Confissões por Paulo Marçalo

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Confissões Paulo Marçalo



Paulo Marçalo

Confissões



Uma trilogia poética: Confissões. 3 poemas, 3 momentos, escritos em 3 madrugadas de insónia, onde a palavra ocupou o sonho... de tantos... I, II, III que dedico à minha Mãe, Maria Graciete... por isso, ilustro o que escrevi com uma obra fabulosa do neo-realismo português, da primeira fase do pintor Manuel Filipe (1908-2002), Fase Negra: uma obra autobiográfica com a Mãe de pés grandes como raízes de árvore e mãos como garras de águia, que alimentam, protegem e defendem... Mas deixo-te o final do “Poema À Mãe” do Eugénio de Andrade: "Não me esqueci de nada, mãe. Guardo a tua voz dentro de mim. E deixo-te as rosas. Boa noite. Eu vou com as aves."


A Familia | c. 1943 | Manuel Filipe (1908-2002) | CarvĂŁo s/papel | 470x470 | N. Inv. 1063


CONFISSÃO I Um grito de revolta, nas ondas que se agigantam... Numa tempestade de verão, o pulsar do coração face à injustiça. Tamanha labuta e ressabiados adágios de homens sem justiça, Amedrontados pela sombra. No sonho mora a força de quem erra... Porque erra e se critica, arrisca nas hipóteses do véu da verdade. Sente-se mal, mas tem amor-próprio no âmago do vulcão... A vida é uma imagem redutora, Na subjectividade manipulada por manigâncias, convictos de invejas. A obscuridade dos seus dias, de porosa prosa previsível... É medonha, pavorosa, abjecta a máscara de duas caras, Distorção da realidade em proveito próprio, hiperbolizando o discurso... Conceitos aleatórios de quem se serve do próximo. Vertigens de perigosas mentes, Homens dementes sem carisma ético. Esquizofrénico viver de ponteiros invertidos no despeito, Das serenas melancolias da idade de quem sabe onde errou. Deus também o sabe, o meu ego sem máscara onde floresce o amor... Campo de lírios roxos, apunhalados em lençóis de linho. Seda púrpura singular ao sangue doado E, um perdão nos lábios que brota da alma Onde minha mão se apazigua nas fascinantes cascatas, De um lago de candura e uma lágrima escorre disfarçada com um sorriso. Pasmado com as dúvidas, das poucas certezas que tenho... O baloiço de infância parado no tempo e, eu prometo lá voltar. Apesar das andanças onde o sonho ganha a robustez da Vida, Num solstício por despontar o arranjo de flores nascidas no campo. Linhas mestras do sulco onde me ergui, teimosia de viver Sem esperar a sorte, tudo sai do corpo E, da mente questionada... Noites mal dormidas de meus fantasmas, uma rua mal iluminada. O medo sempre à espreita da fraqueza, Fraqueza que acorda os limites a quebrar... São arruadas de outro lugar, meu vagar Num vadiar cansado, lânguidos penhores do infatigável voar. Onde o ódio alheio não me amedronta E, olho a montra onde homens desesperados são maquiados... Pela servidão! Grito, grito sem ferro ecoa no teatro dramático de dura realidade E, o autor é castrado no Vale da Morte irrevogável. 29/5/2018 PauloMarçalo



CONFISSÃO II Caminhando na noite, numa estrada cansada... Movidos pelo amor e, a vontade certa, guiada pela Lua. Noite de nuvens que eclipsam a lua que morre... maré que eclode. Os olhos prestes a fenecer de cansaço e, o beijo de meu abraço. Calcorreando palavras íntimas, de desejos confessos de anseios, O navegar do timoneiro à espreita do sonho das vontades. Preâmbulo da verdade no encontrar forma de chegar, Há sempre um lugar onde se quer chegar... o rumo a delinear, As linhas do alinhavar, uma forma de acordo com a ideia. Sacrifícios, prioridades, sinais do farol E, a lua sombreada de luz, âncora de um abrigo onde existe saudade. A noite que adia a ausência, a inércia da presença preservada no coração... O encurtar da distância na estrada da abnegação. Coração... solidão, partida em regresso, o querer instiga algo mais, Que a distância vencida, prenúncio de Vida. Acordar sem a cama vazia, suportar a vida E, a lacuna imaterial do renascer, Acordar e vencer as silvas, compartilhar a felicidade, de um caminho a dois... Moldando os corpos em fusão, numa perfeita harmonia, Instintiva e racional ousadia da cumplicidade. Ultrapassando o risco de perder, Fica sempre algo, além do previsto, o risco... Mas a vida é um risco face ao imprevisto, Apesar da matemática dos compassos do pensamento... discernimento provecto. Lanças, setas, espadas, lutas leais de uma nobreza Romanceada nas crónicas cavaleirescas. Magnânimo anoitecer da puberdade, uma cidade sitiada nas colinas da madrugada... Agudiza a carência da angústia, O saber, sem perceber absorve o som das hordas, Fortaleza, muralha e fogueiras que iluminaram E, aqueceram a noite que aprouvera o medo de perder. A morte que bate à porta, escancarada mente no refúgio do Vale... O desejo, sonho que é coragem, Sempre movido pelo medo que instiga o manejar da espada A força hábil, ágil de salvaguardar a vida, adiando a morte... A ceifa num Tempo imprevisível, Não depende do tempo, Oliveira que derrama azeite. Num chão de mármore, ou na coluna do Panteão... Eu sei, isso, eu sei. É que vou morrer!... 1/6/2018 PauloMarçalo



CONFISSÃO III Metáfora da virtude a consignação do ser No plenilúnio da alma e, a sombra do meio-dia Solstício em sintonia, uma arritmia incorpórea Da informe substância no peso da balança, A percepção de uma distância sem aparente razão. O orvalho cai na estrada, citadina balada No cruzeiro desconhecido, onde o homem é fiador do destino... Volátil, um cheiro insinuante do chamamento sitiado, A chama que se alcança, num incêndio sem freio O vento da inóspita noite, clareada de incenso Promessa por pagar de um sonho cumprido. O sangue derradeiro de uma expiação de Cristo... Uma Fénix e as cinzas que lavam mãos E, pés num alguidar de prata, o fadário Numa taça de inteligência e suor, Uma máquina, uma obra, o mistério do ofício... Predisposição das mãos, uma lágrima em oração Na calma fria da reflexão, no casebre da montanha... A neve preserva-se nos cumes mais altos, o verde irradia sol Severa vigília de mochos insones. Fantasmas da fantasia mística, vagueiam na noite insondável, De um mar de prata ao anoitecer, o destoar do céu... Desvelado segredo de uma guerra sem nome, Aturdida razão, um bastão que desfere a introspecção. A ladainha sonegada na encruzilhada, O crime de uma morte anunciada, premeditação... A violência no limite, aves em migração Que o sonho concedeu exaustão, o apoderar do horizonte. Um homem, um reflexo, a transgressão de um monte, Que cerca a cidade na sua ilusão... São nuvens carregadas delimitadas por um céu cinzento, A cidade dentro de suas muralhas, tramas e malhas... Onde o choro não é um desabafo oprimido, num fel de segregação E, a liberdade se permite nos tornozelos da cidade, A dor de um calcanhar de uma Oliveira milenar... E, o livro do conhecimento intrincando as malhas de heráldico graal. O direito divino de um trono real, A felicidade translúcida do olhar, Descamisados de considerações, cogitações subliminares... A essência do olhar, o efémero expectar das luzes E, o alvitre da sílaba de ser barro, Nas mãos artísticas do criador inspirado, Pela música intermitente mas intemporal. Roda determinista da forma, num devaneio hediondo do cosmos... Fugaz e expressivo apocalipse de uma alma anormal, Desprendida de normas... Monotelismo do homem E, o amor floresce ou não, num rio sem razão?... 4/6/2018 PauloMarçalo


Poemas encenados e ditos por Aurora Gaia nas comemorações do 33º aniversário do Museu da Fundação, a 30 de Junho de 2018, após a homenagem que lhe dedicou a Fundação Dionísio Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro integrada nos Caminhos de Memória 2018, inaugurando os seus retratos da autoria da fotógrafa Lauren Maganete e da pintora Elizabeth Leite, tendo esta recebido, por este trabalho, o Prémio Artístico Mateus A. Araújo dos Anjos 2018, culminando o evento com um Concerto de Piano pelo bolseiro da Fundação, Bernardo Santos, num piano ERARD, de 1883, da colecção museológica da Fundação.



Ficha Técnica: Autoria: Paulo Marçalo Curadoria: Vieira Duque, Conservador e Membro da Comissão Executiva Edição: Fundação Dioníso Pinheiro e Alice Cardoso Pinheiro Design: Joel Almeida Apoio: Catarina Marques Fotografia de autor: Lauren Maganete Desenho a carvão: Manuel Filipe


Praรงa Dr. Antรณnio Breda, nยบ4 3750-106 ร gueda Telefones: (+351) 234 623 720 | (+351) 234 105 190 (+351) 913 333 000 Fax: (+351) 234 096 662 www.fundacaodionisiopinheiro.pt info@fundacaodionisiopinheiro.pt conservador.museu@fundacaodionisiopinheiro.pt https://www.facebook.com/fundacaodionisiopinheiro/



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