Funcionalismo em Perspectiva 3

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Créditos: Fábio Marques Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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CADERNOS DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

Funcionalismo em perspectiva

Edição nº 3 – 2011.1 Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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Coordenação e supervisão Claudete Lima Revisão Adriana Campos Sisnando de Lima Amanda Jozy Paiva Leite Emílio Araújo da Silva Lídia Barroso Gomes Mikaelly Paiva Damasceno Mônica de Souza Rocha Tito de Andréa Machado Tuyra Maria da Cruz Andrade Vanessa Silva Almeida Formatação Camille Feitosa de Araújo Gabriela Roberto do Vale Alves Maria de Fátima Lima Portela Mayara de Souza Ferreira Raquel Alves da Silva Tarcianny Cavalcante Brito Produção Francisco Fábio Marques da Silva Madjer Raniery de Souza Pontes Samuel Freitas Holanda Ilustração Francisco Fábio Marques da Silva Capa Samuel Freitas Holanda

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................... 6 SEÇÃO 1: ESTRUTURA ARGUMENTAL PREFERIDA .......................................................................... 7 A Estrutura Argumental Preferida (EAP) em editoriais e notícias dos séculos XIX e XX ......... 8 SEÇÃO 2: FUNÇÃO INTERPESSOAL ..................................................................................................19 A função interpessoal em textos de opinião ..............................................................................20 SEÇÃO 3: GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO PEGAR ......................................................................32 Um estudo sincrônico do verbo pegar ........................................................................................33 SEÇÃO 4: INDETERMINAÇÃO DO AGENTE .....................................................................................47 A indeterminação do agente no português oral do Brasil ........................................................48 Indeterminação do agente em português: estratégias e motivações discursivas .................60 SEÇÃO 5: MODALIDADE DEÔNTICA ................................................................................................ 70 A modalidade deôntica nos anúncios publicitários ...................................................................71 SEÇÃO 6: PLANOS DISCURSIVOS FIGURA E FUNDO EM CORPUS LITERÁRIO ...........................80 Hilda Hilst: autora de fundos .........................................................................................................81 Os planos discursivos figura e fundo no conto “Um Roubo”, de Miguel Torga .....................90 Planos discursivos nos contos de Clarice Lispector: uma análise funcional .........................101 Transitividade e os planos discursivos figura e fundo, nos contos “A máscara da morte rubra” e “O gato preto” de Edgar Allan Poe .............................................................................114

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APRESENTAÇÃO Como

resultado

das

pesquisas

realizadas

na

disciplina

de

Linguística: funcionalismo, do Curso de Letras da UFC, no semestre 2011.1, apresentamos a 3ª edição dos Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará. Realizados ao longo quatro meses, o material em questão aborda os principais conceitos ligados ao Funcionalismo, associados aos seus principais teóricos, entre eles Halliday, Dik, Hengeveld e Givón. Vale ressaltar que os artigos apresentados nessa revista vão muito além do estudo executado em sala de aula, pois é o reflexo de inúmeras leituras e releituras, longos debates, valiosos erros e satisfatórios acertos. Deixamos aqui os devidos agradecimentos à professora Claudete Lima pelo esforço e dedicação com que nos orientou nesse proveitoso semestre. E esperamos que os resultados obtidos se façam úteis para os demais estudantes, professores e todos que se dedicam à pesquisa científica. Editores

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SEÇÃO 1

ESTRUTURA ARGUMENTAL PREFERIDA

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A ESTRUTURA ARGUMENTAL PREFERIDA (EAP) EM EDITORIAIS E NOTÍCIAS DOS SÉCULOS XIX E XX Maria de Fátima Lima PORTELA Mikaelly Paiva DAMASCENO

Resumo: Este artigo tem por finalidade o estudo das preferências de uso dos vários argumentos dos verbos na linguagem escrita, tanto do século XIX quanto do século XX, em notícias e em editoriais. Para tanto, nos apoiaremos nas pesquisas de Antônio (1998), Nepomuceno, Meira, Correia (2005), Ortega (2010) e Cunha (2007). Desse modo, pretende-se demonstrar que a Estrutura Argumental Preferida (EAP) – sistema de escolhas utilizadas pelo falante/escritor em determinada situação comunicativa - está diretamente ligada ao gênero textual, por isso colocaremos em oposição os gêneros ―editorial‖ e ―notícia‖, com a pretensão de confirmar essa informação dada por Kumpf (no prelo). Observamos, com esta pesquisa, que os verbos transitivos são mais frequentes que os intransitivos, assim como os lexicais são mais frequentes que os não lexicais, o que se evidenciou nos editoriais dos séculos XIX e XX, tanto com relação aos argumentos A quanto O, enquanto os verbos com argumentos S lexicais são mais frequentes em notícias dos séculos XIX e XX. Palavras-chave: estrutura argumental; preferida; notícia; editorial.

INTRODUÇÃO Para a Gramática Tradicional, transitividade é algo que está intrínseco

ao

verbo,

fazendo

parecer

que

cada

verbo

teria

uma

transitividade específica e fixa. Em uma situação comunicativa real, porém, percebe-se que isso se torna falho na medida em que um mesmo verbo pode apresentar diferentes transitividades nos mais diversos contextos, a depender de determinados fatores. Dessa forma, para a Gramática Funcional, o conceito de transitividade é algo bem mais intricado, que pode ser influenciado por fatores sintáticos, semânticos e até pragmáticos, ou mesmo pelos três concomitantemente. A transitividade verbal pode fazer com que, numa oração, haja a presença de um ou mais participantes, também chamados de argumentos do verbo. Há, comprovadamente, uma estruturação preferida desses argumentos por parte dos falantes de várias línguas. A esse fenômeno linguístico dá-se o nome de Estrutura Argumental Preferida (EAP). Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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Pode-se dizer que EAP (Estrutura Argumental Preferida) seja um sistema de escolhas realizadas pelos falantes em uma situação discursiva, em outras palavras, é uma preferência por determinada configuração sintática dos elementos linguísticos no discurso. Conforme uma pesquisa feita por Du Bois (2003), há, nas diversas posições sintáticas, uma tendência sistemática na distribuição das formas referenciais nominais que são utilizadas pelos falantes. Esses usam, geralmente, sintagmas nominais plenos na posição de sujeito de verbo intransitivo ou de objeto direto de verbo transitivo. Assim, pode-se dizer que é tradicional analisar a estrutura da oração como contendo um verbo, cuja estrutura argumental especifica, gramaticalmente, quantos nomes vão acompanhá-lo e que funções vão desempenhar na oração. Já do ponto de vista cognitivo, a estrutura gramatical é ―a configuração de predicação do verbo‖, ―a configuração de papéis nominais em relação significativa com o verbo‖, em outras palavras, é ―uma estrutura de expectativas desencadeada, acionada pelo verbo‖. Um sintagma nominal pode ser realizado como um sintagma nominal pleno, um pronome e outros; a escolha entre essas possibilidades é realizada por fatores extragramaticais. Numa perspectiva formal, essas escolhas são realizadas de forma livre pelos falantes. Mas, levando em consideração os aspectos pragmático-discursivos, essa escolha não é exatamente livre, pois a primeira menção a um referente no discurso é realizada, geralmente, por um sintagma nominal pleno e as menções seguintes, por um pronome ou anáfora zero. Assim, segundo Du Bois (2003), essas alternâncias não podem ser vistas sem consequências para o discurso. Dutra utiliza a EAP com o mesmo caráter universal que Du Bois, pois, para analisar dados do português, partiu de noções propostas por ele. Uma dessas noções é a visão de que a EAP é um padrão recorrente do uso da língua, uma generalização sobre o discurso que envolve a gramática, mas que não pode ser reduzida a ela. Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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Apesar desse caráter universal, a estrutura argumental não apresenta limites, pois, dependendo do gênero analisado, podemos encontrar diferentes resultados, já que os gêneros podem influenciar nos tipos de ocorrência de sujeito intransitivo, sujeito transitivo e objetos. Nesse contexto, temos como hipótese que os verbos que são mais recorrentes na linguagem escrita são aqueles que apresentam dois ou mais argumentos, ou seja, os transitivos, e quando o sujeito ou o objeto é lexical, mas tudo pode variar de acordo com o gênero e com a época em que o texto foi escrito. A partir da análise feita com base em nosso corpus, tal hipótese será confirmada ou negada. 1. METODOLOGIA Coletamos, a fim de alcançarmos nosso objetivo principal, analisar os padrões dos argumentos verbais em situações reais de linguagem escrita -, do Projeto VARPORT (Variação do Português), alguns editoriais na primeira fase do século XIX (1822) e outros na quarta fase do século XX (1975). Também foram coletadas algumas notícias da primeira fase do século XIX (1808) e da quarta fase do século XX (1981). Coletamos um total de cem ocorrências, sendo vinte de notícias do século XIX, 27 de notícias do século XX, 23 de editoriais do século XIX e 30 de editoriais do século XX. A partir dessa coleta, fizemos o cruzamento de alguns dados e os dispusemos em tabelas, de acordo com as categorias que nos eram convenientes, no que se refere ao aproveitamento para a pesquisa: ocorrência

(frase

argumentos

analisada),

novos,

número

codificação

do

de

argumentos,

sujeito

(sujeito

número

de

transitivo

ou

intransitivo, lexical ou não lexical) e codificação do objeto (objeto transitivo ou intransitivo, lexical ou não lexical). A Tabela 1 representa a quantidade de verbos utilizados de acordo com o número de argumentos exigidos por ele. Assim, dividimos em zero, um dois e três argumentos e colocamos a porcentagem de acordo com a recorrência em cada texto. Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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A segunda tabela simula a quantidade de verbos que trazem sujeito intransitivo, lexical ou não lexical. Igualmente a esta é a Tabela 3, diferenciando apenas quanto à transitividade, já que esta representa os verbos transitivos. A Tabela é utilizada para demonstrar a ocorrência dos objetos, que aparecem ora lexicais, ora não lexicais. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A Estrutura Argumental Preferida (EAP), segundo Du Bois (1985), ―não é uma estrutura do discurso, mas uma preferência por uma estrutura sintática‖

e

o

desenvolvimento

das

estruturas

gramaticais

dá-se,

eficazmente, à medida que elas são mais usadas pelos falantes. A Gramática Funcional designa argumentos como os termos obrigatórios, exigidos pelo verbo, e satélites, os que são complementos. Para esses argumentos, Dixon (1979, apud ANTONIO, 1998) usa os símbolos S, A (sujeito de verbo transitivo) e O (objeto de verbo transitivo). Tais símbolos serão aproveitados em nossa pesquisa. A

transitividade

diferentemente

da

dos

verbos,

Gramática

para

Tradicional,

a é

Gramática entendida

Funcional, como

uma

propriedade não categórica, contínua e escalar, ou seja, é apresentada em graus. É um fenômeno que envolve componentes sintáticos e semânticos. Assim Hopper e Thompson (1980, apud Furtado da Cunha, 2007) propõem dez parâmetros sintático-semânticos para a classificação do grau de

transitividade

de

uma

oração:

participante,

cinese,

aspecto,

pontualidade, intencionalidade, polaridade, modalidade, agentividade, afetamento e individuação. Nessa pesquisa, não nos deteremos à abordagem detalhada dos graus de transitividade dos verbos, da diferença entre os componentes sintáticos e semânticos e nem da oposição entre Gramática Funcional (G.F) e Gramática Tradicional (G.T), pois esse não é nosso objetivo e sim analisar a preferência das estruturas sintáticas por parte do emissor em determinado

textos.

Para

tanto,

faz-se

interessante

apenas

que

Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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apreendamos e discutamos os conceitos e as definições imprescindíveis, a fim de se seguir uma linha de raciocínio coerente necessária para uma compreensão satisfatória das teorias que serviram de apoio ao nosso trabalho. Na EAP, podem-se observar duas perspectivas, que, por sua vez, se subdividem em outras duas tendências, no que se refere ao uso dos argumentos dos verbos: a primeira é a dimensão gramatical, como se pode constatar com o que diz Ortega (2010): As duas tendências pelas quais a dimensão gramatical pode ser expressa se relacionam a presença ou a ausência de Sintagmas Nominais plenos e lexicais na sentença. Uma delas e a ―Restrição de um único argumento lexical‖, ou seja, a maioria das orações apresenta apenas um argumento nuclear lexical. A outra tendência e a ―Restrição de sujeitos transitivos lexicais‖, segundo a qual o sujeito transitivo (A) geralmente e expresso por pronomes ou por anáfora zero. Em outras palavras, e mais comum que o argumento lexical não seja o (A); possa ser o (O), em uma oração transitiva, ou o S, em uma oração intransitiva. O exemplo citado também demonstra isso: no segundo período, usa-se ―Ele‖ no lugar de um sujeito transitivo (A) lexical. (ORTEGA, 2010, p. 32)

E a segunda é a dimensão pragmática: Na dimensão pragmática, uma das tendências e a ―Restrição de um único argumento novo‖, de modo a evitar a inserção de mais de uma informação nova por sentença. A outra tendência e a ―Restrição de sujeito transitivo dado‖, que diz respeito ao uso do argumento novo na função de objeto ou sujeito intransitivo; nesse caso, e difícil encontra-lo como sujeito transitivo. Dessa forma, fica claro que a hipótese da EAP tem a distribuição sintática determinada pragmaticamente pelo fluxo de informação discursivo.

A estrutura argumental preferida é, conforme Pezatti (2002, apud Ortega, 2010), ―um efeito do grau de pressão informacional‖, podemos assim dizer que a manifestação de menções novas e lexicais nos papéis de S e O, e não no de A, está relacionada à função de continuidade tópica. Desse modo, torna-se satisfatório que haja uma referência em que se utilize um pronome, algo que retome e substitua o sintagma nominal pleno da forma pretendida. Os argumentos na G.F são analisados com fundamento na teoria de que o verbo corresponde à área central da oração e o nome à área Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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periférica, de modo que é a partir do verbo que se podem averiguar os traços preferenciais que determinam a EAP, ―uma vez que é a semântica do verbo que seleciona o número de seus argumentos e determina os papéis que eles desempenham.‖ (ARAUJO e CUNHA, 2007, p. 29, apud Ortega, 2010). A respeito da função semântica do verbo, Cavalcante (n/d) diz que: O argumento do verbo corresponde sempre a uma função semântica, embora nada assegure exatamente a qual, de vez que não há correspondência um a um. A diferenciação sintática é, assim, mantida e reconstruída no nível semântico, sem que, com isso, os dois ―módulos‖ de análise se misturem ou percam sua identidade.

Pezatti, levando em consideração a valência dos verbos, os divide em: verbos de dois argumentos (V2) e verbos de um argumento apenas (V1), sendo que esta pode subdividir-se em duas outras categorias: de verbos intransitivos não existenciais (V1~2), de estado, ação e processo; e a outra dos verbos existenciais (V1e), ser, ter, existir, surgir (existência positiva) e pifar, falhar, faltar (existência negativa). 3. ANÁLISE DO CORPUS Ao analisarmos as orações que foram coletadas para o nosso corpus, percebemos que há uma presença significativa de verbos com dois argumentos, principalmente nos editoriais do século XX, conforme nos mostra a Tabela1.

REFERÊNCIA

NÚMERO DE

NÚMERO DE

ARGUMENTOS

ARGUMENTOS NOVOS

0

1

2

3

0

1

2

3

0%

25%

70%

5%

20%

60%

20%

0%

0%

19%

74%

7%

15%

67%

15%

4%

NOTÍCIA SÉCULO XIX (20 ocorrências) NOTÍCIA SÉCULO XX (27 ocorrências)

Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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EDITORIAL SÉCULO XIX (23 ocorrências)

0%

9%

70%

22%

4%

74%

22%

0%

0%

10%

90%

0%

23%

57%

26%

0%

EDITORIAL SÉCULO XX (30 ocorrências)

Tabela 1: Porcentagem da quantidade de argumentos mencionados e novos coletados no corpus

A partir dessa tabela, podemos notar que não há ocorrência de verbos que não têm argumento, ou seja, todos trazem consigo sujeito e objeto, ou apenas um dos dois. Temos também poucos verbos com um ou três argumentos. Em contra partida, os verbos com dois argumentos e os com um argumento utilizados pela primeira vez são os de maior número, principalmente nos editoriais do século XIX (74%). Nesse contexto, a EAP, segundo uma teoria proposta por Du Bois (1985, apud Ortega, 2010), apresenta as seguintes restrições: ―evite mais de um argumento nuclear lexical e sujeito transitivo lexical‖ e ―evite mais de um argumento nuclear novo e sujeito transitivo como informação nova‖. Essa tabela confirma a seguinte restrição: ―evite mais de um argumento nuclear novo‖, pois a menor recorrência de verbos com argumentos novos foi a que os verbos têm mais dois de argumentos, de modo que os de três argumentos só aparecem em notícias do século XX. Enquanto os de zero e dois argumentos estão com valores aproximados, apresentando uma variação de 15 a 26 %. A maioria dos verbos como dois argumentos têm pelo menos um argumento novo, que é, geralmente, um sujeito que se repete mudando apenas o objeto para dar continuidade ao texto. Conforme Pezatti (2010, apud Ortega, 2010): A estrutura argumental preferida é um efeito do grau de pressão informacional, de modo que o aparecimento de menções novas e lexicais nos papéis de sujeito intransitivo (Si) e objeto (O), e não no de sujeito transitivo (St), está relacionado à função de continuidade tópica, já que protagonistas humanos são participantes centrais na maioria dos discursos. Sendo assim, é Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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suficiente uma menção mediante o uso de pronome, um afixo de referência, dispensando a presença de um SN pleno.

A Tabela 2 representa os sujeitos intransitivos tanto lexicais quanto não lexicais. Podemos perceber que há uma ocorrência muito maior na utilização de sujeito intransitivo lexical do que não lexical, principalmente em notícias do século XX, num total de 22% de 27 verbos coletados. E, praticamente, não se verifica o uso de sujeito intransitivo não lexical, apenas em editoriais do século XIX. Nesse caso, podemos perceber a influência do gênero, pois os editoriais trazem menos verbos intransitivos que as notícias.

REFERÊNCIA NOTÍCIA SÉCULO XIX (20 ocorrências) NOTÍCIA SÉCULO XX (27 ocorrências) EDITORIAL SÉCULO XIX (23 ocorrências) EDITORIAL SÉCULO XX (30 ocorrências)

SUJEITO INTRANSITIVO (S) LEXICAL

SUJEITO INTRANSITIVO (S) NÃO LEXICAL

20%

0%

22%

0%

4,3%

4,3%

6,7%

0%

Tabela 2: Porcentagem da quantidade de sujeito intransitivo (S) lexical e não lexical coletados no corpus

A terceira tabela expõe o uso de sujeitos transitivos tanto lexicais quanto não lexicais. Assim, como na tabela anterior, podemos observar que há uma maior quantidade de ocorrência de sujeitos transitivos lexicais que não lexicais, mas, desta vez, em editoriais do século XX. Os não lexicais são pouco utilizados e não se verifica nenhuma ocorrência em notícias do século XX, apenas nas do século XIX.

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REFERÊNCIA

SUJEITO TRANSITIVO (A) LEXICAL

SUJEITO TRANSITIVO (A) NÃO LEXICAL

NOTÍCIA SÉCULO XIX (20 ocorrências)

75%

5%

NOTÍCIA SÉCULO XX (27 ocorrências)

77,8%

0%

EDITORIAL SÉCULO XIX (23 ocorrências)

78,3%

13%

EDITORIAL SÉCULO XX (30 ocorrências)

83,3%

10%

Tabela 3: Porcentagem da quantidade de sujeito transitivo (A) lexical e não lexical coletados no corpus

Por fim, a Tabela 4, esta representa os objetos tanto lexicais como não lexicais. Novamente, podemos observar que elementos lexicais XIX são mais utilizados do que os não lexicais, principalmente em editoriais do século XIX com 91 %. No caso do objeto, os não lexicais só foram utilizados em notícias do século XIX.

REFERÊNCIA NOTÍCIA SÉCULO XIX (20 ocorrências) NOTÍCIA SÉCULO XX (27 ocorrências) EDITORIAL SÉCULO XIX (23 ocorrências) EDITORIAL SÉCULO XX (30 ocorrências)

OBJETO LEXICAL

OBJETO NÃO LEXICAL

70%

5%

70,4%

0%

91%

0%

90%

0%

Tabela 4: Porcentagem da quantidade de objeto lexical e não lexical coletados no corpus Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir dessa pesquisa, considerando que nossa análise foi executada a partir de um corpus em que se utiliza a linguagem escrita, conseguimos comprovar que é mais comum a utilização de verbos com dois argumentos, de modo que um deles seja novo, e é bastante rara a utilização de verbos sem argumento. Nesse caso, não interessou o gênero ou época. Quanto ao fator lexical, pudemos confirmar que se utiliza mais os verbos com argumentos lexicais, seja ele sujeito ou verbo. Nas orações coletadas, os verbos lexicais são, em sua maioria, transitivos, já que, conforme a pesquisa, estes se apresentam em maior número. Algumas restrições que compõem a EAP puderam ser confirmadas: ―evite mais de um argumento novo por oração, A lexical e A como informação

nova‖.

As

orações

com

apenas

um

argumento

novo

predominam no corpus. As orações com mais de um argumento novo, por sua vez, têm um percentual muito baixo de ocorrências (abaixo de 30%). O argumento A apresenta menor freqüência de ocorrências lexicais (83% no máximo) que o argumento O, com 91% das ocorrências. Na introdução de informação nova, o argumento A apresenta uma frequência mais baixa de ocorrências do que os outros argumentos O. Todavia, nem todas as restrições que compõem a EAP puderam ser confirmadas. A restrição ―evite mais de um argumento lexical por oração‖ não foi confirmada, pois as orações com dois argumentos são as de maior número, como está representado no esquema abaixo: Notícia do século XIX: 13 ocorrências com verbo de dois argumentos; Notícia do século XX: 19 ocorrências com verbo de dois argumentos; Editorial do século XIX: 13 ocorrências com verbo de dois argumentos;

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Editorial do século XX: 24 ocorrências com verbo de dois argumentos. Conclui-se, sem levar em consideração textos falados, visto que não são de nosso interesse para esta pesquisa, que os verbos transitivos e com dois argumentos são mais frequentes que os intransitivos, assim como os lexicais são mais frequentes que os não lexicais, principalmente nos editoriais dos séculos XIX e XX, tanto com relação aos argumentos A quanto aos O. Já os verbos com argumentos S lexicais são mais frequentes em notícias dos séculos XIX e XX. REFERÊNCIAS ANTÔNIO, J. D. A estrutura argumental preferida em narrativas orais e em narrativas escritas. Juiz de Fora: Veredas: Revista de estudos linguísticos., v.3. p. 59-66, 1998. FURTADO DA CUNHA, M.A.; SOUZA, M.M. de. Transitividade e seus contextos de uso. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. Capítulo 2. p. 29-52. NEPOMUCENO, Arlete; MEIRA, Ana Clara G. A. de; CORREIA, Maria Risolina de F. R. Um Breve Resumo da Estrutura Argumental Preferida. Belo Horizonte: Arlatorium, 2005. ORTEGA, Érica Fernanda. Fluxo de Informação e Estrutura Argumental Preferida. In: A Estrutura Argumental Preferida (EAP) em diversas sincronias do português: um exercício de análise do verbo-suporte tomar em português arcaico (dissertação de Mestrado). UEM, 2010.

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SEÇÃO 2

FUNÇÃO INTERPESSOAL

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A FUNÇÃO INTERPESSOAL EM TEXTOS DE OPINIÃO Tarcianny Cavalcante BRITO

Resumo: Esse artigo baseia-se na Teoria da Valoração, de Martin e White, e busca verificar através da linguagem como se dá o processo avaliativo em textos de opinião, para assim, visualizar a função interpessoal nesses textos. As bases desse estudo são: as funções Atitudinais: de afeto, de julgamento e apreciação; o Engajamento; e a Gradação, que são propostas na teoria acima citada. Essas funções estão relacionadas a um afastamento ou aproximação do leitor/autor na avaliação das coisas, pessoas, fatos e também do próprio diálogo estabelecido com o seu ouvinte/leitor. Para a aplicação da Teoria da Valoração, será analisada uma coluna da revista Época que se intitula: O mito e o Troféu, publicado no dia 07 de maio de 2011, de Ruth de Aquino, jornalista, que comenta sobre a morte do fundador e líder da associação terrorista, AL-Qaeda, Osama Bin Laden. Palavras-chave: valoração; avaliação; atitude; engajamento.

INTRODUÇÃO A Teoria da Valoração, de Martin e White (2005), tem sido largamente utilizada como base para muitos trabalhos nos quais a avaliação é pertinente para o entendimento das funções interpessoais em textos de opinião. Isso, porque ela investiga o modo como as pessoas utilizam a língua ao adotar posições pessoais, em que os sentimentos, os gostos, os valores (pessoais e sociais) e as emoções estarão diretamente relacionados às posições de crítica, de elogio, de julgamento, de aprovação ou desaprovação de uma ideia. As colunas jornalísticas, que são extremamente variadas em suas manifestações, constituem um universo de grandes possibilidades para uma análise sob a ótica da valoração, pois, nelas, há uma mistura de informações e opiniões, que algumas vezes, nos são mais visíveis, e em outras, requerem uma análise mais esmiuçada, para perceber o modo como se dão essas manifestações, daí o porquê de tantos estudiosos debruçarem-se nesse tipo de gênero. Elas são definidas, segundo Rystrom Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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(1993: 241) apud Cabral e Barros, como: ―artigo interpretativo ou analítico, que pode revelar o ponto de vista do escritor, embora seu primeiro propósito seja dar aos leitores informações e previsões, e talvez levantar questões‖. O presente trabalho tem por objetivo, ao lançar um olhar sobre a coluna de opinião, verificar o modo como se dá a função interpessoal nestas, ancorando a análise com base na Teoria da Valoração (MARTIN e WHITE, 2005). Será analisada uma coluna da Revista Época, que foi publicada online no dia 07 de maio de 2002, comentando o fato que tinha ocorrido cinco dias antes: a morte do líder e fundador da organização terrorista Al-Qaeda, Osama Bin Laden. 1. TEORIA DA VALORAÇÃO A Teoria da valoração, proposta por Martin e White (2005) apud White (2002), surgida a partir da linguística funcional, segundo os autores, busca visualizar, através da observação da linguagem, como se dá a valoração em textos. Ela está dividida em três grandes domínios, de acordo com Martin e White (2005) apud White (2002): Atitude, que por sua vez também se subdivide em: afeto, julgamento e apreciação; Engajamento e Gradação. 1.1

ATITUDE Positiva ou negativamente, as pessoas posicionam-se a fazer

avaliações

sobre

as

coisas,

as

próprias

pessoas,

os

lugares,

os

acontecimentos etc. Esse tipo de posicionamento é denominado como Atitude, que pode ser pessoal ou social e ainda ser afetado pelo grau de aproximação ou afastamento de quem está avaliando com aquilo que está sendo avaliado. Segundo Martin e White (2005, p. 42) apud Pillon (2007): “atitude é sistema de significados que mostra como sentimentos são expressos em textos. Esse sistema trata de três regiões semânticas que se referem aos sentimentos relacionados à emoção, ética e valores estéticos‖.

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1.1.1 Afeto O afeto é um tipo de atitude que está relacionado à maneira como a pessoa que avalia se coloca afetivamente diante da pessoas e/ou coisas avaliadas.

É

um

posicionamento

pessoal,

que

avalia

positiva

ou

negativamente as coisas segundo seus próprios sentimentos e sensações. Martin e White, apud Cabral e Barros (2006), agrupam as emoções em

três

conjuntos:

segurança/insegurança,

felicidade/infelicidade

e

satisfação/insatisfação. Linguisticamente, o afeto pode ser indicado, segundo Cabral e Barros (2006), por: verbos da emoção (‗gostar‘, ‗odiar‘, ‗desanimar‘), advérbios (‗infelizmente‘, ‗amavelmente‘), adjetivos (‗alegre‘, ‗aborrecido‘, ‗satisfeito‘) e nominalizações (‗satisfação ‗, ‗tristeza‘, ‗serenidade‘). 1.1.2 Julgamento O julgamento é um tipo de avaliação social, em que, um conjunto de valores, compartilhado por determinados grupos, será o norteador da avaliação, visível na posição e/ou fala do falante/autor. Essa avaliação, leva em consideração os conjuntos de normas sociais, os valores morais, as crenças etc, em que está inserido o avaliador e a pessoa e/ou coisa avaliada. 1.1.3 Apreciação A Apreciação, assim como o Julgamento, também é um tipo de avaliação em conjunto, mas aqui, o norteador será principalmente o valor estético, pois a apreciação avalia as coisas, as composições, as estruturas, os conteúdos, os trabalhos humanos. Também pode avaliar pessoas, mas sob um olhar de objeto estético, de outra maneira seria confundido com o julgamento. 1.2 Engajamento O engajamento é uma espécie de diálogo existente entre o autor/falante e ouvinte/leitor, que pressupõem conhecimentos de mundo compartilhados e sugere, muitas vezes, a continuidade de temas já Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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tratados.

Como

essa

aproximação

do

autor/falante

com

o

leitor/ouvinte, o primeiro usa termos e construções linguísticas que serão recuperados e completados pelo segundo. Nesse diálogo, é traçado o perfil do ouvinte/leitor e, a partir desse perfil, é esperado um determinado posicionamento dele diante dos temas abordados. 1.3 Gradação A gradação refere-se às marcas avaliativas, apresentadas no texto, através das escolhas em uma escala: a gradabilidade dos significados atitudinais, segundo Martin e White (2005) apud Pillon (2002). Essa escala apresenta um grau que varia de menor para maior envolvimento. 2. ENFOQUE METODOLÓGICO: PRINCÍPIO DE COLETA E ANÁLISE DOS DADOS. O primeiro passo foi procurar em colunas de jornais temas bem atuais em que pudesse ser verificada a função interpessoal do colunista. Em seguida, foi escolhida uma coluna que tratou, após cinco dias do ocorrido, da morte de um dos maiores terroristas do mundo e responsável pelos atentados às torres gêmeas nos EUA no dia 11 de setembro de 2001: O mito e o troféu, de Ruth Aquino. Nessa coluna foi coletado o corpus, que são frases e/ou palavras que deixam transparecer a posição do autor. As frases coletadas foram organizadas e separadas de acordo com a Teoria da Valoração em: Atitudinais: afeto, julgamento e apreciação; Engajamento e Gradação. Com a análise nos resultados, foi verificado o modo interpessoal como a autora se mostra em seu texto. 3. GÊNEROS JORNALÍSTICOS Albertos, apud Bertocchi, define os gêneros jornalísticos como: as diferentes modalidades da criação linguística destinada a serem canalizadas por qualquer meio de difusão coletiva e com ânimo de atender a dois dos grandes objetivos da informação de atualidade: o relato de acontecimentos e o juízo valorativo que provocam tais acontecimentos (ALBERTOS, 1992:213,392).

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São considerados gêneros jornalísticos: a notícia, a crônica, o editorial, a coluna etc. Para esse trabalho será relevante apenas a coluna jornalística. 3.1 COLUNAS JORNALÍSTICAS É uma das diversas manifestações do gênero jornalístico, que por sua vez é definida, segundo Melo (2002), como: ―sessão especializada de jornal ou revista, publicada com regularidade, geralmente assinada, e redigida em estilo mais livre e pessoal do que o noticiário comum‖. 4. ANÁLISES A análise, baseada na Teoria da Valoração, será feita em uma coluna da revista Época: O mito e o troféu, publicado on-line no dia 07 de maio de 2011, da jornalista Ruth de Aquino. 4.1 ANÁLISE DA COLUNA: O MITO E O TROFÉU O mito e o troféu foi escrita pela jornalista e editora da sucursal ÉPOCA no Rio de Janeiro, Ruth de Aquino, que mantém uma coluna semanalmente (aos sábados) nas páginas on-line da revista. O tema tratado nessa coluna diz respeito à morte do fundador e líder da organização terrorista Al-Qaeda e responsável pelos ataques de 11 de setembro de 2001 nos EUA, Osama Bin Laden, morto no dia 02 de maio de 2011, em consequência de uma ação de inteligência entre o Exército norte-americano e o governo do Paquistão, segundo o presidente dos EUA Barack Obama. A avaliação desta coluna será feita através dos parágrafos. 4.1.1 Primeira Parte 07/05/11 O mito e o troféu. Osama está morto. Viva Obama! O acerto de contas foi americano. O mundo se sentiu vingado num primeiro momento. Todos lembramos o

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O título ―O mito e o troféu‖, evidencia um julgamento negativo por parte da autora em relação a Osama, uma vez que ele se tornou um mito, ou uma lenda, ao praticar atos terroristas, como o do atentado de 11 de setembro de 2011 aos EUA, onde morreram cerca de três mil pessoas. Ao mesmo tempo, faz um julgamento positivo da morte dele ao compará-la a um troféu (algo que merece ser ostentado como vitória). Ao iniciar o texto afirmando a morte de Osama e logo após louvando o presidente dos EUA, Barack Obama, tido como responsável por essa morte, apresenta um julgamento explícito de contentamento por essa morte, facilmente recuperado em: ‘viva Obama‘, ‘o mundo se sente vingado‘, ‗não choramos agora pelo terrorista‘. 4.1.2 Segunda Parte ―Acho ótimo matá-lo. Quer prender para interrogar o quê? E os 3 mil que ele mandou morrer?‖, disse nosso poeta Ferreira Gullar. Essa foi a reação normal. Não só dos ocidentais. Muçulmanos, entrevistados no mundo inteiro, se disseram aliviados com o ―desaparecimento‖ de Osama bin Laden. Por um motivo simples: o terror e o fanatismo distorcem o islã. Osama era o símbolo-mor de uma face cruel e minoritária do islamismo, que prega o sacrifício de civis inocentes e o suicídio de jovens mártires como tática de poder na guerra santa. Carismático, filho de burgueses, Osama incomodava por comandar a Al-Qaeda nas sombras.

No segundo parágrafo, há, ainda mais fortemente, a presença do julgamento explícito, e que parece ser geral, sobre a morte do líder da AlQaeda. O julgamento é positivo em relação à morte do terrorista, inclusive, é afirmado explicitamente com o fragmento de outro autor, Ferreira Gullar, em que Ruth Aquino parece concordar: ‗acho ótimo matálo‘. Para enfatizar que essa é uma opinião geral, a colunista, expõe as frases: ‗essa foi a reação normal‘, ‗aliviados com o desaparecimento‘. que fazíamos quando, há quase dez anos, um atentado bárbaro matou cerca de 3 mil inocentes nas Torres Gêmeas. Não choramos agora pelo terrorista. Mas o que aconteceu na semana passada não enobrece a democracia. A balbúrdia de contradições oficiais reforça o mito Osama e adia seu sepultamento no inconsciente coletivo.

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4.1.3 Terceira parte Barack Obama era candidato quando prometeu encontrar, prender ou matar o inimigo que humilhava seu país. Cumpriu a promessa. Sua popularidade deu um salto. Ele deixou de ser considerado um líder tíbio, relutante. O povo americano é nacionalista, protecionista e imperialista. Gosta de demonstrações de força, idolatra a bandeira. Pode ser uma generalização – mas ela define a média da população nativa e dos imigrantes naturalizados. Obama foi eleito por uma maré de decepção econômica. Conquistou jovens e velhos, idealistas e desiludidos, de ideologias diversas. Seu ótimo slogan ―Yes, we can‖ era vago o bastante para ser completado da maneira mais conveniente a cada um. Sim, nós podemos tudo?

Na continuação da coluna, verificamos que a morte de Osama gerou uma promoção na figura do presidente dos EUA, Obama. Há nesse trecho, um julgamento positivo à atitude do líder americano e ao mesmo tempo um engajamento (declaração) na frase: ‗deixou de ser um líder tíbio‘. 4.1.4 Quarta parte Podemos entrar em outro país para capturar um terrorista sem autorização local? Talvez sim, em raras exceções. Violar essa regra do Direito Internacional parece mais aceitável do que abrigar um homicida do porte de Osama bin Laden. Sua fortaleza murada ficava em Abbottabad, uma cidade de classe média habitada por famílias de militares, a apenas 56 quilômetros da capital paquistanesa. Se um país – no caso o Paquistão – posa de aliado, mas é suspeito de proteger um terrorista que prega assassinatos em massa, seria crime ou cautela não alertar o governo de Islamabad?

Nesse parágrafo, mais facilmente se percebe o diálogo presente na relação de autor/falante com o leitor/ouvinte (engajamento), pois a autora introduz o parágrafo com a pergunta: ‗podemos entrar em outro país para capturar um terrorista sem autorização local?‘. Ao responder, ‗talvez sim‘, a colunista apresenta uma posição de engajamento de considerar, pois a proposição se mostra bastante plausível, já que ferir essa regra do Direito Internacional, parece não ser tão ruim aplicada ao terrorista. Isso diz respeito a um julgamento, pois carrega um pensamento moralizador e social. Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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4.1.5 Quinta parte Podemos torturar presos para chegar ao terrorista? Podemos executar o terrorista, mesmo que ele não ameace com uma arma? Podemos jogar o corpo ao mar sem sepultá-lo? Moralmente, não. Podemos censurar a divulgação da foto do morto? Eticamente, não. Podemos confundir a opinião pública com uma mentira diferente a cada dia? Claro que não. Podemos fingir que o mundo estará mais seguro e melhor a partir de agora? Ninguém acredita nisso. Podemos dizer que ―a justiça foi feita‖? Sim, mas com desvios. As imagens de Osama morto são de interesse público. A censura provoca mais danos que benefícios. E a comunicação do Pentágono precisa ser disciplinada – porque nem eles mesmos se entendem sobre o que realmente aconteceu.

Assim como no parágrafo anterior, a jornalística o inicia com o que seria uma conversa com o seu ouvinte/leitor (engajamento) através de perguntas, que ela mesma responde com base no julgamento moral. O engajamento se mostra claro na voz textual de refutar: ‗moralmente, não‘, ‗eticamente, não‘, ‗claro que não‘. Essas marcações não são em função do terrorista e sim em função de uma moral social que não permitiria isso. Mas ao mesmo tempo em que nega um posicionamento que a moral não permitiria, afirma outro: ‗ as imagens de Osama morto são de interesse público‘. 4.1.6 Sexta parte Entende-se a preocupação dos Estados Unidos em não acirrar a ira de fanáticos ao exibir Osama morto. Não se entende por que os exímios atiradores da tropa secreta da Marinha, conhecida como Seal Team 6, precisaram desfigurar seu rosto a curta distância – ele poderia continuar um cadáver apresentável, não? Entende-se que tenham preferido matá-lo a prendê-lo para evitar que, detrás das grades, continuasse a exercer uma liderança maligna. Entende-se que era melhor matar sem plateia do que transformar em espetáculo a execução pública de um Osama condenado à morte pela Justiça. Entende-se que era melhor não criar, com seu túmulo, um local de culto, peregrinação e manifestações de ódio aos dois lados.

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Inicia com um engajamento de declaração: ‘ entende-se a preocupação‘, e depois afirma essa declaração com uma negação (engajamento de refutar): ‘não acirrar a ira‘. Carrega um julgamento (opinião social) ao longo do parágrafo ao explicar que se entende o porquê te o terem matado ao invés de prendêlo, e de no terem feito sem plateia. 4.1.7 Sétima parte ―Osama não é um troféu. Não queremos transformá-lo num mito‖, afirmou Obama, ao justificar a morte sem corpo. Osama bin Laden é um mito e um troféu, não importa o que se diga agora. E seu desaparecimento no mar, sem fotos, cercado de sigilo e contradições, só reforça a dupla aura que Obama deseja evitar.

Por fim a autora, Ruth de Aquino, se coloca contrária à opinião (afeto) de Obama, quando esse diz que Osama não é troféu e nem querem transformá-lo em mito, afirmando (engajamento de declarar) que Osama Bin Laden já é um troféu e um mito. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base na Teoria da Valoração, foi possível concluir que, em todas as partes do texto, O mito e o troféu, há uma maior frequência dos recursos da Atitude, principalmente o julgamento, e o Engajamento. Há a presença de verbos de afetividade, na voz do autor Ferreira Gullar: ‗acho ótimo‘, usado para reforçar um julgamento de que a morte de Osama foi boa para todos. As personas textuais construídas no texto envolvem a autora de coluna, que avalia eticamente a situação e a julga de acordo com esse senso comum, o leitor, que parece partilhar da mesma opinião da autora, o autor Ferreira Gullar, que se posiciona afetivamente feliz com a morte de Osama e o presidente dos EUA, Obama, que mesmo tendo sofrido uma promoção com a morte do maior inimigo dos EUA, nega que se deve ostentar essa morte como um troféu.

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REFERÊNCIAS AQUINO, Ruth. O mito e o troféu. Época online. Fortaleza, 07 de maio de 2001. Disponível em: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/1,,EMI23134415230,00.html. Acesso em: maio e junho de 2011. BERTOCCHI, Daniela. Gêneros Jornalísticos em espaços digitais. Universidade de Minho. Portugal, 2002. Acessado em maio e junho de 2011 no endereço: <http://www.bocc.ubi.pt/pag/bertocchi-daniela-generos-jornalisticos-espacosdigitais.pdf> MELO, J. M. Jornalismo Opinativo. Campos do Jordão: Editora Mantiqueira, 2002. CABRAL, S.R.S;BARROS, N.C.A. Linguagem e Avaliação : uma análise de texto opinativo. Disponível em: <http://www.pucsp.br/isfc/proceedings/Artigos%20pdf/34ev_cabral_72 2a734.pdf.> Acesso em : maio e junho de 2011. PILLON, Sameriene Lúcia Lopes. A formação de uma comunidade de leitores. 2007. Dissertação (Mestrado em Letras-Área de Concentração de estudos linguísticos) Universidade de Santa Maria, Santa Maria-RS, 2007. WHITE, P. The handbook of pragmatics. Amsterdan; Filadephia: Jonh Benjamins Publishing,2002.[ tradução de Débora de Carvalho Figueiredo].

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Anexo O quadro a seguir esquematiza a análise realizada: Atitude

O mito e o troféu.

Osama está morto. Viva Obama!

Não choramos pelo terrorista. Mas o que aconteceu semana passada não enobrece a democracia. “Acho ótimo matalo”. Essa foi a reação normal. ...”aliviados com o desaparecimento”. Ele deixou de ser considerado um líder tíbio, relutante.

Engajamento

Gradação

Julgamento negativo implícito

Afeto e Julgamento explícito

Afirmação

Afeto e Julgamento explícito

Afirmação

Afeto não autoral positivo Julgamento positivo Julgamento explícito positivo

Julgamento

Maior envolvimento Maior envolvimento Maior envolvimento.

Engajamento por declaração

Gosta de demontração de força, idolatra a

Apreciação

bandeira. Engajamento de consideração

Talvez sim Moralmente, não. Eticamente, não

Julgamento de negativo

Engajamento de consideração

Menor envolvimento

Maior envolvimento

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Claro que não.

Osama não é um troféu. Osama é um mito e um troféu.

Julgamento positivo

Afeto não autoral negativo. Afeto autoral positivo

Maior envolvimento

Maior envolvimento

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SEÇÃO 3

GRAMATICALIZAÇÃO DO VERBO PEGAR

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UM ESTUDO SINCRÔNICO DO VERBO PEGAR

Amanda Jozy Paiva LEITE

Resumo: O verbo pegar tem sido muito utilizado no português brasileiro. Ele sofreu um processo de gramaticalização, ou seja, perdeu seu sentido pleno e adquiriu aspectos mais gramaticais, inserido também dentro do contexto da polissemia. O presente artigo tratará de mostrar um estudo sincrônico do referido verbo, afim de verificar qual de suas três construções (lexical, discursivo e aspectual) é mais recorrente nas escritas informais do português brasileiro.

Palavras-chave: pegar, gramaticalização, ocorrências, polissemia, estudo sincrônico.

INTRODUÇÃO Linguagem inquestionável.

e A

sociedade história

da

estão

ligadas

humanidade

é

entre a

si

história

de de

modo seres

organizados em sociedade e detentores de um sistema de comunicação oral, ou seja, de uma língua. Dentro dessa perspectiva, a língua é concebida como entidade social. Variável, dinâmica e heterogênea, a qual está em constante processo de variação e mudança linguística. De acordo com essa concepção de língua e linguagem, nos focaremos no estudo sincrônico dos usos do verbo pegar, com o fim de verificar os valores e graus de gramaticalização. O tempo verbal analisado é o pretérito perfeito: peguei (1° pessoa do singular) e pegou (3° pessoa do singular). O uso do verbo pegar tem sido muito frequente no português falado e escrito brasileiro, sob o qual assume significados diferentes em contextos diferentes. Assim, podemos afirmar que tal verbo apresenta caráter polissêmico e está presente nos contextos concretos - geralmente, Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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dão a ideia de movimento: a polícia pegou (agarrou) os bandidos - e abstratos - ligados, geralmente, aos níveis cognitivos: não peguei (entendi) bem o assunto da aula de hoje. O corpus deste trabalho se adentrará na modalidade escrita informal em sites de relacionamento. As construções com o verbo pegar podem ser realizadas de três maneiras: pegar lexical, pegar discursivo e pegar aspectual. 1. PEGAR LEXICAL Caracteriza-se estruturalmente por SN (compila um sujeito agente e experienciador), V (verbo de ação) e SN (objeto e paciente). A construção SN V SN assemelha-se à estrutura sintática e diverge dos valores semânticos. Observemos os exemplos (3), (4) e (5): (3)- Imagine se eu colocasse mais... peguei o mesmo béquer... (Diva, Corpus Discurso & Gramática- A língua falada e escrita na cidade do Natal. pp.16) (4)- Peguei a vassoura e taquei nas costas dele. (scrap de Orkut) (5)- Quase que ele pega a vassoura e revida o ataque. (scrap de Orkut). Em (3) e (4), o sujeito está implícito (1° pessoa do singular do pretérito perfeito) seguido de um objeto – béquer (3) e vassoura (4) e um paciente ou objeto afetado dele (4). Nestes dois casos, o peguei significa tomar para si, segurar o objeto em questão dando uma ideia de movimento. Já no (5), o sujeito não é mais oculto. O verbo coloca, na posição de sujeito, o pronome ele e o objeto continua sendo vassoura.

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Podemos afirmar claramente que os exemplos dados mostram uma reunião do pegar lexical, que assume funções diferentes na sintaxe, mas diferenciam-se na semântica e no contexto. Um fator relevante a ser analisado é a ―ideia de movimento‖, afirmado acima. Movimento significa o deslocamento de um corpo de um lugar para outro. Sabemos também, que tal ação é comum a todos os seres

vivos.

Porém,

quando

damos

uma

acepção

e

circunstância

linguísticas a esse nome, nos referimos aos seres humanos. Traugott e Dasher (2005) referem-se à noção de movimento como algo que ajuda o processo de gramaticalização. Heine (1993) vê o movimento como um processo básico do homem. A natureza e noção de movimento e pessoa perpassam as outras construções do pegar. 2. PEGAR DISCURSIVO Esse tipo de construção é concebido por dois verbos de ordem fixa: V1 (verbo pegar) e V2 (verbo de ação ou dicendi). Observemos os exemplos (6), (7) e (8): (6)- Pegou e foi pênalti (fala de um jogador de futebol no twitter). (7)- Eu peguei e falei que não queria mais nada com ele (scrap de Orkut). (8)- Acho na verdade, o amarelo já pegou faz tempo... (scrap de Orkut). Notemos que em (6) e (7), a conjunção e aparece entre V1 e V2, embora as desinências modo-temporais sejam distintas entre os dois casos e compartilham a mesma ocorrência e o mesmo sujeito, sendo uma ordem fixa entre V1 e V2 em cada sentença. Nem sempre teremos a preposição e entre V1 e V2, como é o caso do exemplo (8).

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Já sabemos da relação de movimento existente entre o pegar e a pessoa (referente). O exemplo (7) denota exatamente essa ―ideia de movimento‖. O que é movimentado é o discurso, como se existisse um outro falante. Em contrapartida, os verbos de ação indicam a ruptura com o movimento, originando uma mudança situacional. Afirma-se, com isso, apesar de abstrata, a noção de movimento é presente, causando aproximação entre o referente e a situação em foco através do verbo pegar. 3. PEGAR ASPECTUAL Essas construções são alinhadas pela junção de V1 pegar (exerce forma finita) e V2 (forma não finita). Essa construção também é conhecida tradicionalmente de locução verbal com pegar em que o sujeito sempre precede V1 (Sigiliano, 2008). Na referida construção, V1 pegar V2 é possível ou não haver as preposições a e para entre V1 e V2. É importante destacar que a perífrase revela o começo inesperado (movimento repentino) de uma ação que será realizada pelo verbo principal – V2. Vejamos os exemplos (9), (10), (11) e (12). (9)- Não sabíamos o que fazer... a galera pegou a gritar de tanto medo do assalto (scrap de Orkut). (10)- Ele pegou para falar do assunto de que tinha me visto entrando num motel... num carro preto. (scrap de Orkut). (11)- Não porque Luís pegou e vendeu a casa... e ainda tão barata! (scrap de Orkut). (12)- Aí... eu peguei dançar a festa todinha. (scrap de Orkut)

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Nos quatro casos, é nítida a noção temporal, uma vez em que se grita, se fala e se dança durante algum tempo. Uma pequena diferença é encontrada em (11), pois o verbo principal vender expressa uma ação acabada,

a

priori.

Porém,

ao

analisarmos

que

antes

de

vender

concretamente a casa, houve todo o processo burocrático da venda. Com essa visão, enxergamos a modalidade de tempo, expressa implicitamente na sentença. No pegar aspectual, o pegar pode assumir função gramaticalizada do verbo auxiliar. Sabemos que, no português brasileiro, se conjuga os verbos auxiliares e os principais, geralmente vem no particípio, no gerúndio e no infinitivo. Os verbos auxiliares completam os verbos principais e juntos, formam locuções verbais. No tocante à polissemia dessa construção, a ―ideia de movimento‖ pode ser a indicadora da marcação inceptiva presente no verbo, a qual está intrisicamente ligada ao significado do verbo pegar. Segundo Bybee (1985), a distinção mais comum encontrada nas línguas é entre perfectivo (pontual ou momentâneo) e imperfectivo (durativo ou contínuo). A autora afirma que os sentidos expressos pelas construções com verbos auxiliares são mais comuns ligados à diferença habitual/contínuo que a diferença perfectivo/imperfectivo. Outra afirmação relevante da autora é em relação à observação, pois algumas vezes, a fonte de um inceptivo é um verbo de movimento, o que confirma as hipóteses sobre a polissemia da construção com pegar em Sigiliano (2008) e Araújo (2011). Tal afirmação se faz válida, uma vez que o pegar pode funcionar como marcados aspectual inceptivo. Antes de nos adentrarmos no desenvolvimento do pegar lexical, discursivo

e

aspectual,

façamos

um

breve

estudo

sobre

a

gramaticalização.

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Em se tratando de língua, existem pelo menos quatro tipos de variações. São elas: diacrônica, diastrática, diamésica e diatópica. Um caso muito particular da variação diacrônica é a gramaticalização, processo em que uma palavra de sentido pleno assume funções mais gramaticais. Portanto, gramaticalização é uma reivindicação do aspecto instável da gramática que tende a se processar em aspectos abstratos, conversacionais e à organização interna do texto. (Martelotta, Voltre e Cezario, 1996) afirmam que a gramaticalização envolve os níveis: cognitivos (tendem a passar elementos concretos para elementos abstratos); pragmáticos (o objeto é fazer com que o ouvinte entenda o novo sentido de uma determinada palavra na interação face a face); semânticos (torna-se necessário o conhecimento dos interlocutores no processo de mudança dos significados de origem) e sintáticos (o processo

de

gramaticalização

não

ocorre

somente

por

conta

dos

contextos, mas também, pelos aspectos sintáticos). O termo gramática passou a designar o conjunto de regularidades decorrentes de pressões cognitivas e acima de tudo, pressões de uso. As pressões cognitivas constituem o fato de a gramática apresentar um aspecto mais regular, pois ela é consequência do modo como os humanos interpretam

o

mundo

decorrentes

dessa

e

organizam

interpretação.

mentalmente

Daí

o

motivo

as

informações

pelo

qual

a

gramaticalização ser uma reivindicação instável da gramática, ilustrada acima. Como

vimos,

a

gramaticalização

de

uma

palavra

é

feita

sincronicamente em relação às necessidades discursivas e /ou gramaticais do sintagma nominal. Nesta perspectiva, faremos um sincrônico do desenvolvimento dos verbos pegar lexicais, discursivos e aspectuais. Pode-se analisar diversos meios de pegar, que passa de uma construção mais lexical a uma mais aspectual. Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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Kuteva (2001) revela que os auxiliares se desenvolvem a partir de itens lexicais, sob os quais se originam num processo de gramaticalização. Heine (1993) defende que ―o desenvolvimento de auxiliares envolve construções inteiras e não somente uma palavra‖. É o que notamos nas ocorrências com o pegar. O verbo pleno (pegar lexical, que significa segurar, tomar para si) seguido por um objeto (complemento nominal), passa a assumir marcação gramatical seguida de um verbo principal na estrutura

auxiliar

resultante

(pegar

aspectual).

Dessa

maneira,

o

desenvolvimento de auxiliares abrange uma mudança em que uma construção

verbo-nominal

passa

a

ilustrar-se

em

uma

construção

marcadora gramatical seguida de um verbo principal (Kuteva, 2001). É exatamente essa representação do pegar que estamos abordando nesse trabalho. Heine (1993) cita dois processos importantes sofridos pelos verbos lexicais ao se gramaticalizarem: a dessemantização (processo em que um item lexical perde seu significado próprio e adquire funções gramaticais ligadas ao uso) e decategorização (consiste em algumas propriedades ―perdidas‖ pelo verbo com a mudança de regulamento do mesmo). Dentre essas propriedades, pode-se citar: o complemento verbal deixa de ser um nome e se compõe na presença de um verbo não finito; o verbo adquire posição fixa na sentença e não pode ser mais negado separadamente; o complemento do verbo adquire morfossintaxe do verbo principal, etc. Todos esses aspectos caracteriza o pegar aspectual. Como pôde ser observado, essa construção provém da construção pegar discursivo, sob a qual esporadicamente se assemelha às mais lexicais, embora contenha características semelhantes com pegar aspectual, como a presença de V1 e V2 compartilhando um mesmo evento e sujeito. Os aspectos e conceitos de gramaticalização acarretam na diferença semântica do sintagma nominal. As construções discursivas e aspectuais atribuímos às diferenças semânticas não só pelo uso, mas também, pela

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maneira de como as sentenças estão relacionadas entre si. Desse modo, os verbos lexicais passam a ser discursivos e depois, lexicais. Observemos os exemplos que se seguem: (13)- Ele pegou o brinquedo do garoto... (scrap de Orkut) (14)- Ela pegou e começou a falar rápido... (scrap de Orkut) (15)- João pegou a falar e foi embora... (scrap de Orkut) No pegar lexical (13), temos uma sentença simples, em que o pegar denota uma ação concreta e toma para si o objeto, o brinquedo. O pegar discursivo (14) compartilha o mesmo sujeito e complemento, porém nem sempre isso acontece, como é o caso de (16) – Na verdade não sei o que fazer... mandei ela calar a boca, eu peguei, eu bati e eu sai. (scrap de Orkut) Além disso, como se pôde observar neste artigo e na rápida explicação sobre polissemia verbal, os verbos dessa construção se ligam a outros (V2) que também apropriam-se de naturezas intrínsecas de movimento entre referentes, caracterizando assim, um maior grau de relacionamento semântico entre os verbos dessa construção. Já o pegar aspectual (15) percebe-se que o grau de gramaticalização já se faz mais presente e as sentenças não podem ser diferentes e nem tampouco, separadas. Tal fato, forma a locução verbal e marca a auxiliaridade no português brasileiro. Essa construção apresenta uma relação máxima entre V1 e V2, cujo sujeito é o mesmo (V1 e V2) e a delineação temporal de V2 é determinada pelo V1, indicando o aspecto inceptivo. O corpus deste artigo foi coletado em sites de relacionamento, como Orkut e Twitter. No geral, foram analisadas 75 ocorrências (25 de cada construção) do verbo pegar, sob as quais correspondem às construções lexicais, discursivas e aspectuais.

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Das 25 ocorrências do pegar lexical, constatamos 14 situações de fala, em que o pegar sofreu alteração em seu significado pleno. Isso mostra a produtividade e a importância de pegar que se faz presente em diversos contextos semânticos e situações comunicativas de fala. Ocorrências: 1-Você pegou alguma coisa do meu quarto? 2-Não peguei nas coisas dela pq ela naum gosta. 3-Eu peguei catapora. 4-O A polícia pegou os bandidos. 5-Essas sandálias pegou por aqui. 6- Peguei na mão dela. 7-Vc sabia que o Luis pegou a Alana? 8-Não peguei bem o assunto de hj da aula. Vc me ajuda? 9-Peguei a fita! 10-Ela não pegou o dinheiro q tava na sua carteira. 11-Peguei todas hj... kkkkk... 12-Eu peguei minha mulher com outro!!!! 13- Rafael não pegou seu texto. 14-Allan pegou a comida e jogou fora. 15-Eu peguei o gosto por ela. 16-Não peguei suas peças intimas. 17-Peguei uma gripe!!! 19-Na festa, ele naum pegou ninguem. Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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20-Essa moda pegou por aqui! 21-Não peguei nada do seminário de hj... 22-Renata não pegou uma micose por pouco! 23-Ela pegou AIDS. 24-Não peguei no seu celular! 25-Ela não pegou nos documentos.

Foram analisadas 25 ocorrências do pegar discursivo e encontramos 18 situações em que o pegar apontou para um grau maior de integração e dependência semântica entre V1 e V2, sob os quais representam, juntos um mesmo evento. Ocorrências: 1- Peguei e falei q naum queria mais nada com ele. 2- Ela pegou e disse q estava tudo certo! 3- Allan pegou e cortou o mal pela raiz. 4-Amandine pegou e saiu de uma vez! 5-Ela pegou e foi pra casa. 6-Eu peguei e disse q amava ele. 7-Juliene pegou e aconselhou a garota. 8-Sabe o q ela fez? Pegou e traiu!!!! 9-Eu peguei e fui muito grossa com ele. 10- Fiquei com tanta raiva q peguei e dei na cara dela. 11-Aí ela pegou e disse que nunca mais falaria comigo. Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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12-O amor mi pegou e fez da minha vida uma loucura. 13-Pegou e mi tirou do wink tu e muito corno manco mermu.! Kkkkkk... 14-Aí Luís pegou e saiu na maior cara de pau. 15-Eu peguei e disse que não tinha mais volta. 16-Peguei e chorei muito com a decisão dele. 17-Ela pegou e vacilou feio comigo! 18-Ela pegou e atirou na pobe da cobra. 19-Eu peguei e eu falei eu vou ta certo? 20-Não peguei e não falei mais nada. 21-O amor me pegou e eu não descanso enquanto não pegar aquela criatura. 22-A gripe me pegou e...selinho!!! 23- Pegou e foi pênaulti. 24-Peguei e nada haver com aquilo q tu tinha mi dito. 25-O bicho já pegou e você já se apaixonou! Já as 25 ocorrências do pegar aspectual, 08 demonstraram que há uma hipótese de que essa construção do pegar ainda se encontra em processo de mudança à auxiliarização, pois apresenta as características relatadas neste artigo com as construções auxiliares. Ocorrências: 1-Ele pegou a falar mal dela. 2-Ela pegou para dançar. 3-Pegou e não falou comigo há mais de 3 anos. Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


44

4-Peguei a passar perfume e gastei quasi todo. 5-Peguei a sair da sala. 6-Ela pegou a corta o cabelo da menina. Ela ficou p... de raiva. 7-Joaquim pegou a cochilar e acabou dormindo. 8-Lucas pegou a beijar a dona na festa... q loucura!!!! 9-Amanda pegou e foi dormir na casa de sua mãe. 10- qual o número da fila que vc pegou de mais alto? 11-Ana Cristina pegou e saiu do projeto. 12-A tinta não pegou e meu cabelo ta caindo cada veiz mais. 13-Ela pegou e ta criando um gatinho. 14-Eu peguei o estágio do colégio. 15-Peguei o vírus da colheita feliz! 16-Deu briga... só pq eu peguei o controle primeiro. 17-Ela pegou noijo dele depois da traição. 18-Peguei e fui dormir... 19-A mão dela ficou com tanta raiva que pegou e expulsou a própria filha de casa. 20-Ela pegou e se apaixonou por outro. 21-Não peguei mais ninguém. 22-O médico disse que eu peguei um tipo de ameba intestinal por isso que eu fui internada. 23-Peguei uma substancia de porção e pensei vou mi matar... 24-Eu peguei o taxi de madrugada!! Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


45

25-Hj eu peguei vc ajoelhada posso saber o motivo?

Tabela (1): Comparativo do pegar lexical, discursivo e aspectual:

Ocorrências

Ocorrências

Porcentagem

analisadas

encontradas

Lexical

25

14

56%

Discursivo

25

18

72%

Aspectual

25

08

32%

CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que, o verbo pegar, em nosso estudo sincrônico, apresenta características das mais lexicais às mais aspectuais. Dentro dessa perspectiva, a construção discursiva é a mais frequente, dentre as outras. Isso deve-se ao fato de os verbos dessa construção se ligarem a outros (V2) que também apresentam, categorias intrísecas de movimento entre referentes. Desse modo, nas situações de escritas informais se sobressai o pegar discursivo. O trabalho abordou, de maneira satisfatória, todas as ocorrências, características e os resultados das três construções. Se colocarmos tais resultados em uma escala de recorrência, teremos o pegar discursivo em 1° lugar, o pegar lexical em 2° e o pegar aspectual em 3°, dentro do contexto de escrita informal, vale ressaltar. No tocante ao pegar aspectual, supõe-se que ele ainda está num processo de auxiliarização, devido ao fato da baixa porcentagem de ocorrências encontradas. Este artigo desenvolveu apenas um pequeno estudo sincrônico que relaciona

a

mudança

semântica

do

pegar

e

seus

aspectos

de

gramaticalização. É necessária uma análise mais profunda a respeito desse assunto para que seja confirmada a prosposta de auxiliarização do pegar aspectual e de maior freqüência do pegar discursivo em situaçõe de falas informais. Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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REFERÊNCIAS BYBEE, Morphology: a study of the relation meaning and form. John Benjamins publishing company: Amsterdan/Filadélfia, 1985. HOPPER, P. & TRAUGOTT, E. Grammaticalization. Cambridge: Cambridge Iniversity Press, 1993. KUTEVA, T. Auxiliation. An enquiry into the nature of grammaticalization. Oxford Univesity Press: New York, 2001.

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SEÇÃO 4

INDETERMINAÇÃO DO AGENTE

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A INDETERMINAÇÃO DO AGENTE NO PORTUGUÊS ORAL DO BRASIL Camille Feitosa de ARAÚJO Samuel Freitas HOLANDA

Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar as diversas formas de indeterminação do agente no Português falado do Brasil, e as motivações discursivas que induzem à realização desse fenômeno em nossa língua. Para tanto, nos baseamos na análise de dados colhidos entre falantes brasileiros da década de 90. Inicialmente, expomos os meios, permitidos pela nossa língua e utilizados pelos falantes, para essa indeterminação e posteriormente, destacamos os casos de agente indeterminado no discurso dos falantes do nosso corpus. Através da análise realizada, nossa pesquisa identificou um uso frequente de pronomes e expressões indefinidos e de verbos na 3ª pessoa do plural para essa indeterminação do agente na nossa língua. Palavras-chave: indeterminação; agente; funcionalismo.

INTRODUÇÃO Quando queremos identificar, em um enunciado, aquele que pratica a ação verbal, normalmente perguntamos ao próprio verbo, pois foi assim que aprendemos, nas gramáticas tradicionais, a identificar o agente da ação expressa pelo verbo, ou seja, o sujeito. No entanto, conforme

vamos

tendo

mais

contato

com

a

língua

Portuguesa,

percebemos que nem sempre aquele que pratica a ação expressa pelo verbo é localizável na enunciação, e que também nem sempre coincide com o sujeito da oração. Assim, observamos que não é apenas o aspecto sintático que irá determinar o agente de uma oração, mas os aspectos semânticos e discursivos também deverão ser levados em consideração. A indeterminação do agente confere um caráter de imprecisão quanto ao termo que seria aquele que praticaria a ação verbal. Ou seja, a indeterminação do agente em um enunciado será o meio utilizado pelo enunciador para não identificar o agente de uma ação verbal, ou por não saber, ou por não querer identificá-lo. Muitas são as formas de Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


49

indeterminação

do

agente

encontradas

em

uma

dada

situação

comunicativa, e serão algumas dessas formas que pretendemos investigar e analisar. Assim, o objetivo da nossa pesquisa será, através da análise de dados, observarmos como o emissor se utiliza dessas possibilidades para conseguir indeterminar o agente na Língua Portuguesa falada no Brasil. Não pretendemos aqui exaurir todo o assunto, já que é apenas um artigo e não abrangemos um número de informantes suficientes para isso. Mas poderemos, através de artigo, trazer uma boa contribuição para o estudo da indeterminação do agente na Língua Portuguesa. 1. METODOLOGIA Para a concretização do presente trabalho, analisamos quatro entrevistas dadas por falantes do sexo masculino e coletadas na década de 90. Os informantes falavam uma variedade da língua situada entre o culto e o informal, pois todos possuíam curso superior e eram de uma classe social mais culta e erudita. A faixa etária dos entrevistados foi bem variada, indo dos 31 anos até os 70, o que diversifica ainda mais o nosso corpus. Coletamos os depoimentos nos corpora do VARPORT e, em seguida, selecionamos algumas ocorrências de indeterminação no discurso dos falantes, para analisarmos quanto a algumas variáveis como o tipo de indeterminação e a identidade do agente. Após a análise, examinamos cada caso, tentando identificar suas motivações discursivas e o papel desempenhado por cada um dentro do discurso. Para a produção desse artigo, recorremos a autores como Gredson dos Santos (2006), Tupiná (1984) e Claudete Lima (2005), além de Cunha e Cintra (2008) e Duarte (2005). 2. A RESPEITO DA INDETERMINAÇÃO DO AGENTE Iniciaremos, porém, com uma elucidativa explicação sobre a indeterminação do agente, como o falante pode alcançar esse fenômeno durante seu discurso e o porquê de usá-lo.

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50

O fenômeno da indeterminação do agente vem sendo tema de investigação de diversos pesquisadores, principalmente aqueles ligados à Linguística, como os Funcionalistas, por ser um campo de estudo ainda não totalmente explorado ou explicado pela gramática tradicional. Ainda há muitas divergências, inclusive de terminologia, como observamos ao lermos o artigo Questões sobre a “indeterminação” do sujeito, de Gredson dos Santos. O autor chega a seguinte conclusão: A partir das considerações de Rollemberg et al e de Bechara, e admitindo-se como plausível a hipótese de que o sujeito é uma função sintática que responde às necessidades estruturais do sistema do PB e que a agentividade está ligada ao aspecto semântico do sistema, podendo ela ser um traço do sujeito ou de outro termo sintático, adota-se neste trabalho a posição de que, na verdade, não faz sentido falar em indeterminação do sujeito em contextos como os que aqui são analisados, mas sim em indeterminação do agente da ação indicada pelo verbo – é o que acontece, por exemplo, num enunciado como eu fui assaltado, em que a função de sujeito cabe ao pronome, mas o agente não está especificado. (SANTOS, 2006, p.15)

Assim, reforçamos que o agente nem sempre corresponde ao sujeito, ou seja, se você indeterminar o agente de uma oração, não significa que o sujeito será indeterminado. Ainda há muitas outras divergências, mas não nos deteremos a esse assunto, pois necessitaria de um artigo inteiro. Em seu trabalho intitulado Abrangência pessoal dos processos de indeterminação do agente, Tupiná (1984), sintetiza bem o assunto abordado: A indeterminação corresponde ao caráter de indiferenciação, falta de individualidade ou de especificidade de um termo, capaz de conferir ao enunciado um teor de imprecisão e generalidade, em decorrência do ponto de vista do emissor. (TUPINÁ, 1984, p. 63)

Como já ponderamos, o falante disponibiliza de várias formas para conseguir esse teor de imprecisão em uma oração. Em nossa pesquisa não conseguimos encontrar todas as maneiras de indeterminar o agente, ou pela ausência destas, ou por desatenção dos pesquisadores. Evitamos também considerar casos polêmicos, que precisariam de mais explicações e exigiriam um trabalho mais extenso e complexo, o que fugiria da nossa Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


51

proposta, que é analisar e refletir sobre o uso desse fenômeno na oralidade. 3. PROCESSOS DE INDETERMINAÇÃO DO AGENTE E ANÁLISE DO CORPUS Veremos agora os principais processos de indeterminação do agente e alguns exemplos, que quando não encontrados no corpus, foram retirados de falas e textos do nosso cotidiano. São eles, a nominalização, o uso de pronomes ou expressões indefinidos, verbo impessoal nãopronominal, voz passiva analítica, voz passiva sintética, voz média (pronominal, não-pronominal e perifrástica) e infinitivo. 3.1. Nominalização A nominalização é quando substantivamos um verbo, o utilizando na função de sujeito de uma oração. (1) A saída do jogador abalou a equipe. 3.2. Pronome Indefinido Alguns autores dividem essa categoria em duas: pronomes indefinidos (alguém, você) e expressões indefinidas (todo mundo, a gente, as pessoas). Para esse trabalho, consideraremos todos esses pronomes e expressões como parte de um mesmo processo, já que possuem propriedades de uso bem semelhantes. Veja por exemplo esse trecho: (2) normalmente eu dou preferência pelas praias... apesar de ser um acampamento pouco mais desgastante... cansa mais... você não tem... acomodação boa... sal... você fica salgado... você quer tomar banho e já é mais difícil pra tirar o sal... e... normalmente quando você está na montanha... você sempre tem um rio... a água é limpa... você pode tomar banho e ficar sempre... se sentindo melhor... né? com a água... o acampamento normalmente não é com um grande número de pessoas... (VARPORT – Oc-B-9c-1m-001, linhas 47-52)

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52

A

forma

de

tratamento

você

é

bastante

usada

para

a

indeterminação porque desperta o interesse e envolve o interlocutor, tornando o discurso mais presente e mais vivo (Tupiná, 1984, p.66). É evidente que o falante não está se referindo somente ao interlocutor quando usa o você, mas generaliza o agente, na tentativa de indicar que qualquer pessoa pode ser colocada como agente da ação. Isso acontece principalmente quando o falante está tentando convencer seu interlocutor, utilizando a função apelativa da linguagem. Note que, nesse trecho, poderíamos trocar a forma você pela expressão a gente sem grande prejuízo de sentido, pois estaria trazendo o interlocutor para participar da ação juntamente com o emissor. Mais uma vez, temos o uso da função apelativa. Observe agora esse exemplo: (3) todo mundo procura conversar com todo mundo... é até uma data assim... que as pessoas vêem pessoas que não se vêem há muito tempo...às vezes até se conversam pelo telefone mas não... não se vê... e realmente nos aniversários a gente encontra várias pessoas e coloca as conversas em dia...né? (VARPORT – Oc-B-9c-1m-001, linhas 20-23) Observe o uso de mais três expressões genéricas que o falante utiliza para indeterminar o agente da oração. Genéricas porque não se referem a ninguém, de modo específico, mas estende seu significado para além de qualquer agente. 3.3. Impessoal não-pronominal Esse processo é caracterizado pelo uso do verbo na 3ª pessoa do plural, sem designar o pronome, e deixando o agente da oração indeterminado. Vejamos um exemplo: (4) e não tem biblioteca mais... tem biblioteca... mas no computador... eu não sei pra quê... deram os livros todos... jogaram (aquilo) fora... mandaram (rasgar... desaparecer) puseram uma pilha de livros no corredor mandaram os alunos apanhar e escolher... (VARPORT – Oc-B-9c-3m-001, linhas 47-50) Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


53

Quando usamos a 3ª pessoa para alcançarmos a indeterminação, protegemos a identificação do agente, ou por desconhecimento ou por não interessar a especificação. Assim, o verbo pode se referir tanto a grupo de pessoas, como a uma só pessoa. 3.4. Voz Passiva Analítica A voz passiva analítica é caracterizada pelo verbo ser ou estar acompanhado de um verbo principal no particípio. Na voz passiva o sujeito é paciente. Notemos no trecho abaixo o seu uso: (5) bom... eu acho que o Rio de Janeiro deve ser visto não só em um de seus lugares belíssimos... como também nas suas... nos seus lugares pobres e pelo menos a favela da Rocinha tem que ser visitada... compreendeu? (VARPORT – Oc-B-9c-3m-001, linhas 2-4) A voz passiva é usada quando o falante quer dar mais ênfase a ação do que ao próprio agente. Por exemplo, no trecho acima, o falante expressa que ―o Rio de Janeiro deve ser visto‖, mas não diz por quem ele tem deve ser visto. Vemos aí que o mais importante é a ação, ou seja, para o falante os lugares pobres do Rio de Janeiro devem ser visto por todos, desde turistas, visitantes, a habitantes, enfim, qualquer pessoa que quiser conhecer a cidade. 3.5. Voz Passiva Sintética A passiva sintética, ou voz passiva pronominal, como designam alguns autores1 se caracteriza pelo uso do verbo transitivo direto na 3ª pessoa mais o se apassivador. Vejamos um exemplo: (6) não se reúne muita gente... (VARPORT – Oc-B-9c-1m-001, linha 16) 3.6 Voz Média

1

cf. TUPINÁ, 1984, p. 64 Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


54

A voz média causa muita polêmica atualmente porque alguns autores desconsideram sua existência, outros consideram como subtipo da voz reflexiva e ainda há aqueles que defendem uma estreita ligação com a voz passiva. Veja o que diz Claudete Lima sobre isso: A voz média, por exemplo, mantém com a passiva e a reflexiva relações tão estreitas em português que, muitas vezes, se confunde com estas. A descrição que predomina nas gramáticas tradicionais é reflexo dessa dificuldade, uma vez que os autores mostram flutuações na classificação de determinadas formas como exemplos de voz média, de passiva, ou reflexiva. Até mesmo na lingüística há indícios dessa dificuldade, quando autores, como Camara Jr. não definem bem a chamada voz médio-passiva, ilustrada por casos como vendem-se casas, bastante discutidos na lingüística tradicional e moderna, para as quais têm-se dado interpretações diversas. (LIMA, 2005, p. 545)

Temos três tipos de voz média: Média pronominal (7) A porta se fechou. (8) Se preparou lá pra fazer o seu vestibular, não é isso? (VARPORT - Oc-B-9C-3m-001, linha 16) Média não-pronominal (9) A porta ficou fechada. Média perifrástica (10) A porta está fechada 3.7 Infinitivo Tupiná define muito bem o papel exercido pelo infinitivo na indeterminação do agente: É o verbo no máximo de sua indeterminação e generalidade. A impessoalidade é propriedade essencial do infinitivo. Não encerra indicação da pessoa do sujeito, não corresponde a nenhum tempo, nenhum modo, nem espécie de ação em particular. Apresenta o

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processo em potência, aproximando-se do substantivo (TUPINÁ, 1984, p.66)

Observe agora um exemplo: (11) tinha um período específico... de soltar pipa... (VARPORT, OcB-9C-1m-002, linha 13) 4. RESULTADOS DA ANÁLISE

Gráfico 1: Frequência dos Processos 43

45 40 35 30 25 20 15

12

10 5 0

5 0

2

5 1

0

0

Com base na pesquisa, chegamos a alguns gráficos, os quais iremos expor e explicar nesse momento. Como se pode observar no primeiro gráfico acima, dos 68 enunciados analisados por nós, 43 apresentavam indeterminação pelo uso de pronomes indefinidos; nenhum caso de nominalização identificado; 12 casos de verbos impessoais nãopronominais foram encontrados; 5 casos de verbos na voz passiva analítica; 2 verbos na voz passiva sintética; um caso na voz média Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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pronominal; nenhum caso na voz média não-pronominal foi encontrado, assim como também na voz média perifrástica; e 5 casos de verbos no infinitivo. Podemos notar no Gráfico 1 o uso frequente de pronomes indefinidos e, levando em consideração que englobamos pronomes e expressões nessa categoria, uma grande recorrência da forma de tratamento você, das expressões a gente, as pessoas, entre outros. Como já explicamos, o uso dessas expressões causam distanciamento entre o agente e a ação expressa pelo verbo, pois generaliza o termo utilizado. O uso de verbos impessoais não-pronominais vem logo atrás e é um dos meios mais simples de alcançar a indeterminação do agente. Isso porque o falante só precisa colocar o verbo na 3ª pessoa do plural, se não quiser ou não for possível identificar o que pratica a ação. Assim, a ação verbal recai sobre um referente perdido, que não sabemos quem é ou quem são, pois pode se referir tanto a um grupo de pessoas, como a uma só pessoa. A voz passiva aparece em 3ª lugar, com a analítica e sintética. Como vimos, a importância as voz passiva para o fenômeno estudado está no fato de que ela dá ênfase a ação do verbo, colocando o sujeito apenas como paciente, e indeterminando o agente. Quanto ao infinitivo, ele também

se

apresenta

como

mais

uma

ferramenta

recorrente

na

indeterminação, já que foi encontrado em 5 casos. Observe no Gráfico 2, construído a partir da análise dos resultados, o número de vezes que as principais expressões indefinidas foram usadas pelos entrevistados. Note que a forma de tratamento você e a expressão a gente são bastante utilizadas, principalmente por causa da função apelativa, como já explicamos.

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Gráfico 2: Uso dos Pronomes Indefinidos

20 15

17

10

10

5 0

8

6 2 você

a gente

as pessoas

todo mundo

outros casos

Temos ainda um terceiro gráfico que mostra o cruzamento de dados, entre os processos de indeterminação e a identidade do agente. Observe:

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58

Gráfico 3: Cruzamento de Dados

11

15

1

1

11

4

2 2

1 3

17

Inferível

Desconhecida

Dada Situacionalmente

Dada Anaforicamente

Vemos

o

comportamento

dos

processos

e

como

se

a

indeterminação do agente em cada um deles. Por exemplo, podemos perceber que o uso de um verbo impessoal não-pronominal aumenta a possibilidade de deixar a identidade de um agente desconhecida. CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesse artigo, trabalhamos com as várias formas de indeterminar um agente num enunciado e quais são suas motivações discursivas. Para isso, analisamos um corpus composto por 68 orações e analisamos os casos de indeterminação. Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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Tentamos nos esquivar de questões polêmicas, como a voz média, voz passiva e os pronomes indefinidos – quanto à nomenclatura. Isso por questão de tempo e espaço, pois não teríamos como desenvolver esses assuntos nesse artigo. Finalmente,

conseguimos

detectar

a

grande

recorrência

de

pronomes como você, que generalizam o sujeito do verbo. Por isso, destacamos aqui a uso cada vez mais frequente, pelas falantes, de expressões e termos indefinidos para obter a indeterminação do agente na linguagem oral. Além disso, identificamos também uma grande frequência de verbos impessoais não-pronominais para se conseguir esse fenômeno. É evidente que nosso trabalho não consegue explicar todo o assunto, pois a língua é complexa e os linguistas muitas vezes se divergem,

dificultando

a

análise

de

alguns

casos.

Mesmo

assim,

esperamos contribuir de alguma maneira para o estudo da indeterminação do agente em português. REFERÊNCIAS CUNHA E CINTRA, Celso e Lindley. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 5ª edição. Rio de Janeiro: Lexikon, 2008. DUARTE, Paulo M. T. A voz média em português: seu estatuto. Estudos em homenagem ao Professor Doutor Mário Vilela, vol. 2, 2005, pag. 783-794. Disponível em: < http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4606.pdf> Acesso em: 22 mai. 2011. LIMA, Maria Claudete. Reflexões sobre a medialidade em português. Estudos em homenagem ao Professor Doutor Mário Vilela, vol. 2, 2005, pag. 545-556. Disponível em: <http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4585.pdf.> Acesso em: 22 mai. 2011. SANTOS, Gredson dos. Questões sobre a “indeterminação” do sujeito. Disponível em: <http://www.inventario.ufba.br/05/pdf/gsantos.pdf.> Acesso em: 22 mai. 2011. TUPINÁ, Heloísa Marques. Abrangência Pessoal dos Processos de Indeterminação do Agente: ALFA, Revista de Linguística. Vol. 28, p. 63-69, 1984, São Paulo.

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INDETERMINAÇÃO DO AGENTE EM PORTUGUÊS: ESTRATÉGIAS E MOTIVAÇÕES DISCURSIVAS

Emílio Araújo da SILVA Tuyra Maria da Cruz ANDRADE

Resumo: Em língua portuguesa, há diversas formas de indeterminar o agente, seja na fala ou na escrita. Este trabalho investigou as principais estratégias para marcá-las e algumas motivações discursivas que podem explicar o seu uso, baseando-se em registros de informantes do Discurso e Gramática da capital Natal. Analisou-se os gêneros narrativa de experiência pessoal e relato de opinião, nas modalidades oral e escrita. Buscamos não só as formas canônicas admitidas pela gramática tradicional, mas também outras como você, a gente, o indivíduo, entre outras. De todas as estratégias de indeterminação investigadas, os pronomes indefinidos foram constatados os mais recorrentes tanto na modalidade oral quanto na escrita. Na fala, o você predominou sobre os outros pronomes. Palavras-chave: agente; indeterminação; sujeito.

INTRODUÇÃO Os objetivos deste trabalho são estudar as várias formas de indeterminar o agente em português e as motivações discursivas de cada uma, baseado nos dados coletados do Discurso e Gramática, os da capital Natal, e restritos aos informantes Carlos e Diva. Quanto

à

metodologia,

escolhemos

os

gêneros

narrativa

de

experiência pessoal e relato de opinião de cada informante. A escolha desses gêneros textuais deve-se ao fato de ambos propiciarem estruturas de indeterminação, ao contrário do que se verifica, por exemplo, nas reportagens. Para

a

análise

estatística

dos

dados,

foram

coletadas

114

ocorrências, organizadas e categorizadas numa tabela, na qual se pudesse relacionar os fatores entre si e, a partir de então, se chegar aos resultados. Alguns trabalhos e estudos linguísticos conduzirão a pesquisa: a gramática tradicional, pela noção de sujeito indeterminado, os estudos Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


61

sobre indeterminação de Faggion (2008), Menon (1994 e 2004), Santos (2006), Marins e Duarte (2006), dentre outros, além de vários trabalhos sobre indeterminação do agente em Língua Portuguesa, tais como Através desses

procedimentos,

pudemos

efetivar

a

análise,

descrição

e

interpretação dos usos de indeterminação pelos informantes. Inicialmente, apresentaremos tanto a noção de sujeito indeterminado da gramática tradicional como a de agente indeterminado por vários linguistas. A seguir, analisaremos os resultados da pesquisa para chegar a um resultado geral e considerações. 1. SUJEITO INDETERMINADO x AGENTE INDETERMINADO Para a gramática tradicional (a partir daqui GT), a noção de sujeito indeterminado é utilizada quando o falante não sabe ou não quer declarar quem é o sujeito de alguma ação. Cunha e Cintra (1985, p. 125) explicam que, para a GT, quando o sujeito não pode ser identificado, põe-se o verbo na terceira pessoa do plural ou na terceira pessoa do singular, com o pronome se. Contudo, só ocorre com verbos transitivos indiretos ou intransitivos, pois com os transitivos diretos a frase estaria na passiva sintética. Kury et alii (1976, p. 14) mencionam as duas maneiras de indeterminar o sujeito. O trabalho de Santos (2006) aponta, ainda sobre a terceira pessoa do singular, que também ocorre indeterminação quando o se estiver ligado a um verbo de ligação, de acordo com a gramática normativa. Os dois processos – terceira pessoa do plural e terceira pessoa do singular mais se – são mencionados também por Bechara (1983), Rocha Lima (1992) e Cegalla (1998). Este, ainda, aponta o verbo no infinitivo como outro processo de indeterminação do sujeito. Para esses gramáticos, a indeterminação é de ordem semântico-pragmática (quando não se sabe ou não se quer declarar quem pratica a ação). Mas,

é

importante

frisar

que

o

sujeito

indeterminado

está

relacionado ao agente indeterminado, mas que ambos são diferentes. O alvo

de

nosso

estudo

é

o

agente

indeterminado,

o

qual,

para

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62

entendermos, precisaremos saber alguns conceitos antes de expormos as análises e nossos resultados. Yamamoto (2006) estuda a agentividade ligada aos elementos que lhe dão suporte psicológico – intencionalidade, consciência da ação, controle, causalidade e responsabilidade. Para ele, a agentividade está relacionada intrinsecamente ao caráter animado do agente. Por exemplo, se o agente for humano, ―ele tem consciência de suas ações, porque possui mecanismos cognitivos e atitudes epistêmicas que lhe permitem construir uma interpretação do universo cultural (e físico) de que fez parte.‖ (p. 23) Uma visão do autor é que a agentividade não é propriamente ―um ato humano e intencional: intencionalidade também pode ser característica de certos animais – um gato pegando um rato.‖ (ibidem) Menon (1994, p. 130 - 131) define indeterminação (e a distingue de indefinição) como ―o caso em que não se pode ou não se quer nomear o sujeito, na acepção de ‗referente extralinguístico‘. No entanto, o referente é conhecido pelo locutor (e em alguns casos também pelo interlocutor, o que torna possível a compreensão mútua) e se ele quisesse e se isso fosse conveniente ou interessante para ele, ele poderia nomeá-lo ou descrevê-lo. Um sujeito (ou referente) indefinido seria então um entre muitos, um representante de uma classe de indivíduos, tendo todos características semelhantes.‖

Luft (1976, p. 25), aponta dois processos de indeterminação: verbo na terceira pessoa do plural e infinitivo não-flexionado (É preciso lutar), não registrando o processo com se. Mattoso Câmara, em seu Dicionário de Linguística e Gramática (1978, p. 229), exclui de sua classificação o critério semântico. Se tal critério estiver presente, também o sujeito dito simples pode ser ―indeterminado‖, conforme assinala Kury (1985, p. 24). Tal critério direciona o pensamento de Câmara (1978, p. 143) ao considerar como ―sem sujeito‖, ou seja, impessoal, a oração como, por exemplo, Vive-se bem no Rio, que os autores tradicionais mencionados acima considerariam como indeterminado.

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63

2. AGENTES INDETERMINADOS NO DISCURSO E GRAMÁTICA: NATAL Neste trabalho, procuramos coletar exemplos de, pelo menos, dez formas através das quais se pode indeterminar o agente da ação verbal. São elas: nominalização, pronomes de caráter indefinido, impessoal nãopronominal (terceira pessoa do plural), passiva sintética, passiva analítica, média pronominal, média não-pronominal, média perifrástica, primeira pessoa do plural indefinida e termo genérico. Vejamos o exemplo a seguir: A privatização dos clubes, seria uma das soluções...

O informante poderia ter organizado essa ideia da seguinte maneira: Privatizar os clubes seria uma das soluções.

Porém, ele optou pela nominalização do verbo privatizar. O exemplo citado foi encontrado na escrita, num relato de opinião, e constitui o único caso desse recurso de indeterminação no nosso corpus. Acreditamos que a estratégia da nominalização é preferida quando o falante quer enfatizar não o processo da ação (neste caso, privatizar), mas o ato ou o efeito disso (a privatização). Outra forma de indeterminação é a utilização de pronomes de caráter indefinido, dentre os quais constatamos o ―você‖, ―a gente‖, ―quem‖, ―todo‖, ―algum‖, ―alguém‖, ―qualquer‖, ―ninguém‖ e ―cada‖. Das 93 frases com pronomes indefinidos, em 73 aparece o ―você‖ genérico. Na amostra abaixo, pode-se perceber a alta frequência do uso desse pronome, mesmo num trecho curto de um relato de opinião oral. ...pra mim importante é você ter Deus dentro de si... muita gente discute porque acha errado... você não vai à igreja... você não faz isso... você... mas se você tá:: se você conhecesse Deus como você quer conhecer... eu acho que isso que é importante... não é você seguir uma linha...

Alguns fatores podem ajudar a entendermos porque o ―você‖ é tão utilizado com o propósito da indeterminação. Como já dissemos no início deste trabalho, no gênero relato de opinião, existe maior possibilidade de ocorrência de frases com agente indeterminado. Outro motivo é o fato de que a informante utiliza esse pronome para exemplificar situações. O Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


64

―você‖ não é, necessariamente, o ouvinte, e sim, qualquer pessoa. Além disso, essa palavra já é própria do uso coloquial, o que se torna mais cômodo, para o falante, escolhê-la no momento das construções. Mesmo sendo uma partícula própria da modalidade oral, ainda foi possível encontrar uma ocorrência na escrita. Podemos, assim, construir um gráfico só dos pronomes indefinidos, para salientar a predominância do ―você‖.

A indeterminação também pode ser indicada pela terceira pessoa do plural, sendo aceita inclusive pela própria tradição gramatical. Vejamos os exemplos registrados da fala de um dos informantes: ... colocaram diretores nas escolas... ... então aconteceu que o Atheneu tava numa baderna tão grande que foram buscar um diretor famoso que tinha lá no Salesiano...

Apenas essas duas frases do corpus apresentaram esse tipo de recurso. Sabemos que a terceira pessoa do plural é usada indeterminando o agente, quando o falante tem a ideia de que vários sujeitos praticaram aquela ação, no entanto, ou ele não os conhece ou não deseja explicitálos para o ouvinte. Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


65

Uma questão particular é a do pronome se. Um trabalho de Gredson dos Santos, intitulado ―Questões sobre a ‗indeterminação‘ do sujeito‖ traz uma discussão sobre o assunto. Santos discorre sobre a opinião de gramáticos e linguistas em relação à classificação do se. Em português, o se faz parte de construções como, por exemplo, voz passiva sintética, voz média e voz reflexiva. Aqui, não temos a pretensão de discutir a sua classificação. Apenas veremos, segundo o nosso corpus, as construções onde o agente é indeterminado e tentar justificar suas motivações discursivas. A passiva sintética ocorreu mais na modalidade escrita que na oral. Vejamos um exemplo a seguir. (...) sabe-se muito bem que esse mal existe (...)

Uma hipótese para a maior manifestação da passiva sintética na escrita e não na oralidade, talvez seja porque o autor do texto sabe que, na norma culta, ocorre mais ênclise que próclise. E, por isso, quando percebia que uma determinada construção podia se feita com a passiva sintética, assim o fez. Não podemos falar em passiva sintética, sem falar da passiva analítica. Esta foi manifestada apenas uma vez na escrita do relato de opinião, com o propósito de mostrar a extensão do processo verbal. Ei-la: (...) em provar que está sendo bem remunerado e tem que jogar (...)

A média pronominal foi identificada apenas uma vez, tendo sido usada na modalidade escrita, no relato de opinião. Observe-a abaixo: O que se precisa é que a humanidade comece a crer em Deus por si só (...)

A média não-pronominal foi encontrada duas vezes, uma na narrativa de experiência pessoal falada e outra no mesmo gênero, porém, na modalidade escrita, conforme mostram os exemplos abaixo: ...aí o menino nasceu... nasceu aparentemente bom né... mas quando foi pro hospital... morreu no hospital, devido o susto que tomou. (...) A empregada que estava grávida mais tarde teve o menino lá em casa, nasceu vivo e depois morreu no hospital, devido o susto que tomou.

Identificamos somente uma média perifrástica, transcrita abaixo:

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66

... ficou tão cheio de escoriações nas pernas principalmente... que eu pensava que num ia andar mais...

Podemos perceber que as médias foram mais raras em nossa pesquisa, e talvez sejam também em língua portuguesa, mas para sabêlo, teríamos que realizar outros estudos. Os pronomes pessoais, muitas vezes, são destituídos de seu caráter dêitico específico. O uso não-dêitico dos pronomes pessoais foi objeto de estudo de Menon (1994), com exemplos variados, provenientes dos dados do Projeto NURC (Norma Urbana Culta) São Paulo. Segundo a autora, a imprecisão de alguns pronomes pessoais pode ser explicada pelo caráter hipotético do discurso, ou seja, quando o falante os utiliza, talvez, por economia linguística, em vez de uma expressão de indeterminação. Registramos três ocorrências da 1ª pessoa do plural indefinida como recurso de indeterminação, todas usadas na escrita, no relato de opinião. Apresentamos, na sequência, o exemplo dessa estratégia. Se não tomarmos conta de que terá que haver uma mudança, não vamos sair do que somos.

Por fim, foi constatado o uso de termos genéricos para a indeterminação do agente da ação verbal. Observemos as amostras a seguir: ... uma coisa que marcou muito na minha vida... ... porque quando o homem descobre alguma coisa é porque Deus está ali na sua inteligência...

Os termos genéricos, como o cara, o homem, o sujeito, nego, neguinho, fulano, cicrano, beltrano, indivíduo, entre muitos outros, devido seu constante emprego como indeterminadores de sujeitos agentes ou de beneficiários, estão em processo acelerado de gramaticalização, embora uns mais que os outros. Por exemplo, a expressão nego aparece na função de sujeito geralmente sem artigo, enquanto isso não ocorre com o cara. É possível que a justificativa seja de origem fonológica, como afirma Faggion (2008): ... é o de um esmorecimento de intensidade na pronúncia das vogais, em posição inicial (que, em palavras isoladas e em leitura poética, configura o fenômeno chamado aférese). Só que ocorreria Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


67

o mesmo com cara. Pode ser que a freqüência de uso maior cause a elisão do artigo. (...) Poder-se-ia inferir, a partir disso, que (o) nego está em processo de gramaticalização mais adiantado que o cara, pois apresenta erosão fonética mais acentuada.

Para uma visualização geral das análises feitas até aqui, vejamos a tabela abaixo, que inclui, nas modalidades oral e escrita, os gêneros trabalhados e as estratégias de indeterminação.

Codificação Nominalização Pronome Indefinido 3ª pessoa do plural Passiva Sintética Passiva Analítica Média Pronominal Média Nãopronominal Média Perifrástica 1ª Pessoa do Plural Indefinida Termo Genérico

Oral

Total Parcial

Escrita NEP

RO

Total Parcial

0

0

1

1

2

74

85

4

4

8

93

2

0

2

0

0

0

2

0

1

1

1

3

4

5

0

0

0

0

1

1

1

0

0

0

0

1

1

1

1

0

1

1

0

1

2

1

0

1

0

0

0

1

0

0

0

0

3

3

3

2

1

3

0

2

2

5

NEP

RO

0

0

11

Total Geral

A partir da tabela acima, percebemos que, em língua portuguesa, o uso

de

pronomes

indefinidos

constitui

a

principal

estratégia

de

indeterminação do agente, sendo predominantes na modalidade oral à escrita. E nenhuma das formas selecionadas foi desprezada pelos falantes, embora a maioria delas fosse usada menos de cinco vezes. Enquanto que na fala não houveram ocorrências em algumas estratégias, a modalidade escrita do gênero relato de opinião foi a mais diversificada em estratégias (sete entre as dez elencadas).

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68

As médias foram as mais raras em nossa pesquisa, mas não prova se são as mais raras em língua portuguesa, embora possamos imaginar que sim. Junto às médias esteve a passiva analítica, que ocorreu uma vez. Durante a análise, foram observadas outras conclusões, as quais nos restringiremos até aqui, com a organização da tabela. O que mais foi observado será comentado na próxima seção. CONSIDERAÇÕES FINAIS A língua se serve de recursos lexicais e sintáticos para indicar a indeterminação do agente, aquele que tem capacidades para realizar a ação. Às vezes, o agente é realmente um ser indeterminado, outras vezes, impreciso. Em alguns casos, ele pode ser inferido pela situação ou pelo contexto. Ele pode já ter sido mencionado e, por economia, o falante utilizou de alguma estratégia que o indeterminou. Também é fato que o agente indeterminado geralmente aparece quando o falante não sabe ou não quer declarar quem é o sujeito de alguma ação. Na língua portuguesa, o agente indeterminado é mais frequente na fala, através de pronomes de caráter indefinido, e com a predominância do você, que é um pronome tradicionalmente pessoal, em relação aos verdadeiros indefinidos, como alguém ou ninguém. O pronome se foi o que mais esteve associado à indeterminação, embora nem sempre como índice de indeterminação do sujeito. Mas o nosso

estudo

não

apontou

nenhuma

correlação

entre

o

se

e

a

indeterminação. Expomos várias estratégias para indeterminar o agente na língua portuguesa e diversas motivações discursivas. Esperamos que este trabalho seja útil para quem deseja saber ou entender mais sobre indeterminação. Recomendamos aprofundar as leituras na GT e nos linguistas e estudiosos citados neste artigo.

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69

REFERÊNCIAS CUNHA, Celso Ferreira da. Gramática da Língua Portuguesa. 10. ed. Rio de Janeiro: FAE, 1984. FAGGION, Carmen Maria. Variação histórica nos usos dos mecanismos de indeterminação.

Disponível

em:

<http://www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_483.pdf.> Acesso em: 4/05/2011, às 13:55. ______________________. A indeterminação em português: Uma perspectiva diacrônico-funcional. Tese (Doutorado em Linguística). Universidade Federal dório Grande do Sul, Bento Gonçalves, 2008. MARINS, J. E. DUARTE, Maria Eugênia Lamoglia. Uma análise comparativa das construções

de

indeterminação

na

fala

e

na

escrita.

Disponível

em:

http://www.filologia.org.br/ixcnlf/15/19.htm. Acesso em: 4/05/2011, às 14:10. SANTOS, G. Questões sobre a "indeterminação" do sujeito. Inventário (Universidade Federal da Bahia. Online), www.inventario.ufba.br, v. 5, p. 1, 2006. TUPINÁ, H. M. Abrangência pessoal dos processos de indeterminação do agente. Alfa, São Paulo, v. 28, p. 63-69, 1984.

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SEÇÃO 5

MODALIDADE DEÔNTICA

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71

A MODALIDADE DEÔNTICA NOS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS

Adriana Campos Sisnando de Lima Mônica de Souza Rocha

Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar o uso dos modalizadores deônticos no discurso publicitário e os possíveis efeitos de sentido obtidos na construção da persuasão. Dessa forma, procuramos estabelecer relações entre os valores instaurados (obrigação; permissão sugestiva, permissão autorizada, permissão concessiva; proibição) e a forma de expressão (verbo pleno, verbo auxiliar modal, adjetivo, substantivo e advérbio), a fim de compreender qual a maior incidência de valor entre os instaurados e qual a maior forma de expressão desse valor. Contudo, pretendemos encontrar o porquê dos resultados obtidos, tendo em vista os propósitos comunicativos dos anúncios publicitários (impressos e outdoors) e, por acreditar que tais comunicações carregam consigo uma alta incidência de modalização. Para a análise e agrupamento dos dados, adotamos o enfoque teórico funcionalista de Halliday (1978) e também a teoria de Lyons (1977) e Pinto (1994) sobre a modalidade deôntica. A análise dos dados, nesta pesquisa, é de cunho qualitativo. Palavras-chave: modalidade deôntica; valores deônticos; discurso publicitário.

INTRODUÇÃO Adotamos neste trabalho, uma análise sobre os modalizadores deônticos no discurso publicitário. As modalidades deônticas abrangem toda expressão que implica referência a uma norma ou a qualquer critério de avaliação social, individual, ético ou estético, isto é, pertencente ao registro do dever.

Este estudo está ancorado em Lyons (1977) e Pinto

(1994). Para a realização desta análise utilizamos como corpus, textos publicitários veiculados por anúncios impressos e anúncios de outdoors. A princípio, exporemos os princípios funcionalistas de Halliday (1978), mostrando as funções textual, ideacional e com destaque a interpessoal, tendo em vista que esta é a marca da modalidade. Para estabelecermos o contato com o nosso interlocutor, precisamos moldar o

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72

nosso discurso de acordo com nossa maneira de ver a realidade e nossas intenções. Essa pesquisa focalizou os verbos na forma plena de grande ocorrência no corpus. Portanto uma investigação de cunho funcionalista deve analisa-los. Pois, essa abordagem parece ser mais adequada pelo fato de no modelo funcionalista a língua ser vista como um instrumento de interação social e sua principal função ser a da comunicação. 1. MODALIDADE Ao estudarmos a modalidade, podemos compreendê-la como o meio pelo qual o enunciador usa o seu discurso em prol de suas intenções. A expressão de atitude é a marca desse recurso, pois há uma preocupação com a forma de se emitir um enunciado para que o locutor transmita sua mensagem e o interlocutor reaja de maneira positiva ou negativa em relação àquilo que está ouvindo. Segundo Halliday (1978), há três tipos principais de funções sociais envolvidas na comunicação: ideacional, textual e interpessoal. Essas funções são manifestadas como um modo de transmitir o potencial significativo das representações linguísticas. A função ideacional expressa o conteúdo do texto para representar o mundo exterior e interior do sujeito. A função textual envolve o texto nos seus aspectos estruturais e de formato, deixando o sujeito demonstrar sua experiência por meio de textos coesos e coerentes no sistema da língua. A função interpessoal envolve a participação do sujeito na expressão das ações sobre os outros no contexto social, desencadeando novas ações. 1.1. MODALIDADE DEÔNTICA Lyons (1977), a modalidade deôntica não descreve um ato em si, mas um estado-de-coisas que será obtido, caso o ato seja realizado, em algum tempo futuro. Portanto, está intrinsecamente ligada com a noção de futuridade. Também, necessariamente, tem que haver uma pessoa ou instituição que instaura ou cria uma necessidade ou possibilidade que recai sobre o alvo deôntico, pessoa ou instituição à qual está dirigido o Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


73

valor deôntico instaurado. Categoria gramatical. Exprime diferentes tipos, e em cada tipo diferentes graus, da atitude do locutor relativamente ao conteúdo proposicional do seu enunciado e ao seu interlocutor. Os valores modais podem ser subdivididos em deônticos, epistêmicos e apreciativos. De acordo com Pinto (1994), a modalidade está inserida na função interpessoal, pois tem como finalidade a expressão de nossas crenças ou opiniões a respeito de um determinado assunto, como modo de interação com as pessoas no mundo, mostrando nossos critérios de verdade e valor. Há

que

evidenciar,

retomando

KOCH

(2001),

que

quando

interagimos através da linguagem temos intenções, objetivos a serem atingidos, pretendemos, quase sempre, causar reações, comportamentos no interlocutor. Neste trabalho nos deteremos no valor deôntico. Os enunciados com valor deôntico exprimem juízos através dos quais o locutor procura agir sobre o seu interlocutor impondo (ex.1), proibindo (ex.2) ou autorizando (ex.3) a realização da situação representada pelo conteúdo proposicional, num tempo necessariamente posterior ao tempo de emissão do juízo deôntico. A modalidade deôntica é uma modalidade intersujeito. 1.1.1. Valor de Obrigação Um enunciado tem valor modal de obrigação quando o locutor procura agir sobre o seu interlocutor ou, através do interlocutor, sobre outro alvo deôntico, impondo a realização, ou proibindo a realização de uma situação representada pelo conteúdo proposicional. Sendo uma modalidade deôntica, a obrigação seleciona, em princípio, um conteúdo proposicional [+Dinâmico]. Constata-se, que algumas situações estativas que representam propriedades - por exemplo, ser cuidadoso, ser antipático - podem combinar-se com um valor de obrigação: o sujeito sintático sobre o qual se predica a propriedade é, nestes contextos, construído como [+Agente] e o estado passa a ser [+Dinâmico], adquirindo, características de atividade. Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


74

1.1.2. Valor de permissão O valor de permissão é um valor deôntico pelo qual o locutor procura agir sobre o interlocutor, ou, através deste, sobre outro alvo deôntico, eliminando quaisquer restrições à realização, pelo alvo deôntico, da situação representada pelo conteúdo proposicional do enunciado, ou da respectiva situação complementar.

Ao contrário do valor de obrigação,

em que o locutor define e procura impor um único caminho, no valor de permissão o locutor constrói a possibilidade de ser o interlocutor a escolher, entre vários caminhos definidos pelo locutor. Tratando-se de um valor deôntico, o conteúdo proposicional deve, em princípio, representar uma

situação

[+Dinâmica],

sendo

o

respectivo

sujeito

sintático

caracterizado como [+Agente]. 2. ENFOQUE METODOLÓGICO: PRINCÍPIOS DE COLETA E ANÁLISE DE DADOS Primeiro, coletamos anúncios publicitários de revistas e por meio da internet. Dividimos em duas categorias: anúncios impressos e anúncios de outdoors. Em seguida, com base na apreciação dos números obtidos, selecionamos recortes para a análise qualitativa da própria materialidade discursiva do valor deôntico. Definido o corpus, atribuímos uma referência a cada anúncio publicitário e organizamos os dados em uma tabela. Categorizamos a ocorrência, o valor deôntico, a forma de expressão e o gênero. Feito isso, fizemos os cruzamentos dos dados e analisamos os resultados. Com análise dos resultados descobrimos qual o valor de modalidade deôntica mais recorrente. 3. VARIÁVEIS PESQUISA

DA

MODALIDADE

DEÔNTICA

UTILIZADAS

NA

1. Valor deôntico 1.1. Proibição 1.2. Permissão sugestiva 1.3. Permissão autorizada 1.4. Permissão concessiva Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


75

1.5. Obrigação

2. Forma de expressão 2.1. Verbo pleno 2.2. Verbo auxiliar Modal 2.3. Adjetivo 2.4. Substantivo 2.5. Advérbio

4. ESCALA DE FREQUÊNCIA DOS FATORES NOS ANÚNCIOS DE OUTDOORS

1 – Valor deôntico

Frequência

1.1 – Proibição

07

1.2 – Permissão sugestiva

48

1.3 – Permissão autorizada

01

1.4 – Permissão concessiva

01

1.5 - Obrigação

02

Resultado: o valor deôntico preponderante sobre os demais. 2 – Forma de Expressão

de

sugestiva

é

Frequência

2.1 – Verbo pleno

46

2.2 – Verbo auxiliar modal

04

2.3 - Adjetivo

permissão

-

2.4 - Substantivo

07

2.5 - Advérbio

01

Resultado: a forma de expressão de verbo pleno é superior a todas as outras formas de expressão.

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76

5. ESCALA OUTDOORS

DE

FREQUÊNCIA

CRUZADA

Grupo

NOS

ANÚNCIOS

DE

Frequência

1.2. Permissão sugestiva no 2.1. Verbo pleno

39

1.2. Permissão sugestiva no 2.4. Substantivo

04

1.1. Proibição no 2.1. Verbo Pleno

04

1.2. Permissão sugestiva no 2.2. Verbo auxiliar Modal

03

1.5. Obrigação no 2.1. Verbo pleno

02

1.1. Proibição no 2.4. Substantivo

02

1.1. Proibição no 2.5. Advérbio

01

1.4. Permissão concessiva no 2.2. Verbo auxiliar Modal

01

1.3. Permissão autorizada no 2.1. Verbo pleno

01

Resultado: o valor deôntico de permissão sugestiva expresso na forma de verbo pleno é de alta frequência nos anúncios de outdoors, enquanto os demais grupos são de frequência rara (demais grupos da tabela) ou inexistente (caso dos grupos que não aparecem na tabela por não existir nenhum caso de ocorrência). 6. CONCLUSÃO ACERCA DO VALOR DEÔNTICO NOS OUTDOORS A leitura das ocorrências de modalidade deôntica no corpus apresentado junto às reflexões teóricas, evidencia que existe grande incidência da modalidade deôntica no valor de permissão sugestiva expressada no verbo pleno. Este resultado da pesquisa se deve ao fato de que as marcas de modalidade deôntica na publicidade compreendem a intenção do anunciante de promover a atitude da concretização do ato de comprar pelo cliente. Portanto, para persuadir o cliente o anunciante Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


77

sugere uma necessidade do cliente que deve ser contemplada com a aquisição do produto ofertado. A melhor forma de expressar a satisfação de uma necessidade é através do uso do verbo pleno, por isso ele é predominante na ocorrência de modalidade deôntica na publicidade. 7. ESCALA DE FREQUÊNCIA DOS FATORES 1 – Valor deôntico

Total de ocorrências

Frequência

1.1 – Proibição

05

Rara

1.2 – Permissão sugestiva

14

Alta

1.3 – Permissão autorizada

08

Moderada

1.4 – Permissão concessiva

11

Média

1.5 - Obrigação

07

Baixa

Resultado:

o

valor

deôntico

de

permissão

sugestiva

é

preponderante sobre os demais, porém se constata que o valor de permissão concessiva é também relativamente expressivo. Enquanto que o de proibição é relativamente baixo em comparação aos demais. 2 – Forma de Expressão

Total de ocorrências

Frequência

2.1 – Verbo Pleno

18

Alta

2.2– Verbo Auxiliar Modal

25

Alta

-

Rara

02

Baixa

-

Rara

2.3 - Adjetivo 2.4 – Substantivo 2.5 – Advérbio

Resultado: a forma de expressão do verbo auxiliar modal é superior à todas as outras formas de expressão, porém a forma de expressão que se caracteriza com o verbo pleno é também bastante utilizada. Enquanto a forma de expressão caracterizada no substantivo é usada de forma rara.

8. ESCALA DE FREQUÊNCIA CRUZADA NOS ANÚNCIOS IMPRESSOS

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Grupo

Frequência

Permissão sugestiva com verbo pleno

32

Permissão sugestiva com substantivo

16

Proibição com Verbo Pleno Permissão sugestiva com verbo auxiliar modal Obrigação com verbo pleno

23

Proibição com substantivo

07

Proibição com advérbio Permissão concessiva com verbo auxiliar modal Permissão autorizada com verbo pleno

05

39 25

36 26

CONSIDERAÇÕES FINAIS A leitura das ocorrências de modalidade deôntica no corpus outdoor apresentado junto às reflexões teóricas evidencia que existe grande incidência da modalidade deôntica no valor de permissão sugestiva expressada no verbo pleno. Este resultado da pesquisa se deve ao fato de que as marcas de modalidade deôntica na publicidade compreendem a intenção do anunciante de promover a atitude da concretização do ato de comprar pelo cliente. Portanto, para persuadir o cliente, o anunciante sugere uma necessidade do mesmo, que deve ser contemplada com a aquisição do produto ofertado. A melhor forma de expressar a satisfação de uma necessidade é através do uso do verbo pleno, por isso ele é predominante na ocorrência de modalidade deôntica na publicidade. Dessa forma, procuramos estabelecer relações entre o tipo de alvo deôntico, o tipo de fonte deôntica, os valores instaurados (obrigação – permissão - proibição), a posição do enunciador na incidência dos valores deônticos, os tipos de modalizadores deônticos, bem como a Forma de expressão no discurso publicitário. Para a análise dos dados, adotamos o enfoque teórico funcionalista, na tentativa de integrar os componentes sintáticos, semânticos e pragmático-discursivos.

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79

Para o exame da manifestação da modalidade dêontica impressa, utilizamos 20 anúncios publicitários impressos, veiculados em revistas nacionais. A análise dos dados revelou-nos que a permissão sugestiva é o valor deôntico mais instaurado nesse tipo de discurso, porém a permissão concessiva também foi muito utilizada nos impressos. A forma de expressão mais utilizada foi o verbo auxiliar modal, porém o verbo pleno também apresentou alta frequência de uso. Quanto ao alvo deôntico, constatamos que a maior parte dos valores instaurados incide sobre o indivíduo. A opção por um posicionamento de exclusão do enunciador da incidência dos valores instaurados foi a que adquiriu maior relevo, uma vez que, em grande parte, os falantes instauram obrigações, permissões ou proibições sobre os outros.

Sendo assim, a modalidade deôntica se

presta à persuasão do leitor-consumidor como alvo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DIK. C. S. The Theory of Funcional Grammar. Vol. 1. Ed by Hengeveld (Kees) Berlin, 1997a. HALLIDAY, M. A. K. An Introduction to Functional Grammar. Baltimore: 2004. LYONS, John. Semantics. Vol. 2. Cambridge: Cambridge University Press, 1977. PESSOA, Nadja Paulino. Modalidade deôntica e persuasão no discurso publicitário. 2007. PINTO, Milton José. As marcas linguísticas da enunciação. Esboço de uma gramática enunciativa do português. Rio de Janeiro, 1994.

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SEÇÃO 6

PLANOS DISCURSIVOS FIGURA E FUNDO EM CORPUS LITERÁRIO

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HILDA HILST: AUTORA DE FUNDOS

Tito de ANDRÉA MACHADO

Resumo: O artigo abaixo tem como objetivo discutir as relações entre figura e fundo na Literatura contemporânea colocando em comparação os mesmos em relação com a Literatura tradicional. A partir do romance A obscena senhora D de Hilda Hilst o texto se constrói querendo demonstrar que o que era chamado fundo na Literatura tradicional, agora, na contemporânea tornou-se figura: a linguagem, a elocução e o que era figura, o enredo, a história, transmutou-se em fundo. Palavras-chave: figura; fundo; Hilda Hilst; literatura; mudança.

INTRODUÇÃO A arte contemporânea vem lançando novos paradigmas críticos. As mudanças nas formas de pensar e realizar as obras vem pedindo dos leitores e críticos que repensem as problemáticas levantadas por essa arte que se reconstrói (BURRIAUD, 2009). Para a Literatura, é preciso observar em quê e onde ela se diferencia do que foi. Discutir a essência da diferenciação entre Literatura contemporânea e Literatura tradicional, não é o objetivo de nosso artigo, mas tanger a questão por alguns instantes permitirá solucionar alguns questionamentos que possam vir a surgir. Contentar-nos-emos, então, em diferenciar características básicas como as relações de enredo e de construção da obra. O enredo fragmentado não é uma invenção da, assim chamada, pós-modernidade. Não. Machado de Assis (2010), por exemplo, é um autor de textos fragmentados. Victor Hugo (1997), em seu romance O último dia de um condenado à morte também constrói um romance baseado em fragmentos. O que pode-se dizer é que a Literatura contemporânea aprofundou as relações de fragmentação e nulidade dos enredos. Essa nulidade é outra característica importante. Houve um

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82

esvaziamento das narrativas, houve uma desconstrução dos gêneros (BLANCHOT, 2011), esses prenúncios literários de fragmentação foram aprofundados e exacerbados pela Literatura contemporânea. Ainda sobre esse esvaziamento, é preciso falar das relações da história que será contada. Literatura é uma forma de criar histórias e mundos (DELEUZE, 2008, BLANCHOT, 2005). As formas como esse mundo será criado mudarão bastante nessa transição entre esses períodos formais e menos formais. O enredo, outrora, para o que estamos chamando de Literatura tradicional, era o centro de importância, o ponto de destaque. Lê-se para conhecer a história, saber o que ocorre, penetrar num mundo de fatos ficcionais, mas fatos. O enredo era a figura e o fundo para essa construção era a linguagem literária. A nossa hipótese, aqui, é mostrar que, na vertente literária que está instaurada

em

nossa

contemporaneidade,

a

figura,

a

parte

mais

importante do texto, o que se torna mais saliente ao olhar já não é, como antes, o enredo, mas sim a linguagem. O ―como dizer‖, o ―o que é dito‖, as estruturas de fala, os jogos linguísticos estabelecidos tornaram-se ponto principal e figura das narrativas, sendo, finalmente, emolduradas pela história narrada. Aprofundemos a discussão: 1. FUNDAMENTOS TEÓRICOS Como foi dito, acima, o objetivo deste trabalho é demonstrar a diferença entre o que foi figura/fundo na Literatura e o que hoje é. Para tanto, precisamos de um aparato teórico de duas áreas. Aqui, estaremos trabalhando com a linguística funcionalista e com a crítica contemporânea. No

que

permeia

a

Literatura,

na

nossa

discussão,

nos

fundamentamos na crítica contemporânea, em autores como Deleuze e Blanchot, que falam sobre o apagamento e o esvaziamento dos enredos e das novas formas de encarar a Literatura. Sobre essas relações já discutimos na sessão anterior de nosso trabalho. Passemos para as discussões linguísticas em si, pois, apesar de estarmos falando sobre Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


83

Literatura, é na Linguística que nossa discussão se aprofunda e é lá onde travaremos nossa batalha mental. Usaremos como base de nosso trabalho, os conceitos da Linguística funcionalista

estadunidense,

principalmente

os

conceitos

de

Gívon,

abordados por Mariangela Rios de Oliveira e Maria Maura Cezario e por Priscila Thaiss da Conceição, esta em sua dissertação de mestrado e aquelas em artigo onde tomam essas bases teóricas. Partiremos da visão das autoras sobre os conceitos teóricos que abordaremos. Figura e fundo são termos emprestados da Gestalt, corrente da psicologia que trabalha com a recepção e suas formas. Priscila Thaiss da Conceição diz que para Koffka: ―figura, destaca alguns elementos em relação à neutralidade de um outro plano, o Fundo, que serve de moldura para a Figura, determinando-a.‖ ( 2010, p. 27). Essa citação é bem oportuna, pois define bem o que pretendemos trabalhar. A Linguística funcionalista toma esse conceito emprestado e o aplica a seu objeto de análise, a língua. Figura, dentro dessa perspectiva, seria então aquilo mais saliente, aquilo mais importante na fala ou no texto e fundo aquilo que funciona como moldura para o que eu estou falando. Outro conceito que nos será caro será o da iconicidade. O princípio prega que o produtor da sentença a produz com o fim de tornar sua construção mais próxima daquilo que ela decide representar. Por exemplo, em uma narrativa cotidiana onde contamos como foi o nosso dia, uma forma de começar a contar os ocorridos seria por sucessão cronológica: contaríamos primeiro os acontecidos da manhã, depois da tarde, depois os da noite. Assim, a forma obedece iconicamente ao modo como a coisa narrada aconteceu. Outro caminho escolhido seria o de contar por ordem de importância aquilo que ocorreu. Assim, elegeríamos os itens mais importantes e os colocaríamos em uma ordem icônica que iria do mais importante para o menos importante, normalmente. Essas possibilidades não são imposições, e sim, uma generalização daquilo

que

ocorre

na

normalidade.

A

iconicidade

prova

que

as

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84

construções linguísticas não são caóticas, obedecem a uma lei mais ou menos maleável que rege a construção do sentido. Dizer isso é dizer que para fazer sentido nossa linguagem se torna icônica, tomando formas de complexidade e ordem parecidas com aquilo que queremos dizer. Essa lei não é eterna e não engessa a língua, podendo ser vertida e pervertida de acordo com o falante, mas essa perversão da linguagem não acarreta em caos, como seria com a desregração das leis físicas. Esses ―desvios‖ são conscientes e contribuem para a riqueza da língua. Para encerrar essa etapa de nossa produção diremos que a Literatura é a principal construtora dessa desregra. Ela é responsável por fazer flutuar os significantes e fazer dançar os significados. Para Deleuze (2008) a Literatura não representa um mundo, o apresenta. Essa diferença é crucial, pois confere à linguagem um poder criador eterno que pode fazer o que deseja. O escritor, para Blanchot (DATA), possui apenas o infinito. Então leis físicas e lingüísticas estão ambas passíveis de delírio e perversão, veremos. 2. METODOLOGIA Através da leitura de textos e de sua comparação, pretendemos, no artigo

corrente,

desenvolver

uma

análise

qualitativa

baseada

em

diferentes períodos da Literatura. Utilizando, como já foi mencionado a Linguística funcionalista, como base teórica, associada a nossa leitura de diversos autores dos períodos que pretendemos colocar em comparação, procuramos comprovar as mudanças de figura e fundo ocorridas na contemporaneidade. Tomamos aqui, para ser o centro de nosso olhar crítico a autora brasileira Hilda Hilst – mais precisamente seu volume A obscena senhora D (2001) –, mas não apenas ela. Tomamo-nos o direito de usar outros autores para exemplificar a proposta quando nos for oportuno. A proposta então se configura em – como já dissemos – uma análise qualitativa das questões de figura e fundo partindo da Literatura, principalmente

de

Hilda

Hilst

(2001),

usando

seu

romance,

para

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85

demonstrar a mudança de perspectiva que a Literatura contemporânea vem tomando ao colocar como parte mais saliente de sua produção a própria linguagem e deixar, como moldura, a história em si. Iniciemos: 3. ANÁLISE A idéia que pretendemos desenvolver aqui parte, como já foi dito, de que há uma diferença entre o que decidimos chamar de Literatura tradicional, onde o enredo é o centro, a principal coisa observada, a figura, daquilo que está sendo contado e a linguagem, a forma de contar é a moldura, margem, fundo da narrativa. Em autores tradicionais como Balzac (1995), por exemplo, em seu A mulher de trinta anos, podemos perceber claramente o objetivo formal da história que quer ser contada. O enredo complexo, os muitos dilemas dos personagens, tudo é demonstrado a partir da rica escrita do autor, que usa sua linguagem como fundo para sua escrita. O importante ali é, também, como Balzac conta sua história, mas não é o central, a história contada é o mais importante. O que ocorre? Como ocorre? Com quem ocorre? As respostas dessas perguntas salientam a figura. Na Literatura tradicional há, pois, um modelo tradicional de romance, com começo, meio e fim, com personagens vivendo algo. O modelo aristotélico de literatura, que a compreendia como mímesis, como uma forma de mostrar o real – mesmo que inventado –, que propunha uma peripécia, algo que devesse ser vivido. Dentro dessa perspectiva de arte, podemos dar como exemplo a pintura, as cores, numa perspectiva clássica, são o fundo para a imagem que

surge,

obviamente

a

figura.

O

objetivo,

dessa

pintura

que

imaginamos, é mostrar a imagem final, o produto: a pintura. Hoje, na pintura – assim como na Literatura – há uma inversão, artistas como Jackson Pollock dão às cores um espaço central, ao desconstruir a idéia que a pintura precisa passar uma imagem.

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86

Voltemos nosso olhar à Literatura e percebamos que essa inversão é verdadeira, também aqui. O enredo se esvazia e perde sua importância, questiona-se a idéia de que é preciso contar algo ou que a arte serve para demonstrar ou espelhar a realidade. Deleuze (2008) diz que a Literatura é uma forma de construir, a partir da linguagem, um mundo novo, mas não para chegar ao ―mundo real‖ à ―memória‖ e sim para instituir e apresentar esse novo mundo. Blanchot (2005) compara a linguagem literária ao canto das sereias que leva o homem atento e apaixonado ao afogamento e seu eventual devoramento pela sereia-linguagem-literatura, é preciso abandonar o mundo e se envolver se deixar levar, esquecer. O que ocorre, então, é uma destruição do padrão vigente, mas não tomamos destruição aqui no sentido popular cotidiano do termo, tomamos o conceito de Heidegger (2009) que diz que destruir algo não é deixá-lo em ruínas, mas sim abri-lo para uma nova forma de observação, permitir que fale de uma nova forma. Tomando esse olhar destruidor, colocamos em foco a Literatura que não quer mais dizer uma coisa, não quer mais ensinar nada, não se presta a construção de um saber, não pode mais ser tangida por explicações (BARTHES, 2004). Dizíamos que, em Literatura, o que a linguística funcionalista chamou de figura e fundo, vinha sendo este a linguagem e aquele o enredo. Mas, com as mudanças ocasionadas com as fragmentações que a pós-modernidade causou como a perda de contornos e a incapacidade de se situar como um ―eu‖ único e formado (BAUMAN, 2004) e a possibilidade de ―não-lugares‖ (AUGÉ, 2004) locais de trânsito com os quais não se estabelece vínculo, a Literatura destruiu os enredos e os acontecimentos miméticos. O importante agora é mostrar o delírio, construir um mundo da linguagem e não um com ela. Os enredos então se tornam forma de justificar aquela linguagem, aquela desconstrução. O enredo passa a ser moldura, ele é o que constrói o mundo onde se espraia e se mostra a linguagem, agora em destaque, agora figura. Tomemos, agora, o exemplo de Hilda Hilst (2001).

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87

Nele, a autora constrói uma história voltada para o delírio e para a desconstrução. A história, por si só, é bastante simples, Hillé, a personagem principal perde o contato com a realidade e passa a procurar pela razão das coisas debaixo do vão de sua escada, lugar aleatório tão bom quanto qualquer outro para iniciar uma busca, após a morte de seu marido Ehud, seu quadro piora e ela passa a, definitivamente morar lá, debaixo da escada que liga a porta de entrada à casa propriamente dita. Hillé passa a morar então nesse espaço de transição, o vão da porta e da escada, onde confecciona máscaras que usa para assustar vizinhos que a incomodam. O enredo vai-se mostrando aos poucos, mas é de fácil inferência e a ele cabe a justificativa àquele discurso. O discurso de Hillé, sua fala louca, sua perturbação, sua insanidade, seus devaneios são aquilo que se coloca em foco. O fundo serve para dar o contorno daquilo que é mais importante, de

essencial.

Nesse

caso,

da

narrativa

da

escritora,

percebemos

nitidamente que o mais importante ali é o que está sendo dito, a forma como a coisa está sendo dita, o devaneio poético, a linguagem sedutora, o canto de sereia maligno que leva à loucura de Hillé e do leitor tragado pela leitura. A linguagem é a figura, é nela que nos deleitamos, é ela que nos confunde, que nos prega peças, que nos faz pensar. É a linguagem de Hillé, a personagem principal da trama, sendo Hillé apenas uma desculpa para que aquele discurso poético se concretize, Hillé torna-se sua linguagem, sua loucura, sua nudez poética demonstrada em discurso destruído, derrelido. Percebemos então uma mudança visível entre as duas formas de conceber e de tratar o texto literário. Numa perspectiva tradicional a linguagem se configura como o fundo, aquilo que sustenta o que é dito, aquilo

que

permite

uma

saliência.

Por

sua

vez,

a

Literatura

contemporânea – pós moderna – se mostra como esvaziadora dos

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88

sentidos, dos saberes, dos enredos quando os transfere para o fundo e dá o local de destaque para a elocução e o delírio literário. 4. DISCUSSÃO Retomando o que foi dito, esse trabalho tem o objetivo de abrir portas para uma discussão a respeito da questão figura e fundo na Literatura contemporânea, a partir da idéia de uma revolução no que se convencionara perceber como fundo e figura na Literatura tradicional. A idéia de que, nos textos tradicionais, Balzac (1995), por exemplo, o centro é a história, a vida dos personagens, o que pensam e o que fazem. Sendo aí, a elocução apenas a forma de transmitir isso, assim como na pintura clássica, as cores eram apenas mecanismos para a construção da imagem pictórica final. Hoje, podemos perceber, haver uma mudança na questão da forma artística e a Literatura não fica de fora desse sistema. A mudança operada é a da saliência. A base da Literatura, a língua, as palavras, a construção, o discurso poético, torna-se o foco, a figura. O enredo passa a ser aquilo que justifica o surgimento dessa linguagem, dessa fala. No texto de Hilda Hilst (2001) temos um plano de fundo bem simples do ponto de vista aristotélico, há pouca ação, uma mulher louca debaixo da escada assustando, esporadicamente, os vizinhos. O texto se aprofunda e se mostra colorido, nas palavras da personagem, no seu conflito com Deus e com a loucura, nos tratos com o marido morto, enfim, na forma como se expressa. Podemos então perceber, aí, esse câmbio entre figura e fundo e não esperamos, aqui, encerrar a discussão, mas abri-la, expandi-la e construir mais questionamentos para que possamos melhor elucidar o assunto. REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco; Poética. Volume 2. 4 ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991. ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Abril, 2010.

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AUGÉ, Marc. Não lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade. 4ª ed. Campinas, SP: 2004. BALZAC, Honoré de. A mulher de trinta anos. São Paulo: Nova cultural, 1995 BARTHES, Roland. O prazer do texto. 4 ed. São Paulo: Perspectiva, 2008 BAUMAN, Zygmunt, Amor líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. BLANCHOT, Maurice. A parte do fogo. Rio de Janeiro: Rocco, 1997. BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 2011. BLANCHOT, Maurrice. O livro por vir. São Paulo: Martin, 2005 BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins, 2009. CONCEIÇÃO, Priscila Thaiss. Planos discursivos em diferentes níveis de escolaridade: estudo de recontagem de Figura e Fundo. Dissertação de Mestrado em Linguística apresentada à Coordenação dos Cursos de Pós-Graduação da Faculdade de Letras da UFRJ, 2010, DELEUZE, Gilles. Crítica e clínica. São Paulo: Ed. 34, 2008 HEIDEGGER, Martin. O que é isto – a filosofia; Identidade e diferença. 2 ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. HILST, Hilda. A obscena senhora D. São Paulo: Globo, 2001. HUGO, Victor. O último dia de um condenado à morte. Rio de Janeiro: Newton Compton Brasil ltda, 1997.

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OS PLANOS DISCURSIVOS FIGURA E FUNDO NO CONTO “UM ROUBO”, DE MIGUEL TORGA Lídia Barroso GOMES Madjer Raniery de Souza PONTES Vanessa Silva ALMEIDA

Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar os planos discursivos Figura e Fundo no conto ―Um Roubo‖, contido no livro Contos da Montanha, do escritor português regionalista Miguel Torga. Para isso, selecionamos um número de 105 orações dentro do conto e analisamos segundo os conceitos de transitividade da gramática funcional propostos por Hopper e Thompson (1980), Silveira (1990), Silva (2007) e Conceição (2010). O motivo pelo qual nos apoiamos nestes autores é o fato de os planos discursivos Figura e Fundo terem estreita relação com os conceitos de transitividade da Linguística Funcional. Cinco variáveis foram consideradas na análise do corpus: estrutura narrativa, plano discursivo, aspecto verbal, modalidade e tipo de predicado. Observamos que em textos narrativos as cláusulas-fundo ocorrem mais frequentemente do que cláusulas-figura, pois a Figura constitui a estrutura básica da narrativa contendo mais verbos perfectivos na modalidade realis, enquanto que o Fundo é constituído por verbos imperfectivos na modalidade irrealis e desenvolvem a Figura.

INTRODUÇÃO E OBJETIVOS A comunicação humana, ao longo do século XX, especificamente a partir do Circulo Linguístico de Praga, vem sendo um dos temas mais discutidos

no

campo

da

Linguística.

A

língua,

sob

a

perspectiva

funcionalista, passa a ser tratada com mais dinamicidade, por levar em consideração não apenas o uso da norma culta no ato comunicativo, mas também elementos que outrora não eram considerados como relevantes em seu estudo, como por exemplo, o uso que os falantes fazem dela, a intenção do emissor ao produzir uma mensagem dentre outros. Motivados por estas questões é que nos propomos a tratar sobre os planos discursivos Figura e Fundo. Os planos discursivos Figura e Fundo têm sido amplamente discutidos nos estudos de Linguística Funcional. Autores como Hopper e Thompson (1980) e Silveira (1990) se dedicaram ao estudo desses fatores como sendo recorrentes na língua considerando o seu uso real.

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91

Hopper e Thompson (1980) relacionam os planos discursivos Figura e Fundo com a transitividade (esta envolvendo todos os componentes da oração,

diferentemente

da

Gramática

Tradicional,

que

concebe

a

transitividade como uma característica somente do verbo). Silveira (1990), por sua vez, amplia o conceito de Figura e Fundo concebido por Hopper e Thompson (1980) e estabelece 5 níveis diferentes para o plano Fundo, que vão do mais próximo da Figura ao mais distante. Segundo Silveira (1990), a Figura é o plano mais saliente da narrativa e Fundo é o que funciona como uma moldura para a Figura, ou seja, o que está em volta dela apresentando circunstâncias, cenários, personagens, falas, etc. Esses planos discursivos são significativamente estudados em narrativas tanto orais como escritas. Nesse sentido, nosso trabalho se debruçará sobre a narrativa escrita e tem o objetivo de analisar a configuração dos planos discursivos Figura e Fundo no conto ―Um Roubo‖ do escritor português Miguel Torga. 1. METODOLOGIA Para realizar este trabalho, fizemos a leitura do conto ―Um Roubo‖, de Miguel Torga e selecionamos um número de 106 orações para compor o nosso corpus. De posse do corpus, elaboramos uma tabela com todas as orações enumeradas a partir do número 1 ao 106 e estabelecemos as variáveis sob as quais as orações foram analisadas. As variáveis foram: estrutura narrativa (orientação, complicação, ação e resolução), plano discursivo (Figura e Fundo), aspecto verbal (perfectivo e imperfectivo), modalidade (realis e irrealis) e tipo de predicado (ação e não-ação). Após

classificarmos

todas

as

orações

dentro

das

variáveis

supracitadas, calculamos as frequências simples de cada grupo de fatores, relacionamos esses fatores entre si e organizamos os resultados em tabelas que serão gradativamente mostradas no decorrer deste trabalho. 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

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92

Este trabalho está fundamentado nos conceitos de Hopper e Thompson (1980; apud SILVA, 2007; CONCEIÇÃO, 2010), Silveira (1990; apud SILVA, 2007; CONCEIÇÃO, 2010). 3.1 Figura e Fundo Hopper e Thompson (1979; apud CONCEIÇÃO, 2010) considera Figura como sendo o plano mais saliente da narrativa, ou seja, o mais simples morfossintaticamente e, consequentemente, mais simples para o ouvinte/leitor identificar. O plano de Fundo, por sua vez é, ainda segundo Conceição (2010), o mais periférico, que apresenta uma estrutura morfossintática mais complexa. Determinados aspectos caracterizam Figura e Fundo, como por exemplo: a presença de verbos punctuais, afirmativos e no aspecto perfectivo caracterizam Figura, enquanto verbos durativos e estativos, que indicam ações incompletas (aspecto imperfectivo) caracterizam Fundo. Além desses aspectos, outros são considerados quando os planos discursivos Figura e Fundo são discutidos. Hopper e Thompson (1980; apud SILVA, 2007) associam esses planos com a transitividade das orações. Segundo esses autores, quanto mais transitiva for a cláusula, mais efetiva é a ação e sendo a ação mais efetiva, tende a funcionar no plano da Figura. As cláusulas que funcionam no plano de Fundo são menos transitivas. É importante observar que Hopper e Thompson (1980; apud SILVA, 2007) demonstram que uma oração inteira pode ser mais ou menos transitiva, o que difere da abordagem tradicional, que considera somente os verbos como sendo dotados de transitividade. Assim, para estes autores, todos os componentes da oração são considerados dentro da noção de transitividade. A noção de transitividade em Hopper e Thompson (1980; apud SILVA, 2007) envolve uma série de fatores que influenciam o conceito de Figura

e

Fundo,

tais

como

participantes,

cinese,

aspecto

verbal,

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punctualidade,

volitividade,

agentividade,

modalidade,

polaridade,

afetamento do objeto e invidualização do objeto. Segundo as definições de Hopper e Thompson (1980; apud SILVA 2007), Silva (2007: 53) organiza a tabela a seguir para demonstrar as características de cada um desses fatores em relação à efetividade da ação, e consequentemente, aos planos de Figura e Fundo. COMPONENTES

ALTA TRANSITIVIDADE

BAIXA TRANSITIVIDADE

Participantes

Dois ou mais (Agente e Objeto)

Um

Cinese

Ação

Não-Ação

Aspecto

Télico

Atélico

Punctualidade

Pontual

Não-Pontual

Volitividade

Proposital

Não-Proposital

Polaridade

Afirmativa

Negativa

Modalidade

Realis

Irrealis

Agentividade

Mais Agente

Menos Agente

Afetamento do Objeto

Objeto totalmente afetado

Objeto parcialmente afetado

Individualização do Objeto

Objeto muito individualizado

Objeto pouco individualizado

A alta transitividade está, portanto, associada ao plano da Figura e a baixa transitividade, por sua vez, ao plano de Fundo. Conceição (2010) formula diferenças entre Figura e Fundo. A autora defende que ―os eventos de Figura se sucedem uns aos outros na narrativa na mesma ordem em que os fatos se sucederam no mundo real (...) [e] os eventos de Fundo concorrem com os de Figura, ampliando-os ou comentando-os.‖ (CONCEIÇÃO, 2010: 29) Esta diferença diz respeito à sequencialidade das ações. Porém, Hopper e Thompson (1979; apud SILVA, 2007; CONCEIÇÃO, 2010) destacam ainda que eventos de Figura são mais dinâmicos, sendo os verbos pontuais e perfectivos mais predominantes. Eventos de Fundo, em contrapartida, são menos dinâmicos e possuem verbos durativos ou Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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estativos e imperfectivos. Além disso, propõem que eventos de Figura são narrados, enquanto eventos de Fundo não os são. Conceição (2010: 30) elabora uma tabela na qual diferencia os planos de Figura e Fundo: FIGURA

FUNDO

Perfectivo

Imperfectivo

Sequência cronológica

Simultaneidade e superposição cronológica de uma situação C com o evento A e/ou B

Visão do evento como um todo, do qual a completude é um prérequisito necessário para o evento subseqüente.

Visão de uma situação ou acontecimento do qual a completude não é um pré requisito necessário para os eventos subsequentes

Identidade do sujeito com cada episódio discreto.

Frequentes mudanças de sujeito

Distribuição não-marcada do foco na oração, com pressuposição do sujeito e asserção no sujeito e seus complementos imediatos

Distribuição do foco marcada, por exemplo, foco no sujeito, foco na sentença adverbial

Tópicos humanos

Variedade de tópicos, incluindo fenômenos naturais

Eventos dinâmicos, cinéticos

Situações estáticas, descritivas

Realis

Irrealis

Além de todos os fatores mencionados acima, Silveira (1990; apud SILVA 2007; CONCEIÇÃO, 2010) amplia a noção de Fundo de Hopper e Thompson (1979). Segundo a autora, nem todos os tipos de fundo podem ser considerados em um mesmo nível. Há aqueles que se aproximam mais do plano de Figura e outros que se aproximam menos. Sendo assim, a autora estabelece cinco níveis diferentes para o plano de Fundo, que vai do mais próximo da Figura ao mais distante. Silva (2007) comenta os cinco níveis estabelecidos por Silveira (1990), dizendo que o 1º nível está mais próximo da Figura, por conter Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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informações concretas sobre o evento, como a apresentação do evento, do cenário, dos participantes e da fala dos participantes. O 2º nível é um pouco mais abstrato do que o 1º e apresenta o âmbito em que os fatos ocorreram através de circunstâncias (tempo, modo e finalidade). O 3º nível é onde ocorre a especificação de referentes e de processos-ação. Este nível é mais elaborado linguisticamente e é comum a presença de orações subordinadas adjetivas e orações subordinadas substantivas. O 4º nível engloba as inferências dos fatos que estão sendo narrados (causa, consequência e adversidade). Afastam-se do evento pelo fato das inferências de cada ouvinte/leitor serem diferentes. O 5º nível, por fim, é o mais abstrato de todos e diz respeito às interferências do falante na narrativa (expressão de opinião, resumo, dúvida, conclusão e canal2). Conceição (2010: 32) organiza esses conceitos de Silveira (1990) em uma tabela

na qual especifica os cinco níveis de fundidade

estabelecidos por Silveira (2010):

Grau de Objetividade (do Categoria mais icônico para o menos icônico)

Fundo 1

Fundo 2

Como são

mais próximo do real, mais concreto

cláusulas-Fundo que apresentam informações concretas sobre o evento

ainda próximo do real, mas mais abstrato.

cláusulas-Fundo que, através de circunstâncias, especificam o âmbito em que

Tipo de cláusulaFundo (relação funcional entre as cláusulas Apresentação do evento; Apresentação do cenário; Apresentação dos participantes; Apresentação da fala dos participantes. Especificação de tempo; Especificação de modo; Especificação de

2

De acordo com Silva (2007) o falante/narrador tenta atrair a atenção do ouvinte para o que está sendo narrado por meio de perguntas que inserem o ouvinte/leitor na narrativa. Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


96

Fundo 3

Fundo 4

Fundo 5

os fatos se deram

finalidade.

Próximo da estrutura do texto (mais abstrato e Elaborado linguisticamente)

cláusulas-Fundo que especificam vocábulos da cláusula anterior

Especificação de referente; Especificação de processo/ação

Próximo da interpretação do falante ao assistir ao evento

cláusulas-Fundo que especificam relações inferidas dos fatos narrados

próximo do ato de narração

cláusulas-Fundo que apresentam interferências do falante no evento que está narrando

Especificação de causa; Especificação de consequência; Especificação de adversidade. Apresentação de opinião; Apresentação de resumo; Apresentação de dúvida; Apresentação de conclusão; Apresentação de canal.

Todos esses aspectos e conceitos serão levados em consideração no momento da análise do corpus da nossa pesquisa. 3. RESULTADOS E DISCUSSÕES Observamos no corpus analisado que os planos discursivos Figura e Fundo se apresentam da seguinte maneira: Figura apresenta menor predominância em todo o conto, das 105 ocorrências, apenas 27,62% são Figuras, o que confirma nossa hipótese inicial em que supomos que por ser a estrutura básica do texto, ocorreria com menos frequência. Com relação ao plano discursivo Fundo vemos que este apresenta maior predominância por ser aquilo que se desenvolve a partir da Figura, ou seja, 72,38% do total de ocorrências representam Fundo. Com relação a nossa primeira variável, que é a estrutura narrativa, percebemos que a ação comporta o maior número de ocorrências dos planos discursivos tanto Figura quanto Fundo. Os resultados podem ser visualizados na tabela 1: Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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Tabela 1: Estrutura Narrativa Ocorrên cias

Orientação (Total/Perce ntual)

Complicação (Total/Perce ntual)

Ação (Total/Perce ntual)

Resolução (Total/Perce ntual)

Figura

3 (14,28%)

7 (43,75%)

15 (25,87%)

3 (30%)

Fundo 1

5 (23,80%)

1 (6,25%)

11 (18,96%)

3 (30%)

Fundo 2

3 (14,28%)

1 (6,25%)

8 (13,80%)

3 (30%)

Fundo 3

5 (23,80%)

3 (18,75%)

8 (13,80%)

0 (0%)

Fundo 4

1 (4,76%)

0 (0%)

2 (3,44%)

1 (10%)

Fundo 5

4 (19,04%)

4 (25%)

14 (24,13%)

0 (0%)

Total

21 (100%)

16 (100%)

58 (100%)

10 (100%)

Considerando que a orientação, a complicação e a resolução são as partes mais curtas da estrutura narrativa podemos observar que os resultados são proporcionais, enquanto a ação por ser a parte mais central da narrativa, consequentemente mais longa, comporta mais ocorrências. Considerando a variável aspecto verbal percebemos que a presença de verbos imperfectivos é muito mais recorrente devido ao número de cláusulas-fundo ser maior, pois de acordo com Silveira (1990), nas narrativas por serem apresentadas sequências de eventos o discurso impõe

uma

interpretação

Consequentemente,

os

verbos

perfectiva perfectivos

em

eventos-figura.

aparecem

com

menos

frequência. Porém, observamos que as cláusulas de Fundo 1 ou Fundo 2 podem aparecer com verbos perfectivos por estarem mais próximos da Figura3, como no exemplo abaixo: (1) “Foi numa noite medonha, cheia de água e gelada4 que o Faustino assaltou a Senhora da Saúde.” (TORGA, 1996: 27) A parte grifada representa Fundo 2. De acordo com Silveira (1990), Fundo 2 ainda está próximo à Figura, porém, um pouco mais abstrato. No 3 4

Destacamos que ocorrências deste tipo são raras. Grifo nosso. Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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exemplo acima vemos que apesar do verbo ―foi‖ está no pretérito perfeito, e por isso perfectivo, a oração não é uma cláusula-figura, mas uma cláusula-fundo. A cláusula-figura é a oração posterior. Em relação à variável modalidade observamos que ela tem intrínseca relação com o aspecto verbal, sendo que as ocorrências de verbos imperfectivos equivalem as ocorrências de modalidade irrealis e as ocorrências de verbos perfectivos equivalem as ocorrências de modalidade realis. Abaixo, relacionamos o aspecto verbal e a modalidade na tabela 2, por termos obtido os mesmos resultados para as ocorrências de ambos: Tabela 2: Aspecto Verbal e Modalidade Aspecto Ocorrência

Percentual

36

34,28%

69

65,71%

105

100%

Modalidade Perfectivo Realis Imperfectivo Irrealis Total

Finalmente, temos a variável tipo de predicado. Observamos que 69,52% do total de ocorrências são predicados não-ação, o que demonstra que por se tratar de uma narrativa os eventos acontecem em sequência e as situações são apresentadas em progresso. Vejamos os exemplos abaixo: (2) ―Há tempos já que a ideia desse roubo o obcecava (...)‖ (TORGA,1996:27) (3) ―Infelizmente, a Senhora da Saúde não ficava logo ali.‖ (TORGA,1996:30)

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(4) ―A caixa das esmolas estava ao fundo, enterrada na parede (...)‖ (TORGA, 1996:33) (5) ―(...) caminhava5 pela capela abaixo com a indignada razão.‖ (TORGA, 1996:34) Observamos que todos os verbos nos exemplos acima estão no pretérito imperfeito o que indica um evento em progresso, caracterizando um predicado não-ação. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em suma pudemos concluir que nas narrativas as cláusulas-fundo são mais recorrentes e, consequentemente, tudo que se relaciona com as cláusulas-fundo. A Figura, por constituir a base da narrativa, ocorre com menos frequência e é caracterizada por verbos de ação, sendo esses verbos perfectivos na modalidade realis, enquanto que no plano discursivo Fundo ocorre o inverso: é caracterizado por verbos de não-ação, imperfectivos na modalidade irrealis. Porém, houve uma ocorrência em nosso corpus de o verbo ser perfectivo na modalidade realis e funcionar como Fundo, como no caso do exemplo 1. Esperamos com este trabalho contribuir para futuras pesquisas a respeito de planos discursivos em narrativas literárias, pois consideramos a interdisciplinaridade entre Linguística e Literatura de fundamental importância para o estudo do funcionamento da linguagem. REFERÊNCIAS CHEDIER, Carolina Moreira. Perfil de figura fundo em crianças com e sem queixas escolares. 2007. Dissertação (Mestrado em Letras) - Centro de Humanidades, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007. CONCEIÇÃO, Priscila Thaiss. Planos Discursivos em Diferentes Níveis de Escolaridade: Estudo de Recontagem de Figura e Fundo. 2010. Dissertação (Mestrado em Letras) – Centro de Humanidades, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010. SILVA, Anderson Godinho. Orações modais: uma proposta de análise. Rio de Janeiro, Faculdade de Letras/UFRJ, 2007. Dissertação de Mestrado em Língua Portuguesa.

5

Grifos nossos. Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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________. A Transitividade e os Planos Discursivos Figura e Fundo nas Orações Subordinadas Adverbiais Modais. Cadernos do CNLF, Série X, nº10, s/d. SOARES, Paulo Monteiro. Planos Discursivos em Sambas de Enredos Numa Perspectiva Histórica. Cadernos do CNLF, anais, nº 5, s/d. TORGA, Miguel. ―Um Roubo‖. In: Contos da Montanha. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.

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PLANOS DISCURSIVOS NOS CONTOS DE CLARICE LISPECTOR: UMA ANÁLISE FUNCIONAL Gabriela Roberto do Vale ALVES Mayara de Souza FERREIRA

Resumo: Esse artigo irá analisar planos discursivos a partir da oposição Figura e Fundo nos contos ―Tentação‖ e ―A Solução‖, inclusos no livro A Legião Estrangeira (1980) de Clarice Lispector. Valemo-nos de teóricos como Labov (1967) e Adam (1984) a fim de obtermos os conceitos e definições de sequência narrativa numa perspectiva funcional. Recorremos também a Hopper (1979), para fundamentar o conceito de Figura e Fundo. Nosso objetivo é identificar que plano discursivo predomina na narrativa, em que estruturas do conto (orientação, complicação, ação, resolução e moral), proposições nomeadas por Labov (1967), são mais frequentes planos de Figura e/ou Fundo. Para isso, realizamos uma análise qualitativa, classificando o conto em quatro variáveis: estrutura, plano discursivo, aspecto verbal e modalidade. Partindo da análise dos dados, percebemos os diferentes modos pelos quais a escritora Clarice Lispector utilizou os planos discursivos para construção dos contos e que em proposições de ação e resolução há mais presença de Figura. Concluímos que a Fundo, ocorre com mais frequência que a Figura, pois as clausulas Fundo dão suporte ao elemento central e desenvolvem-se a partir dele. PALAVRAS-CHAVE: conto; clarice lispector; plano discursivo

INTRODUÇÃO Quando contamos uma história, seja uma situação corriqueira ou até mesmo narrativas retiradas de um livro, procuramos estabelecer a ordem das informações de acordo com a nossa percepção acerca do fato. Assim, buscamos colocar em evidência aquilo que consideramos como ponto principal da história, ou seja, o que é mais acentuado, que segundo Hopper, é classificado como Figura.

Já o que avaliamos como ações

secundárias, isto é, ações menos salientes compõe o plano Fundo. A narrativa, por sua vez, também passa por esse processo, o autor pode utilizar diferentes formas para contar uma estória. Dessa forma o escritor pode privilegiar uma leitura de fácil compreensão, utilizando o plano Figura com mais frequência, que por ser mais saliente e pode possuir codificação mais simples, ou Fundo para tornar mais difícil, pois as

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clausulas

Fundo

apresentam

uma

compilação

morfossintática

mais

complexa, com eventos não necessariamente completos. Segundo Givón (1979 e 1995) quanto mais planejado o discurso, menos orações justapostas, menos repetições, menos construções tópicocomentário há no discurso e vice-versa. Assim, textos escritos planejados podem ser ainda mais difíceis para a compreensão do que textos orais no que fere aos planos discursivos. Desta forma, procuramos trabalhar com o conceito de Figura e Fundo, segundo Hopper, dentro da narrativa. Utilizaremos também Silveira (1997) com a Hierarquia de Funidade. Para isso, utilizaremos dois contos de Clarice Lispector, ―A solução‖ e ―Tentação‖ retirados da obra A Legião Estrangeira

para

verificar,

se

de

fato,

a

autora

segue

alguma

normalização. Partindo da análise funcional, utilizaremos o conceito de estrutura narrativa proposto por Labov (1967, p. 27), no qual ―a narrativa possui uma dimensão cronológico-sequencial que ordena os elementos um após o outro‖, como também de Adam (1984) que parte do princípio de que o processo narrativo apresenta uma situação lógica na qual atuam três papéis básicos: vítima, agressor e ajudante. 1. A PERSPECTIVA FUNCIONAL DA SEQUÊNCIA NARRATIVA NOS CONTOS Segundo Labov (1967) a narrativa é definida como um método de recapitulação de experiências passadas comparando uma sequência verbal de proposições com a sequência de eventos que de fato ocorreu. Segundo Labov (1967), a narrativa vai ter duas funções fundamentais: de referência e avaliação. A função de referência aparece na transmissão de informações que encontramos na narrativa, sendo estas de lugar, de tempo, de personagens, de eventos (o que, o onde e o como os fatos ocorreram) e da sequência temporal das ações ou dos episódios. A função de avaliação transmite ao ouvinte o motivo da narrativa ter sido contada, tanto na forma da expressão explícita da importância da história para o narrador, como na dos juízos de valor emitidos ao longo da narrativa.

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Assim, Labov e Waletzky (1967) centram suas definições de núcleo narrativo menos sobre a organização temporal e sobre o esqueleto dos eventos objetivos do que sobre a dimensão avaliativa que precisa o ponto central da narrativa, e colocando o acento sobre os eventos mais importantes. (...) uma narrativa mínima como é uma sequência de duas proposições narrativas restritas, temporalmente ordenadas, de maneira que uma mudança em sua ordem resultará na mudança na sequência temporal da interpretação semântica original. (LABOV E WALETZKY, 1967 p. 27).

Tal esquema divide a narrativa em cinco macro-proposições. Um texto narrativo inicia a partir de uma Orientação na qual são definidas as situações de espaço, tempo e características das personagens. Em seguida, ocorre uma Complicação através de uma ação que visa modificar o estado inicial e que dá início à narrativa propriamente dita. A narrativa, então, culmina no momento em que uma Ação transforma a nova situação provocada pela complicação ou em que uma Avaliação da nova situação indica as reações do sujeito do enunciado. Desse modo, a narrativa chega a um Resultado em que é estabelecido um novo estado, diferente do estado inicial da estória. O final da narrativa se dá no momento em que é elaborada uma Moral, a partir das consequências da estória. Todorov (1971), a partir da crítica literária, proporá uma definição da narrativa que também aponta para os 3 conceitos de macroestrutura narrativa e de macro-proposição narrativa foram cunhados por Adam (1984 e 1985) e aplicado às teorias do enunciado narrativo de diversos autores. Para Adam, a sequência narrativa se caracteriza por apresentar: sucessão de eventos, uma unidade temática, predicados transformados, um processo, uma intriga e uma avaliação final. Para que um grupo de proposições narrativas forme uma seqüência é preciso não somente que um mesmo ator as unifique atravessando-as, mas também que haja uma transformação (ADAM, 1985, p. 54).

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Dentro desse panorama, o esquema prototípico da sequência narrativa pode ser descrito a partir de cinco macro-proposições que são: situação inicial, complicação, (re)ações, situação final e moral. 2. LINGUÍSTICA FUNCIONAL NORTE AMERICANA O Funcionalismo é uma corrente linguística que se preocupa em estudar a relação entre a estrutura gramatical das línguas e os diferentes contextos comunicativos em que elas são usadas. A língua não constitui um conhecimento autônomo, independente do comportamento social, ou seja, é uma estrutura maleável que está suscetível a pressões oriundas das diferentes situações comunicativas em que está envolvida. O funcionalismo, portanto, trabalha com a hipótese de que a forma deve refletir, em alguma medida, a função que exerce.

A abordagem funcionalista procura explicar as regularidades observadas no uso interativo da língua analisando as condições discursivas em que se verifica esse uso. Os domínios da sintaxe, da semântica e da pragmática são relacionados e independentes. (FURTADO DA CUNHA, OLIVEIR; MARTELOTTA, 2003, p. 48)

A escola funcionalista possui mais de uma vertente, como a escola de Londres, na qual se sobressai Halliday, como também o grupo holandês representado por Simon Dik e a Norte Americana, na qual destaca-se desta os linguistas Givón, Sandra Thompson e Paul Hopper. A linguística funcional norte americana defende uma investigação baseada no uso, observando a língua do ponto de vista do contexto linguístico e da situação extralinguística. Dentre os princípios e as categorias

centrais

do

funcionalismo

norte-americano

estão:

informatividade, iconicidade, marcação, transitividade, planos discursivo e gramaticalização. O princípio da informatividade focaliza o conhecimento que os interlocutores compartilham, ou julgam que compartilham, na interação verbal. Já o princípio da iconicidade é definido como a correlação natural e motivada entre forma e função, isto é, entre o código linguístico e o seu significado. O fenômeno da marcação ocorre quando dois elementos que Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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se opõem, apresentam propriedades ausente em um dos elementos, considerado

não-marcado.

Segundo

Hopper

(1995,

p.

00),

―a

transitividade é uma propriedade escalar que focaliza diferentes ângulos da transferência da ação de um agente para um paciente em diferentes porções da situação‖. Os planos discursivos distinguem as informações centrais das periféricas, classificando-as em figura ou fundo. A gramaticalização é um fenômeno relacionado à necessidade de se refazer que toda gramática apresenta. Gramaticalização designa um processo unidirecional, segundo o qual itens lexicais e construções sintáticas, em determinados contextos, passam a assumir funções gramaticais e, uma vez gramaticalizados, continuam a desenvolver novas funções gramaticais. 2.1 FIGURA E FUNDO O modo como o falante organiza seu texto é determinado, em parte, pelos seus objetivos comunicativos e, em parte, pela sua percepção das necessidades do seu interlocutor Hopper (1979) percebe que há, nas narrativas, uma distinção entre a linguagem utilizada para codificar os fatos que se encontram na linha principal de eventos e a linguagem dos fatos que servem de suporte para esses eventos principais. Ao primeiro, ou seja, às partes que relatam os eventos seguindo uma estrutura base do discurso (skeletal structure), Hopper denominou como Figura (foreground). Ao segundo, ou seja, ao que dá suporte a essa estrutura, designou de Fundo (background). A figura corresponde por apresentar os pontos principais da narrativa, caracterizado por mostrar uma sequencia cronológica; uma visão do evento como um todo, do qual a completude é um pré- requisito necessário para o evento subsequente. Apresenta também eventos dinâmicos, cinéticos, realis; exibem verbos perfectivos, sequência cronológica; sujeitos previsíveis (tópicos), humanos e agentivos. Já o plano fundo expõe elementos periféricos da

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narrativa, eventos simultâneos; eventos não necessariamente completos e irrealis; situações estáticas, descritivas; situações necessárias para compreensão de atitudes (subjetividade); frequentes trocas de sujeitos; verbos imperfectivos. Assim Figura (foregrounding) estabelece a parte principal da narrativa, eventos dinâmicos e ativos, já o plano Fundo (backgrounding) apresenta os comentários, as avaliações ou ações secundárias. A tabela abaixo resume as diferenças e propriedades da Figura e do Fundo. Quadro (1) Propriedades de Figura e Fundo.

FIGURA

FUNDO

Perfectivo

Imperfectivo

Sequência cronológica Visão do evento como um todo, do qual a completude é um pré-requisito necessário para o evento subsequente. Identidade do sujeito com cada episódio discreto. Distribuição não-marcada do foco na oração, com pressuposição do sujeito e asserção no sujeito e seus complementos imediatos. Tópicos humanos Eventos dinâmicos, cinéticos.

Simultaneidade e superposição cronológica de uma situação C com o evento A e/ou B Visão de uma situação ou acontecimento do qual a completude não é um pré-requisito necessário para os eventos subsequentes. Frequentes mudanças de sujeito.

Distribuição do foco marcada, por exemplo, foco no sujeito, foco na sentença adverbial. Variedade de tópicos, incluindo fenômenos naturais. Situações estáticas, descritivas.

Realis Para

Silveira (1997), o

Irrealis Fundo

é dividido

em categorias de

Fundidade, mediante a sua aproximação com o plano da Figura. Estes Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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fundos foram divididos em cinco: fundo um (mais próximo do real, mais concreto), fundo dois (também próximo do real, só que mais abstrato), fundo três (mais abstrato e elaborado linguisticamente), fundo quatro (próximo da interpretação do falante ao assistir o evento) e fundo cinco (próximo do ato da narração). Segundo Silveira (1997) essa hierarquia está organizada em uma gradação que vai do nível mais relevante, ou seja, a Figura, até um Fundo com menor grau de Relevância. 3. SOBRE CLARICE LISPECTOR Clarice Lispector trabalha em seus romances temas de caráter existencial, inovando a literatura, seja pelo estilo livre, elíptico e fragmentário, tornando-se característica da escrita da autora. Outra grande e importante técnica usada por Clarice em suas obras é a chamada epifania, ou fluxo de consciência que é uma súbita sensação de descoberta de algo ou alguém pelos protagonistas. Como já dissemos, os contos trabalhados neste artigo: ―Tentação‖ e ―A solução‖ foram retirados do livro A Legião Estrangeira, cuja primeira edição data de 1964, composto de 13 contos e crônicas, que tratam do cotidiano familiar, da perversidade infantil e da solidão. No conto ―Tentação‖ narra-se a estória de uma menina ruiva com sua alma gêmea, um cachorro. Nesse conto, predomina o discurso indireto livre, ou seja, o discurso em que a fala do personagem se mistura com a do narrador, predominando a terceira pessoa. Já o conto ―A Solução‖ fala sobre a amizade de duas jovens. Enquanto uma gostava muito da amiga, a outra não sentia nada. O clímax se dá quando um das amigas fere a outra com um garfo. Neste conto temos a presença de três discursos: direto (fala dos personagens), indireto (resumo da fala dos personagens) e indireto livre. 4. DA DESCRIÇÃO DO CORPUS Utilizaremos as características acima elencadas para classificar as orações dos contos ―Tentação‖ e ―A Solução‖ em Figura e Fundo. Para a Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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análise do corpus empregaremos as proposições narrativas de Labov (1967), a estrutura de plano discursivo de Hopper e Thompson (1979) e a Hierarquia de Fundidade alvitrado por Silveira (1997), a última servirá apenas como suporte, pois não contará nos resultados. Iniciamos a análise dividindo o conto em partes, qualificando as estruturas da narrativa em orientação, complicação, ação, resolução e moral. Em seguida, dividimos o conto em frases para a classificação dos planos discursivos. Consideramos também o aspecto dos verbos das frases em perfectivo e imperfectivo e, por fim, avaliamos a modalidade das ocorrências em reallis e irrealis. Depois de formulado a tabela com a divisão do conto em frases, calculamos as frequências simples de cada grupo de fatores, relacionamo-los entre si e analisamos o contexto em que aparecem. 4.1 DOS RESULTADOS De acordo com a análise do corpus, coletamos no primeiro conto, ―Tentação‖, 50 ocorrências e, desse total, temos 14 Figuras (28%) e 36 Fundos (72%). Assim, podemos observar que há uma predominância do plano discursivo Fundo, e de acordo com Hopper (1979), Fundo completa o evento principal, ou seja, a Figura. Concluímos que o plano Fundo apresenta-se em maior quantidade por desenvolver-se a partir da Figura, pois o mesmo dá um suporte em relação a apresentação do evento, do cenário, do tempo, da especificação de consequência, entre outros. No segundo conto, ―A Solução‖, encontramos 62 ocorrências, as quais correspondem a 16 Figuras (25,8%) e 46 Fundos (74,2%). Notamos que esse conto também segue a regularidade de apresentar a maioria dos planos com cláusulas Fundo, que como Hopper (1979) propõem Fundo concorrem com os de Figura, ampliando-os ou comentando-os, motivo por ser predominante. Na

análise

avaliamos

também

a

predominância

dos

planos

discursivos nas proposições da estrutura narrativa segundo Labov (1967). Abaixo, seguem os resultados da análise: Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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Gráfico (1): Frequência de Plano Discursivo. 120% 100% 80% 60%

Fundo

40%

Figura

20% 0% A Solução Tentação Quadro (2): Resultado da frequência de Figura e Fundo no conto ―A Tentação‖

Estrutur a/ Plano Discursiv o Orientaç ão Complica ção Ação Resoluçã o Moral Total

Figu ra

Fund o1

0 /0% 2/14, 2% 7/50 % 3/21, 4% 2/14, 2%

9/60 % 2/13, 3% 4/26, 6%

14

Fund o2

Fundo 3

Fund o4

Fundo 5

0/0%

2/40%

0/0%

3/25%

0/0%

1/20%

0/0%

1/8,3%

3/10 0%

1/20%

1/10 0%

8/66,6 %

0/0%

0/%

1/20%

0/0%

0/0%

0/0%

0/0%

0/%

0/0%

0/0%

15

3

5

1

12

Quadro (3): Resultado da frequência de Figura e Fundo no conto ―Solução‖

Estrutura Orientaçã o Complica ção Ação Resoluçã o

Figur a

Fund o1

Fund o2

1/6,2 % 4/25 % 9/56, 2% 2/16, 6%

10/80 %

0/0%

0/0%

1/100 %

2/20 %

0/0%

0/0%

0/0%

Fun do 3

Fund o4

Fund o5

2/50 % 1/25 % 1/25 % 0/0 %

2/28, 5% 1/14, 2%

13/59 % 1/4,5 % 3/13, 6% 5/22, 7%

0/0% 4/57, 1%

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Moral

0/0%

0/0%

0/0%

0/0 %

0/0%

0/0%

Total

16

12

1

4

7

22

Observamos que as estruturas ação e resolução exibem maior quantidade de plano discursivo Figura. Nas passagens destacadas de Figura, notamos a presença de eventos dinâmicos e ativo, verbos pontuais e perfectivos, características de Figura postulado por Hopper (1979). Assim as proposições de Complicação temos uma ação que visa modificar o estado inicial e que dá início à narrativa propriamente dita, Ação transforma (mudança) a nova situação provocada pela complicação e Resolução em que é estabelecido um novo estado, diferente do estado inicial da estória. Notamos que todas essas proposições pedem verbos de ação. (1) A menina abriu os olhos pasmada. (2) Suavemente avisado, o cachorro estacou diante dela. (3) Um grande soluço sacudiu-a desafinado. Ele nem sequer tremeu. Também ela passou por cima do soluço e continuou a fitá-lo. (4) Na manhã do dia em que aconteceu, Almira saiu para o trabalho correndo, ainda mastigando um pedaço de pão. (5) Quando chegou ao escritório, olhou para a mesa de Alice e não a viu. (6) — Você é uma chata e uma intrometida, rebentou de novo Alice. Quer saber o que houve, não é? Pois vou lhe contar, sua chata: é que Zequinha foi embora para Porto Alegre e não vai mais voltar! Agora está contente, sua gorda? Nas orações, ―Um grande soluço sacudiu-a desafinado‖ , ―Ele nem sequer tremeu”, ―Também ela passou por cima do

soluço‖ e ―e

continuou a fitá-lo‖ possuem verbos perfectivos, sequência cronológica, eventos completos, apresentam eventos dinâmicos e cinéticos, sujeitos

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tópicos, humanos, e são orações realis, configurando-se, portanto, como orações Figura. Já as cláusulas Fundo tem predominância nas proposições de orientação. Segundo Labov (1967) e Adam (1967) a Orientação apresenta situações

de

espaço,

tempo

e

características

dos

personagens.

Destacamos algumas ocorrências para exemplificar: (7) E como se não bastasse a claridade das duas horas, /ela era ruiva. (8) Na rua vazia as pedras vibravam de calor /- a cabeça da menina flamejava. (9) Sentada nos degraus de sua casa,/ ela suportava. (10) Chamava-se Almira e engordara demais. (11) Alice era a sua maior amiga. (12) Alice era de rosto oval e aveludado. (13) Alice era pensativa e sorria sem ouvi-la, continuando a bater a máquina. Relacionando observamos

que

os fatores da estrutura as

ocorrências

possuem

narrativa verbos

com

Fundo,

imperfectivos;

apresentam indicações de lugar ―Na rua vazia‖, ―Sentada nos degraus‖; caracterização de personagens ―ela era ruiva‖, ―Chamava-se Almira‖; não são completas e a maioria não apresenta uma ação; apresentam situações estáticas ―Alice era pensativa‖, ―ela suportava‖ e descritivas. Outra variável observada é o aspecto verbal, devido às cláusulas Fundo predominarem no conto, o imperfectivo também predomina. A modalidade também segue a mesma regra, o fato de modalidade irrealis caracterizar o plano discursivo Fundo, temos uma frequência maior de eventos irrealis. Quadro (4): Resultado da frequência do aspecto verbal no conto ―Tentação‖

Aspecto Perfectivo Imperfectivo

Total 61 17 44

Porcentagem 27,8% 72,2%

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Quadro (4): Resultado da frequência do aspecto verbal no conto ―A Solução‖

Aspecto

Total 96

Porcentagem

Perfectivo

39

34,3%

Imperfectivo

57

65,7%

CONSIDERAÇÕES FINAIS O nosso artigo trabalhou com a distinção de Figura e Fundo nas narrativas de Clarice Lispector. Os planos discursivos fazem parte da percepção de mundo do falante, deixamos o evento principal, que conduz a narrativa, mais perceptível e relevante. Já as informações que complementam o evento principal são conduzidas de maneira mais subjetiva. A Figura é mais saliente, o Fundo é o complemento da Figura. Nosso objetivo foi calcular a frequência de cada plano discursivo. Conforme as definições de Hopper (1979), o plano Fundo é mais predominante nos contos por desenvolver e completar o evento principal. Trabalhamos também com a estrutura narrativa de Labov (1967) e reformulado por Adam (1984) do conto e observamos que em cada proposição predomina um plano discursivo, concluímos, dessa forma, que Clarice Lispector opta por uma escrita mais complexa e com informações mais

subjetivas,

que

conforme

preconiza

a

linha

funcionalista,

o

falante/locutor vai organizar as informações linguisticamente de acordo com sua percepção do fato ou sua intenção comunicativa. Percebemos também que mesmo a escritora apresentar como característica da sua escrita o fluxo de consciência, que escreve a partir das sensações, não encontramos modificação da caracterização de Figura e Fundo. Desse modo, esperamos abrir novos caminhos para pesquisas de planos discursivos em obras literárias. REFERÊNCIAS ADAM, J-M. Le récit. Paris: Presses Universitaires de France, 1984.––––––. Le texte narratif. Paris: Nathan, 1985. BREMOND, C. La logique des possibles narratifs. Communications, 1966.

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CONCEIÇÃO, Priscila Thaiss. Compreensão de Figura e Fundo em Textos Literários. Relatório Técnico-Científico apresentado ao CNPq. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras/ Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2008, mimeo. LISPECTOR, Clarice. A legião estrangeira. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

HOPPER, Paul J. Aspect and Foregrounding in Discourse. In: Discourse and syntax. Ed. By Talmy Givón. New York: Academic Press, 1979, p.213-41. _____________ & THOMPSON. Transitivity in Grammar and discourse. Language, 56 (2): 251-299, 1980. FURTADO DA CUNHA, M.; OLIVEIRA, M.R.; MARTELOTTA, M. (Org.). Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. FURTADO DA CUNHA, M.; VOTRE, S. A lingüística funcional no contexto da linguística aplicada. In: PASSEGI, L. (Org.). Abordagens em linguística aplicada. Natal: EDUFRN, 1998, p.55-82 LABOV, W. & Waletzky, J. Narrative analysis: Oral versions of personal experience. In: PROPP, V. Morfologia do conto. Tradução de J. Ferreira & V. Oliveira. Lisboa: Veja, 1983. MARTELOTTA, M. E. Manual de Linguística. São Paulo: Editora Contexto, 2008. MARTELOTTA, M; AREAS, E. A visão funcionalista da linguagem no século XX. In: CUNHA et al. (orgs.). Linguística funcional: teoria e prática. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. THOMPSON, S. & HOPPER, P. Transitivity and Clause Structure in Conversation. In: BYBEE, J. & HOPPER, P.(Org.) Frequency and the emergence of linguistic structure. Amsterdan/Philadelphia: John Benjaming Company, 2001.

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TRANSITIVIDADE E OS PLANOS DISCURSIVOS: FIGURA E FUNDO, NOS CONTOS “A MÁSCARA DA MORTE RUBRA” E “O GATO PRETO” DE EDGAR ALLAN POE

Francisco Fábio Marques da SILVA Raquel Alves da SILVA

RESUMO: Este trabalho tem como objetivo analisar a transitividade e os planos discursivos (figura e fundo) nos contos: A máscara da morte rubra e O gato preto de Edgar Allan Poe. A pesquisa fundamenta-se na proposta de Hopper & Thompson, Transitivity in grammar and discourse (1980), que utiliza 10 parâmetros sintáticosemânticos que indicam o grau de transitividade de orações e possibilitam a identificação dos relevos discursivos figura e fundo. Neste trabalho foram selecionados trechos correspondentes à estrutura da narrativa (exposição, complicação, clímax e desenlace) de cada conto e avaliado o grau de transitividade (alta e baixa transitividade), pretendendo assim, verificar a ocorrência de orações de alta transitividade (parte figura), em trechos localizados na exposição, clímax e desenlace do conto, e orações de baixa transitividade (parte fundo), na complicação da narrativa, de acordo com uma oração escalar, mais transitivo e menos transitivo. Após analisar 40 orações, consideradas como relevantes do ponto de vista do enredo e para a análise da transitividade, concluímos que as mesmas apresentaram diversos graus de transitividade nas orações, desde 0, o que caracteriza cláusulas-fundo com baixo nível de transitividade, até 10, cláusulas-figura com alto nível de transitividade. Palavras-chave: transitividade; planos discursivos; estrutura da narrativa.

INTRODUÇÃO Apresenta-se neste trabalho uma análise dos contos A máscara da morte rubra e O gato preto, de Edgar Allan Poe, a partir da concepção de plano discursivo da teoria funcionalista norte-americana, calcada sobre os princípios da transitividade de Hopper & Thompson (1980), que leva em conta a transitividade não como propriedade intrínseca do verbo enquanto item lexical, mas como um complexo de dez parâmetros sintáticosemânticos

independentes,

que

focalizam

diferentes

ângulos

da

transferência da ação em uma porção diferente da oração. O escritor norte-americano, Edgar A. Poe, diferentemente da maioria dos autores de contos de terror (que se concentravam no terror externo, visual, valendo-se apenas dos aspectos ambientais), usa uma

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espécie de terror psicológico em suas obras, vindo do interior dos personagens, que oscilam entre a lucidez e a loucura, quase sempre cometendo atos infames ou sofrendo de alguma doença. As obras mais conhecidas de Poe são Góticas, entrando para a literatura sobrenatural (Maravilhoso e Fantástico), e seus temas mais recorrentes lidam com questões do fantasmagórico, da morte, incluindo sinais físicos dela, os efeitos da decomposição, interesses por putrefação, a reanimação dos mortos e o luto. A máscara da morte rubra e O gato preto são os contos escolhidos nesse estudo por apresentarem uma intriga linear e objetiva, resumindose a um único núcleo narrativo, onde a grande força se concentra no desenlace (desfecho). Edgar A. Poe atinge uma gradação, visando o ponto culminante, inicialmente de maneira vaga, a seguir mais e mais diretamente. Assim, tal característica contribui para o nosso objetivo aqui proposto, que é comprovar a presença de cláusulas-figura com alto nível de transitividade no clímax e desenlace dos contos. 1. FUNDAMENTAÇÃO A transitividade de Hopper & Thompson (1980) difere da noção de transitividade presente na gramática tradicional. Enquanto que esta associa o termo apenas a verbos, os teóricos funcionalistas americanos consideram não só o verbo presente em uma sentença, mas a todos os termos que a compõe. Os verbos são agrupados em transitivos e são tratados como se fossem iguais, ou seja, da mesma natureza, o que não ocorre na gramática tradicional, onde se tem a ocorrência dos três elementos, sujeito, verbo e objeto. A transitividade é formulada como uma noção contínua, escalar, não-categórica e escalar, expresso em um componente sintático e um componente semântico ligado à efetividade com a qual uma ação ocorre. O termo ―transitividade‖ é usado porque se trata de uma ação que ―transita‖ do agente para o paciente, por isso, quanto mais trânsito, quanto mais efetiva e mais individual é a ação, mais transitiva é a Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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sentença. O objetivo desses autores é mostrar que as propriedades que definem a transitividade são determinadas discursivamente e que a transitividade é uma relação crucial na língua, envolvendo um número de consequências previsíveis universalmente na gramática. A transitividade é expressa de acordo com dez parâmetros, estes por sua vez são independentes (no entanto funcionam juntos e articulados na língua), representam propriedades semânticas, focalizam diferentes ângulos da transferência da ação em uma porção diferente da oração e são divididos em alta transitividade e baixa transitividade, conforme mostra o quadro 1 a seguir: Quadro (1): Componentes considerados em relação à Transitividade PARÂMETROS

TRANSITIVIDADE ALTA

BAIXA TRANSITIVIDADE

1. Participantes

Dois ou mais

Um

2. Cinese

Ação

Não-ação

3. Aspecto do verbo

Perfectivo

Não-perfectivo

4. Pontualidade do verbo

Pontual

Não-pontual

5. Intencionalidade do sujeito

Intencional

Não-intencional

6. Polaridade da oração

Afirmativa

Negativa

7. Modalidade da oração

Modo realis

Modo irrealis

8. Agentividade do sujeito

Agentivo

Não-agentivo

9. Afetamento do objeto

Afetado

Não-afetado

10. Individualização do objeto

Individuado

Não-individuado

Acerca dos parâmetros acima podemos ter tais aspectos: Participantes:

não

pode

haver

transferência

a

menos

que

dois

participantes estejam envolvidos. Cinese: ações podem ser transferidas de um participante para outro, enquanto que estados não. Aspecto: uma ação é mais afetivamente transferida quando é vista como completa do que quando está em progresso. Pontualidade: ações que se dão sem uma fase de transição são mais Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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efetivas que as que envolvem uma duração maior. Dessa maneira, um verbo como "chutar" é pontual e um verbo como "carregar" é

não-

pontual. Intencionalidade do sujeito: quando o agente tem o propósito de fazer algo, a ação se dá mais efetivamente do que quando não há uma intenção definida. Polaridade da oração: sentenças afirmativas indicam que as ações de fato ocorreram, enquanto que sentenças negativas indicam que as ações não se efetivaram. Modalidade da oração: uma ação que não ocorreu ou que é possível de ocorrer é menos efetiva que uma que ocorreu ou que corresponde a um evento real. Agentividade do sujeito: um participante que é mais ativo pode transferir uma ação mais efetivamente que um participante não tão ativo assim. Afetamento do objeto: uma ação é transferida num grau maior se o objeto é afetado completamente do que se ele é parcialmente afetado. A cerca da Individualização do objeto, Hopper & Thompson (1980) consideram os fatores presentes no quadro 2 a seguir: Quadro (2): Fatores considerados na Individuação do Objeto Individuado

Não-individuado

Próprio

Comum

Humano, animado

Inanimado

Concreto

Abstrato

Singular

Plural

Contável

Incontável

Referencial, definido

Não-referencial

Orações com objetos mais individuados são mais transitivas do que aquelas com objetos mais gerais, ou seja, uma ação pode ser transferida mais efetivamente para um paciente individuado do que para um nãoindividuado, estando, portanto, relacionado ao penúltimo parâmetro, afetamento do objeto. Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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Hopper & Thompson (1980) atribuem pontuação 1 para cada componente que confere alta transitividade à cláusula e pontuação 0 para cada componente que confere baixa transitividade à cláusula. É então a partir da baixa ou alta transitividade que é possível enquadrá-los nos planos discursivos figura e fundo. Figura (foreground), segundo Hopper (1979), é tudo aquilo que é mais

importante

para

as

metas

do

falante/escritor,

podendo

ser

comparada ao ―esqueleto‖ de um texto, ou seja, à sua estrutura base do discurso,

seu

plano

mais

saliente.

Têm-se

ainda

como

principais

características uma sequência cronológica, com eventos reais, dinâmicos e completos,

assim

como

sujeitos

previsíveis

(tópicos),

humanos

e

agentivos. Sua codificação morfossintática caracteriza-se por apresentar orações coordenadas, principais ou absolutas, além de formas verbais perfectivas. Ao contrário de fundo (background), que seria aquilo que serve de cenário, ajudando, amplificando ou comentando o que é mais importante em um texto, sendo um plano discursivo que dá suporte para o que está sendo relatado pela figura, não representa a sequencialidade da narrativa e, por isso mesmo, constitui as ações que ocorrem de modo concorrente às ações de figura. O fundo tem também como principais características os eventos simultâneos, não necessariamente completos e reais; com situações estáticas e descritivas, igualmente como situações necessárias para a compreensão de atitudes (subjetividade), além de frequentes trocas de sujeitos. Sua codificação morfossintática caracteriza-se por, frequentemente, conter orações subordinadas e verbos não-perfectivos, sem deixar de ressaltar que, o fundo também pode ser codificado por orações coordenadas, absolutas e principais. Sobre a noção de figura e fundo Martelotta e Palo Mares (2009, p. 184) afirmam: ―alinhamento de figura e fundo diz respeito à maior proeminência que nós atribuímos a um dos elementos de uma cena, colocando-o em primeiro plano de nossa atenção, ou seja, em figura.‖. É necessário salientarmos a importância da parte fundo (segundo plano, Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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secundário), que às vezes é confundido como menos importante, porém é de grande utilidade para a fundamentação do texto, porque, como já destacamos, é ela que define a noção de figura. Assim como a transitividade, Hopper e Thompson (1980) faz um ressalvo a respeito de ―figura‖ e ―fundo‖, estes também devem ser analisados a partir de um conjunto de propriedades, e não de forma separada, independente. 2. METODOLOGIA Propondo-nos neste capítulo fazer a descrição dos métodos e procedimentos da pesquisa adotada para a análise da transitividade e dos planos discursivos nas orações dos já referidos contos de Edgar A. Poe. Para melhor visualização, organização e compreensão do conteúdo do corpus, oferecemos um modelo tradicional, no qual, antes de tudo, é possível observar e conhecer o desenvolvimento do enredo e como este se divide na estrutura narrativa. ―A máscara da morte rubra‖ 1.Exposição - O problema apresentado, o da morte rubra, peste terrível e fatal como jamais se vira. Os personagens são o príncipe Próspero e seus súditos. O ambiente soturno se dá na abadia fortificada no príncipe, onde os personagens tentam se proteger da morte rubra. 2.Complicação - O badalar do relógio que anuncia algo ruim. A chegada do indivíduo estranho, vestido de morte rubra. 3.Clímax - Perseguição do príncipe Próspero por parte do estranho através dos salões da abadia. 4.Desenlace - O príncipe morre, logo após todos os foliões caem atingidos pela morte rubra, o fantasma esvanece no ar e a morte rubra pousa sobre todas as coisas. ―O gato preto‖

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1.Exposição - O problema apresentado, o narrador imaginando que iria morrer no dia seguinte, e querendo deixar à posteridade os seus pensamentos mais pesados, conta uma série de fatos ―estranhos‖ que lhe aconteceram. O ambiente se passa na própria casa dos personagens, que são o narrador, sua esposa e o gato Plutão. 2.Complicação - O olho de Plutão ter sido arrancado e logo depois sua brutal morte a sangue-frio. 3.Clímax - A polícia vai à adega investigar a morte da esposa e quando estão saindo ouvem gemidos e gritos da parede onde estava o corpo. 4.Desenlace - Os agentes desmantelam a parede e sobre a cabeça do cadáver, já decomposto, veem o gato. Dentro desse desenvolvimento e dessa estrutura narrativa, foram selecionadas 40 orações e depois analisadas de acordo com a proposta defendida por Hopper & Thompson (1980), na qual se utiliza de 10 parâmetros sintático-semânticos que indicam o grau de transitividade das orações e possibilitam a identificação dos relevos discursivos figura e fundo. Ainda dentro da relação figura e fundo, Silveira (1990) propõe uma revisão do conceito Fundo, proposto por Hopper & Thompson (1980). Segundo a autora, as funções das cláusulas Fundo – ampliar e comentar as afirmações feitas pela Figura – são muito amplas e poderiam ser mais bem especificadas. Assim sendo, ela propõe uma Hierarquia de Fundidade. Essa hierarquia está organizada em uma gradação que vai da Figura (nível mais relevante) até um Fundo com menor grau de Relevância. Em resumo, o Fundo é que estaria elencado em mais de um nível, uns mais próximos da Figura, sendo mais objetivos, icônicos, e outros mais distantes. Ainda nesse tema a autora faz outra observação a respeito do relacionamento funcional que se estabelece entre alguns tipos de fundo. Sendo assim, Silveira (1990) postulou cinco níveis de Fundo:

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Hierarquia de Fundidade

Categoria

Fundo 1

Fundo 2

Fundo 3

Fundo 4

Fundo 5

Grau de objetividade (do mais para o menos icônico)

Como são

Tipo de cláusulasFundo (relação funcional entre as cláusulas)

Mais próximo do real, mais concreto.

Cláusulas-Fundo que apresentam informações concretas sobre o evento.

Apresentação do evento; Apresentação do cenário; Apresentação dos participantes; Apresentação da fala dos participantes.

Ainda mais próximo do real.

Cláusulas-Fundo que através de circunstancias, especificam o âmbito em que os fatos se deram.

Especificação do tempo; Especificação de modo; Especificação de finalidade.

Cláusulas-Fundo que especificam vocábulos da cláusula anterior.

Especificação do referente; Especificação de processo/ação.

Próximo da estrutura do texto (mais abstrato e elaborado linguisticamente) Próximo da interpretação do falante ao assistir ao evento

Próximo do ato de narração.

Cláusulas-Fundo que especificam relações inferidas dos fatos narrados.

Cláusulas-Fundo que apresentam interferências do falante no evento que está narrando.

Especificação de causa; Especificação de consequência; Especificação de adversidade. Apresentação de opinião; Apresentação de resumo; Apresentação de duvida; Apresentação de conclusão; Apresentação de canal.

A partir das cinco categorias que compõem a Hierarquia de Fundidade, proposta por Silveira (1990), decidimos, para essa pesquisa, reorganizá-las em três categorias, considerando níveis de fundidade. Nessa reorganização tivemos como baseamento à maneira da estrutura na qual Anderson Godinho Silva trabalha em Orações modais: Uma proposta de análise (2007). No entanto em nossa pesquisa essa estrutura vai sofrer mais uma mudança, pois no trabalho de Godinho foi possível observar apenas modais com grau de transitividade 0 a 7, o que Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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não ocorreu em nossa análise, verificamos orações com grau de transitividade 2 a 10. Grupo 1 (Fundidade Máxima): são as orações que se afastam mais do plano da figura. Elas recebem graus 0, 1, 2 e 3 de transitividade; Grupo 2 (Fundidade Intermediária): são as orações que se aproximam um pouco mais do plano da figura, mas ainda carregam um grau intermediário de transitividade. Elas recebem graus 3, 4, 5 e 6 de transitividade; Grupo 3 (Fundidade Mínima): são as orações que se aproximam mais do plano da figura. Elas recebem graus 7, 8, 9 e 10 de transitividade. Resolvemos fazer assim desse modo, pois desta forma facilitará a análise de figura e fundo no âmbito da estrutura narrativa dos contos em questão. 3. ANÁLISE E DISCURSÃO DOS RESULTADOS Trataremos neste capítulo a apresentação dos resultados da análise dos contos: A máscara da morte rubra e O gato preto, de Edgar Allan

Poe,

análise

essa

pautada

na

teoria

da

transitividade

dos

funcionalistas teóricos norte-americanos Hopper & Thompson (1980). E para conclusão, a apresentação de uma tabela que mostra de forma clara e sucinta o resultado final de toda nossa pesquisa. Após termos analisados as 40 orações, verificamos na estrutura narrativa a ocorrência de orações com grau de transitividade 2 até 10, caracterizando-se como cláusulas-fundo com baixo nível de transitividade e cláusulas-figura com alto nível de transitividade. Ainda tomando como sequencia a estrutura narrativa, mostraremos agora exemplos de orações com alta transitividade (figura) e baixa transitividade (fundo), e enquadrando-os na hierarquia de fundidade. I.

Exposição – Sequencia: 9-7-8-9-2-2-7-7-6-7.

Das

dez

orações

analisadas,

seis

apresentaram

alto

nível

de

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transitividade, aproximando-se mais do plano da figura, e se esquadrando na Hierarquia de Fundidade Mínima, grupo 3. Exemplo 1 de oração com grau 9. (A máscara da morte rubra): 1. Ao perceber o despovoamento de seus estados [convocara um milheiro de amigos alegres e sadios, cavalheiros e damas da corte] (...). Participantes (1): o sujeito pode ser resgatado em orações anteriores e o verbo exige um agente, ―convocara‖; Cinese (1): sendo o verbo ―convocara‖ de ação; Aspecto (1): a ação é vista como completa, ―ele convocou‖; Pontualidade (1): a ação é vista como pontual dentro da oração ―convocar os amigos‖; Intencionalidade (1): ―convocar‖ exige uma intenção; Polaridade (1): é uma sentença afirmativa; Modalidade (1): a sentença é real, tendo efetivamente o ocorrido; Agentividade (1): o agente é humano e tem condições de exercer a ação de ―convocar‖; Afetamento do objeto (1): ―os amigos‖ são totalmente afetados pela convocação; Individuação do objeto (0): ―um milheiro de amigos‖ é comum, plural, incontável e não determinado. II.

Complicação – Sequencia: 3-3-4-5-9-4-4-3-5-3-6-5-10-9-9

Das

quinze

orações

analisadas,

dez

apresentaram

baixo

nível

de

transitividade, aproximando-se um pouco mais do plano da figura, mas ainda carregam um grau intermediário de transitividade, se esquadrando na Hierarquia de Fundidade Mínima, grupo 2. Exemplo 2 de oração com grau 5. (O gato preto): 2. Uma fúria diabólica apossou-se instantaneamente de mim. Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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Participantes (0); Cinese (0); Aspecto (1); Pontualidade (1); Intencionalidade (0); Polaridade (1); Modalidade (1); Agentividade (0); Afetamento do objeto (1); Individuação do objeto (0). III.

Clímax – Sequencia: 8-10-9-8-7-10-8-8-7-9

Das dez orações analisadas, todas se apresentaram no alto nível de transitividade, aproximando-se mais do plano da figura, e se esquadrando na Hierarquia de Fundidade Mínima, grupo 3. Exemplo 3 de oração com grau 10. (A máscara da morte rubra): 3. Identificou-se então [a presença da Morte rubra, que ali entrava como ladrão noctivago e fugitivo] Participantes (1); Cinese (1); Aspecto (1); Pontualidade (1); Intencionalidade (1); Polaridade (1); Modalidade (1); Agentividade (1); Afetamento do objeto (1); Individuação do objeto (1). IV.

Desenlace – Sequencia: 9-8-7-6-10

Das

cinco

orações

analisadas,

quatro

apresentaram

alto

nível

de

transitividade, aproximando-se mais do plano da figura, e se esquadrando na Hierarquia de Fundidade Mínima, grupo 3. Exemplo 4 de oração com grau 10. (O gato preto): 4. Eu havia emparedado o monstro no túmulo. Participantes (1); Cinese (1); Aspecto (1); Pontualidade (1); Intencionalidade (1); Polaridade (1); Modalidade (1); Agentividade (1); Afetamento do objeto (1); Individuação do objeto (1). A partir dos resultados obtidos, podemos afirmar a presença de Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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cláusulas-figura, com maior frequência na exposição, clímax e desenlace do conto. Ainda na estrutura narrativa dos contos, observamos no desfecho a predominância da presença dos verbos de ação, agente e paciente, sequencia

cronológica,

eventos

reais,

dinâmicos

e

completos

Na

complicação vemos que as situações estáticas, descritivas, com longos parágrafos, descrição do ambiente e comentários do escritor narrador tem uma forte influencia. E para a conclusão desse capítulo, tem-se apresentação de uma tabela que mostra de forma clara e sistemática o resultado final de toda nossa pesquisa. Exposição

Complicação

Clímax

Desenlace

02 01 07

04 07 04

10

01 04

Estrutura Transitividade 0-3 4-6 7-10

CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo desse trabalho foi analisar a transitividade e os planos discursivos (figura e fundo) nos contos: A máscara da morte rubra e O gato preto de Edgar Allan Poe. A pesquisa fundamentou-se na proposta de Hopper & Thompson, Transitivity in grammar and discourse (1980), que em sua teoria utiliza 10 parâmetros sintático-semânticos que indicam o grau de transitividade de orações e que possibilitam a identificação dos relevos discursivos figura e fundo. Selecionamos 40 orações correspondentes à estrutura da narrativa (exposição, complicação, clímax e desenlace) de cada conto, avaliamos o grau de transitividade (alta e baixa transitividade) e verificamos a ocorrência de orações de alta transitividade (parte figura) em trechos localizados na exposição, no clímax e no desenlace do conto, e orações de baixa transitividade (parte fundo) na complicação da narrativa, de acordo com uma oração escalar, mais transitivo e menos transitivo. Devido à complexidade e a quantidade de orações que compõe o Cadernos de Estudos Linguísticos da Universidade Federal do Ceará


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corpus, salientamos que este estudo teve apenas o objetivo de contribuir com a formação da análise do ponto de vista funcionalista por meio de um conceito da Análise do Discurso, e não como um modelo infalível. Variações podem ocorrer tanto quanto a um autor específico como a um conto diferenciado, mesmo seguindo o gênero em questão, que é o suspense. A transitividade não é um fenômeno perfeito, mesmo porque há muitas divergências de autores quanto à definição ou a importância da pontuação transitiva e de um ou outro parâmetro. Por exemplo, Hopper & Thompson (1980) consideram apenas as pontuações zero e um, já Silveira (1990) determina escalas que vão de zero a cinco. Além disso, a autora elimina

o

parâmetro

Agentividade

e

polaridade

Individuação

do

e

opta

objeto

por em

unir um

os

parâmetros

único

parâmetro:

Individuação do Agente/Individuação do Objeto. No entanto deixamos registrada a importância desse estudo por acreditar que tal abordagem procura identificar questões a cerca da competência linguística do escritor ao elaborar seu texto/discurso. Resta-nos esperar que novas hipóteses semelhantes, bem ou mal sucedidas, sejam lançadas, pois conforme Popper (apud, SIQUEIRA, 2004, p.430): A ciência não é um sistema de enunciados certos e bemestabelecidos... Nossa ciência não é conhecimento, nunca pode ter afirmado ter alcançado a verdade, ou mesmo um substituto para ela, tal como a probabilidade... Não conhecemos: somente podemos conjecturar.

REFERÊNCIAS Edgar Alan Poe. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_Allan_Poe e http://www.spectrumgothic.com.br/literatura/autores/allan.htm Acesso em: abril, maio e junho de 2011. PIRES, Orlando. Manual de Teoria e Técnica Literatura. Rio de Janeiro, Presença, 1981, p. 102. TODOROV, Tzvetan. Introdução á Literatura Fantástica. Trad. Maria Clara Correa Castelo. São Paulo: Perspectiva, 1992.p.192.

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