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N.º 224 Março 2011 Mensal 2,00 €
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Sagres O regresso do navio escola
Entrevista Luciano Vilhena Museus Fluviário de Mora Memória Breendonk
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Sumário
Na capa
Foto: Joaquim Magalhães de Castro
22 REPORTAGEM
De Goa a Lisboa: o regresso do navio escola Joaquim Magalhães de Castro acompanhou a guarnição do navio escola Sagres nas duas últimas tiradas, de Goa a Lisboa, da sua terceira viagem de circum-navegação. Uma experiência “inolvidável” – sublinha o repórter – iniciada a 16 de Novembro e terminada no Alfeite na véspera de Natal.
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EDITORIAL
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CARTAS E COLUNA DO PROVEDOR
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NOTÍCIAS
CONCURSO DE FOTOGRAFIA
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Luciano Vilhena Presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP) e também produtor de vinhos na região duriense, Luciano Vilhena fala com paixão da actividade reguladora do IVDP e do seu empenhamento pessoal em garantir que os vinhos do Douro continuem a figurar entre os mais prestigiados do mundo.
FERNANDO PEREIRA
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“A SÉRIO”
“SEMPRE EM FÉRIAS”
O cantor das mil vozes assume a própria voz no Trindade, de 18 a 20 de Março.
Inscrições abertas
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OLHO VIVO
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A CASA NA ÁRVORE
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O TEMPO E AS PALAVRAS
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OS CONTOS
32 MUSEUS
Maria Alice Vila Fabião
DO ZAMBUJAL
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ENTREVISTA
CRÓNICA Humberto Lopes
Fluviário de Mora Situado no interior alentejano, o primeiro grande aquário de água doce da Europa exibe 72 espécies de peixes e de outros animais, num total de cerca de 500 exemplares.
36 TERRA NOSSA
57 74
BOA VIDA CLUBE TEMPO LIVRE
Passatempos, Novos livros e Cartaz
Mértola: o último porto do Mediterrâneo
46 MEMÓRIA
Breendonk: um campo de passagem para Auschwitz
Revista Mensal e-mail: tl@inatel.pt | Propriedade da Fundação INATEL Presidente do Conselho de Administração: Vítor Ramalho Vice-Presidente: Carlos Mamede Vogais: Cristina Baptista, José Moreira Marques e Rogério Fernandes Sede da Fundação: Calçada de Sant’Ana, 180, 1169-062 LISBOA, Tel. 210027000 Nº Pessoa Colectiva: 500122237 Director: Vítor Ramalho Editor: Eugénio Alves Grafismo: José Souto Fotografia: José Frade Coordenação: Glória Lambelho Colaboradores: António Costa Santos, António Sérgio Azenha, Carlos Barbosa de Oliveira, Carlos Blanco, Gil Montalverne, Humberto Lopes, Joaquim Diabinho, Joaquim Magalhães de Castro, José Jorge Letria, José Luís Jorge, Lurdes Féria, Manuela Garcia, Maria Augusta Drago, Maria João Duarte, Maria Mesquita, Pedro Barrocas, Rodrigues Vaz, Sérgio Alves, Suzana Neves, Vítor Ribeiro. Cronistas: Alice Vieira, Álvaro Belo Marques, Artur Queirós, Baptista Bastos, Fernando Dacosta, Joaquim Letria, Maria Alice Vila Fabião, Mário Zambujal. Redacção: Calçada de Sant’Ana, 180 – 1169-062 LISBOA, Telef. 210027000 Fax: 210027061 Publicidade: Direcção de Marketing (DMRI) Telef. 210027189; Impressão: Lisgráfica - Impressão e Artes Gráficas, SA Rua Consiglieri Pedroso, n.º 90, Casal de Sta. Leopoldina, 2730-053 Barcarena, Tel. 214345400 Dep. Legal: 41725/90. Registo de propriedade na D.G.C.S. nº 114484. Registo de Empresas Jornalísticas na D.G.C.S. nº 214483. Preço: 2,00 euros Tiragem deste número: 155.812 exemplares
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Editorial
V í t o r Ra m a l h o
Identidade e símbolos
A
“Sagres”, símbolo material da nossa concepção universalista que, por isso mesmo, se espalha pelos quatro cantos do mundo, merece nesta revista – e bem – uma reportagem sobre a sua recente chegada de mais uma grande viagem à volta do planeta. Um colaborador da Tempo Livre, Joaquim Magalhães de Castro embarcou nela em Goa e é o responsável pela também agora excelente viagem que nos propicia na revista, em que todos os leitores terão assim a possibilidade de participar. Aproveitando este símbolo falaremos também neste número de um outro, marca da identidade portuguesa, o vinho do Porto. Será difícil encontrar personalidade mais qualificada para nos falar dele do que o Dr. Vilhena Pereira, presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e do Vinho do Porto. Numa altura e num período em que é muito importante reganharmos esperança no futuro, em função da crise, é útil e proveitoso descermos às raízes do que somos, recorrendo neste caso aos símbolos da nossa marca identitária, e no caso específico do vinho do Porto, um produto com peso muito significativo nas nossas exportações. Falar de nós é falar também dos excepcionais recursos que temos, a todos os níveis, e da mostra que deles devemos fazer. É o caso do Fluviário de Mora, no interior do Alentejo, um equipamento único em Portugal e que foi também o primeiro grande aquário de água doce da Europa. Prémio Melhor Museu Português 2008 e distinguido com outros importantes galardões internacionais, este notável fluviário exibe uma variedade invulgar de peixes de rios ibéricos e de outras espécies fluviais americanas
e de lagos africanos. Aqui o invocamos porque vale bem a pena visitá-lo. É neste quadro, sempre suportado na concepção universalista que levamos também ao leitor a uniformização sobre o protocolo recentemente assinado entre a Fundação Inatel e o Principado de Andorra representado pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros e Interculturalidade, D. Xavier Espot. Como é sabido o Principado de Andorra é um velho Estado Europeu, que remonta ao século XII com relações históricas muito profundas com Portugal, hoje com relações diplomáticas ao nível da embaixada. A comunidade portuguesa residente no principado é hoje muito significativa, com cerca de 14.000 dos nossos compatriotas a fazerem dele uma pátria de acolhimento. Daí a importância deste protocolo, possibilitando no futuro o reforço do intercâmbio do turismo em geral e em particular no domínio do turismo sénior entre os dois países. Por fim, relevamos a presença na B.T.L. (Bolsa de Turismo de Lisboa), da Inatel, que ocorreu entre 23 e 27 de Fevereiro, onde foi apresentado um livro de excelente qualidade gráfica, que fica a dar testemunho público das unidades hoteleiras da Inatel, a beneficiarem agora de um enorme esforço de requalificação em 26 frentes, para assim alimentarmos os alicerces do futuro. Esses alicerces exigem também uma permanente mobilização dos trabalhadores que se desenvolve em várias frentes. Por isso mesmo em boa hora a DAF (Direcção Administrativa e Financeira) levou a efeito um seminário para um vasto número de trabalhadores da Inatel e que contou como palestrante o Prof. Doutor João Ferreira do Amaral que nos falou da crise e, sobretudo, das saídas para ela. I MAR 2011 |
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Cartas A correspondência para estas secções deve ser enviada para a Redacção de “Tempo Livre”, Calçada de Sant’Ana, nº. 180, 1169-062 Lisboa, ou por e-mail: tl@inatel.pt
Oeiras I Como associada tenho desfrutado de vários programas e sempre considerei que o Inatel prima pela qualidade no acolhimento, nas viagens, nos hotéis. Como moro na Parede, frequento com assiduidade o "self-service" de Oeiras e fiquei desiludida com a perda de qualidade do restaurante. Há menos variedade, pior acolhimento, comida pior confeccionada, tendo já encontrado objectos estranhos nos pratos. Assim, solicito os vossos bons ofícios de modo a podermos reencontrar neste restaurante a qualidade que tinha, como é apanágio do Inatel. Jacoba Christina Ferreira, Parede
Oeiras II Sr. Presidente da INATEL, venho por este meio informar que, desde a cozinha, aos quartos, há coisas lamentáveis no Inatel em Oeiras. (…) Apesar das obras efectuadas, alguns quartos estão a degradar-se progressivamente e há cada vez mais reclamações. É entrar lá, dar uma volta
e apreciar quanto está errado, mal cuidado e sem manutenção (…) Façam algo para melhorar o nosso Inatel. Ana Marques, por e-mail
50 anos na INATEL Completaram, este mês, 50 anos de ligação à Fundação Inatel os associados: António Santos, de Amadora; Lucília Dias, de Braga; Aníbal Carvalho, de Cascais; Cremilda Andrade, de Campo Maior; António Ferreira, de Guimarães; Maria Alves, Mª Julieta Silva, Mª Irene Pilrro, Abílio Rodrigues, Alberto Pedro, Francisco Simões, Horácio Filipe e Nelson Maio, de Lisboa; António Runa, de Loures; João Oliveira, de Mafra; Raul Vilela, de Portalegre; Joaquim Sykes, de Mafra; Francisco Anjos, de Matosinhos; Carlos Alberto Rebelo, de Oeiras; Francisco Guerreiro, de Serpa; António Rosa, de Setúbal; António Marchão, Mário Correia, António Patricio e José Alfredo Garrido, de Sintra; Sérgio Calado, de Torres Novas; Amílcar Teixeira, de Viseu.
Coluna do Provedor AS LIMITAÇÕES orçamentais cujas conse-
Kalidás Barreto provedor@inatel.pt
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quências uns temem, mas outros já as sentem duramente na família, afectam também as instituições como a Inatel que têm objectivos sociais de importância relevante, abrangendo os diversos escalões etários. Em consequência dessas restrições sucedem reduções em vários programas cujos efeitos são naturalmente sentidos pelos utentes. É o caso do projecto" Net para Todos" que teve grande êxito. Previsto só para 2008, com monitores certificados, a Inatel sem apoios exteriores, quis ir até final de 2010. A dureza das restrições orçamentais obrigaram, nessa data, a interromper este programa de grande alcance social. As reacções sucederam-se, como a que se transcreve como exemplo: "Foi com bastante tristeza que tomei conhecimento de que o espaço "internet para todos", acabou. Era um espaço onde se reuniam pessoas de vários extractos profissionais e mais importante, quase todos, pessoas entre os sessenta e cinco e
oitenta e tal anos. Formávamos um grupo de amigos que se ajudavam nas dificuldades que iam aparecendo, na elaboração dos emails e, que ao fim da tarde, regressavam às suas residências, quase com a sensação de um dever cumprido e sentindo-se ainda pessoas válidas. Segundo explicações dadas a alguns de nós, a extinção deste espaço, ficará a dever-se à falta de subsídios comunitários. A Inatel é grande de mais para depender desses subsídios. Entre nós, há sócios com mais de 40 anos de filiação. E somos milhares. Assim, venho por este meio, rogar que não se permita que esta medida vá para a frente e que possamos continuar a usufruir deste meio que nos ajuda a prolongar a vida." Pelo respeito que nos merecem os nossos associados, devo acrescentar quanto é desagradável para a Fundação, a cessação desse programa que tanto êxito teve junto dos nossos associados. Infelizmente as restrições orçamentais que o país enfrenta obrigam-nos a fazê-lo. Apesar de tudo, o assunto ainda está a ser estudado.
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Notícias
Conferências Inatel
Reindustrialização precisa-se! Retomar o processo de reindustrialização, designadamente no sector primário (agricultura e pescas), com mão de obra qualificada e produzindo bens que tenham mercado é um dos caminhos decisivos para a superação da grave crise que afecta Portugal - defendeu João Ferreira do Amaral, professor catedrático do ISEG, na conferência
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sobre a situação económica do país, proferida na sede da Inatel. Uma nova política fiscal, crédito mais favorável e incentivos ao emprego nesse sector, poderão - sublinhou o prestigiado economista - melhorar a resposta nacional ao actual défice orçamental. As consequências para Portugal da globalização, das economias emergentes e do alargamento da UE aos países do Leste europeu foram ainda temas salientes da intervenção de Ferreira do Amaral que, no debate suscitado com os quadros presentes da Fundação, manifestou dúvidas quanto às vantagens da continuidade da integração do nosso país na actual estrutura e funcionamento da UE.
Andorra acolhe Turismo Sénior G
Um acordo agora celebrado
entre a Inatel e o Governo de Andorra vai permitir, anualmente, a partir de 2012, o gozo de férias em Andorra, em zonas de interesse turístico cultural, a 200 seniores portugueses. Assinado pelo Ministro de Assuntos Exteriores e Relações Institucionais de Andorra, Xavier Espot, e por Vítor Ramalho e Rogério Fernandes, respectivamente,
Associação CIOFF-Portugal Com o objectivo de preservar e divulgar a cultura portuguesa, foi agora constituída a CIOFF-Portugal, uma associação que herda as competências desempenhadas pela Fundação Inatel, que presidiu durante 17 anos à secção Portuguesa do CIOFF (Conselho Internacional das Organizações de Festivais de Folclore). Representar o país no CIOFF, assegurar que os seus festivais de folclore cumpram, entre nós, os requisitos internacionais e recomendar a participação de grupos nacionais em iniciativas daquele organismo são as principais atribuições da nova associação. Cristina Baptista, administradora da Inatel, com o pelouro da Cultura, assume a presidência por três anos da o CIOFF-Portugal, acompanhada por
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Alberto Rego da Associação Promotora das Festas da Cidade de Viana do Castelo e Amabélio Pereira do Grupo Folclórico de Faro (organizador do FolkFaro). Durante a assinatura da escritura, no passado dia 8 de Fevereiro, na sede da Inatel, Cristina Baptista sublinhou o papel da Fundação na preservação e divulgação do património imaterial do país e a importância da autonomia da secção nacional do CIOFF.
presidente e administrador da Inatel, o acordo salienta a existência de programas sociais semelhantes geridos pelas duas entidades, ficando estabelecido que "nos Programas de Turismo Sénior, subvencionados, de ambos os países para a temporada 2012", seja garantida a "reserva de 200 lugares, distribuídos por grupos de 50 (cinquenta), para que os beneficiários de Portugal e de Andorra usufruam, respectivamente, de férias em Andorra e em Portugal." Ao usar da palavra na cerimónia de assinatura do protocolo, Xavier Espot elogiou o relevante papel sociocultural da Inatel e destacou a importância da numerosa comunidade portuguesa radicada no seu país, muitos dos quais já com dupla nacionalidade. MAR 2011 |
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Notícias
Projecto CriaSons
Inatel apoia música de câmara
Martha de La Cal homenageada G
Martha de La Cal,
correspondente da revista Time e de outros orgãos da Imprensa americana em Portugal, durante há 45 anos, falecida no passado dia 15 de Janeiro, foi homenageada em Fevereiro, na Galeria de Arte do Casino Estoril, aquando da inauguração de uma exposição de arte Contemporânea, em que
No seguimento da sua missão de apoio à criação e acção cultural, a Fundação Inatel associou-se ao projecto CriaSons - Tendências da Música de Câmara Portuguesa Contemporânea - através do apoio à edição de um CD que reúne obras inéditas de sete compositores portugueses e que será lançado no próximo mês de Maio no Teatro da Trindade, em Lisboa. O projecto arrancou em Abril de 2010 com o convite a sete compositores de diversos quadrantes estéticos Amílcar Vasques-Dias, Anne Victorino d'Almeida, António Victorino d'Almeida, César Viana,
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Jorge Costa Pinto, Paulo Jorge Ferreira e Sérgio Azevedo - para a criação de novas obras e o aproveitamento de outras composições ainda inéditas. O projecto, materializado no Festival CriaSons, já em curso, reúne a participação de três dos nossos mais prestigiados agrupamentos da música de câmara - Opus Ensemble, Duo Contracello e Quarteto Lopes-Graça na interpretação das nove obras inéditas em estreia mundial. Os concertos decorrem, até 26 de Março, em Évora (dia 26), Funchal (15), Lisboa (dias 5, 6 e 13), Pombal (5), Póvoa do Varzim e Viana do Castelo (20).
participou seu filho, Robert. Sobre a vida e obra desta destacada jornalista e amiga de Portugal falaram o o director da Galeria, Nuno Lima da Carvalho e Mário Dujisin, fundador e dirigente da A.I.E.P (Associação de Imprensa Estrangeira em Portugal). Foram, ainda, lançados, na ocasião, dois abaixo-assinados a solicitar às autarquias de Oeiras - onde a homenageada viveu - e de Lisboa capital do seu País de adopção, sobre o qual muito e muito bem escreveu, quer na Time e outras publicações - a inclusão do seu nome na toponímia local.
"Retrospetiva" na Artur Bual Na Galeria Municipal Artur Bual (Amadora), está patente, até final de Março, a exposição pintura e tapeçaria "Retrospetiva", de Alves Dias. Como sublinha o crítico Hugo Ferrão na apresentação da mostra, "…as pinturas e tapeçarias de Alves Dias encarnam os silêncios dilatados, associados à actividade criadora. Os gestos, os passos em volta, a espera pela sua revelação, são elementos que fazem parte dos rituais propiciatórios daquele que constrói imagens -matéria, cujos suportes permitem a materialização do corpo da obra…".
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A arte namban e a presença lusa na Ásia G Até final de Maio, o Museu do Oriente apresenta "Encomendas Namban. Os portugueses no Japão da Idade Moderna", uma exposição que reúne um conjunto de obras, mobiliário, têxteis, armaria e pintura, provenientes do próprio acervo do Museu do Oriente e de empréstimos de museus nacionais e coleccionadores privados nacionais e estrangeiros. A mostra visa reenquadrar o fenómeno namban do ponto de vista da encomenda, dos mercados a que se destinava e dos agentes que lhe estiveram associados, através de um conjunto significativo de peças de artes decorativas japonesas e indoportuguesas.
No Japão, o termo namban-jin foi, recorde-se, pela primeira vez, aplicado aos Portugueses como sinónimo de "bárbaros do Sul". Esta designação incluiu, também, outros povos do Sul da Europa,
designadamente espanhóis e italianos, presentes no território sobretudo por via da missionação, que marcou indelevelmente um período que ficou conhecido como o "século cristão".
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Notícias
"Contributos para a História do Movimento Operário e Sindical"
Da autoria de antigos e actuais dirigentes da CGTP-IN e no âmbito das comemorações dos 40 anos da criação da Intersindical, foi lançado no final de Janeiro, no Museu da Electricidade, em Lisboa, o livro "Contributos para a História do Movimento Operário e Sindical - Das raízes até 1977". Com palavras de agradecimento para as dezenas de convidados presentes no lançamento, incluindo uma referência especial para Vítor Ramalho, presidente da Inatel, o secretário-geral da CGTP saudou e elogiou o trabalho dos autores da obra, Canais Rocha, Daniel Cabrita, José Ernesto Cartaxo, Vítor Ranita, Américo Nunes, Kalidás Barreto e Emídio Martins. Carvalho da Silva salientou, na oportunidade, a importância e actualidade do testemunho, memória
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e reflexão destes antigos dirigentes, fundadores e elementos com percursos de vida associados à história do sindicalismo e do movimento operário em Portugal. No primeiro capítulo deste 1º volume, Canais Rocha aborda os antecedentes do movimento sindical, entre a primeira metade do século XIX (1838) e 1970. No capítulo seguinte, Daniel Cabrita, Ernesto Cartaxo e Victor Ranita analisam o período de formação da Intersindical, da fase de semiclandestinidade até ao 25 de Abril. Américo Nunes escreve, na terceira parte, sobre o período revolucionário (1974/1977), e Kalidás Barreto e Emídio Martins, apresentam, no último capítulo, os testemunhos e experiência de um socialista e de um católico nos primeiros sete anos de existência da CGTP.
António Joaquim na Galeria do Casino G
Intitulada "Obras a partir de
2003", está patente até final de Março na Galeria de Arte do Casino do Estoril uma exposição do pintor António Joaquim (Travanca, Santa Maria da Feira, 1925), "o nosso mais qualificado paisagista, trabalhando, com excelente e igual qualidade o óleo e a aguarela", como assinala Nuno Lima de Carvalho, director da galeria. A sua primeira grande exposição individual deste notável artista autodidacta, representado em numerosas colecções privadas e públicas, foi, registe-se, realizada na Galeria de Arte do Casino Estoril em Outubro de 1980.
Novos espaços e actividades no Parque de Jogos de Ramalde G
O Parque de Jogos de Ramalde recuperou alguns espaços para posteriormente
dinamizar com novas actividades, tendo sido inaugurado um novo espaço no passado dia 15 de Janeiro com a primeira demonstração do Dojo de Karate, fruto do recente protocolo assinado entre a Fundação e a Federação Portuguesa de Karate Shotokan. A Escola de Karate INATEL já está em pleno funcionamento e brevemente este novo espaço irá acolher outras actividades direccionadas para os mais jovens e ainda um projecto especial com actividades concebidas para os seniores. 12
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XV Concurso “Tempo Livre”
Fotos premiadas
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[3] [ 1 ] Conde Falcão, Lisboa Sócio n.º 29783 [ 2 ] Luis Martins, Braga Sócio n.º 434018 [ 3 ] Paulo Amado, S. João de Madeira Sócio n.º 393614
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Regulamento 1. Concurso Nacional de Fotografia da revista Tempo Livre. Periodicidade mensal. Podem participar todos os associados da Fundação Inatel, excluindo os seus funcionários e colaboradores da revista Tempo Livre. 2. Enviar as fotos para: Revista Tempo Livre - Concurso de Fotografia, Calçada de Sant’Ana, 180 - 1169-062 Lisboa. 3. A data limite para a recepção dos trabalhos é o dia 10 de cada mês. 4. O tema é livre e cada concorrente pode enviar, mensalmente, um máximo de 3 fotografias de formato mínimo de 10x15 cm e máximo de 18x24 cm., em papel, cor ou preto e branco. 5. Não são aceites diapositivos e as fotos concorrentes não serão devolvidas. 6. O concurso é limitado aos associados da Inatel. Todas as fotos devem ser assinaladas no verso com o nome do autor, morada, telefone e número de associado da Inatel.
Menções honrosas [ a ] Óscar Saraiva, S. Mamede de Infesta Sócio n.º 31309 [ b ] José Gonçalves, Venda do Pinheiro Sócio n.º 284945 [ c ] Maria Silva, Cacém Sócio n.º 493267
[a]
[b]
7. A «TL» publicará, em cada mês, as seis melhores fotos (três premiadas e três menções honrosas), seleccionadas entre as enviadas no prazo previsto. 8. Não serão seleccionadas, no mesmo ano, as fotos de um concorrente premiado nesse ano 9. Prémios: cada uma das três fotos seleccionadas terá como prémio duas noites para duas pessoas numa das unidades hoteleiras da Inatel, durante a época baixa, em regime APA (alojamento e pequeno almoço). O prémio tem a validade de um ano. O premiado(a) deve contactar a redacção da «TL».
[c]
10. Grande Prémio Anual: uma viagem a escolher na Brochura Inatel Turismo Social até ao montante de 1750 Euros. A este prémio, a publicar na «TL» de Setembro de 2011, concorrem todas as fotos premiadas e publicadas nos meses em que decorre o concurso. 11. O júri será composto por dois responsáveis da revista T. Livre e por um fotógrafo de reconhecido prestígio.
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Entrevista
Luciano Vilhena Presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto
"Cresci a ver o plantio das vinhas..." asceu em Chaves, estudou em Coimbra, e tomou a cidade da foz do Douro por domicílio. Exerceu advocacia no Porto, passou pelo Ateneu Comercial da cidade e foi vice-governador civil na capital do Norte. Mas seria a experiência como presidente da Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro (CIRDD) a apurar uma antiga e visceral ligação com o universo da viticultura. Membro de várias confrarias e associações - como as confrarias dos Enófilos de Trás-os-Montes e dos Enófilos do Porto -, Luciano Vilhena Pereira é actualmente Presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP). Igualmente produtor de vinhos – em Freixo-de-Espada-à-Cinta, onde mantém a tradicional pisa a pé – fala com paixão da actividade reguladora do IVDP e do seu empenhamento pessoal em garantir que os vinhos do Douro continuem a figurar entre os mais prestigiados do mundo.
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Podemos falar de uma vida quase inteiramente ligada ao vinho, à cultura do vinho? Sim. Como eu costumo dizer, nasci no meio das vinhas. O meu pai era viticultor, o meu avô era viticultor, e cresci a ver fazer as cavas, as podas, as sulfatações, o plantio das próprias vinhas, as vindimas, os vinhos… Cresci até aos doze anos neste meio e, portanto, conheço de perto esse tipo de emoções e esse tipo de trabalho, os sacrifícios que impõe às pessoas, e também as alegrias que as pessoas partilham. Pode-se dizer que desde muito novo estive em contacto com a vinha e com o vinho… Em 1971 casei-me e voltei a estar ligado aos vinhos, agora aos vinhos do Douro, sobretudo aos vinhos do Porto. 16
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Casei-me com uma senhora que tinha propriedades em Freixo-de-Espada-à-Cinta, íamos lá com alguma frequência e aprendi muito sobre o Vinho do Porto. Estive ligado aos vinhos do Douro e do Porto na óptica do agricultor, mas do agricultor que era advogado e estava longe da produção. Em 2001 fui convidado - eu era vice-governador civil no Porto - a assumir a presidência da Comissão Interprofissional da Região Demarcada do Douro. E desde então tenho estado ligado, de facto, aos vinhos, quer do ponto de vista institucional, quer como produtor. Entretanto, em 2001, fundei uma pequena empresa que produz vinhos. O IVDP é uma instância privilegiada para inter-
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vir nas questões essenciais para a qualidade da produção vitivinícola do Douro… O Instituto é "a instância", digamos assim, dos vinhos do Douro e Porto. Desde que foi constituído o modelo interprofissional da Região Demarcada do Douro, em 1995, que todas as grandes questões do Douro, desde a produção ao comércio, passaram a concentrar-se nesse conselho interprofissional. Foi o que aconteceu primeiro na CIRDD, e depois no IVDP. A partir de 2004, com a fusão da CIRDD e do IVP, surgiu o IVDP. E ficaram duas instâncias, uma representativa da produção e outra representativa do comércio, como as duas grandes alas que o Estado, o IVDP, tem que concertar na resolução
dos problemas do Douro. Refiro-me à produção e ao comércio, mais concretamente à Associação de Empresários de Vinho do Porto e à Casa do Douro, como associação de agricultores reconhecida. As funções reguladoras do IVDP não se confinam ao Vinho do Porto… Exactamente. Temos também os vinhos do Douro e a indicação geográfica duriense. Claro que o grande bloco de interesses é o Vinho do Porto, que representa cerca de 75% da produção da região, mas temos os vinhos do Douro, que têm estado a construir o seu próprio caminho e que hoje são reconhecidos não apenas em Portugal, como cada vez mais em todo o mundo. A última MAR 2011 |
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Entrevista
Luciano, com dois anos, nas vinhas do pai
prova que o Wine Spectator fez dos vinhos portugueses, de todas as regiões de Portugal, deu como resultado o facto de os primeiros dez serem todos da Região Demarcada do Douro. Quais as responsabilidades e funções do IVDP que destacaria como sendo as mais importantes e decisivas? Nós temos funções que resultam de determinações legais que são, de facto, muito importantes. A primeira delas é que o Instituto tem por missão defender e proteger as denominações de origem Porto e Douro e indicação geográfica duriense. Isto obriga-nos a organizar mecanismos de controlo, de fiscalização, que vão desde o plantio da vinha até à comercialização dos vinhos na prateleira. Temos que fazer uma sequência fiscalizadora desde que se planta a vinha, para saber se essa vinha pode ser classificada como uma vinha capaz de produzir Porto ou Douro. Somos nós que controlamos as práticas culturais, formas de plantar, o compasso, a
distância ente as cepas, tudo isso obedece a práticas que nós fiscalizamos. A forma de podar, de fazer a condução da videira, a questão das castas. Porque nós temos cerca de 128 castas autóctones do Douro, e só essas podem estar presentes na produção de Vinho do Porto. É preciso que quem planta tenha conhecimento, e somos nós que fazemos essa fiscalização. Começamos na vinha, depois fazemos o acompanhamento da vindima através da recolha do quantitativo vindimado… Mas intervêm igualmente na área comercial… As empresas de Vinho do Porto compram, engarrafam e lançam no mercado, e também aqui nós continuamos a exercer uma forte fiscalização. Na rotulagem e a análise laboratorial e organoléptica, que é uma tarefa levada a cabo pela nossa Câmara de Provadores. Já depois de os vinhos estarem nas prateleiras, nós fazemos ainda o controlo de qualidade através de busca de exemplares nas prateleiras. Há notícia de um recente e assinalável desempenho do sector… Sim, são dados de 2010. Subidas nas exportações, de 3% em volume e de 5,7% em preço. E
De Coimbra ao Ateneu… Viveu um episódio curioso na altura da
pessoas usaram da palavra, e a certa
A passagem pelo Ateneu correspondeu
crise académica de 1969, em Coimbra…
altura o Alberto Martins levantou-se e
ao cumprimento de obrigações cívicas de
Eu na altura pertencia a um organismo
pediu a palavra, "Sr. Presidente da
um homem que chegou ao Porto e que
autónomo da Universidade de Coimbra, o
República, pedia-lhe que me permitisse
ao fim de uns anos estava cá integrado.
CITAC [Centro de Iniciação Teatral da
usar da palavra…". O presidente Tomás
Um dia convidaram-me para integrar a
Academia de Coimbra]. Eu e um colega,
foi apanhado de surpresa, levantou a mão
direcção do Ateneu, fui presidente
que pertencia ao TEUC [Teatro dos
e disse "bom, bom… agora fala o senhor
durante doze anos… Foi um trabalho
Estudantes da Universidade de Coimbra],
ministro…" Quando o Alberto se levantou,
muito interessante, é uma casa muito
o Dr. Redondo Lopes, fomos abordados
o coronel ia-lhe deitar as mãos para o
difícil de gerir… Só um exemplo, a
pela direcção da Associação Académica
fazer sentar, e eu, que estava atrás, num
quotização só assegurava parte do
para acompanharmos o Alberto Martins e
gesto instintivo, pus-lhe as mãos nos
orçamento… portanto, havia um défice
estarmos ali a apoiá-lo, etc. E lá fomos,
ombros, sentei-o e disse-lhe "esteja quieto
todos os anos… Mas conseguimos fazer
ele sentou-se à nossa frente, no anfiteatro
que está tudo sob controlo". Eu estava à
algumas coisas que foram consideradas
das matemáticas, e ao lado dele estava
paisana, não estava vestido de estudante.
pela cidade em geral. Mas a gente
um senhor fardado que tinha as divisas
O homem olhou para mim e ficou quieto,
também não pode estar toda a vida a
de coronel, e alguns senhores que
ficou surpreendido. Depois quando
fazer a mesma coisa. Tenho interesses
pareciam ser agentes da PIDE/DGS. O
acabou de falar o tal ministro, saíram
diversos e hoje estou muito ligado aqui
anfiteatro, para além dos civis do regime,
todos em debandada…
ao Douro e aos vinhos e é isto que eu
estava completamente atafulhado de
Passou também pelo Ateneu Comercial
quero continuar a fazer nos próximos
estudantes. A cerimónia começou, várias
do Porto…
tempos.
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uma subida no mercado interno da ordem dos 5%. Nos vinhos do Douro ainda é mais, regista-se uma subida de cerca de 20%. Que factores considera terem sido mais relevantes para este êxito, tanto mais que ele ocorre no quadro de uma crise económica internacional? Eu destacaria o nosso grande esforço na promoção da imagem e do consumo em vários países. Apesar de 2009 ter sido um ano de crise, de baixa de vendas de vinho em todo o mundo, nós mantivemos o nosso esforço promocional, e até o elevamos um pouco, seleccionando os momentos de acção, e penso que os mercados nos perceberam e reagiram de acordo com as nossas expectativas. Evidentemente, isto não está desligado do facto de em alguns desses países se ter iniciado um crescimento económico, embora diminuto. Mas também não é menos verdade que nós dirigimos o nosso esforço de promoção justamente para esses países onde era possível haver mais compras. A contrafacção, a nível internacional, de vinhos com a designação de "Porto" continua a constituir um dado preocupante? Constitui. É um problema que já vem de há muitos anos, que nós temos combatido com a ajuda do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal, e mais recentemente com a ajuda da Comissão Europeia. E com o nosso esforço junto dos países que mais praticam esse tipo de contrafacção. Os Estados Unidos insistem em manter a palavra "Porto", insistem muito na usurpação das denominações de origem tradicionais. Nós temos feito um combate e sensibilizado para um conceito que eles não tinham e que hoje começam a ter, que é o conceito de denominação de origem. Não são só produtores dos Estados Unidos que o fazem… Estados Unidos, África do Sul, Austrália, um ou outro país europeu, até a Espanha já usou… E tem havido contenciosos por causa disso…
Tem havido acções judiciais por causa disso. Além da luta diplomática e da negociação bilateral, a verdade é que quando não é possível, vamos para os tribunais, sobretudo para o Tribunal Europeu. Voltando à sua experiência como produtor, os vinhos produzidos em Freixo - como noutras zonas do Douro - têm especificidades que resultam de características climáticas singulares… Ou seja, há zonas com características muito específicas que podem determinar particularismos nos vinhos aí produzidos, independentemente das técnicas de vinificação… Freixo-de-Espada-à-Cinta fica no limite oriental da Região Demarcada do Douro. É a zona que tem a menor pluviosidade anual no Douro. E há algumas bolsas, no Pinhão, que também têm muito pouca pluviosidade. Isso dá aos vinhos uma singularidade. De resto em termos de solos, são solos xistosos normais como os outros. Mas o clima é bastante tórrido, do Pocinho para cima já é O meu pai era bastante tórrido… há fortes viticultor, o meu avô amplitudes térmicas. era viticultor, e cresci Ou seja, factores de diversifia ver fazer as cavas, cação das condições de proas podas, as dução… sulfatações, o plantio A Região Demarcada do Douro das próprias vinhas, tem características gerais, tem um as vindimas, os solo de xisto, com ligeiros afloravinhos… mentos graníticos. Para além dessas características gerais, a região está dividida em três subzonas: Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior. E a isto também correspondem climas ligeiramente diferentes. A maior diferença entre estes climas advém da menor pluviosidade e de alguns solos de aluvião no Baixo Corgo. E há também no Baixo Corgo uma maior influência dos ventos atlânticos. Do Pinhão para montante do rio a influência atlântica é cada vez menor e começa a haver uma influência mediterrânica mais acentuada. E mesmo nessas zonas há verdadeiros microclimas. É por essa razão que estamos neste momento com um projecto de estudo dos solos e do clima da Região Demarcada do Douro, a que chamamos "Zonagem". Estamos, desde Novembro, a fazer buracos no terreno, vamos fazer 1500 buracos até Junho deste ano, justamente para estudar em pormenor as característi-
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Entrevista
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Já depois de os vinhos estarem nas prateleiras, nós fazemos ainda o controlo de qualidade através de busca de exemplares nas prateleiras.
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cas do solo nessas diversas zonas. E depois, num outro programa, vamos plantar nesses locais castas, para vermos como é que se vão comportar do ponto de vista da insolarização. Esta realidade de microclimas é um grande factor de enriquecimento, de diversidade dos vinhos produzidos no Douro… Sim, eu aproveitava essa abordagem sobre a pluralidade de possibilidades que o Douro oferece, em termos de solos, de insolarização, em termos de castas, para chamar a atenção para aquilo que se criou recentemente que é a marca "Vinhos de Portugal", que menciona "Vinho de Portugal, um mundo de diferenças".
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Ainda há produtores que utilizam a pisa tradicional? E tem vantagens? Ainda há. Pode ter, para se fazer determinado tipo de vinhos… Há produtores que para fazer os grandes vinhos recorrem à pisa a pé. Tanto quanto se sabe ainda não há nada que substitua o pé no esmagamento da uva. Hoje, com os lagares de pisa mecânica procura-se imitar a textura do pé através da aplicação das barras de silicone. À procura da textura, da força, da maciez, da flexibilidade do pé. A verdade é que, de uma forma ou de outra, fazem-se grandes vinhos. E há quem mantenha essa pisa tradicional para os vinhos de topo de gama - mas é quando podem, porque é preciso ter lagares de pedra e gente disponível para pisar… Eu conheço muita gente que ainda faz vinhos assim. Eu sou um deles… Digamos, enfim, que está aí uma relação que cobre quase toda a sua vida… É verdade, digamos que mesmo quando estive fora, já cá estava tudo… Foi uma coisa muito interessante, porque quando eu cheguei ao Douro para ser presidente da CIRDD, é evidente que ia com uma angústia, porque era a primeira vez que eu ia desempenhar nessa área uma função de responsabilidade. Mas ao fim de uns três meses senti-me como peixe na água. Apercebi-me de que eu entendia mais daquilo do que alguma vez tinha imaginado…I Humberto Lopes (texto e fotos)
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Reportagem
De Goa a Lisboa na Sagres O regresso do navio escola Partimos de Goa a 16 de Novembro e atracamos na base naval do Alfeite a 24 de Dezembro, a tempo de irmos consoar com as nossas famílias. Uma viagem inolvidável.
companhei a guarnição do navio escola Sagres nas duas últimas tiradas da sua terceira viagem de circum-navegação. E se a primeira dessas tiradas, de Goa a Alexandria, decorreu de forma tranquila, pese a ameaça constante da pirataria no golfo do Adém; a segunda, de Alexandria a Lisboa, foi a mais dura desse histórico périplo da barca do Infante.
A
Temporal desfeito no Mediterrâneo Quem foi que disse que o Mediterrâneo era um lago? Se Platão, que era mediterrâneo de estirpe, distinguia os homens em três tipos, «os vivos, os mortos e os que andam no mar», era porque sabia que este mar tanto pode ser manso como uma sardinha ou então feroz como um tubarão. É tudo uma questão de altas e baixas pressões e aquilo a que podemos chamar de «efeito tanque». Considerando que a profundidade média do Mediterrâneo não é muito considerável, sempre que os ventos sopram com mais força a ondulação aumenta rapidamente e daí à formação de vagas é um instantinho. Na última tirada da sua viagem de circum-navegação, o navio escola Sagres passou por um temporal daqueles que ficam gravados na memória para sempre. Nem os mais antigos da guarnição se recordam de «semelhante malagueiro», não hesitando em afirmar que este foi «um dos maiores temporais da história recente da Sagres». Para mim foi um baptismo de intempérie em alto mar e peras, e, verdade seja dita, nem sequer tive tempo de ter medo. Senti, isso sim, alguma apreensão, logo minimizada pela confiança que me foi transmitida por estes bravos 22
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marinheiros que mesmo nos momentos mais complicados mantiveram o bom humor desafiando Neptuno com um «venha lá mar!». Pensava assim: se estão com toda esta confiança é porque a situação não é assim tão má. Mas a verdade é que era. Ventos inesperados e variáveis chegavam de todas as direcções a uma velocidade média acima dos 40 e 50 nós e com rajadas de 60 nós (120 km/hora) que sacudiam a barca da ré para a vante e de bombordo para estibordo, adornando-a perigosamente com preocupante frequência. Sentado na sua cadeira na casa de navegação, impávido e sereno, o comandante Proença Mendes informou-me que estávamos no meio de um temporal desfeito, o que equivale ao grau 11 da escala de Beaufort. Pior só mesmo o furacão, o grau 12. E como é que se define essa escala? Pela força do vento e o tamanho das ondas. Olhei para a cábula e reparei que as ondas do temporal desfeito podem chegar aos 14 metros. E elas aí estavam, vindas de frente e dos lados, sobretudo de bombordo, erguendo bem alto a Sagres pela proa, para depois a atirar para o fundo, para o «olho da vaga». Oito marinheiros, enfiados nos respectivos impermeáveis de velejador vermelhos e amarelos, repetindo em uníssono e em voz alta a ordem dada pelo oficial de quarto, rodavam o leme ora para bombordo ora para estibordo, num permanente movimento, tentando manter o rumo, essencial para o equilíbrio do navio. Lá em baixo, o poço era invadido por água que num instante escorria pelo madeiro, saindo em golfadas pelos porta-mares. Na popa confrontávamo-nos também com paredes de água cor de chumbo, que logo se desfaziam em pedaços compactos de água verde e círculos concêntricos de azul-
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Reportagem
turquesa. Mais ao longe estendiam-se nervosas manchas brancas, a «carneirada», como se diz na gíria dos marujos, assinalando a forte ventania que o anemómetro não conseguia determinar com precisão. A verdade é que as rajadas, contra todas as previsões, não davam tréguas e estavam ali para ficar. Regressei à casa de navegação no momento em que no VHS se ouviam uns apitos de socorro. «Há um cargueiro que perdeu o motor e se encontra descontrolado. Está a balancear com um declive de 50 graus para ambos os lados», informou o comandante indicando no visor do ECDIS a posição exacta do navio em situação de emergência. «E o mais frustrante é que não temos possibilidades de os ajudar. À velocidade a que nos deslocamos, que é de um e dois nós, precisaríamos de três dias para chegar ao local onde se encontra».
Navegação em contra relógio Diz o ditado que depois da tempestade vem a bonança. Só que a tempestade que nos surpreendeu no Mediterrâneo, logo à saída de Alexandria, demorou a passar e ao longo dessa tirada de 13 dias (que acabariam por ser 14) foram poucas as horas em que o mar se manteve calmo. Soubemos, entrementes, que o navio italiano que tinha lançado o alerta de socorro acabaria por se afundar, embora os seus vinte tripulantes, romenos e italianos, tivessem sido resgatados por um outro cargueiro. A principal preocupação passou a ser chegar a tempo a Lisboa, o que parecia cada vez mais improvável, já que não 24
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só os ventos eram contrários como também as correntes marítimas. Doravante seria uma luta para tentar contrariar os cálculos do ECDIS. As previsões de chegada chegaram a apontar para Abril, quando a velocidade era de apenas 1 ou 2 nós, havendo momentos em que em vez de andarmos para frente andávamos para trás. Após quatro dias de intensos desequilíbrios a coisa acalmou, embora a ondulação continuasse na ordem dos 2 e 3 metros. Para consertar as velas – arrebentaram sete velas ao todo – trouxe-se para o poço a máquina de costura. «Veja com que vontade se trabalha. Todos querem chegar a Portugal o mais rápido possível», comentou a propósito o imediato Fonte Domingues. Rumávamos à Sicília. O objectivo era navegar juntinho à costa, evitando assim borrasca maior ainda. Arriscamos, dias depois, uma travessia em mar aberto até atingirmos as costas tunisina, primeiro, e marroquina, depois, junto às quais navegamos, esperando que a passagem no Gibraltar se fizesse com maior tranquilidade. Mas qual quê! Na noite em que atravessávamos o conhecido estreito desabou sobre nós um tal aguaceiro e uma tal ventania que o navio adornou perigosamente, ouvindo-se lá fora o característico e aterrador ruído das velas estoiradas. Mais um susto a juntar a tantos outros. E foi com este panorama que seguimos viagem até avistarmos costa portuguesa, dois dias depois. As condições meteorológicas, porém, não melhoraram. A comprovar isso mesmo, a impossibilidade de dobramos o cabo de São Vicente devido à violência da intempérie. Por isso, o comandante decidiu, e bem, fundear em Lagos, onde des-
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pertamos na manhã de 23 de Dezembro, o dia em que era previsto chegarmos a Lisboa. Às oito horas foi levantado o ferro e dirigimo-nos para oeste, para bem longe da costa, antes de guinarmos para norte, sempre com vento hostil de noroeste pela proa. Foi um abanar permanente, todo o dia e pela noite fora. Já de madrugada as águas acalmaram permitindo algumas horas de sono.
O regresso dos filhos da Escola Esgotado pelas vigílias das noites anteriores acabei por não pôr em prática a «tradição secular» de todo o marujo se manter acordado na derradeira noite de navegação, mas recordo-me bem de ter sido despertado com um acender de luz (desligada segundos depois) e uns cânticos de Natal entoados por um grupo de bem-dispostos. Iguais visitas receberam todos aqueles que ousaram dormir, independentemente do posto que ocupavam a bordo. A chegada da barca do Infante a Lisboa acabaria por ser, como estava previsto, uma explosão de emoções, misto de alegria e choro. Mas eu há já uns dias vira lágrimas a escorrer pela cara de alguns dos marinheiros quando lhes perguntara quais eram as primeiras palavras que tinham reservado para os seus familiares. Estava um daqueles amanheceres magníficos com vista para o farol do Guincho e a outra margem e a presença das eternas gaivotas, que desde a costa vicentina não deixaram de nos acompanhar. Passou a estibordo, em jeito de cumprimento, um pequeno veleiro. Vieram depois no nosso encalço o Polar e ainda um outro navio escola, com a tripu-
lação perfilada, em sentido, no preciso momento em que essas embarcações, de menor dimensão, nos ultrapassavam. Em menos de uma meia hora eram já às dezenas os veleiros e os não veleiros que à sua maneira (com acenos, gritos, apitos, buzinadelas) prestavam homenagem à barca acabada de regressar. Foi então tocada a sereia, mesmo em frente às instalações do Comando Naval. Era chegada a altura da entrada dos jornalistas. A operação de transferência de toda aquela gente acompanhada por duas oficiais, relações Públicas da Marinha, de uma lancha para o portaló da Sagres, que continuava a avançar Tejo adentro, levou o seu tempo. A bordo ultimavam-se detalhes e os membros da tripulação, em turnos, iam mudando o seu fato de embarque pelo uniforme de gala. Entraram depois o novo comandante naval, o vicealmirante Monteiro Montenegro, e, minutos depois, o recentemente empossado Chefe do Estado - Maior do Exército (CEMA), o almirante José Saldanha Lopes. Seguiram-se as entrevistas e os discursos numa altura em que passávamos debaixo da ponte 25 de Abril, momento assinalado por um prolongado apito dos dois comboios da Fertagus que a atravessavam nesse preciso momento. Saudação prontamente correspondida com os acenos dos marinheiros que se encontravam empoleirados nas vergas mais altas da barca, cumprindo a tradição dos marujos de «ver as cuecas à ponte». A progressão da barca a partir daí foi rápida. Em terra, pareciam ser muito poucas as pessoas que paravam para ver passar um dos mais bonitos veleiros do mundo. Nem MAR 2011 |
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Reportagem
mesmo no Terreiro do Paço, onde foi desembarcado o CEMA, ao som dos habituais apitos e ordens que sempre acompanham as honras militares. A partir de então, a Sagres guinou em direcção à margem Sul rumo à base naval do Alfeite, término desta viagem, o local onde todos os embarcados mais ansiavam chegar. A aproximação foi lenta. Ao longe, avistavam-se as fragatas Vasco da Gama e Francisco de Almeida, os «navios cinzentos», como dizem na Marinha, e no cais a banda da Armada executava uma música que nada tinha de militar. Talvez uns cem metros adiante, por detrás de uma vedação, estavam os familiares. Centenas de pessoas que mal viram o navio começaram a gritar e a agitar faixas de pano. Na Sagres continham-se as emoções e reinava até um estranho silêncio. A concentração dos homens com as mãos firmes no leme e nos cabos era agora maior do que nunca. Operação de atracagem num porto é sempre tarefa delicada. Só depois do processo concluído e da ligação da energia a terra é que foram desligados os motores de bordo e dada a ordem para deixarem entrar no cais todos os familiares. Assistiu-se então uma correria de gente ao encontro uma da outra com muitos abraços, beijos, lágrimas e apertos de mão. 26
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Nessa altura, optei por deixar de fotografar. Era um momento demasiado íntimo para ser invadido pela minha curiosidade. Limitei-me a observar durante uns minutos e acabei por fazer uma breve incursão à coberta, para aprontar a minha mala. Quando regressei ao convés assisti a uma segunda invasão, agora com as familiares a ajudar os membros da guarnição a transportarem as bagagens borda fora. Num ápice os uniformes deram lugar à roupa civil e os carros particulares surgiram no cais, malas abertas prontas a receber a mercadoria. A vontade de consoar era imensa e muita daquela gente tinha ainda centenas de quilómetros pela frente. O mais difícil foi para quem lhe saiu na rifa um dia de serviço a 24 de Dezembro, como ao sargento Coelho que teve a gentileza de me convidar para almoçar com ele e a sua família na câmara dos sargentos. Camaradagem e simpatia até ao fim! Entrei na Sagres como um desconhecido e saí como alguém da casa, um membro de uma família que se foi consolidando ao longo dos últimos onze meses. Que um mar de feição e bons ventos continuem a acompanhar a barca do Infante e a quem nela embarca. A todos, um bem-haja! I Joaquim Magalhães de Castro (texto e fotos)
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Música
No Trindade, de 18 a 20 de Março
Fernando Pereira “a sério” Em cada palco que pisa habituou-nos à música, ao humor e à imitação de vozes tão inesperadas como Michael Jackson ou António Variações, Lady Gaga ou mesmo Pavarotti. Agora, Fernando Pereira está aí com um espectáculo novo, onde mostra a voz natural e assume os gostos musicais e poéticos como nunca antes ao tinha feito. Sobe ao palco do Teatro da Trindade de 18 a 20 de Março. promessa já a fizera há algum tempo: um dia haveria de “arranjar tempo e disponibilidade psíquica, física e mental para gravar um disco a uma só voz pela música, pela poesia, pela interpretação e não necessariamente com a preocupação de divertir ou fazer imitações”. E o trabalho está aí nos escaparates desde Outubro último. É “Fernando Pereira, a sério”. Agora vai mesmo subir a cena no Trindade o espectáculo homónimo. Há originais com assinaturas de Luís Pedro Fonseca, José Beato e Joaquim Pessoa, a que se juntam versões de temas com os quais Fernando Pereira assume ter grande afinidade. “É um projecto que premeia as minhas raízes e influências, a lusofonia, a latinidade e há aqui também a tentativa de criar pontes com outros países de língua portuguesa como o Brasil, Angola”. E sobressai o belíssimo e ainda pouco divulgado dueto com a angolana Pérola na faixa “É isso aí”. No palco, acompanhado pelas Diamonds no coro, vai haver espaço para apresentar as músicas que integram o CD, “para a poesia e para uma ou outra situação mais bem-disposta”. Mais, um ecrã gigante vai acompanhar com imagens todo o espectáculo, para melhor transmitir “aquilo que são as sonoridades e o estar, a alma do Fernando Pereira”.
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“Ponha calçõezinhos nisso” Não foi pelo caminho mais directo que chegou às artes de palco. O destino traçado a régua e esqua28
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dro quase o tornou num engenheiro de Máquinas, pelo Instituto Superior Técnico. Frequentou-o mas era um perder de tempo, “ia ser um homem muito infeliz”, observa por entre risos. É que a música, o cantar, há muito que lhe estava na massa do sangue, “desde criancinha mesmo, ponha lá calçõezinhos nisso”. Mas uma característica sobressaía: ao cantar, Fernando Pereira imitava na perfeição a voz dos cantores que interpretava. Faltava agora fazer dessas imitações um espectáculo original. E conseguiu-o. Logo que aos 23 anos começa a pisar os palcos, dá início à formação artística: aulas de canto com a professora Cristina de Castro, mais um curso de mímica e expressão corporal com o mimo japonês Yass Hakoshima, mais aulas de dança jazz, mais worshops, uma formação contínua que nunca pode parar. “Sou um devorador de espectáculos e aproveito as minhas deslocações para poder fazer algum laboratório”. Foi o que aconteceu nos anos 90, em que teve imensas temporadas de concertos nos Estados Unidos, passou muito tempo em Las Vegas, Atlantic City, Nova Iorque ou Chicago. Aliás, recorda esses anos como decisivos para a carreira e para a vida. “Deu-me a chamada a visão do astronauta, que é o único homem a saber que a Terra é de facto redonda porque só ele a vê mesmo redonda. Tive em relação à música, ao mundo do espectáculo, à minha postura no meio artístico uma vivência importantíssima, uma verdadeira lavagem ao cérebro, um banho de humildade, de experiên-
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cias e de cultura musical que foi de facto absolutamente extraordinário e marcante”.
Lisboa, o Alentejo e o Mundo Não descarta a possibilidade de voltar a passar uma longa temporada nos EUA, no Brasil ou noutro país qualquer, “o artista tem de estar onde o queiram ouvir”. Mas regressa sempre a Portugal, “esta é a minha terra, a minha pátria, é aqui que eu pertenço”. E para além deste espectáculo exclusivamente com canções “A sério”, que agora apresenta no Teatro da Trindade, tem outros dois em cena. “Os humores da minha vida” que afirma ser “totalmente e só para chorar a rir” e ainda “Cantor de Vozes”, este mais generalista “tem as imitações todas, tem humor, tem várias das minhas canções também, embora o tratamento seja diferente; é um espectáculo bastante divertido e exigente, muito eclético e que se adapta aos espaços e públicos mais diferenciados, consoante as suas próprias características”. É por isso que nos espectáculos em Espanha, como já o fez, as vozes que escolhe para imitar não são as mesmas que leva a palco no Brasil ou nos EUA. “Tenho de
escrever o texto, criar o alinhamento, seleccionar as vozes ou as figuras em função do impacto e da popularidade que terão junto do público para o qual vou actuar; quanto mais original e estranha ou especial for a voz, melhor funciona no meu espectáculo”. Nas vésperas de completar 30 anos de carreira, o que acontecerá em 2012, Fernando Pereira assume que na sua vida o que tem feito “tem sido muito a pulso”. Mas não esquece “algumas pessoas decisivas” para o reconhecimento público e ajudaram a catapultar a então jovem carreira: desde Armando Carvalheda, a Júlio Montenegro, Júlio Isidro, Carlos Cruz, António Sala, Rui Pêgo ou Carlos Alberto Moniz, entre muitos outros. Com o espectáculo “Fernando Pereira, a sério” a subir ao palco da sala principal do Teatro da Trindade de 18 a 20 de Março, este lisboeta de nascimento afirma que tem sobretudo muito orgulho nas raízes alentejanas. É por isso que regressa sempre a esta terra, “vivo neste triângulo entre Lisboa, o Alentejo e o resto do Mundo”. E aposto que é feliz. I Manuela Garcia (texto) José Frade (foto) MAR 2011 |
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PUBLIREPORTAGEM
Sempre em Férias
Se é um cidadão autónomo e tem mais de 60 anos, este programa é para si.
á pensou como seria bom se pudesse estar em férias, todo
J
Dirigido a todos os cidadãos portugueses com 60 ou mais
o ano? Não está a sonhar, porque é essa a proposta do
anos de idade e em pleno gozo das suas faculdades físicas e
programa "Sempre em Férias".
psíquicas, é uma experiência única em Portugal e uma
Venha viver nas unidades hoteleiras da Fundação INATEL, para
alternativa estimulante aos lares e às residências assistidas,
toda a vida. Conheça o nosso país e a nossa cultura, assista a
permitindo que os participantes optem por residir nas
espectáculos musicais e de teatro, aprenda a pintar ou
unidades hoteleiras INATEL por um período indefinido e
pratique desporto, entre tantas outras actividades que o
desfrutem de um plano turístico e cultural ajustado à região
programa tem para si.
onde se encontrem. O pagamento de uma mensalidade inclui
Como sabe, a Fundação INATEL é detentora de uma larga
todos os serviços necessários para uma vida activa, com todas
experiência na organização de programas de turismo sénior. É
as comodidades como, por exemplo, o alojamento em regime
dessa experiência que surgiu o "Sempre em Férias", que
de pensão completa, acompanhamento e assistência médica
possibilita o usufruto de um conjunto de serviços que
e de enfermagem, seguro de acidentes pessoais e acesso a
permitirão uma vida com todo o conforto, aliando o bem-estar
todas as actividades de lazer.
à prática de actividades lúdicas e turísticas.
Residindo três meses numa unidade hoteleira INATEL, os participantes terão a oportunidade para, após esse período,
"SEMPRE EM FÉRIAS" | Programação-tipo * seg
ter
qua
qui
sex
sáb
dom
residirem numa outra unidade situada numa outra região do
manhã
Baú das memórias
país.
tarde
Tarde de Cinema
Também a pensar no futuro e no bem-estar dos nossos
noite
Noite de Dança
utentes, sempre que se verifique a perda das suas
manhã
Ginástica para a nossa idade
capacidades físicas ou psíquicas que lhes garantam uma vida
tarde
Atelier de Pintura em Azulejo
autónoma, a Fundação INATEL ajudará a procura de
noite
Noite de Teatro
instituições alternativas, dotadas de todas as condições para
manhã
Manhã livre
uma assistência especializada e que permitam a continuação
tarde
Visita ao Portugal dos Pequeninos
de uma vida com toda a dignidade.
Noite
Serão da Nossa Terra
Em 2011 o programa terá início em Julho, respectivamente
manhã
Leitura encenada da obra "Amor de Perdição"
nas unidades INATEL Luso e INATEL Manteigas, prosseguindo,
tarde
Chá das 5
a partir de Outubro, em Albufeira. Os centros de férias do ano
noite
Noite de Talentos
seguinte serão anunciados oportunamente.
manhã
Ginástica para a nossa idade
tarde
Visita à Ria de Aveiro
noite
Vamos jogar Loto
manhã
Manhã livre
tarde
Atelier de Pintura em Azulejo
noite
Música ao vivo para dançar
manhã
Manhã livre
tarde
Caminhada na Mata do Buçaco
noite
Noite Etnográfica
* A programação-tipo não é vinculativa, pretendendo apenas ilustrar uma semana do programa.
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VALORES DE PARTICIPAÇÃO
Escalões de rendimentos
Rendimento mensal líquido
Valores a liquidar pelo Participante, mensalmente (1) (2) Associado INATEL
Não-associado INATEL
1º
Inferior ou igual a 350 Euros
350 Euros
2º
Superior a 351Euros e inferior ou igual a 600 Euros
600 Euros
450 Euros 700 Euros
3º
Superior a 601 Euros e inferior ou igual a 1.070 Euros
1.070 Euros
1.170 Euros
4º
Superior ou igual a 1.071 Euros
1.500 Euros
1.600 Euros
(1) Para residentes nas regiões autónomas, acrescem os valores das viagens de avião e taxas de aeroporto para a Madeira e os Açores. (2) Suplemento de quarto individual - 7,00 Euros/noite.
SEJA PIONEIRO
trinta e tal anos, resolveu entrar para ver do que se tratava e
Caso apresente a sua candidatura na primeira semana de
pediu informações.
inscrições (entre 28 de Março e 4 de Abril), pague os valores que
Já a caminho de casa, pensou "como seria viver num hotel,
constam da tabela ou, em alternativa, entregue os seus
sem as habituais preocupações com as compras ou os
rendimentos totais, retendo 10% para as suas despesas
trabalhos lá em casa, e ainda poder aproveitar para conhecer
pessoais. A Inatel reserva-se no direito de, em função do valor
outros sítios. A Guida ia gostar. Até porque, com o inverno aí a
global da alternativa proposta, ponderar a sua aceitação.
chegar… porque não experimentar e passarem 3 meses no Luso, que sempre faz menos frio e, quem sabe, até aproveitar
CRITÉRIOS DE SELECÇÃO DE CANDIDATURAS
os tratamentos termais...?"
Idade; Rendimentos; Data de entrega da candidatura.
No dia da partida, quando chegaram ao local de embarque, o autocarro já os esperava. Ansiosos e impacientes com esta
SERVIÇOS INCLUÍDOS
nova aventura, embarcaram. Afinal, iam viver num hotel
Transporte a partir de todas as capitais de distrito para as
durante 3 meses!
unidades hoteleiras de destino.
Quando chegaram ao Luso, esperava-os a Helena, uma
Alojamento em regime de pensão completa, nas unidades
animadora da INATEL que os iria acompanhar durante toda a
hoteleiras da Fundação INATEL.
sua estada e assegurar que nada lhe faltaria.
Tratamento de roupa branca e pessoal; acompanhamento e
Após a apresentação do plano de actividades para as
assistência médica e de enfermagem; consulta médica de rotina;
próximas três semanas, ficaram a saber que, já na manhã
acompanhamento por animador sociocultural.
seguinte, estão marcadas actividades para desenvolver, quais
Actividades de carácter lúdico, sempre que coincidentes com
os espectáculos a que vão poder assistir ou quando terão
as iniciativas realizadas nas unidades hoteleiras.
tempo livre para si, para visitar a prima que mora ali na zona
Participação num grande evento, com periodicidade mensal.
ou, "melhor ainda! porque não vem ela visitar-nos? Aposto que
Realização de dois passeios semanais em autocarro ou a possibili-
somos os primeiros na família a morar num hotel."
dade de deslocações para eventos culturais, lúdicos ou sociais.
Tudo correu bem, mas, passados quinze dias, as saudades dos
Transporte entre as unidades hoteleiras que colaboram no
filhos e dos netos apertaram. Ligaram ao João e ao Pedro e
programa, de acordo com o calendário estabelecido.
combinaram que na próxima semana estes iriam passar o fim-
Serviço de bagageiro no 1º e no último dia.
de-semana juntos, no Luso. Na recepção, puderam reservar-
Seguro de acidentes pessoal.
lhes os quartos e, amanhã, iam tratar da surpresa: um passeio
Possibilidade de alojamento e/ou alimentação aos familiares e
pedestre pela Mata do Buçaco, com guia, para toda a família.
amigos que visitarem os participantes nas unidades hoteleiras
De certeza que os netos iam adorar.
de acolhimento, mediante os valores previstos em tabela das
E os três meses passaram num instante, era hora de
mesmas unidades hoteleiras.
regressarem a casa. Nessa altura, o Sr. Vitorino segredou ao ouvido da sua mulher - "vem até ao bar, quero dizer-te uma
Sr. Vitorino saía do supermercado, como sempre com
O
coisa".
muitos sacos, quando se deparou com um cartaz na
Lá foram, e o Sr. Vitorino pediu um café e a D. Guida um
montra da agência INATEL na Guarda, onde se podia ler:
pastel de nata, que estava a sorrir para ela, como afirmou a
"Sempre em Férias. Férias para toda a vida!"
senhora.
"Olha, era mesmo isto que eu precisava... Era bom, era…"
Já sentados na mesa, a D. Guida questionou a razão de tanto
Continuou a caminho de casa mas veio-lhe à ideia qualquer
secretismo, foi quando o marido lhe propôs continuarem no
coisa que tinha notado na Tempo Livre, sobre um programa
programa e irem passar mais três meses ao INATEL Albufeira.
novo, a partir de Julho. Já que até era associado da INATEL há
Seriam os últimos antes de regressarem a casa? Inatel Social
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Fluviário de Mora A Casa dos Peixes As boas ideias têm por norma o êxito assegurado. Além disso, uma vez concretizadas, por regra, não resultam apenas em benefícios para os empreendedores, mas acabam por ser uma mais valia para a comunidade, para a região envolvente. O Fluviário de Mora pertence sem dúvida a essa categoria. ortanto, o grande trunfo, a mais-valia do fluviário é ter sido uma boa ideia, original e pioneira, transformada em algo de concreto. É que o fluviário não é apenas um equipamento único em Portugal, foi também o primeiro grande aquário de água doce da Europa. Depois, como factores que contribuíram para o sucesso temos de relevar as qualidades que são a essência do próprio fluviário: riqueza e variedade de espécies em exposição, o próprio conceito, ou seja a ideia de viagem ao longo de um rio ibérico, da nascente à foz, incluindo aí os vários habitats, as várias etapas de um curso de água. (além de um espaço dedicado a espécies exóticas, mas já lá vamos). O próprio edifício do fluviário é assinalável, sendo considerado um projecto de arquitectura relevante, distinguido com diversos prémios. Vamos olhar o edifício por fora. Tendo por inspiração os celeiros rurais alentejanos a construção apresenta-se como um corpo compacto, um volume maciço, que no entanto ganha leveza pela inclusão de um conjunto de finas lâminas distribuídas uniformemente por toda a extensão do edifício. O material usado foi, em grande parte, o betão branco o que transmite leveza a uma estrutura que de outra maneira se apresentaria como um volume sólido e desengraçado. O responsável pelo projecto foi o atelier de arquitectura Promontório, em colaboração com a americana Cosestudi, especializada em arquitectura e biologia marinha. Alguns prémios vieram confirmar a excelência da obra, como foi a Menção Especial para a Melhor Obra de Arquitectura na VI Bienal
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Ibero Americana de Arquitectura e Urbanismo, o prémio "Projecto do Ano" referente a 2008, da revista Construir, e ainda o International Architecture Awards 2008, do Chicago Athenaeum. A estas distinções há que juntar outras, noutras categorias, como foi o Prémio Melhor Museu Português 2008, da Associação Portuguesa de Museologia. Relevante é também a localização do fluviário. Esta casa dos peixes não nasceu no litoral, nem num grande centro urbano, não, o fluviário está no concelho de Mora, onde se sentem todos os problemas e desafios do interior: o despovoamento, a falta de investimento, a falta de gente qualificada em todas as áreas. Por isso voltamos ao princípio deste texto, e reconhecemos a importância das boas ideias. E foi isso que o Fluviário de Mora fez: deu vida a um equipamento de excelência, quebrou a invisibilidade do concelho. Desde que foi inaugurado, em 21 de Março de 2007, quase meio milhão pessoas visitou o fluviário, visitou o concelho, e que nunca ali iriam se uma "boa ideia" não tivesse sido transformada em algo físico e vivo. O fluviário propriamente dito está implantado fora de qualquer espaço urbano, entre as vilas de Mora e do Cabeção, num local denominado Parque Ecológico do Gameiro, uma mancha florestal bordejada pela caudalosa ribeira da Raia, que juntando-se adiante à ribeira de Sor dá origem ao rio Sorraia. Neste ponto do seu ainda curto percurso a ribeira está represada formando um vasto plano de água denominado Açude do Gameiro, que para além de ser um elemento valo-
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rizador da paisagem serve como local de recreio, - natação, canoagem, pesca - e é igualmente reconhecido pelas espécies de peixe a que dá guarida. Foi, portanto, bastante certeira a localização de uma estrutura que tem por objectivo mostrar a vida dos rios, localizando-a precisamente à beira de um curso de água.
A Vida dos Rios É tempo de entrarmos, porque afinal é no interior que é explicada a vida dos rios, é no interior que estão os habitantes, aqueles que motivam a visita. E esses habitantes são, em primeiro lugar peixes, acompanhados, é certo, de outros seres ribeirinhos, como sejam a lontra e o cágado. Assim, para Fluviário de Mora abrir temos a exposição central designada "Percurso de Parque Ecológico do Gameiro, Um Rio". Partindo da nasCabeção - Mora. Tel: 266 448 130 cente, e seguindo um perHorário curso descendente, vamos O Fluviário está aberto todos os dias deslizando suavemente Horário de Verão: das 10h às 19h como se partíssemos de Horário de Inverno: das 10h às 17h uma montanha e nos encawww.fluviariomora.pt minhássemos para um vale, simulando aquilo que acontece na natureza, seguindo, tanque após tanque, os diversos habitats de um hipotético rio, tomando conhecimento com as diversas espécies de água doce sejam elas endémicas da Península Ibérica ou, então, vindas de outras latitudes e introduzidas nos nossos rios. Desta forma encontramos o Ruivaco, o Saramugo, o Bordalo, espécies nativas dos nossos rios. Mas também encon34
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tramos espécies introduzidas, como sejam a colorida Perca-sol, a Gambúzia, ambas originárias da América do Norte. Encontramos igualmente peixes que já nadaram nos nossos rios e que hoje são apenas uma recordação, caso do esturjão, que sobreviveram ao desaparecimento dos dinossauros, mas que vêem a sua continuidade ameaçada pela acção do Homem. Findo o "Percurso de Um Rio", ou seja o percurso pelos diversos aquários, chega-se ao habitat das lontras, mamíferos que vivem em estreita dependência dos meios fluviais. A atenção que os visitantes do Fluviário de Mora dispensam ao casal residente diz tudo quanto ao interesse que estes animais curiosos e dóceis despertam. Como complemento ao seu objecto central, o rio ibérico, o fluviário dá um pulo a outras latitudes permitindo ao visitante espreitar outros ambientes aquáticos, como seja a bacia amazónica e os grandes lagos africanos, expondo espécies como o peixe-gato, a enguia dinossauro, piranhas e a anaconda. No exterior, na fachada traseira, estende-se um pequeno lago, um charco, apresentando uma cor verde barrenta, resultado do tipo de solo onde está implantado, que tem como habitantes permanentes algumas aves e peixes e que recebe outros das redondezas, como visitantes. No final, quando deixamos o edifício, conhecemos e tivemos a companhia de 72 espécies de peixes e de outros animais, num total de cerca de 500 exemplares. Um verdadeiro concentrado de vida aquática, uma verdadeira Arca de Noé fluvial. I José Luís Jorge (texto e fotos)
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Mértola: o último porto do Mediterrâneo São as marés que sobem o Guadiana que tornam o grande rio do sul navegável e a tal fenómeno podemos atribuir a existência de Mértola, ou, pelo menos, senão a sua existência, a importância que alcançou.
se hoje os únicos barcos que atracam ao cais da vila são embarcações de recreio, no passado, em diferentes épocas, e com diferentes intensidades, este foi um porto comercial que enviava e recebia produtos para terras próximas e longínquas. Assim, quando o comércio prosperou, Mértola prosperou, quando o comércio decaiu, Mértola estagnou. Antes dos romanos se instalaram já Mértola era um entreposto comercial e como tal continuou, intensificando essa vocação quando foi governada por reis muçulmanos. Em 1238 Dom Sancho II tomou pela força a Marthula muçulmana, entregando-a aos cavaleiros da Ordem de Santiago, que durante algum tempo fizeram de Mértola a sua sede. A conquista, porém, não traria prosperidade, a povoação como se fechou sobre si mesma, e só mais tarde, durante o período em que do seu porto embarcaram cereais para aprovisionar as praças portuguesas do norte de África, retomou alguma importância. Na segunda metade do século XIX, com a exploração do filão mineiro de São Domingos, o concelho voltaria a exportar com força. Mais uma vez o Guadiana foi a grande via de escoamento, agora a partir do porto do Pomarão. Porém durou pouco mais de um século esse fulgor e quando a mina encerrou Mértola voltou ao apagamento anterior. No entanto, e voltando a Mértola, à vila, havia um filão, não de minério mas de um tipo de matéria-prima cujo valor só passou a ser devidamente tido em conta a partir dos últimos anos da década de setenta do século XX. Refiro-me ao património material (mas também imaterial) acumulado ao longo de muitos séculos, algum bem
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visível, outro oculto debaixo do solo. Foi com a tomada de consciência da existência dessa riqueza e das potencialidades que encerrava especialmente para uma terra do interior, que nasceu, com o contributo decisivo do historiador Cláudio Torres, o Campo Arqueológico de Mértola.
A Ilha Branca Não sabia praticamente nada acerca de Mértola quando visitei a vila da primeira vez, - embora na altura o que se sabia de Mértola também não tinha a expressão que tem hoje. O facto é que Mértola era apenas um ponto que ficava no caminho que me levava até ao outro lado da fronteira. Parei para uma pausa e logo intui que a pequena povoação teria uma grandeza e interesse que ultrapassava a exígua dimensão. Para além de um passeio sem rumo pelas ruas, houve tempo para um banho no Guadiana, logo que ficou claro que havia uma praia fluvial, junto às azenhas, verdadeiros bunkers assentes no leito do rio, e o último ponto onde se faz sentir a presença das marés. Dava-se o caso da temperatura ter galgado alguns graus acima dos trinta e se de cada vez que fui a Mértola encontrei algo novo para ver, para conhecer, é verdade que, - pelo menos no Verão - o calor sufocante mantém-se inalterável. A segunda visita já não foi, digamos, um acaso. Dessa vez houve tempo para, primeiro, entrar na igreja Matriz, que antes foi mesquita, construção onde se enlaçam num feliz sincretismo elementos da mesquita do século XII, as portas em arco de ferradura e o mirhab e elementos posteriores, como a cobertura nervurada, do século XVI, e de seguida subir ao castelo, subir à torre de menagem.
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Do alto é fácil aceitar a ideia de que estamos numa ilha, pelo facto de um dos lados se estender a fita verde-azul do Guadiana e doutro correr a ribeira de Oeiras. Além disso a própria vila de Mértola apresenta-se como um corpo branco, compacto e distinto, rodeado por um mar de tons terrosos (que certamente que na época das chuvas terá outra cor). Depois desta visão de conjunto o olhar tornouse mais atento aos pormenores e houve elementos que se foram destacando, as manchas harmoniosas de terracota dos telhados, a silhueta branca da Torre do Relógio, o reticulado da Alcáçova,
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a massa compacta da igreja-mesquita. E este olhar do alto infunde a ideia de reconhecimento geral, cria uma imagem do lugar, e apesar de a sabermos incompleta, deixa-nos satisfeitos.
As várias heranças Foi, porém, numa deslocação posterior que, alongando a estadia, pude abarcar com mais exactidão aquele diversificado o património acumulado ao longo de séculos, assim como o trabalho realizado nos últimos 30 anos pela equipa de Cláudio Torres. Que, enfim, pude captar algo daquele ambiente característico das terras arredadas do bulício do mundo, e entender melhor a singularidade de Mértola. Podemos começar pelo castelo, cuja torre de menagem, de onde quer que a observemos, se destaca pelo seu grandioso corpo. Antes de entrar, pelo caminho, feito a pé, cruzei-me com outros visitantes, ouvi o matraquear dos teares vindo do interior da oficina de tecelagem e, à beira das muralhas, encontrei Ibn Qasi, que não recordo das anteriores visitas. Não sei em Portugal de outro monumento assim, em solene bronze, lembrando uma personagem muçulmana. A verdade é que, colectivamente, tendemos a ignorar os cinco séculos de presença muçulmana no território que hoje é Portugal. Ibn Qasi foi chefe político
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e militar, senhor de Silves e de Mértola, mas também foi pensador e mestre sufi. Em 1152 foi assassinado em Silves, acusado de traição por ter feito acordos com Afonso Henriques. Agora já estou dentro das muralhas e a torre de menagem é o caminho óbvio. A caminho do topo, nas salas de gótico recorte, sucedem-se os materiais que ajudam na tarefa de trazer até ao presente fragmentos do passado. Um amigo, Luís Maçarico, a quem não falta o conhecimento e paixão por Mértola, forneceu-me algumas pistas, e insistiu que não deixasse de visitar o Núcleo de Arte Islâmica do Museu de Mértola. O Museu é como um tronco donde partem vários ramos, os núcleos, que recebem diferentes nomes consoante o período e o assunto tratado. Dessa forma, para além Núcleo de Arte Islâmica, o Museu cinde-se nos Núcleos do Castelo, de Arte Sacra, de Tecelagem, da Basílica Paleocristã e no Núcleo Romano, referindo os mais significativos. Começamos, cronologicamente, pelo Núcleo Romano, localizado no subsolo do edifício dos Paços do Concelho. Aqui, como tantas vezes acontece, construiu-se sobre uma estrutura mais antiga e foram obras na sequência de um incêndio que puseram à vista as ruínas desta habitação da Myrtillis romana. Não se pode afirmar que estamos perante algo muito relevante, mas a
atmosfera do local é bastante evocativa desse período histórico. Porém, se quisermos ver algo de mais substancial, no que diz respeito a essa época, não precisamos de andar muito e, logo adiante, à beira do Guadiana, encontramos a robusta Torre do Rio. Segue-se a Basílica Paleocristã, um espaço datado do século V, particularmente valioso pela escassez de vestígios dessa época em Portugal. Debaixo da capa de um edifício banal, encontram-se ecos de eras distantes, lápides, bases de colunas, as fundações de uma grande basílica dos primeiros tempos do cristianismo, além de vestígios de necrópoles das épocas romana e muçulmana. Uma das características do Museu de Mértola é a dispersão dos seus núcleos, o que implica deslocar-nos de um lado para o outro, e dessa maneira visitamos não apenas o passado mas também o presente já, que cirandamos toda a vila. Agora vou até praticamente a um extremo do casario, junto da muralha, para visitar o Núcleo Islâmico. Domiciliado nos antigos celeiros da Casa de Bragança, um edifício onde é visível uma cuidadosa recuperação, acolhe em dois pisos "a mais importante colecção de arte islâmica do nosso país". Apreciamos peças de numismática, de joalharia, mas acima de tudo cerâmica, arteMAR 2011 |
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factos com formas diversas e diferentes fins, que com frequência alcançam a excelência do objecto artístico. Objectos que nos põem diante de linguagens, de técnicas, vindas de longe, porque, não esqueçamos, foi durante o período muçulmano que a antiga urbe alcançou o seu apogeu, quando recebeu marinheiros e comerciantes vindos de todas as cidades da orla do Mediterrâneo. Mértola já não é, hoje, porto nem lugar de passagem de nenhuma rota importante, mas os vestígios de eras passadas despertam, em estudiosos e visitantes de todo o mundo um fascínio singular. E assim, agora que já não é "o último porto do mediterrâneo", é, retomando o contacto com o exterior, um porto de seduções.
O rio e a mesa Localizado no extremo sul da região do Baixo Alentejo, a cozinha do concelho de Mértola, partilha, grosso modo, dos mesmos fundamentos da cozinha alentejana. Quer isto dizer que dá privilégios a ingredientes como o pão, o azeite, tomate e às carnes de borrego, porco e caça. O grande número de ervas aromáticas que se encontram nos seus campos levam até à mesa orégãos, Museu de Mértola poejos, hortelã e outras plantas. Contactos: Câmara Municipal de Porém, o concelho de Mértola - Praça Luís de Camões, Mértola, por ser atravessado 7750, Mértola (Núcleo - Sede - Casa pelo Guadiana, apresenta Romana) Tel: 268 610 100 algumas particularidades Horário: Horário de Inverno: (16 de no que diz respeito à sua Setembro a Junho); 3.ª a Domingo: culinária. Assim o rio, para 9h - 12h30 e 14h - 17h30; Horário de além de via fluvial, é Verão: (Julho a 15 de Setembro); 3.ª também fonte abastecedora a Domingo: 9h30 - 12h30 e 14h de peixe, constituindo "até 18h; Encerrado à 2.ª feira e nos ferimuito recentemente uma ados de 1 de Janeiro, 1 de Maio e 25 riqueza fundamental da de Dezembro região." As principais espécies capturadas são a enguia, a saboga, o barbo, o bordalo e as tainhas (que a população local chama de muge). Além destes peixes pesca-se também a apreciada lampreia e o sável, sendo que esta espécie é hoje rara no Guadiana. Nalgumas épocas do ano, determinadas peixes marinhos, caso da corvina e do robalo, sobem o rio com a maré. Assim, a circunstância do concelho ser atravessado por um grande rio, beneficia Mértola no 40
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que diz respeito à culinária, pois permite às gentes que aqui habitam ter à mão produtos da terra e produtos do rio. Deste modo no cardápio local aparecem pratos à base de peixe, como ensopado de enguias, sopa de peixe do rio, caldeirada de peixe do rio e sendo a época própria (Fevereiro e Março ) podemos encontrar a lampreia, lampreia à bordalesa e lampreia com arroz branco, e o sável. Aliás a tradição da pesca fluvial e da culinária baseada no peixe do rio levou à organização do Festival do Peixe do Rio, na localidade de Pomarão e que já vai na oitava edição. Outros pratos tradicionais de Mértola, e que o visitante encontra nos diversos restaurantes da vila e do concelho, são o cozido de grão à alentejana, o ensopado de borrego, a sopa de cação, os grelhados de porco preto e pratos de caça, como sejam lebre, perdiz e javali. Além disso o concelho é um grande produtor de mel, sendo o mel de rosmanhinho o mais apreciado. Bem conhecidos são também os queijos frescos e curados. Para prolongar a recordação de uma terra ímpar em tantos aspectos nada melhor que trazer estas verdadeiras delicatessen para casa. I José Luís Jorge (texto e fotos)
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Breendonk Um campo de p
Poucos meses depois da ocupação da Bélgica pelo exército do III Reich, o forte de Breendonk, situado a poucos quilómetros de Bruxelas, foi convertido em campo de trabalho e ante-câmara de deportação de prisioneiros judeus, função que repartiria mais tarde com o campo vizinho de Malines. Foi há 70 anos, em Setembro de 1940.
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á uma expressão muito vulgarizada do filósofo George Santayana que enquadra de forma apropriada os propósitos de musealização de espaços como o do forte de Breendonk: "Those who cannot remember the past are condemned to repeat it". Breendonk, um antigo campo de trânsito para deportados, tem, justamente, o desiderato de não deixar perder a memória do mais mortífero conflito bélico do século XX e dos seus inumeráveis horrores. Memorial Nacional desde 1947, é, pela sua estrutura em pedra, um dos espaços do género que melhor se conservou, testemunhando hoje de forma exemplar as funestas funções para que foi
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e passagem para Auschwitz
adaptado após a ocupação da Bélgica pelo exército nazi. Malines (a flamenga Mechelen), nas proximidades de Breendonk, foi outro ponto de partida das deportações para os campos de extermínio de Auschwitz e de Birkenau. Se nada resta das estruturas físicas de detenção, subsiste aí, também, um museu que recorda a passagem de milhares de judeus e ciganos. Entre outros, um facto relevante une Breendonk e Malines: ambos os campos estiveram sob a autoridade de Philipp Schmitt, um major das SS conhecido pela particular brutalidade com que tratava os prisioneiros. Malines acolheu os primeiros prisioneiros em 22 de Julho de 1942. No ano seguinte, em
Agosto, partiu o primeiro dos muitos comboios que levaram para Auschwitz e Birkenau cerca de 26000 deportados judeus e ciganos. No campo de Malines, os prisioneiros sofriam as mesmas crueldades e humilhações que Schmitt e os seus parceiros fardados, incluindo alguns empenhados colaboracionistas flamengos, reservavam aos detidos de Breendonk. Os depoimentos de prisioneiros sobreviventes relatam as violações públicas a que eram sujeitas as mulheres, assim como as diversões cruéis a que os chefes militares, embriagados, sujeitavam os detidos. Um dos relatos refere um episódio, dos poucos documentados em imagem fotográfica, de humilhação de um grupo de judeus, obrigados por Schmitt a corMAR 2011 |
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Memória
tar a barba e a dançar e cantar com cruzes suásticas pintadas nas roupas. Em Malines as condições de vida eram mais duras, ainda, para a população cigana, obrigada a permanecer 23 horas por dia encarcerada e sujeita continuamente a humilhações e sevícias durante a única hora permitida para exercício. Sem acesso a instalações sanitárias e sem autorização para receberem comida do exterior, chegavam, de acordo com o testemunho de Helene Beer, uma sobrevivente judia, a passar um mês sem ver a luz do dia, num espaço totalmente fechado e em condições de higiene dramáticas. Muitas dessas cenas rotineiras da vida do campo ficaram documentadas em desenhos elaborados secretamente
por artistas belgas como León Landau, Azriel Awret, Irène Spicker e Jacques Ochs, director da Academia de Belas Artes de Liége, que foi, também, prisioneiro em Breendonk. Alguns dos desenhos estão expostos no Museu Judeu da Deportação e Resistência, em Malines, e no forte de Breendonk.
Os cavalos tinham nome os prisioneiros, números Breendonk fica nas proximidades da povoação de Willebroek, a meio caminho entre Bruxelas e Antuérpia, cidade de proveniência de muitos dos judeus detidos no campo. O forte foi construído em 1906 e fazia parte da cintura defensiva de Antuérpia, que incluía outras duas fortificações. Cerca de três meses depois da invasão da Bélgica pelo exército nazi, em 20 de Setembro de 1940, entravam em Breendonk os primeiros prisioneiros, um grupo de judeus e políticos belgas. Edgar Marbaix, preso nº 1966, descrevia assim a chega-
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da ao que ficou conhecido como o "inferno de Breendonk": "Devant nous, la porte sombre… à gauche et à droite, une clôture en barbelés; les bétons du Fort s'allongent devant nous; tout autour, la campagne déserte... Et la peur a serré nos coeurs dans ses griffes, qui ne nous lâcheront plus. La peur, car c'est Breendonk qui est devant nous, camp de concentration de la Gestapo belge, Breendonk-la-Mort!" As obsessões de "limpeza" nazi atingiam vários sectores da sociedade, gente de esquerda, pequenos comerciantes do mercado negro, judeus, ciganos, resistentes. Breendonk transformou-se, durante o tempo de espera pela deportação, em campo de trabalhos forçados, tendo passado pelos seus portões mais de 3500 prisioneiros, metade dos quais judeus. O primeiro comboio com deportados partiu de Breendonk em Setembro de 1941 em direcção ao campo de concentração de Neuengamme, perto de Hamburgo.
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Memória
As condições de vida dos detidos eram das piores entre as instalações do género, se fazem sentido tais comparações. As práticas cruéis de Schmitt não seriam diferentes das de outros responsáveis nazis noutros campos: a história de Breendonk regista centenas de mortos na sequência de práticas de tortura, além de numerosos fuzilamentos e enforcamentos. Muitos presos sucumbiram, também, por causa da sub-alimentação crónica e da violência dos trabalhos forçados, a maioria das vezes sem outra utilidade concreta que a da extenuação física e moral dos detidos. O dispositivo museológico do forte inclui registos audiovisuais de antigos prisioneiros, que narram toda esses terríveis episódios que faziam parte da vida quotidiana de Breendonk. Para as condições e tratamento desumanos que marcaram as vida dos presos contribuíram, igualmente, os colaboracionistas locais, os membros belgas das SS, reputados como tão ou mais violentos e desumanos do que os seus colegas alemães. O estatuto infra-humano dos detidos é 50
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paradigmaticamente traduzido numa observação que os visitantes podem ler nas cavalariças do forte, que conservam nas paredes as placas de identificação dos equídeos dos militares nazis: "Os cavalos tinha nomes; os prisioneiros, números". O Memorial de Breendonk é, nos seus cantos sombrios e de atmosfera pesada, nos pátios onde facilmente se pode imaginar as detonações dos fuzilamentos, nos olhares mortiços dos prisioneiros esquálidos retratados em fotografias afixadas grandes painéis, nas vozes dos sobreviventes que ecoam no ar abafado dos corredores e camaratas, uma narrativa de tudo isso, uma narrativa impregnada do aviso de Santayana. Não é, apenas, "história", episódios vagamente perdidos num tempo inumado. Breendonk e Malines não aconteceram, verdadeiramente, há muito: apenas há pouco mais de meio século, um hiato de tempo que é, na história europeia, e afinal, apenas o breve incêndio de um fósforo. I Humberto Lopes (texto e fotos)
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Olho Vivo
Vantagens de ter duas línguas Pequenino mas mauzinho A revista Science deu a conhecer ao mundo o Eodromaeus, mais um dinossauro carnívoro, desenterrado na Argentina por paleontólogos de Chicago. Com garras e dentes afiados, o Eodro alimentava-se de pequenos animais e crias de dinossauros maiores. Pequeno mas feroz, viveu há 230 milhões de anos, quando os dinossauros começaram a aparecer. Paul Sereno, o chefe da expedição, disse sobre a criatura: “Era muito giro, não me importava de o ter como mascote”. Pesava uns sete quilos e tinha cerca de um metro e vinte de comprimento. Os cientistas pensam que é um antepassado da linhagem que produziu o célebre Tiranossaurus Rex.
O mais velho cão da América Restos do mais velho cão do Novo Mundo, bicho que existiu há 9400 anos, foram identificados no Texas. Um estudante da universidade do Maine analisou uma amostra de lixo humano desenterrado em 1970 e confirmou por análise ao ADN que um osso misturado em fezes humanas era de um cão e não de um lobo, coiote ou raposa, como antes se pensava. O fiel amigo, além de fornecer companhia e segurança, como animal doméstico, entrava, portanto, também na dieta dos americanos há 10 mil anos. O artigo sobre a descoberta aguarda publicação no American Journal of Physical Anthropology. Já existem registos de cães domésticos na Bélgica (31 mil anos), na República Checa (26 mil) e na Sibéria (15 mil), mas este é o primeiro cão das Américas.
A pílula não engorda A pílula afinal não engorda, ao contrário do que se costuma dizer. Um estudo publicado este mês na revista Human Reproduction, feito por cientistas da Faculdade de Medicina do estado norte-americano do Oregon, indica que um grupo de fêmeas do macaco rhesus, cujo sistema de reprodução é praticamente idêntico ao dos humanos, recebendo ao longo de oito meses a pílula contraceptiva e mesma quantidade de comida, não viu o seu peso alterado. A queda do mito é importante porque o medo de engordar leva muitas mulheres a evitar a toma da pílula contraceptiva, aumentando o número de gravidezes não desejadas.
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As crianças que aprendem duas línguas na primeira infância têm uma vantagem sobre os seus camaradas unilingues, segundo um estudo de uma universidade canadiana que se debruçou sobre miúdos que falam francês e inglês ou só uma dessas línguas nacionais do Canadá. Segundo a Revista de Psicologia Infantil, de York, aos 24 meses, as crianças bilingues tiveram melhores resultados em testes cognitivos básicos do que os seus pares que só falavam uma. A maior diferença verificou-se em testes feitos quando a criança está distraída e os cientistas atribuem a vantagem dos bilingues a uma combinação da experiência dos miúdos de ouvir e usar dois idiomas, o que reforça a atenção automática.
Piolho de costura Um estudo da Universidade da Florida sobre a evolução do piolho prova que o ser humano começou a usar roupas há cerca de 170 mil anos, tecnologia que permitiu a migração para fora de África. Ao longo de cinco anos, os cientistas analisaram o ADN dos parasitas para detectar o momento em que o chamado “piolho de costura” se separou geneticamente do “piolho da cabeça”. Esse momento marca o início do uso de roupas pelo ser humano. Os resultados foram publicados na revista Molecular Biology and Evolution. Os dados mostram que o homem começou a vestir-se 70 mil anos antes de migrar para climas mais frios e altitudes mais elevadas, o que aconteceu há cerca de cem mil anos.
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A n t ó n i o C o s t a S a n t o s ( t ex t o s ) A n d r é L e t r i a ( i l u s t r a ç õ e s )
Morte em Hong Kong
O Código de Mona Lisa
Já se sabia que a poluição atmosférica nas grandes cidades faz mal à saúde, exponencia as alergias, desencadeia as doenças autoimunes e pode matar. Em Tóquio, por exemplo, a visibilidade diminuiu muito nas últimas décadas, com a industrialização das regiões chinesas vizinhas, e os turistas queixavam-se de que as fotografias não ficavam tão nítidas e brilhantes como dantes. Agora, um estudo da Faculdade de Medicina Li Ka Shing de Hong Kong dá números: entre 2007 e 2010, por ano, a diminuição da visibilidade e a poluição atmosférica foram responsáveis directas por 1200 mortes.
Vinho velho Há 6100 anos, um grupo de arménios produzia vinho numa caverna da Arménia. Um grupo de arqueólogos arménios, irlandeses e da Universidade de Los Angeles desenterrou a mais antiga “adega” até hoje encontrada, incluindo grainhas de uva, restos de pés e troncos de videira, restos de uvas esmagadas, uma prensa rudimentar, uma bacia de gesso provavelmente usada para a fermentação e até uma taça para os vinicultores irem provando o produto. A caverna faz parte de um misterioso sistema de grutas, na fronteira sul da Arménia com o Irão, onde no Verão passado foi descoberto um sapato de couro. Pensa-se que a adega e o sapato pertençam ao povo Kura-Arax.
Tubarões daltónicos A estrutura dos olhos dos tubarões não lhes permite distinguir as cores e os predadores são provavelmente daltónicos, segundo investigadores australianos que analisaram as retinas de 17 espécies de tubarões. A retina destes peixes está equipada com apenas uma espécie de células receptoras de luz sensíveis às cores, designadamente ao verde, enquanto que o homem, por exemplo, recebe o verde, o vermelho e o azul. Numerosas espécies marinhas, como os golfinhos, as focas e as baleias, também têm uma visão possivelmente monocromática, deficiência que compensam com uma grande sensibilidade aos contrastes e à luz.
Um professor da Universidade Clássica Queen’s anunciou que a famosa Mona Lisa incorpora imagens inspiradas pelo poeta florentino Petrarca e pelo clássico romano Horácio. A técnica de pegar em literatura e inseri-la numa pintura é conhecida por “invenção” e foi utilizada muitas vezes no Renascimento. O prof. Kilpatrick acha que a Gioconda alude à ode de Horácio ‘Integer vitae’ e a dois sonetos de Petrarca do seu Canzoniere. Como Mona Lisa, os poemas celebram a devoção a uma jovem sorridente. Os cenários mencionados pelos poetas são semelhantes ao fundo do quadro, onde também se vê uma ponte que foi identificada como a de Arezzo, cidade natal de Petrarca. Kilpatrick já identificara alusões ao casamento dos deuses gregos Ariadne e Dionísio no famoso “Beijo” de Gustav Klimt.
Acordar na mesa de operações Dois em cada mil pacientes acordam da anestesia a meio de uma operação e ficam psicologicamente traumatizados durante anos, senão para sempre. Um estudo conjunto das universidades alemãs do Ruhr e de Berlim, publicado em Fevereiro na Deutsches Ärzteblatt International, junta ao culpado do costume (uma anestesia insuficiente), o uso prolongado de analgésicos e a hora do dia, em que se faz a cirurgia. As operações nocturnas registam mais casos de operados que acordam a meio da função. Os cientistas recomendam uma maior vigilância da anestesia em doentes com factores de risco e intervenções feitas em circunstâncias que facilitem o acordar. MAR 2011 |
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A Casa na árvore Susana Neves
A temerária doce Símbolo do amor eterno, as flores da amendoeira não temem a geada e explodem em jóias.
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xiste um provérbio português que diz: «Abraçou-se o asno a uma amendoeira e acharam-se iguais». Invulgar afinidade, porventura, compreensível se recordarmos no animal e na árvore uma imensa obstinação, teimosia ou loucura para muitos, mas de facto, pura manifestação de vontade. Salvaguardada a boa reputação do asno, vejamos, em pormenor, o carácter da amendoeira. Quando a maioria das árvores parece adormeci-
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da, e ainda ameaçam cair as últimas geadas, a “shaked” (amendoeira em hebraico) floresce, anuncia a Primavera, “dá o toque da alvorada”, protagoniza o “despertar precoce”, apresenta-se, segundo a entendiam na antiga Frígia (actual Turquia), como “Pai de todas as coisas”. Grande temerária, doce e nutritiva (“Prunus amygdalus Batsch”) ou amarga e venenosa (“Amygdalus communis var. amara”), pouco interessa a esta Rosácea se o frio lhe destruirá as delicadas pétalas, limitando a quantidade do fruto — o mais importante é florir, celebrar a regeneração de cada Primavera. «Árvore, amiga, fala-me de Deus. A amendoeira respondeu dando flor», escreve Nikos Kazantzakis, escritor grego e Prémio Internacional da Paz 1956. Noutro século, em Portugal, também a muito jovem princesa Isabel de Aragão, viu nas flores das amendoeiras uma mensagem divina. Conta a lenda que o rei D. Dinis, ainda noivo da futura Rainha Santa Isabel, a teria levado a passear por terras de Foz Côa (actual capital da amendoeira) mas ao confundir as flores das amendoeiras com neve pedira o gentil monarca desculpa por não proporcionar à sua amada paisagem mais bela. Seria Dona Isabel, que como sabemos tinha uma relação privilegiada com as flores, quem logo as reconheceria: «Não vêdes?!... Não é neve! Não… São rosas! Pequeninas flores! Frágeis, brancas e levemente rosadas! Uma prenda que Deus nos deu para embelezar a nossa passagem!» A ligação da amendoeira à História do Amor e do Matrimónio remonta à Grécia antiga, ao romance trágico de Fílis e Acamante e é a partir deste mito que se terá originado a tradição de oferecer amêndoas nos casamentos, ainda hoje prática comum em vários países mediterrânicos e também entre nós. Recordemos o mito grego: Fílis, Princesa de Trácia, apaixonou-se por Acamante, filho de Teseu. O jovem partiu em missão de guerra para Tróia mas não voltou na data prevista levando Fílis a morrer de desgosto. Em sua homenagem a deusa da sabedoria, Atena, transformou-a numa amendoeira. Ao regressar um dia depois do combinado, Acamante
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Fotos: Susana Neves
abraçou-se ao tronco da árvore, acariciando-o. De imediato, a árvore correspondeu-lhe, florescendo mesmo sem folhas. Apesar do mito ter sido esquecido, a tradição de oferecer amêndoas doces nos casamentos evoca-o, símbolo da esperança no amor eterno, na felicidade e fertilidade conjugal. Em Portugal, as amendoeiras ganharam reputação na História dos banquetes de casamento através da finíssima e muito trabalhosa “amêndoa coberta da Torre de Moncorvo”. São as “cobrideiras de amêndoa”, uma espécie de “magas” com dedais de costura, um em cada dedo, a barriga encostada a um tabuleiro de cobre, assente sobre um “caco”, pote em barro com brasas dentro, “ardendo em borralho”, que ao fim de muitas e muitas horas conseguem “convencer” a amêndoa a “agarrar o açúcar”, mexendo e remexendo-as na calda preparada para o efeito. Esta gulosa “delicatessen”, cujo reconhecimento no estrangeiro remonta pelo menos ao apreço colhido na Exposição Universal de Paris em 1886 e dez anos mais tarde na Feira Internacional de Filadélfia, não tem o mesmo sabor da amêndoa industrial, desfaz-se o açúcar na boca como uma nuvem branca (estilo de amêndoa “normal”), ou uma nuvem branca e fina se for uma “peladinha”, ou uma nuvem de canela ou chocolate se for “morena”. Revestida com uma “toilette” fina, um verdadeiro fato “de ver a Deus”, a rústica amêndoa que nasce protegida e escondida em sobrecasaca de pêlo, casca rija e pele escura, transfigura-se, pelas mãos das “cobrideiras”, numa dama barroca, cuja ascendência talvez se possa procurar no Médio Oriente, na “amêndoa coberta” israelita. Assim apresentada, a amêndoa ressurge na sua dimensão de jóia, uma pérola exaltada pela confeitaria, distante dos tempos em que era alimento humilde e medicinal dos viajantes da Rota da Seda. Adaptando-se a períodos de grande seca, apta a sobreviver em solos pouco férteis e pedregosos, embora com alguma profundidade, a amendoeira é bem o exemplo de como arriscar pode, por vezes, produzir o melhor fruto. I
Folhas da amendoeira. À esquerda, ilustração botânica de Prunus Dulcis
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66 CONSUMO Entre a funcionalidade de um equipamento e o seu design, os consumidores optam frequentemente pelo design, e muitas vezes com custos elevados. Pág. 58 LIVRO ABERTO Dois novos volumes da D. Quixote com os "diários" de Miguel Torga, relativos ao período de de 1960 a 1993. Pág. 60 ARTES Em destaque a exposição "Idioma Comum", uma
importante mostra de artistas do mundo lusófono, até dia 26, na Colecção da Fundação PLMJ. Pág. 62 MÚSICAS O primeiro CD de Aurea, uma jovem cantora que promete altos voos no mundo da música ligeira portuguesa. Pág. 64 NO PALCO A ver: "A Catatua Verde", de A. Schnitzler, no D. Maria II, e e uma adaptação de "Nome de Guerra", de Almada Negreiros, S. João do Porto, Pág. 66 CINEMA EM CASA "A Cidade", de Ben Affleck, e "Hachiko - Amigo para Sempre", do sueco Lasse Hallstrom, dominam as escolhas caseiras de Março. Pág. 68 TEMPO INFORMÁTICO Os avanços tecnológicos permitem hoje criar os dispositivos mais indicados para certos grupos de utilizadores. Pág. 70 SAÚDE O funcionamento dos nossos intestinos pode e deve ser educado: cada pessoa deve habituar-se a ir à sanita todos os dias, a uma determinada hora. Pág. 72 PALAVRAS DA LEI Há várias instituições nacionais que protegem e guiam os cidadãos na protecção de uma sua ideia, ou na exploração de um activo registado. Pág. 73
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A dificuldade da escolha A variedade da oferta na sociedade da hiperescolha e a rápida obsolescência dos equipamentos com elevada componente tecnológica, tornou mais difícil fazer opções correctas. Entre a funcionalidade de um equipamento e o seu design, os consumidores optam frequentemente pelo último. Não raras vezes, essa opção tem custos elevados.
Carlos Barbosa de Oliveira
ndava a queixar-se de algumas maleitas há coisa de um ano. Não tinha luzinhas a piscar, avisando a tipologia da enfermidade. Era à antiga. Apenas emitia uns gemidos estranhos ou começava a tremer furiosamente, abalando o chão da cozinha, quando alguma coisa estava mal. Lá fui tentando aliviar-lhe a dor e adiar o estertor mas, na semana passada, despediu-se com um último suspiro, enquanto o técnico que entretanto chamara numa última tentativa para a curar, me desenganava e lhe dava a extremaunção. Preparei-lhe o funeral, em cerimónia simples. Agradeci-lhe, uma última vez, a forma dedicada como sempre se entregou ao trabalho, sem um único lamento. Já sabia que o passo seguinte seria doloroso. Colocava-se de imediato uma questão: como substituir aquela fiel companheira? Quem estará melhor habilitado para fazer esquecer os bons serviços que a máquina de lavar de linha branca, comprada no saudoso Carrefour me prestou de forma zelosa e eficiente, ao longo de quase duas décadas? Nesta sociedade da hiperescolha, onde cada marca apresenta uma panóplia diversificada de modelos para cada produto, com o objectivo de penetrar em todos os nichos de mercado, escolher uma máquina é, por vezes, tarefa ciclópica. Principalmente para leigos em novas tecnologias, como eu, que fico com a cabeça a andar à roda, cada vez que vejo luzinhas a piscar num visor, sem saber se aquilo significa que o aparelho está a dar o berro ou em perfeito estado de funcionamento. Como distinguir o modelo XPTO 17, do seu concorrente, da mesma marca, XPTO 17 SP? Muitas vezes os modelos distinguem-se apenas por
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pormenores só perceptíveis a especialistas na matéria e não ao consumidor comum. E como saber se a marca que mais se adequa às minhas necessidades é a ZPLR Hidromatic ou a mais singela (pelo menos em nomenclatura baptismal) ZETA? Eu sei que há testes comparativos que nos podem ajudar e que podemos pedir a opinião dos amigos mas, na generalidade, cada um sempre enaltece as características da marca e modelo que tem em casa, para justificar o acerto da sua opção. A consulta a amigos também pode ter a vantagem de eliminar à partida algumas marcas mas, caramba, nem os meus amigos são tantos que me permitam uma escolha por amostragem, nem estava na disposição de me colar ao telefone a perguntar-lhes: "Olha lá, estás satisfeito com a tua máquina de lavar? Parecete que é um modelo ideal para mim?" Decidi, por isso, meter-me ao caminho e dirigir-me a uma loja onde a oferta de marcas fosse variada e tivesse aconselhamento técnico na escolha. Fui. Comecei por deambular entre marcas e modelos olhando para os preços e tentando decifrar o que se escondia por detrás da designação de cada marca e modelo. Ao fim de cinco minutos, pedi a ajuda de um funcionário. Afoito, contei-lhe a história: "Olhe, vim cá porque a minha máquina pifou e preciso de uma nova, mas não sei o que hei-de comprar. Pode darme uma ajuda?" "Qual era a marca da máquina que tinha?" - perguntoume o funcionário, certamente já apontado para me indicar a compra de um modelo da mesma marca. Desiludi-o. Percebi-o na reacção estampada na face, quando lhe respondi: "a minha máquina de lavar era de marca branca". Olhou-me com ar superior de quem vê ANDRÉ LETRIA
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entrar um pelintra, num estabelecimento onde se vendem produtos com "pedigree" e disse: "Pois, nós aqui só temos produtos de marca. Se quer uma máquina dessa linha, terá de procurar noutro sítio" Perguntei-lhe se sabia onde poderia encontrar uma máquina, igualzinha à minha, porque era isso que queria. Começou por encolher os ombros e depois, a custo, lá disse que não fazia ideia. Expliquei-lhe então que, não tendo tempo para andar a procurar um estabelecimento onde vendessem máquinas de marca branca, queria uma máquina que durasse os mesmos 20 anos de vida da defunta. Escapou-se-lhe um sorriso. "A sua máquina tinha 20 anos? Hoje já não arranja disso. Se aguentar 10, já é muito bom!" Conformei-me. Pedi-lhe um conselho. Acabou por me indicar três modelos de duas marcas diferentes. Optei por um, que me pareceu adequado às minhas necessidades, e cujo preço era atraente. Agora tenho lá em casa uma máquina cheia de luzinhas a piscar, que me fazem lembrar o cockpit de um
avião. Não percebo para o que servem, nem consigo decifrar os seus sinais. Entreguei essa tarefa à empregada que me pareceu entusiasmada com a nova hóspede, tal a forma carinhosa como a recebeu. Eu continuo com saudades da minha máquina de lavar de marca branca. Baratucha e fiel. Os tempos são outros, claro. Vivemos no tempo de um mercado sujeito a grande pressão, onde anualmente desaparecem 8 em cada 10 produtos lançados como novidades, onde em cada 1000 ideias, apenas 35 vêem a luz do dia, e só 19 obtêm sucesso. A pressão dos mercados alterou profundamente as regras do jogo publicitário que até há cerca de 30 anos se resumia a propostas inocentes como "Omo lava mais branco" ou "Vaqueiro torna tudo mais apetitoso". Mas alterou também a forma de nos relacionarmos com os produtos e dificultou a forma de fazer as nossas escolhas. Já não procuramos o duradoiro. Somos seduzidos pelas novas tecnologias que apenas nos prometem o prazer efémero de comprar hoje a última novidade mas, passados poucos meses, somos obrigados a admitir que temos em casa uma velharia.
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Boavida|Livro Aberto
Dos diários de Torga à intemporalidade da Filosofia Mais dois volumes condensando a escrita diarística de Miguel Torga acabam de ser lançados pela D. Quixote. Neles se juntam os “diários” do escritor de IX a XVI, cobrindo o período de mais de três décadas que vai de 1960 a 1993.
José Jorge Letria
iguel Torga, pseudónimo literário do médico Adolfo Rocha, fez do seu “Diário” uma das obras mais importantes de toda a história da literatura portuguesa, já que nela verteu reflexões pessoais, memórias de época, comentários à vida cultural, social e política e também muitos poemas. A leitura do “Diário” torna-se, assim, essencial para o conhecimento da obra de Miguel Torga e de décadas da vida portuguesa. Escritor cuja actualidade e interesse nunca prescrevem, Miguel Torga foi um amante da liberdade, que soube cantar como poucos, e uma das mais poderosas e originais vozes da literatura portuguesa, que reencontramos, pujante e livre, nestes volume finais do seu grandioso “Diário”.
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W.G. SEBALD, que morreu tragicamente em 2001, quando tanto havia ainda a esperar da sua obra, é um dos escritores mais interessantes e originais da segunda metade do século XX. Com vários títulos de referência já editados em Portugal, ressurge agora com o volume de ensaios “Pátria Apátrida” (Teorema), que nos coloca perante o homem de pensamento, que, de resto, nunca deixa de estar bem presente na obra de ficção, já que muitas das suas páginas apresentam uma intensa e problematizadora componente filosófica. Em “Pátria Apátrida” temos de novo Sebald a reflectir sobre escritores e livros que, de algum modo, representam o trabalho de escrita e de meditação sobre os conceitos de pátria, de identidade e de fronteira, verdadeiramente axiais na sua obra ímpar e intemporal. A não perder. NOS ÚLTIMOS anos tornou-se um exercício fascinante a adaptação dos grandes ensinamentos da filosofia clássica à 60
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realidade social e política contemporânea. Reler Platão, e Sócrates através dele, Aristóteles e tantos outros é uma forma de verificarmos que a sabedoria milenar não perde actualidade pelo facto de sobre ela terem passado séculos, guerras, revoluções e cataclismos vários. E porquê? Porque, com mais ou menos tecnologia, o ser humano continua, no essencial, a ser sempre o mesmo, para o melhor e para o pior. É neste sentido que aponta o trabalho de Mark Vernon em “i Platão” (Clube do Autor), ao propor o reencontro do leitor contemporâneo com as grandes obras da filosofia do passado reanalisadas à luz, tantas vezes confusa ou ofuscante, da realidade actual. Jornalista e autor de vários livros, Vernon relembra-nos, por exemplo, que são de Aristóteles estas actualíssimas palavras: “Hoje em dia, a maior parte das pessoas prefere a vida do consumo e procura o prazer ou a riqueza e a fama”. E recorda-nos igualmente esta oportuníssima frase de Platão: “Aqueles que ganham muito dinheiro continuam a injectar o ferrão tóxico dos seus empréstimos sempre que podem”. É caso
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para dizer, que nem de encomenda para os tempos conturbados que estamos a viver neste mundo global! Ou, dito de outro modo, estamos perante um livro que nos demonstra que a filosofia, que muitos consideram inútil à luz do relativismo moral e do pragmatismo sem princípios, nunca foi tão necessária e iluminadora. NO QUE TOCA à ficção narrativa, os destaques nacionais e estrangeiros vão para o excelente “Romance de uma Conspiração” (Oficina do Livro), do jornalista João Paulo Guerra, que constrói uma ficção engenhosa e cheia de ritmo a partir de factos verídicos, para “Quando a Terra Tremeu” (Casa das Letras), narrativa de fôlego de Domingos Amaral sobre o terramoto de 1755, que arrasou a cidade de Lisboa e os seus arredores, para a reedição de “A Ignorância” (Dom Quixote), do checo naturalizado francês Milan Kundera, e para a bela narrativa “Pepsi e Maria” (Teorema), o paquistanês Adam Zameenzad, nomeado para o Booker Prize e vencedor do Prémio David Higham.
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Boavida|Artes
Artistas da CPLP em Lisboa
Cosmopolitismo e contemporaneidade Até ao próximo dia 26 ainda é possível visitar a exposição "Idioma Comum", uma tão curiosa como importante mostra subintitulada "Artistas da CPLP na Colecção da Fundação PLMJ", que integra obras de vários artistas do mundo que fala português.
Rodrigues Vaz
om esta exposição, patente ao público na sede daquela instituição da PLMJ - A. M. Pereira, Sáragga Leal, Oliveira Martins, Júdice & Associados, em Lisboa, sob o lema "Uma sociedade de advogados como espaço de cultura", o seu Comissário, Miguel Amado, pretende "contribuir para uma maior dinamização da cena artística dos países da CPLP, divulgando os seus artistas em Portugal e no estrangeiro, e consequentemente, desempenhando um papel relevante na difusão do ideário lusófono". O espólio da Fundação da CPLP contempla vários artistas, quinze dos quais com obras agora expostas, nomeadamente Délio Jasse, Kiluanji Kia Henda, Lino Damião, Ihosvanny e Yonamine, de Angola, Jorge Dias, Mário Macilau, Mauro Pinto, Mudaulane e Pinto, de Moçambique, Abraão Vicente, de Cabo Verde, René Tavares, de S. Tomé, Flávio Miranda, lisboeta de origem timorense, e Júlia Kater, actualmente a morar em S. Paulo, Brasil. O acervo da Fundação foca-se em jovens criadores sobretudo angolanos e moçambicanos, mas também das demais nacionalidades da CPLP, cuja notoriedade adquirida nos seus países se expande, agora, a Portugal. As obras expostas caracterizam-se por uma linguagem contemporânea, marcada por uma visão do mundo de matriz cosmopolita, abordando tanto a realidade cultural local como a ordem social global num cenário pós-colonial.
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MANUEL AMADO E JOÃO PAULO FERRO
A merecer igualmente uma visita está, por sua vez, até ao dia 15, na Galeria de Arte Moderna da SNBA, em Lisboa, a exposição "Encenações", quatro dezenas de óleos sobre tela de Manuel Amado, cuja carreira artística tem evoluído tão discreta como seguramente. Fazendo jus ao título, trata-se de composições de cariz 62
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Em cima, composição do angolano Lino Damião e, em baixo, “O Rebocador”, de Manuel Amado. Na página seguinte, um desenho de João Paulo Ferro
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Ferro mostra na Galeria Trema, Lisboa, até dia ao próximo dia 19. Senhor de um traço tão dúctil como vigoroso, João Paulo Ferro apresenta um conjunto de desenhos a partir de dois vectores principais: desenhos solto de nuvens, caracterizados por uma grande plasticidade de eficaz efeito visual, e composições geométricas, experimentações e pesquisas sem outro objectivo para além delas próprias. TEOTÓNIO AGOSTINHO EM CASCAIS
intencionalmente narrativo, que jogam com um ambiente tão encantatório como misterioso, inserindo pseudorecortes em paisagens sugerindo labirintos em jogos de efeitos visuais onde o claro-escuro assume um papel protagonista. Igualmente encantatório é o conjunto que João Paulo
Por último, vale ainda a pena destacar a exposição "Desenhar é uma forma de escrever", do artista algarvio Teotónio Agostinho, no Centro Cultural de Cascais, que pode ser vista até ao dia 27. Com um imaginário fortemente condicionado por um realismo mágico em que as formas partem de uma realidade figurativa para um universo fantasmático fragmentário, o artista partilha connosco um universo muito peculiar, narrando histórias vertiginosas que se sentem transvazar para além da tela, revelando uma imaginação tão poderosa quão pessoal e muito particular.
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Boavida|Músicas
Um acontecimento chamado Aurea A aparição da jovem cantora Aurea, 23 anos, de tão propalada pela generalidade de Comunicação Social, já não é notícia. Notável será, porém, o facto de estarmos em presença de alguém que marcará indelevelmente a história da música ligeira portuguesa.
Vítor Ribeiro
urea” é também o título genérico do CD de estreia da cantora e do qual foi extraído o tema “Busy (For Me)”, para promoção radiofónica e televisiva. Tendo em conta os objectivos, a escolha foi acertada. Diga-se, no entanto, que o espanto nos invade quando ouvimos na íntegra e de um fôlego o primeiro trabalho discográfico de Aurea. Mais: é exactamente no último tema do CD, “The Witch Song” (sem exagero, digamos que Gershwin subscreveria com gosto este tema), que Aurea revela com toda a pujança inigualáveis qualidades, enquanto cantora e intérprete de excepção. Aurea canta como respira, sem constrangimentos nem
“
A
subterfúgios, com alegria, espontaneidade, modéstia e elegância. Embora diga sentir-se realizada na “praia” da soul music, a verdade é que, ao longo das doze canções que nos são apresentadas, Aurea percorre com igual competência os “areais” da pop, do jazz, chegando a aventurar-se por registos operáticos que nos deixam incrédulos. Em várias declarações à Comunicação Social, Aurea partilha sempre o sucesso alcançado com os autores e compositores que a acompanharam nesta “aventura”, três jovens músicos surpreendentes, cujos nomes aqui se registam: Rui A. Ribeiro, João Pedro Matos e Ricardo E.. Há muito (talvez nunca…) que a música portuguesa não dispunha de uma intérprete como Aurea. A Natureza tem forças inexplicáveis. Aurea é um desses casos.
CONCERTOS KATIE MELUA EM LISBOA NO PORTO
actuações de Catarina Deslandes e
espectáculo integra-se na digressão
A cantora inglesa, de origem
Sandra Pereira.
agora iniciada por Waters, para celebrar
georgiana, Katie Malua actuará no
o 30º aniversário do álbum “The Wall”.
Campo Pequeno, em Lisboa e no
ROGER WATERS NO PAVILHÃO ATLÂNTICO
Coliseu do Porto dias 13 e 14 de
Roger Waters, músico lendário dos “Pink
EXPENSIVE SOUL NA CASA DA MÚSICA
Março, respectivamente. A partir das
Floyd”, efectuará dois concertos no
Os Expensive Soul efectuam um
21h00. A primeira parte do
Pavilhão Atlântico, em Lisboa, dias 21 e
concerto na Casa da Música, no Porto,
espectáculo será preenchida com as
22 de Março. A partir das 21h00. Este
dia 31 de Março, pelas 22h00.
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Boavida|No Palco
“A Catatua Verde” Encenada por Luis Miguel Cintra, A Catatua Verde (até 27 de Março no Teatro Nacional D. Maria II) pode ser descrita como uma peça histórica, cuja acção decorre na noite de 13 para 14 de Julho de 1789 na Paris revolucionária.
Amorim, Joana De Verona, João Grosso, João VillasBoas,José Manuel Mendes, Luis Lima Barreto, Luis Miguel Cintra, Miguel Loureiro, Miguel Melo, Neusa Dias,Nuno Casanovas, Ricardo Aibéo, Rita Blanco, Rita Loureiro, Sofia Marques, Tiago Manaia, Tiago Matias, Tobias Monteiro, Vítor D’andrade; Co-Produção: Tndm Ii e Teatro Da Cornucópia
“Vitória”
Maria Mesquita
um bar dos arredores, numa cave (que nos remete para o texto de Platão “Alegoria da Caverna), ilustres e mundanos misturam-se naquilo que pensam ser o fruto das vidas reais, de gente com problemas, em desacatos amorosos ou profissionais, na confusão que geralmente a Vida proporciona. É também neste local que Próspero cria uma Companhia de Teatro que de tão ousada acaba por inventar histórias para que os visitantes se sintam à vontade. Um ambiente de decadência humana, de bêbados, prostitutas, vigaristas…O processo complica-se quando, nessa mesma noite, a Revolução e a violência da realidade faz esquecer o processo de ilusão e a história que um dos actores inventou - a traição da sua mulher, também actriz, com um Duque - é entendida como verdadeira e o duque é assassinado pelo marido traído. Seja a razão do crime verdade ou ficção, o crime acontece, mas a revolução faz com que o acto ciumento do actor se torne num acto de heroísmo na defesa do povo revolucionário e triunfante. A alegria do “Viva a Liberdade!” é vivida, porém, pelo casal como o fim da sua felicidade.
N
FICHA TÉCNICA: Autor: Arthur Schnitzler; Tradução: Frederico
Lourenço; Encenação: Luis Miguel Cintra; Cenário E Figurinos: Cristina Reis; Desenho De Luz: Daniel Worm D’assumpção; Com: Alice Medeiros, António Fonseca, Catarina Lacerda, Cleia Almeida, Dinis Gomes,Duarte Guimarães, Gonçalo 66
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No Teatro dos Aloés, em cena, uma vez mais, uma peça sobre o racismo, a xenofobia, o medo da mistura entre raças, e todos os desenganos que levam às guerras sem motivo. “Vitória”, em cena nos Recreios da Amadora, a partir de dia 11 de Março, é a história de dois jovens negros sul-africanos que tomam uma decisão que irá mudar os seus destinos. Vicky e Freddie, residentes em Pienaarsig, uma aldeia em Nieu Bethesda decidem mudar as suas vidas e fugirem para a Cidade do Cabo. Para isso, contudo, precisam de dinheiro e Vicky pensa que na casa do antigo professor branco, Lionel, encontrará ou um tesouro ou muito dinheiro escondido, lembrando-se do tempo em que a mãe recebia das mãos do patrão e amigo, um maço de notas. Freddie, por seu turno, apenas quer despachar o assunto para levar a irmã com ele para o submundo da venda e tráfico de drogas. Em 1994, após a primeira eleição livre na África do Sul, os ânimos entre brancos e negros estavam muito agitados e qualquer acção seria mais um convite aos assassínios entre ambas as raças. Quando Lionel encontra a sua casa virada do avesso devido à fúria dos dois jovens que viu crescer, fica abalado e pensa chamar a polícia. Freddie, revoltado com a sociedade sul-africana, vítima, como todos, de uma se7paração racial ilógica e imoral não compreende nem aceita tréguas entre brancos e negros, para além de que se convenceu de que Lionel terá abusado de Vicky há alguns anos atrás, o que aumenta o seu ódio em relação ao professor. Para Lionel o martírio maior será ver os seus bens mais queridos e pessoais completamente destruídos, e saber que os dois jovens o vêem como mais um racista branco, embora ainda assim, tente convencer Vicky a repor a verdade a Freddie. De repente o impensável acontece com um desfecho imprevisível.
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FICHA TÉCNICA: Autor: Athol Fugard; Encenação: José
Peixoto; Interpretação: Bruno Huca, Cheila Lima e Jorge Silva; Cenografia e Figurinos: Marta Carreiras; Música: Rui Rebelo; Desenho de Luz: Pedro Domingos; Design Gráfico: Rui Pereira; Produção Executiva: Gislaine Tadwald e Joana Paes; Produção: Teatro dos Aloés
“Exactamente Antunes”
Com o título “Exactamente Antunes”, Jacinto Lucas Pires e Nuno Carinhas adaptaram para o palco do T.N. São João a obra “Nome de Guerra” de Almada Negreiros. Em cena até 17 Abril. Luís Antunes, jovem da província mas de origem abastada, muda-se para a cidade por mando do seu tio, que decide iniciar o rapaz nas lides de “homem”. Se parece mais que certo o facto de Antunes ter pouco jeito nesses préstimos, não deixa de ser verdade que ao apaixonar-se por Judite (nome falso, nome de guerra para uma mulher da vida), que nem sequer é bonita, mas que foi a primeira que Antunes teve, o moço acaba por fazer dela o seu objecto de paixão e obsessão. “Exactamente Antunes” é então a resposta ao texto que
Almada Negreiros criou em 1925, onde se pode ler “não te metas na vida alheia se não queres lá ficar”. E assim se conta a história de Antunes, que aprende depressa que a vida não é feita a partir do acumular de experiências, mas da própria vivência do dia-a-dia, e de Judite, mulher que não amando Antunes vê nele a sua salvação de uma vida de miséria. Entre o cómico e o dramático a história de Luís Antunes é, nas palavras de Lucas Pires, de um portuguesismo imenso, rodeado da saudade mítica que nem se sabe de onde vem, pautada com momentos pitorescos daquele que não sendo sábio, também não é básico e é (quase) feliz assim. FICHA TÉCNICA: Autor: Jacinto Lucas Pires; Baseado em:
“Nome de Guerra”, de Almada Negreiros; Encenação: Cristina Carvalhal, Nuno Carinhas; Cenografia e figurinos: Nuno Carinhas; Desenho de luz: Nuno Meira; Desenho de som: Francisco Leal; Interpretação: Joana Carvalho, João Castro, Jorge Mota, José Eduardo Silva, Lígia Roque, Paulo Freixinho, Paulo Moura Lopes; Produção: TNSJ; Classificação etária: M/12 anos
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Boavida|Cinema em Casa
Acção, emoção e humor Para o tempo que se anuncia primaveril, uma selecção de bons e variados filmes onde, a par de acção e muita emoção, há espaço para a divertida película, "Miúdos e Graúdos". Acção em "A Cidade", realizada e interpretada por Ben Affleck; emoção em "Hachiko - Amigo para Sempre" e em " Ondine", completam o elenco das nossas escolhas de Março. Sérgio Alves The Town;
Hallstrom; COM: Richard Gere,
Irlanda/EUA, 111m, cor, 2009;
Joan Allen, Jason Alexander,
EDIÇÃO:
A CIDADE
TÍTULO ORIGINAL:
Na Boston, de mais de 300
REALIZAÇÃO:
assaltos/ano a bancos e de um
Ben Affleck, Rebecca Hall,
Erick Avari; EUA/GB, 93m, Cor,
bairro, Charlestown, com o
John Hamm, Jeremy Renner,
2009:EDIÇÃO: Zon Lusomundo
record de assaltantes nos EUA,
Blake Lively; EUA, 125m, Cor,
Doug MacRay, lidera uma
2010; EDIÇÃO: Zon Lusomundo
Ben Affleck; COM:
temível quadrilha
MPA Audiovisuais
MÍUDOS E GRAÚDOS
Em 1978, cinco rapazes de 12 ONDINE
anos vencem a liga de basket-
Syracuse é um pescador
ball escolar. Três décadas
que actua com
HACHIKO - AMIGO
irlandês com um grave proble-
depois, reúnem-se com as
máscaras
PARA SEMPRE
ma de alcoolismo e com uma
respectivas famílias no funeral
bizarras. Num
Num dos seus regressos para
filha gravemente doente. Um
do seu treinador. Passam o fim-
dos assaltos, a
casa, Parker Wilson, professor
dia encontra, presa à sua rede
de-semana numa casa junto
gerente do banco
de música, descobre um
de pesca, uma mulher nua e
dum lago onde costumavam
é feita refém.
pequeno cão de raça Akira e
assustada de nome Ondine. A
encontrar-se. Agora adultos,
Apesar de escapar ilesa, ela
leva-o consigo. A amizade
filha do pescador acredita que
com os respectivos problemas e
tem dificuldades em lidar com
entre os dois vai crescendo.
ela é uma Selkie,
desafios… Marcus bebe em
o sucedido, até ao dia em que
Hachiko acompanha o seu
uma criatura
excesso, Rob é mulherengo,
conhece Doug, o seu raptor.
dono todos os dias até à
mágica dos
Eric está desempregado e tem
Apaixonam-se e a relação
estação de comboio onde,
mares, enquanto
peso a mais, Kurt é humilhado
transforma Doug, desejoso de
todas as noites, o espera. Mas,
o pai se apaixona
pela mulher e pela sogra, e
quebrar, definitivamente, todos
um dia, o dono
por ela ... Mágico
os laços com o bando e com o
não regressa, e
e com um final surpreendente!
filhos são mima-
seu passado criminoso.
o cão continua
Ondine é o mais recente filme
dos. Será que o
à sua espera
do conhecido realizador e
fim-de-semana
actor e realizador Ben Affleck,
até ao dia da
argumentista irlandês Neil
conjunto os vai
autor ainda do argumento, "A
sua morte.
Jordan, autor de "Jogo de
ajudar?
Realizado pelo
Lágrimas" (1992), "Entrevista
Segunda longa-metragem do
Cidade" é uma adaptação do
Lenny acha que os
Comédia de Verão com um
livro "Prince of Thieves", de
sueco Lasse Hallström, autor
com o Vampiro" (1994), e o
elenco de notáveis comediantes
Chuck Hogan e revela uma
de filmes como "Gilbert Grape"
inspirador "Michael Collins"
- Adam Sandler, Chris Rock,
evolução positiva na carreira de
(1993), "As Regras da Casa"
(1996) entre outros grandes
David Spade e Rob Schneider, o
Affleck depois da sua primeira
(1999) e "Chocolate" (2000), o
filmes. Com imagens belíssi-
filme de Dennis Dugan, que tem
obra como realizador - Vista
filme é baseado numa história
mas da costa irlandesa e uma
uma pequena aparição no
pela última vez (2007). Um
verídica - narrada no filme
realização apurada, "Ondine"
genérico inicial como árbitro do
conjunto de actores secundários
japonês "Hachikô Monogatari"
transporta-nos para uma
jogo de basket, é boa opção para
de bom nível, como Jeremy
- (1987). Na estação ferroviária
Irlanda das míticas "selkies":
um divertido serão familiar.
Renner - nomeado para Óscar
de Shibuya, no Japão, foi erigi-
no mito celta, uma selkie é
TÍTULO ORIGINAL:
de melhor actor secundário - e
da uma estátua de bronze em
capaz de se transformar em
REALIZAÇÃO:
John Hamm (Mad Men), dá
homenagem a Hachiko, no
mulher mas o amor pelos
COM:
nota elevada a um filme exem-
local exacto onde ele esperava
humanos não tem final feliz.
Hayek, Chris Rock, David
plar na forma como aborda
pelo seu dono. Emoção a
TÍTULO ORIGINAL:
uma questão social relevante,
rodos!
REALIZAÇÃO:
com inteligência e intensidade
TÍTULO ORIGINAL: Hachiko:
do princípio ao fim.
Dog's Story; REALIZADOR: Lasse
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Grown Ups;
Dennis Dugan;
Adam Sandler, Salma
Ondine;
Spade, Rob Schneider, Maya
Neil Jordan; COM:
Rudolph e Maria Bello; EUA,
Colin Farrel, Alicja Bachleda,
102m, cor, 2010; EDIÇÃO: Pris
Stephen Rea, Dervla Kirwan;
Audiovisuais
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Boavida|Tempo Informático
Especialmente para si Quando os primeiros computadores chegaram ao mercado, os fabricantes não se preocupavam em apresentar modelos diferenciados para diferentes utilizadores. E assim aconteceu com os primeiros dispositivos e acessórios.
Gil Montalverne ajuda@gil.com.pt
esde há alguns anos que passou a notar-se uma diferenciação segundo necessidades específicas. Os avanços tecnológicos permitem hoje criar os dispositivos mais indicados para certos grupos de utilizadores. E “o especialmente para si” é o caso de um telefone portátil AEG para a rede fixa concebido para a população sénior pois agrega características tecnológicas que visam colmatar as principais necessidades desse público. O AEG EOLE 1800 é uma excelente alternativa para melhorar a sua qualidade de vida. Foi desenhado para a rede fixa e auxiliar as pessoas com dificuldades de visão ou audição. As teclas de maior dimensão e com toque suave e macio facilitam a navegação entre os menus. No visor mostra caracteres de dimensões acima do comum, para facilitar a leitura a quem já não vê tão bem como outrora, permitindo excelente visualização de todos os dados. O som amplificado nas chamadas facilita a conversação em pessoas com dificuldades de audição e permite três níveis de frequência, facilmente regulados, para compensar a sensibilidade auditiva. Com três teclas directas de memória para a memorização de contactos, a configurar pelo utilizador, é uma excelente vantagem para chamar rapidamente os três números que mais utiliza ou números de emergência. E, pela primeira vez, encontrámos um manual com caracteres de grandes dimensões, quando estamos habituados a vê-los com caracteres minúsculos mesmo para uma visão normal. Não há dúvida de que foi concebido para pessoas especiais como é o caso da população sénior.
D
IMAGINEMOS alguém que deseja enviar
pelo correio duas ou mesmo quatro gigas de informação digital. Especial para quem 70
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estiver neste caso e não deseja enviar um DVD, existe um dispositivo original e muito acessível: uma memória flash da Verbatim chamada Clip-It. Exactamente um clip que serve igualmente para ligar folhas de papel e pode ser enviado pelo correio pois o peso é insignificante. Uma engenhosa solução de uma memória USB tão pequena que pode ser enviada desse modo. Tem apenas 4 mm de espessura e 11 por 35 mm concebida especialmente para si, custando entre 8 e 11 Euros. OS LEITORES DE MP3 sempre estiveram vocacionados para ouvir músicas com auriculares e o mesmo acontece com os modernos smartphones. É que eles não são apenas portáteis – são pessoais. Por isso, essa forma preferencial de ouvir música. Mas, por vezes, há quem goste de partilhar a música com os amigos e foi para esses momentos que a HAMA criou umas mini colunas activas, com amplificador e ficha integrada. A ligação universal de mini-jack de 3,5 mm assegura compatibilidade com qualquer dispositivo onde se liguem auriculares. E o facto de possuir a sua própria fonte de energia (duas pilhas AAA) significa que não irá retirar autonomia ao leitor. O amplificador integrado e as duas colunas estéreo asseguram uma projecção de som poderosa e nítida que é ideal para partilhar a música com os amigos. As dimensões reduzidas de 8,5 x 5 x 2 cm acrescentam muito pouco peso e volume ao do próprio leitor, podendo ser facilmente transportadas numa bolsa ou… no bolso! Haverá algo de mais especial? I
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Boavida|Saúde
Obstipação no idoso, como tratar Fui chamada para ver um doente no domicílio. O familiar que me acolheu referiu que, entre outras queixas relativas a patologia crónica, em tratamento com o seu médico assistente, a situação se tinha agravado devido a obstipação.
M. Augusta Drago
medicofamília@clix.pt
ratava-se de um doente idoso, acamado – a fazer vários tratamentos, nomeadamente com medicamentos psicotrópicos –, cujos intestinos não funcionavam havia três dias. A primeira coisa que me parece importante clarificar, por isso relato esta história, é que a Medicina só considera estar-se perante uma obstipação quando o doente relata que tem menos de três dejecções por semana. Nos termos desta definição, o doente não sofria de obstipação. Mas aproveitei a oportunidade para sensibilizar os familiares para a necessidade de alterarem o regime alimentar do doente, insistirem na ingestão de líquidos e mobilizarem o doente dentro das suas possibilidades. Muitos doentes acamados, e particularmente aqueles que se encontram pouco hidratados e que tomam medicamentos psicotrópicos para tratamento de doenças do foro psicológico e mental, tais como a ansiedade, a depressão, as demências e, quase sempre, as alterações do sono, sofrem como efeito adverso o atraso na progressão das fezes no tubo digestivo, de que resulta muitas vezes a obstipação. A relutância que a maior parte destes doentes tem em ingerir líquidos, principalmente água, é um problema frequente com que se deparam aqueles que lhes prestam cuidados. A ausência, ou melhor, a escassez de líquidos no bolo alimentar torna-o mais rijo e dificulta ainda mais a sua progressão no tubo digestivo. Para convencer os doentes a ingerir líquidos tem de se usar de muita paciência e tenacidade. Uma das estratégias
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usadas para esse fim é, por exemplo, o recurso a sopas e a papas, que têm já na sua composição quer a água quer o leite. Outra maneira de administrar líquidos pode ser através da ingestão de sumos, bem como de sobremesas, fruta e gelatinas. A mobilização do doente acamado é crucial para minorar a globalidade dos seus problemas. Se o doente consegue andar, por pouco que seja, essa função deve ser estimulada e mantida até ser possível. Quando acamado, a mobilização frequente previne o aparecimento de escaras, confere por vezes algum alívio às dores e tem um efeito muito positivo sobre o funcionamento dos intestinos. Outra manobra que também pode ajudar a estimular o trânsito intestinal são as massagens no abdómen. A massagem deve ser efectuada suavemente, à volta do umbigo, sempre em círculos e no sentido dos ponteiros do relógio. Por fim, e quando estas medidas são insuficientes, há que recorrer aos laxantes e aos emolientes das fezes, quer isto dizer medicamentos que estimulam os movimentos intestinais e que tornam as fezes mais moles. Para terminar, deixo uma recomendação que se destina ao doente idoso e acamado, mas que se pode alargar a toda a família. O funcionamento dos nossos intestinos pode e deve ser educado: cada pessoa deve habituar-se a ir à sanita todos os dias, a uma determinada hora, de manhã, à tarde ou à noite, conforme lhe for mais conveniente. Desta forma, o intestino cria o seu próprio ritmo de funcionamento. Também o doente idoso deve seguir esta indicação. As idas à casa de banho devem ser sempre que possível a uma determinada hora. I ANDRÉ LETRIA
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Boavida|Palavras da Lei cado. A sua importância influencia o comportamento na bolsa e o interesse de investidores. A Propriedade Intelectual assume-se como um activo a partir do momento em que promove a competitividade, seja entre empresas ou entre Estados, promovendo a investigação, o desenvolvimento e a inovação, tendo como base o Conhecimento. Por isso, a Propriedade Intelectual deixa de ser uma matéria unicamente jurídica, mas é transportada para o campo da gestão, da economia e das finanças. A Propriedade Intelectual regulamenta-se, essencialmente, por dois diplomas: o Código da Propriedade Industrial - D.L. nº 36/2003, de 05 de Março - e o Código dos Direitos de Autor e dos Direitos Conexos - D.L. nº 63/85, de 14 de Março. Genericamente podemos considerar quatro tipos de Activos de Propriedade Intelectual: Patentes, que estão ligadas à inovação e desenvolvimento tecnológico; Marcas, que estão associadas à individualização de um produto, empresa, etc., no mercado, criando assim um valor próprio; Desenhos, que corresponde à aparência, ao design de um produto; Segredos, que sendo informação confidencial, têm características muito próprias pela sua própria natureza. Existem ainda os Direitos de Autor e Conexos, que elencamos à parte, uma vez que a sua dinâmica é complexa e têm uma natureza muito própria, podendo mesmo ser dito que dentro deste grupo existem vários Activos exploráveis por si mesmos. Como é criada a propriedade intelectual, quando alguém queira proteger uma sua ideia ou invenção? Originariamente, quando alguém, inventor ou empresário, solicita o registo de uma patente, marca e/ou desenho; ou por via negocial, quando o Activo é transaccionado, por exemplo, numa compra e venda de patente, ou num trespasse de marca. Ainda podem ser adquiridas licenças de exploração, por exemplo, quando alguém explora um activo de uma marca, através de um contrato de franquia. Disto é exemplo os numerosos estabelecimentos de "fast food" internacionais, existentes em Portugal, que só podem operar através de uma autorização do titular do activo, devidamente registado. Existem numerosas instituições nacionais que protegem e guiam os cidadãos na protecção de uma sua ideia, ou na exploração de um activo registado, como a IP Solutions, que esclarecem e apoiam os cidadãos, ou este sócio, na efectivação da exploração das suas ideias e activos de propriedade intelectual. I
Propriedade Intelectual
?
Um assunto que me chamou a atenção foi o do registo de invenções ou de quaisquer ideias, marcas, assuntos
deste género. Se criar uma invenção, como fica protegida pela nossa lei? Sócio devidamente identificado.
Pedro Baptista-Bastos
s questões deste sócio dizem respeito à propriedade intelectual. Esta define-se, grosso modo, com o conjunto de direitos de monopólio atribuídos sobre criações intelectuais, sinais distintivos, todos os actos criados pelo espírito humano. Como tal, tanto podem abranger obras de arte (pintura, escultura, música, cinema) como invenções e marcas (o logotipo do INATEL, por exemplo.) A Propriedade Intelectual é hoje em dia um elemento essencial para criar valor e posicionar as empresas no mer-
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ClubeTempoLivre > Passatempos Palavras Cruzadas | por José Lattas
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HORIZONTAIS: 1-Trabalham; Restabelecera. 2-Pessoa vítima da
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sua própria ambição; Procedi; Suspeitar. 3-Aceitai; Fundira. 4O gato...; Divulga; Cidade belga, na província de Liége. 5Bromo (s.q.); Acasalei; Puxador; Idem (abrev.). 6-Afeição; Afligir; Clava. 7-Alumínio (s.q.); Sabor; Madrasta. 8-Sumo sacerdote judeu, a cuja presença Jesus foi levado, na véspera da Paixão; Igualar; Sarilho. 9-Deus do Sol, na mitologia egípcia; Escrava egípcia de Sara e mãe de Ismael; Mamífero ruminante, parecido com o veado; Pessoa que desempenha, notoriamente bem, uma actividade. 10-Governanta; Primeiro nome da actriz americana Gardner (1923-90); Elemento de composição de palavras, que exprime a ideia de ouvido. 11-Bruxa; Melodia. 12-Lá; Dissipara; Taberna. 13-Vestimenta feminina indiana; Já; Rio que desagua em Viana do Castelo.
2
3
4
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7
8
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3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 SOLUÇÕES 1-LABORAM; REATARA. 2-ICARO; AGI; TEMER. 3-A; TOMAI; COARA; M. 4-MIA; A; SOA; I; SPA. 5-BR; UNI; R; ASA; ID. 6-AMOR; RALAR; MOCA. 7-AL; PALADAR; MA. 8-ANAS; RASAR; NORA. 9-RA; AGAR; GAMO; AS. 10-O; AMA; AVA; OTO; S. 11-MAGA; E; A; E; ARIA. 12-ALI; ALAGARA; BAR. 13-SARI; AGORA; LIMA.
VERTICAIS: 1-Cânhamo; Eflúvios. 2-Actínio (s.q.); Ajunta; Enfiada. 3-Propina; Cartel; Capital da Letónia (inv.). 4Discurso; Antiga cidade da Caldeia; Agulha do pinheiro. 5Primeiro nome de Polanski, cineasta polaco; Gálio (s.q.). 6Agastara; Pronome pessoal feminino. 7-Também; Adejara; Prata (s.q.). 8-Baínhas; Abstracto. 9-Ditosa; Espécie de punhal, de lâmina larga; Disposição. 10-Pateta; Período. 11-Apertais; Multidão. 12-Usufruir; Antes do meio dia (abrev.); Advertência. 13-Aprecias; Elemento que expressa a ideia de ombro; Elemento que expressa a ideia de mundo ou universo. 14-Nota musical; Estimulara; Compareciam. 15-Cilada; Inflamara.
2
Ginástica mental| por Jorge Barata dos Santos
N.º 24
Preencha a grelha com os algarismos de 1 a 9 sem que nenhum deles se repita em cada linha, coluna ou quadrado
N.º 24
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SOLUÇÕES
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ClubeTempoLivre > Novos livros
no encalço
cerca de 143 anos que
que transporta também
desta besta.
dignificou o seu povo e
animais do zoo, afunda-se
PRÍNCIPES DE PORTUGAL
Conseguirá
conquistou um lugar na
nos primeiros dias. Na
Suas Grandezas e Misérias
Ulf chegar
história.
imensidão do Pacífico, este
Aquilino Ribeiro Figuras e episódios da
até ela antes
BERTRAND EDITORA
história portuguesa nos
do malvado
jovem luta pela sobrevivência
EDITORIAL PRESENÇA
e do tigre de Bengala.
tempos de Viriato, Afonso
na companhia da hiena, do orangotango, da zebra ferida
barão?
Quando já só resta o tigre, Pi
COLIBRI
percebe que juntos terão
Henriques, Dª. Isabel, D.
GESTÃO DE RISCOS DE
Pedro I,
SECA
Mestre de
maior hipótese de sobreviver!
Métodos, tecnologias e
SHIVER
Avis, Dª. Leonor, D. João III,
desafios
D. Sebastião, D. António I e
Luís Santos Pereira, João
Maggie Stiefvater Dois adolescentes, Sam e
D. José I, abordados de
Tiago Mexia, Carlos A. L.
Grace,
forma divertida e irónica pelo
vivem um
autor, um génio da literatura
Pires Visando a convivência com a
do séc. XX.
seca, a obra apresenta
sublime e
indicadores de seca e a sua
aparen-
variabilidade
temente
BOOKSMILE
amor
impossível.
espacial e ANDRÉ CABELO-EM PÉ: A
temporal
O GRANDE GATSBY
Na Primavera, Sam
COMPANHIA DOS MEDOS
aplicada ao
abandona a pele de
Guy Bass André tem amigos
nosso país e
F. Scott Fitzgerald Um retrato expressivo da
revela as
"idade do jazz". Gatsby
forma humana, mas a
misteriosos que vivem
ferramentas
personifica o materialismo
chegada do Inverno obriga-o
lobisomem e recupera a
debaixo da
para informação a
obsessivo e o desencanto do
a regressar à floresta e à sua
sua cama.
utilizadores de água e ao
pós-Primeira Guerra Mundial.
alcateia. Conseguirá o amor
No dia em
público em geral, a previsão
Riquíssimo e sem
superar este obstáculo? Uma
que conhece
orientada para a agricultura
escrúpulos preenche a vida,
aventura repleta de magia.
os novos
de regadio, os modelos de
tentando conquistar Daisy,
vizinhos,
apoio à gestão e a análise
uma paixão de juventude
DESTROÇOS
percebe de
económica da rega em
casada com o milionário
condições de seca.
Buchanan. Na busca do
James Bradley Terão sido os Portugueses os
imediato que há, entre eles,
amor, Gatsby encontra
primeiros a chegar à
Conseguirá ele salvar o
FILARMÓNICA DE
apenas o fim de um sonho.
Austrália?
mundo antes da malvada
ALEGRETE
Um clássico de 1925,
O Arqueólogo David Norfolk
transformar os humanos?
António Fernandes Delicado O percurso da Banda de
traduzido por José Rodrigues
procura, há
Miguéis.
sete anos, os
uma zombie E.T. carnívora.
UMA HISTÓRIA MESMO
Alegrete passado em revista
BESTIAL: O ÚLTIMO
e eternizado numa obra que
A VIDA DE PI
uma caravela
VAMPIRO
regista os acontecimentos
Yann Martel
do séc.XVI
restos de
David Sinden, Guy
que a
Pi, aos 16
Macdonald e Matthew
glorificaram.
anos, parte
Morgan Ulf, o pequeno Lobisomem,
O autor dá a
com a
A descoberta dos restos da
conhecer
família para
nave comprova a tese
tem como missão encontrar
uma
a América do
segundo a qual dois séculos
o lendário vampiro da selva.
instituição
Norte. O
antes de James Cook os
Mas Marackai também anda
cultural com
cargueiro
Portugueses teriam
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no Sudoeste da Austrália.
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desembarcado naquele
PELE
autor em Goa
pensamento matemático e
continente. Entretanto, o
e os diversos
filosófico. São histórias
que encontra sepultado na
Mo Hyder Quando o corpo de uma
episódios ali
divertidas sobre os
areia é algo bem diferente...
jovem é encontrado em
vividos.
matemáticos e suas
O autor tece com mestria
estado de decomposição às
Recorda a
excentricidades reunidas
uma base de investigação
portas de Bristol, tudo
forma como
numa abordagem a tocar a
histórica.
aponta para suicídio.
conquistou
psicologia.
Enquanto o inspector Caffery
EUROPA -AMÉRICA
esta civilização, as relações e
está no
amizades no ceio dos vários
encalço de
credos e a sua visão de Goa.
A RAINHA VITÓRIA
alguém que
Jacques de Langlade Vitória, coroada aos 18 anos,
se esconde e
reinou entre 1837 e 1901. Conhecida pela energia,
PAPIRO EDITORA PORTUGAL NO PRIMEIRO
GRADIVA
QUARTEL DO SÉC. XX
visto, Flea
NAS FRONTEIRAS DO
Graça Fernandes A obra descreve a história de
descobre
UNIVERSO
Portugal no
não quer ser
algo que lhe é próximo e que
João Caraça, Vítor Cardoso,
primeiro
regime
irá mudar o rumo dos
Paulo Crawford, Alfredo
quartel do
parlamentar,
acontecimentos. E, ninguém
Barbosa, Henriques, Robert
século XX.
dissimula sob
a poderá ajudar… nem
Destaca a
a máscara
mesmo o seu amigo Caffery.
Kennicutt, Yasser Omar Essencial para a investigação astrofísica, a
da
autoritarismo e respeito ao
austera os
implantação
2012 - CENÁRIOS PARA O
obra ilustrada com fotos
caprichos, impulsos e
FIM DO MUNDO
espaciais de rara beleza,
paixões.
reúne
por este ideal, bem como os
A presente biografia revela o
Didier Jamet e Fabrice Será que 21 de Dezembro de
contributos
que se notabilizaram na
carácter independente de
2012 é a data do fim do
dos mais
política, literatura, artes e
uma soberana que teve um
mundo? O rumor circula
conceituados
imprensa. Inclui, ainda, uma
dos maiores reinados da
incentivado pelo filme 2012,
especialistas
análise sobre a participação
história.
de Roland Emmerich,
da física e da
na I Guerra Mundial e a
astronomia,
preservação do espaço
múltiplos
segundo o qual fenómenos HISTÓRIA DO LADRÃO
astronómicos
nacionais e internacionais,
DO CORPO
raros e
que participaram na
Anne Rice O vampiro Lestat cansado da
intensos irão
conferência da Ciência da
ameaçar
Fundação Calouste
obscuridade deseja renascer
fatalmente o
Gulbenkian.
homem - pensar e sentir
planeta.
República e os anónimos que lutaram
ultramarino.
como um mortal - e, por
Uma análise científica
O CÉREBRO DO
isso, empreende uma
remete para os cenários
MATEMÁTICO
incursão apaixonada pela
catastróficos que irão pôr em
Os conceitos essenciais da
vida.
causa a nossa sobrevivência.
matemática e cérebros que
A forma como recorda as
Conseguirá a ciência
os criaram
CONTOS DA TIA MATILDE
sensações já esquecidas e a
determinar com exactidão o
percepção da fragilidade
fim do mundo?
David Ruelle A obra explica de modo
Matilde Luiz Quatro pequenos contos
humana, são
apelativo os
para partilhar segredos de
contadas no
FOLHETO EDIÇÕES
conceitos
vários amiguinhos reais e
romance com
& DESIGN
matemáticos
imaginários que o
em discussão
transportarão no comboio da infância.
toda a paixão e colorido que
GOA - 50 ANOS DEPOIS
e permite
caracteriza
António Borges da Cunha O livro regista a vivência do
conhecer os
Anne Rice.
processos de
Glória Lambelho MAR 2011 |
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ClubeTempoLivre > Cartaz
BRAGANÇA
COIMBRA
Berardo. Mais informações na
VIANA DO CASTELO
Agência Inatel. Entrudo
Música
Dias 6 e 8 – “Entrudo
Dia 20 às 17h - Concerto de
Teatro
Chocalheiro” pelo grupo de
Primavera pela Filarmónica Flor
Teatro da Trindade
Caretos de Podence, com
do Alva em Vila Cova de Alva
G
amador pelo distrito, no
forte animação e desfiles
Etnografia
ERA PESSOA
âmbito da iniciativa “Teatro
nas ruas da aldeia de
Dia 11 às 21h - “Aumentar
Até dia 26 - Sáb. às 16h
em Movimento”. Informações
Podence
das Almas” na Capela de N.
G
Folclore
Srª do Pranto em Vila de
JOSEPHINE BAKER
dia 6 – III Encontro de
Pereira; dia 27 às 16h -
Dias 11 e 12 às 21h
Folclore das Amendoeiras
“Enterro do bacalhau” pelo
G
em Flor em Mogadouro. Uma
rancho “As Moleirinhas” em
SÉRIO
iniciativa do Rancho
Cernache; dia 30 às 21h -
Dias 18 a 20 - 6ª e Sáb. às
Entrudo
Folclórico e Etnográfico de
“Serramento da velha” pelo
21h | Dom. às 16h
Dias 6, 7 e 8 - Entrudo dos
Mogadouro que inclui
Grupo Folclórico e Etnográfico
G
danças e cantares
de Arzila em Arzila.
Dias 25 a 27 - 6ª , Sáb. e
Lazarim; dias 6 e 8 às 15h -
transmontanos e divulgação
Pintura
Dom. às 21h
Desfile Carnavalesco e Dança
das amendoeiras em flor
Estão abertas as inscrições
G
como importante atracção
para o Curso de Iniciação à
A partir do dia 17 - 4ª a Sáb.
Viriato; dia 8 às 15h - Desfile
turística local.
Pintura, ministrado por Vasco
às 21h45 | Dom. às 17h
de Carnaval em Negrelos.
LISBOA HAVIA UM MENINO QUE
UMA NOITE COM
FERNANDO PEREIRA, A
VALE
CAMINHOS
Durante o mês realizam-se vários espectáculos de teatro
de datas e locais na Agência Inatel.
VISEU
Caretos de Lazarim, em
dos “Cus” em Cabanas de
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O Tempo e as palavras M a r i a A l i c e Vi l a Fa b i ã o
De habitante de um burgo a burguês desiludido Um pássaro apenas / canta. / O ar multiplica. / Ouvimos por espelhos. // Federico Garcia Lorca, Réplica, in: Poemas Sueltos. Obras Completas, Tomo I. Trad. MAVF
L
ogo na primeira infância lhe foi diagnosticado um caso raro de glossofilia congénita grave. Na idade em que outras crianças davam mostras de uma sensata economia de recursos linguísticos, limitando-se a emitir sons que os pais, tios e avós traduziam por mamã, papá, papa, avó Gertrudes, etc., ele pronunciava os vocábulos em toda a sua plenitude, repetia-os à saciedade, saboreava-os lentamente, fazendo-os saltitar, morfema a morfema, de papila em papila gustativa, até ensurdecer a família e levar o gato a refugiar-se na casota do mastim napolitano do vizinho. Era, de facto, incurável, aquela glossofilia, aquele desmesurado amor às palavras, com que foi crescendo, se licenciou e se doutorou em ciências da linguagem. Como sultão a cada mulher do seu harém, continua a amá-las a todas, em nenhuma delas encontra bem ou encontra mal, que bem ou mal são conceitos estranhos à linguagem. Ignora tabus, despreza eufemismos. Todavia… Tal como acontece entre os seres humanos, também no reino das palavras há as bem e as mal-amadas. Ou não fossem elas “seres vivos”, como fazem notar Victor Hugo, Darmesteter, Dauzat e tantos outros dos seus adoradores e, como tal, dadas a caprichosas mudanças de humor, a comportamentos irritantemente erráticos, ou a deixarem-se usar abusivamente de acordo com os interesses dos falantes. Quando assim é, sem deixar de as amar, foge-lhes, evita-as, dá-lhes oportunidade de desaparecerem mansamente do léxico nacional e da sua vida. Geneticamente amante do conforto e de um estilo de vida herdado, com o respectivo capital de apoio, de antepassados pertencentes à alta sociedade não trabalhadora, atravessara, muito jovem, a época revolucionária vitimizado por uma das suas amadas palavras, a que, em sua opinião, apenas a influência negativa de um tal senhor Marx fizera enveredar por mau caminho: BURGUÊS! De nada lhe valia, confessa, frequentar os ambientes mais progressistas, ler Kafka, perorar em público sobre O Capital, vestir jeans, andar de eléctrico e almoçar em tasquinhas, que
sempre de alguém ouviria o epíteto tornado ignominioso: BURGUÊS! Depois, para seu alívio, o tempo, ou as circunstâncias, que, a pouco e pouco foram nivelando padrões de vida, foram retirando protagonismo à palavra. Para não se destacar, passou a vestir de novo Armani, a conduzir um Bentley (e um Mini, e um Smart, e um…), e a frequentar tranquilamente os resorts em voga. A palavra, porém, lá estava, à espreita. Um pouco estremunhada, mas viva. E ressentida do abandono. Há dois dias, ao chegar ao pequeno parqueamento onde, por comodismo, deixara, como habitualmente, o carro atravessado, a ocupar dois lugares, deparou com um papel no pára-brisas, que, em tinta revolucionariamente vermelha, o acusava: “O senhor tem um carro de proleta, mas arruma como um burguês”. A tontura súbita - o regresso da mal-amada que julgara adormecida nos livros para sempre: BURGUÊS! No entanto, do que sabe da sua história pregressa, originalmente, burguês - bourgeois - era apenas a designação dada pela França ao orgulhoso morador de um burgo, palavra do germânico berg, elevação fortificada, segundo uns, ou, segundo outros, do grego purgos, torre de vigia, designando uma cadeia de fortificações fronteiriças onde residiam as guardas romanas. Sabe ainda, através do douto Fr. Joaquim de Santa Rita Viterbo, que, de França o conceito viera para Portugal com o Conde D. Henrique, com as grafias burgez e burguez, e ainda sob uma terceira forma, burgel, registada no foral de Constantim de Panóias, dado pelo Conde a sua mulher, a infante D. Teresa, no ano de 1096. Não sabe e não compreende, porém, o quando e o porquê da perda da inocência daquela sua palavra, da aquisição do seu actual sentido pejorativo. Em tempos atribuíra toda a culpa à nefasta influência do Sr. Marx, à eclosão de novas ideologias sociais, e à incompreensível culpabilização do grupo social a que pertencia. Hoje sabe da natureza inconstante das palavras. Desiludido, encolhe filosoficamente os ombros e conclui: Afinal, a glossofilia também já tem cura. I MAR 2011 |
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Os contos do
A Casa da Praia
U
m tempo sem medida vagueou pelas ruas observando tudo em volta com os olhos de espanto e desespero. Incomodou-o o riso de duas mulheres paradas à conversa e pensou nos dias da sua própria alegria, cega aos mistérios do futuro. E, agora, aquilo. Apertou entre as mãos geladas o envelope que lhe trouxera os resultados dos exames clínicos e da garganta saiu-lhe um urro de raiva. Mais raiva que tristeza. Dispunha de suficientes conhecimentos da linguagem médica para compreender, sem margem para dúvidas, o terrível diagnóstico. O que mais temia e sem direito à esperança. Carcinoma, que raio de palavra, e tão estupidamente avançado que não deixava perspectivas de recuo. Quanto tempo lhe restaria? Meses? Semanas? Apenas alguns dias nesse purgatório a que chamam cuidados paliativos? Esbofeteou-se na face como se pretendesse acordar de um pesadelo mas não se pode despertar da realidade. Nem o médico conseguiria disfarçar a evidência. Ainda o procurou no consultório para ouvir da boca dele a confirmação desnecessária. — O senhor doutor está doente – informou, contristada, a menina da recepção. Achou graça, um médico doente soa a contrasenso. — Estimo as melhoras – disse. — Quer que lhe marque consulta para a próxima semana, senhor Guilherme? — Não. Aliás, já nem preciso. Do que poderia ele precisar nesse indefinido troço final? De calma. Deveria reflectir nos previsíveis acontecimentos posteriores á sua morte. Tentou adivinhar a reacção de Madalena na hora da viuvez. Talvez conseguisse soltar com esforço, algumas lágrimas hipócritas. Nos últimos meses crescera-lhe a convicção de que a mulher a quem se unira quinze anos antes não sentiria mais que indiferença, se não alívio. E daí, para ser hones-
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to, deveria reconhecer que também ele deixara esmorecer o afecto por Madalena, E, no entanto, feria - o um ciúme violento quando observava manifestações de estima – só estima? – entre a mulher e o cunhado Luís, irmão único dele. Que poderia acontecer entre os dois, logo que ele saísse de cena? Imaginou-os no usufruto da Casa da Praia e a ideia doeu-lhe como um golpe de faca. Alto, aí não! A Casa da Praia era o grande amor da sua vida, acompanhara-a desde a construção, oferecera-lhe todos os mimos de decoração e conforto, ali encontrava a felicidade plena. Sobretudo nas fugas solitárias para aquele refúgio em que nada faltava – nem quadros de pintores famosos nem a visão soberba do oceano. Carcinoma galopante. O adjectivo não constava da sentença mas ele bem percebia que o relatório era um pré-aviso da morte que se aproximava a galope. Ia então desaparecer do mundo mas de nada nem de ninguém lhe custava tanto o desencontro fatal como da sua Casa da Praia. O fervilhar dos pensamentos empurrou-o a meter-se no carro e tomar a direcção do lugar onde mais sentira a alegria de viver. Passeou pelo areal deserto e deteve-se a olhar com mágoa a moradia branca com barras azuis no terraço virado para o mar. Nem deu pelo estender das ondas mansas que lhe molhavam os pés. Foi como quem procede a uma despedida amarga que entrou e percorreu as cinco divisões, a mente fotografando cada recanto, cada objecto, na ânsia sem tino de levar as imagens para a eternidade. Sentou-se no cadeirão predilecto e imaginou a Casa da Praia num amanhã sem ele e no consequente assalto de Madalena e seu presumível amante. Anteviu-os rindo-se enlaçados no terraço, deitados na cama que lhe pertencia. Soltou um urro de fúria. Que o fizessem noutro indiferente lugar, sem profanarem com a sua felicidade a infelicidade dele, escorraçado pela morte da amada Casa da Praia. Então, decidiu-se. Segurou a caixa de fósforos ANDRÉ LETRIA
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que repousava no rebordo da lareira, riscou um, a pequena chama cresceu quando se ligou às revistas colocadas na mesinha da sala. Deduziu que não seria suficiente e despejou no lume os frascos de álcool que sempre guardava na cozinha. O fogo fez-se labaredas que subiram pelos cortinados e pela estante dos livros companheiros. Saiu da casa, arrancou no carro para o morro sobranceiro à praia e aí deteve-se. Sofreu e riu-se ao ver em chamas a Casa da Praia, afinal morria com ele, ninguém ali iria aproveitar a sua definitiva ausência.
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Sobressaltou-se ao ouvir o toque do telemóvel e leu, no visor, Madalena. Sorriu e, maquinalmente, encostou o aparelho ao ouvido. A voz da mulher chegou-lhe gritada, numa excitação: — Guilherme! É a terceira vez que ligo e tu não atendes! Ligaram do laboratório a informar que houve um erro, uma troca nos resultados dos exames. Os que tu recebeste não são teus. Estás óptimo, querido! Continuou a falar, entre risos, mas ele já não ouvia. Todo se concentrava na visão da Casa da Praia transformada numa tocha gigantesca. E então, chorou. I MAR 2011 |
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Crónica
Silêncios egípcios Humberto Lopes
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C
orreria vã do Cairo a Dahab, a travessia do Sinai até Nuweiba, um pequeno porto do Golfo de Aqaba. No ferry para a Jordânia já não cabe nem um percevejo. A solução é passar a noite em Nuweiba e esperar pelo próximo barco. De manhã cedo, com o sol do Sinai já em fogo, depois dos trâmites na bilheteira, segue-se uma série de sinuosidades burocráticas. Um amplo armazém faz as vezes de sala de embarque. O barco larga, oficialmente, ao meio-dia. Quase um milhar de passageiros e uma lógica de apartheid: de um lado, estrangeiros, sobretudo gente das margens do Golfo (jordanos e sauditas), desafogada, possidente de meios e afins; do outro, um abismo de deserdados, egípcios de rostos curtidos e trouxas modestas de emigrantes. A partida tardou até ao anoitecer. Sem vestígios de impaciência no armazém - sala - de - espera. Uma espera humilde, humilhada. É assim todos os dias, diz-me Sameh, um egípcio do Suez que trabalha na Arábia Saudita. O impasse goza sempre de variado fundamento: atraso na saída do barco de Aqaba, águas revoltas no golfo, ventos fortes do deserto saudita. Ou avarias. Numa parede, uma fotografia gigante de general. Mubarak, triunfal, acena. Uma ou outra vez, a massa de gente acerca-se do portão do cais. Um rumor: embarque iminente. Mas é um rumor, apenas um rumor. Um polícia grandalhão, de pistola à cinta, refaz num ápice a clareira diante da porta. Move-se como um pistoleiro texano e nem sequer tira as mãos dos quadris para empurrar os passageiros (egípcios). Investe e atropela com profissionalismo: um dos passageiros estatela-se e reergue-se devagar, com o treino de uma deferência secular. Sem ponta de indignação ou poeira de azedume, sempre de olhos fixos no chão. Outros aguentam o assalto unipolicial, oscilam como canas de bambu e cedem terreno à autoridade. E todos eles, todos, de olhar colado ao chão, como se a passagem para Aqaba, a liberdade de passar o golfo, fosse um favor do Estado egípcio ou um mimo do matulão fardado e de pistola na cinta, e não um direito consignado no artigo 13º da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Hora do embarque. O grandalhão distribui mais empurrões para impor a parcela local da ordem mundial. Abrissem alas. Os estrangeiros, os aliados e os possidentes seriam os primeiros. É sempre assim, repete Sameh. A multidão de deserdados aguarda, cabisbaixa, dócil, disciplinada, que transitem os prioritários. Semanas depois, em Alexandria, relaxo ao sol na esplanada de um dos cafés populares da rua Sayed Karim. Em frente reside um edifício de ar colonial, caduco, ostensivo e de mau agoiro: um tribunal. A certa altura surgem várias carripanas da polícia, um tanto semelhantes às dos canis. Pelas grelhas das janelas mal passa a luz. São cinco ou seis veículos. Um julgamento colectivo? Ninguém sabe dizer. Nas mesas vizinhas observa-se a cena com interrompidos cachimbos de água nas mãos. Nos passeios juntam-se mirones. O alarido alastra, aumenta, fermenta. Agita-se gente à volta das carrinhas - familiares ou amigos, talvez, dos prisioneiros. Aos gritos da rua respondem falas, abafadas, vindas do interior dos veículos. As carrinhas celulares desaparecem no pátio do edifício. Minutos depois retorna a calma. Demoram-se alguns curiosos, à conversa, antes de desmobilizarem. Mas falta um último acto, um final sem majestade. Uma última viatura aproxima-se dos portões. Numa das janelas, atrás da malha fina da rede, rompe um rosto. Uma mulher jovem, de lenço branco, perscruta a rua, a multidão. Os olhos acesos demoram o tempo de uma faúlha: é uma busca de relance, tímida, sem fé. Cá fora, nada, apenas um silêncio de ausências. Não veio ninguém, um familiar, um amigo. Ninguém veio para este último acto. Ninguém com um aceno, um olhar, uma palavra. A turba desanda. Volta o retinir das colheres nos copos de chá, redobram as fumaradas dos cachimbos. Os mirones vão à sua vida, os portões do decrépito tribunal fecham-se atrás de polícias e réus. Ainda dura no tempo a pergunta: que imperdoável delito terá ditado aqueles terríveis instantes de solidão da mulher de lenço branco, naquela rua subitamente tão solidária de Alexandria? I
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