Sarau Sanitario

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Copyright 2009 by Marina Mara Capa e ilustrações Clarice Gonçalves Diagramação Fernando Souza Foto da autora Arthur Cavalcante


Sumário

A vida em Braille Água na Boca Ao signo de Aquário Ao signo de Áries Ao signo de Câncer Ao signo de Capricórnio Ao signo de Escorpião Ao signo de Gêmeos Ao signo de Leão Ao signo de Libra Ao signo de Peixes Ao signo de Sagitário Ao signo de Touro Ao signo de Virgem Aquela Música Arte Urbana Banho Bras-Ilha Brisa Burle Cabelos

Camarim Cazuza Chá das cinco Cigana Clímax Correntes Dáblio-dáblio-dáblio De lua De volta a mim Eu sem mim Fluir Fotografia Insônia Limbo Lua Luto Luz que jaz Mãos Marias e sua mulheres Menina com letra de mel (à Cora Coralina)

O McDonald´s me comeu O voo da Rocha Oi Os Anjos de Augusto Passarinho (à Edith Piaf) Passos tristes Se chovesse Sofrida flor Tarja TPM



Apresentação

Sarau Sanitário.com? E isso é nome de livro de Poesia? É. Este livro é parte de um inusitado projeto de inclusão social homônimo que leva a Poesia para banheiros públicos, em forma de cartazes, e para o mundo virtual. O intuito do projeto é a disseminação desse gênero literário de forma criativa e inclusiva, pois também possui uma versão em Braille e em outros idiomas, traduzidos por alunos de escolas públicas do Distrito Federal. O Sarau Sanitário.com nasceu para lembrar que a Poesia é para consumo de todos e não somente de elite intelectual. Os poemas contidos neste livro, muitos premiados nacionalmente, nada têm de convencional. Eles retratam temas como a TPM, a

vida virtual, a sexualidade, o meio ambiente, a idade balzaquiana, os nossos alienados hábitos alimentares, além de apresentar um poema para cada signo do zodíaco. O Sarau Sanitário.com também apresenta poemas em homenagem à sumidades como Tom Zé, Edith Piaf, Frida Khalo, Glauber Rocha, Cora Coralina. Uma marcante característica da poesia de Marina Mara é a contemporaneidade e a identificação que desperta nas pessoas, principalmente naquelas que dizem não gostar de Poesia, pois, com bastante inventividade, retrata temas que fazem parte do nosso cotidiano. A autora do livro é uma poeta performática que utiliza em suas apresentações recursos multimídia como vídeo, música, artes plásticas e cênicas,

entre outros, nuance que vem dando à jovem poeta um crescente destaque na cena literária nacional. A identidade visual do Sarau Sanitário.com é parte do acervo de Clarice Gonçalves, uma jovem artista plástica que retrata o universo feminino de forma ímpar. Suas telas são inconfundíveis tanto pela técnica quanto pela sutileza contemporânea que imprime em cada trabalho. O resultado final do livro é uma linda coincidência, pois os poemas e telas parecem ter sido feitos sob encomenda um para o outro, mas trata-se de um encontro mágico entre duas jovens artistas impresso nas páginas a seguir. Aprecie sem moderação.



A vida em Braille Os cegos não querem ser heróis Querem ser como são – normais As batalhas que vencem dia a dia Os obstáculos que só eles notam É coisa de quem vê, mas não enxerga Chamo essa de cegueira da alma A qual nos impede de enxergar o próximo. Em um mundo tão cheio de mazelas As quais vemos ao mudar o canal Ao conectarmos, ao caminharmos O que resta de bom, estamos queimando Devastando, transformando em luxo Que logo se tornará lixo em nome da moda. Ei, você: feche os olhos por um instante Vês como agora você ouve melhor? Vês que sentes pessoas e aromas ao longe? Vês que podes imaginar o mundo mais colorido? O cego também vê. E de tanto ter a imaginação Como modo de ver a vida Acabou por se convencer De que o mundo ainda pode ser belo Desde que todos fechem os olhos Para, em Braille, redescobrir A verdadeira textura da vida.



AquĂĄrio

É fria a temperatura e o temperamento que o temperam na tempestade E na temperança.



Aquela Música

Notas que retalham os sentidos Surtindo dor-não-física Servindo dor que liberta E nos faz gritar em silêncio E vai se alastrando... Devastando... Varrendo tudo o que não for Grande o bastante Pra fazer nossos anjos Caírem no solo Dos acordes que nos acordam E convidam a voar.



Arte urbana As galerias das ruas No museu quotidiano Passam de gris a grafite Num passe, num passo Traçando trajetos Com traços de tons E compasso de sons Que cantam a realidade E pintam pela cidade Um jeito diferente de ver E de viver o que está aí E quem vier ver, verá.


Bras-Ilha O Ipê não se demora A enfeitar sua primavera De olhar exótico, Alvorada e aurora Nos fita com céu que seu povo venera Um sutil ritual a faz genuína Por seis meses se põe a chorar E quando não chora essa menina Guarda seu pranto no Lago Paranoá Cerrado de excêntrica arquitetura Possui as bênçãos de uma Catedral A crença nascida da mescla de cultura Compõe a alma da brasileira Capital




Brisa Na quietude de um domingo à tarde Quando a alma arde com o frio da solidão Adentrou em meu coração sem pedir licença A inusitada presença do vento Ele chegou no intento de soprar suas aventuras Cheias de loucuras, descobertas e paixões Emprestando suas emoções ao ermo que me habitava De cada história que contava nascia uma esperança Hora eu ria como criança, hora as lágrimas desciam E quando elas surgiam, eu sentia fluir de mim E assim, fui preenchendo os ocos espaços Com abraços que eu não dei, beijos que não senti E foi então que entendi o que o vento estava tramando E fui me admirando com o quanto foi esperto Ele queria meu coração aberto pra que o amor pudesse entrar E quando plena de amar, por mim ele passaria E levaria a brisa de meu amor a quem estivesse sozinho E quem não tivesse carinho lá estava o menestrel A cumprir o seu papel de varrer a má solitude E com essa atitude fazer brotar a beleza E onde havia aspereza, brotava a alegria E assim ele vivia, plantando sentimentos, varrendo a dor Para colher o amor e o espalhar com euforia Mas algo que eu não sabia é que sua ventania Que secava o pranto e pra meu espanto Entendi que amar é estar cheia de brisa E o calor na alma desta poetisa, quando amava Era uma brasa que inflamava quando o vento aparecia.



Burle

(Ao músico, pintor, poeta e paisagista Roberto Burle Marx)

Burle o que não for arte Marques com cores as veredas As varandas, as telas e teclas E quando chover no jardim E o sol trouxer as sete cores O mestre dará sete notas Todas mudas, que plantadas Florescem como poesia Enraizada em projetos De cheiro, vida e simetria Seja tela, terra ou tom Sim, tudo são flores Quando a magia é dom É o poder da alquimia Que tira som de planta Como maestro que encanta Os pardais de orquestras naturais Que leem nas linhas das folhas Suas partituras musicais.



Cabelos Cabelos são pelos Apelos estéticos Frenéticos ao vento Invento de moda kitsch Fetiche que realiza Se alisa desde a raiz Que infeliz por negada É pintada de querubim Se o pixaim quer pente A mente não se assume E se resume em chapa-quente Fritando nossa negritude.



Camarim Soprando beijos nos ouvidos De tão suaves fazem arrepiar Fechados olhos, abertos sentidos É a Flauta lançando doçura no ar O Baixo suinga seu poder de sedução Em sua gravidade envolvente Com toda calma e precisão Aflora o devaneio latente Instigando a sensualidade A Gaita tira o juízo da gente Rebola na boca sua musicalidade Levando o gosto da pele à mente Os quadris imitam o compasso Ritmado pelo coração O palpitar aumenta ao passo Que a Bateria evolui na percussão Geme a Guitarra no dedilhar Escalando com corda e braço O ápice na precisão do tocar Cega a noção de tempo e espaço O suor rega a essência das almas Fechando mais um ciclo da natureza O espetáculo brindado com palmas Fundiu excitação, melodia e sutileza.



C창ndido

(ao signo de c창ncer)

se Portinari morreu intoxicado por tinta, logo tenho direito de morrer de amor.


vinte e sete do doze (ao signo de capricórnio)

para estar perto esteja ao lado para estar longe esteja dentro para decifrá-lo sinta a essência para amá-lo benevolência.


Cazuza Se o acaso causasse Tristeza intrusa Minha branca blusa Pintaria de blues E cantaria nas encruzilhadas Do ocaso, acusando O causador, o caรงador Que abusa da sorte E se recusa a fitar ao norte O voo da ariana ave Que cruza um tempo que nรฃo para E pra sempre voarรก leve Leve, leve...


Chá das Cinco Chá das cinco crianças No chão da cidades Na enxada cinco meninos Desmanchadas inco fantasias Achadas cinco infâncias perdidas Chá das cinco na praça dos três.


Leo

(ao signo de Leão) Onde está o meu sol? Quem vai me iluminar? Todo o mundo veio em prol De me prestigiar Onde está o meu céu? Tô sem palco pra pisar? E as estrelas do anel? Assim só eu vou brilhar Afinaram a tuba? Pentearam a juba? Abram as cortinas Pois vou me levantar Protejam as retinas O show vai começar!



Cigana A Cigana hipnotiza a fogueira a convidando pra dançar Travando o duelo entre o chicotear da saia e o clarão A castanhola crepita desafiando o fogo a castanholar Labaredas trajando saias incendeiam as cordas do violão Rosas vermelhas exalam dos lábios, unhas e rendas Olhar poente atrás do leque se abrindo como pavão Gira o rendado desabrochando como flores nas cirandas Sapateando a poeira dissipada com o serpentear da mão O vinho barganha a sede da garganta pela que profana Elegendo a quem brindará com seu perfume no lençol A bebida aflora como lua cheia nos quadris daquela Ariana Despertada com o gorjear desaparece antes do nascer do sol A enviada das Deusas seduz o perigo e enfeitiça a morte Seu decote afronta o mundo e sabe que nada a pode atingir Cartomante que não só lê, mas escreve sua própria sorte O futuro é palavra traga pelo vento, é seu dom de intuir.


Correntes Descobri o que são elos em minha vida corrente Pois os elos da corrente das leis “humanas” Me aprisionaram a seu mundo estranho E de seu rebanho fui a ovelha negra Segregada por amar, reprimida por chorar O vento foi traiçoeiro, veio sorrateiro Me atiçou trazendo lascívia em seu hálito E como força do hábito meu corpo se inflamou E minha boca declamou a obscenidade Que em cada canto da cidade a ventania Se encarregou de espalhar Então minhas palavras logo se tornaram furação Que perturbaram a alma e devastaram a calma Trajados de armaduras e armados de euforia Seguiram em romaria, minha pele farejando E me cercando com olhares que me condenaram Os pastores ordenaram que levassem pedras nas mãos Assim, os falsos irmãos, pelo meu pecado de enxergar Vieram a me cegar lançando então a primeira Mas somente a derradeira que alguém jogou Me libertou ao cair sobre minha corrente E como minha mente, um elo se abriu E fugiu a minha essência para o espaço Ao passo que não mais existiria traição Pela profanação de minha voz Lá não haveria ouvido algoz capaz de deturpá-la Aquele julgamento foi meu rito de passagem Foi a viagem de volta ao meu lugar O meu lar, onde minhas palavras gorjeiam Onde meu olhos chovem e fazem brotar beleza E a mãe natureza me dá colo para nanar De dia me visto de mar, à noite me visto de lua Mas prefiro a alma nua, é melhor para voar.


Se chovesse Quando anoitecesse no cerrado e profundo eu dormisse Então sonhasse ter me tornado chuva e visse alguém que amasse E sofresse por esse amor na rua onde eu chovesse E eu me embrenhasse em seu pranto até que a tristeza confundisse E sem querer o alegrasse e encorajasse Pra que ele se declarasse a sua amada e tudo clareasse E o casal se abraçasse, se beijasse, se quisesse Mas quando o desejo incendiasse e então suor eu me tornasse Pelos corpos passeasse e de amor me perfumasse Até que o corpo se cansasse e eu visse que o dia raiasse Pra que eu evaporasse e pro céu eu voltasse E de novo esperasse que ele se nuveasse E novamente eu descesse até outro alguém que precisasse Que de cupido me fingisse e então o abençoasse E toda estória sempre se sucedesse com o mesmo desenlace Então feliz eu acordasse com o som da chuva e ela me entorpecesse Com cheiro de terra molhada e para a praça eu corresse, Com ela me banhasse e no meu sonho acreditasse, O coração apertasse e por você eu gritasse Se porém não aguentasse e mais uma vez chorasse E a enxurrada meu pranto te mandasse Que pelo menos ele servisse como água que seu jardim bebesse Se um dia ele florescesse e você se encantasse E flores então colhesse pra que seu quarto enfeitasse E à toa eu me arrepiasse como se eu adivinhasse Que bastava que o aroma sentisse pra que de mim se recordasse E voltasse sem que nada me dissesse Somente acreditasse que nada existiria que nos separasse Então pra calçada eu te puxasse e de chuva o nosso amor se inundasse No nosso beijo ela brincasse e sem querer minha lágrima você bebesse E dentro de você me enraizasse, então pediria a alguém que me trancasse Que a chave fora jogasse pra que de seu coração eu nunca mais escapasse.



dáblio-dáblio-dáblio Ficar sem cel não era ficar sem chão na década passada. O que era o nosso íntimo, o nosso segredo a ser decifrado, Hoje é débil, é dáblio-dáblio-dáblio. A superexposição é vitrine, é no monte, é a massa Bebida em taça de brinde... à e-ngenuidade. A conexão que nos desconecta de nós mesmos Acaba por nos, hipnótica-mente, convencer A baixarmos o software e não baixarmos o Santo, Digitalizando-nos, deletando nossas mazelas, Como se delas não precisássemos para lapidação, Dourando a pílula, a pele e os apelos, quase em pêlos, Esculpidos por um bisturi online e for free. Para opinião: senha. Para visitar: perfil, Enviando abraços não-sonoros sem abraço e sem fio. Se modernidade servisse para encurtar distância, E a elegância não passasse a ser artigo de luxo Em nossas salas de estar, estariam, Nosso tempo valeria mais cifras e menos cifrões, Menos textos e mais texturas, Menos pixels e mais paixões.


de lua sempre atravesso um nevoeiro para me encontrar em você driblando o passado, dores e sabores que não mais. ao me ver ai dentro acotovelando espinhos dos caminhos até você encontro flores que plantei e aí sorrio pelos lábios seus até que os ponteiros apontem para a porta da rua e dependendo da lua quem sabe ainda serão meus.


Luto Luto pela fauna Luto pela flora Luto pela alma Luto pelo agora Luto pela vida Luto pela esperança Que também trajava luto Desde que eu era criança.


De volta a mim De tanto estar a sua volta Quase não soube voltar para mim De tanto me procurar em seus olhos Acabei perdendo o foco... e a fé De tanto desejo, desejei por dois Dividindo meu amor com minha ilusão Tingindo-o de seu, perfumando-o de você Agora vejo que o você que me habita É tão eu que acho que estou me apaixonando novamente, E desta vez, por mim.


Desbravar

(ao signo de Touro)

Desejava possuir as estrelas Para tĂŞ-las, cabeceou os muros TĂŁo duros, que chegaram a ferir Mas interferir no caminho, jamais Foi capaz de demolir uma montanha E foi tamanha a pilha de entulho Que com orgulho, escalou e se fez rei A lei que se fez vigente E que ninguĂŠm discordava Era que toda estrela cadente Era sua, sempre que ali passava.


Entrelinhas de Marte Eu só queria que Por possuir o título de Deusa do fogo o mundo entendesse que tudo posso, aqueço ou ilumino que sou como vendaval se toco um coração carente e se em frente há obstáculos minha empáfia derruba como um tufão é a necessidade de manter a força e sua autopreservação. (conheça um ariano lendo alternadamente da 1ª linha)



Escorpião infidelidade é descumprir as ordens que vêm de dentro.




Insônia É quase dia. Meu sono se perdeu na noite E ainda não veio me encontrar. Enquanto espero, pensamentos Invadem o espaço que reservava Para meus sonhos. Então começo a divagar, displicente Como que por descuido da mente Sobre o que nem pensaria Até que os ponteiros dizem de repente Um sonoro Bom dia! O som da rua muda, muda. Raiam passos, pessoas, pressa Alvorada, azul, apagado farol E nessa, ainda insone Na impaciência que me consome Desconfio que o sono esteja em banho de sol Enfim, os feixes da janela É Morpheu quem os conduz Trazendo através dela Meu sono trajado de luzzzzzzzz.


Modo de Preparo

(ao signo de Sagitário)

Junte duas peças de Penna Meio quilo de película Duas partes de sonata E quatro de soneto Leve ao elemento fogo Observe até fervilhar Ao sentir sua essência Está pronto para servir... ...De inspiração.




Balancear

(ao signo de Libra) Era uma grande confusão Hora falava a mente Hora retrucava o coração E evidentemente Que nunca havia conclusão Foi então que de repente Teve enfim a solução A cabeça agora é quem sente E amar, só com indicação.



Fotografia A lente se faz janela da alma Do olho, do olhar Que ao divagar pela imagem Captura o que lhe gritar Capta o arco, a íris E tudo o que mais vibrar A fotografia se faz poesia Sempre que a luz palpitar E passada para o papel É como pincel, é como cantar A arte vem da essência E com muita paciência Ele se deixa focalizar Pra morar para sempre No universo de quem a captar.


tarja o sol tatuava uma tarja dourada em meus olhos quando pelo espelho vi a estrada se afunilando e de tão estreita foi engolindo o caminho de volta ao seu colo, a sua companhia e também a tarde só não devorou meus olhos por piedade pois quando a saudade incomodar é para o mesmo espelho que vou olhar não pra lembrar de sua estrada mas de sua essência que colore minha íris quando chovo mesmo da outra ponta do arco.



Sofrida Flor À Frida Khalo

Pincéis serpenteiam no alvo Aquarelando-o de cores vivas E convivas das percepções Que mutam dor em cor Folcloreando as telas De muitas flores e velas. Sofrida flor A ti, me calo Pra ouvir o seu silêncio Em cores berrantes Como estandarte rubro Que em haste desbravas E desdobras em povo e arte Ou seria a arte de ser povo?




O Tom do momento Hoje não fui ao show do Tom Zé Perdi a chance de dizer aos amigos Que fui ao show do Tom Zé. Na verdade, eu não sabia bem o assunto Sobre um estudo que ele estava fazendo Mas...ah! Como gostaria de dizer que fui... Muitos dos que lá foram, figuraram E decoraram suas falas: Eu fui ao show do Tom Zé. Mas...ah! Como seria bom dizer que fui... Que fui ao show do Tom Jobim Digo, Tom Zé, Tom Zé...repita mental-mente Tom Zé. Ai! Que pontada no cotovelo.


Passos tristes As horas se arrastam como passos tristes Em meio a uma bruma de melancolia Que foi vindo, vindo... E direcionou os olhares para o chão Talvez em busca de um caminho Que foi indo, indo... Levando dos dias o riso, a pureza Confinando à lembrança o tudo Que foi lindo, lindo...




TPM

(Tempo Para Mulher) Tudo Parece Maior, Transpondo Pontes, Mares... Tempestades Pairam Momentaneamente Transformando Paz em Martírio. Talvez Prefira Mentir Tentando Pulverizar o Mal, Tentando Parecer Mansa, Todavia, Por Mês, Trago Pólvora na Mão, Traindo Piedade e Misericórdia. Tempo Prestes a Mudar... Trincheira Psicológica que Mancha, Temporal Passando Mansamente Trazendo Percepção à Mente. Texto Por Marina



Tim-Tim por Tim-Tim (ao signo de Virgem)

Tim-Tim! Um brinde à métrica À ética e à lógica À patológica mania de Or-ga-ni-za-ção Para organizar a ação De cada tic-tac Precisa-mente.


Anonimato

(ao signo de Peixes) Ser Oceano ĂŠ escolher Vestir-se com o anonimato de um peixe.



Viajante (Gêmeos)

Voando pelos ares em busca do irmão Era indecisão o caminho a seguir Ao ouvir da estrela um murmúrio Indicando Mercúrio como seu destino Em desatino se lançou para o Planeta De um cometa desvendou os enigmas Dos estigmas talhados pelo vento E atento, aprendeu cada lição Na missão de encontrar sua metade Sanou a curiosidade onde era escuridão Viu astros, rastros e sua casa - o universo E no espelho refletido, fitou o seu inverso Que era parte de sua essência e seu irmão.




Fluir Quero sentir seiva circulando nas veias e que minhas madeixas farfalhem na brisa como folhagens Quero me deixar levar pela ventania e penetrar na festa que fazem as folhas do outono no ar Quero ser uma flor caindo na correnteza de um rio dançando entre pedras e galhos com a sutileza da bailarina Quero ser o olhar para deslizar pelas linhas de um poema num emaranhado de pensamentos e sensações de alguém que transcreveu o seu pulsar Quero abrir as janelas da essência da vida e fechar as portas para que nada me possa escapar Quero que na realidade para onde viajo ao adormecer eu seja bicho para me sentir parte desse tão sublime espetáculo chamado natureza.



Os Anjos de Augusto Os Anjos de Augustos são anjos caídos De asas corroídas pela peste voraz Que nasce do ego e dos sonhos idos Do tipo que alimentava e agora jaz Os escarros e os escárnios bradavam De modo a ensurdecer a sociedade Que por incompetência, só o maldiziam Como se podre não fosse sua banalidade Os seres noturnos são transparentes Têm hábitos que refletem o avesso Já os honrados cidadãos imponentes Dissimulam sua natureza a todo preço Os Anjos de Augusto, sinônimo de agosto Esses sim caíram direto aqui no inferno Para mostrar das inverdades o seu oposto E toda a realeza que habita seu lado interno


Eu sem mim Tranquei meu eu dentro de mim E não joguei a chave fora, ainda. Tranquei para protegê-lo como Em útero prenhe de vida nova Meu eu, meu cristal delicado Que por vezes foi estilhaçado Por rajadas verbais e plurais Agora está encarcerado aqui No fundo, mas tão no fundo Que ele nada ouve, vê ou sente Também não posso mais ouvi-lo. Então saio para a rua, esbarrando Contracenando com figurantes de si Assim como eu, sem meu eu As pessoas estão presas Trancafiadas em seus corpos Protegendo-se do cenário e do enredo Que elas mesmas teceram E entristeceram... murcharam Picharam o amor Andam brincando de lego com o amor alheio. Tai, qualquer dia desses crio coragem, E liberto meu eu Quero vê-lo voltando Se aproximando todo cheio de si. Ao me abraçar poros a dentro Seriamos um só novamente E voltaríamos para o fundo do peito Só que, dessa vez, do peito de um bem-quer.



o mcdonald´s me comeu hoje comi mcdonald´s. pedi meu castigo pelo número e mesmo sabendo ser efêmero, fui fast e me food. por favor, uma promoção: um combinado de raiva com molho de autoflagelação. senhora: esse item está em falta mas se quiser, temos molho alienante que acompanha suas ideias...fritas. eram mordidas crocantes como isopor croq! dando à consciência um sumiço visual colorido, como você pode supor ah...como não-amo-muito-tudo-isso. foi como se pichasse meu próprio muro que há décadas mantinha-se casto mas foi um castigo aplicado com juro e hoje, senti-me mais uma no pasto. era como se cupuaçu, guaraná e guarani fossem algo ilusório, não poderia estar ali e viva o país contraditório! o mais belo, o mais livre o que mais insiste em se diminuir. e hoje, antes de dormir, pedirei perdão à amazônia, a mim mesma e à nação por, triste, achar que o bem morreu mas, “amanhã vai ser outro dia” melhor que esse, no qual o mcdonald´s me comeu.




Marias e suas mulheres Mulher é meio bruxa, é meio bicho, é meio mar Tem ondas, tem sexto sentido e sangra sem se cortar Mulher é meio bicha, meio arisca se a lua mandar É por isso que não há nada mais intenso e sutil Que duas Marias a se beijar. Duas Marias – duas belezas. Duas guerreiras Lutando pelos direitos que delas tiraram, Como castigo, pelo crime de se amar. Onde está escrito que esse amor não é lindo Ou não tão lindo quanto o seu? Não se é diferente só por amar o seu igual. Ao final do arco-íris há um pote de respeito Um pote de um mundo que menstrua mel Onde Marias, Joanas e Cássias Possam expressar sua feminilidade Com notas musicais também Soprando arrepios nos cangotes das meninas E uma sinfonia no daquela Que atende por meu bem.


Passarinho

À Edith Piaf

Pássaro livre sobrevoando Os acordes da primavera Da cidade-luz Perfumando a vida Com cor-de-rosa E tingindo o gris Com sua essência Que encanta E espanta todos Os males que A empeçam de ser Passarinho.


O Voo da Rocha

A Glauber Rocha

Tiro certeiro no solo do Sertão Nordestino Destino seco, sedento de vida, faminto de pão Mão calejada sem calma, alma aleijada da guerra Na Terra do Sol o vazio da míngua causa vertigem Fazendo a Virgem parecer puta e o bordel, santuário Cenário onde a Rocha Voadora vomita a hypokrisia, E a maresia empoeirada na prece do sertanejo É desejo projetado como um cone de luz pela sala E estala na tela como vulto da bala, a bela que acena Mas na cena final, Afinal, quem assiste aquém?



Mãos Dê-me sua mão, vamos fugir de mim Para onde minha voz não alcance Onde o medo não tenha chance Lugar onde amar não tenha fim Dê-me sua mão, vamos fugir comigo Nos esconder de minha altivez E quem sabe assim talvez Minha paz encontre abrigo Solte minha mão, fuja enquanto há tempo De fingir que não te preciso De não te dar o meu sorriso De não fazer juras que somem com o vento Me amarre as mãos, me apague a fala Me faça engolir seus beijos Faça dos seus os meus desejos Pois quando o amor manda, a dor se cala.



Balzaca Roquenrou Mulher com M maiúsculo? Só após os trinta. É quando se aprende que amor é para dois E se for para um, que seja para si mesma É quando a sensualidade não é só um decote E um bom vinho combina com tudo É quando não é preciso ser radical Pois o inverno da insegurança Morreu em sua trigésima primavera Ser Balzaca ainda não é ser Loba Mas já se sabe uivar para a lua Despida de medos, de alma nua Se enxerga pela primeira vez E vê que não é mais uma menina Mas pode sê-la quando quiser Quem acha os trinta o fim, concordo É o fim do treinamento, início de jogo É o fim do querer ser, sendo de fato Mulher de trinta não é escolhida, escolhe E aprecia quem a sabe apreciar E não a tente enganar Ela lê a verdade em teu rosto E não abre mão do gosto Da beleza de saber se amar.


Co-oração

(ler no ritmo do Pai Nosso)

Para que um deus que só fica no céu? Qual o significado de vosso nome Quando o bem não passa de treino E o ajudar só fica na vontade? Os pés na terra e o teto sendo o céu É o dia a dia de muitos irmãos hoje A fé no homem e não em suas crenças Não é o que ensinamos, Por assim termos aprendido Mas ainda há tempo se há um coração Onde o ensinamento principal É o bem.





Clímax Corpos pelo instinto ritmados Tomados por sensações Canções os conduzem à sintonia A poesia flui do compasso úmido, único E de súbito, a música se calou Gritou o silêncio absoluto Minuto eterno rompido pelo sino Que em desatino soa E ecoa no corpo que sua O sino soa O corpo sua Soa, sua Sou a sua mulher.



oi

(no útero)

quero parir você quero amamentá-lo de mim como se fosse planta desabrochando cada pétala com cores únicas, íntimas quero dar à luz seus cílios sua íris, seu arco e sua flecha e quando pulsares fora de mim minha essência será palpável quando me reconheceres serás meu espírito aprendendo a voar.


Limbo As flores frescas enfeitando o ar A música favorita - Jazz O vinho, escolhido por Baco As vestes revelam o signo de Áries Os minutos! As horas... Os dias. As pétalas murchas pousam no chão A música favorita - jaz O vinagre ressequido na boca Os trapos se revelam como signo de cólera Os anos... A vida? A morte.


Identidade visual do livro, Clarice Gonçalves As imagens que ilustram o Sarau Sanitário.com fazem parte do acervo da artista plástica Clarice Gonçalves, nascida em 1985, em Brasília. Clarice é bacharel em artes plásticas pela Universidade de Brasília e tem sua obra reconhecida e premiada em salões nacionais de arte. Suas telas foram expostas em diversas ocasiões em Brasília e fazem parte de algumas coleções fora da capital federal. Tendo a figura feminina como sua principal temática desde os primeiros traços, a pintora expressa, por meio da linguagem pictórica, suas vivências, memórias e divagações sobre esse universo, imprimindo em cada trabalho seu traço sutilmente forte e inconfundível. Clarice Gonçalves foi convidada a realizar uma residência artística no Centro de Artes de Marnay, na França, além de receber convites para participar de exposições no Canadá, Chile e Estados Unidos.


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