Michael Barrett - Fernando Pessoa e Montyne, o essencial, numa narrativa poética policromática

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MICHAEL BARRETT

Fernando Pessoa e Montyne, o essencial, numa narrativa poética policromática


Quem sou eu, senão um ser atormentado, como todos os homens, que não quer senão pintar, que só não é medíocre pintando? Quem sou eu, senão alguém que sonha (…) No fundo, quem sou eu? Michael Barrett

Montyne 2, 1969 Aguarela s/ papel 390 x 305



Reconhecer a verdade como verdade, e ao mesmo tempo como erro; viver os contrários, não os aceitando; sentir tudo de todas as maneiras, e não ser nada, no fim, senão o entendimento de tudo quando o homem se ergue a este píncaro, está livre, como em todos os píncaros, está só, como em todos os píncaros, está unido ao céu, a que nunca está unido, como em todos os píncaros. Fernando Pessoa, in Teoria da Heteronímia


A Mordaรงa - Fernando Pessoa , 1993 ร leo s/ papel 550 x 740



A barreira de mar que me separa do mundo Meu absorto vaguear… Outono Deambulo no vento e penso nas formigas Vejo o tempo e não o adivinho, prevarico Distraído com a vaga, olho as ervas verdejantes Em meus pulsos cortantes, chamam-me à razão as nuvens Dialéctica do naufrágio, de um anjo moribundo Nas folhas castanhas que cobrem o chão e o atapetam Passadas cautelosas de um homem num meditar profundo E, as formigas seguem em fila, na procura À primeira aberta de sol, esteou… Lancinantes são as dores do inquieto parto Fecundado no húmus regenerador, de uma folha morta E, toda a mente é formatada na alma de um agiota Risadas, Sodoma encapotada na vértebra escandalizada Um extintor de peixes pré-históricos Na razão do que hoje existe, uma performance da natureza Dando sentido, um grito, sempre um grito Num alerta… a ronca do farol Os nervos de uma árvore que eclodem à pele Suando as lágrimas de uma frota de papel As árvores nacaradas de ocre, verde, vermelho parra Um luto que me agrada Na cerimónia fúnebre de quem inverna, há quem lute No sol tépido da tarde, lembrando a Primavera… Confusão Cedências da liberdade, no culto social amestrado Subjacente ao julgamento alheio, uma espiga vermelha Milho-rei no corado beijo As nuvens seguem para terra trazidas pelo mar E, as folhas esvoaçam em rodopio pelo chão E, a minha vontade Apagar o cigarro… pisando-o de vez Olho a mulher despudorada e lembro o que é pudor Pudor?... É a vergonha, é dor, é chuva, é frio, é calor É um pensamento submisso Às lajes de calcário polido Um vaso de barro pintado, vidrado, a argila não tem pudor Matéria da criatividade, a perversão da ingenuidade Há almas ingénuas e espontâneas Sem métrica nas palavras Uma estrofe idiota no grunhir do machado Lascando?... A força de derrubar uma árvore E, rachar lenha Pragmático forjar de charruas nas concordatas do Tempo Um sofá, um quadro… ideias e um hemiciclo Na salutar e transversal discussão da igualdade. O Tempo é árido, varrido por uma vassoura ávida Similitude da orgânica visceral do sangue de um alicerce Onde a torre da intempérie se aparafusou Suplício da tortura do fingimento, onde a consciência se nega A enxada folclórica da filigrana, minha antecâmara De lenços garridos na idónea promessa de uma videira E a música erudita entra-me no ouvido Cigarro porque me lembras as malaguetas de um rumo Desconhecido, onde navego sem chão No limbo do Paraíso, desterro sem nome são os fragmentos Dos parapeitos onde apoio meus cotovelos Fronteira do inconcebível, lugarejo do nada onde sou. Paulo Marçalo Montyne 1, 1969 Aguarela s/ papel 600 x 410


Em Michael Barrett vivenciamos a liberdade espiritual numa paleta monocromática de intimidade ou numa policromia intensa, onde o divino e o humano, em simbiose, transportam, de forma quase brutal, flores que brotam em orgias de pinceladas a um Deus que é o Ser: Ele e os Pares. Um academismo inexistente, mas latente em mestria que nos envolve na sua História… A devoção por si que reflectia, pelas mulheres que amou, pela pintura de múltiplos orgasmos, momentos ímpares de êxtase criativo, pela comida que jamais o saciou!... A redenção ao sexo e a um deus que persistiu em desconhecer… à faina no cais, o quotidiano de Cascais, Buarcos ou por Aveiro… Em Michael Barrett o pecado não é a um Deus mas aos homens e mulheres que são o seu elemento fundamental de vida… Gente que passa ou que permanece, a vida tal como é, sem borras… antes laivos do café que importa e se esgota, como aguarela do Mundo que anseia por descobrir, mas cuja viagem nega! Num traço que nos remete a momentos entre artistas, amigos que adopta, desconhecidos a que se rende por um impulso inato e cumplicidades com o seu cavalete,em cidades onde foi permanentemente se (re)concebe. Pecado? O destino que traça num Impressionismo Moderno. Fuga… talvez de si, desse cabal fim predestinado de pré-conceitos que retalha para se libertar e sempre o fascínio pelo urbanismo histórico e pela natureza do Mundo e da Vida. Sem encaixes frouxos de quem não sempre mergulha. Um Impressionismo Moderno que resgata de Van Gogh, Cezanne e Gauguin (pós-impressionistas que admira e trata como mestres), de quem fala no texto que herdámos na obra Ilha de Lesbos, onde exprime a sua preocupação conceptual sem rodeios, numa maturidade que não se exige mas se pressente num ser divinamente livre! E Fernando Pessoa… sempre o Poeta. Numa devoção impressionista, mas numa redenção pelo Homem. Essência de vaidade e vergonha… tal o espírito em Barrett: Irrequieto, inconstante, inquieto… mas, sem dúvida, Humano! O seu calvário: o próprio, como todos! Mas consciente na sua pintura e produção artística. Michael Nicholas Barrett nasceu em Paris a 13 de Fevereiro de 1926 (filho de mãe inglesa – Dorothy Alice Barrett - e pai francês). Veio aos 9 anos para Portugal. Foi o arquitecto Gil Graça que o incentivou para a pintura. Morreu a 6 de Maio de 2004, em Cascais. Casou com Marie Louise Forsberg, sueca, em 1961, com quem teve dois filhos, João Nicolau (n. 1961) e Teresa Cristina (n. 1963). A partir da década de 70 do séc. XX, passou longas temporadas em Aveiro. Na década de 90 passou a residir em Buarcos, onde Marie Louise morreu. Michael Barrett é um Pintor de Memórias. A Arte não é acomodada e nem está refém de quaisquer subterfúgios, caso contrário, não será Arte! Antes, a repulsa da mesma. A Arte permite a comunhão entre a responsabilidade, o conhecimento e a acção. Com mecanismos da matéria sensitiva e do teor de estéticas que atraem, comprometem-nos numa global vontade de harmonia, podendo impulsionar essa realidade. A Arte e a sua produção é a condição mais visceral de comunicar e preservar latente o presente dos tempos, o Ser Humano e a sua História. Sendo, sem quaisquer dúvidas, uma referência na arte portuguesa do séc. XX, Michael Barrett acentuou uma modernidade no seu trabalho pictórico definida pela extraordinária sensibilidade que incutia nas representações do quotidiano que por onde passava o apaixonavam. Uma viagem interior de análise do Mundo - devassando a realidade - e que nos transmite a respectiva amplitude dos sentimentos, valores e emoções numa paleta muito própria e intimista, quer na profusão de cores a óleo, acrílico ou aguarela, como no diálogo solitário das manchas preto/ cinzas em aguarela que completam o traço e a tinta-da-china que definem roteiros de cada existência; tal como os desenhos a caneta apresentando ruas que convidam ao ser social ou, ao invés, a uma solidão sentida, pressentida e mantida como necessária. Uma democratização no trabalho artístico que toca um Impressionismo Moderno e, por vezes também, um neorrealismo, fugindo dos padrões convencionais e academismos da moda. No entanto, influenciado de forma marcante por uma escola impressionista/ expressionista, tendo como referências o mestre Henri Matisse que admirava pelas suas composições onde apenas o essencial era retratado. Michael Barrett permite-nos trabalhar o património artístico como se de uma viagem se tratasse e/ou de uma autobiografia, mesmo quando o outro não está em si, mas aceitando e valorizando as diferenças e promovendo a multiplicidade de cada um de nós a partir de si mesmo: criando cenários e humanidades; descrevendo pessoas, família e amigos, gente e o próprio, ou outros artistas que o fascinam como é o caso das representações de Montyne, artista americano de nome Sherman LaMont Sudbury (1916-1989), cuja génese alegórica lhe potenciou trabalhar a tridimensionalidade, alcançando a ilusão da profundidade na sua obra com base na iluminação e conhecimentos de fotografia. Um muralista e escultor que rompeu também certos cânones. Michael Barrett oferece-nos hinos da poética do coração humano, trazidos por um Caminho silencioso do passado histórico, despojado de artifícios ocos, tal como toda a Arte que se quer honesta para, assim, alcançarmos a honestidade que permitirá sobrevivermos: Reconstrução do Nós: Ressurreição! Vieira Duque


Ficha Técnica Curadoria:

Vieira Duque, Conservador e Membro da Comissão Executiva Edição:

Fundação Dioníso Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro

Design:

Joel Almeida Textos:

Paulo Marçalo Vieira Duque


Praรงa Dr. Antรณnio Breda, nยบ4 3750-106 ร gueda Telefones: (+351) 234 623 720 | (+351) 234 105 190 (+351) 913 333 000 Fax: (+351) 234 096 662 www.fundacaodionisiopinheiro.pt info@fundacaodionisiopinheiro.pt conservador.museu@fundacaodionisiopinheiro.pt https://www.facebook.com/fundacaodionisiopinheiro/


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