HISTÓRIA, LÍNGUA E FUTURO
Verde
ilustração
Susa Monteiro
Susa Monteiro vive em Beja, cidade onde nasceu.
Estudou Realização Plástica do Espectáculo na Escola Superior de Teatro e Cinema e cinema de animação no CITEN. Durante alguns anos trabalhou como figurinista, caracterizadora e aderecista para o teatro e para o cinema.
Em 2009, com a inauguração da Bedeteca de Beja e do Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja (onde é responsável pela linha gráfica e coorganizadora), deixa definitivamente as artes do espectáculo e passa a dedicar-se exclusivamente à banda desenhada e à ilustração.
Nos últimos anos ilustrou livros para diversas editoras como a Pato Lógico, Bertrand, Asa, Verbo, Bruáa, Oficina do Livro, etc. E ilustrou cartazes e panfletos para várias instituições e projetos (Casa da Música, Palavras Andarilhas, Almarte – Festival de Artes na Rua, La Guarimba International Film Festival, Festival du Court Métrage de Clermont-Ferrand, etc.).
Publica regularmente ilustrações e bandas desenhadas em vários álbuns, fanzines, jornais e revistas.
Tem exposto frequentemente o seu trabalho em festivais de Banda Desenhada e galerias individual e coletivamente.
Arquivo histórico | O cais do olhar
Mundos
Editorial
Caros Associados,
Tenho a honra de presidir, desde setembro último, ao novo Conselho de Administração da Fundação INATEL, uma Administração que assume com expetativa uma visão estratégica e inovadora preparada para os desafios e oportunidades do próximo triénio.
Este primeiro editorial é dedicado a todos Vós, Associados e amigos da Fundação INATEL que ao longo dos tempos nos privilegiaram com a preferência pelas nossas múltiplas iniciativas culturais, desportivas e recreativas, bem como através da nossa rede de hotéis, gastronomia ou viagens aquém e além fronteiras para desfrutar de atrativos recantos do país e do mundo.
O próximo ano impõe desafios que queremos abraçar com tranquilidade e espírito de missão e que vamos partilhar, por esta via, com conteúdos que informem, inspirem e despertem interesse pois queremos que se sintam parte integrante da família INATEL.
Em 2025 será ainda assinalado o nonagésimo aniversário da Fundação INATEL. A efeméride terá eco no jornal Tempo Livre, pois queremos relembrar façanhas que marcaram e transformaram a nossa sociedade.
A este respeito, recordo, o programa Turismo Sénior de que fomos pioneiros na década de noventa do século passado e que permitiu o desenvolvimento da economia nacional na época baixa, atualmente uma marca sustentável e inclusiva no turismo nacional. Também o nosso emblemático projeto das Aldeias Históricas conquistou o seu espaço na sociedade e adquiriu engrenagem própria ao trazer à ribalta aldeias desconhecidas do interior do país, que hoje, perfazem os encantos dos turistas.
Todavia, o jus à memória impõe recuo à época dos afamados Serões para Trabalhadores que promoviam espetáculos que ainda permanecem no imaginário de quem os vivenciou. De igual modo as célebres classes de ginástica foram vanguarda na ocupação dos tempos livres e na promoção da saúde física e mental de uma época à semelhança do teatro e sessões de cinema, dinamizadas pelas nossas delegações regionais nas aldeias mais recônditas do país.
Em suma, são nove décadas de história e memória em que o saudosismo surge apenas como trampolim para conquistar novos rumos, novos projetos e momentos únicos de lazer num mundo em constante mudança e cada vez mais global.
Como a presente edição bimestral do nosso jornal é a última do ano, quero terminar desejando a todos os Associados e respetivas famílias umas Boas Festas, com saúde e sempre na companhia da INATEL.
Até 2025!
50 ANOS DO 25 DE ABRIL
Mudam as gerações, muda
“A nova geração está a mudar o mundo do trabalho” foi o mote da conferência organizada pela Fundação Inatel e o jornal Público
“O Futuro do Trabalho 50 anos depois de Abril”, que juntou a 8 de outubro no Teatro da Trindade vários especialistas num debate em torno das transformações que estão a acontecer no mundo laboral
Depois dos anfitriões da iniciativa, José Manuel da Costa Soares, presidente da Fundação Inatel e o diretor do jornal Público, David Pontes (que também leu uma mensagem do Presidente da República), terem feito a abertura da Conferência, a jornada de debate começou com Pedro Mota Soares, advogado e antigo ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social. Apontando várias questões que iriam andar depois a pairar como pontos de referência, algumas delas a partir das conclusões do inquérito “Os jovens e o mundo do trabalho”, feito pelo CESOP – Universidade Católica Portuguesa para a Fundação Inatel, designadamente a preocupação com o desemprego jovem, os salários baixos, trouxe um discurso marcado pelo otimismo e pela esperança. Disse: “Se o futuro parece que está a acelerar, é porque está mesmo a acelerar. Durante uma grande parte da história da humanidade, a experiência foi sempre uma experiência de avanço local e linear. Hoje o avanço das sociedades é global e é, acima de tudo, exponencial. E portanto, o que eu aqui venho fazer é um convite à reflexão que nos leve à ação.” E deixou uma pista muito concreta: “Numa mudança tão profunda e tão rápida a única forma de conseguirmos liderar essa mudança, e retirar efeitos positivos dela, é envolver as pessoas, é perceber o que é que os portugueses esperam, é perceber como é que as pessoas olham para a frente e como é que nós podemos responder a muitos desses desafios e a muitos desses anseios.”
O mercado de trabalho hoje O primeiro painel, moderado pela jornalista e diretora-adjunta do Público, Sónia Sapage, foi dedicado às necessidades atuais do mercado de trabalho. Participaram o sociólogo Paulo Pedroso, presidente da associação Causa Pública, João Cerejeira, investigador e professor em Economia na Escola de Economia e Gestão da Universidade de Minho, e Paula Lampreia, diretora de Pessoas e Cultura, da empresa Randestad de Portugal.
Muitas das questões trouxeram pontos convergentes em todos os participantes, embora cada um tivesse de alguma forma trazido uma visão particular. João Cerejeira deu grande relevo às questões educacionais destacando “a importância da redução do abandono escolar para níveis inferiores à média da União Europeia. Baixamos aquela meta dos 10%, está em
cerca de 5%, 6% face a valores que eram quase terceiro-mundistas há 30 ou 40 anos atrás.”
Importante também a sobrequalificação, levando recorrentemente jovens licenciados a trabalhos que antes exigiam cursos ao nível do ensino secundário. Para ele “houve uma queda do prémio salarial associado à escolaridade, porque o aumento da oferta não foi acompanhado pelo aumento da procura. Este facto é, por outro lado, acompanhado de um crescimento real dos salários mínimos”.
Este investigador identifica na separação existente entre o ensino regular e o ensino profissional, ligando um mais à educação e outro ao sector do trabalho e à solidariedade, uma fonte de problemas, propondo, como foi aliás a tónica de vários participantes, uma maior ligação entre o ensino e o tecido económico. No que se refere às alterações no conceito de trabalho, sublinhou duas questões, primeiro a de que há um regresso aos valores que se falavam há 40, 50 anos atrás, com a implementação de iniciativas em que as empresas entram por áreas que se enquadram nos apoios sociais que estavam a cargo do Estado, depois que começa a ser valorizada e dada grande importância à aprendizagem ao longo da vida.
Paulo Pedroso, investigador que também já foi ministro das áreas do Trabalho e da Solidariedade, sublinhou que houve uma erosão do conceito de carreira que, segundo ele, tinha a sua solidez na contratação coletiva, na definição de carreira, na existência de regras para a progressão (por mérito e por antiguidade). Para este sociólogo “o direito do trabalho não está a ser capaz de se adaptar às novas realidades” e é necessário ajustar o salário ao aumento da produtividade porque “na última década quebrou-se um elo sagrado da política salarial que é a variação entre o salário e a produtividade. Há setores em que a produtividade aumenta e o salário diminui.” Para ele “o que pode conter o fluxo migratório é a questão do salário adequado para jovens qualificados”. E lembra que em relação à sobre qualificação, deve ser analisada em conjunto com a questão da subqualificação sistemática que afeta o tecido produtivo nacional. Por sua vez Paula Lampreia valorizou a necessidade de associar a visão académica à visão das empresas, considerando que “é muito importante um debate ativo atual, com uma concretização efetiva por parte de empresas e empregadores e com uma informação e preparação dos
muda m-se as vontades
jovens para as novas realidades do trabalho, sublinhando o mote que já tinha sido dado por Pedro Mota Soares, sobre a inteligência artificial: “Ela vai permitir reinventar algumas funções, criar outras, requalificar, fazer adquirir novas competências”. Depois de afirmar que a pandemia foi um grande laboratório social por termos estado todos ao mesmo tempo na mesma situação, e comentando o inquérito realizado pelo CESOP disse que hoje “a ambição não está unicamente associada ao dinheiro e ao status, o equilíbrio entre a vida pessoal e a vida profissional, bem como a conexão com a organização, são fatores decisivos para a escolha dos jovens”.
O que querem as novas gerações?
Numa conferência sobre as alterações no mundo do trabalho que enfatizou o papel das novas gerações e que teve como pano de fundo o já referido inquérito “Os jovens e o mundo do trabalho”, era fundamental um espaço que desse protagonismo à palavra das novas gerações. Foi o que aconteceu no segundo painel, “Os jovens e o trabalho, atitudes, comportamentos e oportunidades”, moderado pelo jornalista Rubén Martins e da qual fizeram parte Mafalda Rebordão, economista e membro do Grupo de Reflexão do Presidente da República, Tânia Gaspar, coordenadora do Laboratório Português de Ambientes de Trabalho Saudáveis, Paulo Marques, coordenador do Observatório do Emprego Jovem e André Cardoso, presidente do Conselho Nacional da Juventude. Embora muitas das questões debatidas neste painel tivessem circulado do anterior painel, de certa forma criou-se uma unidade temática em torno da questão da saída de jovens do mercado nacional, reforçada aliás pelas conclusões do inquérito do CESOP. Expondo o contraste, como referiu logo no início o moderador Ruben Martins, entre o “chavão da geração mais qualificada de sempre, e ao mesmo tempo, o ser uma geração que vive com muita precariedade, com difícil acesso à habitação, onde um curso superior nem sempre é sinónimo de condições de vida dignas”.
Mafalda Rebordão, a primeira a intervir, respondeu: “Parece que em Portugal temos medo de falar sobre o dinheiro, e medo de pagar bons salários. Quando na geração Z se diz que somos os mais bem qualificados de sempre, esperamos ser remunerados da mesma forma. A diferença salarial de um jovem que sai da faculdade e um que acaba o secundário é mínima.” Para esta economista “o facto de as pessoas saírem não é uma coisa má, o que é mau é não haver políticas capazes de as trazer de volta.” Sobre as alterações no mercado de trabalho chamou a atenção quer para a expectativa que os jovens têm de uma aprendizagem permanente que pode ser na própria empresa com a circulação entre departamentos, criando e alargando o portfólio, quer para esta nova geração ser uma geração de causas, e que isso se reflete nas empresas com a criação de grupos
“Na última década quebrou-se um elo sagrado da política salarial que é a variação entre o salário e a produtividade. Há setores em que a produtividade aumenta e o salário diminui” Paulo Pedroso
“Parece que em Portugal temos medo de falar sobre o dinheiro, e medo de pagar bons salários. Quando na geração Z se diz que somos os mais bem qualificados de sempre, esperamos ser remunerados da mesma forma” Mafalda Rebordão
“O crescimento económico está alavancado em setores que utilizam contratos flexíveis e sazonais” Paulo Marques
“É igualmente preocupante, tenho sempre dito, mais preocupante até, que o salário médio esteja abaixo dos 1100 euros. E, portanto, nós temos aqui um achatamento que se tem vindo a acentuar entre o salário mínimo e o salário médio” Maria do Rosário Palma Ramalho
e comunidades diversificadas, como por exemplo sobre as questões LGBT, sobre a sustentabilidade.
Por seu lado Tânia Gaspar salientou a mudança de paradigma na expectativa dos jovens: “Há uma grande pressão para o sucesso académico, para as pessoas estudarem, terem boas notas, mas depois o feedback que aqueles que trabalham dão é a de que o dinheiro não chega, que estão sempre à espera do fim de semana, das férias. E os jovens não se revêm nisto.” Não se revêm nesta realidade, cultivam uma maior distância do trabalho, querem-no articulado com uma vida pessoal, e tanto os que têm salários mais baixos como os que ganham melhor, quando não estão bem mudam-se. Disse: “As organizações começam a perceber isto e a investir no bem-estar dos trabalhadores.”
Paulo Marques fez eco da ideia de que os jovens precisam de haver uma progressão na carreira, e chamou a atenção de que “a maior parte dos jovens estão inseridos em contextos de trabalho em que a maioria dos trabalhadores mais velhos tem contratos permanentes. Há um peso muito grande de formas atípicas de contratação e isso é uma desvantagem para os jovens.” Essa situação foi muito evidente na pandemia, disse, os jovens foram o elo mais fraco da cadeia, “porque o layoff simplificado não permitia despedir contratos permanentes”. Lembrou também que “o crescimento económico está alavancado em setores que utilizam contratos flexíveis e sazonais.” Pelo que se torna necessário políticas públicas que possam fazer que o crescimento seja associado a setores que permitam manter os jovens. E que a regulação do mercado de trabalho é importante para os colocar em igualdade de circunstâncias.” Tal como Paulo Pedroso, que tinha pegado numa ideia desenvolvida por Pedro Mota Soares, valorizou a importância de uma das conclusões do inquérito, a de que os jovens hoje estão mais afastados da sindicalização.
André Cardoso na sua intervenção defendeu que “são necessárias políticas públicas fiscais que coloquem mais dinheiro no bolso dos jovens. Temos muitos jovens que não ganham mil euros e que não se podem emancipar”. Defendeu também que “o acesso à habitação é essencial para a emancipação dos jovens e que no quadro atual o contrato permanente é importante para a aquisição de habitação”. Trouxe também a ideia de que era necessária uma literacia laboral junto dos jovens para que estes possam conhecer os seus direitos.
Investir no aumento do salário médio Ao fazer a última intervenção da Conferência, a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Maria do Rosário Palma Ramalho, reforçou de forma muito direta algumas das questões a que o debate dera relevo. Suportando-se nos dados de janeiro de 2024 do Observatório da Emigração (cruzando-os também com os dados do inquérito do CESOP) deu conta da sua preocupação pelo retrato que daí emerge sobre a situação dos jovens, no -
meadamente ao facto de um terço dos jovens nascidos em Portugal decidirem emigrar. E de metade dos jovens inquiridos viver com pais ou avós, apenas 7 % conseguiu sair de casa. 77% dos jovens têm o trabalho como principal fonte de rendimento mas olham para o rendimento que decorre desse trabalho e acham que é a área das suas vidas que tem menor taxa de satisfação. 74% dos jovens têm salários entre 500 e 1500 euros. Por outro lado embora a taxa de desemprego tenha baixado muito nos últimos anos, o desemprego jovem não corresponde a essa tendência e fixa-se entre os 20% e os 22%.
Na questão salarial, a ministra focou-se no aumento do salário médio como regulador da massa salarial: “É igualmente preocupante, tenho sempre dito, mais preocupante até, que o salário médio esteja abaixo dos 1100 euros. E, portanto, nós temos aqui um achatamento que se tem vindo a acentuar entre o salário mínimo e o salário médio. Por isso estabelecemos uma meta mais ambiciosa para o salário médio, que aumentará até 1890 euros em 2028, portanto, antecipando até aquilo que era o programa do governo, que era 1750 em 2030.” Um outro dado que preocupa a ministra é a “disparidade remuneratória entre mulheres e homens. E se essa disparidade na remuneração mensal é só de 16 %, para os lugares mais elevados na hierarquia a disparidade pode ir até os 25%. “Ou seja, as mulheres ganham menos na base e ganham muito menos nas chefias”, afirmou.
Maria do Rosário Palma Ramalho valorizou outras questões, algumas delas que já tinham sido discutidas nos painéis, como seja o peso das microempresas com menos flexibilidade na forma de gestão, a ainda reduzida expressão do teletrabalho, uma legislação laboral em grande medida ancorada no modelo de trabalho presencial clássico. Disse: “Eu costumo dizer que Portugal tem uma legislação laboral cujo paradigma é o trabalho industrial ou fabril, quando Portugal nunca foi um país industrial ou fabril. Nunca foi. Nem quando o industrialismo era o setor industrial era dominante.”
Um país a envelhecer, foi outra das suas preocupações: “Nós temos um problema gravíssimo de natalidade, entre outras coisas, porque os nossos jovens escolhem, e legitimamente, ir ter os seus filhos para sítios onde lhes paguem melhor. E isto não há volta a dar-lhe.”
Por isso chamou ao Governo o objetivo de devolver condições de trabalho e uma vida saudável aos jovens portugueses. Explicou depois que as medidas que querem implementar, em sede de acordo de concertação social, são medidas muito diversificadas, como o direto à inserção dos jovens no mercado de trabalho, como o princípio da descida do IRS jovem, medidas dirigidas às empresas, como a previsão da redução do IRC, medidas destinadas especificamente a favorecer a capitalização, a recapitalização das empresas, com incentivos diretos à entrada de capital próprio, a redução das taxas de tributação autónoma, prémios de produtividade isentos de TSU e de IRS.
Terminou assim uma jornada debate onde para além da palavra dada a especialistas na área laboral, teve como tónica a voz própria dada aos jovens para falarem da situação em que vivem e pensam a sua inserção no mercado de trabalho. Joaquim Paulo Nogueira
À Conversa com Maria João Fialho Gouveia escritora
“Dar vida à história”
Jornalista, docente, ativista das causas dos direitos humanos e dos animais, tem mais de dez livros publicados e o primeiro Fialho Gouveia: Biografia Sentimental (2013), é uma “homenagem” ao pai. Hoje “abraça a literatura” com grande paixão pela História, herdada da mãe, convicta de que o romance histórico “quando é feito com seriedade, tem o valor de conseguir dar vida à história e a personagens”. E assim viajamos no tempo
Caminhar, observar, captar. E registar episódios da vida real inspiradores. Passos repetidos levam-nos às imediações da embaixada de Itália. Por perto, no Paço da Rainha, existe um banco de jardim. Naquela manhã, ocupado por uma mulher cercada de três crianças a ouvirem uma história lida em voz alta. Ao passar, há um eco de voz feminina que enfatiza os diálogos, com a musicalidade da língua italiana. Há quem defenda que não existem coincidências, apenas sincronicidades… Vamos ao encontro da escritora, que comenta o seu mais recente livro e também fala apaixonadamente de Itália. A Última Imperatriz (Bertrand) conta-nos a história de Zita de Bragança e de Bourbon-Parma, neta do rei D. Miguel de Portugal e filha do duque italiano D. Roberto de Bourbon-Parma e de sua mulher Maria Antónia de Bragança. A sinopse revela que esta princesa de sangue luso, nascida na casa senhorial da família na “idílica” Toscana, “ascendeu a imperatriz do império austro-húngaro, unida por um grande amor e pela fé cristã a Carlos I da Áustria”, bisneto da rainha D. Maria II de Portugal. No capítulo Menina do Mar através da cumplicidade do jovem casal, Zita e Carlos, descobrimos os encantos de Viarregio: «Nessa tarde, ao ver o céu pincelado de tons de fogo e o grande astro-rei mergulhar nas águas plácidas do Mediterrâneo, Zita não conseguiu conter o deslumbre que sentia: – Não há poente mais belo no mundo!» Este deslumbramento da protagonista é a expressão da sua paixão pela Toscana? Tenho uma paixão quase umbilical por Itália. Quando estive a estudar italiano, em Florença, também visitei Viarregio, é uma cidade pequena (faz lembrar Cascais do antigamente), que ficou conhecida pelo seu pôr do sol. É realmente maravilhoso. Itália é um país que me apaixona em todos os aspetos, a cultura, a paisagem, a gastronomia, a ópera, a alegria e simpatia das pessoas, a luz… tenho uma paixão muito grande por Itália. Acredito que Zita tivesse gostado muito da Áustria, mas acho impossível que ela não tivesse uma paixão por Itália, como eu tenho. É apaixonante. A descrição de Viarregio é dela, mas também é minha. É o seu país de coração… Lembro-me que na apresentação do livro,
o embaixador italiano em Portugal fez-se representar pelo adido cultural. No final, veio cumprimentar-me e disse: “A Maria João é uma embaixadora de Itália!” É o único país pelo qual trocava o meu, se bem que fosse ter muitas saudades. Na verdade, tudo ali me encanta. E a língua… Apesar de ser professora de inglês, para mim, o italiano é a língua mais bonita do mundo. A minha professora de italiano, dizia: “Maria, o que não é musical é porque está errado.” Porque tudo em italiano é musical. Tenho uma paixão muito grande por Itália. E costumava dizer a brincar que noutra vida fui romana. É o segundo livro em que tenho a felicidade de descrever Itália, o outro, As Lágrimas da Princesa, começa em Veneza e também passa por Florença, a cidade do meu coração.
Registámos um diálogo do casal, em que Carlos diz a Zita: «Florença, por exemplo, é um museu ao ar livre. Parece que viajamos até ao Renascimento.» Sente assim?
Sempre que vejo a catedral de Santa Maria del Fiore parece-me que estou a vê-la pela primeira vez, não sei explicar a emoção é tão grande… Adoro Florença. Uma vez, numa entrevista, perguntaram-me até onde ia se pudesse viajar no tempo. Respondi: Renascimento. Por vários motivos, primeiro, foi quando os artistas começaram a assinar as suas obras, porque até então eram anónimas, e passaram a ser estrelas da corte; depois, porque nasceu em Florença, e é uma época apaixonante de grandes mudanças artísticas. Florença é um museu ao ar livre, é encantadora e inesgotável. Não tem a Fontana de Trevi [Roma] para atirar a moeda e voltar lá outra vez, mas não é preciso, no ano que vem lá estarei. No filme O Rei Perdido (2022), de Stephen Frears, uma historiadora amadora desafia académicos ao concluir uma investigação para descobrir os restos mortais de Ricardo III. No final, lemos que a rainha concedeu o título de Membro do Império Inglês a Philippa Langley, em reconhecimento dos seus serviços. E em 2018, o website da Família Real foi corrigido e Ricardo III foi registado como o legítimo rei de Inglaterra de 1483 a 1485. Houve quem pensasse que Philippa tinha uma obsessão doentia, contudo, ela quis provar que o rei merecia o seu justo lugar na História. Enquanto pesquisava dizia sentir-se “energizada e feliz”. Será também o seu caso?
Gosto muito de fazer pesquisa. É um motor que me dá imenso entusiasmo e adrenalina porque me dá confiança para continuar baseada na verdade histórica. E só começo a romancear quando esgotei a verdade histórica. Antes de escrever faço imensa pesquisa, e durante a escrita do livro continuo. Um dia estava a preparar um livro para o qual achava que não precisava de pesquisar muito... Entretanto, saí da Feira do Livro com 18 livros! A pesquisa ajuda-me a descobrir coisas novas, é isso que dá vida à história. Para mim, é importantíssimo, sou incapaz de escrever um romance sem ter esta base de apoio. Às vezes, até podem ser coisas pequenas. Houve um livro, passado em Itália, em que se falava de pizza. Depois, questionei-me: ‘Será que nesta época já havia?’ Parei a escrita do livro e demorei vários dias a pesquisar sobre a pizza. Não quer dizer que não tenha falhas, mas procuro que não tenha falhas históricas. Faz uma pesquisa exaustiva, considera-se uma perfeccionista?
Sou [risos]. Tenho a quem sair. Vivo na casa que era do meu pai [José Fialho Gouveia]. Lembro-me de uma vez em que estava numa ponta da sala grande, a preparar uma música de fundo para um programa, tratava-se de um trabalho para apresentar na universidade, e, na outra extremidade da sala, estava o meu pai a preparar um programa de rádio, com o cronómetro na mão. O meu pai lia tal e qual como se estivesse a acontecer, parava cinco minutos para a publicidade, voltava a ligar o cronómetro. Portanto, tenho a quem sair perfeccionista. Ele era assim, eu
“Não somos ninguém sem os nossos admiradores e leitores. Quando fazem um elogio ou um comentário à minha escrita é um alento para continuar”
sou assim, e só assim me sinto feliz. Quando narra a angústia da família da imperatriz, para escapar de Hitler, dedica duas páginas à atuação do cônsul Aristides de Sousa Mendes, em Bordéus: «Horas a fio e pela noite dentro, em apenas cinco dias o cônsul português emite trinta mil vistos para Portugal. É dia 18 de Junho de 1940. As pessoas frente ao consulado amontoam-se, como sempre.» É simultaneamente uma homenagem ao diplomata?
Sem dúvida. Tenho uma admiração imensa por Aristides de Sousa Mendes, acho que foi um herói, ao ponto de sacrificar sua vida e a dos seus. Acabou por ser destituído do cargo, foi proibido de exercer advocacia em Portugal, acabou na miséria, e foi enterrado com uma veste que um padre emprestou à família, que também viveu na miséria. Tive a honra de conhecer um neto. Quando a lápide de Aristides de Sousa Mendes foi para o Panteão Nacional, o coro ao qual pertenço foi atuar, encontrei um professor de História envolvido neste processo, e fui apresentada a um dos seus netos que tem muito orgulho no avô, com todo o mérito. Há um livro Sob os Céus do Estoril (que está a ser reeditado pela Bertrand), trata-se de um romance entre espiões, passado no Estoril e Lisboa, na Segunda Grande Guerra, que também fala de Sousa Mendes. Muitos dos que vieram para cá, foi através da mão dele. Foi inacreditável, por fim já não tinha papel timbrado, já escrevia noutro papel qualquer. Passou vistos, proibido por Salazar, sabendo o que o esperava. E dizia: “Aquele que salva uma vida está a salvar toda a humanidade.” É de uma grandeza! É realmente um ser humano verdadeiro, com o coração no sítio certo, e corajoso. A sua mulher [Angelina] também, alinhou com ele nessa aventura. Tenho uma grande admiração. Merece todas as homenagens. Homenageá-lo nunca será demais. Quando trabalhava na Antena 1, fui à Suécia visitar o meu irmão mais velho, e assistimos a uma sessão de A Lista de Schindler destinada à comunidade israelita de Gotemburgo. No fim, houve uma conferência de imprensa, em que percebi dois nomes que soaram cá dentro: Auschwitz e Baden-Baden. Perguntei ao meu irmão se eram sobreviventes, ele confirmou. Telefonei imediatamente para o diretor, [naquela altura] Nuno Santos, e depois entrevistei sobreviventes dos campos de concentração, pessoas
que falam com tristeza, choram, mas não falam com raiva. E não percebi como era possível aquela capacidade de perdoar. Como o Carlos e a Zita [A Última Imperatriz] também perdoaram. Foi uma das coisas que me marcou. E, mais tarde, acontece escrever um livro em que entra o nosso Schindler, é uma coisa que marca muito. Acho que temos vários heróis não cantados, mas Sousa Mendes já começa a ser devidamente honrado. Merecia mais honrarias. Pessoas que salvam os outros quando comparamos com as nossas pequenas boas ações, fazem sentir-me esmagada. Tenho grande orgulho de ser portuguesa.
Umberto Eco diz: “Há uma única coisa que se escreve para si próprio, que é a lista das compras. […] Tudo o resto que escrevermos, escrevemo-lo para dizer alguma coisa a alguém” (Sobre Literatura). Concorda?
É verdade. Escrevo porque gosto, o que gosto, e para quem gosta de me ler. Nunca me comparei a ninguém como escritora, respeito todos os meus colegas. Quando o tempo me permite, antes de escrever um livro gosto muito de reler um Eça, que para mim é o deus da escrita. Este trabalho tem de ser por paixão. Quanto à lista das compras, nunca tinha pensado nisso, mas
cheguei a escrevê-la para a minha mãe. [risos] Umberto Eco sempre foi muito irónico.
Eça de Queiroz também. Sim, tinha uma ironia muito britânica. É importante escrever para alguém? É muito importante. Não somos ninguém sem os nossos admiradores e leitores. Quando fazem um elogio ou um comentário à minha escrita é um alento para continuar. Gostei muito de trabalhar no jornalismo e no ensino. Neste momento, tenho a profissão que rima comigo.
Numa entrevista disse que o primeiro exemplar dos seus livros era sempre dedicado à sua mãe. Era a sua leitora preferida?
Sim, era sempre para ela. A minha mãe era a minha grande admiradora e leitora número um. O meu gosto pela História vem dela. E era a minha enciclopédia. Quando a minha mãe partiu, pensei: ‘E agora a quem é que vou perguntar?’ Sempre que perguntava alguma coisa, quer fosse de português ou de história, ela sabia. Era impressionante.
A escritora espanhola Irene Vallejo diz que “as histórias abrem horizontes”, concluindo: “Uma história não é tão imperativa como um conselho, mas
dizia: “Agora consigo olhar para vós em paz.” É essa expressão de Kafka que eu sinto.
No capítulo A Ameaça de Hitler, Zita de Bragança que «oficialmente continua a ser a imperatriz e rainha-viúva da Áustria-Hungria e o seu filho Otto é o seu novo imperador; pelo menos em título», assume uma posição de defesa do regresso da monarquia: «Não vejo a história do ponto de vista da fatalidade, de que o seu curso é inevitável. Não vale a pena desesperarmo-nos por questões políticas. No entanto, as pessoas precisam de uma referência que não mude, que lhes inspire confiança, no meio deste mundo que caminha tão depressa e em que tudo parece temporário.» De que modo compreende esta visão de defesa da monarquia?
Alguns monárquicos atuais justificam a permanência da monarquia fazendo fé de que as pessoas precisam de um símbolo mais permanente do que quatro ou cinco anos na presidência. Como costumo dizer, sou republicana por parte do pai, monárquica por parte da mãe, que tinha uma grande simpatia pela monarquia. Compreendo e não contesto. As pessoas precisam de referências firmes que os ajudem a permanecer quando tudo isto muda tão depressa… A História é maravilhosa e devíamos aprender imenso com ela.
muitas vezes pode iluminar o caminho” (O Futuro Recordado). E Marcel Proust, disse: “Não há talvez dias da nossa infância que tenhamos tão intensamente vivido como aqueles que julgámos passar sem tê-los vivido, aqueles que passámos com um livro preferido” (O Prazer da Leitura). Como discordar?
A leitura abre os nossos horizontes, torna-nos maiores. Ao ler conseguimos viajar no tempo. Sou uma leitora inveterada, não sei viver sem ler. A leitura é um motor de leitura muito importante. Quanto a mim, há duas coisas que nos acrescentam e nos fazem crescer enquanto seres humanos: viajar e ler. E, no fundo, as duas coisas tocam-se, porque ler também é viajar. Prosseguindo no caminho das paixões, há uma presença animal, junto de si… É uma cadela, beagle, foi abandonada e agora está comigo há sete anos. São seres de uma capacidade incondicional de amar que me impressiona. Tenho uma paixão muito grande por animais, essa herdei da minha mãe. Sou grande ativista das causas dos direitos humanos e dos direitos dos animais. Sou vegetariana há 23 anos e vegan há 17, porque levo a sério a minha paixão pelos animais. Franz Kafka (que nem sempre é fácil de ler) também se tornou vegan, e observando os animais,
O romance histórico continua a fascinar muitos leitores. E muitos escritores preferem este género literário… Há um texto de Alexandre Herculano a defender o romance histórico, porque isto de achar que é uma moda, de criticarem, e acharem que é uma ocupação de um grupo de tias de Cascais, desocupadas, que resolveram agarrar personagens históricas e inventar tudo à volta delas, não corresponde à realidade. Herculano questiona: “O que é mais seguro e mais real, um livro de história ou um romance histórico?” Tanto um como outro, quando são feitos com seriedade, com bastante investigação, podem estar perto da verdade histórica. O romance histórico, quando é feito com seriedade, tem o valor de conseguir dar vida à história e a personagens, que de outra forma muitas pessoas não teriam acesso. No fundo, é soprar-lhes respiração e pô-los a respirar. Penso que isso é muito importante, independentemente da época, conseguirmos dar vida à história. A História de Portugal é rica em personagens e acontecimentos, se tivesse a oportunidade única de ser uma personagem histórica, qual escolheria? É difícil ser só uma… [risos] Há uma pessoa que tinha grandeza de estatuto e de coração, a rainha D. Amélia. Em termos de grandeza tivemos dois reis, D. João I e D. João II. Na arte, escolheria Luísa Todi, Josefa de Óbidos, Florbela Espanca. Também tenho uma grande paixão por Amadeo de Souza-Cardoso e António Gedeão, o meu poeta de eleição. Estas pessoas fazem da minha vida um lugar mais bonito, mesmo estando noutra época. Mais recentemente, tivemos homens e mulheres interessantes a lutar pela liberdade, alguns políticos notáveis e corajosos. Tenho muito orgulho em ter sido o meu pai que anunciou a liberdade do 25 de Abril. Não posso deixar de referir duas pessoas de grande humildade e grandeza humana, Ramalho Eanes e Manuela Eanes. E a nossa cantora lírica Elsa Saque. Tenho um grande orgulho no meu país, pequeno em tamanho, mas grande em contributos para a cultura. Sou uma apaixonada pela vida. Teresa Joel
Viajando com livros
Fernando Pessoa no Chiado: a escultura e o escultor
Lagoa Henriques, cujo centenário do nascimento decorrerá em dezembro deste ano (e que não deverá ser esquecido), é o autor da estátua de Fernando Pessoa, no Chiado, vista e fotografada todos os dias por milhares de pessoas de todo o mundo. Uma sigla minúscula inscrita na sola de um sapato identifica o escultor Por António Valdemar
Lagoa Henriques consagrou-se, fundamentalmente, à escultura, ao desenho, à cenografia teatral e ao magistério universitário. Também concebeu centenas de programas de televisão que, durante vários anos, realizou em defesa do património português. Conjugava a arte erudita com a arte popular e a paisagem natural numa relação direta a realidade humana.
As esculturas tão diversificadas de Lagoa Henriques permanecem em museus e em coleções particulares mas, sobretudo, em ruas, em praças, em largos, em jardins e noutros espaços públicos: são inúmeras personalidades carregadas de história, alegorias simbólicas e figuras anónimas arrancadas ao quotidiano.
Por exemplo, a estátua de Guerra Junqueiro, em Lisboa, na praça do Areeiro; o Segredo, no Campo Grande; a evocação de Teixeira Gomes, no largo principal de Portimão, voltado para o rio Arade; a fonte monumental no centro histórico de Leiria; a estátua de Camões, em Constância; a estátua de D. Sebastião, em Esposende; o poeta António Aleixo, à entrada de um café, em Loulé; o pintor Dórdio Gomes, no jardim do centro de Arraiolos; e Fernando Pessoa, sentado à mesa, à porta da Brasileira, em pleno Chiado.
Deparamos, no Funchal, a estátua de João Paulo II, no adro da Sé; a estátua de Sissi, a lendária imperatriz da Áustria, no Parque de Santa Catarina, junto ao edifício construído por Niemeyer; e na Praia das Palmeiras, em Santa Cruz o conjunto monumental de duas figuras em bronze «A Terra e o Mar», implantadas sobre uma pedra de basalto. Além da escultura, o desenho constitui para Lagoa Henriques uma oportunidade permanente para surpreender o real e transmitir o imaginário. Um registo de corpos e máscaras, de gestos e atitudes insistentemente repetidos, na busca da relação com um todo. Daí o próprio Lagoa Henriques se referir, com frequência, aos seus desenhos como o «risco inadiável», ou seja, a tradução de emoções irreprimíveis, para fixar irradiação dos instantes no incêndio dos sentidos.
Ao longo da vida, Lagoa Hen¬riques (1924-2009), manteve uma contínua aproximação com a poesia de Fernando Pessoa e a poesia de Cesário Verde.
Pessoa deu-lhe a conhecer o que há de mais íntimo dentro do homem e o poder de refletir nos seus enigmáticos labirintos; Cesário apurou-lhe a capacidade de ver e de olhar para as pessoas, as plantas e os animais. Para decifrar, a aparência e a essência, de tudo quanto se multiplica através da cidade e do campo.
Lecionou, a partir dos anos 50, nas Escolas de Belas Artes do Porto e de Lisboa. Marcou várias gerações. Introdu-
ziu novas metodologias no ensino do desenho e da escultura. Impulsionou o confronto de ideias, a curiosidade pelo que é novo e do que é diferente. Desenvolveu uma prática pedagógica orientada para estimular todas as potencialidades do aluno, para atingir o espírito crítico, rejeitar o conformismo e a rotina. Incutia a descoberta e interpretação dos sinais do tempo, para dar resposta aos desafios e interrogações que se deparam no dia-a-dia.
Ao longo de 40 anos, tive o privilégio de apreciar, muito de perto, a dimensão humana e os contrastes emocionais de Lagoa Henriques: os defeitos das qualidades e as virtudes dos defeitos. A irradiação de um temperamento exuberante, sempre disponível para intervir e comunicar. Será possível esquecer, neste centenário do nascimento, o mestre de alguns dos atuais mestres da escultura, do desenho e da arquitetura?
A Casa na árvore
A vida profana de uma religiosa milenar
Viajámos numa folha da figueira de Buda e descobrimos uma árvore que abraça o mundo Por Susana Neves
Há alguns anos era fácil encontrar à venda, nas melhores floristas da capital, embalagens com folhas esqueleto de Ficus religiosa, árvore conhecida popularmente como pimpol, figueira-dos-pagodes e figueira de Buda, porque o fundador do Budismo teria obtido a Iluminação completa meditando continuamente, dia e noite, debaixo de uma majestosa árvore desta espécie, da qual ainda existe uma sucessora em Bodh Gaya, em Bihar, na Índia.
Extremamente delicadas, estas folhas esqueleto de Ficus religiosa evidenciavam (e evidenciam, porque ainda são comercializadas, pelo menos online) não só a estrutura firme das suas nervuras, mas também a particularidade do seu formato em coração estreitar no ápice de forma longa e ligeiramente curva (em acúmen), característica que permite distinguir com precisão esta árvore de outras árvores e, em particular, de outras figueiras sagradas indianas, como a figueira-de-Bengala (Ficus benghalensis ou Ficus indica), espécie de árvore-cidade, abordada na crónica “A árvore que anda com muitos pés” (Tempo Livre, Julho/Agosto 2020).
Este peculiar prolongamento da extremidade da folha, que lhe dá um aspecto de gota de água gigante ou de capuz de monge franciscano, desempenha um papel importante na gestão natural da pluviosidade: à maneira de um bico de uma jarra a ponta da folha encaminha a chuva em direcção à terra, regando-a de forma precisa, suave e constante. A folha pendente, que começa por ser cor-de-rosa e se torna verde, tem ainda outro aspecto que poderá interessar a quem goste de sombra e de vento. O pecíolo que liga a folha aos ramos é nela invulgarmente comprido, por isso a folha mexe-se à mais pequena brisa, o que constitui um subtil antídoto contra o excesso de calor, e um bálsamo ao repouso e à meditação.
Estas considerações sobre a folhagem semi-perene da Ficus religiosa, uma árvore da família das Moráceas (que inclui figueiras e amoreiras), originária do Norte da Índia, Paquistão, Bangladesh, Nepal, Birmânia, Tailândia, Vietname, Sri-Lanka, Malásia e Taiwan, constituem uma primeira tentativa de olhar para esta espécie asiática desvinculando-a de uma abordagem exclusivamente religiosa e mística, como é habitual fazer-se; no entanto, de cada vez que investigamos a vida profana desta “religiosa” milenar somos levados a reconhecer a sua natureza eminentemente sagrada, ou seja, extraordinária e prodigiosa.
A Ficus religiosa, anfitriã benfeitora de sábios e ascetas, “ferve” de vitalidade, é um verdadeiro ecossistema; e os seus frutos não só alimentam parte da fauna exótica
Ficus religiosa no Jardim Botânico Tropical, em Belém
indiana, na qual se incluem numerosos mamíferos, por exemplo, o macaco-de-boina (Macaca radiata) e belos pássaros de plumagens coloridas e cantares exuberantes, como o azulona oriental (Irena puella) e o papa-figos-de-capuz (Oriolus xanthornus), mas também podem alimentar as populações humanas em situações extremas. De facto, conforme se lê no site Famine Foods (Alimentos para a Fome), dedicado às plantas que normalmente não são plantadas, mas são consumidas em tempo de escassez, o pequeno figo da Ficus religiosa pode ser comido verde ou maduro (quando atinge a cor púrpura) e a casca da árvore é passível de ser transformada em farinha para fazer pão, como acontece em Balrampur, no estado de Uttar Pradesh.
A esta dimensão alimentícia da Ficus religiosa acrescenta-se a sua vocação fitoterapêutica, considerada na medicina tradicional indiana Ayurveda. Da raiz até às folhas,
passando pelos rebentos e a casca, e ainda o látex branco que produz, a “Rainha da floresta indiana”, capaz de viver milhares de anos (em Bombaim há notícia de um espécime com 3000 anos), apresenta-se como uma espécie de farmácia total, utilizada no tratamento de problemas oncológicos, cardíacos, dermatológicos, infecções oculares e na boca, doenças gastrointestinais, fracturas ósseas, asma, etc.
Faz parte da categoria de árvores hiper-benignas que parecem querer abraçar todos os seres, incluindo alguns parasitas, como a famosa cochonilha Kerria lacca que é uma fitófaga e se alimenta da seiva da árvore. A fêmea deste insecto vermelho pica as folhas da Ficus religiosa e também da Ficus indica, e exsuda depois um líquido resinoso, outrora recolhido com uma faca que raspava a folha de alto a baixo, e a partir do qual se fabrica a goma laca usada, como verniz e cor vermelha, por pintores e artesãos e, na Idade
Média, pelos escribas e copistas responsáveis pela ornamentação de iluminuras.
Tal magnanimidade é visível na morfologia da Ficus religiosa, uma árvore de tronco direito, por vezes, reforçado por raízes aéreas, que pode alcançar 30 metros de altura e 5 metros de circunferência, e cujos ramos, poderosos e retorcidos, parecem sair do tronco como braços gigantes, desenvolvendo-se quase horizontalmente ao solo e inclinando-se para ele. Um aspecto que, de imediato, denúncia a dimensão mágica da árvore e evoca a representação iconográfica de alguns dos principais deuses do Hinduísmo que também possuem vários braços, como Brahma, Vishnu (teria nascido à sombra de uma Ficus religiosa), Shiva e ainda Ganesha. Contrariamente à Ficus religiosa, nem sempre estes deuses são benevolentes e amigáveis, mas também é verdade que até hoje persiste na Índia a convicção de que cortar ou danificar uma árvore sagrada dá mau karma, uma vez que se considera que as árvores são seres sencientes, com alma, capazes de sentir alegria e dor, e além disso crê-se que sejam habitadas por “devas” (divindades). No princípio do século XX, em algumas regiões do Vietname também se acreditava que as figueiras sagradas podiam estar associadas a espíritos femininos que puniam severamente quem as desrespeitasse. No artigo “Croyances et pratiques religieuses des Annamites dans les environs de Huê. Le culte des arbres”, publicado em 1918, no Bulletin de l’École Française de l’ Extrême Orient, o padre francês Léopold Cadière, assumindo um papel de antropólogo, conta que na província de Thua Thien-Hue, um homem chamado Chút encostou ao tronco de uma Ficus religiosa alguns bambus pestilentos e logo foi acometido de terríveis dores nas costas, como se tivesse sido cortado ao meio.
De noite, enquanto sofria de dores ainda mais intensas, Chút ouviu claramente uma voz que provinha da árvore. Ordenava-lhe que retirasse imediatamente os bambus pestilentos. Chút ordenou que tal fosse feito. A Ficus religiosa perdoou-lhe. As dores, no entanto, só passaram depois de fazer sucessivas dádivas a um templo privado associado ao culto dessa árvore.
O respeito pelas árvores sagradas persiste na cultura religiosa hindu. No artigo Sacred Trees of India: Traditional Approach towards plant conservation, publicado em 2020, explica-se que actualmente, para um hindu, plantar uma árvore sagrada num templo ou na estrada e cuidar dela (e das árvores em geral) continua a ser visto como um acto virtuoso, de gratidão e de preservação da estabilidade ambiental.
[A autora escreve de acordo com a antiga ortografia]
MEMÓRIAS DE JÚLIO ISIDRO
Paula Ribas A RAINHA DO TWIST
No princípio dos anos 60, o mundo retorcia os joelhos, bamboleava as ancas e agitava os braços ao som do Twist.
O responsável era um cantor norte-americano de seu nome Chubby Checker que com o “Let’s twist” conquistou o primeiro lugar de vendas nos Estados Unidos e fez uma carreira de sucesso que durou se tanto dez anos, até o twist passar de moda.
A invasão ‘twisteira’ claro que chegou a Portugal e logo houve vozes que diziam ser aquela dança muito provocante. Mas o par nem sequer se tocava!... talvez porque as meninas da época estavam proibidas de abanar as ancas coisa capaz de sugerir, pensamentos lúbricos.
Eram as tardes dos ritmos modernos do Teatro Monumental onde a nascida Ilídia Dias Ribas, algarvia de gema, nos enfeitiçava já com o nome artístico de Paula Ribas. O seu estilo pop até nos fazia sair das cadeiras sempre sob o olhar atento dos polícias na sala.
Tinha estudado no liceu Maria Amália e logo de seguida tirou cursos de piano e canto no Conservatório Nacional de Música.
Paula Ribas sabia ler pautas, tinha a voz colocada e estava decidida a fazer carreira na chamada música ligeira.
Muito novinha, estreou-se no programa da Emissora Nacional “Ouvindo as Estrelas” ao lado de estrelas da época como Luís Piçarra e Margarida Amaral.
Estava lançada uma carreira que a levou por todos os palcos nacionais e muitos internacionais.
Cantando originais portugueses ou êxitos estrangeiros como “Felizes seremos” versão da canção dos Turtles “Happy together”, vendia discos que se transformavam em prata e ouro.
Fez cinema nos anos 60 contracenando com António Calvário, “O amor desceu em paraquedas”, “Sarilhos e fraldas” entre outros e era admirada por milhares de fãs.
Nos caminhos da sua vida cruzou-se com Luis N’Gambi, músico dos Rocks, banda angolana que chegou a Portugal para enriquecer a cena roqueira nacional e assim nasceu, um par, um casal e um dueto inseparáveis.
A sua longa passagem pelo Brasil fez de Paula Ribas uma cantora aceite a aplaudida pela crítica e pelo público brasileiro, com discos gravados, grandes shows de palco e programas de televisão onde brilhava na companhia do seu Luís, cantor e guitarrista.
Gravou a canção “Eu e você” versão do tema da telenovela Tieta e em tournées pela Europa cantou em espanhol, tendo tido um grande êxito com a versão de
“Downtown” de Petula Clark a que chamou “Tão só”.
Um dia decidiu voltar ao seu país.
Nós que tínhamos dançado ao som do seu twist, não nos tínhamos esquecido da mais pop das cantoras da nossa época.
Continuou a cantar, recordando os seus “clássicos”, “Bambino”, “Nasci para cantar”, “Lisboa é minha e tua” e “Portuguesinha” que sempre foi.
Esteve em diversos programas meus,
onde cantou com o Luís e um dia tivemos a notícia que tinha partido. Estava agendado um jantar com colegas e amigos no restaurante Nini, onde iríamos comer bem e beber os seus êxitos, mas foi adiado.
Não houve jantar… apenas um aceno de despedida da nossa Rainha do Twist Com tantas estrelas da nossa música, já está na constelação da saudade.
[O autor escreve de acordo a antiga ortografia]
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Entrevista José Augusto Bernardes “Os professores que ensinam
Camões têm de se munir de um fogo especial”
O comissário-geral da estrutura de missão responsável pelas Comemorações do V Centenário do Nascimento de Luís de Camões explica, de maneira simples, acessível para todos os públicos, a importância do poeta maior e da sua obra para a nossa História e Língua. Professor catedrático de Literatura Portuguesa na Universidade de Coimbra, sublinha a mensagem de que os docentes têm de ter uma “temperatura alta” quando levam Camões aos alunos de todas as idades, em especial aos adolescentes
José Augusto Bernardes, 66 anos, ensina e investiga Luís de Camões há mais de quatro décadas. Em escolas secundárias ou em universidades, adapta o discurso para que todos compreendam as palavras de quem escreveu a nossa epopeia, o género literário supremo. Sentimos-lhe o entusiasmo e vemos-lhe o brilho no olhar quando evoca o ilustre poeta da cultura portuguesa. Em cada frase proferida, de modo pausado, nota-se, no docente, a vontade de chegar ao outro. Confessa que, em contexto de sala de aula, se sente “compensado” quando observa nos alunos “um ar de compreensão” do que foi dito e discutido.
O fascínio por Camões começou no liceu, quando uma professora o levou a declamar versos da obra do poeta: “Decorar quer dizer colocar no coração”, diz. Mesmo que ele não tenha entendido tudo o que proferiu, alto e em bom som para a turma, entendeu que havia “autenticidade” em cada palavra que decorou: “A poesia de Camões brota-lhe da alma.” Acredita que é possível que todos compreendam a obra camoniana, até mesmo os alunos estrangeiros a estudar em Portugal, com professores que tragam Camões no peito.
“As armas e os barões assinalados,/ Que da ocidental praia Lusitana,/ Por mares nunca de antes navegados,/ Passaram ainda além da Taprobana,/ Em perigos e guerras esforçados, / Mais do que prometia a força humana, / E entre gente remota edificaram/ Novo reino, que tanto sublimaram.” Assim começa a nossa epopeia escrita no século XVI. Como explica aos seus alunos a atualidade d’Os Lusíadas, obra publicada em 1572?
A atualidade d’Os Lusíadas demonstra-se, sobretudo, através de uma palavra que se chama globalidade. Camões antecipou, em boa parte, a sensação de pertença ao mundo. Ensinou-nos o sentimento de pertença global e esse é, talvez, o traço mais marcante da sua atualidade. Este é o argumento que convence mais aqueles alunos hesitantes, que se aproximam de um poeta do século XVI, que escreve num registo que lhes é estranho. Camões é o primeiro poeta global da literatura portuguesa. Não encontramos
essa sensação da globalidade em Gil Vicente, Fernão Lopes, nos Trovadores. E encontramo-la raramente depois de Camões. Se tivesse de identificar dois poetas globais, diria Camões e Pessoa. Que exemplos acessíveis utiliza para chegar melhor a todos, ajustando a linguagem em diferentes ambientes? Camões tem de encontrar uma intriga mitológica n’Os Lusíadas e escolhe uma deusa e um deus. O deus opõe-se à chegada dos portugueses à Índia e a deusa protege-os. Este deus conquistou o Oriente, não quer que ninguém lá entre, porque é o senhor daquela zona do mundo. Baco é um deus regional, mesquinho, tacanho. Vénus é a deusa do mundo, que nasce nas águas. É a deusa que quer que os portugueses cheguem lá. Marte também tem uma importância que, normalmente, não é sublinhada. No primeiro concílio dos deuses, Marte diz: os portugueses só querem uma coisa – alcançar o outro hemisfério. Quando Vénus derrota Baco é a globalidade que derrota o regionalismo, a mesquinhez, a tacanhez. Baco acentua essa mesquinhez quando desce ao fundo dos mares e consegue convencer Neptuno a soltar os ventos – é a origem da tempestade no Canto IV. Ele diz a Neptuno: cuidado, se os portugueses chegarem à Índia vai acontecer uma revolução, os deuses vão tornar-se humanos. Os humanos vão tornar-se deuses.
Do ponto de vista mítico, os portugueses tornaram-se deuses…
Sim, no final da ação do poema… Um outro fundamento para esta globalidade camoniana está na amplificação de vozes. N’Os Lusíadas há muita gente que fala: Nuno Álvares Pereira, Adamastor, Velho do Restelo, Inês de Castro, e essas vozes podiam ser circunscritas a situações. Por exemplo, Inês de Castro podia ser a mulher clandestina de D. Pedro e mãe dos netos de D. Afonso – mas não. Camões transforma aquela mulher numa encarnação de inocência humana. Isto é globalidade. Ora, nós ainda não concluímos o processo que Camões iniciou há 500 anos. Cada um vive muito dentro da sua redoma. Os conflitos que nos afetam são os do nosso continente, às vezes só os que existem na nossa família;
se for na casa ao lado já não nos interessa muito. Ainda hoje não temos a noção de pertença de mundo que Camões já tinha. E à nossa língua, o que acrescentou Camões?
Nobilitas, tornou-a uma língua nobre. Isto é pouco dito e vale a pena sublinhar. Hoje não temos a noção da importância que era escrever uma epopeia numa determinada língua. Antes d’Os Lusíadas, o Português era uma língua de comunicação e passou a ser uma língua de cultura. Havia epopeias escritas nas grandes línguas: Latim e Grego. Não existia ainda uma epopeia escrita em Francês e Inglês. Camões conseguiu escrever o género considerado supremo em Língua Portuguesa. Isto significava uma certidão de nobreza, de adultez. A epopeia era um género supremo porque requeria do poeta uma inspiração e uma multiplicidade de saberes que iam desde a Geografia, Astronomia, História, Botânica… O primeiro contributo que Camões traz à língua é enorme porque a torna nobre, mas traz mais. Camões faz entrar na língua outras palavras. Enriquece vocabularmente a língua portuguesa. Dizem os historiadores que também do ponto de vista sintático – a maneira de combinar as palavras. Há uma língua portuguesa anterior e posterior a Camões. Há um a.C e um D.C – antes e depois de Camões. Houve muitas palavras que entraram na nossa língua, a maior parte das quais veio do Latim. Dê-nos um exemplo de que esteja a lembrar-se agora, a título de curiosidade. Ínclita, a “ínclita geração...” que nomeia no canto IV para se referir à descendência de D. João I e D. Filipa de Lencastre. A palavra tem matriz latina mas não estava consagrada em Português. Há a expressão em Português “Vai
“Camões é o primeiro poeta global da literatura portuguesa”
chatear o Camões”, quando alguém está a aborrecer-nos. Para que aspetos o ensino em Portugal tem de olhar para que não seja uma ‘maçada’ estudar a obra de Camões?
Estudar a obra de Camões às vezes é uma maçada, outras não. Está por fazer um estudo sobre a forma como Camões é realmente ensinado. Temos programas de Português, com objetivos e conteúdos, e professores que ensinam Camões de maneiras diferentes. Em alguns casos, recorrendo a estratégias imaginativas e inovadoras. Eu diria que para estudar Camões é, sobretudo, necessário estar entusiasmado. Não é possível ensinar Camões de peito frio – o peito tem de estar aceso.
Tem de ter um “fogo que arde”, brincando com as palavras de Camões… Tem de ter uma temperatura alta. Os professores que ensinam Camões têm de se munir de um fogo especial. Em geral, os alunos de 14, 15 anos sabem pouco de Camões, mas percebem se o professor está entusiasmado com a matéria. Eles intuem isso e são contagiados pelo entusiasmo do professor. Para além de ter conhecimento, um bom professor tem de ter uma boa preparação camonística; ler, aprender, ir a colóquios, congressos e ter gosto por Camões.
O esforço para ensinar um autor contemporâneo talvez seja diferente. Camões não está tão próximo da realidade dos alunos.
Exato. O esforço de alteridade é menor. Por exemplo, Camões fala em glória. É uma palavra que existe muitas vezes n’Os Lusíadas. Não existe no nosso vocabulário atual. Ninguém procura a glória. O que o herói camoniano procura é a glória – não é a riqueza, a felicidade, o bem-estar, o conforto. A glória eterniza. A pessoa que alcança a glória não morre. Enquanto o ouvia, lembrava-me da expressão que utilizamos mais, nos últimos tempos, “Slava Ukraini” (Glória à Ucrânia)…
É verdade. É interessante como a palavra subsiste em culturas diferentes da nossa. A cultura ocidental é o resultado dos nossos horizontes de vida: o nosso confortozinho. O conforto vem de bens materiais e no tempo de Camões não era assim. Portanto,
para levarmos os alunos até Camões, precisamos de os levar pela mão. A nossa mão precisa de ser segura, firme e quente. Se assim não for, os alunos não lhe pegam. “Muda-se o ser, muda-se a confiança;/ Todo o mundo é composto de mudança,/ Tomando sempre novas qualidades”, escreveu Camões. Mude o que mudar nas orientações para as escolas portuguesas, Camões tem permanecido no ensino. Em 1584 tivemos a primeira edição escolar d’Os Lusíadas. Há programas oficiais desde 1836 e Os Lusíadas atravessa diferentes regimes políticos. É caso para dizer: é obra!
É obra! Nunca ninguém se atreveu a excluir Camões dos programas escolares. Há outro autor que goza deste privilégio raro: Gil Vicente.
Não é que as pessoas gostem fervorosamente de Camões mas acham que é necessário. Camões tem um potencial agregador muito forte. Ainda há tempos estive numa escola na região de Coimbra que tem neste momento 23 nacionalidades. Há escolas em Lisboa que têm mais. Eu pergunto-me: como é que se ensina Camões a um aluno ucraniano ou nepalês? Depois de ter uma imersão na língua, que sentido faz para ele o Velho do Restelo, o Adamastor, a Inês de Castro? Isto representa um desafio muito grande para os programas de hoje. Como contornar esse desafio? Recorrendo ao argumento da globalidade. Dizendo, por exemplo: “Olhem, no episódio de Inês de Castro, o que está em causa é o confronto entre os direitos individuais e as necessidades coletivas. O interesse do Estado impunha que aquela relação entre D. Pedro e D. Inês acabasse. Os direitos individuais de uma mulher que ama, que é mãe e que proclama a sua inocência e o seu afeto representa um conflito que existe em todas as culturas, talvez de forma diferenciada.” Isto serve de porta de acolhimento para esses alunos que vêm de outras latitudes e veem como nós valorizamos os direitos individuais. Tenho testemunhos de colegas de Português que me dizem que os alunos que vêm do Oriente não se comovem tanto com a morte de D. Inês. Porque a morte dela é o sacrifício do indivíduo em prol do interesse coletivo – e eles
“Camões, ao longo dos séculos, uniu os portugueses. E não há nenhuma comunidade que não precise de elos”
vêm habituados a isso. Há testemunhos interessantes que podem transformar a escola num diálogo interpelativo, vivo, intercultural. E Camões presta-se a isso. O estímulo para a compreensão da obra de Camões poderá também estar na atualidade de outra mensagem intemporal. Quando ele escreveu, por exemplo, no Canto III, d’Os Lusíadas, “um fraco Rei faz fraca a forte gente”, isto remete-nos para as fracas lideranças, para a corrupção… Esse fraco rei é D. Fernando que envolveu Portugal em três guerras com Castela… Podemos perfeitamente extrapolar para os nossos dias e pensar na importância que tem a nossa parcela de decisão na vida cívica. Está na nossa mão escolher chefes, reis, presidentes que têm fortaleza, visão estratégica para o país, para o Estado. A questão do poder em Camões é muitíssimo atual. Camões dá muitos conselhos aos reis. Todo o poema de Camões é dedicado a D. Sebastião, desde o primeiro verso ao último (8816 versos). Os Lusíadas são uma grande reflexão sobre o poder. Nós estamos também em tempo de refletir sobre o poder. Que capacidade temos para influenciar quem manda na justiça, economia, política? Os Lusíadas também nos dão muitas lições sobre isso e, sobretudo, levam-nos a muitas inquietações. Outro aspeto também relevante e que gostaria que nos falasse é a ligação da nossa toponímia a Camões. Temos ruas, praças com o nome de Camões. Há estátuas… Como se explica a importância já depois da morte do nosso poeta maior?
Camões morre em 1580, quando se consuma a união dinástica com Espanha. Nos 60 anos que dura essa união dinástica, Os Lusíadas transforma-se logo numa espécie de bíblia de resistência. Desde então até ao nosso tempo, não há nenhum período em que se possa falar de um eclipse camoniano. Está em praças, ruas, liceus, pastelarias e até em lojas de ferragens… Ele está por toda a parte, sobretudo a partir do século XIX. É nesse século que se transforma Camões num herói romântico.
Em 1825, os 300 anos do seu nascimento assinalaram-se com um poema de Almeida Garrett que se chama Camões Depois, em 1910, veio a República. O nosso republicanismo é muito anticlerical, e os republicanos sabiam que o povo não podia viver sem santos. Se lhes tirassem os santos dos altares, era preciso propor-lhes outros ‘santos’ para venerarem. Então, a República encheu as praças de ‘santos’ cívicos e o principal foi Camões. Camões foi “plantado” na maior parte das praças portuguesas. E, ao contrário do que sucedeu com outros, lá continua, sem revisionismos nem arrependimentos. Camões tinha tudo para ser ‘santo’: ele entregou-se à pátria e a pátria foi ingrata para ele. Por isso, a posteridade tinha de reparar essa ofensa.
O futuro aeroporto também terá o nome Luís de Camões.
E isso foi consensual. Este aeroporto está envolto em tão grande controvérsia, mas quando se invoca o nome de Camões ninguém protesta. Ele continua a agregar. Os portugueses não têm outro fator de agregação tão forte. Camões atravessou os regimes. Foi monárquico, republicano, herói do Estado Novo; depois, veio a democracia e andou-se ali um ano e meio embaraçado com Camões. Até Jorge de Sena vir da Califórnia à Guarda dizer que os portugueses cometeriam um erro enorme se enjeitassem Camões. Porque Camões, ao longo dos séculos, uniu os portugueses. E não há nenhuma comunidade que não precise de figuras onde todos se revejam. Entre as comemorações do V Centenário do Nascimento de Luís de Camões que se realizam até 10 de junho de 2026, o que assinala?
A Estrutura de Missão – comissão encarregada pelo Governo de assinalar os 500 anos do nascimento de Luís de Camões – vai fazer duas coisas. Em primeiro lugar, agregar as iniciativas que já existem; em segundo, promover iniciativas próprias. Algumas mais convencionais e outras mais inovadoras. Vamos dar muita atenção à parte académica. Vai haver congressos, exposições, ciclos de conferências, porque há muitos aspetos para investigar no que diz respeito à vida e obra de Camões. Mas queremos, sobretudo, debater a importância do poeta nos nossos dias. O destaque do programa oficial das comemorações vai ser o ensino. Queremos promover entre os professores um debate sobre a forma como Camões tem estado, está e vai estar na escola. Camões deve permanecer na escola, mas essa permanência tem de se ajustar à sensibilidade dos tempos, que são realmente muito diferentes do que já foram. Queremos levar os alunos a assumir Camões como um pretexto para fazer coisas, como escrever, falar, desenhar, fazer uma escultura, discutir… Quando fazemos uma coisa, apropriamo-nos dela. Vamos criar concursos para professores sobre as boas práticas de ensino de Camões. Vamos criar concursos para alunos, levando-os inclusivamente a fazer poesia a partir da poesia de Camões. E para as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo?
Não as vamos esquecer. Vamos promover conferências, exposições... Em primeiro lugar, vamos auscultar a sensibilidade delas. Para umas fará mais sentido as conferências, para outras um festival de arte, de poesia… No conjunto de iniciativas há alguma que destaque e possa adiantar?
Acredito que venha a ter grande impacto a iniciativa “Um dia para Camões”, que vai ser realizada em cada uma das capitais de distrito e regiões autónomas. Adianto-lhe que essa iniciativa vai começar no dia 12 de fevereiro, em Coimbra, e vai contar com a presença dos escritores galardoados com o Prémio Camões. Já está também agendado “Um dia para Camões” no Funchal. Será nos últimos dias de março, no âmbito da feira do livro.
Vamos, também, apoiar a edição de livros dirigidos a diferentes públicos. Em curso está a publicação de adaptações d’Os Lusíadas em banda desenhada e a edição de materiais digitais. Vamos promover a gravação da obra integral de Camões. Vamos promover uma criação artística em torno de Camões. Queremos que Camões seja pretexto de música, pintura, teatro. O rumo é levar a arte do poeta ao maior número possível de pessoas e desmistificar a ideia de que Camões é só um autor para consumir na escola – é também para apreciar fora da escola.
Para manter vivo Camões, o que todas as gerações podem fazer depois de todas estas comemorações oficiais?
O meu vaticínio, enraizado num desejo, é que enquanto os portugueses forem uma comunidade que se exprime numa língua de séculos, enquanto forem portadores de uma sensibilidade que resulta, em boa parte desse mesmo idioma, nunca irão prescindir de celebrar Camões. Nele existe uma capacidade de convergência que não existe em nenhuma outra figura. Quando muita coisa nos divide, precisamos, de uma forma ainda mais forte, de algo que nos una. Os povos precisam de união. Enquanto a comunidade portuguesa existir como tal, do ponto de vista político, cultural e sociológico, creio que Camões vai ser muito necessário. Sílvia Júlio
Sociedade Telemóveis e redes sociais
Escrita curta e imediata também na escola?
Que impacto pode ter a escrita breve, em mensagens de telemóveis e redes sociais, quer na organização do pensamento quer na elaboração de frases, em contexto de sala de aula? O ponto de vista de alunos e docentes, com alertas da Associação de Professores de Português e da Sociedade Portuguesa de Neuropediatria
ODuarte (nome fictício) tem 15 anos e frequenta o 10.º ano de Ciências Socioeconómicas. Recentemente, teve dúvidas, num texto que contava para avaliação na disciplina de Português, se deveria grafar “estava no parque naquele dia” ou “tava no parque naquele dia”. Deu voltas à cabeça. Hesitou. ‘Estava’ ou ‘tar’, eis a questão. Ainda foi a tempo de emendar o erro antes de o texto chegar às mãos da professora: “O facto de as pessoas mais novas usarem muito as redes sociais e escreverem muito nelas, acho que isso influencia um bocado a escrita”, faz a sua apreciação, do alto dos seus 15 anos.
A Mafalda (nome fictício) tem 18 anos e entrou este ano para a faculdade, num curso da área das Humanidades. Confessa que as mensagens automáticas, pré-definidas, dos telemóveis e das redes socais, contribuem para ela ter de pensar duas, três vezes ou mais, quando tem de escrever uma palavra à mão e escolher um sinal de pontuação na frase. As vírgulas, confessa, são as mais descuradas: “Acho que o telemóvel piorou a minha escrita. Com o uso do corretor automático e tudo, desabituei-me de escrever à mão. Tive negativa no meu exame de Português, na primeira fase, e tive explicações dessa disciplina. A minha explicadora dizia que havia casos bem piores de alunos que se desabituaram do uso correto das vírgulas, que não sabiam colocar acentos e nem punham pontos finais no fim das frases. Agora estou frita, porque estou numa faculdade de Letras e tenho de escrever bem Português”, conta. A jovem revela, ainda, com algum em-
baraço, que num teste, no secundário, chegou a ter dúvidas se o verbo ‘usar’ deveria ser escrito com ‘s’ ou ‘z’.
(Sem) hábitos de leitura
Estes testemunhos de jovens portugueses trazem interrogações. Será a força da oralidade? Serão as mensagens automáticas dos dispositivos móveis? O corretor ortográfico? Os fracos hábitos de leitura? A preparação na escola que pode não ser suficiente?
Um tal de ‘tanto faz’ ou ‘não quero saber’?
Sinais dos tempos?
“Os alunos têm dificuldade em construir uma resposta que não seja rápida e imediata como é uma mensagem de telemóvel. Estão habituados à escrita curta, muito próxima da oralidade; depois há dificuldade para se fazer a transição para um ambiente mais formal, que é o que se pede na escrita”
Perguntámos ao Duarte se sente dificuldades com os acentos e com a pontuação, quando escreve à mão. Perentório, respondeu que recebeu boas bases no primeiro ciclo. “Tive uma boa professora do 1.º ao 4.º ano. Ela explicou isso bem.”
E diz que, apesar de passar “duas ou três horas diárias” no telemóvel a ver “coisas na Internet”, está atento sempre que vê erros na descrição de alguns vídeos que lhe passam pelos olhos: “Já vi uns que em vez de dizerem ‘havia um ténis no chão’, tinham lá escrito ‘avia um ténis no chão’ sem ‘h’. Há pessoas que me dizem que já não leem livros porque veem vídeos no telemóvel – é claro que isso influencia um bocado.”
Quisemos saber se o adolescente tem hábitos de leitura. Partilha que nestas férias de verão leu a coleção quase toda do Harry Potter, porém, desde que começaram as aulas, considera, o tempo escasseia para ler livros: “Fiquei muito sobrecarregado com outras coisas. O 10.º ano é mais puxado. A maior parte dos alunos acaba por ter mais contactos com os livros só na escola, quando se está em aulas. Antes, eu tinha hábitos de leitura, mas já não tenho tantos. Lia antes de dormir.” Agora, antes de ir para a cama, o telemóvel tem sido mais apelativo. Não raras vezes, assume, os pais têm de lhe dizer que já é tarde, que tem de se deitar mais cedo porque no dia seguinte tem de se levantar para ir à escola, que já está há muito tempo diante do ecrã, que tem de parar… e o rol de recomendações que vai ouvindo dos pais parece não ter fim, enquanto deambula de conteúdo em conteúdo no telemóvel.
Falta de concentração Liliana Eira, membro da direção da Associação de Professores de Português (APP), fala-nos da influência que o telemóvel e as redes sociais podem ter nas aprendizagens dos mais novos. É na construção do pensamento mais complexo e na formação de frases mais elaboradas que os professores têm constatado um maior impacto: “Aquilo que as pessoas se vão apercebendo e partilhando connosco tem a ver com a construção das frases e o empobrecimento do vocabulário, que é bastante notório. As questões da distração e da falta de concentração são cada vez mais evidentes. Nota-se que na habilidade para construir textos e reflexões cada vez mais complexas há uma tendência para simplificar o discurso escrito como oral.”
Pedimos à docente para nos dar exemplos concretos do que se passa dentro da sala de aula, no quotidiano, ou nos momentos de avaliação e que possam estar relacionados com o hábito já enraizado do envio de mensagens escritas pelos diversos meios, como WhatsApp, chats do Facebook, Instagram. Liliana Eira diz que é a “escrita formal” que vai perdendo importância: “Os alunos têm dificuldade em construir uma resposta que não seja rápida e imediata como é uma mensagem de telemóvel. Estão habituados à escrita curta, muito próxima da oralidade; depois há dificuldade para se fazer a transição para um ambiente mais formal, que é o que se pede na escrita.”
Unir pontos
Todos conhecemos a importância da leitura para se escrever melhor. Para se visualiza-
Influência que telemóveis e redes sociais podem ter nas aprendizagens
Distração/ Falta de concentração
Pensamento menos complexo
Empobrecimento do vocabulário
Frases mal construídas
Menor habilidade para escrever textos mais elaborados
Simplificação do discurso escrito, com aproximação à oralidade
rem as palavras. Para se saber pontuar. Para se descobrir um estilo próprio na escrita. Para nos descobrirmos. Para descobrirmos o outro. Para imaginarmos outros mundos. Para criarmos novas realidades. Para tantas e novas coisas. Agostinho da Silva, filósofo, ensaísta, professor, afirmou: “Escrevendo ou lendo nos unimos para além do tempo e do espaço, e os limitados braços se põem a abraçar o mundo; a riqueza de outros nos enriquece a nós. Leia.”
A professora Liliana Eira sublinha: “É notória a falta de hábitos de leitura dos jovens; lê-se muito pouco.” Esta responsável da APP apela a que os alunos leiam mais, porque “o que se faz na sala de aula não é suficiente para dar arcaboiço aos miúdos, para terem um vocabulário mais alargado e poderem pensar de outra forma sobre as coisas”. A leitura é essencial, frisa, “para a questão da construção frásica e da organização do pensamento. Na leitura temos a ajuda visual, percebemos onde há pontos e vírgulas e ligamos pontinhos na nossa cabeça, em termos de organização de texto”. Mais, com a utilização desregrada dos telemóveis, acrescenta a professora, “vai-se perdendo a questão da socialização e integração com os outros, que é extremamente importante. O que acontece nos intervalos é que os miúdos estão nos jogos dos telemóveis e a parte social é muito descurada. Uma colega professora disse-me, recentemente, que passou no intervalo por dois alunos para lhes dar um recado e teve de os chamar três vezes porque estavam na sua bolha, embrenhados no jogo. O que se passa à volta é longe do mundo deles. Esta questão é grave.”
Perante esta realidade, o que sugerem os professores que se faça? “O trabalho tem de ser feito entre a família e a escola. É preciso haver regras”, diz esta responsável da APP. Equilíbrios precisam-se. No entanto, alerta: “Uma coisa é os professores poderem usar o digital com as crianças, a outra é o uso do telemóvel nos intervalos e em casa. Não misturar estas duas coisas. O digital é importante para a sala de aula e para a aprendizagem. É preciso não demonizar a tecnologia, é um bom instrumento de trabalho, mas é preciso separar as águas.” Os equilíbrios são, por vezes, como em tudo na vida, difíceis de encontrar.
controlar os impulsos
Nas recomendações da Sociedade Portuguesa de Neuropediatria (SPN) sobre a utilização de ecrãs e tecnologia digital em idade periátrica diz-se que “devem ser ponderadas restrições à utilização de ecrãs nos intervalos escolares, promovendo o convívio e atividade física que substituam esta utilização extensiva; igualmente, o uso de manuais digitais e de plataformas on-line para trabalhos de casa devem ser repensadas até ao final do terceiro ciclo, dado não existir qualquer evidência de que a sua utilização seja vantajosa para os processos de aprendizagem, sendo muitas vezes fonte de distração e dispersão para outros conteúdos não letivos”.
Entre várias recomendações, a SPN transmite a mensagem de que “os pais devem modelar comportamentos saudáveis em relação ao uso de tecnologia, demonstrando equilíbrio entre o uso de dispositivos e outras atividades”.
Numa reflexão já feita pela APP sobre o uso dos dispositivos móveis no ensino e na aprendizagem da língua ficaram a ressoar algumas ideias que fazem acender luzes de alerta para pais, docentes e outros agentes de educação: “A exposição dos jovens a dispositivos móveis (como telemóveis e tablets) pode levar a comportamentos compulsivos e à ‘colonização’ da sua vida e do seu desenvolvimento pelos ecrãs, que constituem estímulos irresistíveis. De facto, as crianças e os adolescentes ainda não têm um cérebro suficientemente maduro como um jovem adulto com mais de vinte anos para se poderem proteger e poderem controlar os impulsos e o uso dos ecrãs.”
Empobrecimento lexical
A APP, que representa mais de um milhar de professores no país, avisa, também, que “no caso dos jovens adolescentes, algumas evidências provam que os dispositivos móveis os levam a serem mais ansiosos e menos resilientes, podendo dar origem a relacionamentos mais superficiais e sem verdadeira intimidade, impedindo-os por vezes de descobrir ‘espaços vazios’ em que se podem encontrar a si próprios e expressar-se, amadurecendo de uma forma profunda e verdadeira”.
As campainhas começam a soar para pais, professores e sociedade civil. A SPN já alertou que está comprovado que a utilização precoce de ecrãs condiciona diversos obstáculos: a redução do tempo de interação com adultos e outras crianças leva a “um aumento do risco de comportamentos socais evitantes e atraso no desenvolvimento da linguagem e empobrecimento lexical, sendo tanto maior o impacto quanto mais precoce a exposição a ecrãs e tecnologia digital”.
Entre reflexões e recomendações, pais, professores e alunos acrescentam mais informação ao modo de agir. É a aplicação de conhecimentos que gera mais resultados. Tanto na escola, como na escola da vida. Sílvia Júlio
Fundação Inatel com novo Conselho de Administração
A2 de setembro, uma cerimónia que contou com a presença do secretário de Estado do Trabalho, Adriano Rafael Moreira, assinalou a entrada de funções dos novos membros do Conselho de Administração da Fundação Inatel, presidente, José Manuel da Costa Soares, vice-presidente, Eduarda Maria Gomes Marques e vogal, Teresa Jesus Costa.
Para José Manuel da Costa Soares é um regresso à Fundação Inatel, da qual foi vice-presidente de novembro de 2012 a janeiro de 2016. O novo presidente, engenheiro civil formado no Porto, é consultor nas áreas de gestão e planeamento empresarial, com experiência autárquica em Paços de Ferreira desde 1987. Vai tutelar, entre outras, as áreas de Relações Públicas, Administração e Comunicação, Desenvolvimento Organizacional, Planeamento e Finanças e Intervenção Social e Sustentabilidade. Por sua vez, a vice-presidente, Eduarda Marques, é licenciada em Filosofia em Braga, com diferentes estudos de especialização em Marketing, Comunicação e Tecnologias de Informação e Alta Direção em Administração Pública. Tem experiência de en-
XXIII Encontro Luso-Brasileiro da Melhor
Idade 2024 no Minho
Vila Nova da Cerveira foi o local escolhido pela Fundação Inatel para a organização deste encontro que, de 16 a 19 de outubro, reuniu seniores portugueses e brasileiros, promovendo o conhecimento mútuo dos respetivos países e debatendo questões que estão diretamente relacionadas com a Idade Sénior. O convívio, a troca de experiências, a criação de laços de amizade e o enriquecimento turístico cultural faziam parte do programa de quatro dias que proporcionou aos participantes um melhor conhecimento das riquezas naturais e culturais do Minho.
Manhã saudável na Semana Europeia do Desporto
Odesafio lançado foi para a participação na manhã de 25 de setembro de diferentes atividades desportivas assinalando a importância do desporto para a manutenção de uma vida saudável. Integrada na Semana Europeia do Desporto, a atividade foi realizada no Parque de Jogos 1.º de Maio, envolvendo pessoas de todas as idades. Organizada pela Direção Regional de Lisboa e Vale do Tejo do IPDJ contou, entre outras entidades, com a parceria da Fundação Inatel.
sino na formação profissional desde 1997 na área das ciências sociais e desempenhou diferentes cargos de administração e direção. Na Fundação Inatel tem a seu cargo o Teatro da Trindade, Parque de Jogos 1.º de Maio e as áreas do Desporto e Cultura. Por fim, Teresa de Jesus Costa,
licenciada em Gestão de Empresas, em Viseu, técnica superior do IEFP desde 2015, foi deputada à Assembleia da República, tem experiência autárquica desde 2005 na Câmara Municipal de Lamego e na Fundação Inatel tutela as áreas da Hotelaria e do Turismo.
Palco Inatel na 9.a Edição do Fólio
Lina, Nancy Vieira, Maria João, Miss Universo, Luta Livre, Emmy Curl e ‘Batida apresenta: Neon Colonialismo’ foram os músicos e cantores que de 10 a 19 de outubro a Fundação Inatel levou ao Fólio – Festival Literário Internacional de Óbidos. Os concertos integraram a Folia, programação do Palco Inatel que marca a presença da Fundação Inatel como coorganizadora de um dos mais importantes acontecimentos literários do país. A programação da Folia que começou com o concerto Lina_Fado Camões trouxe artistas consagrados e outros emergentes, valorizando a língua portuguesa, o espaço da lusofonia, numa celebração das artes e da cultura popular.
Chico César e Mário Lúcio encantam no Ciclo Mundos
Chico César, cantor, instrumentista, poeta, jornalista e Mário Lúcio, cantor, compositor, multi-instrumentista, escritor, fundador e líder do grupo Simentera, nos anos 1990, dois nomes maiores da cultura dos seus países, Brasil e Cabo Verde, juntaram-se nos dias 23 e 24 de setembro no palco do Teatro Trindade para dois concertos do Ciclo Mundos. A espontaneidade e a alegria de Chico César encontraram na serenidade e tranquilidade de Mário Lúcio uma complementaridade que criou uma energia que contagiou o público que não deixou de pedir mais um ‘encore’. Depois do concerto de dia 22 de outubro da boliviana Luzmila Carpio, que trouxe a magia da conexão da arte e da natureza, foi extraordinária a sua canção-conversa
Coluna DO provedor
Manuel Camacho provedor.inatel@inatel.pt
Vem aí o último ano deste primeiro quarto do século XXI e é com perplexidade que nos confrontamos com a variedade de factos determinantes que marcaram este início de século, trazendo um pouco de quase tudo para este mundo em constante movimento.
Viveram-se em Portugal e no mundo momentos inesquecíveis de alegria e solidariedade, mas a dor e o caos também se instalaram em muitos quadrantes do planeta.
Realizaram-se sete Jogos Olímpicos – momentos de alegria e fraternidade, sem fronteiras nem preconceitos, com o Desporto no centro das atenções.
Efetuaram-se várias Jornadas Mundiais da Juventude, mas a JMJ de 2023 em Portugal, excedeu todas as expectativas até porque, em simultâneo, na Europa havia países em guerra. A presença do Papa Francisco e o seu carácter humanista deram a este evento uma importância inegável em termos mundiais, independentemente de religiões ou crenças.
No futebol, Portugal foi Campeão Europeu em 2016 e festejámos a vitória na Liga da Nações em 2019. Em 2017 vencemos a Eurovisão com Salvador Sobral.
Ao mesmo tempo, por todo o planeta dezenas de conflitos continuaram a ocorrer, na maioria dos casos sem fim à vista. Para piorar a situação, a uma pandemia inesperada juntou-se a invasão da Ucrânia pela Rússia e, mais recentemente, o agravamento do conflito Israelo-árabe. É neste contexto complicado que iniciaremos 2025. Façamos votos para os líderes e decisores do mundo encontrem neste novo ano as atitudes certas e o melhor caminho para as boas resoluções. Um bom 2025 para Todos.
VIAGEM
Tradição na ilha verde
S. Miguel é uma ilha onde apetece voltar sempre. Pelos tons da natureza, pelas diferentes tradições, pelas suas gentes
Oano está quase a chegar ao fim. As expectativas aumentam para conhecer ou voltar a ver lugares que nos fazem bem. Todas as estações do ano trazem novas oportunidades para regressar a S. Miguel, a maior ilha do arquipélago dos Açores. Cinco dias de viagem são, por ora, o tempo certo para revigorar as forças neste início de ano. Depois da chegada a S. Miguel, é tempo de respirar fundo. Ali, a passagem do cronos parece ser distinta do bulício das cidades agitadas. É já no segundo dia, depois de um merecido descanso, que vamos visitar a zona ocidental da ilha. O Maciço Montanhoso das Sete Cidades e os seus Lagos preenchem a manhã de uma beleza natural arrebatadora. A viagem prossegue através da Estrada Sudoeste, ao longo da costa, onde se pode observar a zona de pastagens em vários tons de verde. Momento de contemplação no Miradouro da Vista do Rei. Dali observa-se o magnífico conjunto dos Lagos Verde e Azul e da enorme cratera que os envolve. No regresso a Ponta Delgada, pela estrada de montanha, na zona noroeste, paragem no Pico do Carvão, onde se avistam as costas Norte e Sul da ilha. Neste dia ainda sobra tempo para a visita a uma das plantações de ananases em estufa. O saber não ocupa o lugar. E aqui é possível conhecer como se cultiva este fruto tropical. A manhã já vai longa e apetece provar
Carnaval na ilha verde
27 de fevereiro a 3 de março de 2025
Partida: Lisboa
Mais informações: Tel. 210027000 | turismo@inatel.pt | www.inatel.pt
iguarias açorianas num restaurante local. Saciados com o que vimos e apreciámos na primeira parte do dia, segue-se, à tarde, um passeio pedonal pelo centro da cidade de Ponta Delgada. Passagem obrigatória pelo ponto mais emblemático: Santuário do Senhor Santo Cristo dos Milagres.
O dia foi longo, mas há mais para viver nesta experiência em S. Miguel. A noite ainda agora começou. Depois do jantar, vem
um dos momentos mais aguardados desta viagem. É no Coliseu Micaelense, a maior sala de espetáculos dos Açores, inaugurado em 1917, que se realiza o baile de Carnaval (tradição iniciada em 1921). Uma celebração peculiar, diferente de outras tradições carnavalescas.
Já no dia seguinte, dirigimo-nos à costa norte da ilha. Paragem na Ribeira Seca, onde visitaremos o fontanário renascentista rodeado de escoadas lávicas e constitui uma memória da erupção do Pico Queimado de julho de 1563. O percurso continua até à Ribeira Grande. Atente no casario dos séculos XVII e XVIII. Depois de visitarmos os principais monumentos da cidade, seguimos pela estrada montanhosa da Lagoa do Fogo. Paragem junto à Lagoa.
Mais um dia de memórias. E aproximamo-nos do fim desta viagem. Próxima direção: Ribeira Grande. No centro destacam-se os vários edifícios de arquitetura histórica. Continuamos o circuito. Há mais para ver. Paragem no miradouro de Santa Iria e na fábrica de Chá Gorreana. A seguir, o miradouro Pico do Ferro, onde admiramos a vista sobre o Vale das Furnas rodeado por uma vegetação exuberante.
No Vale das Furnas observam-se fenómenos vulcânicos ainda em atividade, assim como, as diferentes nascentes de águas mineromedicinais frias e quentes.
Chegou o momento de visitar o célebre Parque Terra Nostra. Vinte hectares de diferentes variedades de plantas e árvores trazidas de todas as partes do mundo para demorar o olhar.
A beleza também está noutras paragens. No regresso a Ponta Delgada, pela estrada do Sul, a panorâmica pela Lagoa das Furnas, Vila Franca do Campo e Lagoa.
O próximo destino, já no dia seguinte, é Lisboa. A mala vem cheia de boas histórias vividas.
outros mundos
Luzmila Carpio A sabedoria das estrelas
O Teatro da Trindade Inatel recebeu a boliviana Luzmila Carpio, que nos ofereceu um banho de cultura animista andina e xamanismo futurista
Durante oito anos, o Ciclo Mundos tem sido uma janela ou um balcão com vista privilegiada da diversidade cultural musical. Uma lenta e panorâmica viagem no “Trem” de Villa-Lobos pelas áreas rurais e urbanas dos cinco continentes, onde o ancestral e o milenar se mistura com o contemporâneo e o inovador.
Luzmila Carpio, veterana performer e cantora boliviana de sangue indígena, que canta nas línguas nativas quíchua e aimará, e já editou mais de duas dezenas de álbuns ao longo de mais de 50 anos, trouxe ao Teatro da Trindade a sabedoria ancestral do outrora Império Inca. O encantamento das festividades e das tradições espirituais andinas com canções de devoção ao cosmos, ao “pai” sol e ao milho de mil cores, o seu grande alimento. O profundo respeito pela natureza que venera animais como o grande veado (grande guardião da mãe natureza), ou toda a variedade de pequenos pássaros e aves de grande porte com quem dialoga e reproduz os seus agudos, cacarejos ou assobios, na peça “Ofrenda De Los Pajaros”, que termina em grande apoteose com um intenso grito de águia.
No espectáculo musical e visual (com animações omnipresentes em tela gigante) de Carpio, há cheiros e sabores de uma cultura pré-colombiana que resiste a mais de 4000 metros de altitude, mas também uma produção contemporânea concebida pelo produtor e compositor argentino Leonardo Martinelli, mentor do coletivo Tremor, (combo percussivo de fusão ritmos latino-americanos com electrónica), que leva o cosmos musical de Carpio para outros ambientes: “xamanismo futurista”, cumbia, chicha amazónica.
Oito anos de descobertas
Desde 2016 e, em colaboração com o Festival Músicas do Mundo de Sines, que o Ciclo Mundos se tornou na principal montra lisboeta de divulgação das “músicas dos povos”.
Sendo impossível conceber um top 10 das mais de cinco dezenas de atuações, deixo alguns dos momentos mais marcantes.
Mari Boine (2019)
Principal representante da cultura indígena e animista sámi, dos povos que “foram empurrados para o tecto do mundo”. Desde a década de 80 que Mari Boine une o seu canto yoik com electro-jazz e outras culturas milenárias como a sul-americana andina ou a mandinga dos gritos da África Ocidental. Um dos grandes álbuns de Mari Boine é “Eagle Brother”. Seria interessante vemo-la em palco com Luzmila Carpio a unir o yoik com o tal grito da água e chilrear dos pássaros que a boliviana tão bem interpreta.
Chassol (2020)
Um verdadeiro artista na manipulação de sons e imagens. No FMM de Sines (2018), vimos e ouvimos a harmonização “ultrascore” dos pássaros que captou em Martinica. No Trindade apresentou a sua obra de maior fôlego – “Ludi” – influenciada pelo livro “O Jogo das Contas de Vidro” de Hermann Hesse, que conta a história de uma criança que se torna Ludi Magister numa peculiar sociedade utópica. Uma hora muito bem passada dentro de um universo de jogos de arcada.
Mário Lúcio (2017, 2022, 2024)
O principal embaixador do Ciclo Mundos. Em 2017, o poeta, escritor de canções
e ex-ministro da Cultura de Cabo Verde trouxe ao Trindade o concerto-tertúlia “Funanight” onde explicou as origens, a evolução e as irmandades transcontinentais do funaná. Em 2022 regressou com outro grande escritor de canções do Tarrafal, Princezito, para um mano-a-mano. Depois anos depois, novo encontro (agora transcontinental) a quatro mãos com o paraíbano Chico César.
Salif Keita (2016)
Um dos maiores nomes das músicas africanas actuou no Grande Auditório do ISCTE, no encerramento da Conferência “Lisboa, uma Cidade Multicultural Aberta”. O imperador albino revisitou clássicos num formato acústico como “Yamore” (que gravou em dueto com Cesária Évora), “M’bemba”, “Tekere”, ou “Soumou”. Longo tema que foi uma fonte inesgotável de energia e improviso e um tapete para intermináveis solos do guitarrista Diely Moussa Kouyaté (também ele uma lenda viva) e do tocador de kamale ngoni, Harouna Samake, que se perdeu em acrobacias, tocando o seu instrumento no chão, a rastejar, de costas, etc. Um momento propício para uma pacífica invasão de palco que deu para dançar, tirar fotografias com alguns músicos (enquanto outros continuavam a tocar) e preservar o bom costume mandinga de oferendar os griots enquanto tocam ou cantam.
Waldemar Bastos (2016)
A par de Mário Lúcio, foi outro dos gran-
des embaixadores lusófonos do Ciclo Mundos. O malogrado angolano Waldemar Bastos, fez a primeira parte do monstro maliano Salif Keita em formato de trio (com Mick Trovoada – percussões e Rui Meira – guitarra). Excelso intérprete, ora a solo, ora com uma orquestra clássica. “Muxima” ou “Teresa Ana” foram momento de soltar lágrimas.
Maravillas de Mali (2018)
A orquestra perdida do músico, maestro, arranjador, produtor e apresentador de televisão maliano Boncana Maïga que, na década de 60, foi enviado para Cuba com mais nove jovens músicos de seis regiões do Mali, para estudar música clássica no Conservatório Municipal de Música Alejandro García Caturla de Havana. Aí desenvolveu os exímios dotes de flautista e aprendeu, fora do Conservatório, todos os códigos da charanga (orquestra de excelência cubana). Uma história tão bonita e interessante quanto a de Buena Vista Social Club, que tanto o Castelo de Sines, como o Teatro da Trindade puderam presenciar num espectáculo que contou com outra grande lenda africana como músico convidado: Mory Kanté.
Toumani Diabate Kayan Kalhor (2016) O primeiro ano do Ciclo Mundos foi uma colheita de excelência. Toumani Diabaté, malogrado griot maliano e mestre de corá de 21 cordas, uniu-se ao curdo-iraniano e virtuoso intérprete de Kamancheh (vio -
lino persa), Kayhan Kalhor, num espectáculo gerado numa semana de ensaios que deu origem a uma peça única 100% improvisada, tocada em vários movimentos, com ramificações nas milenares músicas clássica persa e mandinga. Criação que viria a ser registada em fonograma só sete anos mais tarde (“The Sky Is The Same Colour Everywhere”, Real World, 2023).
Zakir Hussain e Niladri Kumar (2022)
Outro diálogo musical de fino quilate. Zakir Hussain (tablas) e Niladri Kumar (sitar indiana) ofereceram-nos uma suite de música clássica indiana em andamento raga. Extensos e arrebatadores diálogos de virtuosismo e improviso.
Aynur (2023)
Mais uma voz de povos nómadas silenciados. Neste caso, dos curdos que vivem na Turquia. Um concerto tão radiante e grandioso, que ficou automaticamente nomeado para os Iberian Festival Awards, na categoria de melhor performance internacional. Aynur, uma trovadora folk que, com o seu instrumento sagrado, o tembur, resgata peças de arqueologia de dialecto zazakî. É também uma arranjadora sofisticada e ousada que, acompanhada por um quarteto de virtuosos intérpretes (piano, clarinete, baixo, bateria), transporta o legado oral centenário curdo, modos da música clássica persa e do Médio Oriente, para o universo do rock, do prog, do jazz e da
música improvisada. Uma cantora versátil que modela a voz a seu belo prazer, entre arranjos sofisticados e momentos de rara delicadeza e de levitação a de catarse numa montanha-russa contínua de emoções. Música curda, persa, turca, arménia, mediterrânica, balcânica, de todo o mundo.
Les Triaboliques (2020)
Poucos dias antes do confinamento, o Ciclo Mundos recebeu três figuras que ajudaram a redefinir a história da chamada “world music” a partir dos anos 80. Les Triaboliques é a união informal de exploração artística multicultural de Lu Edmonds, Ben Mandelson e Justin Adams. Há blues roufenho, do Delta Mississipi, da Anatólia e dos Balcãs, guajiras de influência soviética, melodias judaicas misturadas com canções de Nina Simone, afrorock sobre migrantes africanos que tentam chegar à Europa. Outros espetáculos marcantes que perduram na nossa memória. Ballaké Sissoko & Vincent Ségal, Leyla McCalla, Kimmo Pohjonen, Yasmine Hamdan, Jambinai, Canzoniere Grecanico Salentino, Elida Almeida, Xabier Diaz & Adufeiras de Salitre, Natacha Altas, Muzsikás, Gaye Su Akyol, Yazz Ahmed, Melingo, Steam Down, Criatura e Galandum Galundaina. Luís Rei
[O autor escreve de acordo com a antiga ortografia]
Arquivo histórico
O «arrumar a casa» em pacificação
Corriam os anos 1974-1975, marcados por perturbações políticas e sociais, com impacto profundo na economia do país, período designado PREC (Processo Revolucionário em Curso). Começa a esboçar-se um regime de influência marxista, inspirado no modelo soviético, entrando-se na fase do «rumo ao socialismo».
O malogro da intentona militar de 25 de novembro de 1975 e recuo das fações mais radicais, tem como resultado mais contundente a prevalência da democracia parlamentar sobre o modelo socialista, inaugurando um período de estabilização e pacificação da sociedade portuguesa, que no INATEL se estende até finais de 1979, com a publicação dos novos Estatutos (Decreto-Lei n.º 519J2/79, 29/12).
Por despachos do ministro do Trabalho do I Governo Constitucional, Marcelo Curto (24/6 e 12/7/1976), são substituídos os dois elementos da Comissão Administrativa do INATEL designados pelo Governo, Sabino Guedes Lebre e José de Brito Folque, por Dórdio Guimarães e o Major Teodoro Lobo César, o último com a presidência, permanecendo Fernando Chambel e Rogério Paulo como representantes da CGTP. Em 10 de setembro seguinte, apresenta-se na sede do INATEL o economista Manuel Lovegrow, com ordens para substituir Rogério Paulo.
Em fevereiro de 1977, a Comissão Administrativa do INATEL passa a ser presidida por Nogueira Pardal, cargo que ocupa até março de 1981. Como o próprio reconheceria em 2005, numa entrevista na revista Tempo livre, Marcelo Curto incumbira-o de «arrumar a casa», ou seja, libertar o INATEL da fortíssima influência exercida por elementos afetos ao PCP (166 (dez. 2005): 18-9). Num ato reativo, a célula do PCP do INATEL põe
em circulação um panfleto proclamando que «[…] as últimas Comissões Administrativas do INATEL tudo têm feito para afastar do Movimento Sindical Unitário, empobrecendo as suas reais capacidades de prestação de serviços, favorecendo o reaparecimento do espírito “fnatista”, desligando-o dos trabalhadores a que se deveria destinar.» (Manifesto aos trabalhadores do INATEL, 19/4/1979).
Beneficiando da relativa paz social decorrente da estabilização e pacificação da vida política nacional, o INATEL pôde, finalmente, levar a efeito uma série de importantes obras de modernização e de ampliação dos seus equipamentos, tarefa que coube já a Ruy Seabra, primeiro presidente da direção do INATEL (19811984). José Baptista de Sousa
Manifesto aos trabalhadores do INATEL / Célula do PCP do INATEL. – Fundação INATEL | AHI EVRL23
O cais do olhar
CINEMA BELO, INTERESSANTE, MAIOR DO QUE A VIDA
Odocumentário é um género historicamente estabelecido, pelo seu compromisso com a representação documentada da realidade, a par da pesquisa e investigação, de forte componente política e social, por vezes até de exposição e denúncia. Mas o cineasta (e o espectador?) não quer “apenas” o real, quer a aproximação transformadora que só o cinema permite, quer o real a contar histórias extraordinárias, raras ou assombrosas, maiores do que a vida. Até ao final do ano, as nossas salas estreiam uma mão cheia de filmes ousados que desbravam esse território de fronteiras desfocadas entre o doc e a ficção.
O Jovem Xamã, de Lkhagvadulam PurevOchir | Qatar, Alemanha, Países Baixos, Portugal, Mongólia, França / 2023 •Retrato ficcional e realista da geração Z e da tradição xamânica na Mongólia, nação que parece viver a sua adolescência, transitando entre o ancestral e o moderno. Ze é um gentil guia espiritual e estudante de liceu de 17 anos, que desperta para novos sentidos ao conhecer Maralaa. Documentando o quotidiano mongol, a realizadora propõe uma experiência meditativa livre sobre a espiritualidade, expressa na intimidade com o cosmos, a natureza, com quem já não está entre nós, com o sol, a lua, o rio.
Dahomey, de Mati Diop | França, Senegal, Benim / 2024 •Em 2021, foi acordada com o governo Macron a restituição de 26 peças à República do Benim, depois de décadas de arresto no Museu do Quai Branly. A cineasta franco-senegalesa quis registar este ato como um manifesto político e artístico, criando o que chamou de documentário-fantasia. Os temas da apropriação, autodeterminação e reparação histórica, abordados na perspectiva Africana, são especialmente loquazes na voz interior da estátua de bronze do Rei Ghezo, ancestral protagonista da própria história, que expressa em Fon o desejo de libertação.
mesmos. Consta que existem 80 mil falantes de gaélico, dos quais seis mil vivem na Irlanda do Norte. Três deles, em Belfast, irão dar voz a um movimento inspirador para uma geração de jovens irlandeses salvarem a língua materna, num ato de rebelião e emancipação contra os atentados britânicos à sua cultura.
O Quarto Ao Lado, de Pedro Almodóvar | Espanha, EUA / 2024 •Almodóvar sempre abordou temas tabu. Talvez porque, nas discussões sobre mortalidade, o mundo ocidental seja particularmente temeroso, ele nos convide agora a assistir, com serenidade, ao debate filosófico sobre o confronto com o fim e sua aceitação. Tema atual impactante, próprio do olhar documental, também talvez precise da poesia, do lirismo, da doçura, próprias da dramaturgia. E apenas a grandiosidade deste cineasta, com sua inteligência e primor estético, e a monumentalidade de Tilda Swinton e Julianne Moore, poderiam confiar-nos uma reflexão com tal empatia e generosidade sobre a morte bela e liberdade individual.
Conversas com o Diabo, de Cameron Cairnes, Colin Cairnes | Austrália, Emirados Árabes Unidos, EUA / 2023
•Uma arrebatadora homenagem à estética televisiva e aos clássicos do terror de ‘70, evocando os intemporais “A Semente do Diabo”, “O Exorcista” e “Escândalo na TV”, e convocando-nos para uma viagem negra e mordaz ao mundo dos talkshows, onde a possessão demoníaca se confunde com sensacionalismo e o excesso de ambição. David Dastmalchian oferece uma interpretação icónica de estilo série B numa combinação de elementos do doc, docudrama e filme de culto de baixo orçamento.
Caught by the Tides, de Jia Zhang-ke | China / 2024
Kneecap, de Rich Peppiatt | Irlanda, Reino Unido / 2023 •Uma comédia cáustica e desgarrada, um musical alucinogénio e um comprometido drama sociopolítico, imerso no hip-hop de protesto pró-republicano do trio de rappers Kneecap, que neste biopic são protagonistas de versões semi-ficcionadas de si
•O grande cineasta chinês retoma à narrativa de tempo longo para refletir sobre o ciclo natural: tal como observamos o crescimento da árvore, o seu cinema quer que observemos o processo da vida a ser vivida, esse cinema que pode acompanhar o tempo e seguir com ele, capturando-o. Neste épico de visões contrastantes e poéticas sobre a China do novo século em plena mutação, ao longo de vinte anos, atravessamos os filmes anteriores de Zhang-ke editados com imagens de arquivo e novas filmagens. Sofia Tomaz
teatro da Trindade inatel O mito Marylin Monroe e a mulher Norma Jeane
“Marylin por trás do espelho” vai mais além do que revisitar o mito de Marylin Monroe, mergulha também no papel que Norma Jeane Mortenson representou na própria vida, inspirando mulheres de todo o mundo
Oespetáculo que Anna Sant’Ana criou com dramaturgia de Daniel Dias da Silva e encenação de Ana Isabel Augusto, e que também evoca momentos icónicos da vida de Marylin, resulta de uma longa pesquisa iniciada em 2010. E que teve um ponto determinante quando doze anos depois foi apresentada uma leitura dramatizada da peça em Lisboa, na Casa do Coreto, em Carnide, já com apoio da encenadora Ana Isabel Augusto, que viria depois ser desafiada a encenar o espectáculo no Brasil.
Anna Sant’Ana, com formação superior em Artes Cénicas (em São Paulo e no Rio de Janeiro), tem trabalhado como atriz em diversos espetáculos de teatro no Brasil e em televisão na Rede Globo, na Rede Record e na TVI. Viveu em Portugal durante três anos, estava Bolsonaro no poder no Brasil, tendo sido também assistente de encenação de Diogo Infante, no Teatro da Trindade, nos espetáculos ‘Chicago’ e ‘O Amor é Tão simples’. Em Portugal, apercebendo-se do desconhecimento que havia entre nós sobre a obra de Nelson Rodrigues, chegou a juntar atores brasileiros e portugueses num ciclo de leituras dedicado à obra deste autor fundamental do teatro brasileiro.
Conversámos via Zoom com Anna Sant’Anna no Brasil e Ana Isabel em Portugal. Anna começou por explicar que a ideia de trabalhar Marylin veio na sequência de dois espetáculos em que participou. O primeiro em 2010, sobre uma atriz brasileira chamada Leila Diniz, uma mulher muito despojada, muito sexy, que quebrou tabus no Brasil. Um dia o encenador trouxe-lhe um livro com as últimas fotos de Marilyn Monroe. No ano seguinte entrou em ‘Besame Mucho’ de Mario Prata. E entre as várias fantasias sexuais que a sua personagem tinha com o marido havia uma em que ela se vestia como Marilyn e fazia a famosa cena de “O Pecado mora ao lado, com o ventilador. Acrescenta Anna Sant’Anna:
“E aí eu comecei a estudar mais sobre ela. A ver os principais filmes, as principais imagens dela, a estudar mais, comprei uma biografia sobre ela, comecei a ler. E aí eu falei, caramba, que mulher, que história interessante. E comecei a me identificar com coisas que ela passava. Aí eu falei, eu quero fazer essa personagem.”
Entregou o resultado da sua pesquisa, 70 páginas, a Daniel Dias da Silva, que a partir daí criou toda a dramaturgia, a forma de contar, o próprio título. Por seu lado Ana Isabel estava a fazer o doutoramento quando Anna a desafia para encenar o projeto e mesmo cheia de trabalho não conseguiu recusar:
“Tudo no projeto apelava ao que eu acreditava, e a Marilyn sempre foi uma pessoa que me interessou, o seu lado estrela, sex symbol e o ter quebrado uma série de barreiras.”
Realçam as duas o desenho de luz de Renato Machado, um iluminador muito importante no Brasil. Diz Ana Isabel:
“Existe um jogo com a luz, nós costumamos dizer que ela é a contracena, que é mais uma personagem.” Anna reforça esta ideia: “O espetáculo tem 160 movimentos de luz, isso é comparado a musicais, praticamente a cada parágrafo muda a luz.”
Falamos da mulher por trás do mito, Norma Jeane Mortenson. Ana Isabel fala da tensão da conformidade:
“Esta montanha russa em que temos de nos comportar de certa maneira, de fazer as coisas de certa forma. Se temos sucesso não nos podemos sentir sozinhos, se estamos rodeados de gente não pode haver solidão, parece que a felicidade tem sempre uma contrapartida de não sentimento, não é? De não sentir o contrário. A forma como, às tantas, ela diz não, não vou fazer isso, vou fazer de outra maneira. Foi de facto uma mulher muito à frente do seu tempo, não é?”
Ficha Técnica e Artística
Ideia, argumento e interpretação
Anna Sant’Ana
Dramaturgia Daniel Dias da Silva
Encenação Ana Isabel Augusto
Supervisão de encenação Roberto Bomtempo
Assistente de encenação Letícia Reis
Desenho de luz Renato Machado
Música original Tibor Fittel
Cenografia Natália Lana Figurinos e caracterização Joana
Seibel
Direção de movimento Sueli Guerra
Direção de produção Anna Sant’Ana
Coprodução Teatro da Trindade e Sant’Ana Produções e Artes
SALA ESTÚDIO
MARILYN, POR TRÁS
DO ESPELHO
14 NOV A 22 DEZ
QUA A DOM 19H00
90 min. M/14
CONVERSA COM O PÚBLICO
8 DE DEZEMBRO
Anna Sant’Ana acrescenta: “Ela era realmente adorada por homens e mulheres. As mulheres já a admiravam, porque ela lutava contra ser essa dona de casa que impunham nos anos 50, 60. Eu tenho uma frase que eu digo isso, que as pessoas queriam que eu fosse a dona de casa, carinhosa, mas eu não consegui. E essa Norma Jeane, que vem com todas essas nuances, que vem com essa mulher forte, mas que ao mesmo tempo passou por altos e baixos, é onde eu me conecto com ela, é onde o público se conecta. Não é com o glamour.”
Ana Isabel refere: “O espetáculo passa por todos os lugares. Tem também os momentos do glamour, que tem que ter, e as pessoas querem ver.”
Anna Sant’Ana conclui: “Mas tem esse outro lado, que é o da Norma Jeane. E aí, você me perguntou a relação, e eu fiquei pensando, eu acho que eu tenho a Marilyn, a Norma, na verdade quase como uma amiga, sabe? Hoje em dia, ela vem ‘grudadinha’ assim comigo. Como se fosse uma grande amiga minha e que eu virei uma defensora dela, com unhas e dentes. Eu criei essa relação de cumplicidade com ela.” Joaquim Paulo Nogueira
Crónica
PROFETA DO TERCEIRO MILÉNIO
Um dos intelectuais mais atentos do século XX português, António Quadros, entendia Agostinho da Silva como profeta do terceiro milénio. Poucos o perceberam, porém. O silêncio verificado na passagem dos trinta anos sobre a sua morte, ocorridos neste 2024, foi, é revelador do estado mental dominante entre nós.
Professor, filósofo, ensaísta, novelista, poeta, orador, investigador, Agostinho da Silva – para muitos o mais ousado, porque livre, subversor e fracturante espírito da sua época – nasce a 13 de Fevereiro de 1906 no Porto, doutora-se na Sorbonne, ensina na universidade de Letras, no liceu de Aveiro e, expulso por motivos políticos, em colégios particulares. A Pide prende-o. A ditadura leva-o a exilar-se. Uruguai, Argentina, Estados Unidos, Brasil, África, Ásia, o mundo, os povos passam por si universalizando-o, portugalizando-o. Integra, no Brasil, quatro universidades e funda vários centros de estudos superiores, influenciando os líderes de libertação das ex-colónias portuguesas.
Ao desembarcar no Rio, afirmava, «senti como se tivesse pisado uma mola e caído no século XV. Isso permitiu-me a abertura de mim próprio, eu fui outro». Racionalista radical na juventude torna-se, a partir daí, comungador de candomblés e miscigenações, Pai de Santo nos morros, cúmplice de paganismos e politeísmos.
Regressado a Portugal por abertura de Marcello Caetano mobiliza, com o fogo da palavra, o fascínio das ideias, milhares de jovens constituindo as suas intervenções um dos fenómenos culturais mais notáveis da época.
Os líderes da opinião, os papas do correcto, sentindo-se ameaçados, cercam-no de verrinas, de insídias, maneira nossa de neutralizar os diferentes, os superiores. Divertido, Agostinho da Silva provoca: a um deputado que o contacta para encabeçar uma campanha contra o anal-
fabetismo adverte: “Ó diabo, mas as pessoas mais sábias que tenho conhecido na vida são analfabetas”; a um ministro dos Estrangeiros que o consulta sobre a maneira de Portugal melhorar de relações com outros países responde: “Feche as embaixadas e abra tasquinhas com bons petiscos, boa música e gente divertida, foi assim que fizemos ao longo da história”; a um exaltado do contrapoder aconselha: “Calma, o governo não passa de uma vaca, devem dar-se-lhe palmadas no rabo e tirar-se-lhe o leite, é para isso que ele serve.”
Levanta-se cedo, sobe ao Príncipe Real a receber o sol e os pombos, os vadios e as crianças. Os passos são-lhe firmes, como o desprendimento (“o que é que eu vou dizer da minha vida? que foi estupenda? Várias pessoas poderão dizer isso porque estiveram do lado de receber, não do entregar. Eu limito-me a viver do que me dão, ou antes, dão-me do que vivo”).
Depois da sesta, que faz todos os dias para que todos os dias pareçam dois, lê, escreve, policopia as célebres Cartas Várias, olhar posto nos objectos em desordem, no gato em vigília, na caneta de tinta com que garatuja utopias. “Limito-me a deixar ir a minha vida por onde quiser ir”, revela, “eu sigo-a pacífico na albarda do burro, pus-lhe a rédea ao pescoço já que ele sabe melhor do que eu o caminho a tomar; às vezes nos enganamos os dois, o burro e eu”.
Incentiva, “temos de voltar a ser portugueses”, isto é, “não seguir os chamados povos industrializados que têm produzido muita máquina e destruído muita gente. Os portugueses produzem menos
Levanta-se cedo, sobe ao Príncipe
Real a receber o sol e os pombos, os vadios e as crianças. Os passos são-lhe firmes, como o desprendimento
máquinas, mas sabem mais desenvolver pessoas”.
Espectador de si mesmo apercebe-se da chegada do fim. “A nossa existência é um barco”, dizia, “que atravessa frequentes tempestades. Estamos agora numa, e bem ruim. O segredo para resistir é não olhar pela borda fora, se não enjoamos e fazemos os outros enjoar. O segredo é olhar o horizonte e, mesmo sabendo que não chegaremos lá, acreditarmos que sim”.
A Espanha actual, centralizada por Castela, iria, na sua óptica, «dar lugar a vários países independentes, numa nova Ibéria alicerçada nos povos de línguas portuguesa e espanhola da América e África. Essa formidável comunidade intercontinental, capaz de ombrear com a do bloco asiático, até podia ter como capital Olivença».
Com antecedência de décadas anteviu o que iria passar-se a partir do século XXI. «Vamos entrar numa nova Idade Média dominada não por cavaleiros feudais, mas por capitães da indústria e da economia, do comércio e das finanças, senhores de multinacionais transversalmente controladoras do mundo. Não vão, porém, durar muito, alterações profundas surgirão impondo novas mentalidades e políticas. As pessoas não poderão continuar a viver apenas do rendimento do seu trabalho, porque ele está a escassear. Têm de alterar-se as prioridades dos orçamentos dos Estados e, sobretudo, as dos impostos”.
Pensar era-lhe uma constante: “Se não sentisse que o caminho vai dar certo não me empenharia em agir, em agir pensando, em agir quieto. Só que para mim o dar certo confunde-se com o desaparecimento total das coisas. É como se fosse correndo, entusiasmado, para um ponto de completo desaparecimento com a ideia de que, nesse desaparecimento, a consciência continuará a existir.”
Gesto suspenso, olhar fundo, Agostinho da Silva regressou, mal começara Abril de 1994, ao lugar de onde veio – o futuro.
Passatempos
Palavras cruzadas POR josé lattas
HORIZONTAIS:
1-Amante; Sigla de uma das empresas ferroviárias nacionais. 2-Escol (pl); Concelho do Distrito de Aveiro. 3-Disse; Tenta; Nome por que é conhecida a empresa responsável pela gestão dos aeroportos, em Portugal 4-Espírito; Cidade do Estado de Rio de Janeiro (Brasil). 5-Deitava. 6-Contradizem; Colosso considerado uma das sete maravilhas do mundo antigo. 7-Angústia; Primeiro nome do Papa polaco João Paulo II. 8Níquel (s.q.); Fúria; Preposição. 9-Sensato; Imposto sobre o valor acrescentado. 10-Filtra; Arrancadas. 11-Artigo definido (pl.); Ligaras.
Soluções:
IRA; A; EM.
VERTICAIS:
1-Nome masculino; Naco 2-Casa; Mandatos. 3-Nota musical; Tanque; Marchava. 4-Elemento de composição, que exprime a ideia de ouvido; Especiaria indiana. 5-Juntam; Larápio. 6-Igualmente; Província da Andaluzia (Espanha). 7-Pendera; Rogue. 8-Contracção da preposição a e do artigo definido o; Cidade portuguesa, considerada capital da província do Alto Alentejo; Galhardia. 9-Banzado; Viagem. 10-Tubo; Guindas. 11-Beira-mar (pl.); Contudo.
PARQUE DE JOGOS 1º MAIO PARQUE DE JOGOS 1º MAIO
Época 2024 / 2025 inscrições abertas
Modalidades disponíveis: Padel, Ténis, Futebol, Taekwondo, Judo, Badminton, Exercício e Saúde, Atividades Terapêuticas.
Presencialmente no Parque de Jogos 1º de Maio INATEL
+INFO: 211 156 025* | inatel.alvalade@inatel.pt | pj.1maio@inatel.pt | www.inatel.pt *chamada para a rede fixa nacional
A Cantadeira
P ORTO LISBOA
P ORTO | 21, 22, 23 novembro
MULHERES DA BEIRA de Rino Lupo Com A Cantadeira
21 novembro | 5ª feira | 21h30
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THE GENERAL - PAMPLINAS MAQUINISTA de Buster Keaton
e Clyde Bruckman Com O Gajo
22 novembro | 6ª feira | 21h45
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O ÚLTIMO DOS HOMENS de F W. Murnau Com Filipe Rap oso
23 novembro | Sábado | 18h00
Casa das Artes M/12
Stereossauro
Lisboa | 5, 6, 7, 8 dezembro
O HOMEM DA CÂMARA DE FILMAR de Dziga Vertov Com Stereossauro
5 dezembro | 5ª feira | 21h00
Salão da Voz do Operário M/12
MULHERES DA BEIRA de Rino Lupo Com A Cantadeira
6 dezembro | 6ª feira | 21h30
Teatro Taborda M/12
NANOOK , O ESQUIMÓ de Robert Flaherty com Nuno Costa e Óscar Graça
7 dezembro | Sábado| 21h30
Nuno Costa e Óscar Graça
Cinemateca Portuguesa M/12
THE GENERAL - PAMPLINAS MAQUINISTA de Buster Keaton
e Clyde Bruckman Com O Gajo
8 dezembro | Domingo | 18h00
Panteão Nacional M/6
Informações e reservas: 210 027 148
(sujeita à lotação das salas) cultura@inatel .pt