Jornal Tempo Livre nº 48 MAI-JUN 2024

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SAUDADES COM RAÍZES

ENTRADAS

Associados INATEL: 1€ | Geral: 3€

Descontos / Entrada livre: consulte condições

A sua História é a nossa História MUSEUINATEL Visite-nos!

terça a sexta: 10h00 às 13h00 | 15h00 às 18h00 sábado e domingo mediante reservas

Para mais informações e reservas: Telefone: (+351) 266 730 520 | E-mail: museu@inatel.pt

Reportagem:

Viajando

ilustração JOSÉ ALVES

Com a formação académica centrada nas artes, cheguei ao mundo da infografia em 1996. O departamento denominava-se Investigação e Desenvolvimento e o que fazíamos ainda era naturalmente confundido com “o pessoal que faz bonecos”, alguma publicidade e com uma larga visão para a aventura em cada trabalho. Entrei no departamento de infografia do Público em 2006 e hoje vejo que é maior a visão do que a aventura. Todos os dias me chegam às mãos os mais variados documentos. Folhas de Excel, documentos em Word ou mesmo rabiscos em folhas A4 acompanhadas de outros tantos gráficos de linhas e barras. Em 2010 descobri a animação, seguida do mundo do código web em 2016. Mais recentemente, em 2019, comecei a ilustrar editorialmente com mais confiança. No fundo não gosto de estar parado e aceito todos os desafios a que me proponho, juntando sempre que possível o digital ao analógico. Toda esta vontade é impulsionada pelos leitores que nos seguem diariamente. Nos dias de hoje, espero continuar a ganhar confiança e sobretudo, continuar a aprender.

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Notícias | Coluna do Provedor 17

– Projeto de turismo inclusivo

Viagens: Cruzeiro e Fim de Ano no Dubai

Editorial

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Outros Mundos

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Arquivo histórico | O cais do olhar

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Teatro da Trindade

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Crónica de Fernando Dacosta

As Raízes que nos Fazem

Os homens são sobretudo feitos de tempo e das suas circunstâncias. É assim que a humanidade liga gerações, renascendo sempre e lutando pela sua eternização. Cada homem é enraizado em si mesmo, assimilando suas experiências e a sua forma de ver e sentir o mundo e a sociedade onde se insere, juntando assim a sua própria capacidade de livre-arbítrio, que lhe dá individualidade e sentido único. Dentro das suas raízes, sempre.

O homem é, portanto, um ser social, que se liga em comunidades, estas situadas em territórios, de convenções, de línguas, de culturas e espaços físicos.

Saramago escreveu um dia uma frase que diz: “Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória.” Um homem sem memória não existe intelectualmente e perde os sentimentos e as emoções. Perde-se a si mesmo, no físico, em que continua a existir.

Aquilo que filosoficamente se chama o sentimento de Si, uma frase que Damásio usou, é construído por um conjunto de valores, aquilo a que agora se chamaria de software, ou seja, a consciência e a forma como olhamos para o outro, o mundo e a vida, e esta resulta duma parte das caraterísticas de cada pessoa, mas imensamente mais da forma como foi construindo o seu sentido de pertença ao longo da vida. É aqui se ligam as raízes, pelo Tempo e pelas Comunidades em que pertenceu e pertenceu num determinado espaço.

Este número do Tempo Livre é precisamente dedicado ao tema Raízes, ou seja, à forma como aquilo que veio antes do nosso tempo de vida condiciona a nossa vida e na forma como lemos o mundo e como isso se reflete e renova as artes. Desde uma entrevista com Cuca Roseta até às saudades que marcam os emigrantes ou como os 50 anos do 25 de Abril nos molda, vários são os assuntos e as crónicas deste número.

Faça deste Tempo Livre uma boa leitura.

FRANCISCO MADELINO Presidente da fundação inatel

50 ANOS DO 25 DE ABRIL

“A nossa missão é mostrar o outro lado da história”

Criado em 1984 na Universidade de Coimbra tendo como foco a transição política do 25 de Abril até aos dias de hoje, o Centro de Documentação 25 de Abril não tem mãos a medir no ano em que a Revolução dos Cravos comemora meio século. A diretora Maria Cristina Vieira de Freitas assume com entusiasmo a missão de produzir informação certificada e validada sobre a nossa história mais recente

Maria Cristina Vieira de Freitas, a atual diretora do Centro, é brasileira, veio de Minas Gerais, há vinte anos. Vinha passar o Natal com uma amiga que conhecera em Salamanca quando fizera o doutoramento e acabou por ficar. Ao contrário dos seus antecessores, Boaventura Sousa Santos, que fundou o Centro, e Rui Bebiano, que lhe sucedeu e dirigiu o Centro até ao momento da sua jubilação, a sua formação é na área dos arquivos e não da história contemporânea.

“Para mim foi um grande desafio até por causa do prestígio e da importância dos meus dois antecessores.” – começa por nos dizer, acrescentando – “O Centro de Documentação foi um projeto de criação de uma instituição de memória. Tínhamos passado de uma impossibilidade de fazer o registo do que quer que fosse sem ser um registo da memória oficial, para um período totalmente diferente, em que se pretendeu registar a memória do povo, a sua cultura, o seu sentir, o modo como o povo percebe esta democracia. Depois de 48 anos de ditadura havia muita gente que não sabia o que era viver em liberdade. Eu consigo situar-me nesse contexto porque vivi na ditadura militar no Brasil.” Num centro que trabalha uma coisa tão quente como é uma revolução que mudou o país, quais são as dificuldades desse trabalho?

“É uma revolução que segundo os investigadores portugueses que eu tenho consultado, não tem paralelo, nem na Europa nem no Mundo. Foi algo genuíno e que nós temos de preservar. Nós somos um centro de documentação. Um centro de documentação tem uma vantagem competitiva e tem uma desvantagem muito grande ao mesmo tempo. Qual é a vantagem? Nós podemos reunir documentação de vários tipos, oriunda de várias pessoas, de vários locais, nós podemos ter uma diversidade e amplitude temática. A desvantagem é que nós temos um material muito rico, acumulámos material desde cerca de 40 anos, de forma muito intensiva, as equipas que

me antecederam foram excecionais, com destaque para o trabalho exemplar da Natércia Coimbra, sendo difícil manter tudo isso. Nós temos, por exemplo, documentação em registo sonoro e documentação no suporte original, analógico, e as pessoas às vezes dizem, então não têm isso digitalizado? Não, não temos. Primeiro porque vamos sempre ter de preservar o original independentemente de fazermos a sua migração para suporte digital. Mas isso tudo leva tempo, leva trabalho e leva muito investimento e leva a autorização e meios, nomeadamente os informáticos, que são muito sensíveis. As pessoas quando nos dizem isso não têm ideia do que é manter um servidor a funcionar, manter a informação armazenada e conseguir garantir que essa informação do dia para a noite não desapareça. É um risco constante. Assim como manter este edifício, que é um cofre-forte, sem que a documentação sofra qualquer dano, é muito complicado. Desse trabalho de manutenção vai depender aquilo que será a nossa memória no futuro. É muito importante e muito difícil desenvolver um trabalho que nunca está completo, tentar prever, quando não sabemos se poderá acontecer alguma coisa. Se o servidor está ultrapassado temos de migrar para um servidor novo. Quando nós juntamos todos esses ingredientes ao nível da gestão macro, e ao nível da gestão micro, onde temos de olhar para o todo e para cada material, o nosso trabalho torna-se muito complexo. Enquanto um arquivo tem na sua maioria esmagadora documentação em papel, nós temos vários tipos de suporte e tipologias. Por exemplo, temos murais, autocolantes, originais, reproduções, reedições, reimpressões.”

Um acervo documental que contém também muitas obras de artistas, o que coloca questões a nível dos direitos de autor, ou até de propriedade, como refere:

“Trabalhar com direitos de autor, com propriedade intelectual, com autorização, num ambiente tão rico como esse, no limite, se não tivermos muito cuidado, torna-se incontrolável. E não é esse o objetivo. O objetivo é não deixar que haja nenhum

tipo de descontrole da informação, conservá-la e dar-lhe acesso. Quando começamos a construir um acervo, temos em mãos vários tipos de aquisição, um deles é a doação, que pode vir com a propriedade ou não. Os documentos estão aqui, mas podemos não ser os proprietários de alguns dos espólios. Felizmente, temos uma boa relação com os nossos 480 doadores registados, somos proprietários da esmagadora maioria dos documentos que aqui estão, apenas uma pequena parte não está na nossa posse e propriedade.” Conta-nos que as pessoas estão a aproveitar a efeméride do 25 de Abril para verem se os materiais que têm em casa podem ter interesse. Muitas vezes trazem os documentos numa saca, e são acolhidos pela Joana Moreira, Técnica Superior de Arquivo, que faz uma entrevista ao doador, procurando saber a origem da documentação e o conteúdo da doação. E até, se o material ficaria melhor noutra instituição, já que o Centro de Documentação, que reúne cerca de quatro milhões de documentos, tem como objeto central o 25 de Abril, abrangendo já até ao início da segunda metade do século XX. Revela: “Se nós percebemos que há uma insti-

tuição que domina aquele tema e que o trabalha de um modo mais completo, nós preferimos encaminhar. Mas eu diria que é residual esse encaminhamento. Como nós temos um tema tão definido, as pessoas quando aqui vêm, já sabem que é connosco.”

Com vários polos de intervenção, como o Arquivo, a Biblioteca, que também procede a pesquisa bibliográfica a pedido, as Exposições, e que tem um importante acervo documental digitalizado, o Centro de Documentação 25 de Abril tem uma equipa operacional reduzida. Para além da Diretora, tem duas Técnicas Superiores, a já referida Joana Moreira e Filomena Calhindro, formada em BAD (Biblioteca, Arquivo e Documentação), e duas assistentes técnicas com formação em BAD, Fernanda Ventura e Luísa Conceição. No Centro, a fazer um estágio de seis meses, estão também duas estudantes de mestrado de políticas autárquicas e culturais. Diz-nos:

“Em geral para estar num centro de documentação é bom que a pessoa possua as duas valências, para o trabalho com a biblioteca e o trabalho com o arquivo. Somos uma instituição híbrida. E

possuímos também peças museológicas.”

Por vezes recorrem a financiamento para projetos, como é o caso do 25 PT LAB um projeto que foi desenvolvido em parceria com o CES, o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. Conta-nos:

“Nós somos uma das nove unidades de extensão cultural e de apoio à formação da Universidade. Temos uma verba que provém do orçamento da universidade, que assegura os nossos gastos de estrutura e funcionamento e temos uma verba de desenvolvimento, que podemos alocar onde for mais necessário. Trata-se de uma verba associada às nossas receitas próprias, receitas que são para aumentar a nossa capacidade de ação e não são muito grandes. Nós não visamos o lucro mas cobramos por alguns dos nossos serviços, temos uma tabela, como as outras instituições. Mas por exemplo, abrimos exceções: este ano colocámos todas as nossas exposições itinerantes gratuitas. É uma medida que ‘diminui’ a nossa receita, mas é a favor da democracia. E as nossas exposições saem muito e resultam de um trabalho pedagógico muito forte.”

As doações são importantes, mas não

Exposições Itinerantes

O Centro de Documentação 25 de Abril tem um grande número de exposições itinerantes, umas dirigidas ao público em geral, outras, gratuitas, dirigidas ao público escolar. No ano em que se comemoram os 50 anos do 25 de Abril todas as exposições itinerantes podem ser requisitadas sem outros custos que não sejam os encargos com seguros.

As exposições para o público em geral abrangem vários temas como, entre outros, a guerra colonial, a intensa produção gráfica e artística que invadiu as paredes e as ruas do país, nos anos que se seguiram ao 25 de Abril de 1974, o cinema e a BD e o 25 de Abril, as campanhas de dinamização do MFA ou as prisões políticas portuguesas. Tem também várias exposições vocacionadas para público escolar, gratuitas (podem implicar seguro).

Reservas pelo email: ucd25a@ci.uc.pt

Site: https://www.cd25a.uc.pt/pt

são a única forma de captação de acervo, como nos diz:

“Hoje o Centro está também na fase de produção de conteúdos, justificando por aí também a sua existência. Qualquer instituição que não justifique a sua existência não sobrevive. Temos um projeto que é a nossa joia da coroa, iniciado em 1991, que é o projeto de história oral, com longas entrevistas a intervenientes do 25 de Abril dirigidas por Manuela Cruzeiro, que é uma referência nessa matéria. Temos cedido trechos das entrevistas para os vários canais de televisão, para canais de conteúdos digitais e rádios. Há também um projeto de transitar para livro algum desse material.”

Recebem muitos pedidos de parceria de troca e partilha de informação vindos de outros países, quer através de investigadores, quer através de instituições. Sente que o trabalho tem corrido muito bem, que a comunidade, tanto nacional como internacionalmente, acolhe muito bem o Centro e a sua atividade.

Quando falámos com Pacheco Pereira, da Ephemera, perguntámos-lhe como eram as relações com outros centros de documentação e percebemos que era apenas uma relação casuística, de eventuais cedências e partilhas de materiais. Abordámos este assunto com ela, reafirmou essa natureza casual da relação com outras Instituições ligadas à memória:

“Nós ainda não trabalhamos em rede com a Ephemera, a Associação 25 de Abril, ou a Fundação Mário Soares, há um sentido colaborativo, eu diria até mais com a Associação 25 de Abril, que é uma grande doadora nossa.”

E porque é que não existe um trabalho em rede? – perguntámos. Fala-nos de algumas questões essenciais para a criação de um trabalho em rede, a existência de uma linguagem comum. Diz-nos: “Se não houver um diálogo ao nível da sintaxe e da semântica entre essas plataformas, se não estivermos a trabalhar com os mesmos campos de dados de descrição, não é possível criar uma plataforma agregadora desses conteúdos. Imaginemos uma plataforma única onde as nossas plataformas informáticas individuais estivessem ligadas entre si, e em que o utilizador conseguisse aceder à informação. Por exemplo, ele digitava “democracia” e iria encontrar toda a expressão desse tema nos vários pontos de rede, nos vários espólios das várias instituições, sabendo onde é que foi buscar cada uma dessa informação recuperada. Já temos exemplos disso com o RCAPP (Repositório Científico de Acesso Aberto), o Portal Rossio ou a Europeana. Isso seria magnífico. Para isso teria de haver um esforço de uniformização primeiro para depois agregar-se essa informação uniformizada à plataforma única. No fundo o que eu estou a dizer é que é preciso haver uma linguagem documental comum. É complicado porque teríamos de mudar algumas plataformas para as melhorar, seria um projeto fascinante, um serviço excelente que se prestaria.”

Para isso seria importante também encontrar financiamento, acrescenta: “Seria excelente se nós tivéssemos recursos e meios, acho que não haveria oposição a que isso acontecesse, o trabalho em rede significa isso mesmo, que as pessoas têm de trabalhar juntas, por incrível que pareça os maiores constrangimentos são ao nível do diálogo semântico entre as plataformas, as maiores dificuldades, nesse sentido, seriam técnicas, não políticas.”

Falamos da internacionalização. França, Itália, Chile, Brasil, são alguns dos países

com os quais o Centro de Documentação estabelece pontes e parcerias. Assinaram um protocolo com um Centro de Documentação e Memória da UNESP (Universidade Estadual Paulista) com quem vão criar troca e partilha de informação e criar alguns projetos em conjunto.

“No Brasil assinalam-se a 31 de março os 60 anos da instauração da ditadura militar que durou 20 anos, entre 1964 e 1985. Enquanto em Portugal foram os militares que libertaram o país da ditadura, o Brasil mergulhou num regime como esse pelas mãos dos militares. Aqui, também houve uma tomada de posição sobre a guerra colonial, os soldados não queriam ir e ser carne para canhão. No Brasil foi a sociedade civil que se insurgiu contra os militares e a sua ditadura.”

Também com um Centro de Documentação em Santiago do Chile vão realizar um protocolo de cooperação para a pesquisa e para a partilha de informação, para a criação de uma coleção digital com material dos dois centros.

Quando começámos a conversar, relembramos que esta entrevista foi feita através da plataforma Zoom, Maria Cristina Vieira Freitas estava naturalmente mais na expectativa, com alguma prudência, mesmo que a sua forma de falar introduzisse desde logo uma grande coloquialidade e informalidade. Mas à medida que começou a falar do Centro, do que faz, das inúmeras exposições itinerantes, dos protocolos, começou-lhe a nascer um brilho no olhar, um entusiasmo expressivo, o próprio riso. Dissemos-lhe isso:

“É verdade, eu durmo quatro horas por noite, eu trabalho até à uma hora da manhã, nós estamos exaustos, mas estamos contentes, porque com os meios que temos estamos a cumprir a nossa missão. E não foi preciso ter uma carteira muito grande de eventos para aí chegar.”

Fala-nos de que são procurados também por projetos artísticos. Revela:

“Temos uma parceria com o Teatrão de Coimbra, o projeto é deles, levar às freguesias um espetáculo sobre o 25 Abril; estamos a participar cedendo conteúdos e informações úteis. E vamos tentar estar na medida do possível nas tertúlias que eles vão criar com a comunidade. Também, através da Bienal de Coimbra, nesta edição dedicada ao tema “O Fantasma da Liberdade”, fomos contactados por Pedro Romero, artista espanhol que trabalha com a comunidade cigana, e a quem cedemos conteúdos para a instalação que ele fez no Jardim da Sereia.”

Estamos quase a terminar a conversa. Perguntámos se a crescente radicalização ideológica em torno do debate sobre o 25 Abril tem implicações para o trabalho do Centro de Documentação?

“Estamos a ver isso com muita responsabilidade. Sentimos que o Centro é procurado por pessoas que estão a precisar de informação certificada, de informação que seja útil para os fins que elas precisam. A nossa missão é produzir essa informação e é nisso que vamos continuar a investir. E para mostrar o outro lado da história. A nossa grande preocupação tem sido de ordem pedagógica. Nós relacionamo-nos com as escolas, com professores que nos pedem informação para trabalharem na sala de aula. Acho que a única maneira de nos confrontarmos com esses problemas é continuarmos a fazer aquilo que fazemos que é conferir as nossas fontes de informação e entregar a informação da melhor maneira possível. Nós somos técnicos, o nosso trabalho é muito meticuloso e técnico. Por isso, não interpretamos as fontes!” Joaquim Paulo Nogueira

Reportagem

Emigrantes, ei-los que vêm Ai, as saudades…

Que cheiros e sabores lembram do país que trazem no coração? Que somas procuram longe de casa? Que subtrações sentem no dia a dia? Como multiplicam afetos quando família e amigos estão longe da vista? Entre cá e lá, dividem a alma? Há um mundo inteiro de perguntas e respostas, problemas e soluções. Na equação da vida, o denominador comum é a saudade. Ainda assim, o regresso às origens não é matemático

Oolhar da cientista portuguesa Filipa Louro, 33 anos, de férias em Lisboa, a passear pelo Parque das Nações, procura pela bandeira da Suécia. Encontrou-a e é mesmo ali que tira uma fotografia. Há um mundo de possibilidades para viver naquele país do norte da Europa. Emigrou há ano e meio para trabalhar numa farmacêutica multinacional, na área da Bioengenharia. O projeto da Filipa – novas terapias para regeneração cardíaca, em caso de enfarte do miocárdio – foi um dos selecionados para financiamento, num concurso mundial.

O salário em Portugal como pós-doutorada era “acima da média, em termos brutos”, mas a progressão na carreira seria “variável”: “Não há tanto uma valorização como lá fora. Aqui o bom trabalho é valorizado com mais trabalho”, comenta. Filipa partiu para Gotemburgo. O que já aprendeu por lá, trabalhando com outras nacionalidades, a sueca, em particular, é que “há um maior respeito pela vida pessoal; aqui vejo pelos meus amigos que trabalham muitas horas e são malvistos por saírem a horas, é uma cultura ainda retrógrada”.

Apesar de todas as vantagens que facilmente consegue encontrar para evoluir na carreira fora de Portugal, o país onde nasceu e cresceu “está sempre no coração, claro”. Vive com o namorado na Suécia, mas a avó, os pais e os irmãos fazem-lhe falta: “Tínhamos o hábito dos almoços ao domingo em casa da minha avó.” Sente “alguma culpa” por não poder apoiar da mesma maneira a avó, com dificuldades de locomoção, nas idas ao supermercado ou à farmácia. “Estamos a fazer pela nossa vida, mas perdemos a oportunidade de ajudar os nossos. Temos de viver com esse ‘peso’ na consciência.”

Conversar até mais tarde Para além da família e dos amigos, no topo das saudades, há coisas que gostaria de ver, ter e sentir na Suécia: “Lá são mais frios e individualistas; sinto muita falta de ver pessoas na rua. Aqui temos muito o hábito de jantar fora, as pessoas estão no café ou na esplanada a conversar; lá são mais caseiras, têm horários rígidos, é tudo muito cronometrado. Jantam às cinco, seis da tarde e depois já não saem de casa. Em Portugal, as pessoas ficam até mais tarde na conversa.” As lojas dos centros comerciais fecham às 18h00. Nesse aspeto, “se

calhar, aqui também deveria ser assim; valorizam muito o tempo com a família”. Para suprir, dentro do possível, a falta da família, tem um grupo de amigos portugueses e brasileiros para almoçar, jantar e confraternizar na língua de Camões, com e sem sotaque. No WhatsApp, o gru-

po está intitulado por “Tugas e Zucas”. A comida, essa, é que não é a mesma coisa para o paladar de um português ou brasileiro: “Os ingredientes, o sabor dos legumes e da fruta não é igual, é tudo importado… Eles também não têm quase peixe nenhum fresco, é praticamente só salmão, mesmo sendo uma cidade costeira. Têm mais congelados…”

Degustar polvo ou bacalhau à lagareiro

As papilas gustativas gostariam de apreciar por lá, de vez em quando, um polvo ou bacalhau à lagareiro ou umas sardinhas assadas, gordinhas e suculentas. Em junho, regressou a Lisboa para celebrar o aniversário e saborear tudo o que lhe apeteceu da gastronomia portuguesa. Confessa que, para além da nossa comida, sente saudades, ainda, dos “imensos” festivais de verão, festas e bailaricos. “Lá há um festival de verão para o ano inteiro”, graceja. Por cá, gosta de sentir o “cheiro do calor abafado e da praia”. É aqui que respira fundo para os dias frios e escuros que vive na Escandinávia. Precisa de vir, com frequência, para se retemperar. Em 18 meses, regressou três vezes a Portugal. O inverno é rigoroso. Conta que de 31 de agosto a 30 de abril, o frio faz-se sentir. As temperaturas podem chegar aos 15 graus negativos.

“Nessas alturas, combinamos mais jantares na casa uns dos outros para combater o sentimento depressivo.” Quando terminar o financiamento do seu projeto, após três anos de investigação, o mais provável é ir para outro país. Filipa corre para onde “os projetos forem

mais interessantes e tenha condições e liberdade para os desenvolver; é seguir a ciência, não tanto o dinheiro”. Se Portugal lhe der isso, ela volta, “sem dúvida”. Até porque “é diferente constituir família onde já temos a nossa do que numa cultura diferente”. Entretanto, Filipa já apanhou de novo o avião para a Suécia. Foi com a barriga cheia de comida de conforto e da memória dos beijinhos portugueses que recebeu da família e dos amigos.

Grelhados no carvão

Quem já não acredita no regresso definitivo ao nosso país com a família é Hugo Cruz, 36 anos, motorista de autocarro no Luxemburgo. Primeiro, foi a namorada. Depois, ele decidiu aterrar por lá, sem grandes expetativas, em 2017. Para surpresa de todos, conseguiu, em quatro dias, encontrar trabalho, inicialmente, num restaurante português. Casou, comprou casa e tem uma filha de três anos. A pequena Chloé já “arranha” palavras em várias línguas, até em Português, apesar de todos os dias, na escola, contactar com outros idiomas (no Luxemburgo há três línguas oficiais: luxemburguês, francês e alemão).

Hugo considera, hoje, que Portugal “é só para passar férias”. Está convicto de que nem no futuro, quando se refor-

mar, irá voltar às origens. A qualidade de vida, as condições que conseguiu granjear para a família, a mais de 2000 km de distância, levam-no a afirmar enfaticamente que quer permanecer no Luxemburgo.

Quando falámos com ele, estava a

poucos dias de regressar a Portugal para gozar uns dias de descanso. Assim que o avião aterrar em Lisboa, de manhã, irá à praia para comer grelhados no carvão. Peixe ou carne é-lhe indiferente, “tem é de ser grelhado no carvão”, realça. Um sabor tão característico nacional que não encontra em mais lado nenhum. “No Luxemburgo há um pouco da cultura portuguesa, mas a qualidade da gastronomia não é a mesma.”

Saborear produtos frescos

Hugo revela que há um perfume peculiar que o remete, de imediato, para Portugal, mesmo que seja só em pensamento: “É o cheiro a mar… Ir à Fonte da Telha, ver os pescadores a vir com o peixinho fresco… Deixa saudades esse tipo de aromas no ar. Faz-me falta a proximidade do mar, a praia…”, conta, quase como se estivesse a sonhar com um mergulho já agendado para breve.

Por lá sente, ainda, falta de ir à praça e escolher produtos frescos: “Aqui não há disso, a gente não vai à praça comprar hortaliças. Ah! E as frutas também não têm o mesmo paladar. Uma pessoa até se esquece, por exemplo, do sabor a morango, que acaba por não saber a nada”, lamenta.

Há cheiros e sabores que entram e se en-

Filipa Louro
Hugo Cruz
Elsa Antunes

As saudades dos imigrantes

Éhora de almoço e o bengalês Zafor Ullah, 42 anos, está a tomar um café, na rua, antes de começar o turno da tarde. Trabalha num hotel, no centro da capital, e faz questão de dar a entrevista em Português, para continuar a praticar a língua do país que o acolheu há nove anos. Quer trazer a mulher e a filha, de 13 anos, para se sentir preenchido: “Sinto muita falta da família. O meu amor é Bangladesh e Portugal. É igual para mim, porque já moro aqui há muito tempo, amo muito Portugal.”

Da comida do Bangladesh diz não sentir saudades, porque vai encontrando muitos restaurantes com comida típica do seu país: “É igual ao Bangladesh, nada diferente.” E acrescenta que gosta “muito de picante, piripíri”. Zafor vive num quarto com outros amigos. Enquanto não consegue reunir a família em Portugal, vai ao Bangladesh visitar a mulher e a filha. Regressa a Lisboa no primeiro de agosto: “Portugal é melhor para todos, é melhor para viver, a temperatura é boa. Está muito bom!”

A chilena Catalina Vigorena, 27 anos, técnica financeira na Associação Renovar a Mouraria, uma Organização Não-Governamental para o Desenvolvimento, está há

tranham nas memórias. A geografia não separa tudo o que cada um guarda dentro de si. Hugo regressa a Portugal uma ou duas vezes por ano. A mãe, o pai e o irmão são o principal elo ao país. As chamadas de voz e de vídeo ajudam a mitigar as ausências. A família vai acompanhando à distância o crescimento da neta e sobrinha. Os vídeos das gracinhas e das conquistas da menina, que vai crescendo a olhos vistos, preenchem aqueles dias que podem ser mais vazios em presença. O Hugo, que pensava ir para o Luxemburgo, apenas para ver a namorada, passar umas férias e conhecer a realidade do país, está a criar ali novas raízes. Nos primeiros tempos só falava com portugueses (há por lá uma expressiva comunidade); agora, já tem amigos “de quase todos os cantinhos da Europa”, sobretudo alemães, franceses, montenegrinos e luxemburgueses. A guiar o autocarro e a falar com diferentes passageiros de várias nacionalidades, o francês e o inglês ajudam-no a sentir-se integrado. Já tentou aprender luxemburguês e alemão, mas isso “está mais difícil”. No começo apenas falava inglês e, gradualmente, foi ganhando vocabulário em francês. “Passou um mês, um ano, dois… Já não me vejo a sair daqui. Há um grande respeito pelo cidadão”, frisa.

16 meses em Portugal. Catalina conta ter aqui um grupo de amigas chilenas que a ajuda a sentir-se menos só. Uma vez por mês há um encontro latino-americano na Fábrica Braço de Prata, “onde cada país vende a sua comida; é para matar um bocadinho as saudades”. A chilena tem saudades da mãe, da casa, da música, da dança “para mover mais o corpo”, do mar do Chile e… de cochayuyo, uma alga que acompanha as saladas: “É muito nutritiva e boa para a saúde”, garante. A viver com a filha de dois anos e uma prima em Portugal, não pensa em regressar: “Quis mudar do Chile para aqui para conseguir uma melhor qualidade de vida, sobretudo no acesso à educação. A minha filha está aqui numa creche gratuita.” Sente-se mais segura no nosso país do que no Chile. Só não tem ainda amigos portugueses, porque, diz, “são mais frios”.

Sabor da comida da mãe

A brasileira Larissa Nicolosi, 36 anos, tem amigos portugueses e apaixonou-se também por uma portuguesa. Já tinha estado em Portugal para estudar na universidade em 2012, voltou para o Brasil, e em 2022 regressou a Lisboa. As relações de amiza-

Pastéis de nata na China e Austrália Elsa Antunes, 44 anos, está a viver na cidade de Townsville. A Austrália é a sua casa há uma década. Foi fazer o doutoramento em 2014. Por lá ficou como professora assistente e investigadora no campo da Engenharia Mecânica. Não pensa voltar. Quando nos concedeu esta entrevista, estava a dar aulas e a fazer investigação, por algumas semanas, em Xian, China, ao abrigo de uma colaboração da universidade australiana com a chinesa. Mesmo à saída do hotel, onde pernoita, pode comprar os doces mais conhecidos, quiçá, de Portugal: “Já comi aqui pastéis de nata, que sabem mesmo aos nossos”, diz, com surpresa. É de ficar com os olhos em bico quando olha para a iguaria e vê um pouco de Portugal. Na China ou na Austrália há sentimentos que não se explicam – vivem-se, sentem-se e permanecem.

A professora universitária, que cresceu numa pequena aldeia próxima de Pinhel, na Guarda, estudou na Universidade de Coimbra. Quer esteja a lecionar na Ásia ou na Oceânia, vai continuar a orientar alunos de mestrado e doutoramento, inspirando-os a ter um papel a desempenhar no presente e futuro: “Neste momento, a minha ambição é contribuir para um mundo melhor, inspirar esta

de e amorosa fizeram-na vir. Revela, no entanto, que tem saudades de “tudo” no Brasil: “Tenho muitas saudades da floresta da Amazónia, do rio Juruá, dos meus amigos, dos pássaros, do samba, da poesia, do arroz e feijão da mãe…” Diz que tenta fazer o arroz e feijão como o da mãe, “mas nunca fica igual”. Conta que nasceu junto da Mata Atlântica, em São Paulo, e que trabalhou no Vale do Juruá, Acre, no meio da floresta amazónica, e por isso “tem uma saudade permanente”. Licenciada em Direito, trabalhou em mediação de desastres socioambientais e na defesa de comunidades que vivem de forma tradicional. Nesse convívio “ficou dependente da natureza”. Agora, como técnica jurista na Renovar a Mouraria dá apoio na regularização de migrantes e refugiados.

Apesar das saudades que sente do seu país, Larissa gosta, em especial, de viver na capital: “Lisboa tem uma luz espetacular, só conheço essa luz aqui.” Para ela, o sentido do olfato também está presente na palavra saudade. Saudade do Brasil e saudade de Portugal: “Saudade cheira a jacarandá, a jasmim, às flores que tem no meu país, a cravos vermelhos que conheci aqui (só conhecia os brancos) e… cheira a caldo

nova geração a fazer as escolhas certas, a ter paixão pela ciência, a resolver os problemas mundiais, desde o aquecimento global à poluição.”

Quando Elsa trabalhava em Portugal, já viajava com regularidade, e descobria, em cada percurso percorrido, diferentes formas de trabalhar. Chegou à Austrália e ficou “apaixonada pelo estilo de vida, que é muito mais relaxado”. No nosso país, era diretora de um departamento de investigação numa empresa e constatou que “em Portugal, habitualmente, fazemos horas depois do nosso trabalho. Na Austrália, as pessoas durante o horário de trabalho são muito produtivas, mas depois são muito relaxadas”.

O cheiro a pinheiros

Após as cinco da tarde, fazem-se caminhadas, veem-se pessoas a apreciar a vida, a desfrutar do lazer. “Em Portugal, nunca senti que podia fazer isso. Havia sempre qualquer coisa para fazer, é sempre tudo urgente. Temos aqui uma qualidade de vida diferente.”

Ao final do dia, quando vai ao supermercado, continua a surpreender-se com os funcionários, na caixa, a perguntarem-lhe como correu o dia e o que vai fazer para o jantar. “De um modo geral, as pessoas são mais afáveis”, observa. Por

verde. Adoro caldo verde!”, comenta, com um sorriso aberto.

Zenden Rai, 29 anos, é uma nepalesa muito risonha. Levou a filha, Ava, de dois anos, a passear no parque. Nota-se, quase à primeira vista, que está tranquila em Portugal. Primeiro veio o marido, depois ela e a filha. Há cinco anos a viver em Lisboa, quer permanecer cá: “Aqui é melhor.” O marido, Bikash, 32 anos, é o que sente mais saudades do Nepal: “Aqui tenho muito amigos são-tomenses, angolanos, brasileiros… tudo, tudo… mas não tenho amigos de quando eu era pequenino.”

Trabalha num restaurante. Já esteve na cozinha – sabe confecionar “rabo de boi, bochechas e polvo” – e agora está no bar. Quando se fala em gastronomia, a mulher lembra-se que há um prato típico do Nepal, o momo, que a deixa com saudades. Tenta explicar que é uma espécie de bolonhesa mas sem carne de vaca. Porque lá comem “cabrito, borrego, búfalo ou frango”. A nepalesa sente também saudades dos pais, que veem a neta pelo telemóvel, porém é aqui que quer ficar. Com um sorriso largo, diz num Português esforçado: “Eu gosto de Portugal, é boa comida, boas pessoas, bom trabalho, bom país!” S.J.

falar em jantar, recorda-se da “comida da mãe”, que aguça o apetite e a saudade. A docente e investigadora veio a Portugal no início do ano e espera voltar este verão. Quer abraçar os pais, irmãos, sobrinhos. A mãe está quase a fazer 80, o pai já celebrou os 90 anos. Faz chamadas de voz para eles porque não sabem ligar a câmara do telemóvel. Quando os irmãos, mais familiarizados com as tecnologias, estão na casa dos pais é sempre uma festa ver todos do outro lado do ecrã. Voltar a Portugal é sinónimo de comer “bacalhau de mil maneiras”, é passear de automóvel pelas cidades, vilas e aldeias portuguesas. “Na Austrália, as distâncias entre cidades podem ser superiores a 3000 km; viajamos basicamente de avião, raramente usamos o carro para ir para outra cidade. A mais próxima de onde estou a viver dista 300 km”, conta. Quando chegar, quer ir aqui e ali, livremente, pelos caminhos de Portugal. O nosso país cheira-lhe a natureza, em especial a flores e a pinheiros. Gosta sempre de regressar mas também sente que o seu lugar é na Austrália, onde está integrada e faz parte da comunidade. Do outro lado do mundo, no país também conhecido pelos cangurus, Elsa sente que tem bastante para saltar: “Ainda tenho muita coisa para fazer aqui.” Sílvia Júlio

Zafor Ullah
Catalina Vigorena
Larissa Nicolosi Zenden, Ava e Bikash Rai

Viajando com livros

Reencontro com o mar, o barrocal e a serra

Os dois rostos do Algarve perduram na obra literária de Teixeira Gomes e identificam-se com «o homem rebelde, insatisfeito, aberto ao mundo, com todos os sentidos despertos para glorificar o esplendor da luz e divinizar quantas maravilhas ela nos revela

Por António Valdemar

Ao publicar os primeiros livros, aos 40 anos, Teixeira Gomes destacou-se, em 1900, logo após a morte de Eça de Queiroz, entre os maiores escritores de língua portuguesa. Personalidade multifacetada foi um grande colecionador de arte, um apaixonado pela música, um viajante compulsivo e, simultaneamente, conseguiu dedicar-se aos trabalhos práticos da produção, comercialização e exportação de frutos secos, na gerência de empresas familiares, em Portimão e no escritório em Antuérpia. A pluralidade de aptidões manifestou-se, ainda na atividade política e diplomática, nos anos difíceis da implantação da República e da eclosão e desenvolvimento da Primeira Guerra Mundial.

Teixeira Gomes acompanhou com intensidade e lucidez a transição do século XIX para o século XX: as lutas no fim da Monarquia e os 16 anos tumultuosos da República; os cenários da Primeira Guerra Mundial, os debates e os conflitos nos fóruns internacionais, nos bastidores e nas tribunas da Sociedade das Nações. Enquanto exerceu a Presidência da República, atribuiu ao exercício da função uma componente cívica e cultural incomum. Multiplicaram-se, contudo, sucessivas contrariedades políticas e sociais que determinaram a resignação do cargo e a ida para um exílio voluntário de onde nunca mais voltou a Portugal.

Todo este percurso, repleto de incidentes e de crises profundas, não silenciou o grande escritor que foi Teixeira Gomes, sempre aberto às grandes solicitações do seu tempo e aos desafios do futuro e, simultaneamente, fiel às raízes algarvias, aos fascínios e à inquietação do mar e ao esplendor e serenidade do barrocal e da serra que constituem a outra face do Algarve. Enquanto vivia no exílio rememorava os motivos do deslumbramento entre a Ponta do Altar e a Ponta da Piedade desde a barra de Portimão até ao fecho da Baía de Lagos. É melhor citar o que escreveu: “no pequeno trecho da costa do Algarve, ocupado pela baía de Lagos, a areia é fina e doirada, como os poetas a desejavam; os rochedos, de composição calcária e mistura de argila, revestem tonalidades de infinita riqueza e variedade:

Teixeira Gomes acompanhou com intensidade e lucidez a transição do século XIX para o século XX: as lutas no fim da Monarquia e os 16 anos tumultuosos da República

amarelo de oiro até ao salmão escuro; o sangue de boi ao rosa pálido. Rochedos que a ação do mar e dos ventos foi roendo, semeando-se ao longo da costa em leixões das formas mais diversas: pirâmides, esfinges, castelos e basílicas».

O Algarve surgia como o paraíso perdido. Nascido em Portimão, a Praia da Rocha ficava ao pé da porta: “Ali durante anos – escreveu – destemido, sereno, livre, e forte, como um semideus e quase na persuasão de que realmente o era, conhecia todos os recantos e em todos usufruiu prazeres inapagáveis da memória». «Vivi na pureza das águas desse mar,» continua Teixeira Gomes, «sondando-lhe as profundezas cristalinas, rolando nas volutas das suas ondas encapeladas, como se ele fora o meu elemento natural; despido e nu de toda a malícia e de todo o pecado, nele me embalava horas sem fim, sonhando com os astros, e entre sonhos imaginando que talvez, um dia, para eles fosse arremessado…».

O outro território da região, o Algarve do barrocal e o Algarve da serra representaram o outro pequeno grande

mundo que o agarrava à diversidade das origens. Nestes meses luminosos de julho e de agosto, as palavras de Teixeira Gomes, retrataram com nitidez a atmosfera que o cercava e se prolongou até nós: «o ar impregnado pelas exalações resinosas das estevas; o pesado quase palpável perfume das moitas de rosmaninho; os gorjeios que a passarinhada solta como isolados fios de pérolas cristalinas; o ruído, o remurmúrio de colmeia de que a vida dos insetos repassa o mato espesso; as borboletas ardendo na luz intensa, como pequeninas chamas verdes que se perseguem, e caindo nas sombras com a opacidade das flores de enxofre» (…) «A norte, a perspetiva circular das serras que fecham o Algarve, imponentes e, até inoportunas, quase, nas altíssimas ondulações da Foia e da Picota, mas morrendo em linhas azuladas, como que esvaídas, direito ao mar e acamando a levante, em aveludadas ondas de musselina».

Ao escrever acerca da população da beira-mar reconhece, todavia, que é mais variada e interessante, «no pitoresco das expressões e no som de voz; e quando se lhe encontra semelhança é com os habitantes de alguma região afastada, com a qual nenhuma sorte de relações mantêm; lembra-me agora, por exemplo, a gente de Armação de Pêra que fala com o tom plangente dos habitantes de Sorrento».

Os anos que passou no exílio não fizeram esquecer esses vínculos profundos ao Algarve: “O encanto do mar, só por si, é para mim cada vez mais intenso, e já não concebo a possibilidade de viver longe dele. Isso contribui imenso para que eu me vá deixando ficar em Bougie, espécie de Sintra à beira de água, porém muito mais acidentada e rica em passeios aprazíveis e perspetivas raras. Então o panorama que se desfruta da janela do meu quarto é estupendo e não recordo qualquer outro que o supere».

Teixeira Gomes considerava-se o «homem rebelde, insatisfeito, frontal, aberto ao mundo, com todos os sentidos despertos para glorificar o esplendor da luz e divinizar quantas maravilhas ela nos revela, desde o cristal das fontes, que fecundam a terra sequiosa, até ao corpo humano, onde se encerra e se propaga a essência da razão e do amor». Raras vezes na história da literatura o homem, as suas raízes telúricas e humanas se identificam com a dimensão do escritor, na plenitude da sua autenticidade criadora.

Teixeira Gomes, por Álvaro Carrilho

A Casa na árvore

A liberdade incondicional das cerejeiras

Os seus frutos são brincos e com eles se fez sopa Por Susana Neves

Há uns anos fui ao Douro Vinhateiro conhecer as árvores da região. Uma das localidades que visitei foi Valdigem, uma pequena vila pertencente ao Município de Lamego. Nesta terra de águias e muros de pedra encontrei amieiros, “lodões” e cânhamo, a crescer espontaneamente nas margens do Varosa, um dos afluentes do rio Douro e, durante a Primavera, subindo a montanha, no meio de uma vinha, vi pela primeira vez uma grande “cerdeira” ou cerejeira (Prunus avium) em flor, solitária, magnífica e envolta em centenas de abelhas. Merecia um brinde, pensei, recordando o ditado japonês: «Sem vinho como é possível fruir verdadeiramente o espectáculo das cerejeiras em flor?» De facto, como é possível que o mundo não pare quando uma cerejeira pode dar um milhão de flores?

Na altura já admirava o povo nipónico por venerar a floração das suas cerejeiras (Prunus serrulata) realizando anualmente o hanami, a “peregrinação” aos locais onde estas árvores em flor (hana quer dizer flor, mi significa observar) podem ser contempladas, mas desconhecia ainda o papel fundamental que as cerejeiras silvestres (tal como as cultivadas designadas por Prunus avium) desempenharam na história da alimentação europeia. De como estas cerejas-doces, durante séculos, talvez, mesmo durante milhares de anos, sobretudo, nos meses de Verão (a frutificação decorre de Junho a Julho) constituíram não só o alimento de vários pássaros, disseminadores das suas sementes — melro, toutinegra, estorninho, chapim, pisco-de-peito-ruivo —, mas também das populações serranas mais isoladas e pobres.

Citando as memórias do naturalista francês Louis Augustin Guillaume Bosc (17591828), o etnobotânico Pierre Lieutaghi (Le Livre des Arbres, Arbustes & Arbrisseaux, 2004) explica que pelo menos até meados do século XVIII, perto de Langres, em França, chegou a fazer-se sopa de cereja (silvestre), cujos ingredientes eram pão cozido em água, cereja seca e um pouco de manteiga. Em 1821, Louis Augustin Guillaume Bosc ainda se recordava de em criança, no Inverno, ir comer esta sopa de cerejas às casas dos carvoeiros, «homens meio-selvagens», de «excelente coração», e de em jovem andar de árvore em árvore, sem pôr os pés na terra!

Em Portugal, a cerejeira silvestre e as variedades que a partir dela se obtiveram (usa-se também a ginjeira, Prunus cerasus como porta-enxerto) – devem igualmente ter desempenhado um papel decisivo na sobrevivência das comunidades serranas, sobretudo no período estival, mantendo-se por isso o foco de atenção nacional no consumo do fruto e não na floração desta árvo

re da família das Rosáceas (ou seja, parente dos pessegueiros, ameixoeiras, macieiras e nespereiras) como inversamente acontece no Japão, onde a sakura (cerejeira), símbolo da beleza, efemeridade da vida, renascimento e sofisticação, não é valorizada como fruteira.

Em comparação com outras árvores frutíferas de montanha existentes em Portugal, nomeadamente o castanheiro (Portugal pertenceu à Civilização do Castanheiro), a cerejeira não despertou o mesmo interesse linguístico nem gerou provérbios jocosos que fizessem justiça à natureza paradisíaca, lúdica e medicinal do seu fruto, tradicionalmente usada na farmacopeia. Pelo contrário, não só as expressões, adágios e provérbios são em muito menor número do que os referentes à castanha, como omi-

tem a volúpia que a polpa carnuda da cereja suscita. Ignoram também a alegria pueril de brincar com um fruto que lembra uma jóia perfeita, apelando ao ancestral desejo feminino de usar brincos.

A par da expressão «A cereja no topo do bolo», que claramente implica uma valorização desta fruta, enquanto sinal de refinamento, e do provérbio «As palavras são como as cerejas: atrás de umas vem outras» ou seja, quando se come uma cereja logo apetece comer outra, coexistem provérbios algo ambíguos quanto ao valor desta deliciosa drupa: «Ao homem farto as cerejas amargam», quer dizer, as cerejas (o que é bom) são dispensáveis quando já se comeu à fartazana, ou se tem tudo; ou em «A mulher e a cereja, para seu mal se enfeita», o mais negativo de todos os provérbios, apa-

rentemente o embelezamento da cereja (quando ganha cor) só lhe traz infelicidade. De igual forma, num manuscrito dos séculos XVII-XVIII, intitulado Significação de Plantas, Flores e Hervas (disponível na Biblioteca Nacional de Portugal), no capítulo dedicado à «tenção das árvores», a «cereijeira» é associada exclusivamente ao «apetite» e à «ociosidade». E para culminar, dizer a um homem “és um ginja!” na gíria popular significa considerá-lo «ridículo» ou «velhote».

Por seu turno, nos seus poemas a lo divino, Sóror Maria do Céu (1658-1753), freira clarissa, escritora e dramaturga portuguesa do período barroco (estudada pela genial Ana Hatherly na obra O Ladrão Cristalino, 1997) mantém a percepção popular e ambivalente no que diz respeito à ginja, associando-a «ao sofrimento e à perfeição» apesar das qualidades medicinais que possui: «He a Ginja saude», «He gorda, e córada», «Manná das frutas, mimo de Galeno [um dos mais importantes médicos da Antiguidade Clássica]», servindo os seus caroços para várias curas. Porém, no que diz respeito à cereja, Sóror Maria do Céu reconhece-lhe de forma inequívoca inúmeras virtudes. Chama-lhe fruta «menina», «graciosa» e símbolo da «inocência», por ser colocada nas mãos das crianças que com ela brincam: «Por fruta dos meninos mais amada/ Vela-heis das meninas nas orelhas,/ De Rubins arrecadas por vermelhas». Tentar entender as cerejeiras, à luz das percepções que os povos delas têm, revela-se sobretudo útil para compreender a sua cultura e mentalidade. Desta forma, enquanto entre nós, como vimos, domina uma certa ambivalência, uma não assumpção explícita de que a cereja é um fruto do paraíso, recentemente acompanhada de uma elitização do fruto transformado em sobremesa de luxo, para os japoneses a beleza e efemeridade da flor da cerejeira leva ao mono no aware, princípio filosófico de empatia por todas as coisas. Mas afinal o que podemos concluir sobre a verdadeira natureza desta árvore de folha caduca que precisa de 800 a 1000 horas de frio para dar fruto com abundância?

A resposta encontra-se, porventura, num artigo francês do século XIX, publicado em L’ Écho des Montagnes – Journal de Marvejols, no dia 5 de Julho de 1891. Segundo o seu autor (que assina com uma simples abreviatura), a cerejeira é uma árvore que «ama a liberdade», «gosta de crescer livremente e estender os seus ramos à vontade, sem entraves e à sua maneira» e «não quer ficar submetida aos caprichos do homem». Por isso, se um agricultor a quiser podar ou alterar, a cerejeira recusar-se-á a dar-lhe os seus frutos e preferirá morrer a deixar de ser livre.

[A autora escreve de acordo com a antiga ortografia]

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Cerejas maduras. À direita, Jovem rapariga com cerejas, pintura de Cesare Viazzi (1857-1943), fotografia de Sailko (sem moldura)
Cerejeira em flor (Douro), no princípio de Abril

MEMÓRIAS DE JÚLIO ISIDRO

SE TU FORES VER O MAR...

... o Fausto já irá longe, sempre perto, a navegar, navegar

Aqui estou, a olhar ao espelho do passado perscrutando no horizonte o ausente, e a trazê-lo para perto de todos nós. Só pode estar no meio do mar quem no meio do mar nasceu. No dia 26 de Novembro de 1948 em pleno oceano Atlântico, a bordo de um navio chamado Pátria, chegou ao mundo o menino Carlos Fausto Bordalo Gomes Dias que ficaria registado em Vila Franca das Aves. Daí lhe chamarem o navegante de canções.

Os pais, beirões de uma família oriunda de Trancoso, emigravam para a antiga colónia portuguesa.

Nasceu assim um músico que assimilou de forma notável os ritmos africanos sem perder de vista ou de ouvido as suas origens lusas.

Foi roqueiro em Angola, guitarrista da banda “Os Rebeldes” e praticava o pop-rock da época. Seria já o nome da banda, um indício da rebeldia coerente que lhe pautou a vida?

Aos 20 anos estava de volta ao seu país de origem para entrar na universidade onde se formou em Ciências Sócio Políticas. Estava no sítio certo para se integrar no movimento associativo e ali se revelou como cantor de voz única e mobilizadora.

Eram os anos de fogo da juventude na Europa e no Mundo e Fausto depressa integrou o grupo onde pontificavam José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire entre outros, que faziam da cantiga uma arma pacífica para denunciar o regime da altura.

Do outro lado das fronteiras de Espanha e França, estavam Luís Cília e José Mário Branco que em muito influenciariam os projectos musicais do jovem Fausto.

Eram os anos de fogo da juventude na Europa e no Mundo e Fausto depressa integrou o grupo onde pontificavam José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Manuel Freire entre outros

E depois foi o que se ouviu.

Doze discos gravados entre 1970 e 2011, milhares de quilómetros de estrada para ir cantar onde alguém o quisesse ouvir, e um espaçamento enorme entre o que tinha feito de original e único na música portuguesa e o desejo de tantos que o queriam com coisas novas.

Guardo ciosamente numa prateleira, o primeiro LP de Fausto e relembro as tantas vezes que passei na rádio, canções como “Ó pastor que choras” poema de José Gomes Ferreira ou “Quando um homem quer partir”, agora tão real como o próprio título.

É a memória do tempo que não quero enfeitada com exibições de intimidade com alguém como o Fausto que não as merece.

Recordo apenas a única vez que actuou num programa meu, o Passeio dos Alegres na fase de lançamento do álbum “Por este rio acima”. Poucas palavras na entrevista, e saída discreta do palco para não o voltar a ver.

Apenas isto, numa gravação apagada por inconsciência de quem mandava, e de que resta uma foto que agora se enche de música.

A memória do tempo, traz-nos sempre imagens mais claras do que as originais. São os dias da nossa claridade... ou clareza?!

Com o Fausto, parte mais um pedaço de uma época em que o sonho era possível.

Agora, acordamos para uma realidade feita de reconstrução de um passado que acreditávamos enterrado, mas não esquecido.

Com a sua musicalidade única, as palavras tão certeiras quanto os actos que queríamos cumprir, Fausto despediu-se

em disco a solo “Em busca das montanhas azuis” trabalho que teve também a mão de José Mário Branco.

É este álbum que pela primeira vez na sua carreira, o leva ao primeiro lugar do Top Nacional, logo na primeira semana. Finalmente em termos de vendas, acontecia o reconhecimento do público pelo grande valor artístico da sua incomparável obra.

Agora, o Zé Mário e o Fausto vão-se encontrar, não sei se no paraíso ou num limbo de onde sairão para voltar sempre que os quisermos.

De recordar o enorme acontecimento que foi o concerto “Três Cantos ao vivo” com José Mário Branco e Sérgio Godinho que resultou num álbum ao vivo, agora uma pérola para ouvir em permanência e guardar até à eternidade.

Fausto sabia que desde sempre “Uns vão bem e outros mal”, e ali estava para nos dizer sempre pronto “Pró que der e vier”.

Não privei com o cantautor de obras que nos continuam a saber a pouco, não me ostento como amigo do peito, mas é do meu peito que sai uma enorme e profunda tristeza.

Foi mar dentro, um dos artistas considerados como património da história da música portuguesa.

Deste barco em que navegamos e que para todos terá uma inevitável chegada à foz, sinto que “a memória é o inimigo mortal do meu repouso”.

Fausto só poderá ser um não esquecido se cada um de nós o for buscar ao horizonte para o trazer ao presente.

É a nossa obrigação.

[O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]

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Entrevista Cuca Roseta

“Sou

uma apaixonada pela nossa tradição”

Afadista, que celebra 15 anos de carreira, fala sobre a emoção de levar a música e a tradição portuguesas aos quatro cantos do mundo. Defende, com entusiasmo, as raízes do país e partilha o que vai vendo e ouvindo de estrangeiros, que não compreendem Português mas que choram ao ouvir fado, e de muitos emigrantes, que sentem uma “saudade sem fim”, quando lhes levam “pedaços da pátria”. Cuca Roseta repete, amiúde, adjetivos como “é lindo, é incrível, é maravilhoso”, em cada frase, em cada ideia. No fundo, o seu fado é ser feliz. Neste momento de celebração e balanço, qual é o sentimento?

O sentimento é de uma grande gratidão. Ao longo destes 15 anos, o trabalho trouxe-me muito mais surpresas do que algum dia imaginaria. Levo este espetáculo dos 15 anos, que iremos fazer no final deste ano, no Meo Arena, com uma nostalgia muito grande. É o fecho de um ciclo e a abertura de um novo, em que fui e sou embaixadora da nossa tradição e do nosso país lá fora, maioritariamente para estrangeiros. As pessoas pensam que os fadistas cantam só para as comunidades, e é algo que também me surpreende. Ainda recentemente estive na Polónia, com uma sala cheia, e pergunto sempre quando as pessoas estão muito efusivas se há portugueses. Fomos a 53 países, alguns já várias vezes, cantar para estrangeiros. É lindo, lindo, lindo imaginar que podemos levar a nossa tradição pelo mundo. E agora, regresso a casa para celebrar com os meus, os nossos, com aqueles que me ajudaram a ir para fora. Quando canta para estrangeiros, que não sabem Português, que energia dá e recebe ao sentir que eles foram “tocados” pelo nosso fado?

Muitas vezes emociono-me porque, ao longo destes 15 anos, percebi no fado que o que passa para lá é muito mais do que a palavra, é uma coisa linda! Embora a palavra seja uma das maiores importâncias do fado – o fado é declamação de poesia cantada, é a vida cantada, é o grito do povo, e para nós, interpretes, precisamos de sentir essa verdade na história que estamos a contar –, é lindo quando começamos a cantar nesta emoção, catarse, vivência. A voz, a vibração do som é medicina.

Eu faço yoga, canto os mantras – interesso-me por essas coisas – e acho que o fado veio buscar muito esta canção medicina. Esta música vai ao coração, vem do coração e vai para o coração. O fado é sempre um ato de amor. Começa na história como um ato de queixume, mas, na verdade, é um queixume que se converte em beleza e em arte. É alguém que agarra na tristeza da vida e faz dela música para inspirar os outros. Neste processo não há uma só performance. É uma canção de um povo muito afetivo, muito intenso, muito apaixonante, também muito saudosista, muito sebastianista, e daí a nossa melancolia. Mas tudo isso se transforma em música, que se torna em Património Imaterial da Humanidade, porque é única. O nosso fado é único. O nosso fado não é comparável com o flamenco nem com o tango – são formas distintas de dizer, se calhar, a mesma coisa. O fado é uma tristeza que é aceite, nós aceitamo-la. Uma tristeza que se converte em arte e em música. Disse há pouco que ia fechar um ciclo para abrir um novo. O que vem aí?

Vem aí muito trabalho. É incrível! Já tenho álbuns meio organizados. Um deles está meio pronto e outro quase pronto, porque tive um convite do agente que lançou a Amália Rodrigues em França, o Jean-Jaques Lafaye. Foi ouvir-me a Paris e fez-me um convite para gravar. Gravei um álbum em

francês com ele, que vai sair para o ano. Acho que é muito bonito, porque é o fecho de um ciclo.

A minha vida não tem sido muito pensada. Digo que nasci para cantar o fado. Eu acredito nessa coisa ligada ao fado que é o destino, porque sabia que ia fazer 15 anos de carreira e que celebraria com algo muito importante e, de repente, vem-me, também, esta proposta para fazer o Meo Arena. É a maior sala do nosso país.

Está com medo?

Eu não estarei com medo quando lá estiver – estou com medo é de não encher. [Risos] Não pode haver um artista que não tenha medo de encher uma sala. Sempre tive esse medo, desde que comecei a minha carreira, e tive sempre as salas cheias. Isso para mim é uma coisa linda! Só na pandemia é que experimentámos o que é ter uma sala a meio gás, porque as pessoas ainda tinham medo…

A pessoa vai ficando aqui a controlar as inseguranças, porque são 11 mil pessoas, em Lisboa...

Voltando ao álbum com o agente da Amália em França, será fado cantado em francês?

É um bocadinho no seguimento do que a Amália fez quando chegou a França. Ela cantou alguns temas em francês. Charles Aznavour fez-lhe uma música, um fado em francês, Ay! Mourir pour toi, que eu gravei. Depois, [terá] algumas canções que ela gravou e outras que também me sugeriu. Eu sou uma grande amante de Amália. No fundo, é cantar as canções francesas de sempre mas cantadas por uma fadista. É para ser lançado em França. Já fiz lá dois espetáculos de pré-lançamento deste álbum… Fizemos um espetáculo na embaixada. A ideia é cantar fado e música francesa, é para fazer uma ponte entre o fado e a vida francesa. É caso para dizer que nestes 15 anos temos La vie en rose?

[Risos] Exatamente. É muito giro! Durante o percurso profissional teve muitos momentos especiais. Qual o momento que destaca e guarda como um tesouro? Ui, é muito difícil! Acho que foi cantar a primeira vez para o Papa Francisco, em Roma. A segunda vez também foi incrível, mas na primeira fui ao Vaticano e ele recebeu 40 pessoas desta instituição de que sou madrinha em Portugal [Scholas Ocurrentes] e que começou com ele na Argentina antes de ser Papa.

Estava pouca gente, era a primeira vez que estava com o Papa Francisco e até lhe dei um abraço e um beijinho. Estava tão feliz de chegar em frente ao Papa, que o meu corpo fez o sinal para lhe dar o beijinho e ele deu-me o beijinho. [Risos] Foi incrível! Falou com ele? Que palavras trocaram? Ele disse que tinha gostado muito da música, gostava muito que eu fosse embaixadora das Scholas Ocurrentes. Disse de uma maneira muito bonita que no amor não há diferenças nem classes. A instituição junta pessoas, de diferentes classes e religiões, a fazer desporto, pintura e arte. Ele disse, também, que é através da arte que se unem as pessoas. No fundo, é aquilo que eu faço. Depois dei-lhe os meus álbuns, ficou muito contente. O Zé Maria [José María del Corral], que é o melhor amigo dele na infância, recentemente diretor das Scholas Ocurrentes, disse: “Esta música da Cuca é tradicional portuguesa, que é o fado.” O Papa disse que sim, abanou a cabeça, deu-me a mão e disse obrigado. Fiquei tão nervosa, foi um privilégio incrível, e… achei que já tinha estado com o Papa Francisco e nunca mais iria estar com ele na vida. Não! Estive com ele uma segunda vez [aquando da Jornada Mundial da Juventude, em Portugal] e ainda cantei duas músicas. Talvez para mim este seja o marco. Nunca pensei

na vida poder viver essa experiência. Leva o fado para dentro e fora das nossas fronteiras. Traz-lhe sentimentos diferentes cantar em Portugal ou no estrangeiro? Traz, é muito diferente e são ambos maravilhosos! Quando vamos para fora é aquela chama… Eu sou uma apaixonada pela nossa tradição. Poder levar a nossa tradição e ver as pessoas reagirem ao nosso país, que às vezes nem sequer conhecem, e à nossa música, é lindo! Acontece as pessoas se emocionarem, chorarem e é sempre um momento mágico. Como é possível as pessoas não perceberem uma palavra, chorarem e reagirem? É sempre incrível e supergratificante para quem interpreta. Nós pensamos: houve uma magia aqui, só pode. Esta música atravessa fronteiras como se fosse de alma para alma, mas, depois, cantar em casa é também lindo. Quando se viaja muito e se vem cantar a casa, temos uma plateia que percebe tudo o que dizemos... Eu cantei lá fora para as comunidades, poucas vezes, acho que até posso contar pelos dedos das mãos, foram cinco, e é também lindo! É diferente cantar em Portugal ou cantar para as pessoas que estão, por exemplo, em Paris, onde já cantei duas vezes para as comunidades. É a saudade do país… Tudo são experiências completamente distintas e todas elas muito gratificantes. Quando canta para as nossas comunidades, que emoções perceciona dos portugueses fora de Portugal? O que lhe transmitem? Ai, é de ir às lágrimas para todos! Para nós que estamos a cantar e para os que estão a ouvir. Eles também nos seguem nas rádios e nas televisões lá fora – é como se viesse um pedaço do nosso país que lhes traz as músicas da infância, as músicas da pátria. É incrível, é lindo!

E em dezembro estará na maior sala do país, onde a esmagadora maioria será portuguesa a residir em Portugal. Será muita gente para a ajudar a continuar a cantar ainda mais revigorada.

Para o concerto no Meo Arena estou muito ansiosa. Cantei maioritariamente para estrangeiros e agora vou cantar para 11 mil pessoas que são maioritariamente portuguesas. É voltar a casa, vir à fonte numa celebração de vida de 15 anos, para ganhar força para continuar. Este vai ser o concerto da minha vida. Eu sei. Posso vir a ter o concerto de 50 anos de carreira, Deus queira que sim, mas esta é a primeira que

“Nós estamos na modernidade mas temos sempre um pé na raiz”
“A nossa tradição é supervalorizada lá fora”

vou cantar na maior sala do país. Já disse: o meu próximo álbum vai ser com os nomes das 11 mil pessoas que lá estiverem, porque quero que aquele momento seja eterno e que estas pessoas se sintam parte dessa memória. Vou fazer a capa com a minha cara e os 11 mil nomes. Estou mesmo a falar a sério. Vou pôr meninas à porta a perguntar os nomes às pessoas todas. Não vai entrar ninguém sem se saber o nome. Estou ansiosa por esse dia. Estou a preparar o espetáculo da minha vida. Quem vai estar ali são as pessoas que fizeram com que eu, algum dia, viesse a cantar fora. Comecei a cantar aqui. É lindo pensar que vamos celebrar juntos. Quero pegar nas palavras que sublinhou, com tanto entusiasmo, há momentos. De modo enfático, disse ser uma apaixonada pela tradição. Que paixão é essa, de que forma é que a tradição é tão importante para uma mulher moderna como a Cuca? Pois é… Essa pergunta é muito gira! Quando eu era pequenina, os meus pais ouviam música clássica e ópera. As minhas irmãs e eu ouvíamos muitos musicais, porque o meu avô tocava piano, a minha avó tinha uma escola, fazíamos teatro musical em casa. Toda a gente cantava, mas nunca se ouviu fado na minha casa. A primeira cassete que tive foi do Vitorino. Depois, tive uma cassete de fado, com vários fadistas, e eu passava a vida a ouvir aquilo. Portanto, não era só o fado; primeiro foi o cante, a música alentejana. E eu não tenho nenhuma ligação ao Alentejo, mas ouvia aquilo em loop. As minhas irmãs diziam: “Por amor de Deus, já não consigo mais ouvir.” Então, porquê esta paixão pela tradição? Tenho esta paixão pela tradição desde muito pequenina e não é uma coisa óbvia dentro da família, da educação e daquilo que me rodeava. É por isso que acredito que nasci mesmo para cantar o fado, era o destino. É uma paixão estranha. Como é que aquela menina que nasce na praia, não tem ninguém que toca viola ou guitarra, e vai pelo fado?

Gravei recentemente um álbum de fado de Coimbra, que é lindo! Eu adoro fado de Coimbra. É dos álbuns que mais gostei de fazer. É manter viva a tradição, chama-se Coimbra eterna. Adoro folclore, adoro as nossas danças tradicionais, não há nenhum concerto em que eu não cante a Rosinha, o Vira, o Tiro liro liro, o Alecrim, Ó rama, ó que linda rama. O meu espetáculo é maioritariamente fado – mas o meu espetáculo é de tradição portuguesa. É muito giro esse contraste. Quando entrei no fado fui muito criticada porque não gostava de usar preto nem xaile, só gostava de usar cores, tinha um piercing, vinha da praia, toda a gente dizia: “Mas porque é que esta agora vai cantar fado, quem é que ela pensa que é a cantar com um piercing, com cores, não tem nada a ver?” Mas eu tenho essa paixão e esse amor. É algo que não se explica. Sente que é importante cultivar a tradição para as novas gerações? É muito importante. É muito giro o facto de eu ser uma pessoa moderna e cantar a tradição. Também tenho aqui o papel de trazer isso aos jovens, por exemplo, [enquanto jurada] no The Voice Kids e no Got Talent, relembrar, pôr os meninos a cantar a tradição. Primeiro, eles torcem um bocadinho o nariz, mas depois adoram. No ano passado cantei no Festival Sol da Caparica, que era só para adolescentes e pensei: “Como é que vou agarrar este público?” Assim que comecei a cantar o Tiro liro liro e Ó rama, ó que linda rama, toda a gente cantou. São jovens, ok, e só ouvem as músicas mais comerciais, mas, na verdade, sempre ouviram o avô, a avó; ouviram na escola, está lá. E é tão bom atiçar esta chama. Quanto mais pudermos preservar a tradição,

melhor. Porque isto é tão nosso. Há uma coisa que me impressiona. O nosso país é muito pequenino e tem uma diversidade na tradição extraordinária em todas as áreas: na gastronomia, música, nos vinhos, queijos, no vestuário… nas nossas fábricas do Norte, no algodão. Eu adoro todas estas nossas tradições. Quando cantei com o Andrea Bocelli, pedi a uma bordadeira do Norte para me fazer os bordados típicos; há pouquíssimas bordadeiras a fazer os bordados tradicionais portugueses. Tenho um vestido com os lencinhos dos namorados. Não há nada igual. É lindo porque o que nos difere é isso. A nossa tradição é supervalorizada lá fora. Por cá, pode considerar-se démodé? Exato, as pessoas acham que é démodé e não é nada. É maravilhoso! Temos tradições incríveis. Uma vez cantei num sítio no Norte, Moncorvo, e as senhoras faziam ainda à mão, durante dias e noites, a amêndoa de forma especial. Fiquei maravilhada! Um dia isso vai acabar, ninguém vai ficar dia e noite a fazer isto, e é uma pena porque aquele doce é uma coisa que só mesmo com muito amor tem aquele sabor.

A Cuca, quando leva o fado e estes pedaços de Portugal, em especial para os portugueses que estão na diáspora, o que lhe dizem?

O fado lembra-lhes a saudade. Eles, normalmente, deliram. É lindo! Choram e dizem que têm muitas saudades do nosso país. Dizem que o nosso país é muito especial, que me seguem, que nunca imaginaram conhecer-me pessoalmente e que lhes pudesse levar tanta felicidade, porque é uma saudade sem fim. Há aquela saudade da terra… Há muitas pessoas do Norte e quando eu levo a Rosinha, o Vira, estas músicas portuguesas que toda a gente conhece são mesmo um presente. É esta a sensação que tenho, porque é o que me dizem, que não têm palavras para descrever a felicidade que sentiram por eu lhes poder levar um pouco da sua pátria e das tradições. Por isso é que as tradições não podem acabar porque nos trazem uma alegria que é única, algo que é só nosso.

Como nutre os seus dias? Como alimenta o espírito? Como é o seu processo criativo para levar Portugal ao mundo?

Por um lado, é algo que é natural em mim. Eu estou sempre a querer saber mais, a procurar mais fados. Adoro tudo o que é antigo, estou sempre a procurar os grandes poetas. Nós estamos na modernidade mas temos sempre um pé na raiz, e a raiz mantém-se sempre intacta. Pode haver uma fadista que já não se veste de preto mas de vermelho, no fundo, a canção é a mesma. Eu também escrevo e componho fados novos. Acabo por ir buscar uma coisa nova, uma coisa antiga. As coisas novas são baseadas na tradição.

Por outro, todas estas viagens e entender que levamos esta tradição aos outros inspira-me muito. O que me inspira é continuar, é perceber que há uma necessidade de levar mais, de continuar a fazer, de manter acesa esta chama.

Em suma, o seu fado é ser feliz?

[Risos] O meu fado é mesmo ser feliz e o fado de todas as pessoas devia ser também ser feliz. O fado está muito conectado com a tristeza mas para mim não haveria alegria sem tristeza. A tristeza e a alegria são as duas asas de um pássaro para ele poder voar. Uma valoriza a outra. E há um sentido, a tristeza é sempre uma aprendizagem. Eu sou uma pessoa que gosta muito de viver as experiências da vida, sejam boas ou más, com esperança. A tristeza faz parte da vida, mas nós podemos sempre convertê-la numa canção ou dança. E com a nossa tristeza levarmos alegria aos outros. Sílvia Júlio

Sociedade

“Espaço de colo, paz e encontro”

Na aldeia de Cabreira existem propostas de turismo inclusivo e de natureza, com os “companheiros” de Maria José Dinis, pedagoga, terapeuta, autora de contos infantis, poemas e memórias, fundadora de um projeto iniciado há 24 anos, porque não desistiu do seu sonho, nem do caminho de retorno à paisagem que a viu nascer

Pela mão de Torga vamos à Beira interior, com profundidade e voz: «Para lá da certeza dum refúgio amplo e seguro, onde não chega a poeira da pequenez nem o ar corrompido da podridão, o peregrino esbarra a cada momento com a figuração do homem que desejaria ser, simples, livre e feliz. Um homem de pau e manta, a guardar um rebanho – criatura ainda impoluta do pecado original, para quem a vida não é suplício nem degradação, mas um contínuo reencontro com a natureza, no que ela tem de eternamente casto, exaltante e purificador» (Miguel Torga, Portugal).

Pela via rápida do Zoom, fizemos o caminho até Cabreira do Côa, para ir ao encontro de Maria José Dinis, fundadora e presidente da Associação Sócio Terapêutica de Almeida (ASTA), cuja missão é apoiar e integrar pessoas com deficiência mental ou multideficiência, em contexto terapêutico de cariz “comunitário e familiar”, impulsionador de um verdadeiro desenvolvimento “holístico e dignificador” para todos, porque todos são bem-vindos.

Há pessoas que têm um discurso intrinsecamente metafórico, Maria José Dinis é uma delas, a alma foge-lhe para a poesia. Numa reportagem do jornal Público (Fugas, 2023) referiu que “a aldeia é como se fosse um colo”. Queremos saber que colo é este? E para quem?

“Na nossa vida, independentemente da idade, estamos à procura de um colo. Esse colo é este sítio onde eu posso ser, onde posso descansar de mim e da vida, onde posso encontrar caminhos que me realizem. Há um poema que escrevi há muito: Deixem-me ser/ Pintora, Poeta, Aldeã/ Acordar na noite e inventar a aurora/ em cada manhã/ Escrever vento/ perder-me no tempo e percorrer o dia calçada de lã… Este é um sítio que é colo porque nasci aqui. Em determinada idade queremos partir, muito mais de uma aldeia escondida atrás do Sol posto, porque temos a ambição de conhecer o mundo. Mas, depois do conhecimento desse mundo reconhecemos que há aqui algo de tão precioso, tão natural, tão original que nos pode apaziguar… E mais, pode dar-nos a liberdade de criar. A mim, deu-me a liberdade de criar a ASTA. Aqui reconheci o meu colo. E também pode ser o colo de muitos que não o tiveram ou não o têm, por ausência familiar, falta de aceitação so -

cial e de estruturas adequadas. No fundo, queria criar um colo geral para todos esses que procuram ser, mas que não são devidamente reconhecidos, porque não estão dentro do paradigma da normalidade. Eles precisam de afeto, de responsabilização, de autonomia adaptada a cada circunstância, de projeto de vida, onde possam diluir-se com tal espontaneidade e naturalidade que, se quisermos saber, ‘quem é quem?’ Não sabemos, venham cá para ver.”

Criaram uma proposta de turismo inclusivo e de natureza que rompe com os padrões que habitualmente conhecemos. Como surgiu? “A ideia foi criar um projeto de alteridade, em que há uma inclusão bilateral natural e espontânea. Por ser veterana nesta convivência privilegiada com eles, companheiros e companheiras com deficiência, aprendi e fiz com eles o melhor doutoramento da vida. Nestas pessoas há uma humildade, uma capacidade de sofrimento, uma capacidade de dádiva e de perdão que não encontramos na sociedade e, normalmente, não se encontra nas pessoas no dia a dia. O colo é um sítio onde eu caibo, e como estou sempre a pensar neles, é o sítio onde eles podem caber. É um sítio onde não temos medo. E onde não temos que parecer para ser. São três premissas que considero importantes para um colo. Este, aqui, é um colo privilegiado onde podemos respirar, onde há paz, e espaço para vários encontros, onde ouvimos os pássaros e o

ciência mental] para não me enganar de caminho, lidar com os outros, perceber os outros, neste caso, os outros especiais: pessoas com deficiência. O Marco veio abrir esse caminho [formou-se em Pedagogia Curativa e Socioterapia, na Suíça], que depois determinou o meu futuro, o meu hoje e amanhã.”

coaxar das rãs pelo anoitecer, e vemos a lua e as estrelas porque o céu parece bem maior. Temos um colo para nós, mas também o queremos emprestar, de vez em quando, para que outros venham e usufruam dele.”

“Fascínio pelo ser humano”

Numa entrevista disse: “Quando queremos muito uma coisa até as forças da natureza conspiram para a sua concretização” (Notícias Magazine, 2015). Esse querer vem de longe, de dentro, do destino? “Vem de tudo isso. No próximo ano comemoramos 25 anos, então comecei a engendrar algumas memórias para uma eventual edição especial. E para contextualizar a existência da ASTA, vou revisitar a minha caminhada nesta aldeia desde que nasci. Isso obriga-me a olhar para dentro.

As memórias que estavam a dormir, tenho ido buscá-las e descubro pormenores preconizadores, sinais, que dão sentido ao caminho percorrido e a percorrer. Pelos nove anos senti a necessidade de sair desta aldeia, era como se adivinhasse outro mundo sem o conhecer, e tinha de descobrir que outros mundos eram esses. O fascínio pelo ser humano acompanha-me desde pequena em que observava com muita atenção as pessoas. A minha vida sempre me encaminhou neste contacto com o outro: ‘quem és tu’ e ‘quem sou eu’.

E depois a vida presenteia-me com o Marco [filho que nasceu com uma defi-

Se fosse uma fada que pudesse atribuir três dons aos adultos, que se relacionam com pessoas que têm necessidades especiais, quais seriam? “O amor seria o primeiro dom, mas o conceito está muito vulgarizado, esvaziado do seu verdadeiro sentido… O amor deverá ser, neste contexto a que me dirijo, uma entrega sem preconceitos para que o verdadeiro encontro aconteça. Eu só posso tratar ou ajudar alguém se me encontro com esse alguém para além das aparências, para além daquilo que se vê, para além do esgar da boca, da cegueira, do corpo contorcido. Lembrei-me do poema Nas tamanquinhas do outro, que escrevi em 2022, Ano Internacional da Pessoa com Deficiência, quando fui convidada pela secretaria de Estado para Inclusão, e que li numa cerimónia –Sente-me o coração/ escuta-me, olha-me/ sem culpa nem obrigação/ e ama-me, se puderes Mais do que aquilo que dizemos, eles captam o que nós sentimos. Se fosse fada, pediria que as pessoas se pusessem nas tamanquinhas do outro.”

Mesmo assim, se pudesse atribuir três dons? “O primeiro seria o dom do deslumbramento pelo novo e diferente, o dom da compaixão (que não é de todo sentir pena), e o dom da escuta, que é fundamental. Normalmente, escutamos mediante os nossos preconceitos, queiramos ou não estamos sempre a julgar, a entender e retorquir em função dos nossos próprios conceitos, das nossas ideias e particularidades como seres humanos. Por essa

Maria José Dinis, fundadora da ASTA, junto de companheiros

razão, repito muitas vezes, que a aprendizagem com eles é constante. Trabalho todos os dias com grandes questões que eles me colocam, direta ou indiretamente, por palavras, gestos ou atos.” Nesse caso, Maria José Dinis, se fosse uma fada atribuía os dons do deslumbramento, da compaixão, e da escuta – “o que no mundo considerado normal escasseia”, conclui.

“Educar para a liberdade”

Estas palavras podiam estar escritas na pedra, à entrada da aldeia de Cabreira: “Cremos que toda a pessoa, qualquer que seja o seu estado mental, é mais do que a sua aparência física e que todo o ser humano está dotado de uma existência individual. Nenhuma deficiência física ou mental é um acaso ou uma desgraça, ela tem um sentido e uma finalidade: transformar o curso de uma vida.”

Na ASTA funcionam diversas oficinas para que os companheiros, internos e externos, possam desenvolver capacidades sensoriais e motoras e descobrir competências. O trabalho é um processo que os companheiros “assumem e executam com vontade de ser úteis, de cumprir as tarefas”, tanto na área da agricultura e agropecuária, como cozinha, olaria, tecelagem, carpintaria, ciclo da lã, etc. As oficinas têm um ritmo diário, entre as 9 e as 17 horas, semanalmente, permitindo adquirir responsabilização e o espírito de trabalho para a criação de peças que podem ser adquiridas e utilizadas. “Todas estas atividades, executadas segundo as capacidades e tempos de cada um, são permeadas de vários momentos terapêuticos, criativos e socializantes, como hidroterapia, desporto, expressão corporal, música”, esclarece Maria José Dinis. Agostinho da Silva diz: «Educar não é levar ninguém a ser isto ou aquilo […] mas dar meios de expressão à sua capa-

Pôr do Sol de Castelo Mendo (Fotografia gentilmente cedida por Adriano Miranda/Público)

cidade criadora e de comunicação, quer ela se exerça lendo e escrevendo quer manualmente num ofício.» Esta ideia faz-lhe sentido ou será corroborada por si? “É tão pertinente esta citação, não poderia estar mais de acordo. É a base da nossa pedagogia. E muito mais neste contexto de pedagogia curativa e socioterapia, a cada um, sendo diferente e com deficiências, queremos dar esta oportunidade de ser, através da sua expressão possível. Porque cada um de nós tem a sua expressão possível, é preciso aprender a descobri-la. Se encarássemos a educação desta forma, tínhamos menos frustrações e mais competências. Somos muito estereotipa-

CONTIGO, HÁ DESCOBERTA

Um projeto de turismo inclusivo, coordenado por Anémone Leton, formada em Turismo de Recantos, “veio da Bélgica e acabou por ficar”, agora trabalha na ASTA. O programa de uma semana sazonal, com alojamento na Casa Mateus (ou outros alojamentos locais) e alimentação na Cozinha São Francisco, complementa as visitas guiadas a Almeida e Castelo Mendo, conduzidas por pessoas com multideficiência e animadas com lendas e curiosidades da cultura regional, incluindo experiências temáticas em oficinas artesanais, percursos pedestres, práticas aquáticas, passeios na floresta, danças de roda, atividades artísticas.

asta

Anémone Leton, coordenadora de Contigo, Há Descoberta (no centro), ladeada por Tânia e Guilherme, numa visita encenada de Castelo Mendo

dos, educamos para os sistemas em vez de educar para uma liberdade de escolha em que possamos ‘ser’. Educar para a liberdade é saber que ‘eu sou livre’ de escolher ou de aprender aquilo para que me sinto apto e com capacidade, sem esta obrigatoriedade de contribuir para o sistema delineado para todos de uma determinada forma, sendo que cada um de nós é diferente. Na ASTA há mais diferenças, somos ainda mais diferentes. Então, temos de procurar a individualidade de cada um, para onde ‘podes ir’, como posso ajudar a ‘descobrir em ti algo que tens e podes pôr ao serviço do mundo tornando-te mais feliz?’. Esse é efetivamente o nosso trabalho.”

A Associação Sócio Terapêutica de Almeida tem atualmente 44 colaboradores, e alguns voluntários nas valências de Lar Residencial, Centro de Atividades para a Capacitação e Inclusão, Residência de Autonomização e Inclusão, onde 44 companheiros (utentes) estão distribuídos entre a aldeia da Cabreira e a Fonte Salgueira.

Semana da paisagem

No seu livro, A Menina Cabreira, que conta a história de uma menina guardadora de cabras que habitou, há muito tempo, a beira interior e impregnou as terras e as gentes de um “halo de alegria, de mistério e de esperança”, descobrimos a música e a letra de uma canção com referência à Semana da Paisagem Petrarca na Cabreira (2014). A Academia Europeia para a Cultura da Paisagem, Petrarca, é uma organização internacional, não governamental, constituída por pessoas de várias nacionalidades, ligadas a diversas áreas como Geografia, Arquitetura, Paisagismo, Biologia, Engenharia, Planeamento, Agricultura, Ambiente, Saúde, Design, Artes… Que iniciativa foi esta?

Mais atividades programadas:

UM FIM DE SEMANA CONTIGO

3 e 4 de agosto

Visita guiada de Castelo Mendo; almoço piquenique junto ao rio Côa; Banho de floresta e provas de água; Workshop de Olaria; Danças de roda.

UM FIM DE SEMANA CONTIGO

28 e 29 de setembro

Folhas de outono; Trilho da Pastora; Workshop de Olaria; Visita guiada de Castelo Mendo; Banho de floresta e provas de água; Danças de roda.

UM FIM DE SEMANA CONTIGO

2 e 3 de novembro

Trilho da Pastora; Ciclo das velas e da lã; Recriação do pão da aldeia; Danças de roda.

Informações e reservas:

ASTA – Associação Sócio Terapêutica de Almeida

Alto da Fonte Salgueira | 6355-030

Cabreira do Côa

Telefone: 271581562

Telemóvel: 962148143

e-mail: info@assterapeutica.com

“Passou por aqui alguém da universidade de Kassel, na Alemanha, com uma amiga nossa da universidade Nova de Lisboa, depois recebi uma carta que demonstrava interesse em que o grupo, que bienalmente organiza uma semana dedicada ao estudo e observação de paisagens europeias, viesse à Cabreira. Na altura, achei curiosa esta pretensão. Depois percebi as questões que pretendiam analisar e vivenciar: ‘Como é que a ASTA, com um grupo de pessoas com deficiência, conseguiu alterar esta paisagem, no sentido social, ambiental e humano. Que fenómeno foi este?’; ‘O que pode fazer este grupo para que esta paisagem continue a ser respeitada, aproveitando o que tem de melhor?’; ‘Como permitir que esta paisagem seja um espaço de paz, de colo, de encontro?’… Durante dois anos fizemos uma preparação para esta iniciativa e, por fim, na primavera de 2014, recebemos cerca de 85 pessoas, vindas de Itália, Holanda, Espanha, França, Alemanha, entre outros, arquitetos paisagistas, psicólogos, terapeutas, psiquiatras. Todos calcorrearam estes espaços para sentir e ouvir a linguagem desta natureza.”

Um dos primeiros sinais da paisagem envolvente da beira interior são os rochedos graníticos – ‘barrocos’ para quem habita a região –, que tomam um lugar de destaque a par da vegetação e dos altos pinheiros, onde o olhar procura mais além o enigma do indizível. “A mera presença destas rochas pode encher um observador de respeito e reverência. O tempo ganha outra dimensão”, escreveu Maria José Dinis (Uma Paisagem à Espera do Nosso Olhar). Teresa Joel

Desafios e tendências da Economia Social em debate

Ocrescimento económico e os desafios no futuro, a relação entre Economia Social e a Economia Solidária, os seus modelos de negócio, o papel do Turismo Social como catalisador de um desenvolvimento sustentável, foram os principais temas da última edição dos Diálogos INATEL –A Economia Social, iniciativa que trouxe em maio ao Teatro da Trindade especialistas nacionais e estrangeiros.

O conceito de Economia Social, também chamado hoje de Terceiro Setor, remonta ao século XIX em França, tendo surgido para definir um sistema alternativo dos meios produtivos face aos excessos e injustiças de um capitalismo liberal dominante. Em Portugal envolve cerca

de 74 mil organizações (as principais são as Associações, as Cooperativas, as Fundações, as Misericórdias e as Associações Mutualistas) que representam 5% do emprego e encontram-se reguladas por uma Lei de Bases aprovada em 2013 por unanimidade, na Assembleia da República.

Para Filipe Almeida, orador convidado e que preside à Estrutura da Missão Portugal Inovação Social 2030, “a boa articulação entre os três setores, o Público, o Privado e a Economia Social, é a maior oportunidade para a transformação social do país, já que esta partilha permite que a economia seja mais ética, que a sociedade seja mais competente e que a administração pública seja mais eficaz.”

“Vozes da Rádio” cantam os parabéns à Fundação Inatel

O89. º aniversário da Fundação INATEL foi celebrado em Tomar, com um concerto no Cineteatro Paraíso das “Vozes da Rádio”, grupo vocal masculino formado em 1991 no Porto, com uma carreira marcada por concertos “à capela”, sendo um dos mais importantes agrupamentos vocais portugueses. No concerto, com a “Grândola Vila Morena”, também se assinalou os 50 anos do 25 de Abril.

Na ocasião Lucinda Lopes, vice-presidente da Fundação, deu nota de que a celebração em Tomar tinha também o significado de destacar a presença descentralizada da INATEL no território, onde, nas áreas da cultura, do desporto e do turismo social, tem a diversidade, a solidariedade e a política de inclusão como matrizes da sua intervenção.

Aldeia do Pé da Serra vencedora da edição 2023 da “Aldeia dos Sonhos”

Durante três dias os habitantes da pequena aldeia de Pé da Serra, na freguesia de São Simão, concelho de Niza, tiveram acesso a um programa turístico e cultural organizado pela Fundação, que incluiu um cruzeiro pelo Rio Douro. A Aldeia dos Sonhos é um projeto que a INATEL vem realizando há vários anos no combate à desertificação do país e à integração social, através da valorização do património destes territórios e que, para além de oferecer aos habitantes da aldeia premiada um momento festivo com várias atividades recreativas e culturais, também se propõe criar roteiros turísticos que evidenciem e mostrem os costumes, saberes e gentes destas aldeias.

JN e Fundação Inatel juntos pela literacia mediática

Foi na Casa da Música, durante a conferência “JN Somos Liberdade”, que a Fundação INATEL e a Global Media Group assinaram no passado dia 2 de junho um protocolo que visa promover a literacia mediática e o acesso a informações jornalísticas de qualidade, prevendo descontos na assinatura digital do JN para os associados da INATEL

Na ocasião Francisco Madelino afirmou que para a Fundação “a cultura, a liberdade de imprensa e o acesso à informação são matérias fundamentais do ponto de vista do conhecimento e da cultura integral do indivíduo, sendo uma atitude cívica ter projetos que combatem as notícias falsas e a deturpação da informação”.

Coluna DO provedor

Manuel Camacho provedor.inatel@inatel.pt

Neste verão de 2024 vão realizar-se dois eventos desportivos que reúnem, invariavelmente, um grande número de participantes, espectadores e adeptos – de futebol e de mais de quarenta outras modalidades: o Campeonato Europeu de Futebol, na Alemanha, e os Jogos Olímpicos de verão, em Paris. Mais do que a competição e os resultados, que são o “motor” deste tipo de eventos, importa cada vez mais refletir sobre a complexa “engrenagem” que gira em torno deles, analisar as atitudes, conceitos e, sobretudo, as consequências que daí advêm para a sociedade e para o mundo.

O facto de que os mais elementares Direitos Humanos não foram devidamente salvaguardados no recente Mundial de Futebol do Qatar deve alertar os responsáveis para este e todo o tipo de abusos que acontecimentos deste tipo podem gerar.

Trono de Santo António na fachada da Sede da Inatel

Tornou-se ponto de paragem obrigatório para quem desce ou sobe a Calçada de Santana. Pela criatividade dos seus pormenores, pela riqueza da reconstituição de um pátio lisboeta, o trono de Santo António, a cuja construção os trabalhadores da Fundação INATEL, José Santos, Fátima Coutinho, Helena Apolónia, dedicaram tantas horas, engenho e imaginação, é uma pequena maravilha que obriga a um momento de contemplação mais demorado.

A comunicação social deveria ter aqui um papel importantíssimo mas, às vezes, ela própria acaba por contribuir mais para os ”problemas” do que para as “soluções”. Sabemos também que o “fair play” que tanto se apregoa, cada vez se torna mais um lugarcomum e poucos o exercem. Dos dirigentes aos árbitros, passando pelos atletas e respetivos treinadores, são poucos os que não se deixam levar pela fama, muitas vezes efémera, quando não, também, pelas polémicas. Era francamente bom que a máxima “… mente sã em corpo são…” pudesse voltar a ser uma realidade para que a alegria da participação, a partilha dos “louros” e o respeito por TODOS trouxessem mais qualidade de vida e “fair play” a estes e outros eventos.

Igor Martins/Global Imagem

VIAGEns

Cruzeiro: Emirados, Bahrein, Catar Destinos deslumbrantes

No Dubai embarcamos no MSC Euribia, nome da antiga deusa Eurybia que controlava os ventos e as constelações para dominar os mares, rumo aos dias cativantes de navegação com paragens em Doha, Manama, Abu Dhabi e na ilha Sir Bani Yas

As Ilhas Palm, conhecidas como Palm Jumeirah ou Pak Jebel Ali, são as duas maiores ilhas artificiais do mundo. Passeamos pela Street of Dreams, subimos ao 124.º piso do Downtown Burj Khalifa, o edifício mais alto do mundo, com uma vista abrangente do Dubai. No dia seguinte, vemos o Museu Al Shindagha, a Mesquita de Jumeirah, seguindo-se a travessia do Dubai Creek numa abra, meio de transporte tradicional, em direção aos mercados de ouro e especiarias, para sentir de perto a cultura islâmica. Mais tarde, embarcamos para jantar a bordo e seguir viagem.

Chegamos a Doha, capital do Catar. O percurso começa no museu de Arte Islâmica, com obras de arte que datam do século VII ao século XIX, representando todo o âmbito da arte islâmica. Continuamos pela Corniche, West Bay e pela área Diplomática, Katara Cultural Village e The Pearl, a ilha artificial que lembra o formato de uma ostra. Depois, paragem ainda no mercado tradicional Souq Waqif, um vasto bazar que remonta ao século XIX. Em Manama, capital do Bahrein, visitamos a Grande Mesquita Al-Fateh, uma das maiores do mundo, combinando uma variedade de estilos arquitetónicos típicos do médio oriente. Passamos pelas maravilhas modernas como o Museu Nacional do Bahrein, o Bahrein World Trade Centre, o Porto Financeiro e os luxuosos centros comerciais da cidade. Segue-se uma viagem no tempo no Forte do Bahrein, também denominado como Forte português, Património Mundial da Unesco. De grande qualidade, o forte é a evidência da ocupação dos marinheiros portugueses no século XVI. Em Manama Souq passeamos pelas ruas labirínticas, onde se veem roupas, especiarias, antiguidades, misturas medicinais e muito mais.

Dubai e Cruzeiro pelos Emirados, Bahrein e Catar

16 a 25 Jan | 10 dias | Partida: Lisboa

Fim de Ano no Dubai e Emirados Árabes Unidos

30 Dez a 5 Jan | 7 dias | Partida: Lisboa

Mais informações: Tel. 210027000 | turismo@inatel.pt | www.inatel.pt

Abu Dhabi, situada numa ilha em forma de T nas águas costeiras do Golfo Pérsico, a cidade conhecida por “Manhattan da Arábia” tem uma arquitetura incrível, com imponentes arranha-céus futuristas e magníficas mesquitas, tal como a Mesquita Sheikh Zayed, uma obra-prima da arquitetura neo-islâmica e uma das maiores do mundo.

Ilha Sir Bani Yas, para descontrair, apanhar sol, caminhar, observar girafas, flamingos, chitas, entre outros, dado que a ilha é o lar de milhares de animais selvagens, alguns em vias de extinção, e tem uma rica variedade de flora e fauna.

Fim de Ano no Dubai Momentos fascinantes de brilho, alegria e glamour

Visitamos Sharjah, capital cultural dos Emirados Árabes Unidos, para ver a Praça Alcorão, a Mesquita Al Noor (Mesquita das Luzes), o Souk Al Arsah, o Museu da Civilização Islâmica de Sharjah, e o recente mercado Souk Al Jubail, inspirado na herança da arquitetura islâmica. De regresso ao Dubai, é tempo de preparação

para o Réveillon e aguardar o magnífico fogo de artifício visto do terraço do hotel, perto do céu iluminado pelos diversos espetáculos de pirotecnia.

No dia de ano novo, descobrimos o Dubai antigo, passeando pelas ruas estreitas do bairro de “Bastakiya” com casas tradicionais e torres de vento, seguindo-se uma travessia na típica “abra” através do Creek para ver os mercados do ouro e das especiarias. Na parte moderna da cidade, paramos em Jumeirah, junto à Mesquita, vamos ao mercado árabe de “Madinat Jumeirah” e continuamos pela Jumeirah Road até à ilha artificial “The Palm”, em forma de palmeira. Depois, atravessamos a Sheikh Zayed Road cheia de arranha-céus, e subimos à torre Burj Khalifa, o edifício mais alto do mundo, para apreciar a vista panorâmica sobre a cidade.

Outro dia viajamos até Al Ain, perto da fronteira com Omã, cercada por montanhas e deserto, a segunda maior cidade do Emirado de Abu Dhabi, classificada pela Unesco património histórico em 2011. Visitamos o Forte de Qasr Al Muwaiji, recentemente restaurado pela Unesco, e o Palácio do Sheik Zayed Bin Sultan Al Nahyan. Vamos ainda a Abu Dhabi, capital dos Emirados Árabes Unidos. Caminhamos ao longo da Corniche, vemos o Heritage Village, e fazemos um passeio panorâmico pela Ilha Yas. Depois, entramos na Mesquita Sheikh Zayed, uma das maiores do mundo, e a excursão termina no coração da cidade, na Praça da União que exibe grandes referências culturais, como um tradicional queimador de incenso (mabakhir) e uma cafeteira (dallah). A última tarde destina-se ao passeio pelo Shopping Dubai Mall, seguido de jantar no restaurante giratório Al Dawar para continuar a celebração do início do ano.

Dubai
Bahrein

Savina Yannatou: O milagre da água outros mundos

Ao longo destes nove anos, o Ciclo Mundos tem apresentado alguns dos nomes mais marcantes das músicas de raiz. Savina Yannatou & Primavera En Salonico ofereceram-nos mais um momento memorável no Teatro da Trindade INATEL

Ésempre bom recebermos em casa uma amizade de longa data. Que nos visita há mais de 30 anos e que, por isso, acompanhou o evoluir dos principais festivais de músicas do mundo: do Cantigas do Maio e dos Encontros de Tradição Europeia, ao FMM de Sines e ao Ciclo Mundos.

O tempo passa a correr, mas a ateniense mantém-se tão jovial e tão pertinente quanto o gambista e compositor octogenário Jordi Savall. Tal como o maestro catalão, Savina Yannatou tem um ouvido estrangeiro: escuta as tradições dos outros. E a sua música, é por isso, um caldeirão de referências: da música medieval, barroca, à improvisada e contemporânea, do universo sefardita da comunidade judaica de Salónica à rembetika anatoliana de Esmirna. Dos melismas do Médio Oriente e do Norte do Mediterrâneo, ao encantamento das misteriosas vozes dos Balcãs e do Danúbio. Do canto improvisado, exploratório, disruptivo, sem rede, de Diamanda Galás e de Fátima Miranda, ao rigor das técnicas vocais de canto antigo da malograda Monserrat Figueras. Ao Teatro da Trindade Inatel, Savina Yannatou trouxe-nos mais um espectáculo conceitual, “Watersong”, dedicado à água e à falta dela. Canções que abordam a “relação com a vida e a morte, o desejo e a purificação, a fertilidade e a magia”,

através de mitos e tradições gregas, contos de fadas irlandesas. Muita água, mas também a abrasiva areia do deserto saariano como, com a sublime voz da tunisiana Lamia Bedioui, como contraponto e como que enriquecendo a já extensa paleta de cores de Savina Yannatou. Aos vários tons de azul e verde, Lamia adiciona amarelos e dourados.

[Novos Discos]

Maria Mazzotta

– Onde [Zero Nove Nove, 2024]

Passou pela grande instituição da folk italiana Canzoniere Grecanico Salentino (CGS), que já pisou, tanto o palco do

de pescadores (“Matonna Te Lu Mare”) que, como habitual na voz de Mazzotta, começa calmo, suave e termina em mais uma enorme tempestade. Que poder vocal.

MARÉ – MARÉ [Sons Vadios, 2024]

Sediada na Nazaré, a editora Sons Vadios, a par da minhota Tradisom, continua a dinamizar o cada vez mais debilitado mercado discográfico de artistas portugueses ligados às músicas de raiz. Não apenas em termos de edições discográficas, mas sobretudo na forma inteligente como concebem as criações temáticas em que, à música, se associa por vezes o teatro e a componente multimédia (videografia). Depois de “Assim Devera Eu Ser” (vida de Amália contada como se tivéssemos 10 anos) e de “Aerograma Liberdade” (que aborda a correspondência entre militares e as famílias durante a Guerra Colonial), a Sons Vadios apresenta agora o livro-CD “Maré”.

Além de obra discográfica graficamente muito cuidada, é também um espectáculo musical, de videografia e de literatura, que homenageia a vida e o árduo trabalho dos pescadores e das comunidades piscatórias de todo o país. “MARÉ” serve igualmente para assinalar o 80.º aniversário da Mútua dos Pescadores (1.ª cooperativa de utentes de seguros deste sector).

A bordo desta embarcação, mais um supergrupo trad, embora um pouco mais pequeno do que a Companhia do Canto Popular, constituído por Abílio Caseiro (cavaquinho, bandolim, guitarra portuguesa, guitarra eléctrica), Celina da Piedade (voz, acordeão), Quiné Teles (percussão, voz), Sara Vidal (voz, harpa celta), Zé Francisco (guitarra, voz), João Espada (videografia) e Sónia Pereira (literatura portuguesa), para além do Coro Mútua (constituído por cantores amadores ligados ao sector da Pesca).

Trindade, como o FMM de Sines. Esteve recentemente no nosso país (Guarda, Espinho e Seixal), uma vez mais, a apresentar as canções do seu segundo e recente álbum a solo “Onde” (onda), que tem andado em lugares cimeiros nas tabelas de álbuns de músicas do mundo (World Music Chart Europe e Transglobal World Music Chart). Mazzotta sobe ao palco envolta numa manta térmica de emergência dourada para interpretar o tema de abertura deste disco: “La Fortuna”. Canção que cresce como uma onda no pacífico Mediterrânico até se tornar tempestade e virar as frágeis embarcações africanas que tentam chegar à margem europeia. Pizzica e demais tradições salentinas, revestidas de rock’n’roll psicadélico à semelhança do projecto que une Mauro Durante (o líder de CGS,) e Justin Adams (exímio guitarrista e agora também produtor da fadista camoniana LINA_). Um “ power trio” de alta voltagem constituído por Ernesto Nobili (guitarra eléctrica e barítona) e Cristino Della Monica (bateria, percussões e electrónicas). Vida e morte interligadas entre Apúlia e o deserto do Niger com o tuarege Bombino a trazer ainda mais visceralidade em “Sula Nu Puei Stare”, numa fusão de blues-rock do deserto saariano com (também) buleria andaluz. Veneração ao grão de voz da mítica cantautora siciliana Rosa Balistreri (“Terra Can Nun Senti”). Oração

Ao longo de um disco eclético e de repertório muito diversificado, que vai buscar ao baú pérolas de José Afonso (“Canção do Mar”, “Tenho Barcos, Tenho Remos”), semi-hinos nazarenos como “Não Vás ao Mar, Toino” (ainda ecoa na nossa memória a versão desta moda de Júlio Pereira com os Chieftains tocado na Aula Magna) “Toma Lá, Dá Cá”, há ainda velhas histórias dos pescadores de Santa Luzia (Tavira) com o cunho pessoalíssimo de Zé Francisco dos Marenostrum (que acabaram de celebrar 30 anos de actividade) em “Bóia de Sentença”; jogos rítmicos característicos do projecto Da Cor da Madeira de Quiné Teles (que gravou este disco no inevitável Sótão da Velha); a harpa da Sara; o acordeão da Celina. Um disco fresco, que traz novidade, mas muito familiar. Um regresso à velha e saudosa praia. Luís Rei [O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]

A SEDE DA FUNDAÇÃO INATEL

Em 13 de Junho de 1947, nas comemorações do 12.º aniversário da FNAT, é oficialmente inaugurada a nova sede, sita na Calçada de Santana, n.º 180, cerimónia que contou com a presença das principais figuras do Estado. O edifício fora adquirido em 1945 a Costa França, para aí se instalar os serviços centrais, então localizados na R. Vítor Cordon.

A sua edificação, cuja data precisa se desconhece, foi atribuída a António de Miranda Henriques, Cap. Governador de Mazagão (1724-27), de que foi herdeira Maria Isabel Freire de Andrade e Castro (1836-1905), neta de Nuno Freire de Andrade e Castro (1765-1845), 1.º e único Conde de Camarido. Daí o edifício surgir,

por vezes, como «Palácio Camarido» ou «Camaride», designação imprecisa que alguma imprensa escrita lhe atribui em 1947 (Diário de Lisboa, 8815 (13/6/1947): 1), quando, na realidade, o «Palácio dos Condes de Camarido» ficava situado em S. Sebastião da Pedreira.

É admissível que o atual edifício, sóbrio e de traça simples, tenha sido erigido no séc. XIX sobre os alicerces de anterior palacete setecentista, possivelmente destruído ou danificado no terramoto de 1755, uma vez que a Calçada foi um dos locais mais afetados pela catástrofe. Através da imprensa coeva é, contudo, possível traçar as principais alterações ocorridas desde finais do séc. XVIII.

A primeira referência que achámos ao edifício, ou parte dele, remonta a 1798, num anúncio da venda de «[…] uma Botica, com louça à moderna […] estabelecida na Calçada de Santa Ana, defronte da Paroquial Igreja de N.ª Sr.ª da Pena » (Correio mercantil, e económico de Portugal, 37 (11/9/1798): 295-96). A partir de 1820, funciona aí o Colégio de Luís Maigre Restier, onde se mantém por cinco anos (Gazeta de Lisboa, 301 (21/12/1819): [4]). Em 1826, já sob a égide da Carta Constitucional, é aí instalado o quartel-general do Governo das Armas da Província da Estremadura, comandado pelo Gen. Saldanha, que aí reside até à sua demissão em 24 de Julho de 1827 e subsequente fuga para o exílio durante a ditadura miguelista (ibid., 38 (14/2/1826): 149). Dois anos mais tarde, são aí leiloados os bens que lhe foram confiscados, bem como de outros liberais emigrados, como o Marquês de Palmela e o Conde de Vila Flor (ibid., 229 (28/9/1829): 946). Em 1856, durante um surto de cólera, é aí instalado um hospital de coléricos (Gazeta medica de Lisboa, s. 1, a. 4, 87 (1/8/1856): 237-38). José Baptista de Sousa

O cais do olhar

OS NOSSOS

“CINEMAS PARAÍSO”

Ir ao cinema também é escolher a sala

Edifícios centenários ou com pouco mais de 50 anos, icónicos na monumentalidade ou na sua essência de “cinemas de bairro”, renovados no interior e mantendo os traços que os tornaram mágicos, podem ser pretexto para uma viagem ao passado, de norte a sul do país, e a oportunidade para uma experiência cinematográfica única e completa. Devolvidos às cidades após um ciclo de declínio e abandono, estes cineteatros, outrora templos agregadores, foram recuperados e atualizaram-se com equipamento de vanguarda. Quais cápsulas do tempo, não perderam essa ligação afetiva à sétima arte nem a espetacularidade de ver cinema como um acontecimento, que se revela na grande tela, às escuras, em comunidade.

Cine-Teatro Sousa Telles, Ourique, 1899 Sobrevivente da arquitetura de espetáculo de XIX, no interior do país, foi primeiro teatro, depois cineteatro, e persiste com grande atividade, mantendo a fachada original, em arco que abre para uma parede cega, com telhado em plano recuado e uma torre lateral. Inaugurou com uma peça de amadores de teatro e lotação de cerca de 200 lugares, incluindo galeria reservada a senhoras desacompanhadas.

Cinema Ideal, Lisboa, 1904

Caso invulgar de resistência, é o mais antigo cinema de Lisboa, o único que subsiste no centro e que continua em funcionamento, sem interrupção, por mais anos. Inaugurou como Salão Ideal e conheceu logo grande sucesso com fitas mudas. Passou por várias designações – Piolho do Loreto, Cine Camões, Cine Paraíso – públicos e programações, e reabre em 2014, modernizado, com uma arquitetura de cinema como já não se encontra entre nós.

Theatro-Circo, Braga, 1915

Entre o teatro à italiana e o “circo de cavalinhos”, abriu com vocação de salão recreativo acolhendo circo, variedades e filmes mudos, teatro, ópera e operetas. A sumptuosidade do interior, de rara imponência e grande beleza, contrasta com a austeridade da fachada, evidenciando a vitalidade económica de Braga. É hoje

uma referência no meio artístico europeu, pela antiguidade e qualidade do restauro.

Teatro Faialense, Horta, 1916 O União Faialense, edificado em 1856, foi o primeiro teatro regular dos Açores e a primeira casa de cinema do Faial. Como animatógrafo, o velho edifício exigia novas condições sendo demolido para dar lugar ao Faialense, hoje exemplo de descentralização cultural e boa arquitetura teatral de época, na estrutura de ordens de camarotes a enquadrar a plateia.

Batalha Centro de Cinema, Porto, 1947

Obra emblemática da invicta, está intrinsecamente ligada à criação do primeiro cineclube do país e à exibição regular. Pela sua expressão arquitetónica e decoração interior, foi considerada construção arrojada, paradigma da modernidade. Renasce em 2022, revelando os frescos de Júlio Pomar, censurados pelo antigo regime, conservados entre camadas de tinta.

Cineteatro Messias, Mealhada, 1950

Fiel à “Arquitetura do Estado Novo”, com elementos regionalistas, é o último cineteatro de Rodrigues Lima, autor do projeto do Monumental de Lisboa. Implantado na zona de expansão urbana, exibe uma impressionante fachada de gaveto, acompanhada da varanda em terraço. Foi o industrial Messias Baptista que deu à cidade esta magnífica casa da cultura.

Cine-Teatro João de Deus, S. Bartolomeu de Messines, 1972

Uma relíquia dos anos 70, considerada a melhor sala de cinema do Algarve, conserva a fachada modernista e o charme original, com plateia e balcão, ótima visibilidade e excelentes condições acústicas. Continua a atrair público do Baixo Alentejo e freguesias vizinhas, tal como sucedia em 1930, no tempo do antigo cinema. No balcão, podemos ocupar as cadeiras do extinto Londres. Sofia Tomaz

Obras na futura sede da FNAT, 1946 [ FI | AF DIR-INS-03 ]
Inauguração da Sede da FNAT, 13/6/1947 [ FI | AF 17453 ]

teatro da Trindade inatel Nova Temporada para continuar a esgotar salas

“Um convite à provocação e reflexão sobre os tempos que vivemos”, é assim que o Trindade assume as suas propostas para a temporada de 2024-25, com a qual o Teatro pretende dar continuidade àquela que tem sido uma das marcas da direção de Diogo Infante: a captação e fidelização de públicos e uma maior sustentabilidade financeira do projeto artístico

Numa audiência constituída por jornalistas, artistas e produtores, o Salão Nobre do Teatro encheu para a apresentação da nova temporada do Trindade. Diogo Infante começou por agradecer aos criadores e coletivos teatrais da temporada anterior, em que, como referiu, se verificou um sucessivo recorde de taxas de ocupação, registando-se no ano de 2023 mais de 90.000 espectadores, confirmando assim uma tendência que já se vinha refletindo no ano anterior. Na sua perspetiva tal deve-se à consistência da programação, ao esforço da equipe artística e técnica do Teatro e à parceria de comunicação e divulgação com a Média Capital. Neste contexto valorizou também a relação que o Trindade mantém com várias estruturas de formação nas artes do espetáculo, como por exemplo a Escola Superior de Teatro e Cinema, permitindo que os alunos destas escolas possam ter um acompanhamento privilegiado, e com maior proximidade aos espetáculos e aos ensaios com público. E congratulou-se por viver há seis anos uma liberdade de programação que nunca tinha vivido em nenhum dos seus anteriores projetos (de notar que antes de dirigir o Trindade, fora diretor artístico do Teatro Nacional D. Maria II e do Teatro Maria Matos).

Sobre a programação, que seria apresentada em seguida projeto a projeto, Diogo Infante referiu ainda que, de forma assumida, ela corre algum risco porque assenta em textos teatrais que refletem preocupações atuais, em temáticas tão diversas como o confronto com ideologias políticas, o papel social que representamos, os julgamentos na praça pública, as redes sociais, a ideologia de género, a eutanásia, a memória da ditadura ou, o mais intemporal de todos os temas, o amor.

A temporada abre a 12 de setembro com “Telhados de Vidro”, de David Hare, drama que interliga política, poder e paixão e que depois da sua estreia em 1995 no National Theatre, se tornou uma das mais bem sucedidas peças deste autor. No elenco, dirigido por Marcos Medeiros, Benedita Pereira, Diogo Infante e Tomás Taborda. Depois de deixar o Trindade, a 17 de novembro, inicia uma digressão que, até 15 de março, já tem apresentações confirmadas em Leiria, Barreiro, Santa Maria da Feira, Oliveira de Azeméis, Figueira da Foz, Porto e Ponta Delgada.

A produção do Trindade para a Sala Estúdio do texto “Sombras” de Miguel Falcão, encenado por Ana Nave, com as atrizes Carla Maciel e Mafalfa Marafusta, é um outro ponto de destaque na temporada. O texto venceu a 6.ª Edição do Prémio

Diogo Infante congratulou-se por viver há seis anos uma inigualável liberdade de programação

Miguel Rovisco, galardão com que a Fundação INATEL vem promovendo a dramaturgia portuguesa (e que, para além do prémio monetário e da edição, contempla montagem do texto na Sala Estúdio e gravação para a RTP). “Sombras”, díptico de “23 segundos”, peça do mesmo autor que a Comuna-Teatro de Pesquisa apresentou recentemente – e onde se contava uma rocambolesca fuga de presos políticos durante o Estado Novo – traz também à evidência o muitas vezes negligenciado papel das mulheres no combate à ditadura. Outro momento alto da temporada, com estreia em dezembro e que se prolongará até fevereiro, irá ser “A Médica”, uma coprodução que volta a juntar o Trindade e o Teatro do Eléctrico (tal como acontecera em “Noite de Reis” que por causa do seu êxito e lotações esgotadas voltará também nesta temporada). A peça de Robert Icke é uma adaptação contemporânea do drama “Professor Bernard” de Arthur Schnitzler.

No elenco, entre outros, Custódia Gallego, Adriano Luz, Igor Regalla, Inês Castel-Branco e Sandra Faleiro.

Na Sala Estúdio realce para três espetáculos que são também três exemplos de uma dramaturgia no feminino: “Marilyn, por trás do espelho”, Prémio Cenym 2022 de Melhor Monólogo e Melhor Texto Original, onde Anna Sant’Ana, que também é a autora, dirigida por Ana Isabel Augusto, revisita a vida controversa de um dos maiores ícones de beleza do século XX; “Um País que é a Noite”, de Tatiana Salem Levy e Flávia Lins e Silva, que ficciona sobre um último encontro entre Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena, horas antes deste último, no ano de 1959, perseguido pela PIDE, fugir para o Brasil e o primeiro texto teatral de Paula Guimarães, “O Eutanasiador”, interpretado por Sérgio Praia, com direção de Diogo Infante, que se debruça sobre um tema muito polémico, a eutanásia. A presença do Ciclo Mundos na próxima

temporada do Trindade foi apresentada por Carlos Seixas. O também programador do Festival Músicas do Mundo destacou três concertos. O primeiro, em setembro, reúne dois nomes maiores da cultura e da música de Cabo Verde e do Brasil, Mário Lúcio e Chico César. O segundo, em outubro, traz Luzmila Carpio, a cantora, compositora, atriz boliviana de origem quéchua que há mais de meio século leva pelo mundo os ancestrais sons andinos e as tradições indígenas latino-americanas. E, finalmente, a norte-americana Lakecia Benjamin, saxofonista alto que ascendeu a um lugar de destaque no atual panorama de renovação do jazz, que em novembro sobe a palco para apresentar o seu último trabalho, “Phoenix”, metáfora do renascimento, processo que se adapta à vida da artista que em 2021 sofreu um acidente que a deixou entre a vida e a morte e que passadas três semanas já estava de regresso aos palcos. Joaquim Paulo Nogueira

Custódia Galego, “A Médica”
Miguel Falcão, prémio Miguel Rovisco
Carlos Seixas apresenta Ciclo Mundos

Os tempos livres estão desde sempre na raiz da Fundação, primeiro com a sua proposta de, através da cultura e do desporto, contribuir para enriquecer e preencher os tempos de lazer dos trabalhadores, depois, ao longo dos tempos, reconfigurando-se num percurso que acompanhou a própria evolução que estas atividades foram tendo, agregando às áreas tradicionais, novas práticas como as expressões artísticas e lúdicas.

A Academia INATEL surge como o corolário desde percurso, projetando-se como uma Academia de Artes e Cultura, possuindo uma oferta diversificada onde poderemos encontrar, entre outros, cursos de música, dança, teatro, pintura, fotografia, artesanato. Através de uma metodologia assente na prática, na partilha e na criatividade, pretendem possibilitar a aquisição de competências artísticas, culturais e, também, sociais que hoje são, consensualmente, tidas como essenciais para um bem-estar individual e comunitário.

Num ambiente festivo os dias de 21 a 26 de junho no Parque de Jogos 1.º de Maio, onde está instalada a Academia Inatel de Lisboa, que articula com os vários polos de formação espalhados pelo país, deram conta da diversidade de práticas e experiências a que os formandos têm acesso. A mostra começou num pequeno palco instalado no átrio da Academia com apresentações de teatro de improviso, de danças populares portuguesas e diferentes apresentações musicais.

Na sala maior da Academia uma exposição mostrou trabalhos de alunos dos cursos de fotografia do espetáculo, de pintura e desenho e de construção de instrumentos de corda. As apresentações dos outros dias ocorreram numa sala apetrechada tecnicamente para funcionar como estúdio de dança ou teatro e pequeno auditório.

Improvisar com regras

Antes dos formandos do curso de Teatro de Improviso subirem ao palco, a formadora, a atriz Alexandra Pato, explicou que improvisar em teatro não é dizer a primeira coisa que nos vem à cabeça, mas sim pôr em jogo, no momento, uma estrutura base assente em quatro elementos, a personagem, a relação, o objetivo e o lugar.

No final, trocámos breves palavras com os improvisadores. Mariana, a decana do grupo, tem 85 anos e desde que se reformou, foi professora de desenho, tem feito diferentes formações, disse-nos: “O meu objetivo era sair de casa, estar distraída, já fiz vários cursos, joalharia e teatro.” Rosa, de 76 anos, uma das formandas mais ativas, também participa no curso de “Teatro e Memória” e na “Dança Maior”, era tradutora, é a primeira vez que está em cima do palco. Pedro, o mais novo, 26 anos, faz teatro e gostou muito do grupo: “Eu também dou aulas de teatro, e para mim aprender a lidar com as diferentes faixas etárias é muito importante. Aprende-se sempre, não é?”

No mesmo compasso dar o gosto ao pé e aprender sobre as tradições populares Os vários cursos de música, orientados por José Carita, Vítor Rosa e Hermínio Carneiro, abrangendo instrumentos como o cavaquinho, a guitarra clássica, a concertina e os cordofones, anima-

A expressão e a criatividade não têm idade

A 3.ª edição da Mostra da Academia de Formação INATEL estendeu-se de 17 a 5 de julho em vários locais do país. Em Lisboa testemunhámos a forma como as suas apresentações de teatro, música e dança e as exposições de pintura e fotografia, trouxeram um convívio e festa que misturou gerações, dando palco à alegria da expressão e da criatividade

Cursos de Teatro de Improviso, Concertinas e Danças populares

ram a tarde da Mostra da Academia Lisboa, enchendo o palco com muitos instrumentistas que no final apoiaram a atuação do grupo das Danças Populares.

A entrada das Danças Populares enquanto curso de formação, nasceu da proposta de Patrícia Pote, da equipa da Academia INATEL de Lisboa e que é apaixonada pelas danças populares, desde pequena cresceu no Rancho de Folclore de Glória do Ribatejo. Contou-nos:

“Aqui aprende-se do zero, começa-se do zero. Não é preciso saber dançar, desde que tenha alguma noção de ritmo podem vir à vontade para o curso. Em vez de, por vezes, a pessoa ir fazer uma caminhada ou ir fazer uma corrida, vem dançar. É ginástica. Nós continuarmos a estimular a mente através da dança e, neste caso, através da cultura popular, vamos aprendendo muito sobre as várias regiões do nosso país.”

As apresentações dos grupos dos cursos de “Teatro e Memória”, “Teatro para Jovens”, dirigidos pela atriz Carla Madeira, e de “Voz, Dicção e Postura Corporal”, orientado pela atriz e cantora Fernanda Paulo, preencheram os finais de tarde de segunda e terça-feira. O último dia, também ao final da tarde, foi dedicado aos cinco grupos de dança (Dança Criativa, Dança Maior, Dança Jazz e Dança Contemporânea) orientados por Bárbara Faustino, bailarina brasileira radicada em Portugal há 10 anos, sempre a trabalhar com formação e criação. É com ela que damos o ponto final neste breve apontamento sobre a Mostra. Disse-nos: “É muito essa vontade de reunir todas as gerações, porque a mim, de verdade, me emociona pensar que o miúdo mais pequenino tinha quatro anos e a senhora maior, tem oitenta e quatro. Oitenta anos de diferença entre os dois e, entretanto, os dois estavam a dançar a mesma coisa. Para mim, me encanta. É um desafio imenso, a possibilidade de pensar que qualquer corpo dança. Eu gosto de pensar que o trabalho que eu faço de dança está entre o corpo e o desejo. Se há corpo e há desejo, ele dança.” Joaquim Paulo Nogueira

Crónica

OUVIR O VELHO DO RESTELO

Natália Correia afirmava que a nossa cultura era feminina, pagã e rural; que a política, economia, a identidade, a religiosidade portuguesas estavam ligadas às freguesias, húmus de um matriarcado subterrâneo e arfante.

O País, na sua perspectiva, estruturou-se em municípios republicanos coordenados por reis, então eleitos (confirmados) nas cortes. Ao afastar-se, tempos depois, desse enraizamento, Portugal alheou-se do comunitarismo inicial, impelido por centralismos, absolutismos, catolicismos, caciquismos, colonialismos, negreirismos fomentadores de ditaduras, migrações, inquisições que o mudaram mas não destruíram – ainda.

A coesão dos seus municípios explica a coesão do seu território, tornando-o o Estado (com fronteiras definidas) mais antigo da Europa – a fazer em breve mil anos de existência. Reservas dessa genuinidade resistem, aliás, e por exemplo, em zonas das Beiras, Trás-os-Montes, Alentejo, Açores.

Nenhum governo, nenhuma ideologia, nenhuma multinacional ganhará se tentar alienar a matriz do poder local, se não perceber que a agricultura não deve preocupar-se em produzir feijões ou batatas, mas em produzir agricultores; que a política não deve ocupar-se a produzir decretos, mas bem-estar dos cidadãos. Isso lembrava Agostinho da Silva para quem Portugal “é um espaço rodeado de Portugais (rurais) por todos os lados”.

A primeira grande ruptura deu-se nos Descobrimentos, ao trocarmos os campos pelos oceanos, a produção interna pela intermediação externa, ao abrir-nos à colonização de outros para benefícios, não nossos, mas de lóbis dominantes. As especiarias da Índia, o oiro do Brasil, os escravos de África, os fundos da CE paralisaram-nos mais do que nos dinamizaram. Se não retrocedem a tempo, os colonizadores acabam colonizados – e expulsos.

“A epopeia dos Descobrimentos ficou-nos mais fonte de sacrifícios do que de proveitos. Em vez do livro do Deve & Haver que escreveram holandeses, ingleses, franceses, compusemos uma História Trágico-Marítima. Houve sempre em nós o predomínio da fantasia sobre o cálculo, do sentimento sobre a razão”, anotava Teófilo Braga.

De movimento contrário ao da expansão seria, séculos depois, o desaguar (aqui) de milhares de portugueses vindos das ex-colónias africanas, na sequência das suas independências. Impropriamente chamadas de retornados, cerca de 800 mil pessoas, na sua maioria gente activa e empreendedora, espalharam-se (foram espalhadas a fim de evitar-se o sucedido quando da primeira vaga de retornados, a do Magrebe) pelo país, um país desertificado pela guerra e, como hoje, pela emigração.

Com o seu conhecimento e a sua raiva desbravaram, então, o interior, como desbravaram os sertões africanos, melhorando, diversificando a agricultura, o comércio, os costumes, a gastronomia, a cultura. Antes das navegações, quando D. Pedro se voltou para a Europa e D. Henrique para o oceano, Portugal era uma nação onde a paz se generalizara, as actividades agrícolas e comerciais, os ofícios e as

Nenhum governo, nenhuma ideologia, nenhuma multinacional ganhará se tentar alienar a matriz do poder local

artes se afirmavam, levando o cronista Gomes Anes de Zurara a exclamar “ser ele o maior e mais bem-aventurado reino que há no mundo, pois tem todas as boas coisas que um reino abastado deve ter”. Foi então que o atlantismo venceu o continentalismo e Portugal se derramou – sob a bênção vaticana da Cruz de Cristo. A nossa religiosidade, sublinhava a autora de Armistício, enraíza num paganismo difuso que, sagaz, o catolicismo adaptou às suas mitologias. Muitos dos cultos existentes assentam, com efeito, em devoções antiquíssimas a altares politeístas e libertários sem que os crentes tenham deles verdadeiro conhecimento.

Subversor, Camões criará n’Os Lusíadas o episódio da Ilha dos Amores e dará voz à figura do Velho do Restelo, maneira de sinalizar um tempo sem preconceitos nem colonialismos que, em futuro a vir (um 25 de Abril?), possa restituir-nos a autonomia e a liberdade hipotecadas.

Curiosamente, vultos recentes como Agostinho da Silva, Natália Correia e Manoel de Oliveira tentaram (na fase final das suas vidas) recuperar a personagem de Luís Vaz – pelo seu significado profético e simbolismo identitário – tirando-a do esquecimento, menosprezo mesmo para que, durante séculos, a remeteram.

Natália Correia escreveu um ensaio, Agostinho da Silva divulgou uma Carta Vária, Manoel de Oliveira fez um filme, obras, todas, por não integrarem o correcto do pensamento dominante, sem repercussão. Não conseguindo financiamentos à altura do seu projecto inicial, Manoel de Oliveira sentou, em melancólico banco de jardim, na Foz do Douro, Camilo, Camões, D. Quixote e Teixeira de Pascoaes a reflectirem questões que, agora, se ressuscitam.

“Portugal é grande, não pela extensão mas porque é antigo”, lembra, em Uma Viagem à Índia, Gonçalo M. Tavares.

Como seria o País se tivesse dado ouvidos ao Velho do Restelo?

[O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]

JS

Fernando Dacosta

Passatempos

Palavras cruzadas POR josé lattas

HORIZONTAIS:

1-Aclaras. 2-Vazadas; Doçura. 3-Lavabo; O mais extenso dos rios inteiramente suíços. 4-Prestidigitador. 5-Possuir; Cobalto (s.q.); Sigla de coligação política. 6-Acordo. 7-Designação dada a um pão doce, feito de farinha, ovos e açúcar; Sódio (s.q.) (inv.); Rabadas. 8-Promovera; Arsénio (s.q.). 9-Numeral ordinal, correspondente ao número nove; Cheiro. 10-Assanho; Importuna. 11-Vede!; Erário.

VERTICAIS:

1-Incentivo. 2-Apelido do músico português Bernardo Moreira,

nascido em Guimarães (1853-1924); Aversão. 3-Planta da família das Umbelíferas, de onde extrai um veneno; Conciliais. 4-Nota musical; Membro do senado. 5-Ácido acetilsalicílico, com efeitos analgésicos e antipiréticos; Ástato (s.q.). 6-Um dos satélites de Júpiter; Décima sétima letra do alfabeto grego. 7-Libertas. 8-Cério (s.q.); Metalóide, sólido e brilhante, com número atómico 53 e grandes propriedades anti-sépticas; Elemento de composição, que traduz a ideia de cru. 9-Pronome pessoal feminino (pl.); Susteve-se. 10-Umbaraçadas; Laurêncio (s.q.). 11-Cadeia; Primeiro nome do político chinês (1893-1976), que presidiu à República Popular da China, entre 1949 e 1958.

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