The girl who is not from here. Sea girl, 2019 Daniela Alegria Acrílico s/tela 385x285
Pintura, acto de fé Era uma água em forma de garrafa e que julgava tudo a partir dessa forma. Cada um de nós é uma garrafa que imprime forma diferente à mesma água. Agora, de volta ao lago, colaboro na sua transparência. Sou Nós. Vocês são Eu.* Jean Cocteau, in Visão Invisível
Em definitivo! Acredito na Arte como Ventre da Alma! Auscultar a Vida! O palpitar do traço ou o circular da policromia, como tecido conjuntivo líquido, num sistema vascular fechado, mas de natureza diversificada, fluindo… diagnosticando caminhos, sensações, emoções e interpretações: vermo-nos Ser: Sou! Acredito na desconstrução evolutiva de um entendimento pictórico que traduza indagações incontornáveis para nos percebermos… simplesmente, experienciarmo-nos, penetrando-nos de vivências e materialidades, ambicionando a orgástica utopia de nos alcançarmos! Pois assim é a reinterpretação da Arte pela Arte. Pela visão humana que intui, interpreta e comunica com os seus pares na pulsão da Vida. No garante que é possível intuir, talvez, O Permanecer. É necessário excitar a memória pela emoção e, desta forma, alcançar o sublime na práxis da vida, uma consistente leitura do passado, poética ou lírica, uma interpretação do presente, escutando uma melodia dos sentidos, e uma projecção do futuro, pautada por um discernimento ancestral e contado ao segundo. Tal a Arte e a sua Criação! É necessário transpor fronteiras com os passos alheios que se vislumbram num qualquer pensamento abstracto e inquieto. Pela Arte percorremos caminhos… humanos e divinos… que se conjugam na sobriedade do viver as emoções… percursos que construímos… transculturais… num pranto de marcha… num diálogo… ao encontro… hóstia que se partilha num chão de todos… essa Arte Somos!
Essa Arte que recusa classificação, antes nos impulsa à reflexão! É necessário convidar ao encontro. A imagem reivindica a génese do trabalho e o observador deambula por coerências e incoerências, fruto da imaginação, da introspecção que a mesma provoca. Em definitivo! Acredito na Arte imersa na Vida que pulsa!
Pintar, auto de mim Um sonho em geral provocado por uma dor qualquer.* Jean Cocteau, in Visão Invisível
Desvendo, nesta pintura, o sangue que me inunda de vida e vagueio pelos contornos desta penumbra pressentida e vigiada por monstros, demiurgos, ou simplesmente, por seres pictóricos de uma qualquer corrente que se estende pelo olhar… Elos se soltam das mãos que antes te/me tocavam e que agora se sentem a acariciar uma composição que é a tua. A Tua!... a olhar… Por tal, olha-me por estantes esbatidas em pinceladas ruidosas de instantes e multiplica-nos, tal fantasmas ou seres, Eu, Tu, Ele… Ninguém. Já cá não mora, o teu olhar… porque já te só pressinto! Persistindo o olhar… Embriaga-me de Ti. Convoca-me à Vida, Dia, Noite e sempre penumbra… Nós, no nosso olhar… e estas telas em ruído policromático, num grito duro, insonoro. Por tudo, numa suave lentidão…percorramos esta exposição, anunciando o tempo da degustação… com palavras… despidas e enroladas. Eis-nos aqui! Tão-somente unos! Em Daniela Alegria encontro a essência do que tenho vindo a reflectir há algum tempo: como pode a Arte questionar, narrar, ou retratar algo num momento tão distorcido e mediático como o é hoje e ser, em simultâneo, reflexo contextualizado do mesmo Tempo, sem que isso a condene ao espartilho do presente. Olhos… pensamentos… a visão como transporte de um pensamento que se materializa, sem condicionantes, antes a subtileza de exprimir de novo, o repetível acontecimento ou personagem, que se revive, talvez em si, para compreendermos, reflectindo-se e escrutinando o Mundo e o Ser. Sendo que o mais importante no Mundo de
hoje é a Comunicação, pressupondo um diálogo entre o artista e o público – sempre necessário em qualquer momento – mas premente no contexto actual onde emissor e receptor alteram e a obra é o veículo e vector da mensagem, e acrescento de forma visceral! Quanto à produção artística, assistimos, no meu entender, a uma tendência para uma arte experiencial, não inocente. A Arte tem de comunicar e, nesse acto, a Artista constrói e desconstrói patrimónios tangíveis e intangíveis de Memória, numa métrica cerebralista, compassada pelo Eu que se apropria de uma sintaxe que mergulha no mais interior do Artista, Criador. O Experiencialismo é tão-só isto! De profundis, tal longa e emocional epístola épica no cárcere em nós. Grito de paixão por nós. Nós… amarrados por sob o jugo do que somos… amplamente condenados a nós. Purgação do Eu! Catarse ou o seu contrário, somos a combustão mental numa policromia mediúnica de emoções, aqui feita tela; feita linguagem; feita Nós! Feitos camadas… E a urgência? A incógnita e a ânsia que se misturam e nos provocam esta ambivalência tão-só humana. Mais do que num qualquer passado, indagar é premente! Daniela Alegria usurpa palcos para a sua mise-en-scène, numa panóplia de aproveitamento de recursos estonteante, apropriando-se dos próprios conceitos de catarse, sendo o resultado final tudo menos a simplificação do imediato, porque explora subtilmente a tridimensionalidade e a metamorfose de “em si” na matéria, fundindo a mensagem ao veículo, tão intrinsecamente que comunicam em uníssono. Parafraseando Virgínia Woolf, Sou Snob?, estarei enredado de esta matéria da visão que me enruga o entendimento ou busco simplesmente na Arte a desconstrução da realidade em busca de um Tempo que pretendo viver com o discernimento que a actualidade pressupõe iminentemente perdido…; definitivamente, acredito na Arte, na ambição à orgástica utopia de nos alcançarmos! E de novo Virgínia Woolf: This soul, or life within us, by no means agrees with the life outside us. If one has the courage to ask her what she thinks, she is always saying the very opposite to what other people say. A Arte em Daniela Alegria emociona essa Alma, essa Vida dentro de Nós. Esventrando-se(nos)! Tão-somente… pintura como um Auto de Fé.
Observando o seu trabalho, desafio-me! Tão-só as Memórias como Caminho de per si. Viver e sonhar! Contemplar! Maravilharmo-nos! Amar… Seduzir! Predicativos de uma apoteose do olhar, cena final das mágicas espectaculares: a mão da Artista e a observação de cada um, desafiando-nos com melodias de uma prosa poética, despojada de artifícios ocos, narrando-nos Caminhos por nós… Parece-me que a invisibilidade é a condição para a elegância. A elegância acaba se for notada. Sendo a poesia a elegância por excelência, não sabe ser visível. Então, para que serve?, dir-me-eis. Para nada. Quem a vê? Ninguém. O que a não impede de ser um atentado contra o pudor, e apesar de o seu exibicionismo se exercer entre os cegos. Contenta-se em exprimir uma moral particular. Depois, essa moral particular solta-se sob a forma de obra. Exige que a deixem viver a sua vida. Faz-se pretexto para imensos mal-entendidos que se chamam a glória.* Jean Cocteau, in Visão Invisível
A um desafio meu no passado que se fez agora: “Mas mergulhe em si! Fundo... e permita-se depois sair, com tudo e as vísceras do sentir. Permita-se extravasar o sentir. Já o fez, por tal, mergulhe-se…”, resulta esta exposição: THE GIRL WHO IS NOT FROM HERE J.M. Vieira Duque, 2022 Conservador da Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro
*Tradução de Aníbal Fernandes; Visão Invisível; Sistema Lunar; 2016
Novo Mundo, 2021 Daniela Alegria Acrílico s/tela 1400x900
“O belo resulta sempre de um acidente. De uma queda brutal entre hábitos adquiridos e hábitos a adquirir. Derrota, nauseia. Chega a causar horror. Quando o novo hábito for adquirido, o acidente deixará de ser acidente. Far-se-á clássico e perderá a virtude do choque. Por isso uma obra nunca é compreendida. É admitida. Se me não engano, a observação pertence a Eugène Delacroix: “Nunca se é compreendido, é-se admitido”. Matisse repete com frequência esta frase.”* Jean Cocteau, in Visão Invisível
Durante uma das nossas habituais conversas telefónicas, a Daniela falou-me, com muita satisfação, da exposição que iria fazer na Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro e lançou-me o desafio de escrever um pequeno texto sobre si própria, que refletisse um olhar mais intimista da sua pessoa. A verdade é que a Daniela, para além de ser minha prima “direitinha”, é alguém a quem me encontro vinculada desde sempre, não apenas pelos laços familiares e de parentesco, mas sobretudo por uma relação de uma sólida amizade, sedimentada ao longo do tempo por uma cumplicidade que nos faz partilhar alegrias e conquistas com o mesmo à-vontade com que desabafamos as nossas angústias e receios. Num tempo mais ou menos recente da vida da Daniela, surgiu a pintura. Confesso que foi com alguma surpresa que vi esta atividade a desabrochar, porque nunca me tinha apercebido de que a Daniela tivesse algum pendor ou gosto especial por esta arte até então. No entanto, apesar de ser uma faceta ainda embrionária na vida da Daniela, pude constatar que havia nas suas obras, e de acordo com o meu olhar não filtrado por critérios de rigor científico nesta área, um sentido estético que apreciei bastante. Terá sido por essa razão que fui das primeiras pessoas a adquirir alguns dos seus quadros e a acreditar na qualidade do seu trabalho. O primeiro desses quadros foi um díptico alusivo a Fernando Pessoa, datado de 2016, contendo a inscrição da primeira quadra do singular poema de Álvaro de Campos, “Tabacaria”:
Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
O modo como a Daniela conjugou na tela aspetos relativos à estética pessoana com fragmentos da sua vida pessoal foi e é, para mim, o ponto forte desta criação. Ainda hoje considero que este quadro é dos mais bem conseguidos do seu percurso. Este trabalho de coabitação entre a pintura e a literatura é uma vertente que aprecio nas suas criações artísticas e que a Daniela, como leitora fluente que é, consegue desenvolver de uma forma harmoniosa e consistente. Hoje, é com grande satisfação que vejo a Daniela a crescer no seu percurso enquanto pintora, pois aquilo que faz denota uma grande dedicação a esta arte, um trabalho muito empenhado, feito com entusiasmo e sensibilidade. Que assim continue… Isabel Alegria Professora e Mestre em Estudos de Língua Portuguesa
The girl who is not from here I, 2020 Daniela Alegria Acrílico s/tela 1200x800
BB is whatching you, 2020 Daniela Alegria Acrílico s/tela 1200x800
Nesta névoa taciturna A força impera Na gradativa penumbra De uma ânsia de Primavera Para restolho das Quimeras Ondulantes de Vida Onde o eufemismo espera Na razão radical da vida Todas as metamorfoses cumpridas Numa estrofe d’insignes galeras No trono do provir Mulher... teu ventre Epicentro de todo infinito Onde Amazona te contempla Paridas certezas da giesta nobreza Assim canta a gleba Para virtude da certeza Paulo Marçalo, 2022
The girl who is not from here III, 2020 Daniela Alegria Acrílico s/papel de cenário 1390x1000 Colecção da Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro
Daniela Alegria Pela beleza do teu olhar as formas Onde extravasas os sentimentos Onde metamorfoseias a realidade Onde as tuas cores fortes dão vida As tuas figuras bizarras saltam aos olhos Bizarras como bizarro é o limite da pintura É nos sentimentos de infinitas histórias Que crias as tuas fantasias fulgurantes Mas é nas tuas cores que reina o silêncio E alguma mágoa quando essas tuas cores Se derretem no brilho do teu olhar Neste diálogo entre os riscos e pigmentos Ouves Bernardo Santos ao piano e é Quando te encontras na esquina dos dias Onde a música é a cor do teu sorriso Sim é esta a importância de te olhar Sempre no tempo da memória Como se fosse a primeira vez e deixo-me ir Nesse barco deixo que o vento me leve Nessa ilusão que me conduz por caminhos Encantatórios da tua personalidade estética Multifacetada enigmática na tua procura Sabes em ti encontro o tempo a fazer-se Tempo O que atropela o meu pensamento Em cada cor me procuro ao procurar-te Talvez te encontre na herança que M. H. Vieira da Silva Deixou aos amigos pintores “Cada cor um sentimento” Há um grito de assombro nas tuas cores Há cores que se transformam em rio Nesse rio que corre dos teus olhos Nesse rio onde te encontro No estado mais puro da cor Aurora Gaia, 2022
Levantadas do chão, 2020 Daniela Alegria Acrílico s/tela 800x600 Colecção particular Vieira Duque
Hoje, nesta mesma noite, antes que o galo cante duas vezes, três vezes me terás negado, 2020 Daniela Alegria Acrílico s/tela 1200x800
Para que quero pés se tenho asas para voar - Frida Khalo, 2019 Daniela Alegria Acrílico s/tela 1200x800
Born to be wild, 2021 Daniela Alegria Acrílico s/tela 1200x800
Já não me serves, 2021 Daniela Alegria Acrílico s/tela 1200x800
Catarse II, 2021 Daniela Alegria Acrílico s/tela 1200x800
Amordaçada e Acorrentados, 2020 Daniela Alegria Acrílico s/tela 940x750
DANIELA ALEGRIA Daniela Alegria, nascida em Aveiro no ano de 1974. Percurso académico na área das Humanidades e frequência na licenciatura de Psicologia da Universidade Fernando Pessoa, Porto. Posteriormente, empresária na área da moda e beleza, e actualmente dedicada em exclusivo às artes, nomeadamente como Pintora. Frequentou a Academia de Belas Artes de Ílhavo, sob a orientação do professor André Capote. No sentido de se profissionalizar no que concerne a técnicas e história da arte, prossegue estudos frequentando a Cooperativa de Actividades Artísticas Árvore, Porto, com o mestre Carlos Reis e mais tarde, a Faculdade de Belas Artes do Porto, sendo aluna dos professores Cristina Troufa e do professor doutor Domingos Loureiro. Certificada pelo IEFP como Formadora, e membro do Rotary Clube de Aveiro com a classificação profissional, Artes Plásticas - Pintura. Representada em instituições públicas, nomeadamente, no Museu Santa Joana, no Museu da Cidade de Aveiro, no Ecomuseu da Praia de Quiaios e no Conselho de Administração do Hospital Distrital da Figueira da Foz. Representada na Galeria Vieira Duque Arte e Cultura em Coimbra. Participou na exposição colectiva “o meu lado feminino”, 2020, na Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro, em Águeda. Daniela Alegria actualmente é aluna da Licenciatura em Gestão do Património Cultural, na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto.
Ficha Técnica Curadoria: Vieira Duque, Conservador e Membro da Comissão Executiva Edição: Fundação Dioníso Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro Design: Joel Almeida Fotografia: Lauren Maganete Joel Almeida Textos: Aurora Gaia Isabel Alegria Jean Cocteau Paulo Marçalo Vieira Duque Apoio: Ana Maria Pereira Raminhos (Estagiária do Curso Técnico de Organização de Eventos da Escola Profissional de Aveiro) Catarina Martins
Praça Dr. António Breda, nº4 3750-106 Águeda Telefones: (+351) 234 623 720 | (+351) 234 105 190 (+351) 913 333 000 Fax: (+351) 234 096 662 www.fundacaodionisiopinheiro.pt info@fundacaodionisiopinheiro.pt conservador.museu@fundacaodionisiopinheiro.pt https://www.facebook.com/fundacaodionisiopinheiro/