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ENTREVISTA
A complexidade do Place Branding
Francisco Dias1 (GITUR - ESTM/IPLeiria) entrevista JosĂŠ Filipe Torres2, CEO da Bloom Consulting
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Francisco Dias: A área do place branding tem sido muito investigada ao nível de cidades e países; no entanto, o turismo nem sempre se compagina com este tipo de geografia, porque a noção de destino é muito flexível, tanto na ótica da oferta, como na ótica da procura. Por exemplo, o mapa mundial de destinos de turismo de montanha e neve difere consideravelmente do mapa mundial de destinos turísticos de golfe ou de praia. Além disso, há destinos que extravasam as fronteiras de um país, por exemplo, os destinos “Caraíbas” ou “Países Bálticos”… Na realidade, um destino pode ser um continente, um conjunto de países, um país inteiro, uma região, uma cidade ou simplesmente um local turístico, como um resort. Ou seja, não há uma correspondência estrita entre as categorias de país, de cidade ou região, e a categoria de destino. Ora, a Bloom Consulting trabalha essencialmente com base no conceito de marca-país, e dado que se tem especializado também no turismo, a minha primeira questão é a seguinte: quais as limitações do conceito marca-país na vossa abordagem ao turismo e, concretamente, na vossa abordagem do conceito de destino. José Filipe Torres: A Bloom Consulting tem dez anos, enquanto empresa, e nós basicamente fomos uma das primeiras empresas do mundo a fazer country branding. Para ter uma ideia, eu fui a primeira pessoa que fez um projeto de country branding na FutureBrand, e portanto temos já muita experiência. E você está a tocar num assunto que já sabíamos que iria começar a acontecer, e que é o seguinte: a marca-país é uma coisa muito abstrata, porque tem várias componentes. Nós na Bloom Consulting temos um instrumento que se chama “CRC Brand Goodwill” (Country, Regions and City Brand Goodwill) em que definimos quais são as dimensões em que o country brand realmente opera, e a mesma coisa para regiões e cidades. O próprio Simon Anholt utiliza um conceito muito parecido, e esta é uma das poucas coisas relativamente à qual a maioria dos consultores está de acordo, e que se traduz no seguinte: o country branding tem vários objetivos, que no nosso caso referimos como “trade, tourism
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and talent”, isto é, atração de investimento, de turistas e de talento, e também orgulho e exportações. Basicamente, estas são as dimensões com que nós trabalhamos a marca-país. Ora, a grande diferença em relação a todas as outras consultoras tem a ver com o modo como aplicamos isto. No nosso caso, consideramos que estas dimensões devem ser tratadas de forma independente. Todos os outros acham que se deve tratar a marca-país ou a marca-cidade como um todo, e atingir estes resultados todos, de modo indiferenciado. Segundo a nossa experiência, e somos vistos assim como uns rebeldes, isso não funciona. Quando digo que não funciona, entenda-me: parece que é mais lógico tratar todas essas componentes como um todo, mas na prática, no dia-a-dia, não funciona. Dou-lhe um exemplo muito simples, no caso do turismo: se quisermos posicionar um país como inovador para tentar atingir estes pontos todos, para conseguir ser inovador nessas dimensões todas que enunciei (investimento, turismo, etc.), vai ser uma coisa muito ambígua, uma coisa muito genérica, vai ser difícil de tratar, porque vai ter que servir para todos e não vai agradar a ninguém. Não quer dizer que não haja exceções: na Nova Zelândia correu muito bem com a purety, pois conseguiu que o investimento andasse à volta da pureza, a indústria cinematográfica também andou à volta da pureza e o Lord of Rings foi gravado lá, e o turismo também anda muito à volta da pureza, etc. Portanto, há exceções. Mas, de uma maneira geral, não funciona. Não funciona porque as audiências são completamente diferentes. Até podem ser as mesmas pessoas, mas eu trato-as como audiência, ou seja, um investidor pode ser um turista e um turista pode ser um investidor; mas quando ele está com um objetivo, ele está com um determinado chip na cabeça… Então, se eu posicionar o país como sendo um país genérico de inovação ou open minded, eu não vou conseguir traduzir isso em ações práticas, não vou traduzir isso numa estratégia bem pensada. Porquê? Porque simplesmente não vou conseguir agradar a todos. O turista é uma audiência completamente diferente do investidor. Se eu falo em negócios a um turista, eu afasto o turista imediatamente. E, da mesma maneira, se eu
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posicionar o país como muito turístico, fico pouco bem visto a nível de investimento, afasto completamente os investidores. Por exemplo, a Jamaica é um fantástico exemplo de uma marca que está muito bem posicionada a nível de turismo, mas quem é que quer pôr o seu dinheiro na Jamaica? Francisco Dias: Entendo isso muito bem, mas a minha questão é que, do ponto de vista do turismo, há países muito distintos entre si… Por exemplo, a marca-país, quando aplicada a um país como os Estados Unidos da América, a que destino turístico se refere? Ou seja, quantos destinos turísticos diferentes esse país alberga? Não terá esse país, que é tão grande e heterogéneo, uma estrutura turística também demasiado heterogénea? E, nesse caso, qual a relevância da marca-país para o turismo? José Filipe Torres: Cada país, região ou cidade tem que aplicar a sua própria estra- José Filipe Torres tégia, que lhe seja mais apropriada. E essa estratégia não tem necessariamente que estar alinhada com aquilo que esse país, região ou cidade está a fazer a outros níveis. Francisco Dias: Mas a questão que lhe coloquei é outra: vocês, na Bloom Consulting, ao fazerem o Country Brand Ranking, em relação ao turismo estão a prestar um serviço apenas às agências nacionais de turismo. No caso dos Estados Unidos, não estão a prestar um serviço ao Turismo da Florida ou da Califórnia… José Filipe Torres: Curiosamente, nós temos um ranking nos Estados Unidos que completa… Francisco Dias: Refere-se um ranking interno nos Estados Unidos… Mas a minha per-
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gunta não vai nesse sentido… Gostava de me fazer entender: no caso do turismo seria interessante a criação de um ranking mundial não tanto de marcas-país mas sim de marcas-destino. Isto porque há países de muito pequena dimensão que podemos considerar como um só destino turístico, mas há países que albergam no seu seio inúmeros destinos turísticos, todos eles muito diferenciados, e não comparáveis uns com os outros… E todos esses destinos, estruturados com base em produtos turísticos específicos – por exemplo, destinos de neve, golfe, praia, etc. – estão em competição entre si a nível mundial…. Além disso, a configuração dos destinos é algo de muito subjetivo, do ponto de vista dos clientes. Por exemplo, se eu pedir a turistas para identificarem os melhores destinos de praia a nível mundial, haverá um que poderá dizer, por exemplo, “Brasil”, um outro poderá dizer, “Bahia”, e um outro “Porto Seguro”. Ou seja, o grau de zoom poderá variar, e esta dinâmica de complexidade, tendo em conta a “psico-geografia” dos destinos turísticos, que não bate certo com a geografia político-administrativa dos Estados, como poderá ser tida em conta quando se quer plasmar as conclusões de um ranking de países no caso dos destinos turísticos? Ou seja, que utilidade poderão ter os rankings de marca-país para os destinos turísticos, tendo em conta que há destinos e destinos, muito diferentes entre si, sendo que um destino como as Caraíbas pode estar em concorrência com uma cidade como Miami? Isto é, estamos perante realidades geográficas muito díspares, mas que podem estar em concorrência direta entre si… José Filipe Torres: Os outros rankings analisam as perceções que se tem sobre as cidades ou os países… E é o país como um todo, e eles
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perguntam sobre o país de forma massiva, e de forma qualitativa também. Perguntam a um grupo de experts, como o faz a Futurebrand, e o Simon Anholt nem aborda experts, limita-se a inquirir vinte mil indivíduos, sobre os quais só se sabe email e nome. Não se sabe se se trata de uma pessoa que viaja ou de uma pessoa que investe… é uma opinião generalizada. E uma vez mais sublinho: não quero aqui fazer um juízo de valor sobre como é que isso é feito. A nossa forma de elaborar o ranking é diferente: nós baseamo-nos em resultados. Os outros estudos incidem em perceções, e o nosso em resultados. Avaliamos o resultado financeiro que a marca do país, a nível do turismo, conseguiu gerar, e aí estamos a englobar tudo: para cada país, são somadas as receitas turísticas, pois isso é um bom indicador para sabermos se a marca tem um bom goodwill ou não; mas isso é uma parte da nossa equação; a outra parte da equação é a análise daquilo que as pessoas estão à procura em relação a cada destino. Através de motores de busca, que é precisamente o meio que os turistas utilizam, conseguimos Francisco Dias analisar aquilo que os turistas procuram em cada destino. Conseguimos verificar se as pessoas estão à procura de golfe em Portugal, se estão à procura de golfe no Japão, ou nos Estados Unidos, e conseguimos analisar isto ao nível de cada país. Mas nós ainda não analisamos ao nível da cidade ou da região. Por exemplo, se eu estou à procura de informação sobre a Disney, e nos Estados Unidos há duas Disney, na Florida e na Califórnia, e se eu estou à procura de informação sobre a Disney, essa procura conta a favor da marca Estados Unidos, mas obviamente isso acontece graças a dois estados, Florida e Califórnia (…) Graças às cidades, às regiões e aos territórios, o país ganha como um todo.
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Francisco Dias: Significa então que a vossa abordagem está mais aproximada do real… José Filipe Torres: Sim, tenta medir a realidade e não a perceção. Francisco Dias: Sobre isso tenho uma segunda questão… O impacto da marca-país no turismo não é homogéneo de país para país, na medida em que nuns casos temos um tipo de turismo relativamente homogéneo e noutros as diferenciações são enormes. Por exemplo, países como a Alemanha não têm tanta heterogeneidade de oferta como países como a Espanha ou Portugal, devido à natureza, ao clima, ao facto de possuírem ilhas, etc… Portanto, o impacto da marca-país para a diversidade dos destinos que um país comporta é a tal dimensão que vocês ainda não analisam… José Filipe Torres: Sim, nós conseguimos fazer isso. Nós vamos lançar dentro de um mês o ranking de Portugal e de todos os municípios. É assim: nós precisamos de criar diferentes rankings para diferentes aspetos. Francisco Dias: OK. Vamos à questão seguinte… Tipicamente, quando os especialistas de marketing e branding vêm para o turismo aplicar o que aprenderam em outros setores, tipicamente criam marcas segundo uma lógica top down… Tipicamente, definem algumas dimensões relevantes para estruturar a marca a partir de um estereótipo, quando na realidade o território já detém uma grande variedade de marcas… Um local é Património da Humanidade, um outro local é famoso pelos seus produtos típicos, existem as denominações de origem, etc… etc… Há milhares de marcas já implantadas no território,
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e portanto a criação de uma marca territorial de tipo umbrella pode servir para ofuscar as marcas que já existem num dado território… Ora, atualmente, existe a possibilidade de se trabalhar com marcas mutantes, que utilizam diferentes heterónimos, digamos assim, como o caso dos “doodles” da Google ou o M de Melbourne. Considera que as marcas mutantes terão mais probabilidade de êxito no caso do turismo? Conhece certamente a marca da Colômbia… Está a ter sucesso? E, em caso afirmativo, diga-me, em que medida países como Portugal ou Espanha deveriam adotar uma estratégia similar? José Filipe Torres: Repare, eu acho que não é isso que faz com que os países ou regiões sejam marcas. O grande desafio, e isso sim, esse é o grande desafio, é as marcas conseguirem ser marcas sem o logótipo. E é possível fazer isso. Se eu lhe perguntar qual é o logótipo de Barcelona talvez o Francisco me consiga dizer qual é, mas muitas pessoas não vão conseguir identificá-lo. Mas quando eu falo de Barcelona a uma pessoa, gero nela uma emoção. Isso é uma marca, isso é branding no seu estado mais puro. É conseguir gerar uma emoção sem visualização. Toda a gente se centra no logótipo, toda a gente pensa que a marca é o logótipo, e como bem sabe isso é sempre um grande desafio… mas a marca não é um logótipo. Um logótipo é uma cereja em cima do bolo. Francisco Dias: Mas não contribuirá a identidade visual mutante, com a sua flexibilidade e a sua criatividade, para melhorar a perceção da marca, principalmente quando se está a falar de marcas territoriais? José Filipe Torres: Depende. Não há uma regra. Eu sinto que posso dizer o seguinte. Cada território, cada região ou cidade, precisa de trabalhar as suas referências e os seus objetivos de forma independente e variada. Para o turismo é preciso implementar uma estratégia específica, sem pensar nas outras variáveis, e tratá-la de forma individual. Aí sim, vai ter mais sucesso no turismo, se não criar uma marca umbrella que se aplique ao mesmo tempo a investimentos, turismo, etc…
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A no turismo, a questão de se optar por várias variantes da marca, aí já depende, não é uma regra, mas acho que sim, pode funcionar lindamente. Mas é preciso ver se isso vai criar equity, se vai criar relacionamento, se é uma vantagem ou se vai confundir as pessoas, e até que ponto é que essa variação… porque a Colômbia é mutante, mas está sempre a dizer “CO”, está sempre com aquela forma e não muda… Mas eu não acho que a Colômbia vai ser uma marca graças ao “CO”. A Colômbia vai ser uma marca, e já é, graças às estruturas e às políticas que eles estão a implementar dentro do país. Por isso o goodwill da marca Colômbia está cada vez melhor. E esse é o ponto de vista que eu acho que as regiões têm que entender, e que consiste no seguinte: não é só pela comunicação que se faz uma marca. Francisco Dias: Estou perfeitamente de acordo. Mas as estratégias de definição de identidade - e não me refiro apenas ao aspeto visual, mas à identidade como um todo – essas estratégias diferenciam as possibilidades de comunicação e, com os atuais meios de comunicação, pode fazer com que as marcas mais criativas em termos de identidade sejam aquelas que conseguem gerar mais goodwill… José Filipe Torres: Não necessariamente. Em teoria sim, e eu acho que se for bem aplicado, sim. O exemplo da Nova Zelândia acho que é excelente, e a marca da Nova Zelândia é uma marca monolítica. Mas é engraçado: sim, sob o ponto de vista técnico. Eu acho que sim, que ajuda. Ajuda a diferenciar, a criar, e tudo o mais. Mas temos que ter em consideração o ambiente em que essa marca vive. Muitas vezes esse ambiente tem um contexto político, pela sua dimensão pública. E toda a gente quer opinar, porque se trata de uma coisa que é propriedade pública, toda a gente fica a discutir à volta do logo, e acaba por ser um problema em vez de ser uma solução. Francisco Dias: Exatamente… José Filipe Torres: E as pessoas não estão capacitadas, ou preparadas. Como as pessoas que
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estão a gerir a coisa pública geralmente não estão preparado, não vêm do meio técnico – muitas vezes não põem os técnicos a tratar desses assuntos e deveriam pôr – e então pensam que anda tudo à volta daquilo… Por exemplo, o caso da Bulgária, que lançou a sua nova marca há menos de um ano. Houve uma revolução! O país manifestou-se de uma forma tão enérgica em relação à marca, que o próprio Ministro do Turismo veio falar publicamente sobre o logótipo da Bulgária. Francisco Dias: Tivemos também o caso do “Allgarve”… José Filipe Torres: Sim, fizeram o “Allgarve”, mas depois aparecia o logótipo pequenino do Algarve. Mas aí foi por terem mudado o nome… Mas foi uma coisa parecida, exatamente. Mas na Bulgária até o Ministro quis opinar. Aí está: às vezes o preço a pagar é mais alto do que os benefícios. Francisco Dias: Claro, tem que haver consensos… Muito bem, em nome do Observatório de Marcas agradeço imenso ter partilhado sua visão sobre algumas questões do place branding.
Nota Presidente da APTUR – Associação Portuguesa de Turismologia. Coordenador do GITUR – Grupo de Investigação em Turismo. Director Geral do Festival Internacional de Filmes de Turismo – ART&TUR. Editor-in-Chief do European Journal of Tourism and Hospitality Research e Diretor Cultural da Associação Internacional de Investigadores em Branding – Observatório de Marcas como Diretor Cultural. 1
Sócio fundador e CEO da Bloom Consulting – Responsável pelo projeto Country Branding (2001) da FutureBrand. Atualmente é considerado o especialista global em Country Branding (The Economist e Forbes Magazine). Responsável, em 2011, pelo “Bloom Consulting Country Brand Ranking”, projeto global no qual foram analisado o desempenho das marcas de 193 países. 2
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