9 minute read

INDONÉSIA O REI “BRINCA” COM O FOGO ISLÂMICO

O vasto arquipélago de forte maioria muçulmana balança num autoritarismo com as cores do fundamentalismo. Joko Widodo, chamado Jokowi, o actual presidente, pretende fundar uma dinastia política com o apoio de fundamentalistas religiosos… E este facto coloca o seu trono sobre um barril de pólvora.

Ao lado do príncipe Kaesang Pangarep em tronco nu, com um drapeado até à cintura de tecidos luxuosos com reflexos de ouro, a antiga rainha de beleza Erina Gudono representa maravilhosamente o papel de nova princesa da Indonésia. Empoleirada na sua carruagem enfeitada, saúda com gestos de rigor aristocrático que não teria destoado numa cerimónia com a presença da família real britânica. Pelo contrário, o fausto das roupas e dos cenários teria, em comparação, tornado o casamento de Kate Middleton uma simples “garden party”.

Advertisement

Seis mil convidados escolhidos com muito cuidado, festejam protegidos por uma força de segurança de 12 mil homens. Esta cerimónia grandiosa não acontece para selar a união de um par real autêntico, mas do segundo filho do Presidente indonésio, Joko Widodo, chamado Jokowi. Na assistência, há alguns que não apreciam o ambiente festivo, como Anies Baswedan, o antigo governador de Jacarta e actual ministro da Educação e Cultura. Tem na sua mão crispada uma cana talhada em chifre de veado, que supostamente terá pertencido a Maomé. Afirmou publicamente que combateria o Tagut, o idólatra, ou seja, o próprio Jokowi!

Celebração de baptismo nas Flores, ilha maioritariamente cristã.

É impossível ignorar os sentimentos reais desse personagem contra o chefe daquele lugar. No entanto, seria difícil não o convidar. Anies representa no inconsciente colectivo dos Indonésios, uma franja da sociedade relativamente pouco numerosa mas muito activa, os radicais islâmicos. Vai regularmente à mesquita e revela a sua proximidade com diversos grupos islâmicos extremistas. Entre eles figura o grupo Frente Islâmica Pembela (FPI), “Frente dos Defensores do Islão”, que foi dissolvida em 2020 por “terrorismo”.

Ora, a religião representa um calcanhar de Aquiles para Jokowi, o homem que assume publicamente ouvir heavy metal, ou seja, música contemporânea e pouco de acordo com os ensinamentos do Corão. Foi atacado por este motivo durante a sua campanha, pois desconfiava-se que seria um cristão disfarçado.

Teve de contra-atacar, revelando a sua certidão de casamento, para provar que pertencia à Oumma e assegurar que estava pronto a aceitar o desafio da recitação das suras.

Jokowi sonha vir a ser o fundador de uma nova dinastia. Prepara ostensivamente um terceiro mandato, o que não é permitido pela Constituição. E se a oposição a este projecto se revelar demasiado forte, já previu um plano de sucessão para o seu filho mais velho. Gibran Rakabuming, já presidente da Câmara de Solo, representa um delfim designado para satisfazer as ambições reais de Jokowi. Imagina-se como Sokarno, o primeiro presidente indonésio, que foi um ditador cujo poder estava estreitamente ligado ao exército.

Jokowi, o presidente que quer ser rei.

Dois Islãos em concorrência

Mas, enquanto Sokarno reprimia ferozmente os movimentos islâmicos, Jokowi aposta em englobá-los, daí o convite a Anies. Cada um representa um ramo do Islão, as oligarquias muçulmanas com Jokowi e os populistas muçulmanos com Anies.

Dois movimentos inimigos, pelo menos na aparência, pois quem se interessar pelo curriculum vitae do campeão dos islamistas populistas constatará várias falhas no seu percurso. Anies, ex-reitor da academia, nem sempre teve um perfil islamista.

O véu generalizou-seentre os Indonésios.

Para encontrar os primeiros laivos de fervor religioso em Anies, há que recuar a 2016, aquando da sua candidatura ao lugar de governador de Jacarta. Estava a ponto de perder para o anterior, Basuki Tjahaja Purnama, chamado “Ahok”. Mas Ahok, o cristão, afirmou durante a campanha da sua recandidatura que “a interpretação de alguns teólogos de um versículo do Corão, segundo o qual um muçulmano deve eleger um dirigente muçulmano, está errada”. Esta frase, bem aproveitada pelo lado de Anies, permitia tornar esta eleição numa confrontação religiosa. Era o candidato dos Cristãos contra o dos Muçulmanos. Estes últimos, tendo a vantagem do nome, só podiam aproveitar a oportunidade. Ahok foi condenado a dois anos de prisão por “blasfémia”, a 9 de Maio de 2017, devido à frase que pronunciou durante a campanha. Estes acontecimentos deixam poucas possibilidades ao seu futuro político. Tinha, no entanto, granjeado sucessos, devido à sua luta contra os engarrafamentos monstruosos que asfixiam a capital e pela sua política anti-corrupção.

Oração

Para que o aumento da influência do Islamismo na Indonésia não coloque em maior perigo os Cristãos, nós Te pedimos Senhor.

Uma série de leis inspiradas nasharia preocupa os Indonésios.

Leis que matam a liberdade

Anies foi então preferido e ambicionava subir para o supremo lugar em vez de Jokowi. Será provavelmente candidato às presidenciais de 2024. Ao mesmo tempo, Jokowi continua a alimentar os seus sonhos dinásticos, o que nos faz prever esta dupla trágico-cómica à frente do

Estado: o aspirante a monarca apoiado em Tartufo. O presidente que quer ser rei e o seu aliado que quer ser presidente.

A colaboração destas duas correntes inimigas do Islão político deu à luz uma série de leis inspiradas na sharia. Entre elas, a condenação das relações sexuais fora do casamento, que podem levar até um ano de cadeia. Uma lei que impede de criticar o presidente, muito vantajosa para ele, bem como o vice-presidente ou a bandeira nacional. Enfim, uma série de medidas relacionadas com “as leis anti-blasfémia”.

“A situação é subtil mas, para quem sabe ler as leis, torna-se evidente que cada vez é mais provável que supostos opositores possam ser lançados para a prisão sob pretexto de ofenderem uma comunidade religiosa. E, quando dizemos comunidade religiosa, leia-se os Muçulmanos!” denuncia um cristão indonésio anónimo. Estas medidas não acarretam directamente o nome de “leis anti-blasfémia”, mas condenam severamente todos os que tiverem a ousadia de ter um discurso crítico sobre o Islão e os Muçulmanos.

Trata-se de um ponto sensível na Indonésia, onde os casos de pessoas presas e maltratadas na prisão por causa de um discurso classificado de blasfemo se multiplicam. Muhammad Kacé, com uma pena de cinco anos de prisão depois de ter sido torturado de forma infame em 2021, é um exemplo eloquente. Antigo muçulmano convertido ao Cristianismo, respondia aos pregadores muçulmanos através de vídeos publicados no YouTube, o que fez cair sobre ele a raiva do conselho dos ulemás.

Oração

Para que os Cristãos na Indonésia sejam respeitados e livres de praticar a sua religião, nós Te pedimos Senhor.

Preso por "blasfémia"

Em Dezembro de 2022, o cristão copta Gracia Pello foi metido num carro da polícia pelas mesmas razões. Mais uma vez, a polícia agiu sem pré-aviso, como se o homem fosse um criminoso perigoso. Está à espera do seu processo e arrisca três a cinco anos de cadeia.

Do fundo da sua prisão, outro cristão, antigo muçulmano, também condenado por “blasfémia”, explica os “dois pesos e duas medidas” que reinam na interpretação das leis: “Se escrevo que o Islão ensina o terrorismo, não é permitido. Se um muçulmano prega que nas igrejas católicas há imagens de Jesus, o que prova que os Cristãos são idólatras, é autorizado. (…) Só existe tolerância para o Islão”, denuncia.

Quando as novas leis forem aplicadas, os Muhammad Kacé ou Gratia Pello terão provavelmente como companheiros de cela jornalistas ou opositores políticos. Os motivos para prisão vão-se tornando tão pouco objectivos que permitem qualquer arbitrariedade. Assim, o artigo 302, que sanciona cinco anos de prisão para qualquer pessoa que “cometa” ou “exprima” hostilidade contra uma religião, pode ser largamente interpretado.

O artigo seguinte, 304, introduz uma novidade na Indonésia, um texto legal que pode ser interpretado como uma lei anti-conversão, como existe em alguns

O autoritarismo do presidente arrisca-se a fragilizar o futuro do país.

Estados da Índia: “Qualquer pessoa que publicamente incite outros com a intenção de os levar a renunciar a uma religião ou crença existente na Indonésia, é punida com uma pena de prisão até dois anos ou ao pagamento de uma multa até ao máximo da categoria III.” Trata-se provavelmente de uma resposta por parte das autoridades que introduziram este artigo ao movimento de conversões que agita a Indonésia.

As minorias indonésias, tanto os Cristãos como os adeptos das religiões tradicionais, sabem o risco que representam estas leis, não só para eles mas também para o conjunto da sociedade indonésia. Mesmo os que têm vantagens na situação actual, como Jokowi ou Anies, deveriam saber que não se pode usar o Islão impunemente para fins políticos. Rapidamente o feitiço se vira contra o feiticeiro.

O autoritarismodo presidentearrisca-se afragilizar ofuturo do país.

Oração

Para que na Indonésia exista uma clara separação entre a política e a religião, nós Te pedimos Senhor.

PAPUA, ZONA NEGRA

As cinco regiões da Guiné ocidental, sob o domínio indonésio, são o teatro de abusos das forças de segurança indonésias. Nem jornalistas, nem instituições como a Fundação AIS podem actuar na região, tal é a pressão do Governo. Os independentistas são classificados como “terroristas” e o chefe da polícia de Maybrat – a oeste da Papua ocidental – ordenou, em Dezembro de 2022, que “todos fossem detidos, vivos ou mortos”.

TERRORISMO NA INDONÉSIA

A 7 de Dezembro de 2022, Hisham Bin Alizein, ou seja Umar Patek, foi libertado da prisão de Surabaya após 11 anos de prisão, com uma sentença de 20 anos. O homem, ligado à Al-Qaeda, tinha fabricado as bombas que destruíram duas discotecas em 2002, provocando 202 mortos. Nesse mesmo dia, um outro muçulmano radical, Agus Sujatno, cometeu um atentado suicida no pátio da esquadra da polícia em Bandung, aquando da chamada da manhã, matando uma pessoa.

This article is from: