrânea apresentou uma alternativa viável e mais controlada para todos os que se queriam deslocar ao longo dos espaços que servia. O sucesso foi imediato e rapidamente se multiplicaram as linhas do transporte que passou a ser designado pelos habitantes como o Underground (por baixo do chão).

Com problemas idênticos e uma rivalidade com Londres conhecida, Paris vivia no final do século XIX

as fortes reformulações urbanas de Haussmann, e não escondia também a vontade de estabelecer uma rede de

caminhos-de-ferro no interior da cidade. Existiram vários projectos, sempre envoltos em grande polémica, mas D02. Construção do Metropolitan Railway nos arredores da Estação de Kings Cross.

1. Derivada da palavra grega metrópolis (mētēr = mãe, ventre + polis = cidade), designa áreas urbanas formadas por uma ou mais cidades ligadas entre si fisicamente ou através de fluxos de pessoas e serviços.

só após a tomada de iniciativa londrina, e com o aumento da pressão da opinião pública francesa, se reuniram as condições necessárias e a cidade avançou com as escavações. Até que em 1900, ano em que tanto a Exposição

Universal como os Jogos Olímpico de Inverno teriam lugar em Paris, a cidade apresentou ao mundo a primeira linha do seu Chemin de Ferre Métropolitain entre Porte de Vincennes e Porte Maillot.

No caso de Nova Iorque, uma cidade com um crescimento exponencial idêntico, a história urbana era

contudo mais recente do que a de Londres ou Paris, e era por isso menos densa a malha que a estruturava. A 27


estética da cidade norte-americana era aliás tão diferente que circulavam no seu interior, desde a segunda metade

do séc. XIX, comboios a vapor nas chamadas linhas elevadas1. Em 1904, a cidade acabou no entanto por adoptar e desenvolver um sistema idêntico ao das congéneres europeias, abrindo ao público a primeira de uma vasta

rede de linhas subterrâneas, que gradualmente substituiriam as mais complicadas linhas elevadas. O New York City Subway, nome por que ficaria conhecido, tornou-se desde então um verdadeiro motor para esta cidade com

a capacidade de transportar milhões de pessoas diariamente, e comprovou o sucesso do sistema contribuindo largamente para que outros lhe seguissem os passos.

Importa também salientar nestes exemplos incontornáveis de sistemas Metro, aquelas que foram talvez as

primeiras decisões conscientes de criar imagens urbanas reconhecíveis para o novo meio transporte, e que com

F25

F26

o passar dos anos acabaram por tornar-se verdadeiros símbolos das intervenções, mas também das cidades a que se propuserem servir.

Em Londres, os passageiros aprenderam a identificar entradas Metro associadas ao logótipo do círculo

vermelho com a inscrição Underground a azul (F25). Este círculo automaticamente reconhecível simbolizava

também a típica escavação tubular das linhas que era visível nos espaços subterrâneos, e que lhe valeu a alcunha The

Tube. Até hoje, esta continua a ser a imagem de marca do transporte, quer visualmente, quer quanto à construção do espaço enterrado. Construídas inicialmente com recurso a uma construção tradicional cuja característica base

era a utilização do tijolo maciço (F26), as estações londrinas evoluíram até hoje para se posicionarem entre as

F27

tecnologicamente mais desenvolvidas a nível mundial. No entanto, mesmo integrando os avanços tecnológicos e construtivos aos mais diversos níveis, o Metro de Londres continua a definir-se por um espaço enterrado

abobadado, exíguo, e extremamente funcional (F27). Os seus cais de embarque são marcados por uma filosofia britânica de rigor e ordem, que opta agora normalmente por fazer corresponder um túnel distinto a cada sentido da

estação. A circulação dos veículos é nestes casos encostada a uma das paredes curvas de forma a libertar a metade

restante do espaço para a plataforma de acesso, e permitindo assim que a parede oposta possa ser utilizada nas

1. Trinta e cinco anos antes do aparecimento do primeiro metro enterrado em Nova Iorque,

hierarquização não só assegura um aproveitamento máximo do espaço criado sob o chão, como resulta também

alguns metros acima do movimentado chão da cidade. Essas primeiras linhas construídas

combinações com o espaço tubular simétrico, e no relacionamento com os sistemas de acesso à superfície. Esta numa construção rápida, inequívoca e eficaz.

Em Paris, o Arquitecto Hector Guimard foi contratado em 1899, para desenhar as mundialmente reconhecidas 28

existiam já linhas sobrelevadas por meio de viadutos em ferro que cruzavam as ruas apenas

em Manhattan na década de 1970 para garantir as deslocações no interior da ilha eram de resto uma solução comum a muitas outras cidades Norte-Americanas.


entradas Art Nouveau, que sinalizavam as escadas de acesso aos túneis do metropolitano (F28). Construídas em

ferro fundido, estas entradas ostentavam formas e motivos florais arrojados que atraíam o olhar dos utilizadores destacando-as do entorno urbano, e pretendiam aliar ao transporte inovador o simbolismo e o modernismo da

arte de então. Apesar de se tratarem de peças claramente datadas e não mais repetidas, as entradas enraizaram-se de tal forma na imagética e na cultura parisiense, que se mantêm até hoje religiosamente intocadas. Ao contrário

do que acontece em Londres, as estações têm normalmente um cais onde ambos os sentidos se cruzam sob uma

abóbada unificada e maior. A disposição das plataformas de acesso varia conforme as necessidades particulares F28

F29

de cada estação e do seu contacto com a superfície, ora colocadas perifericamente contra a parede curva, ora

unidas centralmente sob um pé direito maior. A imagem do Metro de Paris e do espaço subterrâneo que foi criando

ao longo dos anos está ainda profundamente conotada com a utilização do azulejo branco. Este foi o material de

eleição constantemente utilizado no interior das estações iniciais, nas quais eram integrados painéis distintivos

para dar a conhecer de forma clara o nome de cada estação (F29). As peças rectangulares e vitrificadas que revestiam uniformemente o espaço, não só permitiam uma maior higiene e facilidade de limpeza das paredes, como reflectiam e ampliavam também a iluminação forçosamente artificial do subterrâneo, produzindo um efeito quase dramático e de grande beleza (F30). F30

Em Nova Iorque os espaços dedicados ao Metro foram construídos sobretudo com recurso ao método cut

and cover1, que escava ao longo das suas maiores avenidas para instalar as linhas, refazendo-as depois novamente sobre ele. A sua imagem ficou assim intimamente ligada à das pequenas aberturas ao longo dos passeios nas ruas principais, demarcadas por uma guarda com a inscrição Subway, onde as escadas conduziam ao espaço subterrâneo imediatamente abaixo (F31). Dada a configuração da malha na cidade, este método garantiu inicialmente com grande eficiência e economia de meios a satisfação da grande maioria dos principais fluxos nova-iorquinos. As

entradas foram mais tarde apetrechadas com candeeiros esféricos muito particulares e já enraizados no panorama urbano, que através de um sistema de luzes de diferentes cores comunicam aos utilizadores o regime horário em

que funciona cada estação. Quanto aos espaços enterrados sob a cidade, e devido ao método construtivo utilizado,

ficaram para sempre marcados pelos omnipresentes pilares metálicos (F33), naquela época imprescindíveis 1. Termo técnico inglês para designar o método de construção em trincheira.

como forma de suportar uma cobertura plana que servia simultâneamente como laje de algumas das rua mais movimentadas do mundo. Apesar de resultarem em elementos algo incómodos e inconvenientes ao fluir dos 29


movimentos nas estações, estes métodos permitiam à cidade grandes canais de circulação enterrada ao longo da

malha, construídos de forma muito rápida e a baixo custo. Salvo casos muito excepcionais, o conjunto de espaços criados foi visto com um intuito quase meramente funcional, sobretudo numa relação de complementaridade com

a rua, e por isso nunca cuidado enquanto espaço interior em si mesmo, mas antes como parte assumidamente secundarizada e subserviente do espaço urbano à superfície.

Por serem exemplares Metro dos mais antigos, e com índices de utilização muito elevados, qualquer uma

das intervenções possui um conjunto de espaços tão extenso quanto variado. Foram sendo sucessivamente alvo de adições e desenvolvimentos diversos, ao longo de histórias recheadas de linhas construídas, reconstruídas e por

vezes abandonadas. Actualmente contam já com várias linhas que se estendem pela cidade para conformar redes

F31

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mais apertadas e heterogéneas, entrecruzando estações feitas no passado, algumas delas revistas, com aquelas que continuam a desenhar-se até hoje. Essa evidente multiplicidade, introduzida pela proliferação de espaços e

de linguagens algo diversas, torna-nos já quase impossível, para qualquer uma das intervenções, descrever ou

caracterizar estações tipificadas e completamente fiéis às construções iniciais. Embora já múltiplos e abrangentes,

estes Metros e os espaços que criaram, mantêm ainda assim muitos dos princípios e ideias que estiveram na sua génese no final do séc. XIX, continuando sem dúvida alguma a constituir modelos de intervenção perfeitamente identificáveis, e desenvolvidos em estreita relação com as cidades que os originam.

Mais de um século passado, qualquer um destes exemplos históricos e incontornáveis permanece ao serviço

F33

das suas Metrópoles. Segundo dados estatísticos, e apesar do crescimento acelerado das metrópoles asiáticas e sul-americanas das últimas décadas, todos eles continuam a figurar na lista dos dez sistemas de metropolitano com maior número de passageiros transportados por ano1. Ao adaptarem-se e evoluírem como qualquer organismo

urbano, integraram a evolução da tecnologia e do grau de exigência da população, mantendo-se no entanto sempre fiéis àquele que é o propósito comum dos Metros em todo o mundo: a satisfação de uma permanente necessidade de movimento nas cidades.

1. Desta lista, efectuada com base nos dados estatísticos fornecidos pelas próprias empresas e referentes na sua maioria ao ano de 2007, constam respectivamente os

seguintes metros: Tóquio (2916 milhões), Moscovo (2529 milhões), Nova Iorque (1850 milhões), Seoul (1654 milhões), México (1417 milhões), Paris (1409 milhões), Hong Kong

(1136 milhões), Londres (1014 milhões), Osaka (877,8 milhões), e São Paulo (845 milhões).

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2. Estrasburgo e Bordéus: dois parentes próximos Aquando da decisão de construir no Porto um Metro Ligeiro de Superfície, através de um processo que já

tentei resumidamente explicar, os responsáveis pela iniciativa do projecto fizeram, a título de estudo, várias

visitas a uma das nações europeias com maior experiência na implementação desse sistema, França. Estas viagens

que se iniciaram em 1990, numa fase ainda embrionária do projecto, com a visita do recém-eleito Presidente da

Câmara do Porto Fernando Gomes a Estrasburgo, acabariam por servir aos responsáveis políticos para conhecerem

melhor este tipo de transporte e para obterem junto dos homólogos franceses informações mais detalhas sobre o projecto e os possíveis modelos de financiamento. Quanto daquilo que viram e ouviram terá influenciado as suas

maneiras de entender o Metro e as decisões que tomaram depois, é impossível dizer com certeza, no entanto em

duas das cidades visitadas: Estrasburgo e Bordéus, os princípios gerais do Metro sugerem tais semelhanças com aqueles adoptados para o Porto que merecem na minha opinião um olhar mais atento.

No início da década de noventa, Estrasburgo e Bordéus partilhavam com o Porto a intenção de responder ao

problema do transporte urbano com a construção de um sistema de Metro Ligeiro, ou Tramway como é conhecido

em França. Tanto Estrasburgo como Bordéus eram cidades com uma tradição comum no uso do transporte

sobre carris na cidade, onde desde o final do século XIX vinham sendo utilizados em larga escala e cujas linhas atingiam em ambos os casos as duas centenas de quilómetros. Com o crescimento da utilização do automóvel e o congestionamento progressivo das ruas a que se assistiu durante a segunda metade do século XX as velhas linhas

do Tram acabam por não resistir à concorrência e ao maior conforto dos autocarros para em 1958 em Bordéus e

1960 em Estrasburgo fecharem por completo. Alguns anos mais tarde e com as primeiras consequências nefastas da omnipresença automóvel naquelas cidades, surgem rapidamente intenções de reconstruir e evoluir os Tramway de forma a garantir um transporte menos poluente e reduzir a saturação do espaço urbano.

Estrasburgo é a mais rápida das três cidades a inaugurar a primeira linha em 1994, e acaba por dar um

1. Exemplo do cuidado dedicado a essas intervenções é a Estação Terminal de Hoenheim da

Arquitecta Zaha Hadid, que em 2003 foi galardoada com o Prémio da União Europeia para Arquitectura Contemporânea Mies Van der Rohe.

exemplo de como a construção de um Metro de Superfície pode ser pretexto também para uma reformulação

urbana. Com a preocupação de integrar o transporte na cidade são designados arquitectos que garantam essa qualidade, e mesmo na periferia os espaços são tratados com atenção especial à circulação pedonal, ao

parqueamento automóvel e à arborização.1 Actualmente com cinco linhas que se entrecruzam e que garantem 31


em algumas estações a correspondência com outros transportes, a rede de Estrasburgo configura um círculo

em torno da zona central da cidade que se ramifica depois em várias direcções à periferia urbana. No decorrer da fase de projecto, os Arquitectos do Metro do Porto conheceram e estudaram as soluções encontradas nesta cidade como referência, sobretudo para as intervenções à superfície que se deram em Matosinhos, na Maia, ou no percurso até à Póvoa de Varzim.

Em Bordéus o processo foi mais longo, e a inauguração da primeira linha acaba por só acontecer no final de

2003, depois da entrada em funcionamento da primeira linha do Metro do Porto em Janeiro desse ano. Ainda assim é repetido o princípio de uma intervenção que se alia a uma revisão urbanística cuidada da cidade onde os principais

F34

beneficiários pretendem ser os peões e os ciclistas. São construídos também os parqueamentos na periferia da

cidade que pretendem dissuadir a chegada do automóvel ao seu interior. A rede de Bordéus conta actualmente com três linhas construídas que conformam, tal como em Estrasburgo, um anel na zona central da cidade, onde é

possível permutar entre todos os percursos que linearmente irradiam depois para a periferia. A maior novidade introduzida pela intervenção de Bordéus é talvez a inovação técnica do fornecimento de electricidade no solo, que

permite enterrar e esconder das perspectivas do espaço público toda a catenária e a cablagem eléctrica presentes quer no Porto, quer em Estrasburgo.

Embora pensados e projectados num mesmo tempo, com objectivos idênticos, e para cidades de características

muito próximas ao Porto, os dois sistemas franceses acabam por se materializar numa construção menos contínua e unificadora. Mais apoiados na tradição e na experiência diversificada dos Tramway naquele país, a inovação

que propõem acaba por não ultrapassar nunca a mera revisão e actualização dos seus valores. Em nenhum dos casos se consegue criar uma imagem tão aglutinadora e personalizada como a do Porto, capaz de identificar a intervenção como própria daquelas cidades. Ainda que pontualmente bem conseguidas, e capazes de produzir

espaços de qualidade na cidade e fora dela, ambas as construções se mostram, no entanto, descontinuadas e com critérios muito variados ao longo do percurso. Dado o grau de semelhança do conceito, e a contemporaneidade na execução da obra, estes serão os exemplos ideais daquelas que foram as principais diferenças, as particularidades, e as qualidades únicas do projecto Metro do Porto.

Tanto em Estrasburgo (F34), como mais tarde em Bordéus (F35), o Metro de Superfície será sem dúvida

um importante e singular veículo, que permite aos seus utilizadores uma forma transparente e interessante 32

F35


de se movimentarem pela cidade. Ao nível do património construído, e do conjunto de espaços que criaram ou cruzaram na cidade, não atingiram porém a qualidade da intervenção levada a cabo no Porto. Enquanto elementos constitutivos do espaço público à superfície, estes dois parentes próximos não tiveram, a meu ver, a capacidade de ultrapassar o estatuto de infra-estrutura urbana. Integraram-se no espaço com o intuito exclusivo de o servir, sem contudo aspirarem a provocar melhorias efectivas sobre a cidade em seu redor. Pelo contrário, no Porto, o Metro

integrou-se no composto urbano que atravessa, reformulando-o a cada passo. Pode agora dizer-se que não está no

espaço como estaria em Estrasburgo ou em Bordéus, simplesmente porque tomou parte na sua construção, e ao faze-lo reagiu com a cidade, integrando-a a ela também.

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3. Bilbao: o Metro de Norman Foster Alguns anos antes da operação levada a cabo no Porto, construía-se em Bilbao um metropolitano com

algumas semelhanças, onde o papel particular do Arquitecto e da Arquitectura se mostraram igualmente notáveis. As semelhanças não estarão tanto no sistema ou nas formas obtidas, mas sobretudo ao nível do processo e dos resultados produzidos. Este é talvez um dos exemplos mais próximos do Metro do Porto, enquanto fruto de uma parceria equilibrada entre Arquitectura, Engenharia, e Construção. Como responsável pelo desenho das estações,

o Arquitecto Norman Foster ficará para sempre ligado à imagem do metropolitano e da própria cidade, ao ponto de podermos chamar a este: o Metro de Norman Foster.

O Metro de Bilbao foi construído entre 1988 e 1995 como culminar de um processo muito longo que tentava

dar resposta ao crescimento caótico daquela zona metropolitana, onde se receava um estrangulamento do trânsito automóvel. Após vencer o Concurso Internacional, no qual se disputava o Desenho Arquitectónico das Estações,

Foster dirige a concepção de espaços ao longo de cerca de 38km de rede, com um total de 36 novas estações. Embora não seja uma intervenção exclusivamente subterrânea, é sobretudo nas suas 20 estações enterradas que é desenvolvido um maior esforço. O desenho cuidado e o pensamento arquitectónico são nestes espaços mais evidentes, e postos ao serviço da cidade e do sistema, elevando-o ao que poderíamos chamar um Metro de Autor.

Ao apostar fortemente na Arquitectura como parte integrante do processo de desenvolvimento de um Metro,

Bilbao consegue um organismo urbano de grande carácter, e que influi activamente no panorama da cidade. A sua imagem bastante forte e clara assenta sobretudo numa arquitectura que recorre ao betão, ao ferro, e ao vidro, para

definir um novo e atractivo meio para o transporte na cidade. A atenção ao pormenor e a nobreza dos materiais colocam a qualidade a par da funcionalidade do espaço, abrindo um novo capítulo neste tipo de programa.

Um sistema metro é uma excelente demonstração de como o ambiente construído influencia a D03. Esquisso explicativo das intenções para o espaço subterrâneo.

1. Foster + Partners, “Bilbao Metro – Description”. Página consultada a 1 Maio 2009.

qualidade das nossas vidas. A construção de túneis para comboios é normalmente tida como isolada do fornecimento de espaços para as pessoas – apesar de fazerem parte de uma experiência contínua do viajante, que começa e acaba ao nível da rua.1

<http://www.fosterandpartners.com>

35


Uma das características mais forte de toda a intervenção estará, sem dúvida, na qualidade e beleza dos

espaços criados abaixo do chão. A preocupação não é aqui a de criar meros cais de acesso a veículos ou plataformas de troca de pessoas, mas é também a de criar a própria cidade enterrada, que se pretende construir com igual

dignidade. Os espaços são tratados como importante ponte de contacto entre deslocações na cidade a níveis distintos, mas também como espaços em si mesmo, onde importa trazer bem-estar e qualidade. Esta é uma

afirmação da vontade de quebrar o estigma e o desinteresse generalizado face ao submundo criado normalmente

pelo metropolitano enterrado. O trabalho era, de resto, bem conhecido por Souto Moura, que o visitou, tal como os seus colaboradores, com o objectivo de verificar e estudar o efeito de dilatação do espaço público produzido

F36

sobre a cidade.

Os espaços tubulares que resultam normalmente da escavação subterrânea, são neste caso completamente

assumidos, sendo todas as escolhas de projecto tomadas no sentido de afirmar essa espacialidade, ao invés de

tentar camuflá-la ou reconfigurá-la (F36). Sem recorrer a essa regularização da secção por meio de tectos e paredes planas, aqui é a grande curva de betão aparente que conforma o interior das estações acima da linha, e

parece ditar todo o espaço. Cada coisa que acontece para além dela é lida como uma adição posterior. A quadrícula desenhada sobre o betão é a medida que gera todas as outras, e ao seu ritmo são dispostos elementos metálicos que suportam mezzaninos pendendo sobre a linha, painéis informativos, e iluminação. Tudo é aposto ao espaço principal definido pela abóbada, sendo sempre possível percepcioná-lo como contínuo. Essa continuidade é dada

pelo betão e pelo cinza de que reveste a estação. Mesmo ao longo dos acessos encontramos um betão curvado,

criando quase a sensação de que o espaço se contorce até à saída, desenhando escadarias, túneis de aceso, e por último poços de luz, onde dá finalmente lugar ao vidro de um mundo mais transparente.

Apesar de enterradas sob o chão da cidade, a maioria das estações surge à cota da rua de forma inconfundível.

Os famosos acessos que a população carinhosamente apelidou de Fosteritos (F37), marcam a imagem da cidade à

superfície, e anunciam a todos a passagem do Metro num nível inferior. Nessas entradas para a escada rolante, é

reproduzida a curva quadriculada da nave principal, com o betão transformado em vidro que a armação de ferro

desenha e suporta. Procuram ainda a luz natural, fundamental à qualidade na vivência do espaço público, mas a sua eficácia é quase sempre reduzida, resultando sobretudo de um ponto de vista simbólico. Durante a noite são iluminados pelo interior, anunciando as entradas de forma muito dramática e bela recorrendo unicamente 36

F37


à luz. Servem quase como lanternins que, quer de dia, quer de noite, fazem transparecer na cidade o carácter e as ambições de um Metro inovador, que quer simultaneamente abraçar a superfície e marcar uma posição, convidando utilizadores a experimentar um subterrâneo que se anuncia limpo, simples, e cuidado.

Ao destacarem-se do entorno urbano, as estruturas Hi-tech curvas e transparentes fazem pela imagem da

intervenção em Bilbao o mesmo que as entradas Art Nouveau em ferro fundido fizeram pelo Metro de Paris no

início do século XX. Criaram um código conhecido e reconhecido por todos, que faz já parte do vocabulário da cidade, mas também da imagética de cada um dos seus habitantes.

As estações de superfície são claramente menos interessantes, e construídas quase sempre num ambiente

caracteristicamente ferroviário. Ao contrário do que acontece no Porto, não se aspira tanto um repensar cada

lugar à superfície na sua totalidade, mas antes uma solução em que a linha é o objectivo, e que por isso acaba voltada sobre si mesma. Com uma qualidade arquitectónica que varia consoante a importância e o contexto, cada uma das estações tem um tratamento singular e muito autónomo, tornando-se assim mais difícil identificá-las enquanto conjunto.

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4. Lisboa: o outro Metro Português Até à construção do Metro na cidade do Porto, o único exemplar de um sistema de transportes deste tipo em

Portugal era o do Metropolitano de Lisboa. Já numa fase adulta do seu desenvolvimento, e com experiências muito

diversas ao longo da sua história, o exemplo da capital será uma espécie de irmão mais velho de características exclusivamente subterrâneas algo distintas, mas ainda assim o único caso capaz de ilustrar o sucesso e a evolução deste modelo de transportes na outra, única, área metropolitana portuguesa.

Data de 1885 a primeira sugestão para construir um metropolitano em Lisboa, inspirada pelas

concretizações iniciais do transporte subterrâneo de Londres, o primeiro a ser implantado em todo o mundo.

Fustigada por sérios problemas ao nível do transporte público, que advinham da sua própria estrutura urbana,

Lisboa vê-se durante a primeira metade do século XX incapaz de introduzir melhorias nos transportes tradicionais, sem o recurso a uma rede subterrânea. Após longas décadas de discussão, hesitações e vários projectos, a cidade inaugura a 30 de Dezembro de 1959, a primeira fase do seu Metropolitano, compreendendo um total de 11 estações

que desenhavam um Y ao longo das grandes radiais da cidade. Esse traçado inicial concebido na década de 50, e

sucessivamente ampliado na década seguinte, é fruto de um transporte que aparece com a «vaga da urbanização dos anos 50», momento decisivo na formação da Área Metropolitana de Lisboa.1

Consideram-se na intervenção três momentos distintos que se caracterizaram por pressupostos e tipologias

de espaço diferentes: o das construções iniciais da década de 60, o da ampliação da rede nos anos 80, e o do esforço de expansão e renovação na última década do séc. XX.

Num momento inicial, o Metro foi sendo construído com base numa construção a céu aberto ao longo da rua, e

conduzido por um modelo arquitectónico integrado numa Arquitectura Moderna Portuguesa, da responsabilidade

de Francisco Keil de Amaral e Falcão e Cunha. O contributo de Francisco Keil terá sido o mais fundamental já que colaborou com o Metro ao longo de vinte anos, sendo-lhe atribuídas as principais decisões sobre os acabamentos e todo o design das estações, entradas, e mesmo o símbolo Metro. As estações desenvolvidas neste período foram 1. MARTINS, Câncio, “A «Arquitectura» do Metro”. Jornal dos Arquitectos nº 191, Julho/ Agosto de 1999, pp. 8.

muito semelhantes e caracterizaram-se por uma longa nave abobadada que servia de paragem aos comboios, com

um ou dois átrios superiores nos seus topos a partir dos quais se acedia por escadas à rua, onde um “M” vermelho luminoso assente sobre um marco vertical discreto assinalava a entrada. O interior das estações era marcado pela 39


intervenção da artista plástica Maria Keil, sendo as paredes revestidas com painéis de azulejo pintados à mão da

sua autoria, que de um modo económico e de fácil manutenção individualizavam pelas cores e formas empregues o espaço de cada uma das estações, e introduziam pela primeira vez a vontade de levar a arte ao espaço quotidiano do Metropolitano de Lisboa.

No decorrer da década de 80 a rede expandiu-se pela primeira vez ao longo dos eixos anteriormente definidos,

e levando mais longe a intervenção. Com um espírito renovado, e mais disponibilidade financeira, construíramse espaços com um maior grau de requinte, que dispensavam a tipologia estabelecida anteriormente, face a uma evolução tecnológica que permitia a construção de sistemas ortogonais em detrimento das abóbadas. A unidade inicial dos anos 50/60 é aqui perdida em intervenções entregues a arquitectos diferentes, mais individualizadas

e de opções variáveis, mantendo contudo um certo gosto pelo revestimento azulejar de artistas plásticos. As dimensões do cais foram mais generosas relativamente às das primeiras estações, e a própria presença exterior das estações perde a timidez e modéstia das entradas iniciais, oferecendo à cidade espaços de entrada cobertos e de uma presença urbana maior, que chega a participar na reorganização do espaço público.

Já no fim do século XX, assistimos a uma nova vaga de expansão e renovação, apostada em ampliar a

área de abrangência de uma rede ainda muito limitada ao antigo centro de Lisboa, e aos principais eixos viários delineadas na década de 50. Fortemente motivadas pelo pretexto Expo ’98 e pela construção de uma nova linha, a do Oriente, o conjunto de estações e intervenções na cidade cresceu significativamente na procura de contemplar

novos territórios da cidade já transfigurada, permitindo uma maior correspondência com outros transportes

complementares. A forma de encarar o projecto manteve-se porém no plano de uma certa diversificação da

imagem iniciada na década de 80, sendo chamados a intervir arquitectos de grande prestígio, em alguns casos

intimamente relacionados com as zonas urbanas à superfície que serviam, como foi o caso de Tomás Taveira ou Álvaro Siza. Parte do protagonismo dado à arte e ao azulejo parece na última fase ter-se transposto ao Arquitecto enquanto autor, e figura principal responsável pela qualificação única do espaço da estação.

A rede de Metropolitano de Lisboa iniciou-se modesta e reduzida, mas foi crescendo lentamente ao longo

dos últimos 50 anos de existência, enfrentando as diferentes condições, pressupostos, e necessidades urbanas em que se desenvolvia. Conta hoje em dia com uma rede já madura e extensiva sobre o território, que enfrenta agora

dúvidas quanto ao carácter e pertinência das suas expansões futuras. No que toca à sua Arquitectura destacam-se 40


nos últimos anos alguns bons exemplos de estações desenvolvidas por Nuno Teotónio Pereira, Manuel Taínha, ou Álvaro Siza, em concordância com a cidade dentro de uma perspectiva de espaço público bem desenhado e eficaz,

mas sem nunca pretenderem porém atingir a unidade da intervenção inicial, homogeneizada pelo contributo

fundamental de Keil do Amaral, e da sua mulher Maria do Keil. As intervenções do Metropolitano de Lisboa não ambicionam desde esse período uma arquitectura de espaços tipificados e unidos por uma linguagem comum tal

como encontramos em Bilbao ou no Metro do Porto, mas vão antes sendo pretextos pontuais e singularizados para um tratamento do espaço público que é feito por partes, a espaços, com resultados que variam na sua qualidade. Estação do Parque, Keil do Amaral Permanece até hoje como uma das estações menos tocadas, entre as que fizeram parte do troço inaugural na

década de 50, onde foi estabelecido um conjunto de indicações gráficas e espaciais muito precisas que unificaram

e caracterizaram a intervenção ao longo do curto canal subterrâneo criado sob o centro da cidade. É fruto desse projecto tipificado por Keil do Amaral para os trabalhos iniciais, que cada estação fazia depois variar em conjunto com o indissociável trabalho artístico de Maria Keil sobre os azulejos que revestiam o espaço.

Dada a profundidade de 25m do cais em relação à superfície, a estação englobou à partida escadas rolantes,

F38

uma excepção entre as iniciais, que ligaram o pavilhão de entrada instalado ao nível da rua a um átrio único

elevado sobre a linha onde é possível descer sobre ambas as plataformas do cais. A construção à superfície foi uma adição face às restantes estações, normalmente rematadas na rua por uma singela escada de acesso que

estava protegida por uma elegante guarda em aço pintado à qual era fixa o mastro que sinalizava o Metropolitano. O moderno pavilhão afirma-se aqui na rua para abrigar a entrada na galeria de acesso ao cais. Com uma planta

rectangular e uma cobertura de elementos de betão repetidos em abóbada de berço numa solução típica da época,

este é um espaço qualificado pela entrada de luz natural através das aberturas semi-circulares que se conformam

no encontro das abóbadas com as paredes opacas laterais. O interior caracteriza-se por uma estética minimal, com o chão resolvido em betão betuminoso, e as paredes revestidas com azulejos de Maria Keil (F38). O padrão

concebido para a estação baseia-se em formas triangulares, que vão combinando o verde, o branco, o castanho e o F39

preto, com o sentido depurado e geométrico do espaço que antecede a descida ao subterrâneo mais sombrio (F39). A partir da desse espaço inicial, as paredes terão sido mantidas sem o revestimento cerâmico até ao cais, talvez 41


com a vontade de prolongar a aparência forte e arrojada do betão no chão e na cobertura, perpetrando a máxima do arquitecto da “verdade dos materiais”. As galerias posteriores e o espaço em abóbada do cais, foram na década

de 90 alvo de intervenções de “valorização estética”, e acabaram por ser igualmente revestidas a azulejo, mas desta vez com um tema diverso e aparentemente descontinuado da autoria das artistas plásticas Françoise Schein e Federica Matta de nacionalidade belga e francesa, respectivamente. A conformação do espaço permaneceu ainda assim a mesma, estipulada inicialmente para todas as estações: um cais em abóbada abatida de 70m de

comprimento, com plataformas laterais de cerca de 4m de largura para o acesso aos veículos, e servidas no topo por escadas que acedem a um mezanino sobre a linha.

Trabalho datado, a obra de Keil no Metropolitano, reflecte a opção clássica possível no final dos anos 50, deliberadamente minimal e corajosamente desafiando o tempo e o gosto. Mais uma vez, confirma a filosofia de abordagem de Keil apostada num grande bom senso, numa obra de definitiva dignidade pensada para resistir ao tempo com fácil manutenção e para responder ao orçamento limitado posto à disposição.1

Estação do Chiado, Álvaro Siza Concebida já durante a última fase de expansão do Metropolitano de Lisboa, esta é contudo uma estação

extremamente central na cidade, que se constrói no espaço subterrâneo da baixa pombalina, mais precisamente sob o quarteirão do Chiado em que Siza havia já trabalhado após o incêndio de ’88. A estação é neste caso dupla

por se tratar de um ponto de reunião entre linhas, mas também entre cotas distintas da cidade, servidas por um espaço comum inferior. Como habitual nas suas obras, Siza mune-se aqui mais uma vez das condicionantes envolvidas: comboios, cidade e das pessoas, para encontrar nelas uma solução do espaço, que surge tão natural quanto bela e eficaz.

F40

O espaço enterrado abraça a sua condição fundamental de duas linhas que convergem, assumindo-as

separadamente em dois enormes túneis circulares tratados de forma simétrica. Mantendo a simplicidade da parede

curva revestida de placas de cerâmica brancas como tema principal, é introduzido no túnel um mezzanino central

que parece pairar no seu espaço (F40). Essa é a cota de circulação privilegiada através da qual se faz o acesso ao 42

1. Tostões, Ana, “Keil no Metropolitano de Lisboa, Arte Minimal”. Jornal dos Arquitectos nº 191, Julho/Agosto de 1999, pp. 33.


cais, mas também o piso onde o homem é posto em posição central, sobre uma linha normalmente protagonista. A

escala do espaço tende nele a tornar-se menor, mais próxima do intradorso da abóbada que é sempre protagonista. O mezzanino é a peça que tudo define, num espaço entre paredes que só toca para se suportar, e que quando o faz perfura a curva, unindo-se ao seu simétrico e relacionando com isso o espaço de ambos os túneis. O detalhe ou

ornamento tornam-se aqui quase supérfluos, incapazes de competir com a monumentalidade do branco curvado. À cota inferior do cais os veículos perdem presença, domesticados pela cobertura do mezzanino, e é a plataforma lateral de espera que se acentua, ampliada pelos enormes vazamentos superiores em que todo o espaço se dá a

entender unificado (F41). A iluminação faz-se pontualmente, por meio de poderosos focos de luz apontados para F41

F42

cima, que fazem a luz reflectir-se constantemente nos elementos cerâmicos vitrificados e escorrer dramaticamente pelas paredes.

Os acessos são previstos a cotas diferentes da cidade: um baixo na Rua do Crucifixo, em relação estreita com o

elevador de Santa Justa e a Baixa, outro mais acima no Largo do Chiado, servindo percursos mais relacionados com

a malha interna. As entradas opostas e perpendiculares à linha, são conduzidas por meio de galerias serpenteantes

mais reduzidas em tudo semelhantes aos túneis principais (F42), até coincidirem sobre o piso do mezzanino sobre a linha. Este percurso rasgado pelo interior do chão, e auxiliado pela utilização das escadas rolantes, acaba por se

afirmar também como um percurso alternativo e coberto, que une os espaços em cada extremo ao Metro, e com isso toda a cidade entre eles.

Estação Cais do Sodré, Nuno Teotónio Pereira A Estação do Cais do Sodré fez parte, tal como o Chiado, da última vaga de intervenções em Lisboa que tiveram

como objectivo expandir a rede numa relação mais directa com os restantes meios de transporte. Implantada

numa posição estratégica, a estação propunha-se servir simultaneamente de interface com os comboios da linha de Cascais, e com os barcos que atravessam o Tejo ligando Lisboa à margem Sul.

É sem dúvida uma das maiores estações da rede com uma nave que se estende por mais de 200m de

extensão. O seu espaço interior reveste-se por isso de uma monumentalidade incontornável, e é tratado com base F43

nesse constante sobredimensionamento a que a enorme utilização que previa obrigou (F43). Os efeitos dessa maior escala são aproveitados pelo arquitecto e postos ao serviço da linguagem em magníficos enfiamentos 43


visuais, verticais e horizontais, muitas vezes enfatizados por situações de luz contrastante, ora pendendo sobre candeeiros pontuais, ora difusa a partir do tecto.

A estação inicia-se junto à Rua 24 de Junho com um conjunto de escadas abertas sobre o piso inferior

principal, onde o desnível se afirma com um pé direito total deixado a céu aberto que enche o espaço de uma

imensa luz natural, e projecta na parede curva de remate da nave um interessante jogo de sombras entre cada pedra saliente (F44). A estação desenvolve-se depois para poente já sob a forma de um paralelepípedo enterrado que lança braços sobre pontos escolhidos de contacto com os transportes que a envolvem. A nave é parcialmente

coberta pelo conjunto de linhas ferroviárias da estação da CP à superfície, e essa enorme carga a que é submetido ditou o remate vertical numa laje de cobertura suportada por vigas de grande secção, que pela sua repetição

homogeneízam continuamente o espaço, alternando os cheios e vazios entre elas. Quer o chão, quer as paredes são revestidos com uma estereotomia de pedra de grande dimensão, ligeiramente mais escura no plano horizontal, que permitem a unidade e envolvência necessárias à afirmação de todos os outros elementos individualizados pelo uso do betão.

O piso inferior é o que dá acesso às linhas do Metropolitano colocadas na metade poente da nave, e acima

dele é criado no centro do espaço um átrio intermédio que o relaciona directamente com a superfície, por entre

os cais ferroviários da linha de Cascais. O piso principal estende-se depois sobre o cais da estação, mais abaixo, na forma de um enorme mezzanino que cumpre também com o acesso aos barcos no topo contrário da nave. O mezzanino paira no ar sobre vigas de betão lançadas às paredes laterais (F45), e conduz os fluxos ao longo de um

enorme eixo acima das linhas que recorre a passadeiras rolantes para acelerar percurso. Mais próximo das vigas

da cobertura, mas aberto sobre o pé direito total, o percurso pelo mezzanino é acompanhado pelo extenso painel de azulejo que reveste as paredes laterais da nave, da autoria do pintor Pedro Morais, e que remata todo o espaço dedicado à viagem incessante com uma interessante metáfora implícita no desenho repetido de um coelho, que parece correr pelo espaço do cais.

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III - Arquitectura Andante



1. O projecto geral de Eduardo Souto Moura Qualquer intervenção da dimensão de um projecto como o Metro do Porto se constrói necessariamente

de um vasto conjunto de especialidades, onde a Arquitectura não é senão parte integrante, muitas vezes

secundarizada. Quando a empresa Normetro convida Souto Moura a juntar-se ao concurso para a nova rede na cidade, este assumiu-se desde logo como uma das figuras de proa, e símbolo qualificador de toda a proposta

a concurso. O aparente crescimento da importância e do reconhecimento mediático envolvendo a figura do

Arquitecto na sociedade terá com certeza tido parte fundamental na escolha feita pela empresa, e não deixa de ser curioso o facto de todos os outros consórcios que chegaram também a apresentar o seu projecto terem incluído

personalidades igualmente conhecidas e reconhecidas no panorama arquitectónico como Álvaro Siza, ou Alcino Soutinho. Ainda que inicialmente algo gratuita, a inclusão desta forte componente de Arquitectura no projecto

parece pouco a pouco ter vindo a mudá-lo substancialmente, demonstrando-se mais produtiva e congregadora do que provavelmente seria esperado.

Ao longo do trabalho inicial de preparação para o concurso, o projecto foi desenvolvido num gabinete

externo ao de Souto Moura, onde a sua posição terá sido menos participativa, e com uma função de aconselhamento que o obrigava sobretudo a ouvir. Ainda que algo ofuscado pela componente esmagadora das engenharias, das

mecânicas e de toda a dificuldade tecnológica imediatamente equacionada na construção deste tipo de linha, o Arquitecto terá durante todo este processo delineando os fundamentos espaciais para um modelo de intervenção que se previa já bastante diversificado e distenso sobre um território desigual. O meio não seria o mais propício

à discussão das questões fundamentais para a Arquitectura como a da linguagem, a da imagem, e muito menos a da beleza, mas ainda assim Souto Moura foi capaz de absorver as exigências e os objectivos principais do sistema, que lhe permitiram a formação de uma ideia global e sempre abrangente que caracteriza a sua postura. As suas propostas revelaram-se assim informadas por um conhecimento transversal às especialidades, que

tentava soluções de conjunto, e motivadas por uma atitude de construção unificadora. Mais do que o desenho

de uma estação tipo, Souto Moura escolheu fixar princípios base para uma intervenção que imaginou desde logo continuada por uma linguagem comum respeitadora das condicionantes técnicas e financeiras.

Apesar das oscilações entretanto sofridas, sobretudo ao nível das estações subterrâneas, e dos 47


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desenvolvimentos naturais face à proposta inicial, o projecto com que a Normetro concorre à construção do Metro do Porto definia já um conjunto de decisões, de elementos, e de modelos abstractos pensados para todo o

sistema, que se pretendiam como genéricas mas capazes de produzir um Metro com um carácter público, eficaz e contemporâneo.

A Arquitectura e o Arquitecto, desempenham no Metro do Porto uma função que não é de imposição perante

um conjunto já pré-concebido, mas antes desenvolvida na retaguarda, onde é possível coordenar, organizar, e

controlar todos os agentes que o constroem. Ao contrário da aposição de elementos que é muitas vezes esperada

de si, o Arquitecto preferiu aqui repensar em conjunto um espaço na sua organização fundamental. A postura não é certamente a de uma Arquitectura num primeiro plano imperativo, mas antes a de um pano de fundo permissivo, sobre o qual é depois possível montar sucessivos planos posteriores. O Arquitecto foi, de resto, fundamental na

consequente construção das linhas, tanto a figura de Souto Moura enquanto responsável máximo, como todos os outros que lhe sucederam abdicando de uma autoria exclusiva. O projecto geral e o estatuto nele concedido à Arquitectura, acabaram por fazer de todos os Arquitectos verdadeiros conciliadores da intervenção, muitas vezes chamados a resolver problemas de uma ordem habitualmente externa à das suas competências.

A partir do momento em vence o concurso, Souto Moura começa a trabalhar com o seu próprio atelier na

optimização dos desenhos iniciais, que pretendiam ser depois entregues aos Arquitectos convidados a trabalhar

consigo sob a forma de uma espécie de biblioteca prevista para todas as intervenções, e que caberia a cada um deles saber utilizar. O conjunto claro de opções de Souto Moura patentes em cada elemento tipificado viria a ser,

mais do que decisivo, estruturador dos restantes projectos Metro, e capaz de criar as regras para um projecto geral de grande qualidade.

Dada a diversidade e a extensão da rede, de nada serviria a criação de um modelo ou tipologia única de

construção que acabaria por negligenciar totalmente a particularidade situações que o Metro vai encontrando

no seu caminho, ora de superfície, ora enterrado, cruzando simultaneamente cidade e campo. Assim sendo, a pormenorização do espaço contemplou em vez disso elementos tipo, desenvolvidos com um mesmo carácter D04. Planta e perfil do Cais em situação Urbana. (página anterior)

D05. Plantas, cortes e alçados do Abrigo-Tipo Urbano. (página anterior)

comum, mas em conformidade com cada uma das situações encontradas. Defenido que estava à partida o carácter

enterrado da linha no centro do Porto, as intervenções foram por isso organizadas em dois grandes grupos: as subterrâneas e as de superfície. As operações à superfície classificaram-se como sendo em meio urbano ou 49


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meio rural, e as subterrâneas fora classificadas como M1 quando utilizado o método cut and cover, e M3 quando

utilizado o método de escavação mineira. Os desenhos não iam além da linha e do cais nos casos à superfície, e de sugestões para a resolução da estação nos casos em que se enterrava sob o chão, mas ainda assim encerravam já um espírito de profunda coerência inicial, sobre o qual cada espaço poderia construir-se quase naturalmente. Pormenorização Tipo Para as situações mais comuns em que a estação se dá à superfície em meio urbano foi definido um Abrigo

do Tipo Urbano. Esta peça é uma construção multifuncional, que serve simultaneamente de abrigo às pessoas que

esperam o Metro, e equipamento indispensável ao seu funcionamento. Caracteriza-se pelo seu aspecto minimalista e contemporâneo, e é já visto como um símbolo inconfundível da intervenção. É construído a partir de uma peça

base em granito elevada do chão por meio de perfis metálicos, sob o qual assenta um volume central opaco e

revestido a chapa metálica. No volume central integra-se a máquina que cumpre com venda de bilhetes, e afixam-

se o conjunto de painéis informativos onde figuram as indicações necessárias para a compreensão do sistema e

da rede. De cada um dos lados do volume central, a peça de granito é prolongada de forma a permitir dois bancos distintos e abertos sobre o cais. A cobertura é feita apoiar sobre o elemento central opaco, e estendida para se balançar lateralmente, quer sobre os bancos, quer sobre o espaço do cais. O vidro cumpre depois a interiorização

de todo o espaço, rematando-o lateralmente e dirigindo-o sobre o cais. Em cada uma das folhas de vidro, é depois serigrafado o símbolo Metro acompanhado do nome da Estação. Foram desenhadas para se disporem aos pares simetricamente ao eixo da linha, e a sua presença sobrelevada pelo cais consegue por si só gerar um espaço

informal de paragem na cidade. A simplicidade das suas formas e a transparência do conjunto conferem-lhe porém uma leveza notável, facilmente diluível em qualquer tipo ambiente urbano.

Nos casos em que a passagem à superfície se dá em meio rural foi desenhado um Abrigo Rural. Esta é uma

D06. Planta e perfil do Cais em situação Rural. (página anterior) D07. Planta do Abrigo Rural, Tipo1. (página anterior)

D08. Planta do Abrigo Rural, Tipo2. (página anterior)

D09. Alçado de linha do Abrigo-Tipo Rural. (página anterior)

construção mais desenvolvida e protectora em relação à anterior, dado que se previam tempos de espera mais

elevados, em condições onde nem sempre haveria alternativas cobertas. A construção é feita por isso de maneira

mais efectiva com base num pórtico de elementos pré-fabricados de betão, sob os quais se organizam espaços para servir o utilizador. Para este tipo de intervenção foram previstos Abrigos diferenciados em cada um dos lados

do cais, aparentemente com a mesma forma e linguagem, mas cuja dimensão varia em largura. De um dos lados 51


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o pórtico é mais estreito, do Tipo 2, e prevê o mesmo tipo de equipamentos centrais que podemos encontrar no

Abrigo Urbano, com a diferença única de o banco ser feito em betão e estar colocado entre o volume metálico e o

cais. Para o lado contrário prevê-se um pórtico maior, do Tipo 1, onde é mantida a mesma disposição de elementos,

mas com o espaço do volume metálico a ser ampliado para dar lugar a um pequeno bar que se abre sobre o espaço de trás, apoiado pela instalação de um reduzido sanitário. A construção destes pequenos volumes simplificados pretendia com certeza ajudar na criação de pequenos pólos em torno da estação, onde fossem possíveis curtos momentos de reunião informal motivados um café. Apesar de tudo o que foi projectado e concretizado neste tipo

de estações, os espaços do bar permanecem ainda fechados e por ocupar, sendo assim impossível distingui-los funcionalmente de um outro Abrigo do tipo Urbano.

Para cada um dos tipos de estação subterrânea, a M1 e a M3, foi constituído um caderno com elementos

igualmente tipificados, que são no entanto demasiado extensos e complexos para poderem ser completamente descritos. Estes cadernos foram preparados para serem distribuídos pelos Arquitectos que desenharam espaço enterrado ao longo da rede, e continham todo o tipo de informações vitais que diziam respeito quer

ao dimensionamento do espaço, quer à pormenorização dos seus elementos, quer às condições de segurança a respeitar. O tipo de desenhos incluídos dizia respeito a elementos tão distintos quanto o das peças de pedra

inteiras que rematavam o bordo da plataforma, o das cancelas metálicas que vedavam o acesso ao túnel no fim do cais, o dos corrimãos que guarneciam as escadas de acesso, ou o do elevador transparente que fazia a relação

com a superfície. Nestes documentos era estipulado um conjunto de medidas precisas como a do comprimento

do cais - 70m, ou a largura das plataformas de acesso - 3m, mas também um conjunto de medidas auxiliares que

balizavam espaços internos mínimos de circulação, ou as pendentes de escada a utilizar. As indicações incluíam também normas a respeitar como o dos tempos máximos permitidos para a evacuação do cais, ou as características exigidas pelas portas corta-fogos. O conjunto de elementos disponíveis em cada um dos cadernos era enorme, e

as condições nem sempre os tornavam possíveis a todos, o que levou a um grau de flutuação maior neste tipo de estações. D10. Pormenorização de estação subterrânea - M1. (página anterior)

D11. Pormenorização de estação subterrânea - M3. (página anterior)

Ainda que muitas vezes complementada, adaptada, ou mesmo contornada pelo trabalho posterior, a

pormenorização tipo constituiu no seu conjunto um ponto de partida imprescindível para o trabalho posteriormente desenvolvido em cada estação. Conduzidos por este conjunto tão extenso quanto preciso de orientações, coube 53


depois a cada Arquitecto e ao seu esforço pessoal saber conduzir na relação com o lugar o inegável rumo comum pretendido por Souto Moura para estas Arquitecturas.

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2. Regras, Arquitectos e Lugar As estações que agora passo a analisar em maior detalhe pretendem representar, tanto quanto possível,

aquela que foi a multiplicidade e riqueza global da intervenção. Seguro da impossibilidade de um estudo completo e extensivo a todos os pontos de interesse ao longo da linha, seleccionei um conjunto razoável de dez estações,

desenvolvidas por oito arquitectos, nas quais é possível encontrar e discutir alguns dos temas mais importantes no Metro do Porto.

Em cada um dos casos de estudo eleitos, pretendo salientar a adaptação das regras e condicionantes comuns

a cada lugar. Apesar de unidas em torno de um objectivo comum, e de uma Arquitectura a que chamo Andante,

cada um destes casos enfrentou, no entanto, problemas diversos que acabaram por ditar uma condição única e irrepetível. A importância sempre dada às regras, e o esforço que cada arquitecto fez por respeitá-las, levaram a um sentimento de pertença que atravessa todos os exemplos, e que consegue uni-las pela raiz. As dez estações que descrevo são também representativas dos diversos modos de fazer e pensar, inevitavelmente próprios de cada

arquitecto. Pretendi com elas apresentar um espectro de situações tão abrangente quanto possível, nas quais

figuram as soluções mais marcadas pela tipificação e que importaram pela constância que conferiram ao conjunto, mas também aquelas que ousaram um maior grau de desvio, atingindo dessa maneira alguma singularidade.

Os sete primeiros exemplos, de sete arquitectos diferentes, procuram mostrar a diversidade dos contributos

para a obra. Reunidos sobre a tipificação estabelecida, cada arquitecto trabalhou em condições distintas, sempre

empenhados em torná-las um pouco melhores. Feitas à luz de uma experiência pessoal e intransmissível, estas

estações tornam-se no entanto interessantes composições arquitectónicas, onde podemos, de forma mais ou menos clara, sentir o diálogo entre o corpo comum e adquirido, e os valores pessoais de cada autor.

As últimas três estações, todas desenhadas por Souto Moura, mostram exemplos distintos daquele que

foi o conjunto de espaços que imaginou para o centro da cidade. Escolhidas para cobrir a variedade de tipologias

com que trabalhou, elas mostram também o que foram as estações concebidas pelo criador das regras. Como responsável pela idealização dos elementos que caracterizaram a imagem Metro do Porto, o arquitecto lida nestes espaços com elementos gerados na sua própria linguagem, produzindo por isso estações que serão nesse aspecto, talvez, um pouco mais suas.

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Brito Capelo, Alcino Soutinho Fazer uma estação de Metro de Superfície pode, em último caso, significar refazer toda uma rua. Na

Estação Brito Capelo em Matosinhos, a intervenção foi tão longe quando podia no sentido de transformar uma rua debilitada e com uma forte tendência para o abandono num renovado espaço urbano de passagem, encontro, e comércio. O processo de reconfiguração levado a cabo neste pedaço de cidade, significou a substituição dos

automóveis por novos veículos, que circulam agora em contacto mais livre e directo com as actividades vividas na rua, e que as renovam com cada passagem.

Brito Capelo ocupou durante longos anos o papel de centro comercial de Matosinhos, salientando-se como

uma das ruas mais urbanas e agitadas da cidade. A actividade fortemente motivada pelo comércio oferecia ainda aos habitantes frequentes e variados pontos de encontro em barbearias, cafés, e um pouco por todo o espaço público. No entanto, e com o esmorecer deste tipo de relações que a modernidade significou sobre os nossos estilos

de vida, a rua tinha-se tornado algo decadente, confusa e desinteressante. Na necessidade de implantar a linha

Metro, a cidade viu uma oportunidade e um pretexto esperado para tentar intervir e corrigir o sentido das coisas, pelo que fez tudo aquilo que podia no sentido de integrar também a Rua Brito Capelo no percurso a efectuar pelo novo transporte.

Tal como aconteceu um pouco por todo o espaço intervencionado em Matosinhos, o projecto de Alcino

Soutinho encarou as dificuldades e a diversidade das pré-existências, baseando-se no chão como o elemento unificador e que discretamente desenha cidade. O arquitecto ultrapassa assim a implantação da linha como mero

canal Metro, mas vê-a antes como meio que literalmente transporta consigo a revisão da cidade que vai tocando. A

cidade encarregou o arquitecto de constantes operações de inserção urbana, com o intuito de fazer esta renovação integrar todo o espaço de fachada a fachada.

A intervenção ao longo desta rua é exemplo máximo daquele que foi o sentido de toda a restante colaboração

do arquitecto com o Metro em Matosinhos, com elementos fundamentalmente discretos, e quase sempre no âmbito

do desenho do chão que calcamos diariamente. Aqui o desenho da estação é o do próprio espaço público da rua, e

que se faz como sempre de uma fachada à outra, desenhando tudo o que está entre elas, e os respectivos encontros com tudo o que está para além. Trata-se de um desenho de cidade pelo seu negativo, que raramente ultrapassa a 57


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cota dos centímetros, mas que é fundamental na clareza e na organização dos fluxos que ela comporta. Discreto

por convicção e não por circunstância, este arquitecto orgulha-se de construir e desenhar esse espaço de forma anónima, sem procurar marcá-los singularmente, nem como meio para a afirmação de algum tipo de ideologia pessoal.

Na sua descida da Av. da República, o Metro deixa para trás a Estação Matosinhos Sul e a linha curva à

direita para ocupar a metade norte da Rua Brito Capelo, antes de curvar novamente no encontro com a Av. Eng. F47

Duarte Pacheco em direcção ao Mercado e à estação com o mesmo nome. Ao longo dos novecentos metros em que a linha percorre a rua, o seu espaço transfigura-se com o objectivo de possibilitar uma utilização exclusiva e

combinada entre Metro e peões. Os carros são desviados para as ruas circundantes, e todos os atravessamentos são revistos e condicionados de forma a garantir apenas os acessos necessários, tais como a cargas e descargas comerciais.

O centro da rua destina-se aos veículos eléctricos e é pavimentado com uma calçada de cubos de granito,

onde se embebem disfarçadamente os carris que possibilitam o constante vai e vem mecânico. Lateralmente à calçada, desenvolve-se um lajeado contínuo de granito que remata o chão junto às fachadas e que demarca o

espaço mais dedicado ao uso pedonal (F48). A transição entre as duas pavimentações é feita através de uma F48

grelha metálica, que não só as delimita e remata, como escoa ainda as águas pluviais provenientes do passeio lajeado e mais impermeável. Ao libertarem-se as laterais para uso exclusivo pedonal, as montras e entradas dos

estabelecimentos comerciais assumem tranquilamente o papel principal, relegando o centro da via para uma utilização menos frequente, e quase sempre motivada pelo atravessamento da rua. Ainda assim, e dada a leitura

de continuidade que a prevalência do granito lhe confere, vive-se na rua uma grande unidade, sendo cada uma das funções pressentida quase empiricamente. A catenária que electrifica a via é, neste espaço fixa às fachadas do

edificado que a delimita, libertando dessa forma o chão, e toda a rua, dos perfis de ferro verticais que habitualmente lhe dão suporte. F49

D12. Implantação do cais e do edifício ao longo da Rua Brito Capelo. (página anterior)

O espaço do cais da estação, mais não é que o lugar de paragem dos veículos que percorrem a rua, apoiado

pela presença de um novo edifício integrado na fachada nascente. A cota do passeio lateral sobe ligeiramente, e a da faixa central afunda no sentido contrário, permitindo nesse momento uma entrada de nível com o interior do

veículo (F49). Com esse discreto desfasamento de alturas, fica assinalado uma clara configuração de cais lateral em 59


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que se desencorajam eventuais tentativas de atravessamento do espaço central. A pequena inclinação que resulta

na elevação do passeio é quase imperceptível a quem circula, mas conjugada com a descida do canal do Metro cria o desnivelamento de 50cm necessário, e separa por completo o elemento maciço que constitui a plataforma

de acesso, da faixa circulatória em calçada. O espaço da rua unificado e de fácil atravessamento dá lugar, com essa simples manipulação de cotas no chão, a três espaços distintos e com protagonistas que empiricamente se entendem ser diversos.

Para integrar a função de venda dos bilhetes, é reservado o rés-do-chão de um edifício adjacente construído

propositadamente para o efeito pelo Metro. Da responsabilidade de Alcino Soutinho, este edifício previa também F50

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escritórios nos andares superiores, mas o seu interesse para a cidade está sobretudo no recuo ao nível da rua, que

amplia o espaço do cais e do passeio. Aí se faz a colocação das tradicionais máquinas de venda de bilhetes, num

espaço exterior e coberto, mas constantemente disponível (F50). Este é o espaço onde se permite uma espera abrigada pelos veículos, e onde estão por isso colocados também alguns bancos. É talvez o único caso em toda a

rede de uma estação de superfície que não recorre à utilização dos abrigos urbanos, e onde os utilizadores são convidados a esperar o Metro ao longo da própria rua. Acessível através do espaço interiorizado sob o edifício, por

meio de uma grande porta de vidro, fica ainda uma pequena Loja Andante1 onde a compra dos bilhetes pode ser

feita pessoalmente com maior grau de conforto. F52

D13. Cortes transversais à linha e à rua - no cais e fora dele. (página anterior)

D14. Pormenores do remate entre materiais na Rua - no cais e fora dele. (página anterior) 1. Existem normalmente nas estações de maior intensidade ou em áreas estratégicas,

e são espaços disponibilizados para servir e atender pessoalmente qualquer tipo de necessidades que os clientes do Metro do Porto possam ter. Existem actualmente Lojas

Andante nas estações de Campanhã, Trindade, Casa da Música, S. ra da Hora, Brito Capelo,

Vilar do Pinheiro, e Póvoa de Varzim. Constituem a principal alternativa às máquinas de venda automática, embora o seu funcionamento e horários variem de caso para caso.

Funcionando acima de tudo ao serviço da cidade e dos utilizadores Metro, este edifício proporciona

um interessante enquadramento ao lugar de paragem dos veículos na rua. Construído com uma linguagem contemporânea que conjuga o betão, o ferro e o vidro, destaca-se automaticamente do entorno construído,

contribuindo para a individualização do espaço na sua frente. O seu recuo face ao alinhamento das fachadas torna possível a existência de duas lâminas de betão perpendiculares à rua que são visíveis a todos os que se deslocam

pelo passeio, nas quais surge escrita a palavra andante, como modo inconfundível de identificar a intervenção. Numa estação tão despojada de elementos caracterizadores, que surge afinal como parte integrante do espaço

contínuo de uma rua, a construção do edifício Metro acaba por proporcionar uma excepção à regra encontrada. Com uma arquitectura bastante simples e despojada, será talvez injusto dizer que o edifício procure protagonismo, mas antes que acaba por obtê-lo naturalmente pela excepção linguística e tipológica que representa.

Pela extensão do espaço intervencionado e pela unidade que a percorre, torna-se difícil separar o desenho 61


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da estação daquele que é o da própria rua, e os seus limites são tão ténues e dissolvidos quanto os do espaço sem fronteiras de que se vai construindo a cidade. O momento da paragem (F53)será talvez o mais óbvio e de

maior interesse, mas numa estação cujo nome é o da própria rua, apraz-me pensar nela como uma longa estação

percorrível, onde todo o edificado envolvente chega a ser integrado. Animada por varandas e montras diversas, seja com habitação ou negócios dos mais variados, esta é uma obra que se constrói de e com a cidade, algures na

fronteira entre arquitectura e urbanismo. Não querendo fazer parte dessa discussão, socorro-me das palavras de

Nuno Portas, o Arquitecto e Professor de Urbanismo, que tantas vezes confessava durante a aula aspirar ser “um

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simples desenhador de ruas”.

A Estação Brito Capelo é, pelo trabalho desenvolvido na compatibilização de fluxos, um espaço único em

toda a intervenção. Um lugar onde veículos e utilizadores são convidados a partilhar de uma mesma dimensão

pedonal. Uma estação que é rua, praça, e linha, e que conjuga tudo isso de forma serena à altura dos nossos pés. Será com certeza um enorme elogio à importância do desenho do chão na cidade, que ao cumprir com essa tarefa

aparentemente simples, foi capaz de reconfigurar toda uma rua, tornando-a talvez na mais bela de todas as desenhadas pela passagem do Metro.

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D15. Planta piso R/C do edifício proposto com Loja Andante. (página anterior) D16. Planta piso 1 e 2 do edifício proposto. (página anterior) D17. Alçado de Rua do edifício proposto. (página anterior)

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Senhora da Hora, Bernardo Távora O estudo da intervenção levada a cabo neste espaço acaba por servir como exemplo daquela que foi a atitude

generalizada à maioria dos casos em que a passagem da linha do Metro se deu à superfície e num contexto urbano.

O que caracteriza este tipo de estações que encontramos particularmente nas linhas de Matosinhos, Maia, e Póvoa de Varzim é uma construção do espaço com recurso a elementos simples, que se prendem sobretudo com

o redesenho do chão, e que recorrem à utilização de um Abrigo-Tipo para conter todos os demais equipamentos relativos ao funcionamento dos bilhetes e às informações sobre a rede. Na S. ra da Hora podemos constatar essa aparente simplicidade na sua forma mais complexa, e perceber como todas as relações e demarcações entre espaços acabam por ser cumpridas com o modelar do chão. Um chão que ora sobe e separa, ora desce e liga, em granito

serrado para o peão, em calçada para o Metro, em alcatrão para o carro e que é palco principal para a afirmação do Abrigo-Tipo do Metro do Porto. Trata-se por isso também da representante de um conjunto de soluções que,

apesar de ladeadas por vias de circulação automóvel, são capazes de respeitar também essa realidade, ordenando

o constante fluir de cada um dos protagonistas com um conjunto de elementos que estão quase todos ao nível daquilo que podemos calcar.

A história da Estação da S.ra da Hora remonta ao fim do século XIX quando os caminhos-de-ferro atravessaram

pela primeira vez aquela povoação ao serviço da linha inaugurada em 1975 desde a Estação da Boavista até à Póvoa

de Varzim. Desde então, tornou-se num entroncamento entre essa e outras linhas, como a de Famalicão, e a que se

construiu para ligar a pedreira de S. Gens a Matosinhos durante a construção do Porto de Leixões. Foi-se depois progressivamente afirmando como uma estação chave na reunião dos fluxos ferroviários a caminho do Porto.

Quando em 2002 as linhas de comboio são desmanteladas para dar lugar ao Metro de Superfície, a Estação

da S.ra da Hora tinha-se já tornado num dos mais importantes pontos de paragem de todos os percursos a norte,

antes da entrada na cidade. Era então conformada pelo edifício construído inicialmente pela CP, onde se vendiam

os bilhetes e onde os utentes podiam esperar o comboio, por um barracão em madeira a norte do edifício principal que servia como armazém para algumas das mercadorias transportadas, e pelo emaranhado de linhas ferroviárias

que se entrecruzavam antes da chegada ao cais. Tanto o complexo como a ferrovia adjacente, eram devidamente vedados por uma cerca que, tentando prevenir qualquer tipo de acidente, acabava também por barrar a maioria 65


D00


dos movimentos e relações perpendiculares à estação e à linha do comboio.

Para a adaptação ao Metro de Superfície, a Estação S.ra da Hora devia continuar a cumprir a função de ponto

de chegada dos veículos vindos do norte nas linhas A, B, C, e E. O espaço acaba assim por desempenhar um papel

que ainda não é o de entrada na cidade do Porto, mas que podemos considerar como o de uma imprescindível antecâmara que reúne, prepara e possibilita a entrada no tronco principal comum até ao Estádio do Dragão.

Desenhar a estação significou, mais que um ponto de entrada ou saída de passageiros, resolver um espaço urbano F57

bem determinado de grande confluência de movimentos e pessoas, onde importava dar solução às sobreposições e incompatibilidades que daí resultavam.

A proposta do Arq. Bernardo Távora foi a de simplificar os espaços ao seu mínimo indispensável, pensando-

os em conjunto com o problema do atravessamento da localidade. Isso significou, como em tantos outros casos, uma reformulação urbana ao longo da anterior linha ferroviária. A intervenção acabou por significar afinal uma substancial reformulação da própria vila, que envolveu o Metro e a rede viária circundante, levando à construção

de um renovado conjunto de espaços públicos, um parque de estacionamento, e um atravessamento automóvel subterrâneo. Aqui particularmente, o desenho da estação é também o desenho da extensão da linha até às estações F58

vizinhas de Fonte do Cuco a norte e Sete Bicas a sul. Difícil de precisar ou balizar, o tratamento da Estação S. ra da Hora funciona mais uma vez como um contínuo espacial que funde a linha e as três estações como partes indissociáveis do centro de uma avenida urbana com mais de mil metros de extensão.

A abolição da antiga cerca que delimitava fisicamente todo o recinto e a sua substituição por vários outros

elementos menos agressivos acaba por cumprir igualmente a função de conter e ordenar as circulações, sem o prejuízo das barreiras drásticas e incapacitantes que retalhavam a fluência do espaço. As árvores e o verde ao longo da linha, a diferença de cotas na área do cais, a grade de segurança nos pontos de atravessamento, ou as

distinções nos materiais que revestem o chão, destacam e sugerem agora com a mesma eficácia a utilização de F59

D00. Implantação do traçado da linha na Senhora da Hora, envolvendo as Estações de Fonte do Cuco, Sra. da Hora e Sete Bicas. (página anterior)

cada um dos espaços. Com a abertura da estação e da linha, a proposta devolve à S. ra da Hora um espaço essencial e abre a possibilidade de um número infinito de relações transversais, anteriormente vedadas à população.

Das peças pré-existentes, o armazém em madeira sofreu um incêndio que impossibilitou qualquer tipo de

intervenção, mas o edifício da estação anterior foi recuperado e posto também ele ao serviço do Metro. Com a deslocação do cais de acesso, o edifício antigo assume uma relação menos directa com os veículos, autonomizando67


D18


se de certa forma como um elemento complementar, poupado às suas anteriores funções principais. O seu interior foi adaptado para cumprir as funções de uma Loja Andante, e trata-se actualmente de um local alternativo para a compra dos bilhetes, onde aceder ao serviço ao cliente ou efectuar pagamentos diversos ao Metro. É pintado de um

branco que contrasta com a cantaria de pedra, e que o homogeneíza com todas as outras intervenções Metro sobre este tipo de património. Poder-se-ia dizer que depois daquela que foi uma atarefada história, esta construção

dispõe agora do espaço e do tempo para que possa ser devidamente apreciada como um testemunho do passado. Alguns elementos antigos mantidos, como as tábuas indicativas do serviço do comboio no cais ou o relógio da

F60

estação parado às cinco e meia, parecem querer respeitar esse passado inegável e que se pretende cristalizar.

O local deixado vago pelo armazém ardido, e mantido em aberto com alguma vegetação, foi depois apropriado

pela comunidade como um pequeno parque público. Na continuidade desse espaço, e a oeste do novo cais, foi projectado um parque de estacionamento com capacidade para cerca de cem viaturas, que consequentemente

redesenha e revê as vias circundantes, permitindo também a passagem em túnel para o outro lado. Com o mesmo

carácter público e gratuito de todos os outros, este parque não só permite integrar os utilizadores do automóvel na rede do Metro, mas dada a sua posição privilegiada no centro da S.ra da Hora, contribui também como solução

para o estacionamento no interior da povoação. Do lado diametralmente oposto, em relação directa com o cais de acesso, um espaço de estar permite uma paragem também aos peões. O pavimento duro mas menos regularizado

F61

F62

que o dos passeios, as árvores e os bancos voltados para o cais, possibilitam a quem espera pelo Metro uma posição mais afastada e tranquila, enquanto mantém sob controlo a chegada dos veículos ao cais.

A nova Estação S.ra da Hora propriamente dita foi colocada no centro de toda esta reformulação. O espaço

do cais reservado ao embarque e desembarque nos veículos é talvez de todos o único que foi criado com o intuito exclusivo de servir os utilizadores do Metro. Por ser um local de grande concentração de pessoas, e ponto de

passagem ou transbordo entre várias linhas, a concepção desta plataforma teve a necessidade de se ampliar em relação à regra prevista para as estações urbanas de superfície. Para além da via dupla convencional com trânsito constante nos dois sentidos, este cais possui ainda uma terceira via a poente, que desenha uma pequena baía onde D18. Planta de Implantação da Estação Sra. da Hora com a respectiva inserção urbana. (página anterior)

é possível acolher um veículo extra, e que permite uma maior facilidade no controle do trânsito nos percursos que serve.

Em relação ao desenho do cais, elemento fundamental e conformador do espaço, materializa-se numa 69


D19

D20


plataforma em granito, 50cm mais elevada que as vias que a ladeiam, onde a colocação dos Abrigos-Tipo lhe dá o

sentido. Estes abrigos, um de cada lado da linha, sintetizam as funções principais ligadas à venda de bilhetes, e às informações essenciais sobre a rede. Para além de servirem de banco a quem espera, demarcam também o lugar de

paragem dos veículos, e permitem a identificação automática daquele espaço como pertencente ao Metro do Porto. A pequena mutação que deriva da introdução da terceira linha acaba por conduzir também à adaptação de um

desses abrigos. Do lado em que a linha extra é colocada, a construção-tipo foi revista, e alguns dos seus elementos alterados, para que pudesse servir os utentes nas duas direcções. Neste caso, a cobertura foi aumentada com um balanço para ambos os lados, e um dos dois bancos de granito existentes foi deixado aberto para o lado de trás. F63

F64

Com uma atitude extremamente funcional e despretensiosa, poder-se-ia dizer que Bernardo Távora procura

em primeiro lugar dar resposta a um problema urbano fundamental: reconstruir ligações e fluxos urbanos num espaço talhado em dois. A pesquisa que desenvolve e as propostas que apresenta vão no sentido de reunir duas metades de um mesmo sistema que durante anos permaneceu separado pelo fosso ferroviário que o atravessou.

Ao lidar com pequenos elementos tipificados e uma linguagem Metro comum, foi capaz de trabalhar a uma escala bem maior, onde todos os fluxos da cidade coexistem sem alienação. O seu gesto é tão longo quanto o da extensão

da linha, e mais uma vez seria limitador chamar estação ao mero espaço do cais, que é no fundo só parte de uma visão abrangente e contínua. A intervenção assume sem qualquer problema a neutralidade e o anonimato F65

necessários para que a estação se integre no próprio lugar, devolvendo-o fundamentalmente à vivência da própria

cidade. Simples mas claro, o desenho do arquitecto estende-se a toda a envolvente no sentido de provocar uma

regeneração do espaço público, dos passeios redesenhados, aos jardins e às árvores replantadas. A intervenção num contexto global funde-se e confunde-se com o entorno urbano, tornando este um verdadeiro transporte público cujos limites são afinal a própria cidade.

D19. Secções transversais ao longo da linha. (página anterior) D20. Pormenores-tipo da pavimentação. (página anterior)

71


F66


Parque da Maia, João Álvaro Rocha “E outra obra parecida com isso é o Metro, exactamente porque as regras eram apertadíssimas, os dinheiros eram aqueles, os prazos eram suicidas, e a maneira como o Rocha se saiu, com problemas quase insolúveis, se fica para ali ou se fica para cá, e ele não, fica na própria ponte, e é em ferro e tem isto, não tem pilares a mais, não tem pilares a menos, não tem ferro a mais, não tem ferro a menos.” 1

Sobre uma movimentada estrada nacional que separa a malha urbana no interior da cidade de uma

resistente paisagem rural, surge o viaduto construído em 2007 para a chegada do Metro do Porto à Maia. Num espaço de transição entre dois mundos que gradualmente se entrecruzam e acomodam, esta construção, que é

afinal também uma estação, acaba por inventar um ponto de paragem aéreo e transparente onde somos capazes de pairar sobre o movimento constante dos veículos na estrada para contemplar calmamente o recorte da cidade de um lado e o verde do campo do outro.

Trata-se com certeza de uma Estação Metro particular, e a única em toda a rede construída que não

consideraria nem de superfície nem enterrada. Será a mais distante de todas tipologicamente, ainda que

completamente concordante com o sentido das intervenções. Uma estação que tal como disse Souto de Moura

não ficou nem de um lado nem do outro como seria de esperar, mas que arrojadamente João Álvaro Rocha quis em cima, e que acaba por tirar dessa escolha todo o seu sentido.

Constituindo-se como uma nova entrada na cidade, a obra aceita as condicionantes do lugar e parece jogar

com a dicotomia entre as ideias de ponto e ponte. Um edifício que pontua e encerra um espaço preciso, mas serve

afinal para ligar dois outros. Uma ponte entre dois territórios, mas que é também construída e pode ser vivida como espaço independente. Uma Arquitectura que, segundo Francisco Mangado, ousou ser “um edifício numa ponte ou uma ponte num edifício como a Ponte Vecchio em Florença ou qualquer uma das pontes de Madison County”.

D21. Esquisso da inserção do viaduto sobre a estrada.

1. MOURA, Eduardo Souto de, “João Álvaro Rocha em Conversa com Eduardo Souto de Moura”. Arquitectura Ibérica #25, Abril de 2008, pp. 167.

A estação Parque da Maia funciona como um paralelepípedo, um elemento único pensado para vencer o

vão sobre a estrada abaixo (F67). Apoia-se do lado da cidade num embasamento granítico, mais pesado, como que reconhecendo uma maior ligação com essa realidade, enquanto do lado contrário, mais fragmentado, dois volumes simétricos rebocados e pintados de negro, sem função estrutural, surgem do chão verde para garantir o acesso 73


D22


à estação. Assenta apenas sobre dois pilares de betão em Y cuja forma acaba por elevar visualmente o seu peso,

como que buscando um alheamento do chão e a permanência num âmbito do “entre”. O volume desmaterializa-se depois do lado do campo, onde o último módulo de ferro, já imperfeito, parece testemunhar a falta de urbanidade

que o justifique. Com isso se marca também a transição para um tabuleiro despojado de espaço interior, mero suporte das linhas, que curva depois para perder-se por entre a vegetação.

O corpo que conforma o viaduto tem por base um tabuleiro de betão, ao qual é justaposta uma estrutura de

ferro modulada, em forma de costelas, que o abraça e reveste criando espaço. O tabuleiro de betão é aqui agente

F67

principal e suporte, sendo a estrutura metálica entendida como acessório distinto e distinguível, que ao sobreporse-lhe constrói a estação. Os elementos de ferro compõem módulos, que criam o ritmo e ditam a disposição dos

restantes elementos. Duas enormes vigas metálicas por baixo do tabuleiro de betão, unidas entre si por elementos cruzados, suportam todo o peso do conjunto e descarregam-no sobre os pilares.

Ao nível do cais, a estética Metro é respeitada, ainda que a pormenorização e alguns dos elementos chave

tenham de ser reposicionados e muitas vezes reinterpretados para satisfazer a inexistência de paredes e para corresponder à métrica imperativa do ferro. O encerramento garantido lateralmente pela caixilharia de vidro é apenas parcial na parte superior. A cobertura em lâminas de vidro que resguarda os utilizadores sobre as laterais

do cais não se estende até ao espaço de circulação dos veículos, estando nesse aí meramente apontada pelas vigas F68

F69

de ferro que constituem a estrutura. O paralelepípedo mantém-se assim aberto e garante-se em todo o cais uma sensação exterior, algo semelhante à vivida no Abrigo-Tipo Urbano.

Do lado nascente, mais próximo do interior da cidade, a estação é mais orientada para a utilização pedonal,

e a chegada ao cais faz-se assim por um percurso em rampa separado da linha por vegetação. O volume de granito em forma de cunha que resolve o encontro com a pendente do terreno funciona simultaneamente como rampa e

embasamento que acolhe o viaduto. Uma perfuração na parte mais baixa desse volume permite ainda um acesso em escada desde o passeio da rua mais baixa, até ao nível superior da estação (F69). A forma discreta como os

elementos se fundem no terreno acaba por permitir uma utilização fluida e eficaz por parte dos utilizadores que se dirijam ao cais. O conjunto de espaços que envolvem e precedem a estação a nascente, permite ao Metro e aos seus D22. Planta de cobertura e ao nível do cais. (página anterior)

utentes um momento exterior de transição ou espera tranquila e agradável, mas constitui-se também como um

interessante espaço público para a cidade. Desenhados de forma a garantir um percurso pedonal até ao centro da 75


D00

D23


Maia, estes espaços trazem ainda qualidade à inter-relação entre a malha habitacional envolvente, no sentido de criar uma espécie de pausa não construída, onde o verde impera e se geram condições para uma conversa informal entre vizinhos.

Do lado poente, onde a ocupação do território é menos densa, o Metro desenhou depois um parque de

estacionamento, com capacidade para cerca de cem viaturas, denotando a sua clara intenção de tornar esta estação

no principal ponto de acesso à rede para os utilizadores do concelho da Maia. A ideia do parqueamento automóvel gratuito, que está de resto associada à maioria das estações ao longo das linhas de grande alcance, é uma das mais fortes ao nível metropolitano, e pretende sobretudo trazer ao Metro todos aqueles que diariamente utilizam o F70

F71

carro para as deslocações pendulares. O objectivo é incentivar esses condutores a não verem o automóvel como

solução única para essas deslocações, mas antes como parte integrante de uma viagem que pode também passar pelo Metro. Desta maneira, permite-se aos utilizadores que se desloquem rápida e confortavelmente nos seus

carros até à estação pela manhã, utilizem o serviço para chegar aos seus destinos, e que no final do dia, voltando à

mesma estação, possam evitar a maior parte do trânsito automóvel para que conduzam mais calmamente até casa. Se é verdade que, como nos diz Álvaro Siza Vieira, “Arquitectura é geometrizar”1, poderíamos então dizer

que esta é também uma arquitectura da paisagem, uma vez que a geometriza e procura regularizar. Situando-se

num território algo fragmentado e incoerente, onde as construções recentes permanecem incapazes de criar um F72

espaço público de qualidade, o desenho da estação e dos seus pontos de ancoragem a nascente e poente pretendem

ainda de alguma forma influenciar o espaço. Em conjunto, tanto a estação, como os acessos que a preparam, e a enquadram na cidade, parecem querer dotar aquele território de uma estrutura e de directrizes válidas sobre as quais se possa desenvolver uma urbanidade melhor.

A atitude de João Álvaro Rocha na Estação Parque da Maia é das mais afirmativas e singulares em toda

a rede, introduzindo um momento de alguma excepção e desvio criativo às regras estabelecidas. Aposta aqui

num gesto claro e de grande arrojo, que se acaba por resolver com base numa estrutura simples e optimizada, D23. Alçados e Cortes do viaduto e da sua inserção a poente. (página anterior)

1. SIZA, Álvaro (1998), Imaginar a Evidência. Lisboa: Edições 70, pp. 27.

na qual a arquitectura expõe toda a sua estrutura. Apesar da manipulação que faz da pormenorização, e da sua

adaptação a uma condição profundamente excepcional, a obra permanece contudo fiel aos princípios base de toda a operação Metro do Porto. Mantém os valores de um espaço contemporâneo e eficaz aos mais diversos níveis, com

uma inserção urbana cuidada, e respeitadora dos valores da envolvente. Numa cidade que conhece muito bem, foi 77


D24


literalmente capaz de lançar pontes para a expansão da malha, e materializou uma visão que visa condicionar, não

só o presente, mas também um futuro próximo. Ao produzir uma peça que paira no ar às portas da Maia, criou um verdadeiro símbolo da passagem do Metro naquele lugar, e apreendeu ainda um espaço de grande beleza que,

com a sua transparência, oferece a todos aqueles que o utilizam diariamente uma interessante perspectiva sobre a paisagem.

D25

D24. Alçados e Cortes do viaduto e da sua inserção a poente. (página anterior) D25.

Esquissos

de

investigação

relativos

ao

sistema

de

acesso

ao

viaduto

79


F73


Póvoa de Varzim, José Gigante A linha vermelha é actualmente a mais longa da rede, e atravessa três concelhos distintos: Porto, Vila do

Conde e Póvoa de Varzim. Ao longo do seu percurso engloba todas as tipologias de estação, desde as enterradas às de superfície, quer em contexto urbano, quer num outro predominantemente rural. O último troço desta linha foi

inicialmente proposto ao Arq. Humberto Vieira, mas uma morte tão prematura quanto inesperada afastou-o do projecto numa fase ainda embrionária, sem que o tivesse desenvolvido para além do estudo prévio. Souto Moura viu-se assim obrigado a entregar rapidamente o projecto a outro dos arquitectos que havia elegido, e encarrega

José Gigante da difícil tarefa de continuar com o trabalho já iniciado. Este era o trecho da rede mais afastado

do Porto, desde Vilar do Pinheiro, ainda em contexto rural, até ao extremo norte da linha, onde a intervenção atinge de novo uma urbanidade consolidada. A escolha da Estação Póvoa de Varzim é feita no âmbito de todo esse conjunto mais vasto que ela culmina. Representa uma atitude de reconversão muito específica, feita ao longo de vários quilómetros deixados vazios pelo comboio, onde importava articular.

A totalidade das 14 estações projectadas por José Gigante constrói um sentido global de percurso que

vai do rural ao urbano, feito à superfície, e em contacto com a mutação da paisagem. O trabalho do arquitecto desenvolveu-se constantemente sobre o património herdado da CP, e por isso são muitas vezes incluídos vestígios

do transporte anterior. Sempre que possível, procura-se restaurar o edifício da antiga estação, sendo o seu espaço reajustado e posto ao serviço da rede, com vantagens quer para o Metro quer para a história do lugar. A tarefa era a de converter o canal ferroviário precedente, quase sempre alheio à realidade que atravessava, num outro espaço

mais contínuo, transparente, e que servisse de fio condutor. Pretendia-se uma linha menos segregada, que pudesse

traduzir as qualidades do novo veículo e o maior número de paragens, num trajecto mais integrador e harmonioso. Ao cruzar campos, aldeias e cidades, o desafio foi uma vez mais produzir espaço público aliado ao transporte, e

sempre adaptado à escala do lugar. Ora sobre pequenos núcleos habitacionais em torno da estação, ora já sobre a chegada do Metro à cidade, os objectivos mantiveram-se os de integrar, requalificar, e potenciar.

“A Sul do Rio Ave sulca uma paisagem acentuadamente rural, com estações dispersas e sem qualquer relação directa entre si, proporcionando projectos de enquadramento essencialmente local.

81


D26


Para Norte do Rio Ave e até ao actual terminal da Póvoa de Varzim, o traçado desenvolvese em espaço urbano, ao longo de quase 5 km, abrindo uma nova frente de cidade que não dispensa a elaboração de um projecto global abrangendo toda a extensão do Canal e todas as articulações e extensões inerentes à nova estrutura urbana emergente.”1

Na Estação Póvoa de Varzim, os veículos terminam a sua viagem e entregam os utilizadores directamente no

F74

centro daquela cidade, em comunhão total com a sua vida à superfície. O seu espaço está historicamente entalhado

por entre os edifícios que compõe a malha consolidada do núcleo mais central da cidade, e muito próximo de

uma das suas praças centrais. A reconfiguração da anterior Estação da CP passou por demolir construções desnecessárias e impeditivas, que mantinham o cais deliberadamente escondido e alheado da vida na rua que lhe

é paralela. Ao utilizar apenas dois dos edifícios existentes, um em cada extremo, a intervenção foi capaz de abrir claramente o interior da estação à cidade, permitindo uma maior fluidez dos movimentos e relações entre elas.

Os edifícios existentes têm agora fundamentalmente um papel de elementos balizadores da entrada nas

plataformas do cais (F75), onde os Abrigos Urbanos cumprem com as funções principais. Por estarem ligeiramente

recuados face à rua, agem ainda como um momento de transição que afirma e prepara o alinhamento mais interior F75

das linhas, rematando o seu espaço junto às empenas do edificado envolvente. No topo norte foi mantido o edifício

principal da estação, uma construção cuja imagem se repetia ao longo da linha anterior, caracterizada pelo uso da

alvenaria em granito, um reboco pintado de branco, e uma cobertura de 4 águas revestidas a telha. O restauro a que foi submetida levou-a a acolher uma Loja Andante, permanecendo ainda em projecto o bar que deverá ocupar D26. Planta da Estação Póvoa de Varzim. (página anterior)

1. Gigante, José (2006), Metropolitano Ligeiro de Superfície do Grande Porto - Projectos para os concelhos de Vila do Conde e Póvoa de Varzim, Memória Descritiva.

2. Uma vez que se trata de uma estação terminal, este é um espaço onde os maquinistas

se podem reunir durante o tempo que dispõem entre viagens. O programa comporta uma pequena cozinha, um espaço para refeições, e ainda um balneário.

e animar o espaço sobrante. Do lado contrário, foi reconstruído um edifício que servia como armazém adjacente à estação. Esta era uma construção em madeira que José Gigante redesenha e adapta para servir a função de

Casa para os Maquinistas 2 . O seu interior foi completamente reformulado, mas é reaproveitada grande parte da estrutura e esqueleto, mantendo-se o redesenho exterior fiel quer à imagem inicial, quer ao seu carácter de edifício com função secundária.

No espaço de contacto com a rua, tudo é redesenhado para ampliar a rapidez e a fluência dos movimentos

perpendiculares à linha. A cota mais alta das construções existentes é mantida como a cota do cais que dá acesso aos veículos, e é trazida ao passeio por meio de uma plataforma única em granito, que amplia o espaço em direcção 83


D27


à rua. O plinto que faz o embasamento do edifício principal encontra-se com a plataforma rampeada sobre uma

linha de festo, garantindo uma inclinação máxima de 6% e um de acesso facilitado para todos os utilizadores.

Funcionando como uma espécie de palco que abraça os elementos principais, todo este piso duro em granito pende

assim sobre o passeio (F77), mas só o toca verdadeiramente em dois pontos de entrada. O restante espaço entre a plataforma e a rua é revestido com um tapete verde de relva, onde serão mais tarde plantadas as árvores, e age como receptor das águas pluviais que escorrem para si.

Por ser a última estação da linha, o cais é mais desenvolvido do que o normal e previu uma duplicação

F76

das linhas. A nascente, do lado contrário ao da rua, foram colocadas duas outras linhas de apoio para aumentar a capacidade de parqueamento de veículos, mas que foram também pensadas para servir uma eventual expansão do traçado. A plataforma de acesso mais afastada da rua sofreu por isso um acréscimo deliberado face aos 3m habituais, como forma de tornar possível o acesso em ambos os sentidos (F78). O Abrigo-Tipo nela implantado foi

também alterado para poder servir os dois lados, tenda a sua cobertura sido ampliada e os vidros longitudinais banidos para expor os bancos de ambos os lados, tal como tinha acontecido na Estação S. ra da Hora. Tal como acontece na maioria das intervenções deste tipo, o canal onde circulam os veículos é revestido com uma calçada

de granito, isso não só unifica a imagem de todo o chão, mas facilita também os atravessamentos pontuais que os

F77

utilizadores fazem desse espaço, quando se deslocam de uma plataforma à outra.

Apesar de completamente tratado e resolvido a poente, no seu encontro com a rua e a cidade, o recinto da

Estação Póvoa de Varzim continua por colmatar do seu lado nascente. Actualmente é um gradeamento metálico que serve de barreira limitadora ente a estação e um espaço adjacente desqualificado, sem qualquer pavimentação, e repleto de automóveis parqueados de forma abusiva. Fruto de muitos anos em que a estação agiu como barreira urbana, a cidade está ali claramente descompensada, esquecido no tempo e no espaço. A intervenção no âmbito

do Metro do Porto, abre agora novas possibilidades nesse relacionamento transversal à linha, e que parece querer

relacionar de novo a malha. Existem já projectos para a inserção urbana de um novo parque de estacionamento, que irá com certeza rematar esse encontro a nascente, lançando novas pontes para a construção do espaço envolvente, F78 D27. Alçados e Cortes do espaço da estação. (página anterior)

F79

que possam finalmente reequilibrar a articulação quebrada há muito tempo pelo comboio.

O esforço de José Gigante nesta estação, mas também ao longo de todo o troço que ela representa, é

informado por uma clara compreensão do lugar, e pela tentativa de suprir as suas necessidades. Trata-se de um 85


D28

D29


trabalho sério e consciente, que procura respeitar a memória de espaços já utilizados, revistos agora à luz de um

novo olhar. Para potenciar as particularidades do novo transporte, as condicionantes e as regras estabelecidas pela intervenção reagiram em cada caso individual com o seu entendimento do espaço pré-existente. As decisões

do arquitecto passam-se acima de tudo a um nível cerebral, regidas por uma vontade de ordem e sentido global,

que anula por vezes o desejo de propriedade intelectual. José Gigante cede aqui alguma da sua posição enquanto

autor, em prol de uma cidade mais anónima e equilibrada, onde o Metro serve sobretudo como pretexto para lançar princípios e normas extensíveis à envolvente, e não tanto como espaço de excepção.

“Do ponto de vista arquitectónico, importa não iludir o natural protagonismo da extensão da F80

F81

plataforma de circulação das composições e das estações que a pontuam, na repetição do seu desenho, sóbrio e linear, traço comum identificável em toda a concepção do projecto alargado da rede de Metro do Grande Porto, idealizado por Eduardo Souto Moura. (…) Por isso se entende que, no que se refere às áreas de inserção envolventes, o projecto se deverá construir mais sobre continuidades com o existente do que sobre rupturas pretensamente demarcadoras de território.(…) Julgamos ser este um dos mais aliciantes desafios que aqui se coloca ao arquitecto, estendendo-se a todo o projecto esse difícil equilíbrio entre o protagonismo a que, como autores, estamos habituados,

F82

e o relativo apagamento a que deliberadamente nos obrigámos para salvaguarda da sua própria identidade conceptual.”1

D28. Planta e Corte Casa dos Maquinistas. (página anterior) D29. Planta e Corte Estação antiga. (página anterior)

1. Gigante, José (2006), Metropolitano Ligeiro de Superfície do Grande Porto - Projectos para os concelhos de Vila do Conde e Póvoa de Varzim, Memória Descritiva.

87


F83


Estação Estádio do Dragão, Manuel Salgado Entre 1999 e 2003, o Atelier Risco liderado pelo Arq. Manuel Salgado, interveio no Porto com o Plano de

Pormenor das Antas. A encomenda partia da Câmara Municipal do Porto, e tinha como objectivo promover uma

operação de reabilitação urbana em torno do novo Estádio do Dragão. Tendo como pretexto a cerimónia inaugural do Euro 2004, a celebrar-se precisamente neste estádio, ele acabou por ser o principal motor de todo o projecto. Pretendia-se com o Plano dar ainda resposta aos problemas de acessibilidade que ali existiam, e criar as condições necessárias à ocupação de uma área até então relativamente desqualificada. Para além do estádio, previu-se uma zona habitacional e comercial, um parque urbano, um hotel, e uma estação de metropolitano. A área de intervenção estendia-se por 42 hectares, desenhando e propondo soluções para as várias intersecções desse sistema com a

cidade, entre as quais uma nova alameda com setenta metros de largura uniu o projecto à malha consolidada da cidade a poente.

Como responsável pelo Plano de Pormenor das Antas, pelo Estádio do Dragão e pelo desenho de todo o

espaço público envolvente, Manuel Salgado foi depois convidado pelo Metro para desenvolver também a estação,

acabando curiosamente por ser, até este momento, o único arquitecto não formado na cidade a projectar um espaço para o Metro do Porto. De acordo com aqueles que foram os critérios que regeram a atribuição da maior

parte das estações, ligados à capacidade de trabalho, mas também ao conhecimento prévio da área a intervir, Manuel Salgado e o Atelier Risco eram naturalmente aqueles que dispunham de maiores condições para conceber e desenvolver um projecto naquele lugar.

Adjacente à construção que lhe empresta o nome, a Estação Estádio do Dragão pretendia servir tanto

os equipamentos existentes, como também a habitação prevista pelo Plano, e tornar-se um espaço importante para a mobilidade daquela área. Face a uma topografia muito acidentada, que obrigou os acessos do Estádio do Dragão a subirem artificialmente o terreno, o território estava ainda mais descompensado, com uma grande

descontinuidade face à VCI. Embora tenha resolvido o encontro a poente, a manipulação das cotas em torno do estádio acentuou o desnível com a cota da cidade a nascente, criando uma espécie de grande parede que importava

resolver. A estação foi prevista precisamente para esse ponto, onde desempenha o papel de uma peça de remate que equilibra novamente as relações com a plataforma que envolve o estádio. 89


D30


Vista de um nível inferior, é precisamente a estação de Metro quem dá sentido ao enorme muro que é fruto

da diferença entre cotas, desenhando-lhe o alçado e uma configuração de frente urbana face ao trânsito automóvel na via rápida.

Num contexto urbano, diria que a estação tem o carácter de um elo de transição, bem demonstrado no facto

de prever uma entrada superior na plataforma de acesso ao estádio, uma outra entrada inferior junto a S. Roque, e

um cais de acesso que se coloca num nível ainda mais baixo. Funciona quase como um elemento de relacionamento F84

entre todos estes níveis, que se constrói por camadas e as vai reunindo. Ambas as entradas têm um carácter

diferentes, não só porque comunicam com áreas distintas, mas sobretudo porque se esperam delas utilizações igualmente diversas. O acesso superior (F84) dirige-se sobretudo aos espectadores de futebol, que em dias de jogo

preferem um percurso tão curto como possível, com escadas rolantes a cumprirem com rapidez e eficácia a ligação entre o estádio e o transporte público. O acesso inferior (F85) é um pouco menos directo, também ele permite um

acesso ao estádio, mas está mais vocacionado a servir a parte baixa e a praça aberta sobre S. Roque, que se espera agora venha a desenvolver-se em termos habitacionais.

A caixa de vidro superior assenta como uma tampa sobre o embasamento de betão e remata verticalmente

a estação, permitindo a entrada de luz natural para todo o seu interior. A partir desse espaço superior onde a F85

transparência permite uma perspectiva sobre a paisagem urbana a nascente, abrem-se dois vazios de pé-direito

triplo deixando que a luz escorra até ao piso enterrado do cais. Os conjuntos de escadas rolantes que vencem o

desnível unindo todos os pisos, contrastam com o branco das paredes e acabam por marcam o espaço interior à medida que serpenteiam pelo vazio entre eles.

O embasamento de betão que nasce com a altura da plataforma de acesso ao estádio desenvolve-se depois

no sentido de S. Roque, já liberto da caixa de vidro superior, para dar lugar à entrada inferior. O sentido desta

entrada é totalmente oposto, com a verticalidade anterior a dar lugar a um espaço horizontal desenhado para ser percorrido. Estando à mesma cota da VCI a nascente (F86), e semi-enterrado pela rua em rampa a poente, este F86

D30. Implantação da Estação Estádio do Dragão. (página anterior)

espaço acabou por se fechar sobre as paredes laterais de betão, rasgando em vez disso aberturas na cobertura que o motivam com uma luz zenital.

A partir de qualquer uma das duas entradas, e apesar das suas diferentes características, o sentido do

espaço interior é no entanto o da chegada ao piso inferior do cais, centro do programa da estação. O seu espaço 91


D31

D32

D33


está construído como uma espécie de pirâmide semi-enterrada, cujo vértice é exposto orgulhosamente sob a forma de uma caixa envidraçada (F87). O desenvolvimento da estação em corte vai aumentando à medida que se

torna subterrânea, anexando espaço sempre que disponível, quer sob a rua em rampa a poente, quer depois sob

uma parte da VCI. O piso mais baixo está na base dessa pirâmide, e é quase triplicado relativamente à implantação visível pelo exterior, porque amplia de forma simétrica o seu espaço, dando lugar a uma plataforma de excepção

que acolhe simultaneamente três linhas. O cais tipificado na intervenção, é aqui convertido num outro tipo de cais F87

duplo que acolhe três linhas recorrendo a duas plataformas maiores colocadas entre elas, e que servem por isso os acessos em ambas as direcções, quer à linha central, quer às duas laterais (F92).

A simetria ao longo do eixo definido pelo corpo da entrada inferior é aqui um dos temas principais do

espaço. Não fossem alguns, poucos, momentos de excepção, o espaço poder-se-ia quase dizer reflectido num espelho. Os enfiamentos visuais criados ao longo do percurso pela estação são sempre marcados por uma extrema profundidade axial, e por uma permanente composição em simetria. A capacidade de olhar constantemente bem longe é mantida desde o momento da entrada superior em que a prespectiva se abre sobre um horizonte a perder

de vista, passando pela longa nave no seguimento da entrada inferior (F88), até ao próprio espaço do cais, onde F88

os vazios se abrem sobre o pé direito total (F90). A grande escala dos espaços criados aliada a uma profusão de escadas que se repetem simetricamente e com alternativas, podem mesmo chegar a introduzir algum sentido de confusão num utilizador menos atento. A luz natural é outro dos elementos fundamentais, já que ilumina o espaço

apartir de pontos diversos e complementares, reflectindo-se depois nas enormes paredes brancas para produzir efeitos de grande contraste e beleza (F89).

A contribuição de Manuel Salgado e do Atelier Risco com a Estação Estádio do Dragão é feita no sentido

de complementar e colmatar todo um conjunto de propostas mais globais e abrangentes previstas no seu Plano de Pormenor das Antas. É tratada como um claro elemento de relação entre espaços da cidade, que estão ainda a F89 D31. Planta do à cota da Entrada Norte. (página anterior) D32. Planta do à cota da Entrada Sul. (página anterior) D33. Planta do à cota do Cais. (página anterior)

adaptar-se à recente reconfiguração, e que deverão agora reagir em conformidade. As expectativas vão sobretudo para o desenvolvimento da habitação, que os projectistas prevêem que possa introduzir na zona uma outra

vivência mais pedonal, produzindo necessidades às quais a estação já respondeu de antemão. A estação está nesse sentido ainda à frente da própria cidade, esperando-se agora que seja a segunda a ir ao encontro dela, de forma a completarem-se e ampliarem-se mutuamente.

93


D34


O projecto denota a intenção de fazer uma transição de escalas entre a imponência de um equipamento

desportivo que visa as massas gigantescas em torno do futebol, e uma utilização ao nível da rua, mais natural e equilibrada, que se desenvolve quotidianamente. Por entre organismos tão pesados e extensivos, como o estádio,

o centro comercial, ou a via de cintura interna, a estação de Metro parece querer reintroduzir uma escala humana.

Serve-se dos condicionalismos da envolvente para de alguma forma se opor à parafernália automóvel que por norma envolve este tipo de espaços, repondo um sentido de percurso e de relações mais ligadas às lógicas de quem anda a pé pela cidade. Faltam com certeza muitas coisas, e a cidade terá agora de reabsorver lentamente todo o

espaço criado. Ainda assim, na Estação Estádio do Dragão, está lançada uma semente para que essa escala menor F90

F91

possa desenvolver-se, atraindo mais pessoas, mais andantes, de forma a devolver-lhes um espaço da cidade que é afinal pensado sobretudo para eles.

F92

D34. Corte transversal e longitudinal. (página anterior)

95


F93


Pólo Universitário, Adalberto Dias Esta é a última das estações enterradas da linha amarela e aquela que, portanto, remata todo o traçado em

túnel sob o centro do Porto. Após a travessia do Douro, os veículos deixam o percurso à superfície que fazem em

Gaia e descem ao subsolo para a Estação de São Bento da autoria de Álvaro Siza. As estações seguintes são todas da autoria de Eduardo Souto Moura: Aliados, Trindade, Faria Guimarães, Marquês, Combatentes, e Salgueiros. No

entanto, no momento em que o Metro se prepara para retomar a superfície, a intervenção troca de novo de mãos,

e é entregue a Adalberto Dias. Desta maneira, o arquitecto vê-se responsável, tal como o foi Álvaro Siza após a travessia do tabuleiro superior da Ponte Luís I, pelo momento delicado de transição entre a dimensão subterrânea e aquela que se faz a céu aberto pelos espaços da cidade.

Implantada numa alameda concebida e imaginada desde há muito para incluir a passagem do Metro, a

estação nunca enfrentou as apertadas condicionantes à superfície que tanto influenciaram as soluções do conjunto

de espaços a que a precedem a sul. O problema não foi aqui o de procurar soluções de acesso capazes de fazer comunicar de forma correcta e respeitadora um espaço subterrâneo tipificado com a cidade consolidada, sempre

difícil de tocar. Dos vários estudos desenvolvidos, a sua construção chegou mesmo a ser pensada à superfície, tal como o são as Estações do IPO e do Hospital de São João, ambas da autoria do mesmo arquitecto. No entanto, e

considerando o conjunto dos espaços envolventes abrangidos por uma eventual exteriorização da linha, acabou por se provar globalmente mais satisfatória uma solução que apenas fizesse a linha emergir após a Estação Pólo Universitário, ficando dessa maneira decidida a sua natureza subterrânea.

Por dispor de condições privilegiadas, que advinham da enorme disponibilidade do espaço à superfície,

esta estação acaba por ser pensada de maneira algo diferente. É sobretudo um exercício particular de alguma

liberdade, onde a principal condicionante exterior é o próprio facto de não condicionar. O arquitecto entende que trabalha num enterrado descomprometido, e permite-se a si mesmo reordenar a tipologia para dar resposta a

essa condição. Em vez de adaptado e retalhado para cumprir com os acessos, o espaço pôde aqui ser concebido de

dentro para fora, como se de uma só peça se tratasse. Ao repensar a forma e os seus problemas, Adalberto Dias D35. Esquisso de pesquisa relativo ao Átrio Norte.

reintroduziu a questão da infra-estrutura, atingindo um desenho que exclui à partida problemas normalmente

decisivos como o da ventilação artificial. A estação parece reconfigurar-se para potenciar todas as particularidades 97


D36 PLANTA DA SUPERFÍCIE

B

C

A

D37 PLANTA DO PISO TÉCNICO

ALARME

EXTINTOR

CONTADOR DE ÁGUA

D38 CORTE LONGITUDINAL A


que o lugar lhe permite, na busca de um subterrâneo menos distante, onde é possível ter luz e ventilação naturais. A estação é, nesse sentido, tão interessante e individualizada quanto a capacidade do próprio arquitecto para reintroduzir criatividade na conjugação das mesmas regras com a nova forma excepcional.

A decisão fundamental, motivadora de todo o desenho, passa por fazer coincidir as entradas sobre o eixo

do próprio traçado, concordando dessa maneira também com a direcção principal da alameda. Existem assim dois

únicos acessos alinhados, que descem em sentidos opostos sobre um mesmo cais central. Desta forma a, estação F94

concentra toda a sua construção ao longo de uma única nave enterrada, que resulta mais estreita e extensa que o normal. A escolha de um tecto abobadado introduz uma maior tensão interior, resolvida em cada extremo pelas escadas de remate, que conduzem directamente à alameda.

À superfície, a estação aparece sob a forma de dois átrios de entrada alinhados na alameda, e assinalados

exclusivamente por elementos Metro tipificados: o monólito de aço que anuncia o transporte exibindo o seu símbolo, e o elevador transparente, que é simultaneamente acesso vertical e montra inconfundível denunciadora da sua passagem. Associado a cada uma das entradas, está ainda um conjunto de seis grelhas simétricas integradas no

pavimento, que permitem a ventilação e iluminação natural do espaço imediatamente a baixo. As características

resultantes da sua implantação são assim exploradas e optimizadas no sentido de incluir no espaço da estação F95

qualidades completamente impossíveis na maioria dos outros casos. Os elementos existentes ao nível da rua são

os suficientes para garantir a leitura da estação, sem procurarem contudo interferir como sentido do espaço

público à superfície, já anteriormente desenhado1. Entre as duas entradas para a estação, estende-se um enorme

espaço relvado que recobre a maior parte do espaço enterrado. À imagem do que acontece com o resto da alameda,

D36. Planta ao nível da superfície. (página anterior)

D37. Planta ao nível do piso intermédio. (página anterior)

este tapete verde unifica e cose o espaço, afirmando-o como excepção não construída, direccionado sobretudo à reunião e lazer dos estudantes e docentes.

As escadas que dão acesso ao nível inferior são resolvidas de maneira diferente em cada um dos topos,

D38. Corte longitudinal. (página anterior)

sendo a entrada sul, mais próxima do início da alameda e da Faculdade de Medicina Dentária, tratada como a

1. O desenho urbano da alameda fazia parte de um Plano de Pormenor existente para aquela

utilizada e dispõe por isso de uma escadaria tripartida que integra nas suas laterais segmentos de funcionamento

zona, da responsabilidade do Arq. Rui Mealha, e encomendado pela Universidade do Porto antes do início dos trabalhos desenvolvidos no âmbito do Metro do Porto.

principal (F94). Por estar em contacto directo com a rua principal, perpendicular à alameda, é esta a entrada mais

mecânico. Do lado contrário (F95), onde a afluência é menor, é prevista uma só escada desenhada com uma forma

particular bifurcada, de maneira a permitir no piso inferior uma passagem por entre si, até ao espaço onde é 99


V2

V1

V1

CORTE TRANSVERSAL B

D39

V2

CORTE TRANSVERSAL C


colocado o imprescindível elevador. Tanto numa entrada como na outra, é criado um patamar intermédio entre

a cota da rua e a do cais, onde o arquitecto coloca as máquinas de venda de bilhetes, e convida o utilizador a uma

primeira perspectiva privilegiada sobre todo o espaço enterrado. Tomando uma posição sobrelevada ao cais, somos confrontados com uma longa nave cujo tecto curva sobre as paredes, e na qual toda a actividade se desenvolve axialmente (F96). Em complemento à luz que, junto às entradas, escorre naturalmente pelas escadas, um conjunto

de três clarabóias em cada topo amplia e enfatiza essa presença luminosa no subterrâneo. As clarabóias são aqui elementos fundamentais para a ventilação, iluminação, e composição de todo o espaço, assumindo-se ainda como

F96

protagonistas claras do imenso pano branco e despojado que reveste o interior da estação. A iluminação artificial é feita com recurso a projectores pontuais, embutidos dentro das clarabóias, e ao longo do eixo central que elas desenham no tecto da estação.

No seu nível inferior, junto às linhas, a estação distancia-se do conjunto de todas as outras pela sensação

de extrema envolvência que permite. Dada a tipologia de cais central, que concentra o acesso a ambos os sentidos da rede numa mesma plataforma, o utilizador é colocado no eixo do espaço circulando os veículos em torno de

si. Nesse espaço central, sobre o qual incide toda a iluminação, o pé direito é mais alto como que enaltecendo a

importância da utilização por parte das pessoas. Em contrapartida, junto às laterais, o curvar do tecto produz uma

redução do pé direito que remete os veículos para um papel secundário, menos intimidativo (F97). Ao contrário do F97

F98

que acontece num cais lateral, o Homem é aqui posto no papel principal, numa posição preponderante em relação à da Máquina, e a ênfase é posta na permanência humana ao invés da movimentação mecânica. Nesta estação é

dado ao utilizador um domínio visual absoluto, e com isso a capacidade de entender quase empiricamente tanto o funcionamento como a utilização do sistema Metro. O resultado final é de um enorme equilíbrio, um espaço tão funcional quanto fluído.

Na Estação Pólo Universitário, Adalberto Dias arrisca uma subversão da tipologia proposta, em busca de

um sistema capaz de dar maior sentido ao espaço subterrâneo naquele lugar, sob um chão permissivo e alongado. Apesar das decisões por trás da reformulação tipológica, o arquitecto soube introduzir no espaço os elementos e F99 D39. Cortes transversais. (página anterior)

as regras chave que o compatibilizaram com a imagem Metro do Porto. Mesmo reconfigurando grande parte dos

princípios base, a estação atinge uma espacialidade coerente com aquela que é a das restantes intervenções de

cais duplo, acessos laterais, e tecto plano. Embora enterrada debaixo da alameda, a estação mantém uma grande 101


E1

E2

E3

109.927

ALINHAR PELOS DEGRAUS

IGUAL À DIREITA

109.885

PEÇAS COM 1,0M CONTRAFIADAS

2 PEÇAS IGUAIS

107.287

PEÇAS COM 1,0M CONTRAFIADAS

104.836

0,17

101.697

0,90

ALINHAR PELOS DEGRAUS

16 AZULEJOS

ALINHAR PELOS DEGRAUS

104.812

101.697

CORTE A

MVB RESERVA

C

B

E6

MVB 104.812

104.751

A.E.

104.836

104.751

PAINEL (DES310)

PDE.1 (DES 304) E5

3 PEÇAS

EF.3

P2 (DES314)

P1 (DES314)

A D.F.

C.F.

C.M.

101.697

101.637

A'

VG

PA

-

-

P4 (DES314)

EF.1

P3 (DES314)

-

3 PEÇAS

A' GDE.2 (DES312)

PA

VG TH

EF.2

P2 (DES314)

P1 (DES314)

104.812

104.751

A.E.

104.836

104.751

ALINHAR PELOS PAINEIS CONTRAFIADO

PAINEL (DES309)

E4

A

E3

RALO NO PAVIMENTO + PONTO DE ÁGUA ATD + DESENCRAVADOR GDE + QUADRO GDE

C

PLANTA DO ÁTRIO NORTE AO NÍVEL DO PISO TÉCNICO

B

D40


continuidade com o espaço público imediatamente a cima, e é feita em modo tal que chega a parecer uma depressão

no passeio à superfície, descendo ao nível do cais por algum tempo, e voltando a emergir logo depois. O sentido de espaço público coberto é muito forte, e polvilhado de um certo efeito dramático cada vez que a abóbada superior se fura para receber a ventilação e a luz da superfície.

Ao ousar não seguir todas as regras, o arquitecto poderia ter-se colocado numa situação incómoda,

produzindo um espaço de alguma forma alienado do conjunto Metro. No entanto, pela verdade e com que a

excepção foi pensada e introduzida, Adalberto Dias foi capaz de produzir uma estação atípica mas pertinente, que encerra um espaço simples e envolvente. F100

F101

F102

D40. Pormenorização do Átrio Norte. (página anterior)

103


F103


São Bento, Álvaro Siza A Estação de São Bento é a única das que acontecem na zona mais interior da cidade do Porto que Eduardo

Souto de Moura decide não projectar, deixando o seu desenvolvimento, tal como o dos espaços à superfície com que interfere, entregues à mestria do arquitecto Álvaro Siza.

A preocupação com o pedaço de malha urbana onde a estação se implanta, e que precede o tabuleiro da Ponte

Luis I, é das mais antigas e bem documentadas na história da cidade com propostas diversificadas e sucessivas desde a abertura da ponte no séc. XIX. A atribulada história deste espaço após as demolições na década de 30 e 40,

e dos inconsequentes planos para a Avenida da Ponte, teve já vários protagonistas entre os quais figuram os nomes de Auzelle1 ou Fernando Távora. Álvaro Siza envolve-se pela primeira vez na discussão com o seu plano de 1968

que, tal como outros, nunca se realizou, e só trinta anos depois, com um projecto reconfigurado e amadurecido ao

encargo da sociedade Porto 2001, as suas ideias encontram finalmente alguma aceitação. Quando a intervenção Metro requisita para si o tabuleiro superior da ponte e há a necessidade de apetrechar aquele espaço da cidade com uma estação subterrânea, Siza é claramente o arquitecto com maior conhecimento do Espírito do Lugar 2 .

Abdicar de uma estação desta importância, dentro da área que se tinha proposto a si mesmo intervir, terá

sido com certeza um acto de respeito de Souto Moura para com o mais velho dos seus vizinhos de atelier. Há uma

vontade clara de entregar a Siza a possibilidade de desenhar para um pedaço de cidade com um simbolismo muito particular, em reconhecimento de toda a experiência, interesse e esforço por ele demonstrados anteriormente.

Pensar a Estação de São Bento, a primeira da cidade para os veículos vindos de Gaia, acabou por significar

pensar o problema da transição para a rede subterrânea no Porto, mas também o problema da conjugação do sistema com um espaço tão debatido como o da Avenida da Ponte. A necessidade de fazer o veículo descer ao

subsolo foi resolvida por Siza logo após o tabuleiro superior da Ponte Luis I, com o desenho de um túnel que faz a linha desaparecer por baixo de uma Av. Vímara Peres repavimentada à maneira de pequena praça, da qual se acede 1. Arquitecto e Urbanista francês (1913-1983). Trabalhou no Porto, e concebeu em 1962 um Plano Director para a cidade que ficou conhecido com o seu nome.

2. Siza, Álvaro (2001), Requalificação da Av. D. Afonso Henriques, Memória Descritiva.

por duas rampas à ponte e à travessia pedonal até Gaia. Por cima do túnel e da estação, todo o espaço foi igualmente

revisto e reordenado por meio quase exclusivo de uma repavimentação clara e discreta da responsabilidade do arquitecto.

Na Praça de Almeida Garrett, e frente à sua homónima mais antiga, a entrada principal para a Estação 105


D41


de São Bento subterrânea é assinalada pelo elevador transparente Metro (F104), associado a um rasgo no chão que dá acesso às escadas para o átrio enterrado. Existem três outros pontos de acesso: uma escada adjacente à

principal mas do lado contrário da rua, e duas escadarias mecânicas simétricas na parte mais alta da estação, a meio caminho entre a Praça Almeida Garrett e a Sé (F107). Duas discretas grelhas integradas no chão, uma em cada topo da estação, garantem ainda a ventilação de todo o seu espaço e completam o conjunto de marcas minimais que denunciam a sua presença.

Todo o espaço à superfície é marcado por uma sobriedade e simplicidade claramente despretensiosas, cujo

F104

único fim é servir a cidade e a fruição dos elementos já existentes, como sejam a anterior Estação de São Bento, a Sé do Porto, a pedreira exposta, e todo o restante edificado envolvente. À imagem do que se passou na intervenção

conjunta com Eduardo Souto Moura na Praça dos Aliados, Siza não propõe aqui mais do que um redesenho do chão da cidade. Entendido como palco para as actividades urbanas, este chão adapta-se à condição contemporânea e a

necessidades tais como a do Metro, não esquecendo porém a historicidade nem o valor patrimonial que esse palco acarreta consigo.

Após descer as escadas principais para o nível inferior, somos conduzidos a uma galeria enterrada povoada

de pilares e desenhos inconfundíveis. Num ambiente criado à imagem do Metro, é impossível contudo não lhe

sentir um propósito maior. As colunas centrais alinhadas reportam-nos para a nave de uma qualquer igreja, ou F105

F106

para o cais ferroviário da primeira Estação de São Bento, onde o tecto é substituído por uma enorme curva branca que nos relembra o facto de estarmos debaixo de terra. À entrada há ainda lugar para uma espécie de espaço altar, acrescentado à galeria principal para acolher vestígios romanos encontrados durante as escavações, o que denota mais uma vez o respeito do arquitecto e da intervenção Metro por todos os períodos históricos da cidade (F108).

Tal como fez na Estação do Chiado em Lisboa, Siza adopta também em São Bento uma estratégia de

construção em dois pisos sobrepostos. O nível superior é um amplo mezanino que funciona como espaço de

recepção e distribuição, aí se processa a venda e validação dos bilhetes, sendo depois possível escolher o sentido a tomar na viagem. No nível imediatamente por baixo, e acessível por meio de três conjuntos simétricos de escadas e F107 D41. Plantas dos níveis subterrâneos da estação. (página anterior)

do elevador que serve a entrada principal, encontra-se o cais de embarque nos veículos. No extremo sul da estação,

mais próximo da Sé, há ainda um outro espaço de recepção que comunica com a galeria principal através de uma ampla escadaria central (F110), ladeada por duas outras menores mecânicas. Esta sala adjacente introduz um 107


D42


terceiro nível, mais elevado, que para além de rematar a curva no tecto da galeria principal, faz a transição para

a cota mais alta, constituindo-se como uma bela e digna entrada para todos os que chegam à estação vindos da Avenida Vímara Peres.

Nos pisos superiores da estação reúnem-se as diferentes proveniências e entradas, antes da descida ao

espaço exclusivo do cais. No entanto, para além do acesso e transbordo do Metro, estes mezaninos sobre a linha desempenham também o papel de ligação entre dois pólos, e propõem uma solução alternativa para vencer a cota

que separa São Bento da Sé do Porto. Tida pelo arquitecto como uma espécie de passeio subterrâneo e abrigado que une a cidade desde a Praça Almeida Garrett até já bem perto da entrada para a Sé, a galeria retoma e reinterpreta F108

F109

com grande qualidade um tema tão mal visto e degradado como o do túnel pedonal na cidade1. Este piso foi construído com base numa plataforma suspensa, na qual os elementos verticais que vemos como colunas, agem na verdade enquanto tirantes que a fazem pender da laje forte de superfície. Liberta de qualquer tipo de suporte

inferior, este tipo de construção permite ainda que, ao nível do cais, a planta se desenhe com os condicionalismos exclusivos à circulação dos veículos e à necessidade de uma eficaz relação entre eles e o utilizador.

Todo o espaço interior da estação é construído com elementos e materiais que podemos encontrar já

tipificados em outras intervenções Metro. Esses elementos são, no entanto, reorganizados por Siza de uma forma que só ele sabe fazer, alterando-lhes quase o seu sentido e valor. O mosaico cerâmico escolhido por Souto Moura F110

D42. Cortes longitudinais. (página anterior) 1. Entendam-se os túneis pedonais com o intuito de resolver atravessamentos e relações

espaciais complicadas, ou facilitar o acesso subterrâneo entre linhas Metro vizinhas.

Comum a muitas das grandes cidades, estas soluções são quase sempre desinteressantes e

para revestir tantas outras estações é aqui utilizado como um suporte sobre o qual o arquitecto introduz desenhos da sua autoria, que não só ampliam e transpõem o significado desse revestimento, como reportam para a relação

com a estação ferroviária por cima. Tal como o fez o pintor Jorge Colaço nos azulejos figurativos que revestem o

átrio da estação do arquitecto Marques da Silva, é agora Siza quem reproduz de forma prosaica, sobre as paredes

da sua própria estação, um elogio ao seu tempo através da beleza ousada das pontes do Porto, ou das personagens anónimas e algo distorcidas que povoam o espaço.

A iluminação artificial do espaço enterrado incide sobretudo nos percursos mais utilizados junto às escadas

descuidadas, ou ocupados abusivamente por pedintes e sem abrigo, tornando-os espaços

de acesso ao cais, e sobre o espaço de espera adjacente à linha. São deixados dois enormes espaços escuros: um

precisamente entre a Praça da Liberdade e a Estação de São Bento, mas foi depois fechado

outro sobre o centro da galeria no piso de entrada, que não só acentua o contraste com as marginais iluminadas,

muitas vezes evitados pela população. No Porto, o únicoexemplo de relevo acontecia

no âmbito das reformulações impostas por Siza para a Porto 2001.

sobre a linha onde circulam os veículos, relegando à penumbra toda a intrincada colecção de cabos e carris; e

como nos faz sentir todo o espaço mais escuro sob a cobertura curva como uma celebração enterrada da Avenida 109


D43


da Ponte imediatamente por cima. A luz provém quase sempre de longos rasgos, alinhados de forma a cobrirem

num só gesto a maior superfície possível (F112), e só em raríssimas excepções essa luz se singulariza e pontua momentos particulares como o de uma escada, uma entrada na estação, ou um espaço de transição (F113).

São Bento é a primeira do conjunto de estações enterradas na linha amarela e é também por isso um símbolo

do esforço e da delicadeza a que a intervenção obrigou para atravessar o centro da cidade do Porto em direcção

a norte. O túnel Trindade/Ponte que a estação ocupa foi o último a estar concluído no final de 2003, e com a sua abertura deram-se por concluídos os mais de sete quilómetros de escavações previstos para a primeira fase da

F111

rede Metro do Porto.

Tal como faz Souto Moura a norte com a Estação Casa da Música, Siza prepara e introduz também em São

Bento a mutação subterrânea da linha. A subtileza da transição que marca a primeira é resolvida na segunda

por um processo de estratificação cuidado e inteligente. São respectivamente os portais norte e sul da rede

Metro no centro do Porto, e marcam as entradas para um conjunto de arquitecturas ligeiramente distintas das anteriores, onde a cidade consolidada tem um papel necessariamente preponderante. Não deixa de ser curioso que

ambas as situações tenham ficado ao cuidado daqueles que são inegavelmente os dois maiores representantes da arquitectura portuguesa actual. Souto Moura trabalha na Boavista, eterna nova centralidade, sobre a irreverência

e dinamismo das novas lógicas de cidade. A Álvaro Siza é entregue São Bento e a Avenida da Ponte, centro histórico F112

F113

e conservador, onde se pede que qualquer intervenção não esqueça o passado, mas possibilite também um futuro.

Para interferir com a beleza da cidade antiga, o arquitecto usa de toda a sua maturidade e saber acumulado, concebendo uma arquitectura que simultaneamente a respeita, complementa, e potencia.

F114 D43. Cortes transversais. (página anterior)

111


F115


Casa da Música, Eduardo Souto Moura O nome é-lhe emprestado pela realização mais controversa, mas também mais significativa, que a Porto

2001 Capital Europeia da Cultura deixou sobre a cidade: a Casa da Música de Rem Koolhaas. Ao contrário do que

aconteceu com a verdadeira Casa da Música, a história desta estação com o mesmo nome foi bastante tranquila

e controlada, sem qualquer tipo de controvérsias. Surgiu naquele lugar, não para o marcar nem como porta-

estandarte de uma intervenção, mas antes como algo de discreto e sem protagonismo que procura em primeiro lugar servir o propósito de interface de fluxos urbanos que circulam em torno da Rotunda da Boavista. Tem vindo a tornar-se uma das mais emblemáticas estações do Metro do Porto, reconhecida e reconhecível como símbolo da simplicidade, rigor, e beleza que estiveram na base destas construções.

Pioneira em quase todos os aspectos, esta foi a primeira estação de Souto Moura, e a primeira grande

estação na cidade do Porto, aquela onde toda a pormenorização Metro que o arquitecto havia concebido foi pela primeira vez testada. Tida como uma espécie de banco de ensaio, a obra foi assim fundamental para que

se pudessem constatar ideias, consolidar métodos construtivos, prever problemas, e delinear estratégias mais

eficazes a seguir em todas as outras estações. Apesar de não se tratar de um espaço à superfície, é também muito difícil classificá-lo como totalmente subterrâneo, será talvez uma solução de compromisso e que podemos situar

entre ambos. Enterrada em relação ao nível da rua, é no entanto uma estação onde o chão da cidade se perfura para levar o céu e a luz natural ao espaço que lhe está por baixo. É a porta de entrada no Porto para as linhas de superfície existentes a norte, e um interessante ponto de charneira na rede, que anuncia e prepara uma transição delicada para aquelas que serão as características das linhas no interior da cidade.

Na Casa da Música encontramos resposta a algumas das questões principais na intervenção Metro do

Porto, que durante muito tempo permaneceram como conceitos difíceis de conjugar: superfície, transparência, e subterrâneo. Aqui se resolve pela primeira vez as aparentes incompatibilidades de um metro de superfície que é depois enterrado, ou de um metro convencional que é afinal também exterior. Ao entrarem nesta estação, os

veículos amarelos deixam para trás toda uma herança de linha ferroviária que os precedeu e da qual são fruto directo, combinando-a com novos conceitos e elementos, que os transforma e liberta rumo a uma dimensão inovadora, inspiradora, e que importa agora explorar.

113


D44

D45


Uma longa pala branca que se adapta e molda ao território é tudo quanto surge de visível à cota da rua na

cidade. No topo dobrado da pala, que faz frente para a Av. de França, é cravada a indicação Casa da Música com o símbolo Metro a servir de “M” (F116). É esse o sinal que denuncia a função de uma construção aparentemente

indecifrável, e que convida todos os que procuram transporte a aventurarem-se para além dele. Debaixo da

pala tudo se passa num ambiente coberto mas exterior, em contacto directo com a vida e paisagem urbana. Os poços brancos circulares que metem luz no espaço do cais, aparecem à superfície, entre a pala e o chão, como elementos que comprimem o espaço da entrada desde a rua. Depois de contornadas as paredes opacas e redondas,

F116

a cobertura ganha sentido em elementos reconhecíveis: um elevador, uma loja envidraçada, escadas, e paragens

de autocarros abrigadas. Logo após as escadas da entrada principal, a pala sobe em altura para albergar o trânsito de autocarros. Aí principiam ou terminam diversos outros trajectos complementares, que cumprem com outra das

funções desejadas para a estação: a de tornar-se um importante interface com a rede de STCP, promovendo dessa forma a intermodalidade de todo o traçado Metro.

Descendo pela escadaria principal, somos conduzidos a um primeiro nível subterrâneo onde podemos

encontrar as máquinas para venda de bilhetes, uma loja andante para atendimento personalizado, e um espaço de

cafetaria. Com um espaço amplo mas de pé direito reduzido, este é o átrio de recepção principal, cujas proporções

foram claramente sobredimensionadas para corresponder pontualmente à função de palco improvisado, onde F117

F118

espectáculos musicais informais fazem jus ao nome atribuído à estação. A luz natural chega algo difusa pelo rasgo

da escadaria debaixo da pala, mas reflecte-se uniformemente na pavimentação de um granito polido. No centro do átrio dois únicos pilares redondos partilham com os volumes transparentes dos elevadores a função de organizar e conduzir os utilizadores no sentido divergente do espaço. O único elevador vindo da superfície para neste piso para a validação dos bilhetes andante e é duplicado por um outro simétrico, cumprindo em conjunto o acesso

a ambos os cais. Na parede que se opõe à da entrada, e gozando de uma situação mais estável, fica centrada a

cafetaria entre as duas movimentadas escadas laterais, que permitem seleccionar o sentido a tomar, e descer até ao piso inferior para encontrar a cota de circulação dos veículos. D44. Planta de Implantação . (página anterior)

D45. Planta ao nível da superfície. (página anterior)

O espaço central da actividade de toda a estação fica enterrado sob o início da pala na Av. de França, e

é acessível quer pela entrada principal, quer por uma outra entrada secundária existente do lado contrário da

rua. Os dois poços redondos perceptíveis à superfície, emergem nesse ponto do cais imediatamente a baixo, 115


D46

D46


relacionando ambos os estratos da intervenção. No seu interior dois enormes buracos cilíndricos (F122) apontam

o subterrâneo ao céu, e banham todo o cais de uma luz natural e constante. Ao furar o chão e a cobertura da pala, esta afirma-se também como a excepção principal na construção, marcando claramente esta sala como a mais

importante e emblemática. O espaço tipo definido para o cais é aqui ampliado perpendicularmente à linha, para receber os acessos duplos laterais que chegam de ambos os átrios superiores. De forma simétrica e em cada um dos lados da sala, um conjunto de três pilares delimitam os 3 metros da medida tipificada, demarcando-a de um espaço

que lhe é acrescentado, mais interior. Os materiais primam pela simplicidade: granito polido no chão, azulejo no lambrim de 2,40m, e reboco pintado a branco em tudo o que ultrapassa essa cota. No eixo central do espaço fica F119

F120

o duplo carril sob os vazios redondos, onde veículos Metro constantemente recolhem e depositam passageiros urbanos com destino à Boavista.

Nesta plataforma necessariamente movimentada, a constância da luz e do branco conferem-lhe porém uma

serenidade natural, contraditoriamente alheia à predisposição frenética de quem ali passa. Enquanto esperam

o Metro, os utilizadores são por momentos contagiados pela estabilidade que o espaço irradia, e pela calma das grandes superfícies curvas iluminadas. Tida como uma espécie de cartão-de-visita da entrada do sistema Metro no centro do Porto, esta é uma estação fundamental do ponto de vista da transição que faz de uma situação de

linha à superfície e em contacto directo com a cidade, para um outro modelo em que o contacto com a rua é F121

trabalhado de forma mais indirecta. Na mutação ao sistema que ela introduz, o elemento da pala parece simbolizar

essa mesma tendência de cobertura da linha. As perfurações que metem luz natural e contradizem a cobertura imposta demonstram a ambiguidade de um Metro que resiste a ser convencionalmente subterrâneo, mesmo quando forçado a cavar sobre a cidade que já não o suporta à superfície.

Na Estação da Casa da Música podemos facilmente encontrar Souto Moura presente desde a escala urbana

até ao mais ínfimo e minucioso detalhe. A enorme laje branca estilizada tem a capacidade de envolvência da

sua visão global, quase sempre marcada por um espírito integrador, onde a solução de cada momento introduz densidade. A pormenorização do espaço é fundamental, e estabelece um rigor e coerência inconfundíveis. Vemos D45. Planta ao nível do Átrio de Entrada. (página anterior) D46. Planta ao nível do Cais. (página anterior)

aqui o arquitecto em toda a sua dimensão, conjugando condicionalismos e exigências externas de uma forma notoriamente contemporânea e sempre de gosto minimal.

Souto Moura desenvolve nesta estação um projecto complexo e composto pela associação dos dois níveis: 117


D47


quer acima, quer abaixo do chão. Face a um território que embora central não goza de grande visibilidade, o

arquitecto decide utilizar de um grande gesto que gera simultaneamente a estação e o espaço de que necessita para se afirmar na cidade. Num enorme vazio deixado livre pela anterior ocupação, e a paredes meias com a habitação algo desconexa que a cercava, a pala demarca um espaço público próprio e de excepção, que introduz

na envolvente próxima uma dinâmica urbana renovada, tentando de alguma maneira cozer ali a malha. O lugar aberto mas interiorizado sob a cobertura recria as relações com tudo o que o rodeia: comprime, torce e amplia,

ora abre, ora fecha perspectivas, induzindo a novos movimentos. A simbologia do gesto é simples mas eficaz, o

F122

desenho de um volume que recobre a entrada do Metro num lugar onde, curiosamente, ele próprio se cobre pela primeira vez uma cidade em que já não cabe.

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D47. Cortes transversias e longitudinais. (página anterior)

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Bolhão, Eduardo Souto Moura Construída no centro densamente ocupado e consolidado da malha da cidade do Porto, esta estação

foi uma das que necessitou de cavar sob o solo para encontrar o seu próprio espaço. Faz parte do conjunto de

espaços Metro concebidos para a zona central mais alta da cidade, e cuja realização representou um maior desafio construtivo. A difícil combinação de falta de espaço à superfície com uma passagem mais profunda da linha,

acabou por se traduzir também num esforço suplementar de todas as especialidades envolvidas. Para além dos problemas arquitectónicos ao nível do espaço subterrâneo e da sua relação com a cidade à superfície, foram obras

que apresentaram problemas de engenharia muito mais complexos, e cuja construção teria ainda de respeitar questões como a da estabilidade do edificado envolvente, ou a compatibilização com todas as infra-estruturas subterrâneas que o subsolo de áreas tão densamente habitadas sempre comporta.

“Novas redes de saneamento, águas pluviais, gás, electricidade, telefone, tv cabo, fibra óptica e por vezes oleodutos, têm que coexistir com o próprio sistema do Metro a construir – multitubulares com caixas de 20 em 20 metros.”1

Dadas todas as particularidades do lugar em que se insere, o Bolhão foi das poucas estações Metro realizadas

com base na escavação mineira, também denominadas por estações em caverna. A exemplo daquela que foi a forma

de agir na baixa do Porto, caracteriza-se por ser uma construção feita em ambos os sentidos, quer escavando a

partir da superfície, quer já no interior da própria cidade. A famosa Micas 2 perfurava o túnel circular que unia e 1.MOURA, Eduardo Souto (2002),

2. Nome pelo qual ficou conhecida a máquina tuneladora que perfurou os espaços subterrâneos ocupados pelo Metro do Porto. Foi mais tarde integrada nos trabalhos uma segunda máquina conhecida como “Micas II”. Qualquer uma delas tinha um comprimento

superior a 70 metros e cerca de 20 toneladas de peso. Trabalharam em conjunto ao longo de aproximadamente 4 anos para vencer o subsolo granítico do Porto.

conectava todas as estações ao longo do subsolo granítico, mas para rasgar e ampliar todo este espaço por dentro, foram sendo feitas perfurações complementares a partir da rua, recorrendo aos mais diversos métodos. No piso menos profundo foi utilizada uma construção por cut and cover abrindo uma vala na Rua Fernandes Tomás, que foi sucessivamente afundada com recurso ao uso tradicional de brocas e explosivos suportados por constantes operações de contenção. Como método complementar, foi também construído um poço, que atingia directamente o piso do cais, permitindo um desenvolvimento mais rápido da obra. O sentido desta estação será quase o de um espaço pensado de dentro para fora, já que tudo é previsto a partir da passagem inferior da linha, e desenvolvido 121


D48


depois até à sua chegada pontual à superfície. Com um cais enterrado cerca de 27 metros abaixo do seu ponto de

acesso mais elevado, o Bolhão tem o maior dos desníveis em toda a rede, e pertence a par de Faria Guimarães e Heroísmo, ao grupo das três estações mais profundas do Metro do Porto.

A estação está situada no tronco comum que une a Casa da Música ao Estádio do Dragão, e foi pensada

para servir a zona essencialmente comercial da cidade que envolve o Mercado do Bolhão. A entrada principal faz-se pela Rua Fernandes Tomás, no momento em que cruza com a Rua de Santa Catarina, através de uma dupla

escadaria mecânica que conduz a um átrio inferior (F126). Na mesma rua, um pouco mais acima, uma casa do séc.

F126

XIX foi recuperada e reconvertida no sentido de acolher o poço vertical de escadas e elevadores que conduzem

directamente ao piso mais baixo (F128). Na Rua Alexandre Braga, lateralmente ao mercado que dá nome à estação, existe ainda uma outra possibilidade de entrada através de um conjunto de duas escadas que acedem ao espaço construído sobre ela (F129), onde se situam alguns equipamentos e casas de banho, que comunica directamente com o do átrio principal.

A partir do átrio principal, onde estão colocados os equipamentos relativos à bilhética e informação da

rede, uma longa escadaria mecânica desce até ao piso do Mezzanino imediatamente acima da linha. Esse piso desenvolve-se perpendicularmente ao túnel principal, e ao cruzar o eixo definido pelo cais cria pela primeira

vez um espaço divergente em que se dá a separação para ambos os sentidos da linha. Os extremos desse piso F127

F128

intermédio dão lugar a dois espaços simétricos de pé-direito duplo onde ficam os últimos conjuntos de escadas que permitem ao utilizador descer a cada um dos lados do cais. A casa recuperada acima da Rua de Santa Catarina permite uma entrada para o extremo contrário do cais, e pretende solucionar o acesso aos utilizadores com

mobilidade condicionada. O enorme poço escavado sobre ela, não só acolhe a descida vertical dos elevadores, como

também as infindáveis escadas de emergência, que garantem a correcta evacuação do cais em caso de incêndio. Na base desse poço está um segundo Mezzanino sobre a linha que recebe as escadas e o elevador vindos da superfície, permitindo o atravessamento até ao sentido contrário. O encontro desse piso com o poço produz um espaço de pé direito total, e o único onde é possível ler toda a profundidade da intervenção na acelerada perspectiva sobre a extensão das escadas de emergência (F130). D48. Planta ao nível da superfície. (página anterior)

Os diversos espaços que a estação engloba propõem um interessante percurso subterrâneo marcado por

uma estratificação das cotas abaixo do chão, que se vai adaptando às necessidades do projecto mas também às 123


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condicionantes da envolvente, traduzindo-se em tratamentos algo diferenciados. Na entrada superior a intervenção confunde-se com o próprio edificado, sob a forma de uma casa pré-existente de interior reorganizado, e denunciada

apenas pelo símbolo Metro visível a partir da rua. Todas as outras entradas se fazem em ambiente de rua, com

escadas rasgadas sobre o passeio, e revestidas por peças de granito escuras que as fazem ressaltar da calçada à

portuguesa mais clara. Nos pisos enterrados vamos assistindo a um despojamento do espaço à medida que nos afastamos da rua. O átrio superior acolhe um painel de azulejos pintados que exibe desenhos e cores simplificadas

fazendo alusão ao Mercado do Bolhão, e reportando-nos à alegrada agitação do espaço imediatamente acima

(F131). Nas escadas que descem ao piso sobre o cais, o pé direito diminui e a iluminação acentua aquilo que parece F129

F130

um mergulho vertiginoso. O tecto transforma-se depois numa abóbada branca e depurada que nos deixa adivinhar

já num espaço claramente enterrado (F132), e marcado por panos sempre lisos: reboco pintado de branco na abóbada, azulejo cinzento na parede, e granito polido para o chão. A chegada ao cais mostra-nos um espaço já bem conhecido, em continuidade com todos os outros, mas onde o tecto abstractizado é fraccionado em pequenas e múltiplas faces, como que explodido pelo enorme peso de toda a cidade sobre ele (F135).

O conjunto de novos espaços que esta estação propõe à cidade numa zona tão central e frequentada quanto

esta, age sem dúvida como um interessante suporte urbano ao seu sucesso e qualidade. Para além de requalificar o espaço em que toca ao nível da rua, a estação amplia num formato subterrâneo o espaço disponível para o F131

movimento das pessoas de e para esta zona. Ao permitir um transporte de forma rápida e eficaz, proporciona também a fluidez do espaço à superfície, incentivando cada vez mais pessoas a dispensar a constante e saturadora

utilização dos automóveis no centro da cidade. Por servir tão de perto uma área com actividades de rua tão

intensas e pedonais como acontece por exemplo em Santa Catarina, a sua passagem neste ponto é talvez uma das mais perspicazes e efectivas em toda a rede. A Arquitectura Andante do Metro do Porto encontra-se aqui com

aquele que é talvez o espaço onde mais pessoas andam a pé, de entre todo o grande Porto. O carácter pedonal de

ambas combina na perfeição, e o interior da estação torna-se quase uma extensão natural de um espaço contínuo D49. Planta ao nível do Átrio de Entrada. (página anterior)

D50. Planta ao nível dos Mezaninos sobre a linha. (página anterior) D51. Planta ao nível do Cais. (página anterior)

e mais abrangente que serve afinal essas mesmas deslocações pedonais pela cidade.

Souto Moura encontra no projecto desta estação todas as dificuldades de uma construção em escavação

mineira, conjugadas com a necessidade de uma estação ainda assim respeitadora da importância e história do

espaço público à superfície, e capaz de servir com eficácias os exigentes fluxos urbanos que giram em torno de si. 125


D52


O arquitecto apresenta aqui uma solução que se adapta morfologicamente às condições exíguas sempre únicas da

malha mais consolidada e intransigente da cidade, e onde é notável o esforço colocado nos vários momentos em que esta toca o espaço da rua. Os momentos de articulação entre níveis conseguem uma presença de rua que os

faz notar, quer aconteçam em entradas emersas no passeio, quer na casa ocupada pela intervenção, mas apenas

o suficiente para se destacarem como acessos a um outro espaço subterrâneo. Os elementos que parecem brotar

desta nova adição ao espaço público resultam, no entanto, completamente integrados e quase diluídos no espaço sóbrio e anónimo de que se caracteriza ali a cidade.

F132

As escadas rolantes que recolhem constantemente as pessoas a partir do nível da rua conduzem-nas

através de uma transição contínua mas suave, à medida que luz natural se esvai lentamente para dar lugar a rasgos contínuos de uma iluminação artificial superior. O granito que integra a intervenção no espaço à superfície

vai sendo substituído ao longo da descida ao subterrâneo, onde se mantém já só no chão, dando lugar a outros materiais. Aqui as paredes tornam-se mais claras, reflectoras de uma luz necessariamente mais ténue, mas

animam de forma igualmente serena e tranquila um espaço limpo e cuidado, que se pretende como um digno continuador da vivência urbana de uma rua, ainda que esta fique porém já muitos metros acima.

F133

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F135 D52. Cortes transversias e longitudinais. (página anterior)

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F136


Trindade, Eduardo Souto Moura A Estação da Trindade actual foi desenhada para substituir a anterior estação de caminhos-de-ferro com

o mesmo nome, que foi durante muitos anos a estação terminal para um grande conjunto de linhas que uniam a cidade ao norte do país. O seu papel sempre esteve assim conotado com o de um dos principais pontos de acesso ao Porto, e por isso também um dos maiores alimentadores dos movimentos no interior da Baixa. Quando os

cais ferroviários foram finalmente demolidos, ficou pela primeira vez exposto todo o enorme espaço apreendido ao longo de muito tempo para lá da antiga fachada da estação. Depois de eliminar de igual forma a presença da

bomba de gasolina que ocupava parte da sua frente, a intervenção passou a dispor de uma enorme ferida urbana, aberta num espaço extremamente central da cidade, onde importava sobretudo organizar. Era necessária uma intervenção a grande escala, capaz de requalificar e redesenhar uma importante estação, produzindo novamente espaço público.

De entre todas as estações construídas, esta é claramente a mais extensa e completa, quer no conjunto de

espaços que oferece à cidade, quer também a nível programático. O seu projecto foi desenvolvido como o de uma

peça central e fundamental para o funcionamento de toda a rede em torno de si. Foi vista pelo Metro do Porto como

a sua construção principal no coração da cidade, e um espaço de afirmação por excelência da filosofia do novo transporte que propunha. Pela sua posição a norte dos Aliados, ela é a cabeça da intervenção desenvolvida na sala de visitas da cidade, que começa subterrânea em São Bento e Aliados, mas que se mostra na Trindade em jeito de remate. O programa foi por isso o mais ambicioso, estando previstos no projecto inicial escritórios e construções

administrativas, onde se instalaria a sede da empresa. Devido a essa maior complexidade simbólica, mas também

de usos e funções, esta permanece curiosamente como a única estação Metro manifestamente inacabada, onde se aguarda ainda pela resolução de grande parte dos espaços inicialmente concebidos.

A sua posição é uma das mais privilegiada da rede, visto estar sobre o único verdadeiro nó entre os

percursos actuais. É aqui que a linha amarela se encontra com todas as outras, cruzando os movimentos norte/ sul da cidade com todos aqueles que se fazem no sentido nascente/poente. Essa posição singular faz dela a única

estação a comportar a passagem de veículos a duas cotas completamente distintas: a do cais superior de nível com

a rua, e francamente aberta sobre o espaço à superfície; e a do cais enterrado debaixo da rua, onde a relação com a 129


D53


superfície é mais indirecta. Pelo facto de servir duas linhas com níveis, direcções, e ambientes distintos, a estação

é construída quase em duplicado, com espaços quer acima, quer abaixo do chão, reunindo dessa maneira ambos os formatos da intervenção. A passagem da linha à superfície é marcada pela construção de um novo volume que cria

um momento de paragem coberto, e que é depois torcido e ampliado sob o chão da cidade, para integrar também a passagem subterrânea da linha amarela. A estação tem por esse facto o carácter combinado e ambivalente de duas estações, que ora pretende solucionar um cais de superfície de forma transparente e fluida com a cidade,

ora pretende relacioná-lo tanto quanto possível com o espaço subterrâneo que também serve, e que importa de

F137

alguma maneira trazer à superfície. Como ponto de passagem obrigatório para todos os veículos da rede, este é

também inevitavelmente um dos espaços mais frequentados, e que comporta por isso um maior e constante fluxo de pessoas.

Com um gesto simples mas claro, Souto Moura fez a construção da nova estação adossar-se à pedreira deixada

em aberto a nascente procurando rematá-la, e tirou partido da posição interiorizada do edifício para expor mais espaço à cidade, e assim conseguir uma relação menos impositiva com a rua. Essa escolha de um afastamento da

periferia do quarteirão permite a criação de uma nova praça, em continuidade com o espaço interior da estação, e que lhe serve como momento de entrada (F137). Rematado por uma cobertura ajardinada visitável, o novo volume

cria também outra praça a um nível mais alto, com vista sobre a que acontece em baixo. Enquanto a praça inferior F138

F139

serve a entrada principal, e se afirma como um espaço público vital concedido pela intervenção à cidade, a enorme

plataforma superior reúne a construção em torno de um agradável espaço de estar verde, que complementa o

lugar com um sentido mais lúdico e sereno, mas requalifica também todas as perspectivas sobre o espaço a partir da cota mais alta a norte. O edifício afasta-se a norte da Rua Gonçalo Cristóvão, onde o desnível é mais acentuado,

criando um espaço igualmente ajardinado mas não visitável, que pretende sobretudo requalificar a saída do túnel da Trindade, deixando em aberto uma futura solução. Cada uma das duas praças acaba assim por se relacionar com

as duas diferentes cotas da cidade a norte e a sul, permitindo em cada caso o acesso ao volume principal: o espaço verde superior serve de cobertura ao piso do cais de superfície; e o espaço pavimentado a granito à cota inferior faz a laje de cobertura do cais enterrado imediatamente abaixo. D53. Planta de Implantação . (página anterior)

A enorme viga branca que marca a imagem do edifício na entrada principal, permite ao edifício uma total

relação de transparência e continuidade com praça que configura à cota baixa, entregando dessa forma ao espaço 131


D54

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público exterior o importante papel de interface das relações entre cidade e estação. Ainda que visivelmente incompleta, a construção actual tem a capacidade de desenhar o espaço exterior abrindo-o sobre a zona de maior

significado, junto à entrada principal e na confluência das cotas das ruas, e que se vai depois contraindo à medida que a Rua de Camões vai ganhando altura. Na praça superior o edifício encontra-se com a rua a uma cota mais

elevada, e desenha um percurso até um volume branco mais alto que, como uma torre, se afirma na construção

para reunir um conjunto de acessos e ligar directamente a praça a ambos os pisos dos cais (F140). Esse depurado

volume branco ao qual se subtrai parte para cumprir com a entrada, não só remata e compõe o espaço superior, como resolve também o encosto do edifício a nascente, relacionando-o com a envolvente construída e com a F140

F141

própria Rua do Bonjardim, através de um passadiço metálico.

O espaço interior pode ser claramente divididos em dois: um conjunto afecto ao piso ao nível da rua, onde

a linha tem um carácter de superfície, e um outro que se posiciona para abaixo em direcção ao cais subterrâneo, onde a intervenção se assume mais interiorizada e em concordância com os outros espaços da mesma linha.

No piso ao nível da rua, o cais acontece como uma ampliação coberta da linha, que mantém no entanto uma

grande relação com ambos os topos abertos (F143). O seu carácter é por isso semi-exterior, e constantemente banhado pela luz natural que atravessa as aberturas exteriores em cada um dos extremos. O espaço é amplo

e marcado pela grande relação de permeabilidade horizontal com todo o espaço que o rodeia: o terreno verde F142

inacessível a norte, a descida para o túnel exterior a sul, e a praça de entrada a poente. O projecto da estação contemplava, no entanto, a continuação da construção para sul e anulava a actual abertura desse lado do cais, acentuando a importância da abertura horizontal sobre a praça. Por se tratar de um cais singular, em que a

linha passa à superfície mas em ambiente coberto, a pormenorização do cais tem mais que ver com a de outras estações interiores, e o atravessamento da linha é por isso vedado às pessoas. Como alternativas para suprimir esse movimento perpendicular, cada um dos lados do cais é ligado à cidade com acessos independentes, mas prevê também escadas que acedem ao piso inferior onde esse movimento é tornado possível.

Nos dois pisos subterrâneos, o espaço é mais próximo daquela que foi a forma de agir de Souto Moura nas

D54. Planta do cais de superfície. (página anterior)

estações enterradas que desenhou. O espaço subterrâneo é apesar de tudo liberto dos habituais condicionalismos

D56. Planta do cais subterrâneo. (página anterior)

solução passou por um piso intermédio entre ambos os cais, que os relaciona e os serve mutuamente. Torna-se

D55. Planta do mezzanino sobre o cais subterrâneo. (página anterior)

de superfície que obrigaram constantemente a redesenhar o sistema de acessos em tantas outras estações. A

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assim no espaço que interliga ambas as faces do cais superior, que ao prolongar-se se transforma em mezzanino transparente sobre a linha inferior, resolvendo igualmente os acessos a esse cais (F146). A introdução deste espaço intermédio permite ainda uma profusão de acessos comuns ao longo do piso, que unem assim o espaço enterrado

às mais diversas áreas previstas à superfície. Ao reunir todos os acessos subterrâneos em torno da construção do cais à superfície, são evitados também todos os acessos que teriam inviabilizado à partida a abertura da praça no espaço imediatamente acima do cais.

Na sua totalidade, a Estação da Trindade é uma intervenção de enorme valor arquitectónico e urbano para a

F143

cidade. Apesar de todas as vicissitudes que enfrentou, e de se manter até à data algo inacabada, foi uma intervenção

fundamental sob o ponto de vista da requalificação que lançou sobre uma zona da cidade algo descaracterizada. Estabeleceu princípios básicos e válidos de um espaço pensado para servir o Metro e os utilizadores que diariamente circulam pela cidade, mas que pretende também dar respostas à malha e ao lugar na cidade que

ocupa. Mais do que um edifício ou uma estação Metro do Porto, a construção propõe uma lógica de espaços para domesticar a acidentada topografia do lugar, que a completa, suaviza, e requalifica, oferecendo à cidade um conjunto de percursos mais confortáveis e agradáveis. Ao repensar do zero a ocupação de uma enorme fatia de cidade, esta foi uma intervenção que concretizou novas e interessantes praças para a cidade, recondicionou fluxos e sentidos anteriormente perdidos, mas lançou sobretudo pontes para uma sua vivência e ocupação futuras. F144

F145

Souto Moura tem aqui a oportunidade única de construir um novo edifício para a Baixa do Porto. Apesar

do redesenho do chão que produz em todas as outras estações enterradas, ou mesmo da intervenção conjunta mas mais efectiva sobra a Avenida dos Aliados, esta é a par da Casa da Música uma construção onde o arquitecto pode

conceber fachadas, desenhar portas e janelas sobre a cidade, que a condicionam tridimensionalmente. O resultado é uma peça única e serena, que responde de forma inovadora mas eficaz às diversas expectativas da cidade. A

simplicidade de um branco conhecido contrasta aqui com a profusão de estilos da envolvente, não pretendendo afirmar-se pela forma, nem tão pouco pela linguagem, mas antes pela expressão de contemporaneidade que introduz, na esperança de vir a servir a cidade. F146 D57. Cortes transversias e longitudinais. (página anterior)

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IV - Considerações Finais



“Pouco a pouco, os cidadãos vão ganhando consciência que o Metro do Porto, mais do que um novo e moderno meio de transporte público, é igualmente um tónico e um impulsionador para se recuperar e fazer território, para se fazer e recuperar paisagem, para se fazer e recuperar cidade.” 1

Para algumas pessoas, a qualidade empregue na construção das estações do Metro do Porto foi exagerada.

Segundo esta opinião, infra-estruturas tais como esta, ligadas à movimentação das massas pela cidade, não deveriam incluir o tipo de detalhe e requinte a que a intervenção se propôs no Porto. Deparamo-nos então com questões no mínimo curiosas, tais como: - Terá esta Metro sido bom demais? - Deveriam os seus espaços ter sido

de algum modo menos belos? A opção invulgar de incluir a arquitectura como parte integrante e coordenadora, desde uma fase inicial, acabou por conferir ao processo qualidades igualmente ímpares a nível internacional. O trabalho desenvolvido pelos arquitectos, em conjunto com as equipas técnicas especializadas nestes sistemas, parece ter levado a uma solução necessariamente estandardizada e muito optimizada, mas também extremamente personalizada e forjada a cada passo sobre a cidade existente. Com uma atenção natural à qualidade estética do projecto, a introdução da Arquitectura na equipa de trabalho fez com que este deixasse de ser um mero meio de transporte na cidade construída, mas antes um meio para construir cidade no transporte.

Quer à superfície, quer sob o chão, os espaços resultantes são sempre pedaços urbanos dignos desse nome,

intervenções que para além de servirem a cidade envolvente a ampliam também condignamente. Talvez o problema

não esteja portanto na excessiva beleza e cuidado das estações do Metro do Porto, mas sim na falta destes atributos

a que estamos habituados nas demais. O ambiente algo suburbano e degradado de muitas das convencionais estações subterrâneas parece, nos exemplos do Porto, muito difícil de imaginar. A imagem do enterrado como algo

lúgubre, sombrio e sujo, é totalmente contradita pelos enormes planos brancos e imaculados que caracterizam a maioria das estações subterrâneas construídas. O tratamento nobre do espaço público que elas constituem, tem

apesar de tudo, e passados já cinco anos, permanecido incólume aos mais comuns actos de vandalismo. Talvez este mesmo standard de qualidade, que alguns consideram excessivo, esteja a desencorajar aqueles que viam 1. Metro do Porto, “Requalificação Urbana”. Página consultada a 1 Maio 2009. <http://www.metrodoporto.pt>

normalmente estes espaços como menos dignos, marginais, e por isso palco ideal para a criminalidade.

A intervenção aparenta ser simples, não porque o seja na verdade, mas porque foi assim que o trabalho

desenvolvido a quis fazer parecer. Atravessando ambientes distintos e diversos, uniu-os porém com algo comum, 139


transversal, e constante, que rapidamente explica e dissolve o sistema no espaço. A intenção quase nunca é a de marcar, mas sim a de rever e melhorar, ainda que para tal seja preciso criar.

O Metro do Porto é de Superfície. Nem sempre porque viaja por entre as ruas, mas porque é sem dúvida

esse o espírito que o constrói. Onde quer que circule ele cria urbanidade e está à superfície, porque mesmo quando

enterrado transporta consigo os valores da cidade cá em cima: de um espaço que é público, e que deve ser pensado enquanto tal. A viagem neste Metro é uma viagem de Superfície, não uma descida ao subterrâneo para percorrer a cidade, mas ela própria um percurso urbano, que até quando mergulha, cria e recria novamente e sempre cidade.

A transparência é aqui fundamental. Tal como acontece ao andar pela rua, no Metro do Porto é-nos sempre

permitido ver, e sentir com isso o fluir do espaço ante nós. O vidro torna impossível sentir alheamento, e permite a quem circula nestes veículos sentir-se percorrer uma cidade real. Andar de Metro é verdadeiramente andar,

atravessando espaços e paisagens conhecidas, onde a cada momento nos podemos situar. No Porto nega-se completamente a abstracção envolvida noutros sistemas, onde o viajante é extraído em certo ponto, e devolvido

mais tarde já num outro. Aqui rebate-se a importância desse transportar inumano, face a um conceito mais urbano e empírico, onde viajar pela cidade é isso mesmo.

A necessidade de qualidade e beleza no meio envolvente é inerente à condição de um Homem que se

pretende evoluído e contemporâneo. O Metro do Porto enquanto meio de transporte assume plenamente essa responsabilidade. Não porque embeleza os seus espaços com supostas obras de arte, pretendendo melhorar uma

experiência espacial triste, enfadonha, e redutora; mas porque os constrói com uma Arquitectura consciente e cuidada, exemplar aos mais diversos níveis, e capaz de produzir por si só um bem-estar natural nos seus

utilizadores. A Arquitectura Andante do Metro do Porto permite afinal uma experiência continuamente diversa, ora acima ora abaixo, mas sempre motivadora e mutável, em alguns momentos dramática e comovente, tal como deveria acontecer sempre que se anda pela cidade.

Importa agora saber dar continuidade a uma intervenção que apenas se iniciou, e importa que se respeite o

valor da Arquitectura por trás deste Metro. A mesma noção de unidade que reuniu o traçado e o pensamento destes

Arquitectos deverá agora ser mantida como qualidade máxima de um sistema que já marcou a cidade. Porque

desenha um transporte urbano fundamental capaz de reorganizar a cidade com uma dos seus elementos mais básicos, o fluxo de pessoas, este é um Metro que deverá sempre ser pensado em sobreposição a uma Arquitectura 140


que organize lugar e rede em simultâneo. Não poderá agora o sucesso do trabalho ser dado como garantido em

futuras expansões, sem que se repita essa cuidada atenção posta em cada estação até aqui. As regras criadas terão de continuar a encontrar eco pela rede, por forma a continuarem a garantir uma intervenção contínua, reconhecível, e de qualidade. O papel do Arquitecto permanece assim imprescindível, não no sentido erróneo

de uma afirmação pessoal de autoria pretensamente qualificadora, mas antes como silenciador de um conjunto de relações complexas que o sistema sempre porta consigo, perpetuadas em intervenções humildades e serenas, sempre tão aparentemente anónimas e simples quanto sublimes.

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Referências Bibliográficas

AAVV, Porto: Uma Cidade Boa para Viver. Porto Editora, 1999, Porto.

AAVV, A primeira Linha / The first Line.

Normetro, Agrupamento do Metropolitano do Porto, ACE, 2002, Porto.

AAVV, Um túnel sob a cidade: Conclusão da primeira linha / A tunnel under teh city: Conclusion of the first line.

Normetro, Agrupamento do Metropolitano do Porto, ACE, 2004, Porto. CABELEIRA, João Paulo, Arquitectura do Subterrâneo.

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Proveniência das Imagens

Fotografias

F01. Desconhecido, obtida em <commons.wikimedia.org>.

F20. Frederico Vieira, produção própria.

F03. Desconhecido, cedidia pelo Arq.º Adriano Pimenta.

F22. Frederico Vieira, produção própria.

F02. Frederico Vieira, produção própria. F04. Frederico Vieira, produção própria.

F05. Desconhecido, cedidia pelo Arq.º Adriano Pimenta. F06. Frederico Vieira, produção própria.

F07. Desconhecido, cedidia pelo Arq.º Adriano Pimenta. F08. Frederico Vieira, produção própria.

F09. Desconhecido, cedidia pelo Arq.º Adriano Pimenta. F10. Frederico Vieira, produção própria.

F11. Desconhecido, cedidia pelo Arq.º Adriano Pimenta. F12. Frederico Vieira, produção própria.

F13. Desconhecido, cedidia pelo Arq.º Adriano Pimenta. F14. Frederico Vieira, produção própria.

F15. Desconhecido, cedidia pelo Arq.º Adriano Pimenta. F16. Frederico Vieira, produção própria.

F17. Desconhecido, cedidia pelo Arq.º Adriano Pimenta. F18. Frederico Vieira, produção própria.

F19. Desconhecido, cedidia pelo Arq.º Adriano Pimenta.

F21. Desconhecido, cedidia pelo Arq.º Adriano Pimenta. F23. Luís ferreira Alves, cedida pelo Arq.º José Gigante. F25. Brianapa, obtida em <flickr.com>.

F26. Shimmeringmercury, obtida em <flickr.com>. F27. MHGau, obtida em <flickr.com>.

F28. Peter Clericuzio, obtida em <wikipedia.org>.

F29. Greenski, obtida em <commons.wikimedia.org>. F30. Patrik Ragnarsson, obtida em <flickr.com>. F31. Max-zip2, obtida em <flickr.com>.

F32. Super_summilux, obtida em <flickr.com>. F33. Pablo Marques, obtida em <flickr.com>.

F34. Desconhecido, obtida em <strasbourg-tramway.fr>. F35. Desconhecido, obtida em <railfaneurope.net>.

F36-37. Desconhecido, obtida em <fosterandpartners.com> F38. Frederico Vieira, produção própria.

F39. Paulo Cintra e Laura Castro Caldas, obtida em <metrolisboa.pt>. F40-146. Frederico Vieira, produção própria.

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Desenhos

D01. Metro do Porto, obtido em <metrodoporto.pt>.

D02. The Illustrated London News, obtido em <commons.wikimedia.org>. D03. Norman Foster, obtido em <fosterandpartners.com>.

D04-09. Eduardo Souto Moura, cedidos pelo Arq.º Adriano Pimenta. D10-11. Eduardo Souto Moura, cedidos pelo seu próprio atelier. D12-17. Alcino Soutinho, cedidos pelo seu próprio atelier.

D18-20. Bernardo Távora, cedidos pelo seu próprio atelier.

D21-25. João Álvaro Rocha, cedidos pelo seu próprio atelier. D26-29. José Gigante, cedidos pelo seu próprio atelier.

D30-34. Manuel Salgado, cedidos pelo seu próprio atelier. D35-40. Adalberto Dias, cedidos pelo seu próprio atelier.

D41-43. Álvaro Siza Vieira, cedidos pelo seu próprio atelier

D44-57. Eduardo Souto Moura, cedidos pelo seu próprio atelier.

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