Jornal Frente e Verso - Dezembro 2018 #005

Page 1

F RE N T E VE S O R GASTRONOMIA:

Dizer que gastronomia é só entretenimento é

PU BL ICAÇÃO POL ÍTICO- CU LTU RA L , GA S TRONÔMICA E L ITERÁ RIA DE A RMAÇÃO DOS BÚ ZIOS

um grave e profundo engano. Acreditar

D EZEM B RO 2 01 8

nisso, é ceder a um

mundo cruel e imposto,

empurrado goela abaixo,

#005

principalmente, dos que podem menos. - PG 10

&

24º BÚZIOS CINE FESTIVAL

AR DE BÚZIOS: Esse era o Mica.

Cedo demais deixou essa nave terra,

na certa para buscar por outros mares

onde possa criar novos portos. - PG 06

PRETO NO BRANCO: Foi num

dia triste para o cinema mundial, no dia da morte do mestre Bernardo Bertolucci, com 77 anos, que o Frente & Verso foi recebido na Pousada Vila do Mar, por Mário José Paz, idealizador e entusiasta do Gran Cine Bardot e do Búzios Cine Festival. - PG 08


2

EDIÇÃO 005 – ANO 01 – DEZEMBRO 2018

EDITORIAL

traços & troços MATTIAS

Chargista

REMENDOS DE UM FIM DE ANO Parece que 2018 vai acabar mesmo, por mais que tenha parecido interminável em muitos dos seus capítulos. Tenha-se em vista, desde a eleição presidencial até a novelesca final da Taça Libertadores da América de futebol, entre os argentinos River e Boca, que não tinha acontecido até o fechamento desse editorial. Nessa ambiência em despedida de dezembro, na hora de reunir os pedaços rasgados no tecido dos outros meses, dá para sentir que, se costurar direitinho, ainda estamos inteiros e ainda estamos aqui. Segue o baile, segue o tango e que venha o futuro que esse pedaço tupiniquim da América do Sul espera eternamente em berço esplêndido. Por falar em Argentina, que é tão amada e presente em Búzios de todas as formas e que está ocupando diversas partes dessa edição do Frente e Verso, recorremos ao “não chores por mim” para avisar que estamos chorando sim, mas com o peito agradecido e um sorriso no rosto de saudade, pela partida de três grandes figuras da cidade que se foram com os ventos deste fim de ano. Em setembro nos despedimos de Sidney Tardelli, pescador, filho de dona Amelinha, querido e herdeiro de muitas amizades construídas indo e voltando do mar. O coração de Sidney ainda está batendo com as vagas nas pedras e na areia. Búzios não o esquece. Também estamos remendando o sentimento pela morte do Mica, nosso anfitrião eterno do Mercadinho, querido por tantas gerações de buzianos que iam até lá buscar muito mais do que a compra do dia. Cidadão preocupado com a vida de cada um que chegava, sábio perene de tudo que acontecia no noticiário de perto ou de longe, Mica era uma figura de conversa impagável, com suas histórias de outros tempos e seus desejos pro futuro. Farol de alívio e respiro para quem acredita na proximidade entre os seres humanos em tempos tão individualizados do consumo predatório, da busca de um capitalismo sem limites e da frieza esterilizada das grandes corporações de lojas e supermercados. O mundo precisa, e como, de outros Micas. Fomos privilegiados.

Por último, fica nossa homenagem à Michelle Malvile, a cintilante Mimi da boate Marruelle. Mais uma dos estrangeiros que constroem a história da nossa cidade, ela contagiou a noite buziana na década de 1980, com seu espírito forte e jeito especial de receber as pessoas. E isso Búzios faz muito bem. É uma tradição que continua na aura dos restaurantes, casas noturnas, cafés das nossas ruas. Um desses lugares, que começou há tempos e ainda irradia glamour e nostalgia é o Gran Cine Bardot, capitaneado pelo também argentino - Mario Paz, que é o entrevistado desta edição do jornal na coluna “Preto no Branco”. Mas nem tudo é passado ou lamento por aqui. Há o que se esperar com satisfação, para 2019, na secretaria de Meio Ambiente de Búzios, que tem agora como titular o jornalista e advogado Hamber Carvalho, também colunista do Frente e Verso. Inclusive o furo de noticiar essa indicação quase foi nosso, que entrevistamos Hamber para o jornal uma semana antes de tornar-se secretário. Ainda nessa área, aguardamos os avanços que podem chegar com a criação da Área de Proteção Ambiental Mangue de Pedras, cujo decreto foi assinado no início de novembro pela prefeitura municipal. Encerramos 2018, sobretudo, comemorando o ano nascimento dessa publicação que vos redige um editorial agora desejando as melhores festas e melhores sentimentos a todos e todas. Foram seis edições até aqui, serão algumas mais em 2019 e seguiremos fortalecidos pela colaboração dos parceiros, colunistas e dos primeiros assinantes que decidiram subir no barco. A tempestade passa e o curso continua. Que se comece a contagem do ano novo. Um grande abraço e ótima leitura.

EXPEDIENTE FRENTE E VERSO É UMA PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS. JORNALISTA RESPONSÁVEL: Artênius Daniel - Contra Regras (DRT/MG 08816JP) COLUNISTAS: Alexandre Santini, Bento Ribeiro Dantas, Gessiane Nazario, Gustavo Guterman, Hamber Cannabico Carvalho, Hélio Coelho, Leandro Araújo, Léa Gonçalves, Luisa Barbosa, Manolo Molinari, Maria Fernanda Quintela, Pedro Campolina, Sandro Peixoto, Sheila Saidon, Tiago Alves Ferreira, Tonio Carvalho. CHARGE: Mattias. REVISÃO: Maria Cristina Pimentel TIRAGEM: 3.000 – Distribuição gratuita PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO: Vinicius Lourenço Costa - Vico Design ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO: Contra Regras Produção e Comunicação ENDEREÇO: Feira Livre Periurbana de Búzios, Praça da Ferradura, Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 FALE COM A FRENTE E VERSO: frenteverso@contraregras.com.br


3

PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS

Educação

BIBLIOTECA DONA CHICA “Na minha biblioteca preferida, aprendi com Kundera que é insustentável a leveza do ser. Com Ana Vidal, que poesia é pra comer. Descobri que a Estrela sempre tem hora, e que Macabeia não é feia, é bela...Que o poema de Florbela espanca o coração de quem muito ama em vão. E que até mesmo no exílio tem canção: na minha biblioteca tem ipês onde canta o bem-te-vi... Foi lá que aprendi sobre orgulho, preconceito. Ouvi o uivar do vento, o grito de Heathcliff, o riso de Kate. Que sarau de quinta pode ser de primeira e que um dia bom de prosa vale mais que a semana inteira. Em minha biblioteca preferida, encontrei os três maiores corações, em peitos vastos. Amigos de carinho e de leitura, e o café sem açúcar mais cheio de doçura. E conheci uma mulher brava, chamada Chica: Francisca Maria de Souza, professora. Mas também semeadora e pescadora: de livros, leitores e sonhos. Só coisa boa....”* Em dezembro de 2018 esta biblioteca faz anos! 20 anos! De acordo com a 4ª Pesquisa Retratos da Leitura, o local preferido para ler é a casa (81%), seguido da sala de aula (25%), trabalho (15%) e a biblioteca (19%). O agente que mais influencia o leitor brasileiro é a mãe (11%), seguido do professor (7%). As principais fontes de acesso ao livro são a compra (48%), o empréstimo por pessoa (30%) e por biblioteca ou escola (26%). Entretanto, 70% dos brasileiros não costumam emprestar livros e apenas 5% frequentam a biblioteca. Nossa cidade não possui, ainda que necessite, uma pesquisa específica sobre a condição da leitura na cidade e o perfil do leitor. No entanto, teimo a crer que estamos acima da média nacional: de leitores na cidade, ações de estímulo ao livro e à leitura e frequentadores da biblioteca. Criada em 1998, a nossa Biblio é uma homenagem à nativa Francisca Maria de Souza, pescadora da Colônia de Pescadores Z-18, e uma professora que ensinava até fora da escola (que durante um tempo foi a própria Colônia). Algumas casas, que tinham salas grandes, também serviam de salas de aula e ela nem

LUISA BARBOSA

Professora doutora de filosofia e sociologia do C. M. Paulo Freire e do C. E. João de Oliveira Botas precisava de parede nem teto. Os mais antigos, que tiveram a oportunidade de conhecer Chica, como era chamada, dizem que ela possuía o “dom de ensinar”. Não precisava de lugar certo: na rua, na praia, no meio da pescaria. Por isso, dar à Biblioteca Municipal o seu nome. A primeira sede da Biblioteca de Búzios foi na Praça Santos Dumont, ao lado da antiga sede da Prefeitura. De lá para cá, ela rodou o centro, ganhou “irmãos” (a Biblioteca Municipal Sérgio Buarque de Holanda e a Biblioteca Comunitária Pró-vida), perdeu os irmãos (grande lástima) e ganhou “primas” em todas as escolas públicas da cidade: salas de leitura. E esse é um fato que não se pode desprezar. Atualmente, única Biblioteca Municipal de Armação dos Búzios, a Dona Chica localiza-se num lugar privilegiado da cidade, a Praça Dona Dita (Praça Benedita, conhecida como Praça da Ferradura), fincada numa praça que serve de espaço para piqueniques literários, clubes de leitura e encontros de leitores e entusiastas da leitura na cidade. Recebe um fluxo de 350 visitantes, por mês, e realiza projetos como o Pé de Leitura, contação de história

e oficina de poesia para crianças - num projeto incrível de parceria entre a Secretaria Municipal de Educação e a Coordenadoria Municipal de Cultura - a ação Bordados e Poemas, lançamento de livros, além de ser sede oficial dos encontros do Cidade Biblioteca, um projeto sem fins lucrativos de estímulo ao livro e à leitura para suscitar uma análise crítica da sociedade tendo como norte a sua transformação positiva. Projeto este que tenho o maior orgulho e prazer em compor. Por tudo isso, a nossa turma - em conjunto com a Secretaria Municipal de Turismo, Cultura e Patrimônio Histórico - participará de um grande dia de festa do livro e da leitura com contação de história, sarau e oficina de poesia, bordados e poemas, assalto poético e lançamento de livros num dia de comemoração, pelo aniversário da biblioteca Dona Chica, no dia 13 de dezembro, quinta-feira, de 9h às 17h, com direito à continuação na Feirinha da Ferradura. Vem!

* Poema escrito em homenagem à Biblioteca Francisca Maria de Souza para a festa de inauguração de sua sede própria na Praça da Ferradura.

Biblioteca Pública Municipal Francisca Maria de Souza Funcionamento: segunda-feira a sexta-feira de 8h às 17h Praça da Ferradura s/n, Ferradura, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil CEP 28950-000 Fone (22) 2623-2510


4

EDIÇÃO 005 – ANO 01 – DEZEMBRO 2018

CRÔNICA BUZIANA SANDRO PEIXOTO

Empresário e jornalista

SEJA O MELHOR DE SI Em Olinda, Pernambuco, havia um bar próximo à uma faculdade que tinha galetos como prato principal. Os franguinhos ao primo canto eram disputados pelos alunos e também por turistas curiosos pela fama do local. Por anos, esse bar reinou sozinho. Eis que um empresário resolveu abrir um bar ao lado e, sabendo da preferência dos consumidores locais, também escolheu galetos - como atração principal. Copiou o cardápio do vizinho famoso e de maneira arrogante tascou numa placa bem no alto da fachada: O MELHOR GALETO DO MUNDO Cacete! O sujeito recém havia inaugurado seu bar e já se intitulava o

melhor do mundo. Quanta arrogância... A quem ele queria enganar? A si mesmo, ou aos incautos turistas que não conheciam a história da casa? A clientela tradicional deu de ombros e a nova casa não conseguiu atrair ninguém da faculdade. Nem do corpo docente e muito menos do corpo discente. O dono do tradicional bar porém, não gostou nada da arrogância do novo vizinho e resolveu contra-atacar. No entanto, o fez de maneira elegante e sucinta, modos que aprendeu convivendo com os estudantes. Sabendo o que tinha em mãos, afinal, ele mesmo temperou por anos seus famosos galetos, mandou colocar uma faixa na marquise de seu

O MELHOR GALETO DESTA RUA Pronto, não havia mais o que se discutir. Já não importava de verdade se o concorrente era o melhor do mundo. O mundo é grande demais para tal afirmação. O que importava para todos que frequentavam o lugar era saber qual galeto era o melhor daquela rua. E há anos havia um consenso quanto a isso. Claro que “o melhor galeto do mundo” fechou as portas meses depois. Nenhuma mentira se sustenta por muito tempo. Quando a faixa ficou puída e finalmente caiu, o vencedor

evidente no traço inconfundível desse mestre da ironia e do nonsense. Escrito originalmente em 1946, “O urso que não era” vem encantando, há décadas, gerações de crianças e adultos.

LIVROS Disposições Amoráveis Organizadores: Gilberto Gil e Ana de Oliveira Editora: Iya Omin Páginas: 288 O urso que não era Autor: Frank Tsahlin Editora: Boitatá Páginas: 60 Gilberto Gil talvez seja o artista brasileiro mais profícuo e continuamente envolvido em atividades instigantes - além de sua própria música. Numa conversação mediada pela regência de Ana de Oliveira, o pensador-artista partilha seu pensamento e propõe reflexões sem sistemas dogmáticos. Discute ideias, revê sua obra, analisa temas contemporâneos e rememora o passado em narrativas amorosas. Este livro se divide em seis blocos de interlocução e envolve 14 convidados: Leonardo Boff, Fritjof Capra, Luiz Eduardo Soares, Preto Zezé, Marina Silva, Luis Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, Flora Süssekind, Christopher Dunn, Gal Costa, Jorge Mautner, Nelson Motta, Eliane Costa e Pierre Lévy. Encontros nada triviais e que ultrapassam historicismos. Construções subjetivas, sensos incomuns e a consciência de que poderíamos mudar, com amorosidades, os contextos planetários, pessoais e espirituais. Novos olhos para novas eras.

bar. Quando o dia amanheceu, letras garrafais informavam:

Era uma vez um urso que estava à beira de uma grande floresta, olhando fixamente para o céu. Lá bem no alto, um bando de gansos voava em direção ao Sul. O urso sabia que o inverno chegaria em breve e que ele deveria procurar uma caverna para hibernar. E foi exatamente o que ele fez. O que ele não contava era que, durante aquele inverno, uma fábrica seria construída bem em cima da caverna que ele havia escolhido. Com a chegada da primavera, o urso desperta, mas não consegue acreditar que não está mais sonhando: o capataz insiste que ele volte imediatamente ao trabalho – afinal de contas, ele não é um urso. Como provará para os patrões da fábrica (e para si mesmo) que ele é um urso? Para quem acha que não conhece o autor deste livro, basta pensar nos clássicos episódios das séries Looney Tunes e Merrie Melodies dos anos 1930 e 1940. Sim, Tashlin era uma das geniais mentes criativas por trás das aventuras de Pernalonga, Patolino e Gaguinho - o que fica

Considerado um clássico da comédia satírica, o livro esconde diversas camadas e possibilidades de interpretação, seja pela crítica social que faz, seja pela abordagem da construção da identidade e da alienação no trabalho.

à cidade Autor: Mailson Furtado Editora: Independente Páginas: 72 Com elementos geográficos, históricos, sociológicos, políticos, físicos, metafísicos, folcloristas, genealógicos, “à cidade” é um poema que vem apresentar de forma contemporânea uma visão de uma cidade do sertão, com plano de fundo para aquelas banhadas ou mudadas indiretamente pelo caminhar do Rio Acaraú na Zona Norte do estado cearense. O poema mistura a vida do autor e suas gerações à vida construída por um povo migrante há

nem pensou em colocar outra. A verdade havia vencido. Aqui em Búzios aconteceu algo igual. Um empresário abriu uma creperia na Rua das Pedras ao lado do famoso Chez Michou - até então com 25 de anos de vida - e tascou em sua fachada: 33 anos de tradição. Nem preciso dizer o que aconteceu. O que quero mostrar com os exemplos acima é que de nada adianta você criar um mundo irreal para sua vida. Se mentir sobre si mesmo, vai viver num mundo de fantasia e de aparências - algo que certamente te fará triste. Outra coisa: não adianta ser importante para o mundo. Seja bom para seus parentes, para seus amigos, vizinhos e conhecidos. Esqueça o mundo. Seja alguém legal em sua aldeia. Se agir assim, você será bom para o mundo inteiro.

TIAGO ALVES FERREIRA Produtor cultural

mais de três séculos. Nele a cidade se constrói, se destrói, se remonta, se inventa e reinventa e ganha inúmeras significações do que pode ser. O poema apresenta uma estética com influências de vários movimentos modernos e pós-modernos do século XX: o concretismo, neoconcretismo, rimas incertas, além da ausência de pontuação gráfica, influência vinda da poesia oriental. Os versos misturam a influência científica adquirida pelo autor em livros e bancos universitários e a sua influência coloquial, cabocla, conquistada por ser parte agricultor, parte pescador e por inteiro residente do sertão inventado pelo Acaraú. “à cidade” vem instigar o leitor à pesquisa, ao conhecer, ao buscar termos, citações sobre o ambiente que tomou por base, o sertão Norte do Ceará, entre o litoral extremo-oeste, a serra da Ibiapaba, a Meruoca e das Matas. “à cidade” vem assim, apresentar uma faceta do que é ser cearense, aquele/este do interior da cidade.


5

PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS

Teatro

HÁ COMO RESISTIR? TONIO CARVALHO Autor, ator e diretor teatral

À avalanche de medidas, ações e decisões que estimulam a já tão degradada cultura nacional (a popular, em especial) à um grau ainda mais deplorável de ignorância e mediocridade? É sempre possível nos entregarmos e não mais resistirmos. É sempre possível resistirmos e nos entregarem. Sobreviver nos dias atuais é, em si mesmo, ato de resistência. Estar vivo, fato quase heroico. E não me refiro a fome, sede, peste, guerras, misérias. Estes são retratos sangrentos que traduzem a barbárie (des)humana desde séculos e séculos geralmente atrelados a “donos da verdade” que, poderosos, eternizam-se inquestionáveis em seus tronos de lama como “salvadores de pátrias”. A estes, refiro-me. E a suas políticas de repressão a ideais libertários, democráticos. Há como resistir? A conquista de liberdades pessoais ou coletivas, às vezes, parece estar consolidada ou então, bastante próxima, alí, ao alcance de profundos sentimentos e anseios. Entretanto, o abismo, muitas vezes, nos surpreende. Vigilante, lá está, prestes a nos devorar. Num eterno caminho de Sísifos. Que teatro de horrores é este que há décadas assistimos, perplexos, aqui, acolá, no Brasil, no mundo? Um teatro macabro, maquiavélico, tramado às nossas costas e custas, pelas madrugadas, por debaixo dos panos e dos tapetes, arquitetado por protagonistas e coadjuvantes grotescos e providos de um gigantesco talento zero, brega, burro, atrasado! A quantos assassinatos da sensibilidade, da delicadeza e da generosidade ainda assistiremos, qual plateia amorfa? O teatro, o bom e intranquilizador teatro, morre a cada dia. E teima renascer a cada novo dia: do fogo roubado aos deuses é guardião. E, mesmo acorrentado, qual Prometeu, ilumina a eternidade. Autoritarismos, imposições ideológicas, a velha e estúpida retórica do

“já que não comunga minhas ideias, opiniões ou crenças, está contra mim”, refina-se como religião ou seita. Tragicamente, toda seita tem o seu gestor (ou genitor). Todo sectarismo gera uma oposição comandada por outro gestor (ou genitor) com o mesmo pendor para assumir a vaga deixada pelos ex-donos da verdade. Assim, de uma seita à outra, passamos de uma bufonaria à outra. Aproveitador e fruto do mecanismo de poder manipulador, falsamente democrático, o guia escolhido ou alçado ao poder por escorregão da história, é seguido por legiões de fanáticos, cegos e crentes, com seus cérebros devidamente lavados. Certos e crentes de que, agora sim, finalmente, tudo vai melhorar pois acima de tudo e de todos temos um gestor (ou genitor) divino. Que talvez seja sinônimo da divina bolsa família. Uma coisa ou outra, pastoreando, nada vos faltará. Entretanto, a salvação não está no “salvador”. Como nunca esteve. Seja o fulano terreno ou abstrato. Mesmo porque não se sabe de qual salvação se trata e também desconhece-se salvação do que! Mas podemos ter esperança e torcer para que os “pecados e pecadilhos” que buscam “salvação” talvez sejam, ironicamente, aqueles exercitados por nossos “guias” que nada têm de “espirituais”. Talvez venham a ser condenados, à espera de absolvição, por terem, demagogicamente, sinistramente, manipulado desesperançados e assustadiços ingênuos correligionários com discursos tão apropriados a quem teme e espera: ler e estudar para quê; os fins justificam os meios (ou os métodos); sou (somos) um ungido de deus; bandido bom é bandido morto; combate-se a violência com violência; a família (por mais patética que seja) é tudo; minoria é um mero ajuntamento de anormais que devem abaixar a cabeça e, como gado, obedecer regras definidas pela maioria e seguir rumo às senzalas, armários ou reservas mal demarcadas.

A elite branca (quanto mais branca, melhor) ocidental, heterossexual, judaico-cristã, acima de tudo e “Ele” acima de todos. Seja “Ele” o que for ou quem for. O resto é o resto. Rebotalho da história da desumanidade.

a oportunidade de conhecer diretores que vêm emocionando o público, mas a mídia não lhes dá a menor e você, provavelmente, nunca ouviu falar deles. Valho-me desta coluna para convidá-lo a conhecê-los:

Logo, há esperança de “castigo eterno fim dos tempos”: céu e inferno devem ser, mesmo, um bom lugar para os que serão “salvos” de suas verdades absolutas. Sejam eles de que margem forem dos rios que passaram e passam em nossas vidas.

Augusto Garcia vindo de Mato Grosso do Sul, trouxe ao Rio de Janeiro “A Casa dos Náufragos”, um monólogo baseado no livro do autor cubano Guillermo Rosales. Um espetáculo forte, tocante, despudorado, perturbador.

Para finalizar, há os que de fato, resistem ao assassinato de suas emoções, sensibilidades, generosidades. Embora a mídia não lhes dê a devida importância, eles agem, renegando o glamour fácil e fútil. Há um teatro que fala, grita, denuncia o insuportável, o insustentável, o intolerável. Mas, onde? Onde este teatro? Onde estão estes guerreiros que não se calam, que teimam em questionar, em rebelar-se? Pois este teatro está bem mais próximo do que possamos imaginar por... O TEATRO RE-EXISTE! Em cada um de nós. Dentro ou fora de nós. É ancestral, Atávico, Mítico. Está nos genes. No DNA de cada um de nós. Desde tempos remotos, manifesta-se em cânticos, em ritos de fecundidade, de morte, em louvações à terra, às plantas que alucinam e curam, aos animais, ao invisível, em rituais de passagem, em perplexidades do Homem que “quer saber”, conhecer-se e àqueles com os quais sempre “contracenou”. Assim, no pior dos mundos, nas dores mais atrozes, nas circunstâncias mais adversas, a emoção permanece e surpreende: das tragédias e barbáries políticas, sociais, bélicas, às tragédias pessoais, particulares, lá está o teatro, disponível e “salvador” oferecendo ferramentas para sairmos do poço ao qual volta e meia mergulhamos para retornarmos e recriarmos a mágica soterrada sob escombros da vida ou sob os escombros de nós mesmos. Experimente e vá ao teatro - ao bom e inquietante teatro, caso não possa ou não queira você mesmo fazer o “seu” teatro. Seja lá por qual motivo for. Mas, em todo caso, procure saber onde estão os bons humanos que fazem bons teatros. Sem a sua curiosidade ativada, você nunca terá

Luciano Mallmann veio do Rio Grande do Sul com seu “Ícaro”, escrito e por ele interpretado, lindo, sentado em sua cadeira de rodas há 14 anos. real, comovente, verdadeiro, inspirador. Robson Torinni veio de Pernambuco para reinventar-se como ser humano em “Tebas Land”, ao lado de Otto Jr. em um texto do uruguaio Sergio Blanco. Uma reflexão sobre a Razão e o processo criador. Sérgio Módena que veio do interior de São Paulo para traduzir no palco visões do seu universo criador através do espetáculo “Diários do Abismo”. Estes quatro artistas, conheço-os desde muito jovens, cada um com seus sonhos, esperanças, dores, loucuras, medos, fantasias, misérias, transgressões, ousadias, arrependimentos etc. Eu os conheci quase meninos e tenho por eles e por todos os atores com os quais tive a oportunidade e o prazer de trabalhar em oficinas de teatro e arte-educação, um amor incondicional e sei o quanto reinventam-se dia após dia para mais alto sonharem e gritarem que precisamos não apenas resistir mas, sim, RE-EXISTIR! pois é em cada um de nós que se encontra a semente de um “novo mundo novo”, utopicamente falando. Como a linha do horizonte. Nunca a alcançaremos. Entretanto aí está a beleza da existência: a eterna criação artística. Sempre além do horizonte azul. P.S. Não deixem de ver “Corpos Opacos”. Uma encenação sobre a clausura de freiras colombianas do Monastério de Santa Clara. Mulheres que se eternizaram como obras de arte depois de mortas e de receberem a confirmação do matrimônio com Deus, com a interpretação de duas grande atrizes: Carolina Virguez e Sara Antunes.


6

EDIÇÃO 005 – ANO 01 – DEZEMBRO 2018

Guanabara

Ar dos Búzios

MIZOCA LEANDRO ARAÚJO

Publicitário

BLACK FRIDAY, WHITE CHRISTMAS Importamos uma data comercial atrelada um feriado que não comemoramos. A Black Friday (sexta-feira negra), que nas bandas do norte acontece no dia seguinte ao feriado de Ação de Graças, por aqui ainda é tratada com desconfiança. Por outro lado, o White Christmas (Natal Branco) já dominou: a criançada aprende a sonhar com um natal nevado, branquinho, de cachecol e lareira acesa. Contudo, a experiência mais próxima a isso é proporcionada apenas pela potência do ar-condicionado dos shoppings, uma salvaguarda à saúde dos Papais Noéis tupiniquins. Pinheiros de plástico cobertos de algodão. Máquinas de fazer nevar isopor. O que não é fake, é cópia: nas mesas, nozes e frutas secas europeias; nas lojas, dingoubéls e outras versões Herbert Richers de canções gringas na voz de Simone. Não sou purista, muito menos defendo boicote às influências externas, mas proponho pensar o que temos de jabuticaba no Natal brasileiro. As canções “Boas Festas”, de Assis Valente (a irônica “Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel”), “Natal das Crianças”, de Blecaute (“Blimblom, blimblom, blimblom, bate o sino na matriz”), “O Velhinho”, de Otávio Filho (“Seja rico ou seja pobre, o velhinho sempre vem”) e a belíssima “Cartão de Natal”, de Luiz Gonzaga. Pouca gente sabe, mas já

teve gente do naipe de Vinícius de Moraes, Jorge Ben, Chico Buarque. Martinho da Vila e Dona Ivone Lara compondo música natalina. Quase tudo que deriva do cristianismo popular foi jogado pra escanteio. Não falo de Missa do Galo, falo de folguedos de chegança dos reis magos, lapinhas e pastoris. Em Pernambuco, a tradição do cavalo-marinho resiste. Em Búzios, a festa de bois-de-reis passou um tempo esquecida, mas agora tem um grupo empenhado em fazer o resgate. Não sou religioso, mas prefiro a sinceridade do menino Jesus do presépio ao boneco de neve de plástico. Em compensação, a ceia demonstra como a brasilidade pode ser conjugada com as importações. As nozes convivem com a salada de bacalhau, o peru de Natal (um cover do peru de Ação de Graças) convive com a farofa e a rabanada convive com a romã. Um relato pessoal: a salada de frutas de minha mãe aglutinava a vizinhança; com a desculpa de desejar feliz natal, a redondeza inteira comparecia pra pegar um pouco da sobremesa. E ai de quem tirasse a uva passa do copinho.

MARIA FERNANDA QUINTELA Jornalista

Nem me lembro mais da primeira vez em que entrei no Mercado do Mica. Mas uma coisa é certa, eu me surpreendi com a variedade de produtos nas poucas prateleiras espalhadas no pequeno espaço. Sempre me surpreendi com isso. Nunca me acostumei. Não é à toa a máxima repetida por centenas de bocas amigas na cidade, o “Mica tem”. Tem mesmo. Tem tudo! E o preço é bom!

cedo, foi chamado Mizoca, que mais tarde virou Mica e que, ao lado de sua mulher Nailza, há quarenta anos, abriu o Mercado Porto Sant’Anna. Uma história de amor e sucesso!

- Fernandinha, você já experimentou este vinho?

- E ele nunca reclamou. Aliás, me ajudou inúmeras vezes, assim como ajudou muita gente aqui. Lembra do Gugu, lembra do Cabaceira? Ele botava pra tomar banho, dava roupa, dava comida, cuidava, tinha respeito, mostrava carinho. Esse era o Mica – afirma a amiga.

A fila do caixa alcançava a geladeira dos queijos. Mas isso nunca foi problema. Era o custo mínimo por usufruir daquele microcosmo de nossa Búzios antiga, nossa cápsula do tempo, resistente como nós, neste lugar que, de uns tempos para cá, parece que insiste em nos colocar para fora. - Mica, este patê é bom? - Esse eu ainda não provei não, mas aquele ali do cantinho é muito gostoso. Você viu o esgoto que estourou na praia esta semana? Uma coisa horrível...

Quem nunca pendurou uma conta no famoso caderninho do Mica que atire o primeiro legume! Uma amiga conta que já ficou mais de seis meses só anotando...

Esse era o Mica. Cedo demais deixou essa nave terra, na certa para buscar por outros mares onde possa criar novos portos. Portos de Sant’Anna e de outras avós, que possam novamente lhe trazer à vida.

Como um bastão de corrida, o assunto ia passando de um cliente para outro, e a conversa ditava o ritmo da fila, como também acontecia o contrário. E pipocavam opiniões acaloradas, orquestradas pela digitação de preços e uma voz destaque. Aquela voz tão nossa. Filho da tradicional família Mureb, Ermil nasceu pelas mãos da parteira Cinha, sua avó materna. Criado na paisagem de Manguinhos, desde

O projeto Cidade Biblioteca é uma iniciativa sem fins lucrativos de promoção da cultura, da leitura e do acesso ao conhecimento em Búzios. Nosso sonho é que os livros estejam sempre ao alcance das mãos, seja na procura do ócio, na espera do café, do transporte público ou do pôr-do-sol. Os livros transformam o intelecto e a sensibilidade, fazem do mundo um lugar melhor. O Cidade Biblioteca promove ações como saraus, clubes de leitura, distribuição de livros pelos espaços públicos, bibliotecas itinerantes.

QUINTA-FEIRA

SÁBADOS

1a QUARTA-FEIRA DO MÊS - 05/12

Biblioteca Municipal

Feira Livre Periurbana de Búzio

Praça Santos Dumont

17h30

DOE SEU TEMPO. DOE SEU LIVRO

8h às 13h @cidadebiblioteca

19h às 21h

cidadebiblioteca@gmail.com


7

PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS

Roda Cultural do C.U.B. Coletivo Urbano Buziano

@coletivourbanobuziano

BAMBUZAL

ENTRE DINOSSAUROS E DEVANEIOS... “Só não me deixe cair em sensatez” Manoel de Barros

HÉLIO COELHO FILHO Professor de Tai Chi

Entre dinossauros e devaneios, escrevo para registrar erupções - momentos de prazer e expansão - expressar o ser. Ser mágico, mítico, cético, místico, poético, o ser em si, o ser que sai de si, saci.

caçador de mim, escavo nas letras deslumbramentos, tesouros perdidos, cantos de pássaros… Pode até ser mais um condicionamento, mas vez por outra, tenho a sensação de que escrever à mão é diferente de teclar (que faço agora para digitar este desvario). O manuscrito é mais rico. É (des)ocupar entrelinhas; é reinventar cada letra, é criar, brotar e ver brotar. Os dedos, um pouco desabituados, sentem a pressão da caneta que não sente a pressão da mente - que se desarma da projeção. Conceitos - pré e pós desfiguram-se, dessignificam, e o verde da árvore, num fim de tarde de primavera, passa a ser mais valoroso que um baú de ouro.

A mão deslizando com a caneta no papel, num exercício quase artístico, conforme a emoção e o improviso do jazz e das ragas que me invadem pelos ouvidos junto com um saboroso chá de ervas que há pouco colhi do quintal. Burguês, ingênuo, pretensioso querendo voar. Mas é que Cecília falou que as “palavras aí estão, uma a uma, porém minha alma sabe mais, de muito inverossímil se perfuma o lábio fatigado de tantos ais, falai que estou distante e distraída com meu tédio sem voz, falai; meu mundo é feito de outras vidas - talvez nós não sejamos nós”. É essa busca do ser que me intriga. Aliás, Viviane Mosé, poetisa, filósofa, psicanalista, canta que “é na busca de coexistência entre o cheio e o vazio que o ser se faz pessoa; ou faz obra de arte”. A palavra enfeitiça: pode ser bênção e maldição. Quando passam para moda escrita, são verdadeiros pharmacons como ensina Platão em Fedro: podem ser poção e/ou veneno. Como então, expressar a tentativa de inteireza sem excluir nada, pondo quanto somos no mínimo que fazemos? Encontro uma entrada/ saída na linguagem poética. Poesia,

adverte Manoel, “que é voz de poeta, voz de fazer nascimentos, palavra tem que pegar delírio”. A poesia ativa nossa capacidade adormecida de voar fora da asa. Viver não é preciso e, diante dessa imprecisão tamanha, nem sempre há sentido, mas uma sinergia dos sentidos e um espaçamento integral. Como brinca Gil: “deixa a meta do poeta não discuta, deixe sua meta fora da disputa” pois “uma meta existe para ser um alvo, mas quando o poeta diz: “meta” pode estar querendo dizer o inatingível”. Neste exercício de eu

Mas falávamos de prazer. Lowen deu a ele o título de um livro brilhante: “Prazer - uma abordagem criativa da vida”. Esse psicólgo e teapeuta brilhante, que enveredou saberes pelas linguagens do corpo e dos movimentos, diz: “O processo contínuo da vida é mais que a mera sobrevivência, isto é, mais do que a manutenção da integridade física do organismo (...) A vida não procura um equilíbrio estático, pois isso significa a morte. A vida inclui o fenômeno de crescimento e criatividade (grifo nosso). É por tal motivo que a novidade constitui o elemento essencial do prazer. (...) Crescemos ao incorporarmos o meio ambiente em nossos corpos,

tanto física quanto psicologicamente. Esse processo implica uma expansão e um consumo de ar, alimento e impressões. Regozijamo-nos com a expansão e o desenvolvimento do nosso ser (...) a pessoa saudável tem sede de viver, aprender e assimilar novas experiências”. Lembro-me, mais uma vez, de Fernando Pessoa, quando canta que seu olhar é nítido como um girassol e o que vê, a cada momento, é o que nunca tinha visto, como no olhar de um nascituro “que ao nascer reparasse que nascera, deveras. Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo”. É a poesia como poiésis, estado nascente. Esse des-cortinamento, essa des-continuidade, são vitais para o des-envolvimento. Neste ínterim, acontece um des-locamento e o tempo-espaço ganham novas perspectivas. Caímos na errância e passamos a ser caminhada, caminho e caminhar. “A vida do poeta tem um ritmo diferente, Ela o conduz errante pelos caminhos, pisando a terra e olhando o céu, Preso, eternamente preso por extremos intangíveis”. Nesse alumbramento todo, entre goladas de chá e des-cobertas, vou me alongar. Criar espaços, deixar fluir o sangue e a energia, unir movimento, pensamento e respiração; ser sensação e sentimento, almejar viver e deixar viver… Namastê!


8

EDIÇÃO 005 – ANO 01 – DEZEMBRO 2018

Preto no branco

ENTREVISTA -

F

oi num dia triste para o cinema mundial, no dia da morte do mestre Bernardo Bertolucci, com 77 anos, que o

Frente & Verso foi recebido na Pousada Vila do Mar, por

Mário José Paz, idealizador e entusiasta do Gran Cine Bardot e do Búzios Cine Festival. Bertolucci fez parte da geração de cineastas do Neorrealismo italiano, que ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, e que veio a ser objeto das nossas discussões nesta entrevista. Coincidências e fatalidades da vida. “Será que foi o vinho de ontem ou está mesmo quente demais?” Ainda não sabíamos da morte de Bertolucci. Aquela ainda era uma segunda-feira estranha de quase verão, apertada, onde o calor do dia se confundia com a ressaca do 24ª Búzios Cine Festival, que terminara mais uma edição no domingo, dia anterior, com um público de cerca de 1.000 expectadores, e a exibição de dez filmes, no Gran Bardot e no Cine Teatro da Rasa. Mário é um autêntico buziano-argentino, um grande ator que atua ao se dizer não ator. Figura que não passa despercebida de jeito nenhum (com ou sem uma panela na cabeça) e que garante: “ninguém deixa de vir ao Cine Bardot porque está sem dinheiro. Pode pagar com peixe, com quadro, pode pagar depois, ou mesmo não pagar.”

O Frente & Verso está na campanha: frequente o cinema, nem que tenha que fazer permuta, pagar com peixe ou pagar depois. Acaba de acontecer o Búzios Cine Festival, que chega a sua 24ª edição. Fazer qualquer atividade cultural no Brasil, durante tanto tempo é um grande desafio. Qual é o balanço desse período e a perspectiva futura do Festival? Essa é uma pergunta longa e a resposta abrange muitas questões. O balanço é positivo, claro, por termos concretizado o Festival 24 vezes. Isso por si só já é positivo. Realizamos a mostra de grandes clássicos, a exibição gratuita de filmes no Cine Bardot, o cinema na praça... mas tudo isso depende da questão financeira e nem sempre conseguimos atingir todos os nossos objetivos. Nós não fazemos um cineminha na praça, com uma tela e só. É um cinema de qualidade, prezamos pela qualidade. O Festival engloba ainda o Show Búzios que está na sua 17ª edição. Ele começou pelo Sindicato dos Distribuidores, o Sindicato dos Exibidores, e se transformou numa platéia de excelência para avaliar o produto cinematográfico. Aquela clássica di-

visão entre distribuição, exibição e produção está mais misturada. Não está tão demarcada. Quem participa, está mostrando o seu produto para o maior encontro dos produtores de cinema no Brasil, um encontro de fim de ano de uma classe muito competitiva, que é a classe que atua no segmento do cinema. E a cidade de Búzios ajuda. Essa é a coluna vertebral do Búzios Cine Festival. É o que gera recurso, o que gera acordo e valoriza a indústria cinematográfica. Mas há o lado negativo. O Festival não tem conseguido atingir as expectativas que a própria organização do Festival tem e que está vinculada aos anseios da população de Búzios. A realização do evento está distante do nível de repercussão social e econômico que deveria ter para a cidade... O desafio da formação de público frequentador de cinema existe em todo país, inclusive nas capitais.

Qual é a relação do Gran Cine Bardot e do Búzios Cine Festival com a cidade de Armação dos Búzios, levando em conta esse desafio? Isso é um pouco o ponto negativo que tentei responder na primeira pergunta. A organização do Festival organiza o evento, e nesse sentido está realizado. Mas o Festival não tem a repercussão social que a organização gostaria, ou seja, o potencial do Festival não é aproveitado pela sociedade e nem o Cine Bardot. É uma falência o Cine Bardot na sua divulgação ao longo do ano. Eu não faço uma boa divulgação. Porque eu não faço, não sei, mas sei que deveria fazer.

me de graça, não vem nem a metade assistir. Ou seja, as pessoas querem vir na festa, não no cinema.

Tem uma situação clara de que o Cine Bardot é um cinema de arte. Para mim me interessa um cinema que faça pensar. Me interessa aquele filme que você acorda às 3 horas da manhã pensando nele. Ser um cinema de arte é uma proposta do cinema. O Cine Bardot não vê o cinema como entretenimento. Você não vai ao cinema com o objetivo de ir só para comer pipoca e se divertir, ainda que se divirta. Isso não me interessa. E eu ainda tento ser flexível, porque por mim só passaria Akira Kurosawa... Veja só uma coisa: na noite de abertura do Festival, sempre tem mais gente do que cabe na sessão. Mais de 150 pessoas. Mas dias depois, quando exibimos também o fil-

Mas voltando à pergunta, eu também acho que a sociedade estruturada de Búzios e a Prefeitura deveriam aproveitar mais o Festival. Também o próprio comércio local. O fato é que a cultura não está estruturada como uma política de Estado. Ainda não entenderam que a cultura dá voto, pode movimentar recursos e dinamizar a economia.

Eu já falei e repito, em todos os meios de comunicação, ninguém deixa de vir ao Cine Bardot porque está sem dinheiro. Pode pagar com peixe, com quadro, pode pagar depois, ou mesmo não pagar. Nunca neguei um convite. Eu não vou avaliar a sua situação financeira, mas se a pessoa diz que não tem dinheiro, ela não deixa de assistir ao filme. Agora, se quer só ficar no ar-condicionado, também não. Eu deveria convencer mais as pessoas, poderia até fazer...

A prova disso é que a cultura está vinculada ao turismo (a Secretaria de Turismo e Cultura). Isso não está certo, a identidade da cidade passa pela cultura, não pelo turismo. Nós vamos interpretar nossa realidade a partir da cultura. Isso precisa ser mais atuante nesta cidade que está


PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS

9

- MÁRIO PAZ se descaracterizando socialmente. Nós estamos longe, em nível de construção de identidade.

O secretário de cultura deve trabalhar praticamente como um produtor de cultura, além de garantir uma ideologia e uma filosofia. Ele pode até morar no Rio ou em São Paulo para captar recursos para a cidade, mas precisa pensar a cultura. Nós nunca nos esquecemos de quando colocamos o filme do James Bond como um cinema aberto na praça. Mas aí colocamos um espetáculo bonito e no final, uma criança que vê o espetáculo pergunta: o que eu faço? Eu não sei. Não há política de cultura na cidade. Búzios é mesmo uma cidade cinematográfica? É cinematográfica porque tem um cinema, pelas belezas. Mas não é um polo cinematográfico nem de longe. Nós não temos um calendário cultural porque ninguém o fez. Falta-nos principalmente reconhecer a nossa identidade. Precisamos de um calendário cultural que se reflita nas identidades que nós temos. Nós temos mar, peixe... cinema, há uma coerência. Uma vez conversei com o Amir Haddad e pensamos: Vamos fazer um Festival de Teatro? Não. Vamos construir uma identidade voltada ao teatro. Nós não vamos fazer um Festival de Cachaça se não temos alambiques. Só porque temos cachaceiros. Os americanos construíram uma cultura a partir da segunda metade do século XIX e criaram o jazz. Precisamos construir a nossa identidade e precisamos de estruturas da organização civil e governamental que façam isso. E o que seria a identidade buziana? A identidade deve ser ideológica, física e jurídica. No meu ponto de vista, tem gente que mora há 10 anos e é buziano, outro vive há 50 anos e não o é. Você não pode dizer, na minha opinião, que é buziano porque ama Búzios. O que penso, e você pode discordar de mim, claro, é que ideologicamente o buziano é aquele que não desiste da cidade. É aquele que se dá certo ou se dá errado, ele fica. Com trabalho ou sem trabalho. Vive os altos e baixos. Juridicamente, a identidade está relacionada à existência de um conselho de cultura e toda a estrutura que ele agrega - tanto do ponto de vista ideológico quanto financeiro. O Conselho que eu dei o primeiro passo para estruturar durante a minha gestão na Cultura. Outra questão importante é a física. A cultura em Búzios não tem domicílio. O Cine Bardot passa por isso, mas é um espaço privado, não pode ser o endereço da cultura da cidade, ainda que agregue a cultura da cidade. O Zanine tem cumprido um pouco esse papel, mas ainda precisamos de um espaço

nosso da cultura, com acervo, como ponto de encontro.

Talvez, acho eu, esteja acontecendo uma nova linha de transformação mas voltada para a ideia da identidade de Búzios não com o turismo, mas com a cultura. O turismo está aí, claro, está dado. Devemos divulgar nossas belezas naturais... mas precisamos dar atenção à cultura. Você teve uma experiência recente e curta, como gestor público, na área de cultura da cidade. Você considera que tenha deixado um legado? Como foi essa experiência? Existe aquela ideia: você pensa em dez coisas e faz uma. Eu acho que o Cine Teatro da Rasa é consequência dessa gestão, é um legado. Hoje eu posso até questionar a programação da Rasa, mas o cinema existe. Você tem o desafio de colocar a pessoa no cinema, mas depois precisa desenvolver, elaborar. Nessa edição do Festival, tivemos um debate sobre colocar ou não filmes legendados no Cinema da Rasa. Eu sou a favor do idioma original, com legenda. Levamos o filme legendado. Eu estava vendo no Show Búzios era uma explosão atrás de outra: transformer, reformer, bombas. Por que as pessoas vão ver uma coisa e não vão à outra? O cinema também precisa gerar esse debate. A criação de todos esses produtos é positiva. Uma produção como a de Batman é maravilhosa. Batman, Robin Hood, quem são esses personagens cheios de poder ? E isso não está sendo explorado atualmente. As pessoas veem o cinema só como entretenimento. Mas nós vivemos numa cidade relativamente pequena, que possui dois cinemas - o Gran Cine Bardot, que você fundou em 1994, e o Cine Teatro da Rasa, um exemplo infelizmente raro no Brasil, de cinema público. São filmados cerca de nove filmes por ano na cidade e muito se fala sobre a sua luz natural, propícia à lente cinematográfica. O cinema é mesmo a “nossa praia”? Cinema é nossa praia como vento é a nossa praia, as coisas nossas são

a nossa praia. Temos que preservar não era importante para ser importanas coisas nossas. Contra a invasão te. Eu poderia andar com uma panela da individualidade. na cabeça e tudo bem. Eu digo que sou um buziano porque encontrei a minha O Búzios Cine Festival não é uma identidade em Búzios. mostra competitiva. Qual é a sua opinião sobre os Festivais Compe- Se Búzios fosse um filme, seria de titivos? Eles cumprem um papel de que gênero? avaliação cinematográfica? O que seria não sei, mas o que eu gosSem dúvida. O Oscar é fundamental. taria, era um filme noir (expressão Um filme que ganha o Oscar é 100 francesa designada a um sub-gênero vezes mais visto do que os que não de filme policial, em português, filme são. Só ser indicado ao Oscar já é negro). Sua forma de pensar, sua máuma grande divulgação. gica e seu mistério... Como esse tema me interessa, o tema noir, a literatuTem filmes que nascem com tela e ra policial, gostaria que fosse noir. O outros que nascem sem tela, nem tipo de personagem que me seduz é sabem se serão exibidos. Quando aquele que não consegue sair do seu você filma na Disney, você já sabe destino, as pessoas que caminham que está na tela. Um produtor inde- em duas possibilidades, o lado escuro pendente, não. e o lado claro. A figura romântica do detetive. Os Festivais competitivos cumprem um papel, mas fazer um festival Como foi a sua experiência na TV e competitivo é difícil para o mercado. nas novelas? O Brasil já tem 40 festivais, e nós, Foi extraordinária. Eu tenho físico dinão temos condição de realizar uma, ferente, sou estrangeiro... então somas poderíamos fazer uma compe- mente quando há um personagem tição de público que seria mais fácil. nesse estilo me chamam. Mas nem tão fácil. A experiência com o “Maradona” foi Será que a FOX entraria numa mos- extraordinária porque a expectativa tra competitiva para competir com a era ficar só pouco tempo, mas o perDisney, por exemplo? sonagem ganhou corpo e continuou na novela. E isso me levou a um munO cinema argentino tem sido um dos do extremamente sedutor e perigoso. mais desenvolvidos da América La- As pessoas vinham aqui me ver, tirar tina e se converteu num dos princi- foto com o Maradona e pronto. Eu pais do mundo em língua espanhola. não importava. O que importava era O que você tem achado dessa fase? o produto feito pela televisão. Você O Cinema argentino tem a vantagem tira uma foto, como tira da Torre Eifde não ter a competição com a TV e fel, mas você não está interessado em as novelas, muito diferente do brasi- Paris. Quer tirar a foto com a Torre Eileiro. O brasileiro se vê na tela. Tanto ffel e pronto. A sorte é que eu tenho que atualmente os grandes filmes uma família muito sólida e me manbrasileiros são de personagens que tive firme. vieram da TV. Na Argentina, não. E você pensa em desenvolver a sua Por outro lado, na Argentina, exis- carreira no cinema e na televisão? tem boas escolas de cinema, bons Eu não quero fazer nada que me tire atores, e o cinema tem seguido a da minha vida buziana, da minha rorealidade que as pessoas vivem. tina, da pousada, do cinema. RecenQualquer um é Ricardo Darín. Todos temente, eu fiz um Papa, também fui se identificam com ele. A pessoa via fazer um mafioso. Aí me convidaram o filme e dizia: “isso me aconteceu para fazer uma mini-série da HBO, ontem”. É mais ou menos o que mas não vou. Não sou ator e não queacontecia no Neorrealismo italiano. ro sair da minha vida. Eu faço o trabalho, faço bem, me concentro naqueles Você é um “argentino-buziano” e dias, e depois volto. tem uma carreira consolidada como ator. Como é a sua relação com a E o que te fez desfazer as malas em arte no país e o que o trouxe a Bú- Búzios? zios e ao Brasil? Eu estava saindo da Argentina e não Eu não sou ator, eu sei interpretar, sabia onde queria chegar. Vim saindo estudei teatro... e de todas as ma- da Argentina, porque o Manolo, que nifestações artísticas de um filme é vocês conhecem bem, estava aqui, e a interpretação que mais me seduz. eu tive um encontro direto com a beleza sem intermediário. O mar, a lua Eu saía do filme do James Bond e me o sol... aqui eu estava sozinho diante sentia um James Bond. A Ana diz que disso que Búzios tinha para ser, para eu sou um bom ator porque acredito estar. Essa foi a minha identidade. no personagem. Uma coisa é saber dirigir, outro é ser condutor. Com a O Incaa da Argentina está produzindo interpretação é a mesma coisa. um filme sobre o Cine Bardot e sobre a minha história, com o Víctor la Place E Búzios ? e Horácio Grinberg. O Cine Bardot é Para mim Búzios sempre foi uma um cinema de resistência. Um cineforma de pensar. Onde a vestimenta ma que acredita na cultura.


10

EDIÇÃO 005 – ANO 01 – DEZEMBRO 2018

Gastronomia

DE ONDE VEM NOSSA COMIDA? Para entender a crise alimentar em que estamos hoje inseridos, é necessário refletir sobre as construções que remontam nossa realidade. A percepção de que a gastronomia está intimamente ligada às decisões de o que e como comer acaba por parecer óbvia, pois está no ato de escolher seus ingredientes e os cozinhar, uma das maiores revoluções que uma pessoa pode fazer para si, seus entes e para a comunidade a que pertence. O que nos é apresentado como variedade de produtos, na verdade, retrata uma profunda escassez de possibilidades nutricionais, já que na maior parte das vezes estas mercadorias são somente variações do mesmo insumo. Isso sem falar que a grande maioria das diferentes marcas, normalmente é filha de uma mesma “super-marca”, sustentando a ilusão de um livre mercado. Um infográfico divulgado pela ONG britânica Oxfam revela que dez empresas do ramo alimentício controlam praticamente todas as marcas que populações do mundo inteiro compram e consomem. Vamos ao caso do trigo. Está nos bolos, pizzas, refeições congeladas, pães, biscoitos, molhos, cervejas... Ou seja, a sensação de entrar em um mercado e encontrar uma pseudo diversidade de produtos (de diferentes marcas), acaba por esconder a real pobreza nutricional dos ingredientes que compõem esses alimentos (processados). Para entender a fundo essa relação baseada na praticidade que a indústria de alimentos propôs para a sociedade e seu real impacto, é necessário compreender a força político econômica que a comida exerce nas sociedades, desde os primórdios. Comida é poder. Assim como sua produção e distribuição. Guerras por territórios, em geral, foram e são travadas com prerrogativas geopolíticas, que na verdade versam sobre estratégias para comércio, obtenção de riquezas ou possibilidade de produção agrícola (que envolve pesquisas farmacológicas e acesso à água potável). Nossa raça já experimentou o nascimento de incontáveis civilizações e, hoje, pode, por meio da história, aprender com seus erros e acertos.

O sistema feudal experimentado na Idade Média, por exemplo, conta muito do que vivemos na agricultura contemporânea. Os feudos (terra doada por um rei a um membro da alta sociedade, objetivando troca de fidelidade e ajuda militar) foram a base para o estabelecimento de uma aristocracia latifundiária bem parecida com as que conhecemos hoje. Com o declínio do império romano e por conseguintes invasões bárbaras, essas propriedades possuíam força de trabalho camponesa que vivia sempre à sombra de uma proteção feudal. Baseada, muitas vezes, em mitos das florestas com a intenção de manter a subserviência, além de permanentemente humilhação e pesadas taxas de impostos de produção, essa relação acabou sucumbindo em revoltas camponesas, principalmente durante a Guerra dos Cem Anos e a Peste Negra na Europa. No Brasil, 630 anos depois das revoltas camponesas no século XIV, de acordo com o Atlas Fundiário do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), cerca de 3% do total das propriedades rurais são latifúndios, ou seja, têm mais de mil hectares e ocupam 56,7% das terras agricultáveis. LATIFÚNDIO NO BRASIL Mas como esses proprietários ficaram com tanta terra? Da mesma forma que os senhores feudais. O Brasil teve a primeira divisão territorial logo após seu descobrimento, com a criação de 15 capitanias hereditárias, uma saída para a Coroa Portuguesa delegar a administração do vasto território de sua colônia a particulares. Essas enormes faixas de terras foram doadas a nobres e pessoas de confiança do rei. Esses que recebiam as terras, chamados de donatários, que tinham a função de administrar, colonizar, proteger e desenvolver a região, além de combater os índios de tribos que tentavam resistir à ocupação do território.

Em 1888, mais especificamente no dia 13 de maio, foi pensando na possibilidade de uma nova distribuição de terra - essa foi a data em que o Senado do Império aprovava uma das leis mais importantes da história nacional, a Lei Áurea, que extinguiu a escravidão. Contudo, segundo o historiador Luiz Felipe de Alencastro (um dos maiores pesquisadores da escravidão no Brasil), não era apenas a liberdade que estava em jogo, diz, o outro tema na mesa era a reforma agrária. O debate sobre a repartição das terras nacionais havia sido proposto pelo abolicionista André Rebouças, engenheiro negro de grande prestígio. Sua ideia era criar um imposto sobre fazendas improdutivas e distribuir as terras para ex-escravos. O político Joaquim Nabuco, também abolicionista, apoiou a ideia. Já fazendeiros, republicanos e mesmo abolicionistas mais moderados discordaram. “A maior parte do movimento republicano fechou com os latifundiários para não mexer na propriedade rural”, diz Alencastro. Foi aí que veio a aprovação da Lei Áurea, sem nenhuma compensação ou alternativa para os libertos se inserirem no novo Brasil livre. “No final, a ideia de reforma agrária capotou.”. Cento e vinte e quatro anos depois daquele 13 de maio, o jornalista Alceu Castilho se debruçou durante 3 anos em aproximadamente 13 mil declarações de bens de políticos eleitos entregues ao TSE e afirmou em seu livro (Partido da Terra) lançado em 2012; POLÍTICOS SÃO OS MAIORES LATIFUNDIÁRIOS NO BRASIL. PRODUÇÃO ALIMENTAR Segundo Rodolfo Hoffmann, um dos maiores estatísticos agrícolas do Brasil, em nota técnica publicada na revista “Segurança Alimentar e Nutricional”, da Universidade de Campinas, em 2006, a agricultura familiar produziu 33% do arroz em casca, 69,6% do feijão (considerados todos os tipos), 83% da mandioca, 45,6% do milho em grão, 14% da soja, 21% do trigo e 38% do café em grão, só para citar alguns produtos. Mas então o que o latifúndio brasileiro produz? Em 2017, o Brasil aumentou o volume do produto mais vendido pelo país: soja. Das 115 milhões de toneladas colhidas, 78% foram para a China. A exportação de milho também cresceu. “O milho brasileiro está se consolidando como grande

GUSTAVO GUTERMAN

Professor do curso de Gastronomia do Instituto Federal Fluminense de Cabo Frio

commodity internacional”, afirma Neri Geller (agricultor, empresário e político brasileiro, filiado ao Partido Progressista. Foi ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento por nove meses entre 2014 e 2015). Commodity é qualquer bem em estado bruto, de qualidade e características uniformes, que não são diferenciados de acordo com quem os produziu ou de sua origem, sendo seu preço uniformemente determinado pela oferta e procura internacional. Ou seja, é qualquer produto que tenha demanda, inclusive insumo alimentar, o que não significa necessariamente ser comida. REVOLUÇÃO VERDE Os primórdios da Revolução Verde são frequentemente atribuídos a Norman Borlaug, um cientista americano interessado em agricultura. Na década de 1940, ele começou a realizar pesquisas no México e desenvolveu novas variedades de trigo de alta produtividade resistentes a doenças. Combinando as variedades de trigo de Borlaug com novas tecnologias agrícolas mecanizadas, o México foi capaz de produzir mais trigo do que o necessário para seus próprios cidadãos, levando-o a se tornar um exportador de trigo na década de 1960. Antes do uso dessas variedades, o país importava quase metade de sua oferta de trigo. Com a promessa de erradicar a fome no mundo, ao observar populações europeias devastadas por duas guerras mundiais, ininterruptos conflitos em países africanos e a já conhecida miséria em países subdesenvolvidos, sementes foram modificadas geneticamente, a produção foi mecanizada, fertilizantes e herbicidas foram amplamente utilizados em monoculturas de larga escala. No entanto, todos sabem que a fome não foi erradicada, e muita coisa tomou rumos que não eram previstos, como, por exemplo, em agosto de 2016, a BBC Brasil publicava a seguinte matéria “‘Epidemia de câncer’? Alto índice de agricultores


11

PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS

gaúchos doentes põe agrotóxicos em xeque.” Em março de 2018, o portal Globo noticiava “Pesquisas desenvolvidas por órgãos como a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e Ministério da Saúde – Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) - Agrotóxicos podem causar câncer” Além disso, tal revolução “expulsou” os pequenos produtores da sua lavoura, contribuindo para a ampliação do êxodo rural e, consequentemente, para o aumento da população em periferias de grandes capitais. AGRICULTURA HOJE A Comissão de Meio Ambiente (CMA) aprovou em abril deste ano, um parecer favorável do relator, senador Cidinho Santos (PR-MT), ao projeto de lei da Câmara (PLC 34/2015) que elimina a presença do triângulo amarelo com a letra “T” nos rótulos de alimentos que contêm produtos transgênicos. Já a futura ministra da agricultura, Tereza Cristina, vê, como avanço, o Projeto de Lei 6299/02, o PL do Veneno. Esse projeto visa atualizar a lei dos agrotóxicos, de 1989, facilitando o uso de agrotóxicos vetados em vários países (por serem comprovadamente causadores de doenças como, má formação fetal, depressão, autismo e câncer). Além de sugerir a mudança do termo “agrotóxico” para “defensivo fitossanitário”. Tereza Cristina é deputada federal, líder da Bancada Ruralista, engenheira agrônoma e empresária. O futuro secretário da Agricultura do estado de São Paulo, Gustavo Junqueira, classificou a reforma agrária como “obsoleta”.

A RELAÇÃO PESSOAS-COMIDA 13 milhões. Esse é o número de brasileiros com fome em 2018. E quem controla a produção alimentar, entendeu o valor financeiro deste mercado. Com ramificações na economia e na política, estas pessoas se perpetuam com o mesmo modus operandi desde o Feudalismo. Talvez influenciado pelas ações midiáticas, há quem diga que gastronomia é entretenimento e que não tem força para modificar qualquer coisa na cadeia produtiva alimentar. No entanto, se a comida que está no prato é a ponta de uma cadeia iniciada na terra, como isso não é enxergado como sendo tão importante? A resposta está justamente no que muitos não conseguem ou não querem enxergar. No tempo que a comida era poder, um rei que fosse ma-

gro, não era considerado um bom rei. As sociedades modificaram sua relação com a comida, quando as questões da oferta e da conservação foram resolvidas. Em um primeiro momento pareceu ser uma ideia genial. A revolução industrial deu emprego a quem precisava, gerou renda para reconstruir cidades destruídas pelas guerras e ainda proporcionou desenvolvimento às novas e pobres sociedades. As indústrias garantiram que o alimento era produzido de forma limpa e vendido a preço acessível. No entanto, hoje, as estatísticas mostram um grande número de terras improdutivas, a Revolução Verde não erradicou a fome e se transformou em uma das maiores falácias do mundo moderno. A industrialização alimentar afeta direta e/ou indiretamente várias doenças atuais e os escândalos de adulteração de alimentos para garantir a exportação brasileira não param de aparecer.

e simples: primeiro, garantimos alimentos para dentro de casa, depois, exportamos o excedente.

Conhecer a cadeia produtiva como um todo, analisando seus desdobramentos e influências deveria ser uma das principais funções dos atuais profissionais da gastronomia, a fim de contribuírem com o processo de conscientização alimentar da sociedade. E isso pode ser feito de uma forma excelente: a partir de um gostoso prato de comida. Nos principais países da Europa, foi possível manter as tradições e culturas alimentares, e, paralelamente o mercado ter a presença da indústria agrícola e de produção de alimentos. Tudo isso porque parece que eles seguiram um princípio básico

https://g1.globo.com/pr/parana/especialpublicitario/apreaa/noticia/agrotoxicospodem-causar-cancer-apontam-pesquisas. ghtml

O assunto COMIDA é multidisciplinar. Ele impacta na cultura, na saúde, na economia, na religião. Dizer que gastronomia é só entretenimento é um grave e profundo engano. Acreditar nisso, é ceder a um mundo cruel e imposto, empurrado goela abaixo, principalmente, dos que podem menos.

Fontes: https://www.bbc.com/portuguese/ brasil-44091474 https://reporterbrasil.org.br/2006/07/ especial-latifundio-concentracao-de-terrana-mao-de-poucos-custa-caro-ao-brasil/

https://www.bbc.com/portuguese/ brasil-37041324 https://www.infomoney.com.br/negocios/ grandes-empresas/noticia/3039677/ empresas-que-controlam-quase-tudo-quevoce-consome https://www.oxfamamerica.org/explore/ stories/these-10-companies-make-a-lotof-the-food-we-buy-heres-how-we-madethem-better/

CIDADE

PAISAGEM BUZIANA COM

ROBERTO CAMPOLINA PEDRO CAMPOLINA Arquiteto e urbanista

A paisagem de nossa cidade é única, bela e fundamental para nosso desenvolvimento. Búzios teve 5 trechos de seu território incluídos no Parque da Costa do Sol (PECS). Para falar sobre isso, conversei com Roberto Campolina, arquiteto concursado da prefeitura, mestre em Arquitetura Paisagística pela UFRJ, tendo estudado o PECS em sua dissertação. Pedro: Pode ser interessante explicar melhor conceitos de paisagem e parques. Roberto: Sobre paisagem, tem um conceito de que gosto muito, do Ja-

mes Corner, arquiteto paisagista, que diz “a paisagem dentro de um contexto contemporâneo deve funcionar como agente de produção e enriquecimento da cultura, ao contrário de sua visão pacífica como produto ou reflexo da cultura”. Reforçando esse conceito, encontramos o tombamento de nossa paisagem, pelo INEPAC (Instituto Estadual de Proteção Artística e Cultural) que reconheceu sua importância, não apenas do ponto de vista ambiental, mas também da cultura. Como urbanista, observo as cidades e, como ambientalista, a natureza, o que me levou à arquitetura paisagística, uma fusão entre esses conhecimentos. Hoje, entendo que o antagonismo entre cidade X natureza não deveria existir. Veja Búzios! Aqui temos o privilégio de viver em uma cidade onde as áreas naturais e urbanas se misturam e interpenetram, de forma que uma empresta atributos à outra, formando aquilo que chamamos paisagem.

Por isso, chamei minha dissertação de “Parques Naturais em Áreas Urbanas”, onde propus estruturas de visitação que promovam esse encontro, e as áreas naturais sejam incorporadas ao nosso cotidiano. Pedro: Como você vê a implantação do parque, a relação das pessoas com ele, e os problemas envolvidos? Roberto: Parques são criados para preservar, para receber visitantes e não há como pensar em um parque sem as pessoas. Então, as intervenções são mesmo necessárias. É a infraestrutura de visitação que fará do parque uma realidade, tornando esses locais aptos à realização de passeios, além de atividades culturais, sociais e esportivas. As atrações naturais conhecidas aqui se restringem quase que exclusivamente às praias, onde as áreas do Parque entram apenas como cenário, sem, contudo, interagir, ou oferecer condições de uma participação mais ativa na vida dos moradores e turistas.

Quanto à polêmica, realmente existe, pois a criação de uma Unidade de Conservação é sempre conflituosa, já que representa uma forte intervenção do Estado sobre a propriedade, mais ainda nas unidades de proteção integral como um parque, porque as áreas passam a ser públicas, então, diversos interesses privados foram “travados”; tem ainda a questão das indenizações, preocupação legítima dos proprietários, que ainda não ocorreram, fazendo com que muitas das áreas afetadas fiquem impedidas de receber as intervenções necessárias e o Parque possa de fato cumprir o seu papel. Mesmo com tudo isso, sou fã incondicional desse Parque, por trazer a proteção de áreas ainda preservadas e pouco conhecidas, como se tivéssemos um tesouro guardado, com atributos ambientais notáveis que passam a ganhar visibilidade. Acho que os parques contemporâneos devem assumir um papel importante também como equipamentos urbanos, integrando-se ao sistema de espaços livres da cidade, criando um leque de novas possibilidades e gerando benefícios que podem ir muito além das intenções iniciais de conservação da natureza.


12

EDIÇÃO 005 – ANO 01 – DEZEMBRO 2018

Entre

SHEILA SAIDON

Psiquiatra e psicoterapeuta

PAUSA

“O problema não é que nos deixam só, o problema é que não nos deixam suficientemente sós” G. Deleuze - F. Guattari

A vida anda muito corrida ultimamente. Vivemos presos a exigências externas, laborais, acadêmicas, domésticas, sociais. Tudo parece urgente. Nosso tempo está preenchido, de forma ininterrupta, por estímulos e tarefas simultâneas. Muitos estímulos. Nadamos em um mar de encontros, afetos, atividades, imagens e palavras, sem saber ao certo onde queremos ir, se queremos terra firme ou boiar à deriva. Um frenesi marca o ritmo dos dias e avançamos inquietos, conectados no automático. De repente, um excesso, difícil de suportar, toma o corpo. Só então,

percebemos que o tempo do nosso corpo é outro, ou melhor, que nosso corpo tem um tempo próprio, um ritmo, onde pausas e silêncios são vitais, como na música. Precisamos chegar na exaustão para parar. Aquilo que o corpo sinaliza como um limite, é vivido como limitação, e a solução, muitas vezes, é procurada nos psicofármacos e outras substâncias. Buscamos uma resposta rápida, que silencie os sintomas e nos permita seguir, calando o que precisa ser dito. Anestesiando o que dói. Assim, vamos tentando nos livrar do mal-estar, em vez

de abrir espaço para ele, escutá-lo, vivê-lo, num processo de interrogação, de movimento. Nessa urgência por sair do sofrimento, não respeitamos o tempo do luto, nem nos permitimos vivenciar as angústias do puerpério ou as dores de uma separação. Não há lugar para o vazio, para estar sós. A necessidade de preencher tudo é enorme. Precisamos estar bem, produzir, responder às demandas que o externo impõe...E se estivermos muito cansados, precisamos tomar uma droga para seguir? E muito tristes?

Claro que a medicação muitas vezes é necessária. Ajuda a diminuir a intensidade da dor, quando é insuportável, e a interromper o ciclo de sofrimento quando estamos exaustos e esgotados, mas não é suficiente. É importante fazer uma pausa. Recuperar um tempo para pensar, descansar, ficar triste, perder o rumo. Sentir tédio. Respirar, contemplar, suportar o silêncio. Dar lugar a movimentos mais lentos, suaves, singulares. Encontrar o próprio ritmo e dançar! “Há uma emoção que consiste na passagem do tempo em si mesmo, no fato de sentir o tempo se derramar em nós e vibrar interiormente. É a própria duração a que, em nós, é emoção.” David Lapojaude - Potencias do tempo

Diálogos Quilombolas GESSIANE NAZARIO

Quilombola da Rasa e doutoranda em Educação pela UFRJ

UMA IDENTIDADE QUE SE CONSTRÓI NA LUTA O que é cultura? Qual é a cultura quilombola local? Essas são perguntas que ainda não estão completamente respondidas para a maioria das pessoas, quando se trata de olhar o costume do outro. Cultura é um conjunto de ações produzidas socialmente, em determinado lugar, para dar significado ao mundo e que sofrerá mudanças de acordo com as condições históricas. A cultura é viva e não permanece estática como se fosse parar no tempo. Tenho visto muitas pessoas querendo definir qual seja a cultura dos quilombolas de Búzios e chegando a duvidar de suas identidades por não encontrar elementos que eles definem como sendo “a cultura negra”. O primeiro equívoco é considerar que exista apenas uma cultura negra. Existem várias culturas negras. A partir da diáspora dos diferentes povos africanos que vieram para as

Américas, esses indivíduos reformularam suas culturas, através do contato com outros povos. Trocas e mudanças culturais acontecem desde que o mundo é mundo e não sei por que cargas d´agua se insiste em encaixar os quilombolas em um único modelo de cultura!

Gostem ou não, a religião evangélica faz parte da cultura quilombola da Rasa e de outras comunidades da Região dos Lagos! É claro que também há quilombolas não evangélicos, adeptos de outras religiões e que também não deixam de ser quilombolas por causa disso, caso eles assim se considerem. Esses também merecem respeito! Assim como existem brasileiros católicos, budistas, candomblecistas, umbandistas, espíritas, muçulmanos, a diversidade religiosa também está presente nas comunidades quilombolas. Negar-lhes o direito de refazer seus modos de viver, aqueles do qual se sentem melhor, é negar-lhes o direito à liberdade de escolha. Todos têm o direito de ser felizes e viver da maneira que lhes condiz (desde que isso não ponha em risco a vida de outro). Pense que existem inúmeras comunidades quilombolas por todo o Brasil, cada uma com suas histórias e cultu-

ras: não existe “a cultura quilombola” mas sim “as culturas quilombolas”. Passado este mês da consciência negra, peço a você, leitor e leitora, que tenha um olhar de empatia para o povo quilombola, sem estranhar seus costumes, mas compreender suas histórias de vida. O melhor jeito de se comemorar a consciência negra, ao invés de inventar e impor festas e danças que nada têm a ver com eles, é respeitar, compreender e lutar para que os direitos dos negros e quilombolas sejam mantidos. A principal dimensão da construção da identidade quilombola não só na Rasa, mas em outros lugares do Brasil, é a luta pela terra. Uma identidade que se constrói na luta.


PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS

13

cultura Política

BOLSONARO NA

ARGENTINA De passagem pela Argentina, percebi grande preocupação em relação ao Brasil, e com o novo cenário que se descortina após a vitória de Bolsonaro. É uma mexida drástica e profunda no xadrez político da região, acentuada pelos ecos de “bolsonarismo” que pipocam aqui e ali, na Argentina e em outros países do continente.

está perdendo de 7 a 1 para a dos hermanos. . Mesmo sob inúmeras ameaças à liberdade de opinião por parte do novo regime, a grande imprensa brasileira relativiza as consequências da vitória de Bolsonaro e seus efeitos nefastos que já vão além do que será, ou não, o seu futuro governo.

Fala-se da situação do Brasil e de Bolsonaro nos cafés, nos bares, na TV, no táxi, nos jornais. Há, como em nosso país, incerteza e medo, além de uma indisfarçável consternação dos mais próximos com a nossa situação. Amigos desejaram-me pêsames. Nos círculos acadêmicos, políticos e culturais, há expectativas sobre um eventual êxodo de brasileiros, caso se confirmem as ameaças de prisão ou exílio de opositores. Não houve, até o momento, um desmentido ou recuo sobre o teor destas declarações, por parte do futuro presidente do Brasil.

Bolsonaro marca, na história recente da América do Sul, não só o fim do ciclo de governos progressistas das primeiras 2 décadas do século XXI, como coloca em xeque o próprio liberalismo político que esteve na base dos pactos de redemocratização pós-ditaduras militares, especialmente nos países do cone sul.

Lendo jornais de diferentes orientações políticas - sim, pq na Argentina há jornais diários, nas bancas, com opiniões (muito) diferentes entre si. Dos peronistas do “Página 12” aos oligarcas do “El Clarín”, o tom geral é pessimista e preocupado. Seja pelas consequências da guinada à extrema-direita e seus reflexos na região, seja pelas primeiras declarações nada animadoras do anunciado superministro de economia Paulo Guedes, afirmando que a parceria econômica e comercial do Brasil com a Argentina e o Mercosul não estarão entre as prioridades do futuro governo. As análises e artigos sobre “el efecto Bolsonaro” são muitas, profundas, complexas. Na comparação entre o que se vende e se lê nas bancas daqui e de lá, em diversidade e conteúdo , nossa imprensa nacional

Bolsonaro também reabre feridas que estão ainda longe de cicatrizar, em questões relacionadas ao direito à memória, verdade e justiça para os crimes cometidos pelo Estado nas ditaduras militares em Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai e Bolívia, apenas para falar dos países que estiveram no raio de ação do “Plan Condor”, ação militar regional coordenada pelo serviço secreto norte americano. A agenda econômica esboçada até agora pelo novo regime brasileiro pouco difere, em suas previsíveis consequências, do receituário ultraliberal adotado pelo governo Macri, que conduziu a Argentina à bancarrota. O país está, neste momento, sob intervenção do famigerado FMI. O Fundo andava há alguns anos sem ter o que fazer no Brasil, mas tudo indica que será chamado de volta em breve.... Sobre possíveis impactos da virada política brasileira nas eleições presidenciais argentinas em 2019, analistas de diferentes espectros ideológicos coincidem em afirmar que não há um personagem como Bolsonaro com capacidade de polarizar uma

ALEXANDRE SANTINI

Dramaturgo e gestor do Teatro Popular Oscar Niemeyer de Niterói eleição presidencial no país. Tampouco, haveria espaço na sociedade argentina para a formação de uma maioria política e eleitoral em torno de tendências notoriamente autoritárias e antidemocráticas, ou de uma agenda tão regressiva em aspectos culturais e comportamentais. Cabe observar, porém, que analistas brasileiros também diziam o mesmo há 1 ano atrás: o quão improvável seria uma vitória de Bolsonaro. E, se de fato não há, até o momento, um candidato a Bolsonaro na Argentina, os sintomas de “Bolsonarismo” no cenário político local são crescentes: a ministra da Segurança pública do governo Macri defendendo a liberação do porte de armas; aumento da repressão aos movimentos sociais e políticas de “mano dura” para os imigrantes; ascensão de igrejas evangélicas neopentecostais como atores políticos de influência crescente; sentimento antipolítica provocado pela sensação de corrupção generalizada insuflada pela mídia; lawfare e ativismo judicial seletivo contra ex-governantes.

“La historia de los gorilas se terminó”, cantam orgulhosos nas ruas os militantes da La Cámpora, organização de juventude peronista argentina. E de fato, este país teve a coragem, nos governos Kirchner, de enfrentar - e vencer - os fantasmas do passado, em um acerto de contas institucional com os crimes cometidos pela ditadura militar, levando a julgamento, condenando e punindo os criminosos, transformando os centros de detenção e tortura em espaços públicos abertos às escolas, onde funcionam centros de cultura, lazer, pesquisa e documentação. Enfrentar os fantasmas do passado será fundamental para a resistência democrática, que disputará, palmo a palmo, daqui pra frente os rumos do Brasil, bem como sua relação com a América Latina e o mundo. “Nem os mortos estarão em segurança se o inimigo vencer”, nos alertou Walter Benjamin em seu célebre ensaio sobre o conceito de história. É preciso voltar dizer em alto e bom som, e em português, que a história dos gorilas já terminou!

ZANINE

FUNCIONAMENTO: SEGUNDA-FEIRA A SEXTA-FEIRA DE 9H ÀS 18H, SÁBADO, DOMINGO E FERIADO 11H ÀS 19H Estrada da Usina (ao lado da Prefeitura), Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000 - Fone: (22) 2623-6502


14

EDIÇÃO 005 – ANO 01 – DEZEMBRO 2018

Cinema e histórias

O RIO DA PRATA CONTINUA SEMPRE LÁ

MANOLO MOLINARI

Historiador Rosarino Buziano

GRAND CINE BARDOT Quinta-feira às 21h Sexta-feira às 21h Sábado às 19h e 21h Domingo às 19h e 21h Valor: R$ 30,00 @grancinebardot.buzios CINE CLUB GRAND CINE BARDOT Sexta-feira. Sessão: 19h. 7 de dezembro O CÉU DE LISBOA, 1994, drama/ DRAMA MUSICAL, 1h43m. 14 de dezembro ALICE NAS CIDADES, 1974, drama/ filme de estrada, 1h50m. 21 de dezembro PINA, 2011, filme musical/ documentário, 1h43m. 28 de dezembro O SAL DA TERRA, 2014, história/ documentário, 1h50m. Valor: R$ 10,00 facebook.com/segundas.projecoes

Travessa dos Pescadores, nº 88, Centro, Armação dos Búzios, Rio de Janeiro, Brasil, CEP 28950-000

Sempre fui um viajante dos equinócios e, se por acaso, peguei algum verão ou inverno de cheio na minha vida, numa terra estrangeira, foi por causa da extensão de algumas viagens que fiz, de larga duração, como os discos de vinil. Quer dizer, saía sempre em primavera ou outono e continuo fazendo a mesma coisa. Claro que nem sempre foi assim com a Argentina, meu país natal, pois as circunstâncias que me levavam até lá podiam ser de diversa índole, algumas vezes até tristes. Aliás, também acontece que quando a gente fala em ir à sua terra de origem, usa, muitas vezes, a palavra “voltar”, mesmo que não tivesse intenções de ficar por lá. Ou será que essa ideia está sempre latente na cabeça e no coração das pessoas imigrantes e, inconscientemente, nos sentimos uns perpétuos exiliados? Enfim, assuntos a serem considerados, conforme o estado de ânimo do dia, que muda com a mesma frequência que o plat du jour do bistrô da esquina. Embarquei-me em direção ao sul do continente, na última semana de outubro, para desembarcar no aeroporto do centro de Buenos Aires. É bom aclarar para os meus leitores que, apesar do meu assumido amor por Rosário (que viria a ser a segunda cidade da nação), nasci na Capital Federal (que agora é Cidade Autônoma de Buenos Aires) bem no meio do século passado, e bem no coração do Bairro Norte, que agora ficou meio confundido com Recoleta. É claro que, no tempo em que eu fico por lá, meu coraçãozinho também bate diferente, nem mais forte nem mais devagar, simplesmente diferente, embalado por lembranças, encontros, lugares, vivências. Não vou dizer que achei grandes mudanças que já vêm se operando, em ritmo acelerado, há uns 30 anos; gostaria mais de falar das permanências, essas sim, que ainda redescubro com infinito prazer. O que não dá pra negar é a mudança no clima. Final de outubro é para ser quente e encontrei pessoas de sobretudo na

rua. Tive que pegar agasalhos emprestados com amigos.

As caminhadas matutinas pelo jardim de roseiras do parque de Palermo, que chamamos de “rosedal” (rosarium), é um espetáculo de luxo para olhos e olfato, com suas pequenas pontes, os chafarizes e sua lagoa cheia de patos, o pátio andaluz e o jardim dos poetas, com bustos colocados em círculo de alguns dos mais importantes poetas e homens de letras espanhóis e latino-americanos do século XX, como Miguel Hernández, José Martí, Amado Nervo, Borges, García Lorca, Miguel Angel Asturias e, de penetra, Shakespeare, que não chega a desentoar no feliz ambiente. Quem sabe, algum dia, lembrem de colocar mulheres, como Gabriela Mistral ou Alfonsina Storni e, por que não, um Carlos Drummond ou Manoel de Barros, já que o lugar é grandemente frequentado por brasileiros visitantes e também fazem parte do clube dos “irmãos latino-americanos”? E, ali perto, a orla (costanera) que nos enfrenta ao rio-mar, na sua vastidão de águas lamacentas, rio que só tem duas margens quando a claridade permite avistar o Uruguay. Volto sempre também aos museus, velhos e novos, Belas Artes (com mostra de têmperas de Turner), Malba (arte latino-americano), Larreta (uma joia de arte espanhol), Casa Proa (com uma pequena mostra de Alexander Calder para não perder) bem do lado da rua Caminito no bairro da Boca, ou caminhar pela avenida de Mayo, pedaço de Espanha fora do lugar, encaixotada pela modernidade arquitetônica dos começos do século passado, como o edifício Barolo, representando a Divina Comédia, poesia de Dante em forma de tijolos, em contraposição ao classicismo francês dos quarteirões que ainda exibem, despudoradamente, a riqueza que já foi um dia… O destino levou-me também a atravessar a ponte, durante a noite, e desembarcar em Montevideo, para

também percorrer a orla, que ali chama-se rambla, novamente junto ao rio-mar, sempre imenso, porém mais ainda frente à miudeza e à simplicidade uruguaia, onde o tempo corre de modo diferente e as transformações, raras, passam despercebidas. A cidade velha, ainda mais velha, com suas praças íntimas (a Zabala, quase na ponta, é uma joia) que airam o espaço apertado, seus pequenos museus que põem em valor os artistas notáveis como Torres García, Figari ou Gurvich, o teatro Solís (onde assisti a um Molière que não destoava com a paisagem e estava lotado de crianças de escola), o Mercado del Puerto que, sequestrado, trocou seu incerto destino de estação ferroviária argentina pelo mais nobre de centro gastronômico, com destaque para as churrascarias com as melhores carnes do sul e as maravilhosas morcelas (morcillas) uruguaias, que parecem com as vascas. E o que dizer sobre o seu povo, sempre educado, simples, e disposto para com o seu “outro”, vestindo roupas com ares de brechó, ou vintage diríamos agora, dos 70 ou os 80. E o rio-mar sempre ali, aproximando-nos uns com outros, as duas cidades capitais, dois povos que poderiam ser um, ou também nos separando, nas banais disputas pelo doce de leite, pelo tango, o futebol ou Carlitos Gardel. Afinal, somos todos rio-platenses… E paro por aqui, desejando que as últimas linhas deste meu espaço sejam para me despedir do Mica, Mica Mureb, Mica do supermercado, Supermica do mercado, de quem tanto gostávamos todos e que tantas vezes quebrou o galho da gente, simplesmente dando crédito à palavra, anotando as dívidas num caderno até a prosperidade voltar, como fazia-se antigamente. Ele conhecia bem a todos nós, sempre tinha uma pergunta, sempre tinha uma opinião. Talvez, este ano que vai começar, fiquemos sem receber aquele calendário com que nos presenteava sempre. Vai ficar faltando. Saudades, amigo. Saudades e obrigado!


15

PUBLICAÇÃO POLÍTICO-CULTURAL, GASTRONÔMICA E LITERÁRIA DE ARMAÇÃO DOS BÚZIOS

Cultura Canábica

HAMBER CANNABICO CARVALHO

MACONHA: UM ANO DE MUITOS AVANÇOS NO JUDICIÁRIO

Ativista da maconha medicinal

poder, não existe perspectivas, pelo menos a médio prazo de ser prioridade na já congestionada pauta política. Com a nova formação do Congresso e do Governo Federal extremamente reacionários, tanto o uso medicinal quanto o recreativo serão engolidos pelo preconceito patológico, com o avanço do mercado externo na venda de produtos importados inacessível a população mais necessitada. A tentativa da Senadora Marta Suplicy em aprovar na Comissão de Assuntos Sociais do Senado o uso para fins medicinais, ainda que seja aprovada, soa muito mais que uma desculpa do que uma ação efetiva, pois dependerá do plenário para sua aprovação, a poucos dias do recesso parlamentar. Ao findar este ano, podemos comemorar muitos avanços no uso da maconha medicinal, a partir das decisões do judiciário. Se fossemos depender da regulamentação de seu uso em pacientes pela ANVISA ou pelo Congresso Nacional, permaneceríamos no eterno limbo e na clandestinidade de sua aplicação. São mais de 25 habeas corpus espalhados pelo país, para o cultivo e produção de seu óleo essencial para o tratamento de inúmeras doenças que a medicina tradicional não consegue responder. Até a importação direta do canabidiol, antes restrita a autorização da

ANVISA, vem caindo por terra, com inúmeras decisões que autorizam a importação direta e fora da lista pré-definida por este órgão de regulação. Soma-se a isso os julgamentos recentes de importação de sementes qualificadas com teores definidos de seus principais princípios ativos, o THC e o CBD, para a extração de óleos medicinais. Um dos Estados que mais se destacaram na pesquisa para a produção de medicamentos à base de maconha, foi o Estado da Paraíba, onde o meio acadêmico e as associações de pacientes, avançam junto com o Ministério Público Federal para a produção de medicamentos, com a

finalidade de atender pacientes com poucos recursos e onde os métodos convencionáveis apresentam baixo índice de resposta. No Rio de Janeiro, os avanços foram expressivos, com a organização de Mães de pacientes jovens e crianças com distúrbios neurológicos, conquistando o direito ao cultivo e produção artesanal de canabidiol com resultados excepcionais frente a medicação importada a preços proibitivos. No Supremo, apesar do ministro Alexandre de Moraes liberar para votação em plenário o julgamento sobre a descriminalização, após o processo dormitar um longo período em seu

Para os ativistas e pacientes do uso da maconha medicinal e recreativa, o quadro permanece inalterado, pois o patamar de suas lutas e convicções só tende a crescer, com a onda internacional de sua regulamentação. O proibido será sem dúvida, o combustível de resistência para a difusão de seus efeitos altamente benéficos para a procura da qualidade de vida. O direito a saúde e a vida jamais se curvarão aos sabores da política, não foi assim até agora e jamais será no horizonte que se aproxima. Plantar sempre, comprar jamais!!!

Praça da Ferradura, Centro Armação dos Búzios Rio de Janeiro, Brasil SÁBADO DE 7H ÀS 15H Hortifrutigranjeiro, alimentação, DJ Léa, artesanato e livros QUINTA-FEIRA DE 19H ÀS 23H Alimentação, DJ Léa, música ao vivo e artesanato

@feiraperiurbanadebuzios


16

EDIÇÃO 005 – ANO 01 – DEZEMBRO 2018

EU FINANCIO O

PARTICIPE DO FINANCIAMENTO COLETIVO Este espaço é dedicado as pessoas que mensalmente contribuem para que o Frente e Verso possa ser publicado e distribuído gratuitamente. www.catarse.me/frenteeverso

Antonio Araujo Artênius Daniel Carla Rimes Cris Anila Paramita Fabio Ferreira Fernando Máximo Gessiane Ambrosio Peres Gika Mendes Gustavo Guterman Hélio Coelho Filho Júnia Prosdocimi Leandro Silva de Araújo Luisa Barbosa Luisa Regina Pessôa Manuel Molinari Márcio Careca Maria Cristina Pimentel

Marlene Gonçalves Gouveia Mattias Pap Antonio Pedro Campolina Marques Sandro Henrique Peixoto Sheila Saidon Tchum Tiago Alves Ferreira Valéria Cardoso Magalhães Vinícius Costa

Memória Buziana

Zarzuela

PAISAGEM Parte 1 Área de terreno que se abrange num lance de vista. Esta é a definição dos dicionários. Búzios tem paisagens lindíssimas, o pôr do sol de Manguinhos, a vista do alto da praia Brava, Geribá, a Lagoinha, enfim, não é possível enumerar todos os belos lugares que a vista pode alcançar. Qualquer tentativa de descrever as paisagens de Búzios sempre vai resultar em algo pálido e muito longe da realidade. Não há literatura capaz de mostrar suas cores, mudanças de luminosidade, os movimentos constantes do mar e das nuvens. Mesmo porque qualquer tentativa seria inútil. Elas, as paisagens, estão ali, mutantes mas imóveis, à nossa espera, para serem admiradas, vividas. Esta crônica trata de outro tipo de paisagem, também de difícil narração literária. Mas uma vez que não são “áreas de terreno que se abrange num lance de vista”, e de acesso, muito mais difícil e, poderíamos dizer restrito, acho que vale a pena tentar uma descrição, ainda que insípida. Trata-se das paisagens submarinas. São restritas porque para vê-las, além de você gostar de mergulho, para ter a oportunidade de fazê-lo, o mar não pode estar batido, a água tem que estar clara. Em certos dias, literalmente, não se enxerga um palmo adiante do nariz, ou seja, da máscara de mergulho. Enfim, não são todas as pessoas e nem são todos os dias, que podemos admirar alguns dos lindos ou exóticos panoramas submarinos que o mar de Búzios esconde. Acresce ainda que, como a visibilidade dentro d’água é restrita, você ainda precisa juntar, em sua imaginação, várias pequenas paisagens, para ter uma ideia do conjunto. O primeiro lugar que me vem sempre à memória é a laje das Enchovas; fica a 2,6 milhas náuticas da

“HÁ MUITO TEMPO EU ESCUTO ESSE PAPO FURADO DIZENDO QUE O SAMBA ACABOU. SÓ SE FOI QUANDO O DIA CLAREOU.” Paulinho da Viola

BENTO RIBEIRO DANTAS

Escritor

LÉA GONÇALVES

Radialista, DJ e programadora musical praia da Armação e a 0,9 milhas a nordeste da Ilha Feia. Não é difícil achá-la, o mar normalmente quebra sobre a laje. Mesmo com mar calmo e a maré alta, ela ainda mostra o rebojo do seu topo. O fundo está a mais ou menos 16 metros, mas o que o caracteriza é que se trata de areia branca como de praia. A laje se projeta, deste fundo até a superfície, uma coluna de pedra cheia de vida marinha. Não é muito grande, em poucos minutos se pode nadar em volta da laje. Uma amiga, que também mergulhava, a comparava com a fachada de uma catedral gótica, daquelas feitas com pedras mais escuras e de uma só torre. Muitos peixes moram e visitam a laje das Enchovas; nas poucas tocas que podemos encontrar em seu fundo, habitam badejos e sargos de beiço; em volta da pedra, além das enchovas que lhe deram o nome, podemos encontrar cardumes de enxadas e, ocasionalmente, xaréus de grande porte. Com água límpida, é um espetáculo único ver aquele grande monólito escuro erguendo-se do fundo claro e brilhante. Já que falamos da Ilha Feia, que de feia só tem o nome, também iremos até ela. Mas você precisará aguardar a próxima edição do Frente & Verso. Até lá.

Dia 2 de dezembro é o dia do samba e existem várias vertentes: pagode, bossa-nova, samba de terreiro, partido alto, samba-canção, entre outros, e o samba de roda que foi proclamado patrimônio da humanidade. Há também a mistura com outros gêneros: sambalanço, samba reggae, samba rock, samba jazz etc.. “Pelo telefone” (Donga e Mauro de Almeida) foi o primeiro samba gravado no Brasil em 1916. Inicialmente criminalizado e visto com preconceito, é hoje símbolo da identidade nacional brasileira, vide nosso carnaval, um dos maiores espetáculos da terra. A história do samba é tão grandiosa e extensa que não tenho a pretensão de contá-la, assim como os grandes nomes de compositores e artistas, uma lista tão gigante que precisaríamos de vários números desta coluna para enumerá-los. Assim, vamos falar de nossa representante aqui em Búzios, a carioca, portelense Leny Morais que, após sofrer um AVC, devido ao excesso de trabalho, escolheu nossas praias, em busca de uma vida mais tranquila e saudável. Com 4 álbuns gravados e há mais de 30 anos na estrada, a cantora nos brinda com sua voz melodiosa e visceral. Seu interesse pela música surgiu ainda na infância, quando presenciava sua mãe confeccionando fantasias de carnaval. O grande mestre Davi Correa fez um samba em homenagem a Clara

Nunes, enredo 2018 da Portela, e foi convidada para defendê-lo. Foi backing vocal de Agepê e Dêma, e abriu shows de Sérgio Sampaio, Luiz Melodia, Tunai e João Bosco. Vamos destacar aqui os álbuns; “Meu samba mostra a cara”, que tem direção e arranjo de Renato Arpoador, “Samba de raiz”, totalmente acústico, e o “Simbora Sambar”, com produção de Rildo Hora. Se você estiver com vontade de ouvir uma boa roda de samba e ouvir composições de grandes bambas, o nome Leny Morais e seu “o Bando” vai te inspirar. Contato para shows: lenemoraes. samba@gmail.com / Tel.: (22) 998900995

Até a próxima. Mande-nos uma mensagem, participe conosco: A coluna Zarzuela gostaria de saber quais são as dez músicas de todos os tempos? lea.leadj@gmail.com http://facebook.com/lea.leadj Para os inscritos no catarse, este mês estará disponível no Spotify os grandes nomes de nosso samba.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.