Compartilhando a Arte de Brincar

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Compartilhando a Arte de Brincar A experiência do Espaço Compartilharte no fortalecimento da convivência comunitária



Compartilhando a Arte de Brincar A experiência do Espaço Compartilharte no fortalecimento da convivência comunitária


Sistematização e texto: Patrícia Monteiro Lacerda Edição: Fernanda Favaro Projeto gráfico: Fernando Vianna Revisão de Texto: Renato Potenza Leitura crítica: Adriana Friedmann Apoio técnico: Priscila de Andrade Fernandes Fotos: Divulgação Espaço Compartilharte

Ficha Catalográfica elaborada pelo Centro de Documentação da Fundação Abrinq _____________________________________________________ L14c Lacerda, Patricia Monteiro Compartilhando a arte de brincar: a experiência do Espaço Compartilharte no fortalecimento da convivência comunitária / Patricia Monteiro Lacerda. – São Paulo: Fundação Abrinq, 2007. ISBN 978-85-88060-27-2 1. Direitos da Criança e do Adolescente. 2. Educação Infantil. I. Título.

CDD: 370.28

09.04.07 000001 _____________________________________________________ Bibliotecária – Elisangela Alves Silva – CRB8/7126

Todos os direitos desta obra reservados à Fundação Abrinq Avenida Santo Amaro, 1.386 Vila Nova Conceição – CEP 04506-001 São Paulo – SP www.fundabrinq.org.br


COMPARTILHANDO A ARTE DE BRINCAR A experiência do Espaço Compartilharte no fortalecimento da convivência comunitária

Assessoria de Captação de Recursos Assessor: Victor Alcântara da Graça Equipe: Cristiane D. Rodrigues, Fernanda Pereira Bochembuzo, Marina Biagioli Manoel, Milene de Oliveira Sousa Silva, Silvia Troncon Rosa e Tatiana Cristina Antunes da Silva Assessorias de Relações Institucionais e Técnico-Jurídica Assessora: Daniela de Aquino Coelho Assistentes: Ester Gammardella Rizzi, Fernanda Reis Guarita, Helder Delena e Tatiana de Jesus Pardo

Conselho de Administração Presidente: Carlos Antonio Tilkian Secretária: Maria Ignês Bierrenbach Membros: Albertina Duarte Takiuti, Antonio Carlos Ronca, Boris Tabacof, Carlos Eduardo Moreira Ferreira, Daniel Trevisan, Eduardo José Bernini, Eduardo Resende Melo, Heloisa Sampaio Machado, João Nagano Júnior, José Carlos Grubisich, José Eduardo P. Pañella, José Roberto Nicolau, Lourival Kiçula, Luiz Henrique Proença Soares, Paulo Afonso Garrido de Paula, Paulo Saab, Regina Helena Scripilliti Velloso, Renata Camargo Nascimento, Roberto Teixeira da Costa, Synésio Batista da Costa, Therezinha Fram e Vitor Gonçalo Seravalli

Direito à Proteção Integral Coordenadores: Abigail Silvestre Torres (programa Prefeito Amigo da Criança e projetos De Olho no Orçamento Criança e Presidente Amigo da Criança) e José Carlos Bimbatte Jr (programas Empresa Amiga da Criança; Adotei um Sorriso e Prêmio Criança) Equipe: Adelaide Jóia, Ana Aparecida Frabetti Valim Alberti, Andrea Santoro Silveira, Daniela Queiroz Lino, Elaine Cristina Rodrigues Barros, Eliana Maria Ribeiro Garrafa, Ivone Aparecida da Silva, Márcia Cristina Pereira da Silva Thomazinho, Maria Francisca Palma Pinto, Mônica Takeda, Priscila de Andrade Fernandes e Roberta Soares Rossi

Conselho Fiscal Membros: Audir Queixa Giovanni, Francisco da Silva Coelho, José Francisco Gresenberg Neto e Márcio Ponzini Conselho Consultivo Presidente: Jorge Broide Vice-presidente: Miriam Debieux Rosa Membros: Antônio Carlos Gomes da Costa, Araceli Martins Elman, Dalmo de Abreu Dallari, Edda Bomtempo, Geraldo Di Giovanni, Isa Guará, João Benedicto de Azevedo Marques, Lélio Bentes Corrêa, Leoberto Narciso Brancher, Lídia Izecson de Carvalho, Magnólia Gripp Bastos, Mara Cardeal, Maria Cecília C. Aranha Lima, Maria Cecília Ziliotto, Maria de Lourdes Trassi Teixeira, Maria Machado Malta Campos, Marlova Jovchelovitch Noleto, Melanie Farkas, Munir Cury, Norma Jorge Kyriakos, Oris de Oliveira, Percival Caropreso, Rachel Gevertz, Rosa Moyses, Rubens Naves, Silvia Gomara Daffre, Tatiana Belinky e Vital Didonet

Espaço Compartilharte Diretoria Diretora-presidente: Maria de Lourdes Castro Oliveira Diretor Vice-Presidente: Roberto Sabato Cláudio Moreira Junior Conselho Fiscal: Aécio Salviano de Souza Jaíra Reis Núbia Correa

Comitê Gestor Coordenador Geral e Presidente do Conselho de Administração: Carlos Antonio Tilkian Coordenador Financeiro e Presidente da Instituidora: Synésio Batista da Costa Secretária do Conselho de Administração: Maria Ignês Bierrenbach Presidente do Conselho Consultivo: Jorge Broide

Secretaria Executiva Mariana de Castro Moreira Comitê Gestor Adilciléa da Conceição, Cristiane do Couto, Cristina Lídia Bertoche, Maria de Lourdes Castro Oliveira, Mariana de Castro Moreira, Lucia Helena Münch.

Superintendência Executiva

Equipe do Programa Adilciléa da Conceição, Adriana de Oliveira Couto, Aline de Barros Pereira, Antonia Claudia de Melo, Cristiane do Couto, Cristina Lídia Bertoche, Daniele da Conceição Paiva, Ellidon

Superintendente: Sandra Amaral de Oliveira Faria Superintendente Adjunto: Fernando Teixeira Mendes Filho Secretaria: Rita Bassani Martins e Sandra Silva


da Fonseca Ferreira, Eliesio dos Santos Medas, Joelma Medas da Silva, Lorena Junia de Barros Martins, Lucia Helena Münch, Margarete de Barros Pereira, Maria de Fátima de Melo Marreiro, Maria de Lourdes Castro Oliveira, Mariana de Castro Moreira, Verônica Fabrício Dias. Entrevistados e participantes das oficinas de sistematização: crianças, adolescentes, jovens, familiares e comunitários de Canoas, Varginha, Prata dos Aredes e Socavão. Adilciléa da Conceição, Adriana Cabral, Adriana de Oliveira Couto, Aécio Salviano de Souza, Aline de Barros Pereira, Ana Claudia França dos Santos, Antonia Claudia de Melo, Aparecia Maria Carvalho Araújo, Artur Pinheiro de Oliveira, Cristiane do Couto, Cristina Lídia Bertoche, Conselho Tutelar de Teresópolis, Daniele da Conceição Paiva, Darlete Fernandes de Oliveira, Dra. Inês Joaquina Sant´Ana Santos Coutinho, Ellidon da Fonseca Ferreira, Eliesio dos Santos Medas, Fabiana da Silva Valadares, Flavio Etyene França dos Santos, Grassiela da Silva, Iracema Toledo Torres Motta Braga, Irene Marques Alves, Jaira Rosa da Silva, Joelma Medas da Silva, Maria Luiza Branco Nogueira, Lídia Gomes Cortes, Lorena Junia de Barros Martins, Lucia Helena Münch, Luciana de Oliveira, Luciana de Oliveira Turl, Luciene da Costa Silva, Marcele Muniz, Marcelo de Abreu Maciel, Margarete de Barros Pereira, Maria de Fátima de Melo Marreiro, Maria de Lourdes Castro Oliveira, Maria do Carmo de Oliveira Theodoro, Maria Regina Gallo de Oliveira, Mariana de Castro Moreira, Marizete Gonçalves Beherendt, Nilse Karas, Neusa Karas, Odivan Silveira Huck, Paulo César de Souza Pereira, Rafael Rodrigues da Silva, Renilda Cabral, Roberto Sabato Cláudio Moreira Junior, Rondinele Peçanha Cardoso, Rosangela Aparecida Batista Fernandes, Sandra da Silva Oliveira, Suzidarli Pimentel Xavier, Verônica Fabrício Dias, Yuri Gomes Cortes. Espaço Compartilharte Estrada Isaías Vidal, 9100 - Canoas - Teresópolis-RJ Para correspondência: Caixa Postal 92.799 CEP.: 25.953-970 - Teresópolis / RJ Tel./Fax: 21-2644-6001 ou 6177 E-mail: presidencia@espacocompartilharte.org.br ou rel.institucionais@espacocompartilharte.org.br Site: www.espacocompartilharte.org.br São Paulo, junho de 2007.


Sumário Introdução

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Contexto da iniciativa 15 História do Espaço Compartilharte 21 Filosofia, estratégia, e estrutura do 29 Espaço Compartilharte Desenho do programa 35 Descrição da prática 59 Metodologia

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Marcos conceituais

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Linha do tempo

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Reflexões

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Resultados

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Perspectivas

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Bibliografia

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Introdução Imagine um lugar coberto de mata atlântica, com riachos limpos, montanhas imponentes, borboletas, ipês, orquídeas e bromélias brotando na beira do caminho. Agora, imagine ali um espaço onde as crianças diariamente aprendem brincando, têm uma alimentação saudável, planejam visitas às casas umas das outras, assistem e apresentam espetáculos de teatro e, de vez em quando, celebram com suas famílias e vizinhos as grandes e pequenas conquistas do dia-a-dia. Esse lugar, conhecido como Espaço Compartilharte (EC), fica na localidade de Canoas, zona rural de Teresópolis (RJ). Pelo Programa Compartilhando a Arte de Brincar, a organização mereceu o Prêmio Criança 2004, concedido pela Fundação Abrinq, na categoria Convivência Comunitária. Podemos pensar que, num cenário desses, a harmonia das relações humanas surge tão naturalmente quanto a mata nativa da região. Mas a verdade é que esse cenário se concretiza a partir de muito trabalho. É, de fato, uma conquista quando confrontado com os dados da realidade local, como mostra o quadro abaixo:

Dificuldades enfrentadas em Teresópolis . Óbitos infantis por falta de UTI e atendimento médico. . Falta de creches que atendam às necessidades das crianças e de suas mães. . Aumento do tráfico de drogas devido ao desemprego e à discriminação sofrida pelos jovens, carentes de um programa oficial para tratamento de dependentes químicos. . Colégios em crise disciplinar, muitos deles prejudicados por instalações inadequadas. Professores vítimas de alunos que não recebem apoio familiar e alunos vítimas de professores desestimulados em seus ideais. 5. Jovens sem acolhimento e educação adequada são impulsionados para a gravidez precoce. 6. Estradas em estado precário criam obstáculos à condução de estudantes. E estudantes sem condução por falha do serviço público. 7. Uma única psiquiatra para atendimento de todas as crianças e adolescentes do município. Agendas superlotadas no setor administrativo da saúde mental, sem atendimento psicológico conseqüente. 8. Ausência de abrigos para adolescentes. Fonte: Baseado na Conferência CMDCA de Teresópolis proferida por Inês Joaquina Sant’Ana Santos Coutinho, Juíza Titular da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca, em 22 de junho de 2005.Óbitos infantis por falta de UTI e atendimento médico.

Para enfrentar e transformar a situação que produz esses sinais de alerta é preciso, muitas vezes, contrariar interesses estabelecidos e confrontar a cultura da indiferença e do individualismo. Assumir a ética da interdependência como princípio de ação é uma empreitada arriscada, afinal, distribuir poder é tão importante quanto distribuir renda.


O presente trabalho tem como objetivo sistematizar os fazeres e saberes que vêm sendo construídos desde a chegada dos fundadores do Espaço Compartilharte à região de Teresópolis. Sua missão é “promover o desenvolvimento humano através da atenção integral a crianças, adolescentes e familiares, com ações nas áreas de educação e cultura, saúde e meio ambiente, capacitação e geração de renda, onde a conquista da cidadania se concretiza na vivência cotidiana de valores e direitos humanos” . Os profissionais do Espaço assumiram o risco de transformar a dinâmica e a realidade das crianças e famílias de Teresópolis com um trabalho curioso à primeira vista. Eles vieram brincar com todo mundo. Para eles, a arte do brincar traz à tona talentos e potenciais de crianças, famílias e comunidades, mostrando a riqueza que existe mesmo na situação de pobreza material. A conquista do direito de brincar é fruto do reconhecimento da importância dessa atividade no desenvolvimento de habilidades, competências e potencialidades humanas. Para garanti-lo, o poder público e as iniciativas privadas voltadas para a infância devem promover as condições adequadas de tempo, locais, acessibilidade, materiais e acompanhamento para que a brincadeira cumpra suas possibilidades. Portanto, proporcionar, desenvolver e preservar o direito da criança e do adolescente de brincar é um ato político de conquista da cidadania. Dentre as muitas questões relativas à infância, o brincar tem sido visto consensualmente como instrumento privilegiado de acesso ao mundo da criança e de acesso da criança ao mundo (Winnicot, 1971; Friedmann, 1992; Kishimoto, 1998). Brincando, a criança interage com as outras pessoas e consigo mesma. Por essa razão, brincar passou a ser um direito da infância protegido por declarações e leis:

Declaração dos Direitos da Criança ONU, 1959 “Toda criança terá direito a brincar e a divertir-se, cabendo à sociedade e às autoridades públicas garantir a ela o exercício pleno desse direito.”

Constituição Federal Brasil, 1988 Capítulo II – Do direito à liberdade, ao respeito e à dignidade “o brincar legaliza-se juridicamente como garantia, acompanhado do direito de opinião e de expressão.”

Estatuto da Criança e do Adolescente Brasil, 1988 Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: IV - brincar, praticar esportes e divertir-se   Missão Institucional do Espaço Compartilharte.   Em 1989, a Assembléia Geral das Nações Unidas adotou a Convenção dos Direitos das Crianças, cujo artigo 31 afirma “O direito ao descanso e ao lazer, a participar de brincadeiras e atividades recreativas apropriadas para a idade da criança e a participar livremente da vida cultural e das artes”. (http://www.ipausa.org/history.htm)

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O Programa Compartilhando a Arte de Brincar entendeu esse recado e foi mais longe. Para além de sua garantia como direito básico da criança, a iniciativa transformou essa atividade em um poderoso veículo de convivência comunitária, dentro de uma articulação em que ganham as crianças e a própria comunidade.

DIREITO À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA

“As palavras têm significado: algumas delas, porém, guardam sensações. A palavra comunidade é uma dessas. Ela sugere uma coisa boa: o que quer que comunidade signifique, é bom ter uma comunidade, estar numa comunidade. “ Zygmunt Bauman, 2001, p. 7 A doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente introduzida pelo art. 227 da Constituição Federal de 1988 relaciona o direito à convivência familiar e comunitária como um dos direitos fundamentais a ser resguardado às crianças e aos adolescentes, pela família, sociedade e Estado. Esse direito é reiterado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Art. 4º – “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.” Art. 19 – “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária (...).”

Também chamado Programa Brincar ou simplesmente Brincar.

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Isso significa o reconhecimento de que a família é o primeiro círculo de proteção e que deve assegurar integridade física, psicológica e moral à sua descendência. Nem as estruturas familiares menos tradicionais, nem a condição econômica da família são motivos suficientes para privar as crianças deste convívio. Assim como a palavra comunidade evoca sentimentos, a palavra família também o faz. Tanto a família quanto a comunidade são espaços de afetos, acolhimentos e diferenças. Idealmente, os conflitos que acontecem na família e na comunidade deveriam ter como pressuposto a boa vontade dos outros: se caímos, esperamos que alguém venha nos dar a mão; se erramos, poderemos receber o perdão, afinal, estamos ali para amparar e sermos amparados. É na convivência familiar e comunitária que as crianças têm a chance de experimentar e desempenhar papéis sociais. No entanto, quando lugares de proteção e cuidado – a família, a escola, as instituições policiais –, se tornam fontes de agressão e violência, um sentimento de insegurança e fragilidade se apodera das pessoas. Para pensar a busca por segurança num mundo onde a sensação inversa é crescente, Zygmunt Bauman reflete sobre como a cultura da individualidade nos leva a sonhar com o colo seguro de uma comunidade ao mesmo tempo em que esse sonho parece cada vez mais distante. Depois de examinar a complexidade de viver em um mundo que respeite a diversidade e a liberdade individual, o sociólogo polonês conclui: “se vier a existir uma comunidade no mundo dos indivíduos, só poderá ser (e precisa sê-lo) uma comunidade tecida em conjunto a partir do compartilhamento e do cuidado mútuo; uma comunidade de interesse e responsabilidade em relação aos direitos iguais de sermos humanos e igual capacidade de agirmos em defesa desses direitos” Bauman, 2001:134.

O Prêmio Criança e o Espaço Compartilharte O Prêmio Criança 2004 adotou como critérios, na categoria Convivência Comunitária, a valorização de iniciativas que: . Desenvolvessem nas crianças o conhecimento e a valorização de sua comunidade. . Integrassem espaços e equipamentos sociais existentes na comunidade. . Promovessem a interação com a comunidade e não apenas ações entre muros sem relação com o contexto ao seu redor. . Promovessem o fortalecimento dos vínculos comunitários através de uma proposta pedagógico-cultural constituída. 5. Promovessem a integração de pais e outros responsáveis adultos com suas crianças e entre famílias de uma mesma comunidade. 6. Estimulassem o brincar coletivo dentro de uma comunidade.

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Nessa lógica, os programas premiados deveriam funcionar como mediadores na promoção da relação criança–família–comunidade de forma que, tanto a criança se reconhecesse como um membro do grupo social no qual se inseria, quanto a comunidade se responsabilizasse pela formação e proteção de suas crianças. Essa visão enfatiza a importância do capital social, ou seja, que além do capital econômico, os fatores de ordem social, institucional e cultural têm impacto direto na produção de melhores formas de interação social. Milani, 2005.

O trabalho do Espaço Compartilharte, e em especial do Programa Compartilhando a Arte de Brincar, ajuda a construir a comunidade possível, pensada não como um conceito geográfico, mas como uma rede de relações de cuidado mútuo. Nessa linha, compreende-se que a melhor política para cuidar das crianças, principalmente as que se encontram em situação de risco, é promover orientação e apoio sociofamiliar, de modo que elas tenham as condições mínimas indispensáveis ao exercício do pátrio poder. Por sua vez, as famílias estão inseridas num contexto maior que precisa ser levado em consideração. O direito à convivência familiar está intimamente vinculado ao direito da convivência comunitária, logo as políticas de família devem estar inseridas, também, no bojo de políticas de desenvolvimento comunitário. O direito das crianças à convivência comunitária é pensado como a conexão de vários núcleos familiares numa rede comunitária de proteção integral, ou seja, a construção de uma mentalidade de que somos co-responsáveis pelos direitos dos outros, sobretudo, dos mais vulneráveis. Só assim os membros das famílias que atravessam dificuldades podem sentir-se amparados não apenas pela lei, mas por uma trama de vínculos afetivos.

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Contexto da iniciativa “Antes de começar a obra eu estava havia 15 dias parado. (...) Tenho uma filha que veio para cá com dois anos e agora ela vai entrar para a escola. As crianças saem daqui bem adiantadas. O Espaço Compartilharte também ajuda muito aos pais, para que eles possam trabalhar. Fazer essa obra aqui é diferente de trabalhar em outros lugares, porque esse é um espaço que ajuda todo mundo da comunidade.”

Reginaldo Oliveira Costa, 24 anos, morador de Prata dos Aredes

A REGIÃO A cidade de Teresópolis pertence à região serrana do estado do Rio de Janeiro e está situada no topo da serra dos Órgãos, a 98 quilômetros da capital. Sua população é de 138.067 habitantes (IBGE, 2001) distribuídos em três distritos. O 1º Distrito, onde está localizada a sede do município, concentra cerca de 83% da população. No 2º Distrito residem aproximadamente 10 mil habitantes e o 3º Distrito, que compreende as localidades de Canoas, Varginha, Socavão e Prata dos Aredes abriga em torno de 13 mil moradores. O Espaço Compartilharte fica em Canoas, que tem uma população estimada em 1.800 habitantes . Viver numa zona rural tão próxima da segunda maior cidade do país tem sua especificidade. Não chega a ser uma periferia, mas há forte influência do modo de vida urbano, transformando a região num híbrido de campo e cidade. A proximidade geográfica faz com que a convivência entre crianças e adolescentes rurais e urbanos seja constante. No entanto, a distância material e simbólica é grande entre ambos. A sedução de uma vida de consumo abundante acende os sonhos de mudança para a capital, e a histórica ausência de serviços básicos de educação, saúde e transporte nas zonas rurais conspira ainda mais para a crueza das desigualdades. Esse olhar desencantado dos adultos para o futuro, seus e de seus filhos, é um forte traço cultural regional que o Espaço Compartilharte diagnosticou e vem ajudando a desnaturalizar. Construir opções baseadas numa cultura de direitos ajuda a abalar a idéia de que as pessoas são aquilo que possuem, recapacitando os mais pobres a sonhar com um futuro mais igualitário e promissor.

CANOAS, MOSTRA A SUA CARA Em 2000, o Censo Populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) não passou por todas as localidades de Teresópolis. Diante dessa situação, os membros da comunidade e os gestores do Espaço Compartilharte decidiram   Essa última localidade pertence ao 1º Distrito, mas que, em razão de estar ligada por estrada a Canoas, foi agregada a essa última comunidade.   Fonte: Pesquisa realizada por moradores para a criação da AMACAPAV (Associação de Moradores de Canoas, Prata dos Aredes e Varginha), em 1998.   Considerando os dados do Censo 2000 (IBGE), os cerca de 32 milhões de pessoas que residem na área rural encontram-se em franca desvantagem, tanto em termos de capital físico (recursos financeiros), quanto de capital sociocultural (escolaridade e freqüência à escola) em comparação aos que residem na área urbana (INEP, 2003).

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fazer o recenseamento da população de Canoas, colhendo informações que contribuíssem para a caracterização da sua gente e de sua história. Esse esforço ficou conhecido como Censo Comunitário Compartilharte (CCC, 2001).

O CCC 2001 revelou que a renda média mensal dos adultos não chegava a dois salários mínimos, sendo que as mulheres recebiam cerca de 40% menos que os homens pelo mesmo tipo de trabalho. As ocupações remuneradas predominantes eram: caseiro, para ambos os sexos; pedreiro e serviços gerais, para os homens; e doméstica, para as mulheres. Entre as mulheres, 35% se declararam “do lar”, portanto, sem nenhum tipo de renda própria. A categoria “outras ocupações”   Essa síntese de dados do Censo Comunitário Compartilharte refere-se a uma amostra aleatória de quarenta casas.   Na época, não foi possível formar um banco de dados do Censo. As mais de trezentas fichas preenchidas foram lidas, alguns dados foram compilados manualmente e um mapa foi produzido, identificando 102 casas nas quais viviam noventa crianças.

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teve índice de 43% tanto para homens quanto para mulheres, sugerindo um grande contingente de desempregados e/ou subempregados. Com relação a esses trabalhos declarados, o CCC 2001 mostrou também que boa parte não tinha cobertura dos direitos trabalhistas elementares, como o registro em carteira. O fato de mais pessoas (36%) morarem nas casas dos patrões, como caseiros, do que nas suas próprias casas (34%) aumenta a dependência da relação de trabalho, uma vez que perder o emprego significa também ficar desabrigado. Outra situação comum aos caseiros é o trabalho concentrado nos fins de semana, quando não há escola ou creche para deixar os filhos. Isso faz com que as crianças fiquem sozinhas ou sob os cuidados de irmãos mais velhos, situações que contribuem para o aumento do risco de acidentes domésticos, entre outros problemas. Já entre aqueles que não encontram emprego, mesmo como caseiros, uma alternativa comum é ocupar terras improdutivas, abandonadas ou em fase de inventários presentes na região, derrubando a mata nativa para plantar culturas de subsistência. No entanto, esse tipo de solução, além de ilegal e ecologicamente danosa, torna a vida das famílias ainda mais vulnerável, uma vez que elas correm o risco de serem retiradas das propriedades a qualquer momento.

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Os dados do CCC 2001 apontaram para uma forte correlação entre a falta de alternativas de trabalho e/ou a informalidade dos vínculos trabalhistas e a rotatividade das famílias na região. Menos da metade dos entrevistados (48%) nasceu em Canoas/Teresópolis e o tempo médio de residência na região era de 8,8 anos, numa população adulta com média etária de 32,5 anos. Isso mostra que boa parte dos habitantes tinha se instalado recentemente na área, a partir de movimentos migratórios ligados à busca de trabalho e sobrevivência. Talvez por esse traço migratório marcante, o CCC 2001 detectou que 17% dos entrevistados declararam não ter amigos na vizinhança e 22% disseram “ter alguma dificuldade com os vizinhos”, caracterizando uma comunidade ainda com fragilidades ou cisões nas relações internas.

INFÂNCIA NA REGIÃO “Como era minha vida antes do Espaço? Minha vida era muito triste. Beijos, beijinhos, beijões, da aluna Joana.”

Depoimento de Joana aos 8 anos, atendida desde os 4 anos

Com relação às crianças de 0 a 6 anos , o Censo Comunitário Compartilharte 2001 apurou que 56% delas não freqüentavam nenhuma instituição educacional e, entre as que freqüentavam, praticamente todas eram atendidas no Espaço Compartilharte através do Programa Compartilhando a Arte de Brincar. O CCC 2001 trouxe informações que ajudaram a caracterizar traços da infância e das condições de brincar em Canoas. Contrariando a representação de que a zona rural é um lugar espaçoso e seguro para as crianças brincarem, constatou-se que é raro encontrar espaços públicos (praças, parques, largos, casas de cultura etc.) destinados ao esporte, lazer e recreação. A condição da maioria das moradias era de poucos cômodos e muitos moradores, o que dificultava o brincar coletivo. Além disso, a atividade de brincar era vista pela população como algo que não servia para nada , num universo onde, até pouco tempo atrás, o trabalho infantil tinha um peso inegável na estrutura de tarefas e renda das famílias e, mais grave, era visto como um valor moral. Para piorar, havia uma grande rejeição, também, aos momentos em que as crianças brincavam juntas, pois elas faziam “muito barulho, bagunça e sujeira”, incomodando os adultos que tinham uma rotina extenuante. Assim, era entre o manuseio de foices, enxadas, produtos agrotóxicos e outras atividades que as expunham a riscos de acidentes que as crianças precisavam achar brechas para suas brincadeiras.   Segundo dados do Censo Escolar 2005 – MEC/INEP – em Teresópolis existem seis instituições pré-escolares na zona urbana e nenhuma na zona rural.   Os indivíduos que trabalharam quando crianças tendem a permitir ou exigir que seus filhos pequenos também trabalhem, o que dá origem a um círculo intergeracional de valorização do trabalho infantil (Souza, 2003).   Em termos proporcionais, a incidência do trabalho infantil é maior nas áreas rurais do que nas áreas urbanas, tanto para meninos quanto para meninas (Souza, 2004).

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Os pais não tinham tempo livre para a convivência com os filhos e não achavam que isso fosse um problema. Mesmo nas escolas, as brincadeiras não eram valorizadas e o ensino era feito, segundo os alunos, de um “jeito chato”. Outro aspecto identificado pelo Censo Comunitário Compartilharte 2001 foi a desnutrição de crianças e jovens que, apesar de viverem numa área produtora de hortaliças, não tinham o hábito de comer verduras e frutas. Além do retrato do trabalho, das relações comunitárias e do brincar na comunidade, o CCC 2001 trouxe à tona alguns indícios de violência doméstica contra mulheres e crianças, e relatos de abuso sexual. O trabalho mostrou, também, que gravidez na adolescência poderia ser considerada a regra na localidade, e não a exceção. Estas e outras informações serviram de base para o desenho do Programa Compartilhando a Arte de Brincar, conforme veremos adiante.

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História do Espaço Compartilharte Não há como explicar Mas eu tentarei dizer Como foi que ele nasceu Pra você não se esquecer Um alguém iluminado Que aqui veio morar E que desde que chegou Tudo começou a mudar Começou em sua casa Todo mundo a convidar Pra uma pequena festinha Para amigos conquistar E comprou um terreninho E começou a construir Reuniu a garotada Para todos seduzir E agora o Espaço Cresceu com um ideal De salvar o mundo inteiro E tudo o que há de mal Já te disse muita coisa Mas se queres descobrir O restante da história Tens que aparecer aqui Agora eu vou terminando Que meu tempo já acabou E nós aqui do Espaço Te esperamos com amor! Odivan Silveira Huck

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MITO DE ORIGEM O rap do Odivan, adolescente atendido pelo Espaço Compartilharte, narra a origem e o desenvolvimento do Espaço Compartilharte. Logo na segunda estrofe aparece “um alguém iluminado” que ali foi morar. Essa personagem é uma mulher chamada Maria de Lourdes Castro Oliveira. Lurdinha, como muitos a chamam, foi criada numa daquelas casas aberta aos amigos, cheia de crianças pelas salas, que tem sempre espaço para brincadeiras. Seu pai, uma referência em sua vida, faleceu quando ela tinha apenas 14 anos, mas sua presença permaneceu inspirando os passos da filha que, em sua memória, firmou o compromisso pessoal, no princípio difuso, de cuidar de “meninos e meninas”. O tempo passou, a moça se engajou em movimentos sociais e virou profissional em Belo Horizonte, Brasília e Rio de Janeiro, sempre inventando muita moda: fazendo mobilização comunitária para cuidar do Patrimônio Histórico; levando os excluídos para os museus; colocando Joãozinho Trinta no Teatro Municipal do Rio de Janeiro pela primeira vez, só para citar alguns exemplos. Pois de tanto imaginar, acreditar e realizar, acabou confiando bastante nos próprios sonhos. O marco zero dessa empreitada, como nos adverte Odivan, “não há como explicar, mas eu tentarei dizer”. “A verdadeira história não é crível pelos incrédulos, para os que cultuam o racionalismo. E, por absurdo que possa parecer, num certo momento, antes de chegar onde o Espaço Compartilharte se localiza, chegou a não ser crível por mim mesma. (...) Mas, o curioso é que, para os incrédulos ou exageradamente racionalistas, com poucas horas de convívio na instituição, a história passa a fazer sentido. E perguntam mais, querem detalhes, aguçam a curiosidade e sempre voltam, querendo compartilhar mais da experiência.”

Lurdinha Castro, 2004 - História do Espaço Compartilharte Mariana Castro Moreira, co-fundadora do Espaço Compartilharte, enfatiza que aquele é um “espaço de abrir espaço para o sonho e o desejo das pessoas”. Não é à toa que um lugar cuja vocação é despertar sonhos e desejos tenha tido início, portanto, em um sonho. Acredite quem quiser, foi dormindo que Lurdinha começou a ser transportada para o projeto que viria a se realizar. Havia uma paisagem recorrente nos seus sonhos, um terreno em forma de triângulo, uma montanha de pedra tendo no topo uma mata desmoronada de um lado apenas. A imagem era tão nítida que Lurdinha tomou-a como uma informação científica. Com uma amiga, saiu em busca da pedra reveladora até que, depois de muito caminhar, ela a encontrou.

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“Ainda 1991. Setembro. Encontro a montanha de pedra, o topo caído de terra e, no que dela sobrou, uma pequena mata. Caminho por entre as areias, pedras pequenas e outras não tão pequenas, dentro do rio, subo uma encosta, chego ao talude aberto, coberto por vegetação rasteira, mais alguns passos, encontro a mina que jorra da terra formando um riacho quase em paralelo ao rio. Meu coração bate forte parecendo que vai fazer o peito explodir. Seguro na mão de minha amiga Sheila Riera e não preciso dizer nada. Eu reconheço esse lugar que havia descrito inúmeras vezes, tantas, que ela também tem a certeza de que, enfim, o encontrei. Volto até o carro, onde ficaram dois corretores e digo “Este terreno é meu. Quero ver a documentação”. Um deles abre uma pasta e tira alguns papéis e a planta da terra. Vejo, entre crédula e incrédula, a última confirmação do sonho. A terra à venda é um triângulo. Deixo-os na sede do município, distante uns cinqüenta minutos de carro, e dirijo-me ao Soberbo, região de entrada na cidade de Teresópolis, no topo de uma montanha de mesmo nome. Sentome. Ao meu lado, Sheila. Entro em oração, agradecendo pelo encontro com aquela terra e pedindo orientação para os próximos passos. Sinto, naquele momento, que a persistência na busca forjou em mim uma coragem para começar uma nova caminhada. Dinheiro para a compra da terra eu não tinha. Essa idéia me angustia por momentos. Recobro o espírito meditativo. Recebo uma orientação. Procure o Paulo César, que ele será seu companheiro nessa nova jornada. Volta à racionalidade: “Mas o Paulo César, amigo da Sheila? Não sei o que ele tem a ver com isso”. Porém, sem discutir comigo mesma, entro no carro, descemos a serra, chego ao Rio, ligo para ele, encontramo-nos. No dia seguinte, um domingo às sete horas, estávamos novamente nessa terra. Durante algumas semanas, subi naquele morro com meus filhos, outros amigos, para pisar na terra do sonho e reafirmar a experiência mística e o encontro com a espiritualidade, dentro da pujança da Mata Atlântica. E, então, a compramos juntos para iniciar o que hoje é o Espaço Compartilharte.”

Lurdinha Castro, 2004 - História do Espaço Compartilharte 23


As primeiras atividades foram iniciadas ainda em 1991 por um grupo de sete pessoas: Lurdinha, seus dois filhos Mariana e Beto, e os amigos Sheila Riera, Paulo César de Souza Pereira, Márcia Romano e Aécio Salviano de Souza. Com idades e trajetórias de vida muito diferentes, eles tinham em comum o desejo de retribuir e compartilhar, com outras pessoas, tudo aquilo que a vida havia lhes proporcionado. Nos fins de semana, o grupo subia a serra para preparar a construção da Chácara Nova Era e de um projeto que eles não sabiam muito bem qual seria. Os primeiros contatos com a comunidade foram travados na busca por um trabalhador que os ajudasse a tirar do terreno parte dos lírios do brejo que brotavam nas margens da cachoeira. Assim, chegaram ao seu Gigi , um homem simples que se mostrou ávido pelo serviço. “Na primeira sexta-feira, subimos para fazer o pagamento e lá estava ele, sentado, numa parte alta e seca do terreno, cabeça baixa, cigarro de palha na boca. Seus três filhos, Ronaldo de 11 anos; Cleiderson, de 9, e Lucimara , de 3, mergulhados no brejo até as axilas, algumas tábuas à volta, fazendo o serviço contratado. Com toda a autoridade de “contratante” e sabedoria advinda de anos de estudo acadêmico, militância política e sucesso profissional, falei: “Fulano, você foi contratado para o serviço. Suas crianças estão em horário de escola e em vez de estarem em aula, estão fazendo esse serviço brutal por você? Você tirou esses meninos da escola para trabalharem por você?”. Ao que ele, calmamente, tirando o cigarro da boca, respondeu: ‘Tirei, sim, dona, pois aqui nóis nasci, nóis veve e nóis morri prá rancá lírio di brejo e prá isso ninguém precisa aprendê’ “.

Lurdinha Castro, 2004 - História do Espaço Compartilharte Os “contratadores” pararam ali, percebendo que a fala de seu Gigi representava todo um universo cultural, toda uma filosofia de vida. Eles entenderam, naquele momento, que se quisessem interagir com aquela gente, era melhor aprender a escutá-la. E foi assim que Lurdinha nomeou Gigi como seu primeiro mestre em Canoas, mestre aqui entendido como pessoa capaz de ensinar algo fundamental à outra. Escutar não significava aderir ou naturalizar a exploração infantil. Aquela cena e aquelas palavras ficaram martelando o grupo, incitando-os a pensar em alguma coisa para transformar a situação. Eles sabiam que culpar aquelas pessoas pela sua própria ignorância em relação a direitos que mal tinham sido promulgados de nada iria adiantar. Mas também não poderiam ficar de braços cruzados. Anos mais tarde, refletindo sobre a experiência, Mariana sintetizou o que os guiou no momento inicial, e que acabou virando um conhecimento instituído do Espaço Compartilharte. “Olhar a realidade na qual se pretende atuar é o ponto de partida que permitirá uma primeira aprendizagem. Em seguida, ir ao encontro daqueles que vivem esta realidade – reconhecendo seus saberes e fazeres – é a possibilidade de relacionar o que foi visto de forma ampla com aquilo que é singular, particular. Este movimento é o que permite perceber a comunidade não só como detentora de dificuldades, mas, fundamentalmente, como campo de possibilidades e potencialidades que a colocam como o principal ator na construção de sua transformação.” Mariana Castro Moreira, 2006   Quando ainda não havia estatuto legal, as atividades aconteciam na casa de Lurdinha, que se chamava Chácara Nova Era.   Nome fictício.   Nomes fictícios.

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OLHAR A REALIDADE O primeiro passo foi caminhar pelas redondezas e conversar com as pessoas: “– Falamos de desejos. – Desejos? – De futuro. – Futuro? – De direitos. – Direitos? O que é isso, dona? “

Lurdinha Castro, 2004 - História do Espaço Compartilharte Depois da aproximação com algumas famílias, o grupo foi em busca de serviços públicos que servissem à população . De um lado, encontraram uma escola multisseriada, com alta taxa de evasão escolar. De outro, a ausência de educação infantil, de transporte público, de Conselho Tutelar, de notificação de infreqüência escolar e de trabalho infantil e, o pior, da descrença em qualquer possibilidade de superação dessas dificuldades. Quando todas as portas pareciam fechadas, começaram a aparecer crianças atraídas pela curiosidade. Elas vinham ver as obras no terreno, faziam algumas perguntas, riam e, da mesma forma que chegavam, saíam correndo. A cada semana, o número de crianças aumentava, aos poucos começavam a conversar mais, contar das suas vidas e suas famílias. Foi então que o grupo dos sete resolveu planejar um encontro para passar o dia com aquelas crianças e adolescentes. Mas para fazer o quê? Para fazer o que faziam com os próprios filhos, com os sobrinhos e consigo mesmos – BRINCAR! Assim eles fizeram várias vezes, e o trabalho com as “meninas e meninos” começou a ganhar forma. “No Rio, o grupo de amigos já mobilizado reuniu-se para planejar tudo, das comidas às brincadeiras e rodas de conversa. No final da tarde, depois do horário de serviço, encontraram-se e subiram a serra carregados de bolos, salsichas e molho, pães cortados, balas, pirulitos, biscoitos, papéis, lápis de cor, giz de cera, tintas, revistas para recortar, papel de dobradura, livros de estórias e muita alegria. No porta-malas dos carros vinham também colchonetes, roupas de cama e banho e objetos de higiene pessoal. Chegamos por volta de 21 horas. Chovia torrencialmente. Entramos na casa sem portas, janelas, banheiros ou luz. Acendemos velas, estiramos os colchonetes, sentamo-nos e passamos a noite rindo de nós mesmos. A tempestade não passava. A vontade de ir ao banheiro aumentava. Que banheiro? Como não pensamos em nada disso? E mais risos, porque já diziam os antigos, rir é o melhor remédio. O dia foi clareando. Tínhamos a certeza de que, pela intensidade da chuva e do frio, não apareceria criança alguma. Como estávamos equivocados! Antes das 6 e meia elas já eram várias. Às 8 horas, já eram 28, todas capitaneadas por Ronaldo, Cleiderson e Lucimara.”

Lurdinha Castro, 2004 - História do Espaço Compartilharte

Nota-se que desde o primeiro momento existia no grupo a consciência da necessidade de uma “avaliação diagnóstica” das demandas sociais e dos serviços prestados àquela população.

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Para superar o abismo que se interpunha entre o mundo dos que chegavam de fora e o dos moradores da região, o grupo dos sete amigos lançou mão da linguagem universal do riso, do divertimento, da brincadeira, da música e do afeto. As crianças adoraram, mas logo ficou claro que o trabalho só seria efetivo se a família estivesse incluída. Cada criança foi um guia até seus pais, irmãos e vizinhos. A comunidade abstrata foi ganhando rostos, nomes, histórias. Diferente do que tinha sido imaginado, a estratégia não partiu de um grande coletivo, mas de alguns poucos indivíduos. Eles perceberam, enfim, que o ideal de “salvar o mundo inteiro” começava por conhecer quem eram Ronaldo, Cleiderson e Lucimara, seus pais, amigos e até seus inimigos.

DA EXPERIMENTAÇÃO À INSTITUCIONALIZAÇÃO “Foi permitido que nós entrássemos nas Canoas. Nossa proposta é navegarmos juntos...”

Mariana Castro Moreira, 1999 Os encontros informais foram ficando mais constantes. Entre 1992 e 1993, as crianças e os adolescentes eram convidados a passar um domingo por mês na Chácara Nova Era, com atividades de arte e brincadeiras dirigidas. A partir de 1994, as famílias passaram a ser convidadas para encontros quinzenais a fim de conversar, se conhecer e brincar, e as mulheres formaram um grupo para falar sobre si, seus medos e desejos, além de aprender atividades que pudessem gerar alguma renda. O grupo dos sete amigos foi sendo cada vez mais acolhido e os moradores começaram a demandar mais atividades com as crianças. Assim, em 1995, as portas da Chácara passaram a se abrir quatro dias na semana para trabalhar com um grupo de 78 crianças e 32 adolescentes. Os recursos para o atendimento vinham de ações de amigos, familiares e dos próprios fundadores. As atividades foram se estruturando e, em 1996, nasceu o Espaço Compartilharte como Organização da Sociedade Civil de Fins Não Econômicos. Em seu estatuto, ela declara: “Entende-se por políticas públicas toda sorte de atividade ou planejamento que seja de caráter público e que se reverta em benefícios diretos ou indiretos à população como um todo, independentemente do fato de contar ou não com a presença do poder público constituído”. A formalização do EC propiciou a estruturação de propostas mais permanentes de trabalho e a busca de parceiros para viabilizar tais projetos. Uma das parcerias fundamentais nesse início foi com o BNDES, que possibilitou a construção de uma sede para as atividades. Essas atividades, por sua vez, passaram a ter uma intenção estratégica mais clara.

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Filosofia, estratégia e estrutura do Espaço Compartilharte A base da filosofia do Espaço Compartilharte está calcada na crença de que um mundo mais fraterno, justo e igualitário é um direito e compete a cada um de nós construí-lo. As idéias de Jesus Cristo, São Francisco de Assis, Gandhi, Betinho, Frei Betto, Che Guevara, Paulo Freire, entre outros líderes espirituais e políticos, além dos princípios contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na Constituição Brasileira (1988) e no Estatuto da Criança e do Adolescente, constituem a base da proposta de Educação em valores e direitos humanos do EC. A proposta trabalha com três grandes linhas de ação, a saber: . Didática amorosa: tem como referência a Didática da Amorosidade, de Paulo Freire, na qual educadores e educandos são sujeitos da construção do conhecimento e vão aprendendo a dinamizar, através de atitudes afetuosas, a própria aprendizagem. . Transmutação: concebe a educação como instrumento de transformação pessoal e social, produzindo mudanças sucessivas na realidade trabalhada e transformando impotência em potência, ignorância em luz. . Simplicidade e praticidade: é a aprendizagem através da prática, de forma simples, criativa e de acordo com a realidade socioeconômica e cultural da comunidade. Essas linhas de ação põem em jogo a Pedagogia do Amor. A atitude amorosa acontece, por exemplo, quando alguém desperta, em uma outra pessoa, sua consciência sobre seus méritos, suas riquezas e seus direitos, de uma maneira delicada e afetuosa. Esse olhar amoroso abre caminho para conversas, brincadeiras e atividades que reacendem sonhos os quais não vingariam no solo arenoso da baixa auto-estima. São sopros simples como estes, na hora certa, que acolhem e alimentam a vontade de viver e lutar. Por mais idealista que isso possa parecer, essas práticas são concretas e costumam ter muita força de transformação. A Pedagogia do Amor se desdobra, entre outras coisas, numa Proposta Político-Pedagógica Institucional (PPPI) que está sendo construída desde os primeiros anos de existência do Espaço Compartilharte, e hoje contempla os seguintes pontos: . Utilizar a música, o teatro, a literatura, as artes plásticas, a capoeira, as brincadeiras, os jogos e os conhecimentos específicos para o desenvolvimento de uma Educação em Valores e Direitos Humanos. . Perceber a comunidade não só como detentora de dificuldades, mas, fundamentalmente, como campo de possibilidades e potencialidades que a colocam como o principal ator na construção de sua transformação. A aposta no protagonismo juvenil é uma importante expressão dessa visão. . Partir do conhecimento da realidade e das demandas daquelas pessoas para construção de um projeto coletivo de transformação pessoal e social. . Buscar a auto-sustentabilidade do projeto com vistas à autonomia da comunidade na gestão das iniciativas que lhes dizem respeito.

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5. Criar uma cultura de monitoramento, avaliação e sistematização para a apropriação dos conhecimentos construídos dentro da Educação em Valores e Direitos Humanos, com ênfase nos Direitos da Criança e do Adolescente e Responsabilidade Social e sua possível difusão para outras cidades e estados brasileiros. Para operacionalizar a missão, os princípios, os objetivos e a proposta político pedagógica, o Espaço Compartilharte atua em quatro áreas, chamadas Veredas: 1) Educação e Cultura; 2) Geração de Trabalho e Renda; 3) Saúde e Meio Ambiente; e 4) Desenvolvimento Institucional. Há uma lógica de interdependência entre as ações das Veredas, como veremos adiante, na descrição do Programa Compartilhando a Arte de Brincar ou, simplesmente, o Brincar. A unidade básica de atendimento dos programas é a família, com atividades específicas para as crianças (ex. educação infantil), para os adolescentes e jovens (ex. atividades complementares à escola formal e de protagonismo juvenil), para os pais ou responsáveis (ex. geração de renda) e para seus vizinhos e amigos (ex. mobilização comunitária). Porém, o Programa Brincar atua de forma transversal articulando esses diversos públicos. As veredas abrigam os seguintes programas e projetos:

1 – VEREDA DA EDUCAÇAO E CULTURA: Programa Compartilhando a Arte de Brincar Programa de Educação Complementar em Valores e Direitos Humanos - Projeto Espaço nas Escolas - Projeto Protagonismo Juvenil - Projeto Artes Integradas - Projeto Trilheiros - Projeto Festival Internacional de Cinema Infantil - Projeto Mobilização Comunitária - Projeto Veredas da Convivência Familiar e Comunitária - Projeto Espaço Promotor de Saúde - Projeto Protagonismo Juvenil e Inclusão Digital na Vara da Infância e Juventude. 2 – VEREDA DA GERAÇAO DE TRABALHO E RENDA - Projeto Oficina Social - Projeto Rede de Artesãos 3 – VEREDA DO DESENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL Programa Integrado de Gestão do Conhecimento Programa Integrado de Capacitação e Consultoria em Responsabilidade Social e Voluntariado Programa Integrado de Capacitação e Consultoria em Direitos da Criança e do Adolescente 4 – VEREDA DA SAÚDE E DO MEIO AMBIENTE Projeto Vereda do Desenvolvimento Sustentável da Comunidade de Canoas: Um Projeto Demonstrativo de Conservação da Mata Atlântica

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FLUXO DECISÓRIO DO ESPAÇO COMPARTILHARTE

A figura acima ilustra o funcionamento do Espaço Compartilharte. Os círculos coloridos e numerados de um a quatro representam as Veredas, que são geridas por um Comitê Gestor (CG), órgão colegiado que se dedica a planejar, acompanhar e avaliar todos os processos de gestão, programas e projetos institucionais. O CG é designado pela Assembléia Geral e composto pelo Presidente, pela Secretaria Executiva (SE) e por mais quatro pessoas físicas, sendo três delas do quadro técnico e administrativo mais uma representante dos beneficiários. A Secretaria Executiva ocupa um lugar de mediação, integração e acompanhamento dos programas, projetos, equipes, relacionamento com parceiros e Assembléia Geral. Juntos, o Comitê Gestor e a Secretaria Executiva deliberam sobre o planejamento institucional definindo e acompanhando diretrizes e estratégias que possibilitem a operacionalização da missão, visão, valores e objetivos institucionais e consolidação da sustentabilidade.

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ESTRATÉGIAS DE SUSTENTABILIDADE

Como a grande maioria das organizações sem fins lucrativos, o Espaço Compartilharte vive a necessidade permanente de busca de recursos para seu funcionamento. As estratégias utilizadas para viabilizar os programas, dentre eles o Brincar, são as seguintes: 1. Parcerias institucionais: apoio financeiro de organizações governamentais, não-governamentais ou privadas. Exemplos: Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Intelig, Instituto Desiderata, Ancar – Gestão Integrada de Shopping Centers e Concessionária Rio-Teresópolis. 2. Parcerias e alianças estratégicas: apoio por meio de recursos técnicos, humanos, produtos ou serviços de organizações governamentais, não-governamentais ou privadas. Exemplos:  Projeto “Xepa” – Mobilização de hortifrutigranjeiros locais que doam, semanalmente, frutas e hortaliças para o cardápio alimentar das crianças e dos educadores. A mesma estratégia se dá junto a açougues e comerciantes locais de produtos naturais.  Apoio da agência de comunicação Casa do Cliente na produção e atualização de folhetaria, site, material didático etc.  Mutirão para construção do prédio sede do Programa Brincar. Um promotor público direcionou seu primeiro salário para a obra, empresários locais contribuíram com materiais de construção e pais contribuíram com serviços de acabamento.   O Espaço Compartilharte recebeu, na categoria Comunicação Integrada, o Prêmio ABERJE 2005 (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial). A premiação valoriza a excelência da comunicação empresarial no Brasil.

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 Doação de veículos para transportar educadores e crianças no trajeto casa–

Espaço–casa, pelos funcionários de uma empresa com a qual o EC desenvolvia trabalhos na área de responsabilidade social e voluntariado.

3. Clube de sócios: Pode-se contribuir como sócio-contribuinte ou sócio-padrinho. Na primeira opção, a pessoa física ou jurídica repassa ao EC a quantia mínima de R$ 30,00 mensais. Na segunda, doa R$ 180,00 por mês para uma criança ou adolescente assistido pelos programas. 4. Mobilização comunitária: comunitários e familiares das crianças atendidas também contribuem com a sustentabilidade do Programa Brincar, doando produtos ou serviços. Eles prestam serviços voluntários, como ampliação e/ou manutenção das instalações (parque, cerca, jardins etc.), seleção dos legumes e verduras doados pelos hortifrutigranjeiros e cultivo da horta. 5. Geração de recursos próprios:  Organização de bazar comunitário.  Organização de eventos de divulgação institucional e captação de recursos (jantares beneficentes, rifas, leilões etc.).  Comercialização de produtos artesanais provenientes de programas de geração de trabalho e renda.  Venda de serviços de capacitação e consultoria em áreas como: responsabilidade social e voluntariado; Estatuto da Criança e do Adolescente; o brincar como ferramenta social e educativa e de gestão social. Além de gerar recursos, as estratégias de sustentação financeira têm um caráter socioeducativo, contribuindo para que empresas, cidadãos, famílias e comunitários participem ativamente das atividades voltadas para a garantia de direitos de crianças e famílias da zona rural de Teresópolis.

Valores referentes a dezembro de 2005.

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Desenho do programa PORQUE PRIVILEGIAR O BRINCAR? “Depois do Espaço comecei a ficar mais interessada na minha vida.”

Depoimento de Renata, 9 anos, atendida pelo EC desde os 6 anos

A forma encontrada pelo Espaço Compartilharte para desenvolver as relações familiares e comunitárias e garantir os direitos das crianças foi o brincar. Mas por que o brincar? A resposta está na ponta da língua dos participantes do programa: I - Porque brincar vem do latim e significa laço, vínculo, união. As formas de vinculação representam uma possibilidade de ruptura com situações de vulnerabilidade, proporcionando a criação de outras maneiras de agir:  Entre pais e filhos  Entre famílias  Entre a comunidade e a cultura da região. II – Porque brincar é a uma das linguagens constitutivas da infância: O brincar não é uma técnica para lidar com crianças. Brincar é valorizar o “mundo da infância”, sua inventividade, sua criatividade, sua liberdade de experimentação. É a legitimação de uma linguagem e de um território onde se dão aprendizagens e a expressão do potencial criativo de cada um. III – Porque brincar é também um ato de cidadania: O brincar é uma forma de subjetivação – instrumento primeiro da construção ativa da cidadania – onde a criança, o adolescente, o educador ou familiar que brinca torna-se sujeito da própria história. O “brincante” nunca é passivo, nunca é “brincado” por outra pessoa. Quem brinca faz escolhas, negocia, reinventa o mundo à sua volta, reinventando-se. IV – Porque brincar é um instrumento de educação integral: Longe de simples ocupação do tempo livre, o brincar insere-se dentro de uma proposta educativa estruturada, realizando uma ruptura com ações ou abordagens assistencialistas. Isso requer duas atitudes: primeiro, a desconstrução da idéia que brincar é “perda de tempo” e, segundo, a incorporação do brincar como fundamental para a promoção do desenvolvimento infanto-juvenil corporal, criativo, cognitivo e emocional. Isso se dá, sobretudo, a partir da criação de espaços e momentos coletivos de brincar, reunindo crianças e seus familiares, e comunitários.

Baseado em texto de Mariana de Castro Moreira, junho de 2004

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EQUIPE E ESTRUTURA FÍSICA O Programa Compartilhando a Arte de Brincar conta com a seguinte equipe (2005):  um coordenador de educação;  um coordenador de convivência comunitária;  um coordenador de sistematização e disseminação;  três educadores infantis;  uma estagiária; um educador de transporte;  dois educadores sociais;  um voluntário, e  dois jovens participantes do programa Protagonistas Juvenis. Todas as instalações da organização foram construídas em um terreno de 19.800 m², com cerca de 13.000 m² de mata atlântica primária. Equipamentos:  1 prédio sede, com 220 m², equipado com cozinha, salas de trabalho, biblioteca e centro de informática;  1 quadra coberta com dois vestiários e um depósito;  1 prédio, especificamente voltado às atividades com crianças pequenas em alvenaria e madeira (ver quadro abaixo);  Teatro Raízes da Roça, voltado à promoção de cursos, palestras, eventos culturais e educativos. O prédio dedicado às crianças é composto por duas salas de igual dimensão que são separadas por uma porta de madeira instalada sob trilhos, o que dá versatilidade ao espaço. Pode-se planejar o trabalho no grande salão (80 m²) ou em duas salas (40 m² cada). Mesas e cadeiras não são fixas, a fim de possibilitar a organização do trabalho individual, em duplas, em pequenos grupos ou em um grande círculo que comporte todas as crianças. Cartazes, brinquedos e demais materiais ficam na altura das crianças, estimulando a autonomia e a co-responsabilidade no planejamento e execução das atividades.

Três pessoas da equipe do Programa Brincar fazem parte do CG: o coordenador do programa, o coordenador de convivência familiar e comunitária e uma mãe beneficiária.

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OBJETIVOS DO PROGRAMA COMPARTILHANDO A ARTE DE BRINCAR E FORMAS DE AÇÃO Objetivo geral: contribuir para a promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, em especial, além dos direitos à convivência familiar, comunitária e ao brincar, por meio de projetos e ações que visam à proteção integral. Para atender esse objetivo, o Programa Brincar está estruturado em três eixos: Eixo 1 Promover os direitos básicos das crianças, em especial os de convivência familiar e comunitária e de brincar. Como?  Prestando atendimento direto às crianças, adolescentes e familiares através de

projetos estruturados segundo diagnósticos específicos.  Informando as famílias acerca de seus direitos e dos direitos das crianças.  Desenvolvendo formas de mobilização comunitária que criem um senso de interdependência e co-responsabilidade de uns pelos outros.

Eixo 2 Oferecer formação continuada em cuidado e educação aos profissionais do EC e da comunidade do entorno; bem como às famílias das crianças participantes do programa. Como?  Oferecendo cursos e formação em serviço para toda a equipe dos programas de

atendimento direto às crianças e seus familiares.

 Orientando e capacitando os grupos familiares a compreender melhor sua

situação e buscar saídas de forma organizada e cidadã.  Criando espaços de participação para que a comunidade exercite as habilidades de diagnosticar, negociar e acompanhar suas necessidades.  Organizando seminários e cursos nas escolas locais e junto à Vara da Infância e da Juventude e aos fóruns locais e regionais. Eixo 3 Avaliar e registrar as aprendizagens relevantes, com vistas a disseminá-las, contribuindo na formulação de políticas e projetos de proteção integral. Como?  Desenvolvendo processos sistemáticos de registro e monitoramento de

ações diretas.

 Elaborando materiais didáticos, publicações e espetáculos que possam inspirar

outras iniciativas.

 Registrando informações sobre a comunidade e seus direitos de cidadãos  Implantando um banco de dados.

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QUADRO SÍNTESE TIPO DE ATIVIDADE SEGUNDO EIXO X PÚBLICO-ALVO Eixo/Público EIXO 1 EIXO 2 EIXO 3 PROMOÇÃO DOS DIREITOS À CONVIVÊNCIA FAMILIAR E COMUNITÁRIA E DE BRINCAR

CRIANÇAS DE 2 A 6 ANOS

FORMAÇÃO CONTINUADA

Reuniões pedagógicas semanais

Atendimento diário em atividades de educação infantil (incluindo Cursos, oficinas e transporte e seminários afins alimentação)

AVALIAÇÃO E REGISTRO DAS APRENDIZAGENS

Acompanhamento e registro de atividades e desenvolvimento das crianças Sistematização das aprendi-zagens

Oficinas e eventos sociais e educativos Visitas domiciliares FAMILIARES (IRMÃOS ADOLESCENTES E JOVENS E PAIS/ RESPONSÁVEIS)

Encontro de familiares Reuniões de orientação e apoio sociofamiliar

Oficinas, cursos e palestras de orientação sociofamiliar Formação de jovens protagonistas

Implementação do banco de dados

Grupo de mulheres Oficinas e eventos sociais e educativos COMUNIDADE (VIZINHOS, PROFESSORES, PARENTES DISTANTES ETC.)

Organização de alternativas de geração de trabalho e renda Rede de proteção integral (RPI)2

Formação continuada de educadores nas escolas da região Formação de conselheiros de direitos e tutelares Formação para a RPI

Recenseamento Manual de serviços e políticas públicas Sistematização de processos que possam inspirar políticas públicas

Passaremos a descrever as ações empreendidas de acordo com os públicos-alvo, identificando o diagnóstico dos obstáculos encontrados, os objetivos traçados e as estratégias para alcance dos objetivos. Como o volume de atividades é grande, muitas delas serão citadas sem muito detalhamento. Em seguida, exemplificaremos com mais informações como as atividades mais importantes alcançam os vários públicos e se integram.

Baseada na idéia da Proteção Integral expressa pelo Artigo 227 da Constituição Federal, a Rede de Proteção Integral do EC é uma proposta para garantir os direitos, a autonomia e o empoderamento comunitário através da articulação de ações locais em rede (Moreira et alli, 2006:70).

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1–AÇÕES COM FOCO NAS CRIANÇAS DE 2 A 6 ANOS: OBSTÁCULOS Desconhecimento e desrespeito aos direitos básicos das crianças. Falta de políticas e serviços de educação infantil na região. Falta de espaços de convivência adequados para as crianças(crianças brincando sozinhas ou expostas a riscos de acidentes). Ausência de transporte público regular (longa distância entre os domicílios). Naturalização do trabalho infantil.

Falta de pessoal formado e capacitado para cuidar-educar crianças, na região.

Desnutrição e hábitos alimentares pouco saudáveis (comprovação de alta taxa de desnutrição, fome, pediculose, escabiose e doenças respiratórias).

OBJETIVO Disseminar o entendimento do conceito de educação e proteção integrais. Possibilitar o acesso de crianças ao direito à educação e cultura desde a primeira infância. Fazer do EC um ambiente educativo de acordo com uma visão de educação integral. Viabilizar a freqüência das crianças às atividades através da oferta de transporte casa–EC–casa. Erradicar o trabalho infantil. Proporcionar ações de formação continuada à equipe3 e às famílias, repensando e renovando as formas locais de pensar-fazer educação. Estimular a prática de planejamento, registro, monitoramento, avaliação, sistematização. Contribuir para a mudança de hábitos de higiene, alimentação e de cuidados com a saúde.

PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS DE AÇÃO COM FOCO EM CRIANÇAS DE 2 A 6 ANOS 1.1 – Ações de educação infantil Na ausência de creches e pré-escolas na região, mas sem pretender substituir o poder público, a gestão do Espaço Compartilharte decidiu oferecer transporte e atendimento diário a um grupo de quarenta crianças por ano, com idades entre 2 e 6 anos. A idéia é proporcionar condições para o desenvolvimento sóciocognitivo-motor dessas crianças, através de experiências institucionais e de convivência comunitária, que tenham valor educativo e consigam sensibilizar pais e membros da comunidade para a importância de lutar pelos direitos educacionais de seus filhos.   Contribuir para a mudança de hábitos de higiene, alimentação e de cuidados com a saúde.   Essa visão se alinha ao conceito de educação integral que vem sendo retomado no bojo da discussão sobre qualidade na educação. É bom não confundir educação integral com educação em tempo integral, pois embora o tempo de permanência na instituição escolar seja importante, uma educação que se diz integral deve ampliar seus espaços de experimentação e considerar que as crianças devem ser vistas e estimuladas em todo o seu potencial (biológico-cognitivo-social-subjetivo-cultural), e não de maneira fragmentada e parcial (Caderno Cenpec 2 – 2006).

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1.1.1 – Proposta pedagógica Trabalhando com a Pedagogia de Projetos o EC elege, a cada ano, um tema básico que é trabalhado em todas as Veredas e Programas. Alguns exemplos: 2001 – A COMUNIDADE Desdobramentos: recenseamento da população infanto-juvenil da comunidade atendida, através de amplo trabalho de visita domiciliar e cadastramento das famílias e seus dados socioambientais. Reconhecimento, valorização e resgate dos costumes e saberes locais. 2002 – ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Desdobramentos: realização do projeto Arraial dos Direitos, onde foram trabalhados os cinco direitos fundamentais: direito à vida e à saúde; direito à liberdade, respeito e dignidade; direito à convivência familiar e comunitária; direito à educação, cultura, esporte e lazer; e direito à profissionalização e proteção no trabalho. 2003/2004 – CULTURA BRASILEIRA Desdobramentos: a pergunta disparadora “Você tem fome de quê?”, levou à grande pauta de discussão nacional – a fome como carência ou privação alimentar aliada à miséria e à desigualdade social. O trabalho resultou em um posicionamento político no sentido daquilo que nos impele à ação, e não no sentido partidário. Materializando a proposta, elegeu-se Candido Portinari (no ano de seu centenário) como o grande mestre que retrata as várias fomes de nosso povo. 2005 – A CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS E FORMAS DE CONVIVÊNCIA Desdobramentos: pretendeu-se criar um sentido de pertencimento e de responsabilidade sobre a nossa casa inicial (nosso corpo), a nossa casa comunitária e a nossa casa planetária, vislumbrando cuidados, transformações e possibilidades de convivência. Esses projetos temáticos vão configurando um currículo de educação em valores humanos. Um bom exemplo de como ele é trabalhado na prática é o Arraial dos Direitos. Trata-se de uma adaptação da festa junina com o objetivo de trabalhar o Estatuto da Criança e do Adolescente de maneira lúdica e com envolvimento comunitário. No quadro ao lado, consta um rápido roteiro de atividades do evento:

Concepção de ensino aprendizagem que aproxima os alunos do seu contexto social através do desenvolvimento do senso crítico, da pesquisa e da resolução de problemas.

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GINCANA DOS DIREITOS DUAS ETAPAS:  Tarefas preparatórias a serem cumpridas parcialmente antes da festa.  Tarefas surpresa a serem cumpridas durante a festa.

TRÊS EQUIPES:  São João, São Pedro e Santo Antonio. POSSÍVEIS TAREFAS:  Pesquisar a história da festa junina e recontá-la de forma criativa (teatro, painel, música, jogral etc.) no dia da festa.  Pesquisar a história dos santos e o motivo de eles serem padroeiros das festas juninas.  Pesquisar na comunidade e trazer para a festa a receita e uma pequena amostra de um prato típico de festa junina.  Pesquisar na comunidade e trazer para a festa um causo, piada ou lenda da região sobre festa junina.  Pesquisar na comunidade e trazer para a festa uma música ou músico local que toque uma canção de festa junina.  Trazer para a festa um casal caipira tipicamente vestido.  Trazer um talento da comunidade e sua manifestação junina (alguém para tocar, dançar, contar uma historia etc.). EXEMPLOS DE ATIVIDADES SOBRE ALGUNS DOS DIREITOS BÁSICOS: Direito à vida e à saúde  Barraca de pescaria dos direitos (no lugar de peixes).  Uma tarefa relâmpago para os grupos: a produção de um “prato vivo”, baseado na alimentação adotada pelo Espaço Compartilharte.  Outra tarefa relâmpago: a identificação de uma planta medicinal no terreno ou o plantio de mudas de árvores nativas.  Montagem de painel de colagem (revistas e jornais) retratando o direito.  Exposição do trabalho de promoção da saúde. Direito à liberdade, ao respeito e à dignidade  Montagem de painel de colagem (revistas e jornais) retratando o direito.  arefa relâmpago: reunir dois ou três familiares e compor uma poesia, texto, declaração, música sobre o direito.  Tarefa relâmpago: reunir dois ou três familiares e pedir que relatem uma história da comunidade em que o direito esteja ou tenha sido garantido. Direito à convivência familiar e comunitária  Montagem de uma maquete (com sucata) retratando o direito na comunidade.  Uma adaptação da “barraca do beijo”: alguém fica “preso” na barraca e, para ser solto, a família deve ser reunida na barraca e se confraternizar, com um abraço ou um gesto de carinho, para libertar o “preso”. Um ou dois membros da equipe poderiam ser os encarregados de realizar as “prisões”.  Correio do amor familiar e comunitário: reunir os grupos familiares e incentivá-los a criar mensagens uns para os outros.  Fazer um grande mapa contendo as crianças, os grupos familiares e seus nomes e características marcantes. Pedir, na festa, que cada grupo familiar faca traços ligando-se às famílias com quem têm mais afinidade, contato, amizade ou proximidade. Outras brincadeiras típicas que podem ser adaptadas, além da idéia da pescaria:  No lugar do rabo do burro, o “bigode do jeca”: a criança, de olhos vendados, deverá encaixar, no desenho de membros de uma família, um recorte contendo a representação de uma criança. A mesma atividade pode ser feita usando, em vez do desenho da família, a representação de diversas casinhas de uma comunidade e de uma casinha destacada, que deverá ser encaixada no conjunto. Ou usando o desenho de diversas famílias no qual a representação de uma família deverá ser incorporada, e assim por diante.  Jogo da argola: garrafas com o nome dos diretos.  Pau-de-sebo: um exemplar do Estatuto da Criança e do Adolescente como prêmio em vez de dinheiro. Atenção: Sempre que possível, envolver as próprias crianças, adolescentes e familiares no planejamento, preparação e desenvolvimento das atividades.

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1.1.2 – Rotina e atividades da educação infantil As crianças de 2 a 6 anos são atendidas de segunda a sexta em horário integral e recebem três refeições diárias. Como a maioria dos pais trabalha como caseiro, ocupação em que o maior volume de trabalho ocorre nos fins de semana, o EC oferece atividades durante um sábado ou domingo a cada mês. MATRIZ DE HORÁRIOS E ATIVIDADES NA EDUCAÇÃO INFANTIL

SEGUNDA A SEXTA 7h00

Início transporte

8h30

Suco verde/roda

9h00

Formação de grupos de trabalho

12h00

Almoço

13h30

Formação de grupos de trabalho

16h30

Encerramento das atividades /Harmonização do ambiente

17h00

Jantar/Roda

19h00

Encerramento transporte

SÁBADOS ALTERNADOS

Reunião de formação e planejamento da equipe interna do programa

DOMINGO

Eventos sociais e educativos (mensais)

Em sábados alternados, a equipe de educação infantil se dedica ao estudo e às atividades de planejamento supervisionado.

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A seguir, descreveremos as atividades indicadas no quadro da página anterior. A roda. Uma marca do Espaço Compartilharte que percorre todos os programas é o ritual da roda. Ao iniciar e fechar as atividades do dia, todos os presentes dão as mãos e formam um círculo. Primeiro, eles dão seus testemunhos públicos de gratidão, completando a frase: “quero agradecer...”. Depois, verbalizam os desejos por meio da frase: “quero pedir...”. Ao final, todos cantam a Oração de São Francisco, que ajuda a reforçar os valores humanos da prática educativa. A roda é como uma mesa redonda, onde não há cabeceira. É um momento em que todos se igualam. Qualquer um pode iniciar a fala, vale tanto “falar o que quiser” quanto “não ter nada a dizer”. A roda ainda funciona como o “jornal diário falado”, pois nela são “ouvidos” os pedidos “para que meu pai não bata mais na minha mãe”, “para que minha mãe arrume outro emprego, pois senão ficaremos sem casa para morar” ou, ainda, os agradecimentos “pelo meu pai não ter bebido ontem”, “pela minha avó que está cuidando da gente, pois minha mãe foi embora com outro homem”. Escutar atentamente o que é dito na roda ajuda a pautar o trabalho da equipe do EC.

Formação de grupos de trabalho. O planejamento diário prevê espaços e estratégias diversificadas junto às crianças, equilibrando a inserção de atividades direcionadas e atividades livres. Os educadores se vêem como os construtores de um ambiente onde o brincar tem espaço para acontecer. Eles são orientados a acompanhar as crianças, observando suas escolhas, histórias e formas de brincar, tomando notas sobre questões como:  A criança brinca sozinha ou com outras crianças?  Como se relaciona com as demais crianças?  Brinca sempre com as mesmas crianças/grupos?  Brinca de quê?  Quais histórias aparecem na brincadeira?  Quem aparece?  Como a criança lida com seus sentimentos nas brincadeiras?  E com as atitudes de outras crianças?  Como lida com situações de conflito?  Qual o tempo de cada brincadeira? 43


Combinando atividades previamente planejadas com o interesse manifestado pelas crianças, são desenvolvidas atividades como:  Letramento e mediação de leitura. Os recursos utilizados são vários, jogos, massa de modelar, argila, rótulos, livros e também o computador.  Construção de brinquedos a partir de sucata, com material reciclável coletado pelas crianças e pelas famílias.  Desenvolvimento psicomotor por meio de atividades com lixa, massa de modelar, desenho, argila, barbante, sementes, brincadeiras de equilíbrio etc.  Artes integradas (teatro, música, dança, capoeira, artesanato, esportes etc.).  Observação da natureza na produção de mudas a partir das sementes recolhidas, na feitura da compostagem (adubo), na modelagem de pegadas de animais. Nesse acompanhamento, quando é preciso intervir, o papel dos educadores é de mediar, ou seja, facilitar o encontro com outras crianças, ajudar a pôr em palavras os sentimentos, e apresentar outros espaços, materiais e possibilidades de brincar e agir. EXEMPLOS DE ATIVIDADES COM AS CRIANÇAS: Coleção de pegadas de animais. Um dos encantos da educação no campo é a convivência com diferentes tipos de animais, tanto domésticos quanto selvagens. Uma forma de incorporar esse saber à educação é a prática de identificar e conservar as pegadas que as crianças vêm marcadas na terra. Quando alguém vê uma pegada de animal, chama um adulto e, juntos, coletam a amostra do solo para que sirva de molde para a reprodução da marca em parafina. O animal que deixou seu rastro é pesquisado e as pegadas passam a compor um pequeno acervo de história natural junto com as histórias narradas e imaginadas pelas crianças.

Árvore de livros. Com cordas e barbantes coloridos, são pendurados nas árvores vários livros de literatura infanto-juvenil. Junto, dependuram-se cartazes, brinquedos de sucata, jogos educativos. A comunidade do entorno é convidada a sentar-se embaixo da árvore para “brincar”: de ler, contar e recontar histórias, fabricar brinquedos de sucata, modelar massa ou argila no formato de letras que componham o nome dos livros lidos, montar um quebra-cabeça ou pular corda. Harmonização do ambiente. É a participação de todos na arrumação do espaço e dos materiais utilizados ao final de cada atividade. É a prática da teoria do cuidado com o que é coletivo ou comunitário.

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1.1.3 – Ações de saúde e nutrição Todas as crianças atendidas têm seu peso e tamanho mensurados a cada dois meses. Quando se detecta estado de desnutrição, a criança entra em um programa nutricional elaborado especialmente para ela, em conjunto com sua família. Diariamente é fornecida uma alimentação balanceada, baseada no cardápio mínimo das cinco cores , exceto a carne, enriquecida com grãos germinados e multimistura. Um suco verde é oferecido no café-da-manhã e no lanche. Como os problemas respiratórios são comuns na região, uma dose diária de xarope com mel e ervas medicinais foi introduzida no cardápio das crianças e dos adolescentes.

No momento da alimentação, questões como a experimentação de gostos e texturas, a composição estética dos pratos, o cuidado com o desperdício e os hábitos de mastigação e boas maneiras são objeto de atenção. Durante a refeição ouve-se música clássica. Nas mesas, cada criança tem um prato e um paninho à sua disposição para que, ao terminar a sua refeição, recolha o que deixou cair ou limpe o que sujou, ajudando na higiene do ambiente. O processo de produção dos alimentos também é observado e a criança tem uma participação ativa tanto no plantio de hortaliças e legumes quanto na germinação de grãos e produção de pelo menos uma refeição semanal.

1.2 – Ações de formação para cuidar-educar as crianças Trabalho interno. Em sábados alternados, a equipe do Programa Brincar dedica-se ao planejamento e avaliação do trabalho com as crianças. Essas reuniões, coordenadas por um profissional de nível superior, são momentos para relatar casos mais desafiadores, pesquisar temas para desenvolvimento de novas atividades, pensar a interface do Brincar com os outros programas, discutir novas parcerias etc. A coordenadora do programa também dedica três horas diárias de sua jornada, de segunda a sexta-feira, ao trabalho de capacitações em serviço dos educadores.   A alimentação do EC é baseada na medicina chinesa e composta, todos os dias, por cinco cores diversas: o arroz, o feijão, a proteína animal (opcional) e mais três verduras e legumes de cores diferentes. Essa variedade garante uma alimentação balanceada e rica com todos os nutrientes necessários ao pleno desenvolvimento.   Mais detalhes sobre os grãos germinados podem ser encontrados na sessão “Brincando de Biu Poran”, – página 64.   Composto por couve, limão e ervas medicinais aromatizantes, o “suco verde” contribui para o aumento da imunidade e para a defesa contra doenças respiratórias.

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Capacitação. Além da rotina das reuniões de sábado, durante o ano são oferecidas capacitações com a equipe, dentro e fora do EC (média de 170 h/ano). Um marco no Programa Brincar foram as Oficinas Lúdicas, ministradas pelos “criançólogos”10 Rodrigo Libânio Christo e Michela Van Doornik Christo, em 1999 e 2000. Os encontros objetivaram repensar a relação existente entre a ludicidade e a aquisição do conhecimento, dentro de um processo pedagógico libertador.

PRINCIPAIS EIXOS TEMÁTICOS DAS CAPACITAÇÕES  Políticas públicas.  Pedagogia de projetos.  Pedagogia do Amor: metodologia de trabalho desenvolvida pelo Espaço

Compartilharte, com base em valores e direitos humanos. Os direitos da criança e do adolescente. Fundamentos de desenvolvimento infantil. A inserção do brincar como instrumento social e educativo. Ferramentas de gestão social (elaboração, monitoramento, avaliação e sistematização de projetos).  Promoção da saúde.  Alimentação alternativa e produção de alimentos.    

10  O termo “criançólogo” é uma autodenominação usada por esses profissionais para descrever seu trabalho de experimentação coletiva de jogos e atividades lúdicas.

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Todos são educadores. Todos os funcionários do Espaço Compartilharte são nomeados educadores das suas respectivas funções e capacitados para realizar suas tarefas tendo em vista respeitar os valores e princípios institucionais. Assim, eles assumem sua parte na formação daqueles com os quais interagem. As pessoas encarregadas da limpeza são educadores da limpeza e ensinam as crianças a manter as coisas em ordem, a colaborar na coleta seletiva de lixo etc. Os responsáveis pela preparação dos alimentos são os educadores da alimentação e ensinam a não desperdiçar comida, a preparar lanches e sucos e dão dicas de nutrição e higiene. As pessoas encarregadas das tarefas administrativas – os educadores da secretaria - ensinam o valor da organização, ajudam na relação crianças padrinhos, dentre outras funções. A atividade de ir e voltar da casa para o Espaço Compartilharte é vista como integrante do trabalho educativo. Os motoristas são capacitados para serem educadores do transporte, aproveitando seu contato diário com as crianças e seus familiares para trazer e levar informações, notificar o EC quando percebem algum sinal de violência doméstica e dar exemplo de direção defensiva e de comportamento.

1.3 – Ações de avaliação e registro

Todas as crianças têm seu desenvolvimento acompanhado e registrado pelas educadoras infantis. A avaliação de cada criança é compartilhada em reuniões bimestrais com familiares onde a brincadeira também tem lugar. Tanto as descobertas quanto as dificuldades são narradas em forma de casos, ao modo da tradição oral rural, que ajudam a criar proximidade e valorizam os traços da cultura local. Além de trabalhar os aspectos motores e cognitivos do desenvolvimento, as atitudes e habilidades de convivência são valorizadas, acompanhadas e avaliadas no Programa Brincar. Conforme podemos observar no Roteiro de Avaliação Individual (próxima página), a atenção dos profissionais não está posta apenas no crescimento pessoal, mas também na co-responsabilidade com o coletivo. 47


Espaço Compartilharte Programa Compartilhando a Arte de Brincar Roteiro de Avaliação Individual Nome: Grupo:

Período:

Que grupo é esse? Que idades têm, quantos meninos, meninas, quais são suas características, habilidades e demandas? O que têm vivido? Em que projetos e atividades estão inseridos, em que atividades e ações têm se envolvido? Apresentação da criança: Que características ela tem? Como está sua participação nos projetos? Como se relaciona com:  O grupo  Os educadores

Como se comporta em relação aos combinados? Como vivencia situações de conflito? Como reage diante da inserção de limites? Quais são suas habilidades, suas preferências? O que não gosta de fazer? Como está sua assiduidade? Como está sua saúde/alimentação? Qual a sua inserção na comunidade/família? Como se relaciona com o conhecimento:  Com a expressão musical;  com a expressão cênica;  com a expressão plástica;  com a expressão corporal;  com a expressão escrita, e  com a escolaridade formal.

O que temos encaminhado em relação ao desenvolvimento individual de competências necessárias à formação integral? Que resultados percebemos na formação em valores? O que pretendemos continuar trabalhando com essa criança?

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Avaliação profissional integrada à avaliação institucional. A equipe de educadores participa anualmente da avaliação institucional, ocasião em que também é feita uma avaliação de cada programa/projeto. Para acompanhar os resultados desejados está sendo implantado um banco de dados11, que fornecerá informações sobre todos os programas e seus respectivos beneficiários. Há também uma auto-avaliação individual que é discutida coletivamente para que a pessoa receba um feedback dos colegas e possa, a partir dele, compor seu plano pessoal de desenvolvimento. Com a preocupação de criar uma memória das invenções cotidianas, desenvolver tecnologias sociais e disseminá-las, as atividades que são experimentadas com e pelas crianças são sistematizadas e transformadas em cadernos e materiais pedagógicos que podem ser usados com as novas turmas de crianças e também editados e distribuídos para outros centros de educação.

MATERIAIS JÁ DESENVOLVIDOS12: Livro: Compartilhando a Arte de Brincar Coletânea de jogos, brinquedos e brincadeiras reunidas ao longo do Programa Brincar e ilustradas por crianças, adolescentes e educadores. Caderno Pedagógico: disponibiliza sugestões de oficinas e atividades sobre como trabalhar os direitos da criança e do adolescente através da arte e da cultura. Caixa: Com três livretos, um CD, um documentário e o texto da peça de teatro Messias – o Mensageiro da Esperança – construída coletivamente pelas crianças, adolescentes e equipe do EC –, bem como os textos das oficinas sociais e educativas que levaram à construção da peça e do projeto pedagógico que a inspirou, com bibliografia, referências teóricas etc. No CD, há músicas especialmente compostas para o espetáculo e, no documentário, mostra-se a proposta de montagem do espetáculo. A idéia desses materiais é discutir e tornar acessível os conhecimentos sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Vídeos e vinhetas: Inventei deu nisso Produzidas por meio de parceria com o canal Futura, as vinhetas mostram algumas das brincadeiras e brinquedos construídos no Programa Brincar. 11  Influenciado pelo sistema de trabalho utilizado pelo Instituto Desiderata, que é parceiro do Brincar. 12  Esses materiais estão finalizados, mas não publicados. O EC busca parceiros que ajudem a viabilizar sua produção e distribuição. Enquanto não vêm a público, os materiais estão sendo testados na capacitação de professores, educadores e profissionais de artes plásticas com excelentes resultados.

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2 – AÇÕES FOCADAS NAS FAMÍLIAS As ações dirigidas às famílias foram desenvolvidas com base no contexto apresentado no quadro abaixo: OBSTÁCULOS

OBJETIVO

Desnutrição e hábitos familiares de higiene e alimentares pouco saudáveis.

Contribuir para a erradicação da fome e da desnutrição e para a mudança de hábitos alimentares e de higiene pessoal e familiar.

Situações de violência doméstica, violência sexual, adultos alcoolizados ou drogados etc.

Contribuir para a redução da violência doméstica e para a proteção das vítimas.

Evasão, repetência e baixo desempenho das crianças e adolescentes encaminhados à escola formal.

Contribuir para a melhoria do desempenho escolar e do tempo de permanência na escola formal. Garantir, no mínimo, oito anos de escolaridade para os beneficiários abaixo de 18 anos.

Poucas oportunidades de trabalho e renda.

Capacitar adolescentes, jovens e adultos para o mercado de trabalho e para a geração de renda. Oferecer possibilidades de trabalho no Espaço Compartilharte (cooperativa, troca de serviços e postos de trabalho).

PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS DE AÇÃO 2.1 – Junto aos jovens e adolescentes Projeto Espaço nas Escolas. Para ampliar a cultura do brincar, o Espaço Compartilharte oferece, no contra-turno da escola, atividades como oficinas de brincadeiras, arte e cultura para maiores de 7 anos que estejam freqüentando a sala de aula. Para ampliar suas referências culturais e ambientais, crianças e adolescentes de 2 a 18 anos e seus familiares participam de viagens para conhecer a praia, o mar, parques ambientais, museus, teatros e cinemas. Os alunos, professores e funcionários das escolas públicas da região também são convidados para essas viagens. E para que os jovens possam desenvolver atividades junto a seus irmãos ou vizinhos menores é feita a costura dos programas que envolvem esses dois públicos, como é mostrado no quadro a seguir.

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Interface dos Programas Jovens Protagonistas e Compartilhando a Arte de Brincar Principais atividades desenvolvidas:  Encontros de promoção de direitos e construção de espaços destinados ao brincar, utilizando linguagens recreativas, artísticas e culturais (música, artes plásticas, teatro, capoeira, entre outros).  Encontros de mediação de leitura a partir da capacitação propiciada pelo Projeto Mudando a História, em parceria com a Fundação Abrinq e A Cor da Letra.  Encontros de sensibilização/disseminação das estratégias sociais e educativas utilizadas, junto a outros jovens, educadores e voluntários.  Recreação das crianças em eventos e festas infantis.  Inserção em processos de pesquisa e enquetes comunitárias.  Inserção em encontros semanais de planejamento, avaliação e capacitação.

2.2 – Junto aos adultos

“Mãe, você não vai mandar eu lavar a mão antes de comer? No Espaço a gente tem que lavar a mão! “

Depoimentos de Lucas Moreira, 3 anos, em 2003 e David, 4 anos, em 2005 Histórico e acompanhamento da família. Cada família atendida pelo Espaço Compartilharte tem a história de vida de cada um de seus membros registrada. As famílias são acompanhadas por meio de visitas domiciliares regulares, onde são observados os cartões de vacinação das crianças, o desempenho escolar dos filhos, as potencialidades daquela família, em especial das suas relações internas e comunitárias. Encontros de familiares, mediação de conflitos e formação ampla. O EC promove encontros para conversar sobre situações comuns de conflitos nos relacionamentos em família. São discutidos também aspectos do desenvolvimento infantil, a importância do brincar na construção da individualidade, nutrição saudável, direitos da criança e do adolescente, direitos do cidadão, políticas públicas, entre outros temas. Os assuntos são abordados por meio de dinâmicas e vivências que usam o brincar como estratégia. Grupo de mulheres. Realizado dentro e fora do EC, o grupo reúne mulheres de várias gerações para conversar sobre si mesmas e sobre temas como beleza, sexualidade, conflitos, trabalho etc. Esse espaço de diálogo tem fortalecido cada participante e contribuído na criação de vínculos com a vizinha, com a instituição, com as filhas. Mais uma vez, é por meio da brincadeira que o “gelo é quebrado” e o clima de confiança se cria. Além de jogos de cooperação, as mulheres brincam com seu corpo, fazendo e aplicando máscaras de frutas no rosto, tomando banhos de argila, fazendo novos penteados e assim vão reconquistando o direito de se cuidar, se reinventar e se gostar. Vale ressaltar que o grupo de mulheres reivindicou oficinas de reciclagem de objetos e cursos de alimentação natural porque seus filhos de 2 a 6 anos passaram a requisitar, dentro de casa, uma nutrição mais saudável e brinquedos feitos de sucata. 51


Mãe, você não vai mandar eu lavar a mão antes de comer? No Espaço a gente tem que lavar a mão! Depoimentos de Lucas Moreira, 3 anos, em 2003 e David, 4 anos, em 2005

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3 – AÇÕES FOCADAS NA COMUNIDADE As ações dirigidas à comunidade foram desenvolvidas com base no contexto apresentado no quadro abaixo: OBSTÁCULOS

Membros da comunidade isolados, sem organização coletiva.

22% dos membros da comunidade diziam ter algum problema com seus vizinhos (CCC, 2001).

O brincar visto como perda de tempo.

Desvalorização da cultura do campo, homem rural retratado como ignorante e ingênuo (caipira).

OBJETIVO Ampliar os espaços de participação e fortalecer os vínculos comunitários. Identificar lideranças e propiciar o fortalecimento de atitudes cidadãs. Fortalecer vínculos entre vizinhos e entre a comunidade e o EC.

Levar a comunidade a reconhecer o brincar como instrumento de construção de vínculos da criança com ela mesma e com o mundo que a rodeia. Fortalecer a identidade e a autoestima do homem rural, por meio da valorização dos saberes e fazeres da comunidade e do meio ambiente.

Estimular uma cultura de direitos e de Falta de conhecimento e cobrança possibilidade de contribuição e pressão dos direitos civis e sensação de do poder público de acordo com a incapacidade diante do poder público. doutrina de proteção integral.

PRINCIPAIS ESTRATÉGIAS DE AÇÃO 3.1 – Formação e fortalecimento de vínculos Resgate da memória local. Realizado por meio da investigação sobre como brincavam os avós e os pais das crianças. A partir desse levantamento são organizadas oficinas de construção de brinquedos e brincadeiras de ontem e de hoje, com participação dos pais e de comunitários. Ação afirmativa. O EC adota como política institucional empregar, preferencialmente, pessoas da comunidade. Por meio de uma parceria, o Espaço Compartilharte conseguiu uma bolsa para uma educadora da instituição e comunitária de baixa renda estudar e se formar em pedagogia na Fundação Educacional Serra dos Órgãos (FESO). Foi a primeira moradora de baixa renda da comunidade a conseguir cursar e concluir um curso superior. A parceria com a FESO também se estende para o campo de estágio e pesquisa, além de projetos

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de protagonismo juvenil e inclusão digital e participação no “trote solidário”. Festas e celebrações especiais. As festas representam uma marca registrada do Espaço Compartilharte e são bastante eficazes em reunir membros da família, membros da comunidade e visitantes para brincarem juntos. Além das datas tradicionais de comemoração (festas juninas, páscoa, fim de ano), acontecem mutirões de limpeza e caminhadas ecológicas.

3.2 – Controle social Aproximação com as Varas da Infância e da Família. Uma preocupação constante é mobilizar a comunidade para que esta pressione o poder público na garantia dos direitos das crianças. Tendo isso em mente, a presidente do Espaço Compartilharte, Maria de Lourdes Castro, passou a atuar como voluntária na Vara da Infância, da Juventude e do Idoso, cuja juíza até bem pouco tempo atuava também na Vara de Família. Com essa aproximação, o EC tornou-se um canal de defesa dos direitos das crianças e mulheres da comunidade, em casos de maus-tratos, falta de pagamento de pensão alimentícia, entre outros assuntos. Aos poucos os membros da comunidade foram se envolvendo, passando a notificar casos de infreqüência escolar, violência doméstica e trabalho infantil. Conselho Tutelar (CT). Quando o Programa Compartilhando a Arte de Brincar foi iniciado, o município ainda não possuía um CT. A institucionalização desse conselho foi uma bandeira que o Espaço Compartilharte empunhou para que a sociedade teresopolitana e, em especial a população da área rural, ampliasse a discussão sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em 2001, o CT foi finalmente implementado, tendo o EC participado ativamente das discussões para a montagem do curso de capacitação aos candidatos a conselheiros tutelares, da elaboração da lei de criação do órgão e da indicação de um candidato posteriormente eleito. No entanto, até bem pouco tempo atrás, o Conselho Tutelar não tinha as condições mínimas necessárias para seu funcionamento, tais como sede, equipamentos e veículos, e as eleições dos conselheiros vinham sendo definidas 54


por interesses contrários às prerrogativas do ECA. Em função disso, em menos de um ano o representante ligado ao EC pediu demissão, marcando uma posição de não conivência com a precarização e o uso político do CT. Rede de Proteção Integral (RPI). A RPI apresenta-se como uma estratégia para viabilizar a efetiva participação comunitária, buscando fortalecê-la para que esta possa cuidar, educar e proteger suas crianças. A proposta de participar de uma rede baseada no princípio da proteção integral amedrontou parte da comunidade que não queria ser vista, entre seus vizinhos, como aqueles que denunciam as situações de violência, uso de drogas ou condutas irresponsáveis dos adultos em relação às crianças. Em vez de ignorar esse incômodo, os gestores do Espaço Compartilharte decidiram inverter o foco, acreditando que os “cidadãos de bem”, como todos os seres humanos, também precisam de proteção integral. Lançaram então a idéia de lutar por demandas específicas, como mais horários de ônibus (direito de ir e vir), a extinção da taxa de iluminação pública das residências em ruas não iluminadas (direitos do consumidor), entre outras. Assim, angariaram os primeiros participantes da rede. ESPAÇO COMPARTILHARTE E AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE CANOAS/TERESÓPOLIS

A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da união, dos Estados, do Distrito Federal e do Município. ECA, artigo 86 O Espaço Compartilharte atuou na organização e fomento da participação dos habitantes da área rural nos conselhos e demais instâncias de controle social. Seus representantes atuam nos principais conselhos e fóruns no município, dentre eles o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conselho Municipal de Assistência Social, Conselho Municipal de Controle Social do Programa Bolsa Família de Teresópolis, Conselho da Mulher, Conselho da Saúde, além do Parque Nacional da Serra dos Órgãos, Fórum Pensar Teresópolis (organização da sociedade civil que vem participando da construção do Plano Diretor Municipal), Fórum da Região Serrana de Direitos da Criança e do Adolescente e Fórum Estadual de Direitos da Criança e do Adolescente. Atualmente, parece haver avanços nos fóruns da sociedade civil e conselhos municipais, e pouco avanço nos conselhos paritários. Uma outra ação de controle social foi junto ao Programa Federal Bolsa Família (BF). Uma vez constatadas distorções na distribuição do benefício, duas pessoas ligadas à Rede de Proteção Integral se apresentaram como voluntários para fazer o recadastramento exigido pelo Governo Federal. Esse processo revelou que nos últimos meses de 2005 o órgão gestor do Bolsa Família desconhecia o paradeiro e mesmo a procedência de quase dois mil beneficiários13. Cabe ressaltar que o Prêmio Criança 2004 ajudou a legitimar a atuação – institucional, de modo mais amplo, e do Programa Brincar mais especificamente junto ao Poder Público e suas instâncias. 13  Outro problema constatado foi no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI) que estava beneficiando adolescentes e jovens com renda bem acima da média das famílias da área rural.

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3.3 – Ações de formação comunitária Ações de capacitação comunitária. Em articulação com o canal Futura, foi aberto um espaço de capacitação da comunidade pautado na sua realidade. São ministradas palestras interativas sobre direitos do cidadão, trabalhando temas como a importância das certidões de nascimento e de óbito, as condições de acomodação de mães acompanhando filhos internados em hospitais, a marcação de exames e consultas na rede pública ou nos locais a ela conveniados. Acontecem também cursos sistemáticos e abertos sobre fitoterapia e nutrição. Apresentações no Teatro Raízes da Roça. O teatro foi construído com a finalidade de propiciar à comunidade o acesso à produção e à difusão cultural. Entram em cartaz espetáculos e pequenas apresentações dramáticas e musicais, feitas pelas crianças, famílias e comunidade, em que todos podem se reconhecer como hábeis e capazes de transformar a realidade local e seus destinos. Na produção dos espetáculos, as mães desenham com os filhos os figurinos e depois os executam, ou encontram-se para ensaiar uma música ou um jogral que será mostrado no palco. Ali também se apresentam os “tocadores” de sanfona ou de violão da comunidade e outros artistas da cidade e da capital que oportunizam a ampliação do universo sociocultural. Sessão pipoca. No Teatro também acontecem sessões de cinema abertas à comunidade. São exibidos filmes nacionais aos quais os habitantes locais normalmente não têm acesso.

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Descrição da prática Até aqui, descrevemos as atividades de maneira muito sintética e ordenada por público-alvo. Vistas assim, pode prevalecer a impressão de que o Programa Brincar funciona de forma fragmentada. No entanto, uma preocupação constante da equipe do EC é com a integração das práticas. Essa integração se dá pelos objetivos comuns, pela pedagogia de projetos e pelo monitoramento das ações por meio da unidade “família”, onde todos os públicos específicos estão localizados. Para visualizar como isso ocorre, vamos relatar dois dos vários projetos realizados: . Compartilhando o Direito de Brincar em Canoas . Brincando de Biu Poran.

1 – COMPARTILHANDO O DIREITO DE BRINCAR EM CANOAS – A COMUNIDADE COMO PROJETO DE TRABALHO 1.1 – Censo Comunitário Compartilharte O primeiro grande esforço de configurar aquela localidade como uma comunidade foi o Censo Compartilharte , mencionado anteriormente . Diante da inexistência ou imprecisão de dados sobre a região, decidiu-se fazer um recenseamento comunitário, adaptando o formulário utilizado pelo IBGE. As questões norteadoras foram: Quem somos? Quantos somos? Como vivemos? Quais serviços públicos utilizamos? Qual a nossa história? Como o poder público nos olha e trabalha conosco? Como nos colocamos diante desse panorama? O exercício de coleta das informações foi um importante processo de mobilização. Iniciou-se com encontros de reflexão para a construção do questionário e a seleção de jovens ali residentes, que passaram por uma capacitação junto aos educadores do EC, para compor a equipe de recenseadores. Então, a abrangência geográfica da pesquisa foi delimitada, ficando decidido que os questionários seriam aplicados nas casas onde houvesse crianças, adolescentes e jovens até 18 anos. Depois da coleta de dados, o grupo empreendeu a tabulação manual, a interpretação e divulgação das informações. Por fim, encontros de reflexão sobre o processo vivido foram promovidos. 1.1.1 – A comunidade como tema do projeto pedagógico O processo do Censo Comunitário ampliou a reflexão da comunidade sobre si mesma, evocando histórias, costumes, valores e demandas, as quais foram integradas ao projeto pedagógico. O resultado natural desse processo foi a incorporação do tema “Comunidade” como eixo de ação do Espaço Compartilharte naquele ano. Como fruto dessa escolha, crianças, educadores e familiares construíram o “Mapa da Comunidade”.

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1.1.2 – Tecendo o mapa Além de preencher os formulários, cada dupla de recenseadores desenhava um esboço da região visitada. Ao final das visitas, esses desenhos foram justapostos até formarem o “Mapa da Comunidade”. Para ajudar a compor esses quadros, os recenseadores se reuniam a fim de registrar o que tinha sido visto nas matas e rios, os trechos preservados, as partes poluídas, bem como as tradições familiares e os costumes comunitários que estavam se perdendo. Assim, os moradores mais velhos foram convidados a contar suas histórias, verificar dados, dirimir dúvidas e a enriquecer com novas informações o que já se sabia. Uma avó veio ensinar a fazer um doce de pêra dura – uma antiga receita típica da região. Um senhor contou a origem do nome Canoas: índios que habitavam a região desciam as corredeiras em pequenas canoas, indo encontrarse na confluência dos rios para trocar o excedente de suas produções. Outra senhora, parteira experiente, falou sobre as pessoas que tinha ajudado a trazer ao mundo. A primeira professora da região falou sobre como começou a ensinar, quem eram seus alunos e como era a escola na época. Resgatou-se também a origem do nome das escolas. Inúmeras histórias voltaram a ter vida. O exercício possibilitou a identificação de lideranças, a valorização dos saberes e fazeres locais e o compartilhamento, com as crianças, da força de pertencer àquela comunidade.

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ALGUMAS DICAS PARA A REALIZAÇÃO DE UM CENSO COMUNITÁRIO . Visitar a região a ser mapeada, observando e registrando a existência de casas, praças, comércio, matas e rios, e produzindo a partir disso pequenos mapas . Buscar outras fontes de registro sobre a região de modo a contrapor e/ou complementar as informações. . Juntar os registros, ampliando os desenhos em jornal ou papel pardo . . Fazer os ajustes finais, verificando dados e informações, para enfim pintar o mapa final em tecido. 5. Promover uma exposição itinerante do mapa, visitando pontos da comunidade e mantendo-o exposto, ao final do processo, na sede da instituição. 6. Durante todo o processo, valorizar, incentivar e registrar a troca, conversas e reflexões sobre o que se pensa a respeito da comunidade, como o lugar onde se mora é visto e como as pessoas se relacionam com o lugar. Como incluir as crianças na brincadeira de construção do “mapa”? A partir da escolha do tema de trabalho, pode-se convidar as crianças para uma visita à biblioteca e à própria comunidade a fim de pesquisar o assunto. O educador pode mediar a pesquisa selecionando um livro ou uma história a ser contada, ouvida e recontada, ou uma casa ou comunitário que possam ser visitados. Da biblioteca ou visita, pode-se partir para a oficina de reciclagem e construir/ reconstruir personagens e cenários com papel machê ou sucata. O terceiro passo é o convite para a oficina de teatro, expressão corporal ou música, onde a história pode ser interpretada-reinventada, materializando e comunicando aprendizagens a cada oficina. Como brincar de construir-reconstruir sua comunidade? Trabalhando sobre o tema “a comunidade”, distribui-se três ou quatro núcleos de atividades em um mesmo espaço. Ex: numa mesa, disponibilizar guache e papéis; em outra, sucatas; numa terceira mesa, massa de modelar e/ou argila. Então começamos a perguntar: De que brincamos em casa? Com quem brincamos? Como brincamos? Vamos brincar de construir nossas brincadeiras? Cada criança pode, no seu ritmo, escolher um “cantinho” de trabalho e “construir” o seu brincar em casa com os materiais disponíveis. Combina-se entre todos quando e como será o rodízio de atividades, definindo momentos de trocar de materiais, espaços e estratégias. Consolida-se a atividade convidando a todos para uma visita à “construção brincante” uns dos outros. A mesma atividade pode ser realizada coletivamente, reunindo crianças, familiares e comunitários, a partir das perguntas: Vamos construir uma maquete dos “brincares” da comunidade? Vamos construir uma maquete da comunidade – tendo o mapa como base – identificando os serviços disponíveis? Elaborado pela equipe do Programa Brincar   Recursos como escâner, câmeras fotográficas digitais e máquinas fotocopiadoras, que permitem a ampliação de imagens, podem ser bastante úteis.

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1.2 – Percorrendo a comunidade com as crianças: o Projeto Passeio O relato do Projeto Passeio dá uma amostra de como aproveitar a curiosidade das crianças para planejar novas atividades com elas. Em uma situação em que as crianças comparam sua casa com a do colega, avaliando suas diferenças, a educadora intervém no sentido de ajudá-los a pensar quais coisas são iguais e quais são diferentes. As crianças passaram a narrar como vivem em suas casas e como estas são arrumadas, enquanto a educadora enfatiza o uso dos espaços e as relações que se desenvolvem no lar. Da descrição oral surge a idéia de visitar as casas uns dos outros para conhecer como cada um vive e brinca. Essa etapa exigiu o envolvimento de famílias que se dispuseram a receber a turma, o que fortaleceu a relação família–EC–comunidade.

“O passeio, como atividade do Brincar, surgiu a partir da proposta de integrarmos mais as famílias nas atividades do programa. Além disso, nas conversas entre as crianças, elas perguntavam como era a casa dos outros, se eram parecidas, se eram grandes ou pequenas... Até que um dia, Brenda, de 4 anos, falou que a casa de Duda era feia, que tinha fumaça, e a amiga ficou triste. Foi então que Rafa, 5 anos, disse a Brenda: “todos nós somos iguais e algumas pessoas são mais pobres que as outras, mas é só trabalhar que também pode ter as mesmas coisas”. Conversamos sobre em quais pontos nós somos diferentes e em quais somos iguais, que as casas podem ser diferentes mas elas são nosso abrigo, o lugar onde a gente dorme, onde a gente brinca, come e vive com a família. Cada um queria contar como era sua casa, daí surgiu a idéia de visitar as casas uns dos outros. Primeiro, nós decidimos aonde iríamos e combinamos de visitar uma residência de cada comunidade – Prata, Canoas, Varginha e Socavão –, e que as crianças escolheriam as casas que visitaríamos. Fomos primeiro à casa de Luan, 3 anos, e dos irmãos Flavinha, 3 anos, e Marcos, 2 anos (que moram ao lado do Luan), e fomos muito bem recebidos. A alegria deles ao receber os colegas nos emocionou! As duas famílias visitadas nesse dia moram de aluguel e as casas são muito simples, mas todas as crianças ficaram muito à vontade, como se já conhecessem aquele ambiente havia muito tempo. Os anfitriões apresentaram os cômodos, o lugar onde eles costumavam brincar quando não estavam no EC, compartilharam seus brinquedos com os colegas e conversaram muito. Permanecemos por cerca de duas horas em cada local. Esse tempo nos deu a chance de nos aproximarmos das mães que, por motivos diversos, pouco podiam estar presentes nas atividades desenvolvidas no Espaço Compartilharte, além de integrá-las nas brincadeiras de seus filhos. Terminamos o dia compartilhando um delicioso lanche. Várias outras casas foram visitadas depois. Não conseguimos passar por todas naquele período, pois as crianças entraram em férias, mas, em todas a que fomos, a experiência foi muito positiva. No ano seguinte, demos continuidade ao projeto e sempre disponibilizamos às famílias e às crianças espaços para troca de experiências, para brincadeiras coletivas e para trabalhar as diferenças, semelhanças e as diversas possibilidades de convivência.Outro ganho foi o estreitamento de relações entre as crianças e familiares das localidades de Prata dos Aredes, Canoas, Varginha e Socavão, que nutrem uma espécie de “rivalidade” histórica. “ Baseado nos registros da educadora Cristiane do Couto Cardoso

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1.3 – Levando o Brincar para outros espaços da comunidade Uma estratégia para descentralizar as ações do Brincar, ampliando seu alcance, são os Espaços Volantes, ou seja, a “ocupação” de espaços como clareiras, sítios, pátios de igreja etc. com atividades de educação em valores e direitos humanos, usando o brincar como estratégia. Para anunciar a hora e o local do Espaço Volante, os educadores do Espaço Compartilharte passeiam pela comunidade de van ou à pé, usando nariz de palhaço, roupas engraçadas e megafone. Cartazes também são afixados nas “biroscas” e postes. No local anunciado, uma tenda é montada e todo mundo que aparece é convidado a cantar, dançar, assistir as apresentações das crianças e tudo o mais que se inventar. Ao final das atividades, propõe-se a preparação conjunta de um lanche coletivo, criando um clima de “comunhão”. Outro exemplo de envolvimento da comunidade por meio do Brincar são as Caminhadas Ecológicas, que conseguem congregar beneficiários diretos do programa, parentes, vizinhos, veranistas, turistas das pousadas locais, grupos ambientalistas do município, professores, alunos e técnicos das escolas públicas, amigos e parceiros de outros municípios, e autoridades municipais, estaduais e federais que, passeando pela região com a ajuda de um especialista, recebem informações sobre a flora e a fauna locais, sobre os rios e córregos, as montanhas etc. Durante a caminhada, todos ajudam a limpar as veredas trilhadas. Quando se chega a um local especial (uma cachoeira, topo da montanha), faz-se uma grande roda, canta-se a oração de São Francisco (que é um santo símbolo da proteção à natureza), faz-se um lanche coletivo e uma “roda de conversa”. Nesse momento, as pessoas discutem os sentimentos de pertencimento àquela comunidade, sua relação com a natureza, com os fatos do noticiário, com o trabalho, e o cuidado consigo e com o próximo. Merece destaque o fato de essa estratégia ser a única que consegue congregar tanto os “donos da terra” quanto seus empregados ou, como dizem por lá: “naquela hora se juntam os ricos e os pobres”. Todas essas ações ajudam a Compartilhar o Direito de Brincar em Canoas, onde as novas e antigas brincadeiras fortalecem os modos de conviver na diferença.

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2 – BRINCANDO DE BIU PORAN: ALIMENTAR A BOCA DA TERRA PARA QUE ELA NOS ALIMENTE “Vó, sabia que a gente come os carocinhos dessa flor?”

Luan, 4 anos, ensinando que semente de girassol é comestível Um dos problemas detectados durante a implantação do Programa Brincar foi a desnutrição em crianças e os hábitos alimentares pouco saudáveis nas famílias. O problema não se restringia à falta de recursos para a compra de alimentos, havia também a necessidade de conscientização das pessoas sobre a importância de variar o cardápio com alimentos mais nutritivos. Havia situações extremas nas quais a criança só se alimentava de papa e mamadeira até os quatro anos ou comia farinha com feijão todos os dias, e era comum o consumo excessivo de balas e doces. Para fazer frente a esses desafios, o Brincar começou a introduzir, na alimentação das crianças, legumes, verduras e frutas de época produzidos na horta do EC ou doados por comunitários e pelo Projeto Xepa . A equipe do Espaço Compartilharte, com o apoio da médica voluntária dra. Maria Luiza Branco Nogueira da Silva , desenvolveu com as crianças a atividade de cultivo e germinação de brotos e sementes. Nascia o projeto Biu Poran, que significa comida bonita em tupi-guarani. “O projeto Biu Poran permite uma reaproximação dos seres humanos com a natureza e promove o nosso reencontro com a saúde.”

Dra. Maria Luiza O Programa Brincar viu na filosofia e nas práticas do Biu Poran uma oportunidade de trabalhar não apenas os hábitos alimentares, mas também valores, ciclos de vida (nascimento, crescimento e morte-transformação), observação da natureza, cuidado com o meio ambiente, senso estético e outros temas. Aos poucos, o Biu Poran se incorporou à rotina da educação infantil e à vida das crianças e de suas famílias.

Informações sobre o Projeto Xepa na página 32.   A dra. Maria Luiza coordena o Projeto Terrapia – Alimentação Viva na Fiocruz.

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O BIU PORAN NO DIA-A-DIA Segunda-feira: Início do processo de germinação na sala de aula. 1) Distribuir as sementes e o material necessário para o processo: filó; elástico e potes de material reutilizável. 2) Colocar as sementes de molho na água e orientar sobre os cuidados que serão tomados durante a semana (molho e lavagens). 3) As sementes ficam no molho durante oito horas. Passado esse tempo, elas são regadas cinco vezes com água – o chamado “banho”.Depois, os potes com as sementes são inclinados com a boca para baixo para que a água escorra e o ar circule. Só assim as sementes germinam. O mesmo processo é repetido de manhã e à tarde.

Terça-feira: Banhar os grãos pela manhã e à tarde. Quarta-feira: Repetir a tarefa de terça. Quinta-feira: Repetir a tarefa de terça. Sexta-feira: Auxílio à cozinheira no preparo da refeição 1) Descascar as sementes. 2) Escolher a receita e preparar o alimento. 3) Formar a roda para entoar o cântico tupi-guarani de agradecimento ao alimento: Tem Biu Poran. Tem Biu Poran. Aguigeveté, aguigeveté. Tem Biu Poran. Tem Biu Poran. 4) Em grupo, saborear a refeição!!!

Tradução: “Tem alimento bonito. Tem alimento bonito. Obrigado, obrigado. Tem alimento bonito. Tem alimento bonito”.

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A metáfora utilizada para ensinar o processo de germinação é a da “plantinha que está dormindo”. Para acordá-la, é preciso regá-la com os “banhos”. Aos poucos, depois de vários banhos, ela desperta e começa a criar um nariz (broto), como se estivesse começando a respirar para ficar desperta. Quando comemos os brotos, também ficamos mais dispostos e despertos para a vida. O projeto aguçou a curiosidade das crianças pelas plantas e sementes da região. Vários pais relataram que, por onde andam, seus filhos recolhem sementes e perguntam: qual é o nome daquela semente? Dá para comer? Que planta ela vai virar? Dessa forma, as famílias são “seduzidas” a entrar na brincadeira. Na linha de preparo dos próprios alimentos, as crianças também aprendem a cultivar hortaliças e legumes. Para isso, são instruídas a fazer a compostagem do material orgânico, a cuidar do minhocário, da sementeira etc. A agricultura, uma ocupação tradicional na região, vai sendo ao mesmo tempo valorizada e ganha outra vez significado para essa nova geração de canoenses, levando em consideração o meio ambiente e a saúde humana. ALGUMAS RECEITAS PARA BRINCAR DE BIU PORAN SUCO DE CLOROFILA 1 punhado de grama de trigo ou de milho (cultivado na bandeja de terra), 1 maçã, 1 punhado de hortelã, 1 punhado de lentilha germinada, 1 punhado de folhas verdes comestíveis (alface, chicória, folha de chuchu, almeirão etc.) Bata no liquidificador e coe num coador de pano. CREME DE ABACATE COM AMENDOIM GERMINADO Abacate batido, limão e sal marinho. Acrescente tomate picadinho e 1 xícara de amendoim germinado. Sirva acompanhado de réguas de cenoura ou ervilhas inteiras, estimulando a “pescaria” dos amendoins dentro do creme. SORVETE DE BANANA Banana congelada batida no liquidificador servida com creme de manga batida e amendoim germinado por cima, fazendo desenhos. Mudar hábitos alimentares não é algo fácil nem rápido. O ritual de comer é atravessado por crenças, tradições, afetos, sabores e dissabores. Alimentar as crianças no período em que freqüentassem o Espaço Compartilharte já seria um avanço, mas sem nenhuma garantia de que os hábitos aprendidos ali as acompanhariam por toda a vida. Assim, era esperado que as famílias e os membros da comunidade também fossem, aos poucos, contagiados pela “magia” dos alimentos germinados e pela dieta chinesa.

Existem materiais pedagógicos sobre o assunto, entre eles o livro Mariazinha Pensadeira descobriu as sementes, de autoria de Inês Reis, da Fundação Oswaldo Cruz. Além disso, o próprio Espaço Compartilharte está organizando um livro sobre o tema, e realizou o Laboratório da natureza, com o plantio das sementes recolhidas na mata e nas estradas, e a Compostagem, chamada pelas crianças de Boca da Terra. Para as crianças, se alimentamos a “boca da terra” com muita folha verde, ela fica “feliz e forte”, fazendo então com que as plantinhas também sejam felizes e fortes, estas, por sua vez, serão comidas e deixarão a todos... “felizes e fortes”. O EC também realiza a campanha da identificação das sementes junto aos pais, crianças e educadores, para o trabalho de sensibilização geral.   O “nariz” como maneira de chamar o broto que desponta na terra surgiu nas brincadeiras com as crianças. Para elas, quando a semente fica com “nariz”, está pronta para ser comida.

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Metodologia O Programa Compartilhando a Arte de Brincar está baseado em várias referências metodológicas e diferentes linhas de pensamento. Neste capítulo, apresentaremos a metodologia do trabalho específico com crianças, no entanto, a filosofia e os princípios são válidos para todos os outros públicos.

PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO O planejamento pedagógico é construído a partir do planejamento estratégico institucional. Trata-se de um processo participativo, coletivo e dinâmico, realizado em estreita interface com os processos de monitoramento e avaliação, de forma a realimentar, definir e embasar a tomada de decisões. As atividades de planejamento e avaliação são permanentes e acontecem de forma mais sistemática nos seguintes períodos: Anualmente: define-se um grande eixo ou tema pedagógico que perpassará todos os projetos e atividades a serem desenvolvidos levando em consideração:  O que foi avaliado sobre o processo do ano que está acabando.  As demandas e potencialidades locais em interface com acontecimentos e o contexto global. O planejamento do tema anual se desdobra em diferentes níveis, envolvendo crianças, familiares, membros da comunidade e educadores. Mensalmente: definem-se os projetos e temas de trabalho, estabelecendo objetivos e resultados esperados. A cada duas semanas: educadores se reúnem para avaliar o andamento do trabalho e definir as atividades e ações a serem desenvolvidas, e as atribuições e os recursos necessários para o período. Diariamente: educadores e crianças reúnem-se para planejar o dia de trabalho, dentro da perspectiva e das estratégias supracitadas.

Execução do Projeto Pedagógico Passos que orientam a execução do planejamento pedagógico: 1 – Desenvolvimento da pesquisa do tema do Projeto Pedagógico  Primeiro, consulta-se o educador.  Em seguida, os educandos.  Depois, buscam-se informações em outras fontes de aprofundamento e desenvolvimento do tema definido, tais como: - Biblioteca e internet - Comunidade e famílias - Livros, músicas, poesias, entrevistas, jornais e revistas, vídeos gravados de canais de TV, pinturas, exposições e peças teatrais.

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2 – Atividades e estratégias diversificadas Em um mesmo espaço físico – sejam as salas ou as áreas externas – são disponibilizadas várias opções de atividades simultâneas. Essa estratégia visa respeitar o ritmo, interesses e demandas individuais de aprendizagem, manifestados pelas crianças. Dentro da estratégia de diversificação de atividades, o Programa Brincar busca equilibrar aquelas realizadas individualmente, em duplas e em grupos maiores; nas salas; ao ar livre, nos espaços externos; e aquelas que trabalham diferentes formas de expressão, materiais didáticos distintos e linguagens diversas – oral, escrita, cênica, plástica. 3 – Organização do espaço físico e dos materiais O espaço físico onde são desenvolvidas as atividades do Programa Brincar é organizado de forma flexível, aproveitando as características arquitetônicas, como as “paredes que se abrem”, e o mobiliário facilmente deslocável. A escolha dos materiais é pautada pelo princípio da “simplicidade e praticidade”, privilegiando a utilização de recicláveis e produtos mais baratos. Por exemplo, as estantes das salas de atividades do Brincar foram feitas pelos educadores, com a ajuda das crianças, a partir de caixotes de madeiras. Muitos brinquedos são confeccionados com massa de modelar de fabricação artesanal, com papel reciclado antes utilizado para desenhos e pinturas, com papel machê aplicado na modelagem de bonecos de fantoche, entre outros recursos. Assim, o Brincar busca incluir as crianças e seus familiares no processo de aprender-fazer seus próprios materiais pedagógicos, estimulando o potencial criativo e o não-consumismo. A participação ativa dos alunos, familiares e educadores nas produções é valorizada de maneira a fortalecer seu potencial para a transformação social e relativizar o estado de “meros beneficiários de programas e políticas”. Embora trabalhe com diversidade e variedade, o Brincar possui uma rotina diária, que contribui e propicia a organização espaço-temporal, bem como a construção de referências e regras de convivência coletiva. É dentro dessa realidade que a roda, a hora dos alimentos e os hábitos de higiene, entre tantos outros hábitos, são incorporados.

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4 – A organização de grupos de trabalho O Programa Brincar combina basicamente dois critérios para a organização dos grupos de trabalho: faixa etária e área de interesse. O convite e estímulo ao “rodízio de atividades” visam propiciar que a criança tenha a oportunidade de experimentar várias opções e, assim, escolher aquilo que lhe dá mais satisfação, ou seja, a criança é encaminhada para aquelas atividades nas quais precisa desenvolver as suas habilidades. 5 – Construção dos combinados Os “combinados” se referem ao conjunto de regras grupais que possibilitam a convivência e regem a participação de educadores e educandos, nas ações cotidianas do Brincar. Eles são construídos de maneira coletiva e processual. Sempre que consolidados ou modificados, os “combinados” são registrados por meio de desenhos, pinturas ou textos. Esses registros ficam expostos em cartazes ou murais. Um exemplo comum é quando uma criança tira, sem pedir licença, um brinquedo da outra. Nesse momento, o grupo lembra dos combinados, mostrando que é preciso ter cuidado com o colega, pedir licença e perguntar se pode brincar junto. Esses conjuntos de regras servem tanto para as crianças e famílias, quanto para os educadores. Nas refeições, por exemplo, a regra “todos devem comer de tudo” vale para todos. A importância de respeitar os combinados vem da compreensão de que eles são a materialização, na prática diária, dos valores – tais como a ética e a verdade – do Espaço Compartilharte. No início do Brincar, por diversas ocasiões, ouvimos relatos de alguns educadores, afirmando ou reconhecendo suas próprias dificuldades em estabelecer e, principalmente, fazer cumprir determinadas regras. Uma questão era recorrente: “Como colocar limites para crianças que já vivem em situações de exclusão, privação, vulnerabilidade?”. Ao longo do tempo, temos buscado estabelecer, com a equipe, a construção de regras, valores, normas, parâmetros que possibilitem à criança lidar com as situações em que ela se encontra vulnerável ou excluída. Nas primeiras versões dos “combinados”, mediadas pelos educadores, era recorrente encontrarmos uma série de “nãos”. “Não pode isso, não pode aquilo...” Refletimos que os combinados não são um conjunto de “nãos”, mas implicam, sobretudo, em um conjunto de “sins”, um conjunto de possíveis. E, hoje, dentre todas as versões dos combinados do Brincar, existe um que nunca sai de pauta: as crianças dizem “aqui podemos brincar”. Depoimento de coordenadora pedagógica

AVALIAÇÃO E SISTEMATIZAÇÃO O Programa Brincar é monitorado dentro do plano estratégico do Espaço Compartilharte. A avaliação específica recai sobre dois eixos principais e integrados:  O desenvolvimento integral das crianças.  O processo, os resultados e o impacto gerados pelas atividades do Brincar. Utilizam-se diferentes instrumentos quantitativos e qualitativos, dentre os quais o registro audiovisual (foto/filmagem). Os resultados são registrados e comunicados por meio de relatórios consolidados periodicamente, constituindo importante fonte de aprendizagens para beneficiários, projetos, instituições, e sustentando, ainda, a própria sistematização da experiência.

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Marcos conceituais Com relação aos marcos referenciais, utiliza-se uma base de leis, teses e estudos acadêmicos para nortear as ações, além de obras de autores nacionais e estrangeiros que ajudam a pensar a educação em valores e direitos humanos. Como Lurdinha é consultora-formadora de conselheiros tutelares em vários estados brasileiros, o Estatuto da Criança e do Adolescente é uma referência fundamental e bastante constante. A leitura de textos sagrados de várias tradições também influencia fortemente o trabalho do Espaço Compartilharte. No entanto, os profissionais que ali trabalham têm liberdade de professar suas próprias crenças ou serem agnósticos, não sendo exigido deles que se filiem à determinada religião. O que conta, para o EC, é a crença e o exercício de valores de solidariedade, amor e ajuda mútua, os quais configuram a ética da organização e contaminam todas as suas Veredas. Vale considerar que a presença desse forte ecletismo conceitual exige um esforço considerável de síntese e adaptação à realidade local, sob pena de colocar o trabalho sob o risco da superficialidade e dos conflitos de referência. A formação continuada dentro e fora do EC cria uma comunidade de estudos que ajuda nesse esforço de compatibilização das referências e adequação das práticas.

Abaixo, estão resumidos os referenciais teóricos mais presentes no Programa Brincar . Desenvolvimento humano, educação e proteção integral: principais idéias  Formação integral: visão integral do ser humano.  Quatro pilares da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser (Relatório Delors, Unesco, 1998).  Atuação integrada: conhecimentos e estratégias articulados.  Tempos e espaços integrados: jornada ampliada.  Parceria e projeto comum: família + escola + comunidade.  Educação para o desenvolvimento sustentável.  Múltiplas dimensões da pobreza. Não se trata somente de “falta de oportunidades” – construção coletiva de oportunidades + aprender-ensinar a fazer escolhas.  Mobilização comunitária como pressuposto.   Foram também compilados ensinamentos de Jesus, São Francisco de Assis, Gandhi, Betinho e Frei Betto, mas, por questão de espaço, eles não serão apresentados.

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Compartilhamos com Paulo Freire: A visão de mundo e propostas reunidas na “pedagogia do oprimido” e na “educação popular”, destacando-se:  A dimensão política da educação.  A educação como possibilidade de libertação.  O desenvolvimento de uma visão e postura críticas em relação ao mundo.  A “leitura do mundo precedendo a leitura das palavras”.  A perspectiva da educação para a cidadania.  O reconhecimento da cultura local como ponto de partida para todo trabalho educativo.  A problematização do cotidiano como método.  A visão dialética da relação entre educadores e educandos.  A visão dialética da construção do conhecimento: teoria x prática.  A perspectiva dialógica e intersubjetiva da construção do conhecimento.  A preocupação com a formação dos educadores. Freinet nos inspira nos seguintes aspectos:  A “escola viva”, a educação vista como continuidade da vida familiar e comunitária buscando trazer a vida cotidiana para o centro dos processos de ensino-aprendizagem.  A inclusão do potencial criativo e expressivo da criança no processo pedagógico buscando identificar e estimular focos de interesse da criança.  O reconhecimento de diferentes possibilidades de expressão – oral, plástica, escrita.  O foco no trabalho cooperativo e a possibilidade de socialização do conhecimento.  A idéia de disciplina, norma e autoridade vista como necessária, mas colocada numa perspectiva cooperativa entre educadores e educandos.  O reconhecimento do conhecimento da criança e de seu potencial para ensinar e trocar com o educador.  A inserção da “biblioteca” ou “espaço de leitura” e o trabalho com os “textos livres”: a vida como material pedagógico.  A perspectiva das técnicas do trabalho pedagógico modificando as relações entre as crianças e o meio, as crianças e os educadores e as crianças entre si.  A possibilidade de construir os planos de trabalho/planejamentos diários com as crianças.  A inserção das famílias no trabalho cooperativo e criativo de construção da proposta pedagógica.  O informativo/jornal comunitário e as apresentações artísticas das crianças como formas de também sensibilizar as famílias, comunicando o desenvolvimento do trabalho pedagógico. Sobre Piaget, conversamos:  Desenvolvimento infantil. Quem é a criança, como ela acessa o mundo, organiza seu pensamento e suas ações.  Como a criança constrói o conhecimento – o “aprender a aprender”.  O conhecimento como possibilidade de agir sobre/transformar o mundo e a si mesmo.  A visão do conhecimento como processo.  Heteronomia x autonomia: para ser autônomo é preciso primeiramente ser heterônimo.  A consideração dos interesses da criança no processo e a aprendizagem significativa.  A importância do brincar no desenvolvimento infantil. 74


Com Vygotsky, compartilhamos:  A perspectiva de que somos constituídos em determinado contexto históricocultural, ao mesmo em tempo que construímos o ambiente onde vivemos.  A visão materialista de sociedade como organismo em processo constante de transformação.  A visão sociointeracionista de construção do conhecimento: o conhecimento via a interação social.  A noção de aprendizagem significativa: só se aprende o que faz sentido.  A importância do brincar no desenvolvimento/aprendizagem da criança. A literatura base do EC aponta para autores clássicos da educação e do desenvolvimento humano, os quais compõem uma visão humanista, ampla e contextualizada da infância. O brincar deve ser visto, portanto, como dimensão constitutiva dos processos de socialização de adultos e crianças, e não como técnica ou atividade para “passar o tempo”. As crianças são vistas como atores sociais que também participam da construção do conhecimento, aprendem experimentando e negociam as regras e os sentidos coletivos. A perspectiva da educação em direitos e valores humanos acentua a dimensão da interdependência, ou do caráter relacional da sociedade, o que enfatiza as noções de solidariedade, responsabilidade sobre os próprios atos e escolhas desde a mais tenra idade.

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Linha do tempo

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1999  O atendimento às crianças passa a ser diário.  Aprovação de projeto junto ao BNDES: ampliação das instalações, aquisição de

equipamentos e do primeiro veículo para transporte das crianças.

 Início do sistema de transporte das crianças nos trajetos casa–EC–casa.  Implantação do Programa de Formação Permanente de Educadores.  Capacitação de educadores e jovens em Oficinas Lúdicas, com os “criançólogos”

Rodrigo Libânio Christo e Michela Van Doornik Christo.  Ampliação do trabalho junto às famílias e membros da comunidade: pesquisa de opinião, visitas domiciliares, grupo de mulheres e oficinas profissionalizantes.  Participação na festa do padroeiro, a convite da paróquia local.  O Espaço Compartilharte é eleito membro titular dos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente, Assistência Social e Renda Mínima de Teresópolis.

2000  Início do trabalho por projetos: os “Direitos da Criança e do Adolescente”    

como tema. Implantação do primeiro Conselho Tutelar no município. Disseminação da experiência do Brincar junto a educadores, crianças e jovens do município. Capacitação de educadores sobre “Desenvolvimento Infantil e Brincar”, com o psicólogo Marcelo de Abreu Maciel. Capacitação de educadores e jovens em Oficinas Lúdicas, com os “criançólogos” Rodrigo Libânio Christo e Michela Van Doornik Christo.

2001  Primeiro Censo Comunitário de Canoas.  A “Comunidade” como tema do projeto pedagógico.  Produção do livro Compartilhando a Arte de Brincar, fruto da pesquisa de  

 

brincadeiras junto às comunidades atendidas. Disseminação da experiência do Brincar junto a educadores, crianças e jovens do município de Teresópolis. Disseminação da metodologia de trabalho sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para conselheiros de direitos, tutelares, voluntários e outros profissionais do sistema de garantia de direitos do Estado do Rio de Janeiro, por meio de parceria com o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente/Governo do Estado. Nova sede dedicada exclusivamente ao atendimento das crianças de 2 a 6 anos. Participação de educadores no Fórum Mundial de Educação, em Porto Alegre.

2002  Novas parcerias viabilizam ampliação da equipe técnica.  Semifinalista do Prêmio Criança 2002, da Fundação Abrinq.  Realização da “procissão folclórica”, com a apresentação do espetáculo: Mineiro

Pau, na comunidade.

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2003  Disseminação da metodologia de trabalho sobre o ECA nos estados do Rio de

   

Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, por meio de parceria com Furnas Centrais Elétricas e a Presidência da República. Capacitação de jovens locais para mediação de leitura a crianças de 2 a 6 anos da comunidade, dentro do Programa Mudando a História, da Fundação Abrinq. Capacitação de educadores sobre “Avaliação e Sistematização” com a pesquisadora Isa Guará. Disseminação da metodologia de confecção de brinquedos reciclados por meio de vídeos e vinhetas produzidos e veiculados pelo canal Futura. Implementação do Projeto Vereda da Convivência Familiar e Comunitária, em parceria com o Instituto Desiderata.

2004  Implementação do Espaço Volante: instalação de espaços de brincar nas ruas da

comunidade e domicílios das famílias atendidas.  Recebimento do Prêmio Criança 2004 pelo Programa Compartilhando a Arte de Brincar.

2005  Implementação da Rede de Proteção Integral (RPI).  Sistematização do Programa Compartilhando a Arte de Brincar.

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Reflexões Ao longo do caminho, em seus oito anos de existência, o Espaço Compartilharte recolheu muitas aprendizagens dentro do Programa Compartilhando a Arte de Brincar. Neste capítulo, destacaremos algumas delas.

1 – CONSTRUIR O SENSO DE COMUNIDADE A palavra “comunidade” tem sido bastante usada, muitas vezes de forma exagerada quando falamos de ações de desenvolvimento local. No entanto, o trabalho do Espaço Compartilharte mostra que um agrupamento de pessoas, um povoado ou uma localidade nem sempre são comunidades no sentido de responsabilidade mútua entre seus habitantes. A iniciativa leva à reflexão: “O que pode levar um grupo de pessoas a tecer laços e vínculos até que, então, se constitua numa comunidade?”. A resposta está na construção da confiança, fruto de um processo longo e paciente que é, ao mesmo tempo, o único caminho para a solidificação do sentimento de comunidade. No caso do Brincar, foi preciso criar oportunidades de convivência iniciais, o que se deu por meio da realização das festas, do atendimento às crianças e da estruturação de programas para familiares. Além das atividades e práticas em si, a disposição para o diálogo na diferença foi condição fundamental muito facilitada pelas estratégias lúdicas de brincar, cantar e fazer arte juntos. A realização do diagnóstico socioeconômico e ambiental, representado pelo Censo Comunitário Compartilharte, também ajudou na consolidação da visão de conjunto e na identificação conjunta de talentos, problemas e prioridades de ação. O levantamento sobre os moradores da comunidade, quem eram, quais eram seus hábitos, suas histórias e seus mitos, possibilitado pelo Censo, ajudou a recuperar saberes que favoreceram um sentido de identidade comunitária. Alguns casos recolhidos foram transformados em esquetes de teatro de fantoches e encenados para os moradores, envolvendo as crianças na manutenção da memória local. Ao mesmo tempo, as informações sociodemográficas colhidas na pesquisa ajudaram tanto no aprimoramento das ações do Espaço Compartilharte quanto na identificação das políticas públicas prioritárias para aquela população. Outra questão importante é que, ao longo dos 15 anos de trabalho na região, o Espaço Compartilharte tem acompanhado as crianças que já passaram pelo Programa Brincar, conseguindo, inclusive, a inserção de algumas delas, hoje adultas, em seu quadro de funcionários. Outra contribuição do EC nesse período foi a ajuda prestada no acolhimento e na estabilização das famílias migrantes, e a construção de vínculos importantes com pessoas e parceiros institucionais.

2 – ROMPER COM A DEMANDA POR ASSISTENCIALISMO Uma questão que permanece como desafio é a construção de uma cultura de direitos em detrimento de uma cultura que naturaliza as desigualdades socioeconômicas e entende as obras e os serviços públicos, tais como o asfaltamento de estradas e a construção de escolas, como favores de determinado político – ou sinal de prestígio de algum proprietário rural. A leitura desse jogo de forças forja na população uma descrença no seu poder de influência e transformação, o qual, por sua vez, alimenta a demanda por mais favores, na lógica gratidão/lealdade tão cara ao clientelismo.

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Quando alguém se propõe a fazer um trabalho numa base democrática, ouvindo e valorizando o que determinada comunidade sabe e faz, há uma quebra do padrão de valores e comportamentos mais conhecido, e as pessoas perdem as referências de seu antigo repertório de relações. Essa ruptura, muitas vezes, é vivida com angústia, gerando resistência às ações de transformação. No caso do Programa Brincar os profissionais do EC tiveram que firmar seus posicionamentos com energia e convicção, investindo em recursos materiais e formação profissional qualificada e não ocupando o lugar de solucionadores de problemas, mas de mediadores na construção de alternativas de transformação locais. Como isso tem sido feito? Descomprimindo a imaginação. As brincadeiras com as crianças, as famílias e a comunidade estimularam o pensamento e o sonho sobre aquilo que eles gostariam de transformar em suas vidas. Esses desejos viraram desenhos, textos e também projetos de trabalho que foram viabilizados com a ajuda do Espaço Compartilharte e de seus parceiros. Evitando a vitimização dos excluídos dos direitos. Em vez de oferecer caridade, a política do EC é de troca, na crença de que todo mundo tem algo a oferecer. Uma forma trabalhar isso na prática é inserindo a comunidade como ator importante nas ações de ampliação da sustentabilidade. Os programas estão permanentemente abertos à participação de mães e pais em mutirões de limpeza dos espaços físicos da entidade, na construção de brinquedos etc. O familiar que chega para colaborar assina um termo de voluntariado e seu dia de trabalho é convertido em “canoas”, moeda criada pela organização e que serve como “dinheiro” para aquisição de cesta básica, remédios, roupas etc. Uma “canoa” equivale a um dia de trabalho voluntário, e tem como referência o valor de meia cesta básica. O Espaço Compartilharte utiliza essa moeda de troca também na oferta de alguns dos seus produtos e serviços que, em vez de serem pagos em dinheiro, podem trocados por frutas, legumes e verduras produzidas pelas famílias. Priorizando a inserção de comunitários na equipe técnica dos programas e oferecendo a eles formação permanente. Os jovens da comunidade, muitos exbeneficiários do Programa Brincar, são formados em metodologias de mobilização comunitária, educação em valores e gestão social, e ajudam a multiplicar e fortalecer a iniciativa em suas diferentes vertentes. Formando uma Rede de Proteção Integral para dar consistência à mobilização comunitária. Essa rede, que está em formação, tem sido um fórum de troca de informações e decisões sobre as ações do interesse coletivo que precisam ser levadas adiante junto ao poder público ou privado. A rede está de acordo com a Doutrina de Proteção Integral, como veremos no manifesto do Espaço Compartilharte pelos direitos das crianças de Canoas e arredores.

3 – EDUCAÇÃO INFANTIL NÃO-FORMAL: UM NOVO DESAFIO Diante da precariedade das políticas de educação infantil na comunidade, o Programa Brincar se propôs a oferecer atendimento às crianças de 2 a 6 anos de idade. A proposta era desenvolver atividades de educação integral que produzissem um efeito demonstrativo do que os pais deveriam receber do Estado. Com o sucesso obtido nessa primeira etapa, a próxima fase foi propor à Secretaria Municipal de Educação algumas das estratégias do Brincar e a realização de 82


atividades do projeto nas escolas públicas, fora do horário de aula. O órgão foi receptivo, mas a proposta ainda não foi efetivada. Dentro das recentes mudanças na legislação que rege a educação infantil e o ensino fundamental , a secretaria tem aventado a possibilidade de abrir uma pré-escola na região para atender crianças a partir de 5 anos de idade. O EC vem acompanhando a discussão, buscando informar e mobilizar as famílias para que também opinem e reivindiquem seus direitos. Algumas famílias demonstram resistência à possibilidade de colocar seus filhos na escola formal em detrimento das atividades do Programa Brincar. Isso se deve a múltiplos fatores, que incluem desde o fato de a escola só atender meio-período – o que inviabiliza a jornada de trabalho de muitos familiares – até a idéia de que a escola formal é desvantajosa em comparação ao Espaço Compartilharte. Quando as famílias manifestam essas opiniões, a equipe da organização reforça a importância da escola formal, mostrando que o trabalho do EC não a substitui, mas a complementa, e mobiliza a comunidade para a construção e fortalecimento da qualidade do ensino público local. No entanto, o fato de não estar ligado ao sistema formal de ensino público traz possibilidades diferenciadas para o atendimento do EC. Uma das diferenças marcantes é permitir um projeto pedagógico mais experimental, onde as referências espirituais-ecumênicas e ecológicas, incluindo a alimentação natural, são saberes que se encontram nas bases da prática. Outro ponto diferenciador é que a formação das educadoras incorpora preocupações como o desenvolvimento local sustentável, políticas de assistência familiar e comunitária e terceiro setor, questões que nem sempre estão presentes na pauta da educação formal. Para os gestores do Programa Brincar, esse enfoque pedagógico tem possibilitado uma convergência entre políticas de assistência social, de cultura e de educação que ajudam a superar a fragmentação do conhecimento, auxiliando a lógica da educação integral. Os problemas da formação tradicional ficavam claros quando era preciso contratar um novo educador para o Programa Brincar. Os candidatos que se apresentavam, tanto aqueles que completavam o curso de formação de professores quanto os pedagogos, por exemplo, não tinham conhecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente ou formação crítica a respeito de direitos. De uma maneira geral, eles enxergavam seu papel a partir da disciplina que lecionavam: “sou professor de geografia”, “sou professor de português”, “tenho experiência em música e teatro, pois sou arte-educador”. Mas não demonstravam conhecimentos sobre integração disciplinar ou sobre como seus trabalhos se articulariam com as famílias e com a comunidade. A dificuldade do EC no tocante à escolha de seus profissionais esbarrava, também, na visão de que, mais do que um “emprego” ou uma “carreira”, quem trabalha na instituição tem à frente o desafio de desenvolver um “projeto de vida”. Tal concepção repercute diretamente nas estratégias de formação continuada, a qual tem como prática a retomada constante dos planos pessoais, sempre alinhados ao plano institucional, que faz com que todos se vejam como educadores, independentemente da função que ocupem.   A escolaridade obrigatória passa a ser de nove anos e o ingresso no ensino fundamental deverá acontecer aos 6 anos de idade.

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“Todos os educadores, inclusive os que prestam serviços na parte administrativa e que participam de todas as capacitações, foram treinados para ler o olhar, a expressão facial da criança e imediatamente cuidar, escutar, abrir espaço para o desabafo que pode ser verbal, um choro, uma atitude mais agressiva com um coleguinha, sentar-se no chão emburrado e não querer participar da roda...”

Depoimento coletivo dos educadores do EC O fato de todos os funcionários do EC serem vistos como educadores enriquece em sentido as funções tradicionalmente operacionais ou burocráticas, fazendo com que todos tenham uma relação mais próxima com os beneficiários. A máxima que diz que o Espaço Compartilharte “não oferece empregos, mas projetos de vida” implica em uma grande responsabilidade, uma vez que os educadores (seja qual for sua função) devem observar os princípios institucionais e os direitos e valores humanos estando dentro ou fora de seu turno de serviço. O EC afina esse sentido de missão coletiva envolvendo sua equipe em ações de capacitação específicas e planejamentos mensais e anuais.

4 – VALORIZAR O DIREITO DE BRINCAR

“Quando eu era menor, brincar era fazer o que as pessoas não queriam que a gente fizesse. Eu me divertia fazendo o que os outros não gostavam. Com o passar do tempo, eu vi que o brincar não era sacanear o outro.”

Depoimento de Eliésio Santos Medas, 20 anos, beneficiário do EC desde os 5 anos de idade e, hoje, educador na organização. Os educadores do Espaço Compartilharte acreditam que a valorização do direito de brincar na comunidade não aconteceu pela descoberta do “prazer de brincar”, já que este não era culturalmente valorizado. Eles enxergam a causa da mudança de cultura em algo muito mais pragmático: a articulação de um grupo pessoas, vinculadas ao EC, e à Vara da Infância, da Juventude e da Família, no sentido de denunciar maus-tratos e trabalho infantil, principalmente nas lavouras e casas de família. Essa intervenção induziu os pais a solicitarem a matrícula de seus filhos no Programa Brincar. A disposição de lutar pelos direitos das crianças e o acolhimento a elas oferecido ajudaram a consolidar os vínculos das famílias locais com o grupo que criou o Espaço Compartilharte. Essa base de confiança ajudou a quebrar as resistências e a garantir a credibilidade necessária para a construção de uma nova visão da comunidade sobre o brincar. Algumas estratégias nesse sentido merecem destaque: Brincar não é coisa só de criança. Explicar para os adultos a importância do brincar por meio de palestras e aulas expositivas pode ser um contra-senso. Ao mesmo tempo, como convidar, para danças em roda, pintura com os dedos e outros “brincares”, adultos que consideram isso perda de tempo? A resposta é: com paciência e perseverança. Esse processo se deu aos poucos entre os adultos. A experimentação começou dentro do grupo de mulheres, brincando 84


de arrumar os cabelos com flores, a trocar receitas de beleza ou a fazer máscaras de argila. Esses fazeres originaram conversas, nas quais cada uma contava seus dramas, compartilhava problemas e segredos, ria e chorava, e começava a despertar o próprio prazer e a criatividade. Dia após dia, cada uma ia achando seu jeito de brincar com os filhos, em casa ou em atividades coletivas, tais como oficinas e capacitações abertas a adolescentes, jovens e mães da comunidade. Homem que é homem também brinca. Se a cultura local inibia as mulheres de brincar, para os homens havia uma verdadeira interdição. O jeito de trazer os homens ao universo da brincadeira foi convidá-los para que viessem construir brinquedos para e com seus filhos. Percebeu-se que os pais se orgulhavam de mostrar suas habilidades manuais com madeira, lata e plástico, e ficavam sensíveis ao argumento de que era mais econômico construir do que comprar brinquedos. Uma vez “fisgados”, pais entusiasmados recriavam brinquedos de suas infâncias e ensinavam seus filhos a se divertirem como eles. Eram momentos importantes, nos quais as histórias de infância desses homens emergiam. Essas atividades abriram caminho para o brincar coletivo nas festas e também para ampliar o repertório de todos, dentro do entendimento de que todas as atividades cotidianas podem ser transformadas em brincadeira. Brincando, brincando as crianças crescem e aparecem. Uma estratégia que trouxe prestígio para as atividades do Programa Brincar foi a culminância dos projetos com a apresentação de um espetáculo de teatro, procissão folclórica ou performance musical produzido com crianças e adolescentes. Muitas dessas montagens nasciam de idéias colhidas nas brincadeiras espontâneas e nos casos que apareciam no cotidiano do Brincar, as quais iam sendo trabalhadas cenicamente até estarem prontas para a apresentação no Teatro Raízes da Roça, ou em outros palcos em Teresópolis e no Rio de Janeiro. Quando os pais viam seus filhos atuando e sendo admirados por outras pessoas, passavam a ter uma relação de admiração e orgulho que muitos antes não tinham. “Agora sim estou tendo orgulho de minha filha, pois em todos os teatros que ela fez ela não falava, só se apresentava com o movimento do corpo, muda... ou com os fantoches na mão. Agora eu sei que ela sabe representar com falas também. Até chorei de orgulho dela. Ela, agora, está diferente, mais solta e conversa mais comigo, com o pai, com os irmãos e até com o patrão. “

Fátima, 54, mãe de Jaqueline, 11 anos

“Eu batia muito neles, espancava mesmo, pois eles chegavam da escola me pedindo pra ajudar no dever e eu não consigo. Depois que eles vieram para o Espaço Compartilharte eu aprendi a brincar com eles e eles comigo.”

Alaíde, 35 anos, mãe de três crianças de 7, 9 e 11 anos

Nomes fictícios.

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Resultados “As crianças estão aprendendo só coisas boas. Acho que estão fazendo coisas maravilhosas no Espaço e isso evita que estejam fazendo bobagem pela estrada afora. Marta, quando começou, há um mês, nunca tinha pegado no lápis. Hoje ela já faz desenhos lindos e Lindalva mudou o comportamento. Ela, que era muito respondona, já fala até de amor.”

Ângela, mãe de Marta e tia/responsável por Lindalva, ambas começaram a freqüentar o EC em abril de 1999 Como as ações, planos e estratégias do Programa Brincar têm transformado a vida das crianças, educadores, familiares e comunidade? Tentando responder a essa questão, este capítulo apresenta algumas evidências das mudanças que o Programa Compartilhando a Arte de Brincar vem ajudando a produzir.

1 – MUDANÇA CULTURAL EM RELAÇÃO AO DIREITO DE BRINCAR Espaços e tempos para o brincar coletivo ampliados. Além do atendimento diário na sede, inclusive durante os feriados, outras atividades são levadas à comunidade como um todo e têm atraído bastante gente. Exemplos: caminhadas ecológicas; Dia do Desafio, com toda a família brincando de exercícios físicos; e o Dia da Floresta, com avós ensinando os pequenos a identificar as árvores, sementes, pássaros. A comunidade vai descobrindo que mesmo sem ter praças e parques, existem “vários espaços de brincar”. Assim, com algum tratamento prévio, as porta de armazéns e biroscas, os sítios vazios, e os largos em frente aos pontos de ônibus, que serviam antes apenas para a manobra dos mesmos, se transformam em palco para piqueniques e brincadeiras diversas. Repertório de brincadeiras ampliado e sistematizado. O Programa Brincar tem sido um ótimo laboratório de invenção e pesquisa de brincadeiras novas e antigas. Esse conhecimento tem sido utilizado em capacitações voltadas tanto aos educadores do Espaço Compartilharte e das escolas locais quanto às famílias das crianças atendidas. Uma vez testadas e aprovadas, as brincadeiras são registradas e passam a compor um material de disseminação. Os primeiros produtos desse trabalho são um livro com cerca de 150 brincadeiras (com e sem músicas) e cinqüenta brinquedos construídos com sucata, que resgatam os saberes e fazeres da comunidade, e cerca de dez livretos de registro do processo pedagógico, que relatam os vários brincares trabalhados no Programa Brincar. O brincar inserido na vida familiar. A difícil “conquista” dos homens pelas brincadeiras foi alcançada pelo Programa Brincar a partir da compreensão do tipo de atividade que os deixava mais confortáveis, como a construção/manutenção de pequenas benfeitorias – cercas, pintura, horta etc. Enquanto os pais eram chamados para esse tipo de atividade, as mulheres eram chamadas para cozinhar, e as crianças para fazer saladas e ajudar nas sobremesas. No fim do trabalho, todos se juntavam para tocar e cantar.   Nomes fictícios.   A maioria dos indicadores de resultado é qualitativa, ou seja, verificável, mas nem sempre quantificável.

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Nas famosas festas do Espaço Compartilharte, formaram-se grupos de música ao vivo com pais, mães, avós, tios e irmãos das crianças que, unindo gerações, tocavam sanfona, pandeiro, violão etc. De geração para geração. Alguns dos jovens protagonistas que iniciaram seu atendimento no EC antes dos seis anos de idade são, hoje, educadores nas diversas áreas da organização, trabalhando como cooperativados ou estagiários. É a primeira geração de “brincantes” ajudando a formar as novas gerações e a fortalecer o sentimento positivo de pertencimento àquela comunidade.

2 – IMPACTO NO RENDIMENTO ESCOLAR DAS CRIANÇAS QUE FREQÜENTARAM O PROGRAMA BRINCAR Melhor desempenho escolar. Todas as crianças que passaram pelo Programa Brincar tiveram desempenho escolar, entre a primeira e quarta séries do ensino fundamental, melhor do que aquelas que não passaram. Esses dados foram obtidos no acompanhamento que a educadora do EC faz junto à coordenadora pedagógica das duas escolas municipais da região. Longevidade escolar favorecida. Em 1991, a maioria dos alunos da região estudava, em média, dois anos. Em 2005, todas as crianças e adolescentes que passaram pelo Programa Brincar estavam matriculadas e cursando as séries correspondentes às suas idades. Desde o início do Brincar, e mesmo nas fases anteriores que não estão no horizonte temporal dessa sistematização, todas as crianças atendidas regularmente no Espaço Compartilharte concluíram a 8ª série do ensino fundamental e quase todas (98%) concluíram o ensino médio.

3 – IMPACTO NA EDUCAÇÃO FORMAL LOCAL Melhorias físicas e de pessoal conseguidas via mobilização comunitária. Uma reivindicação antiga da comunidade junto aos Conselhos de Direitos e à Prefeitura Municipal, apoiada pelo Espaço Compartilharte, pela Vara da Infância e da Juventude e pelo Ministério Público, era a universalização do atendimento, na educação infantil, às crianças de 2 a 6 anos moradoras da zona rural. Em 2004, a Secretaria Municipal de Educação instalou Classes de Alfabetização (CAs) nas escolas de sua responsabilidade. Como as crianças atendidas pelo Programa Brincar chegavam com nível de conhecimento superior ou equivalente àquelas que cursavam a primeira e a segunda série, elas eram deslocadas para o refeitório de uma das escolas, onde passavam o período assistindo filmes, sem o acompanhamento de professores, apenas observadas pelas merendeiras. Diante dessa situação, as famílias buscaram a orientação da equipe do EC e se mobilizaram para exigir que a prefeitura solucionasse o problema. A iniciativa teve sucesso: mais duas salas de aula, um refeitório e um pátio, em uma das escolas rurais, foram construídos, e uma outra escola foi reformada. Em seguida, o poder público extinguiu as classes multisseriadas e contratou mais professores para as duas escolas rurais. Houve também uma adaptação nos horários das escolas para que alguns alunos pudessem continuar seu atendimento nos programas do EC. Mudanças nas práticas escolares implementadas. O desempenho diferenciado das crianças do Programa Brincar levou a Secretaria Municipal de Educação a propor uma parceria com o EC, para a realização de atividades de educação em

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valores e direitos usando o brincar, a arte e a cultura em período complementar ao escolar. Os principais resultados dessa iniciativa foram:  Estabelecimento de um código de ética das turmas nos moldes da construção dos “combinados” do Programa Brincar, que ajudou o estabelecimento e cumprimento de rotinas.  Melhoria dos níveis de concentração dos alunos com esse tipo de dificuldade a partir da realização de dinâmicas diárias de meditação e de jogos de atenção.  Diálogo facilitado por meio das brincadeiras e dinâmicas teatrais, em que foram trabalhados o respeito e a diversidade.  Capacidade de cuidar de si e do bem comum fortalecida por meio de jogos colaborativos, passeios pelos arredores, estratégias de construção de brinquedos, empréstimo de brinquedos e livros do EC e dos alunos entre si. Mais desenvoltura na escrita e leitura. Os alunos passaram a escrever com mais freqüência e segurança, e algumas crianças de primeira e segunda série que não conseguiam ler passaram, a partir do 13º encontro, a ter melhor desempenho, tanto na escrita como na leitura. Aumento considerável da freqüência na biblioteca do Espaço Compartilharte por parte dos alunos das escolas públicas, assim como aos eventos culturais promovidos pela entidade.

4 – AMPLIAÇÃO DAS AÇÕES DE GARANTIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Melhoria nas condições de saúde e nutrição das crianças e famílias. Com a implementação das ações de promoção da saúde, alimentação balanceada e educação alimentar pelo Espaço Compartilharte, em conjunto com o atendimento médico no posto de saúde ou com o encaminhamento para outros serviços da rede pública, foi possível tirar as crianças dos quadros de doenças recorrentes em um período de oito a 12 meses.

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Além do impacto direto na saúde de todos, a mudança de hábitos de higiene e alimentares das crianças e os cursos de nutrição e culinária dirigidos à comunidade proporcionaram a valorização, pelas famílias, de alimentos com maior valor nutricional e estimularam a montagem, em suas casas, de hortas compostas de verduras, legumes e ervas medicinais. Violência familiar diminuída. A comunidade vem compreendendo gradualmente a noção da criança como sujeito de direitos. Um dos exemplos mais importantes dessa conscientização foi o aumento das denúncias de violações dos direitos da criança e do adolescente feitas pelos membros da comunidade. Outras provas foram as iniciativas individuais dessas pessoas no correto encaminhamento de adolescentes em conflito com a lei. O trabalho de orientação familiar e resolução de conflitos teve também um impacto significativo na diminuição da incidência de violência doméstica e sexual contra crianças. Esse resultado foi fruto direto de encontros de familiares, reuniões de orientação familiar, visitas domiciliares, identificação e encaminhamento de demandas e potencialidades das famílias para serviços e projetos complementares, além de oficinas de cidadania com foco no fortalecimento da convivência familiar e comunitária.

5 – AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO E FORTALECIMENTO DA CONVIVÊNCIA COMUNITÁRIA Rede de parcerias articuladas. A consistência da participação comunitária nos projetos atraiu a atenção de várias instituições, que passaram a estreitar laços com o Espaço Compartilharte e, particularmente, com o Programa Brincar. Esse fato possibilitou o estabelecimento de interlocuções com os Conselhos Municipais de Assistência Social; de Direitos da Criança e do Adolescente, do Bolsa-Família, da Mulher, Tutelar e de Saúde, além da formação de alianças com a Vara da Infância, Juventude e do Idoso, a Rede de Saúde Mental, o Ministério Público, as Secretarias Municipais diversas e a Secretaria Estadual de Educação e de Cultura. Com o apoio do Instituto Desiderata, um banco de dados informatizado está sendo consolidado. E, na perspectiva de propiciar o fortalecimento institucional, o Espaço Compartilharte está atuando de forma a incrementar o programa de formação continuada e a contratação de técnicos comprometidos com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Participação comunitária crescente. Numa realidade marcada pelo clientelismo, construir espaços realmente democráticos para a participação comunitária não é fácil. No entanto, a mobilização cidadã cresceu consideravelmente na comunidade. Um exemplo: a participação de 242 votantes para a eleição da diretoria da Associação de Moradores e Amigos de Canoas, Prata dos Aredes, Socavão e Varginha, num esforço pela sua recomposição. Outro exemplo é a superação da expectativa do número de famílias participantes da Rede de Proteção Integral, de 15, envolvidas no primeiro ano, para 43 em apenas seis meses. A articulação dessa rede já moveu ações de defesa do consumidor, de melhoria da qualidade de transporte e iluminação públicos, e de mobilização comunitária na área da saúde, esportes e lazer. A rede também planeja o lançamento de seu informativo mensal. Possibilidades de geração de renda e emprego ampliadas. Oitenta por cento dos prestadores de serviço no EC eram moradores da própria comunidade. Com 90


exceção de duas jovens que cuidavam de seus filhos recém-nascidos, na época da avaliação de resultados da organização, todos os jovens que foram atendidos no EC quando criança, encontravam-se empregados. Os proprietários de sítios e comerciantes da cidade também passaram a procurar o EC como fonte de indicação de profissionais, o que aumentou a possibilidade de contratação de membros da comunidade atendidos pela instituição. Entre os motivos que explicam esse fenômeno está a realização de oficinas e cursos oferecidos à população local, que aumentaram a capacitação dessas pessoas e, conseqüentemente, as chances de geração de renda e colocação no mercado de trabalho. Entre os cursos ministrados e certificados pelo EC, destacam-se: a) para a comunidade em geral: corte e costura, tricô e crochê, alimentação alternativa, industrialização caseira de alimentos, pães artesanais, fitoterapia, fitocosmética, alimentação viva, agricultura orgânica, brincar, artesanato em bambu e madeira, vela, papel reciclado, papel machê e cartonagem, bijuteria, empreendedorismo social, informática, hotelaria, entre outros. b) para a comunidade inserida na equipe de educadores do EC: brincar, educação integral, direitos da criança e do adolescente, direitos humanos, valores humanos, políticas públicas, Lei de Diretrizes e Bases da Educação, CEBAS, desenvolvimento comunitário, fortalecimento familiar, desenvolvimento infantil, limites, sexualidade, gestão social (incluindo planejamento, monitoramento, avaliação e sistematização de programas e projetos sociais), entre outros.

6 – MELHORIA NA QUALIFICAÇÃO DOS EDUCADORES As avaliações em grupo, auto-avaliações, alinhamento institucional e envolvimento pessoal e profissional nas iniciativas e ações comunitárias garantiram maior comprometimento dos educadores com as crianças e a comunidade dentro e fora do EC. O fato de que todos os membros da equipe se viam como “educadores” despertou o interesse pela autoformação, fato que contribuiu para a qualidade da educação integral que se pretendia oferecer.

7 – NÚMERO DE BENEFICIÁRIOS O Programa Brincar beneficiou diretamente cerca de 670 crianças entre 2 e 6 anos, quinhentos familiares (adultos e jovens) e mil comunitários entre os anos de 1999 e 2005, além de contribuir para a formação de 120 educadores. As crianças foram beneficiadas por meio de dois caminhos: o oferecimento de quarenta vagas/ano para atendimento diário daquelas que têm entre 2 a 6 anos na sede, e de cerca de sessenta vagas para crianças entre 0 e 6 anos em atendimentos na comunidade e em seus domicílios. Os critérios para atendimento das crianças incorporam uma visão de vulnerabilidade ou risco pessoal que vai além dos tradicionais indicadores de renda, considerando o relacionamento dos membros familiares e os vínculos daquela família com a comunidade .   Não estão sendo consideradas aqui crianças que assistiram as apresentações itinerantes dos espetáculos montados pelo EC, nem as participantes de eventos com atividades lúdicas como, por exemplo, as brincadeiras ocorridas no SESC de Teresópolis que envolveram, por dia, cerca de mil crianças, a maioria na faixa etária de educação infantil.   Esse ponto indica uma das vantagens da participação daqueles que conhecem bem a comunidade a ser atendida na gestão de uma política pública. Esses atores estão mais bem habilitados a “sofisticar” os indicadores e adaptá-los às exigências locais, conferindo assim resultados mais perenes aos serviços oferecidos.

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Perspectivas Refletindo sobre as perspectivas de continuidade do Programa Brincar, diante da formulação de políticas públicas para essa faixa etária no município, surgem algumas diretrizes: Posição firmada de não substituir o Estado A instituição não trabalha com a possibilidade de “municipalizar” o Programa Brincar, oficializando-o, dessa maneira, como serviço de educação infantil. A iniciativa segue como uma proposta de educação integral que pretende complementar e fortalecer os espaços e instituições de educação e apoiar as famílias e as comunidades no usufruto de uma educação infantil pública de qualidade. Ampliação dos espaços e autonomia para o brincar Um esforço de negociação foi feito para a implementação de espaços e atividades voltadas à garantia do direito de brincar e da convivência familiar e comunitária em outros espaços da comunidade. Dessa forma, pretende-se consolidar a estratégia iniciada com o Programa Espaço Volante, que leva algumas das atividades de jogos e brincadeiras para as estradas, ruelas e domicílios da região. A idéia é multiplicá-lo em novos espaços fixos de convivência e brincar na comunidade, compostos por parques, murais informativos, lixeiras e equipamentos de recreação. Assim, espera-se enraizar o hábito de brincadeiras e jogos coletivos, incluir novos atores sociais e diminuir a dependência do Espaço Compartilharte. A multiplicação dos agentes do Brincar A Rede de Proteção Integral é operacionalizada por um conjunto integrado de ações, entre elas: O oferecimento de suporte à instalação dos novos espaços físicos por meio de: 1) identificação dos atores locais; 2) articulação dos parceiros (pessoas físicas ou jurídicas) e 3) capacitação de lideranças locais em noções de mobilização comunitária e de garantia de direitos, além de ferramentas sobre o brincar, técnicas de dinâmica de grupos e construção de brinquedos. Essa proposta foi encaminhada graças à mobilização de parcerias e recursos diversos. Alguns atores foram contatados e responderam positivamente à iniciativa, dentre eles, representantes da Câmara Municipal e do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, pequenos empresários que doariam materiais de construção, proprietários de terras que contribuiriam cedendo parte de terreno para a implementação dos espaços de convivência e membros da comunidade que se disponibilizaram para contribuir com mão-deobra ou participar nas capacitações e demais atividades de mobilização.

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Outro ponto de renovação do Programa Brincar é a formação de jovens lideranças comunitárias que já têm atuado como multiplicadores das metodologias do Brincar, tanto nos espaços da localidade, como nas escolas públicas da região. Essa iniciativa pode contribuir para a sustentabilidade do projeto, uma vez que os “saberes” e “fazeres” construídos com a experiência vêm sendo sistematizados e disseminados na própria comunidade. O trabalho de fortalecimento das famílias também merece ser destacado, dentre as perspectivas em curso, uma vez que se trata do espaço primeiro de socialização/proteção/educação das crianças da comunidade. Esse esforço vem se dando a partir da promoção de uma educação para a vida, para a cidadania e para o sucesso escolar, além de ações de orientação e apoio sociofamiliar e da consolidação de uma metodologia de trabalho de promoção e fortalecimento dos direitos da criança e do adolescente com ênfase na convivência familiar e comunitária. Como vimos, novas sementes foram e ainda vêm sendo colhidas, banhadas e germinadas, na confiança de quem acredita que os bons ventos sempre sopram a favor da vida. Os fundadores do Espaço Compartilharte querem deixar como marca de sua passagem por Teresópolis não um monte de edificações ou apenas pessoas com memórias de uma infância feliz. Eles almejam uma comunidade organizada, que possa continuar sonhando e realizando inúmeras possibilidades de futuro. Pelo que já foi conquistado até agora, esse desejo tem muitas chances de se realizar.

“Houvesse mais instituições como o Espaço Compartilharte em Teresópolis, não teríamos necessidade de acompanhamento de tantas adolescentes gestantes na Vara da Infância e da Juventude! (...) Houvesse mais Lurdinhas em Teresópolis, menos jovens envolvidos em drogas, infreqüentes escolares, sem ideal e sem perspectivas de vida, seriam trazidos, cambaleando, aos corredores do Fórum. Admirável a forma educativa e original de estimular, nas crianças e jovens, o hábito de brincar construindo! (...) Irradiando força e cidadania, o Espaço Compartilharte cumpre rigorosamente a pretensão do legislador do ECA, trazendo-nos a esperança de ver reproduzido seu trabalho, com o tempo, em outros municípios e estados.” Trecho de mensagem Inês Joaquinha Sant’Ana Santos Coutinho, juíza-titular da Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Comarca de Teresópolis

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