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Lei de combate ao desperdício de alimentos

SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL

Banco de Alimentos e Sindipan-RS assinam termo de cooperação para combater a fome

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Enquanto 33,1 milhões de brasileiros não têm o que comer, o país apresenta um desperdício anual de 27 milhões de toneladas de alimentos. Os dados são da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan) e da Organização das Nações Unidas (ONU), respectivamente. A pesquisa da Rede Penssan mostra, ainda, que grande parte da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau, seja leve, moderado ou grave. São 125,2 milhões de pessoas que não têm certeza se terão o que comer a curto prazo, por isso limitam a qualidade ou quantidade de alimentos nas refeições diárias. É um quadro alarmante, mas que vem sendo combatido incessantemente pela Rede de Bancos de Alimentos do Rio Grande do Sul sob vários cenários, inclusive jurídico. A Rede teve grande participação na aprovação da Lei 14.016/20, que dispõe sobre o combate ao desperdício e doação de alimentos excedentes. Agora segue trabalhando na regulamentação da Lei que norteia um “modus operandi” para as doações. A Lei 14.016, que dispõe sobre o combate ao desperdício e doação

Presidentes da Rede de Bancos de Alimentos, Paulo Renê Bernhard (assinando) e do Sindipan-RS, Arildo Bennech Oliveira, assinam termo de cooperação durante posse de Arildo para mais uma gestão à frente do sindicato estadual

de alimentos excedentes, sancionada em 23 de junho de 2020, trouxe a segurança jurídica necessária para que empresários de restaurantes, bares, hotéis, padarias, confeitarias, indústrias de massa e biscoitos, indústrias de refeições coletivas, entre outros estabelecimentos do setor alimentício possam doar itens não comercializados, que estejam próprios para o consumo humano.

Cooperação com o Sindipan-RS

A Rede está executando um projeto piloto acordado com o Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitaria e de Massas Alimentícias e Biscoitos do RS (Sindipan-RS). Pelo termo de cooperação assinado entre ambas as entidades, o Sindipan atuará na divulgação e conscientização, estimulando a cooperação de seus associados no combate à fome, doando a instituições sociais os itens excedentes do dia, que estiverem no prazo de validade, respeitando os quesitos higiênico-sanitários e nutricionais, e em perfeitas condições para o consumo humano.

Para tanto, o Banco de Alimentos elaborou a Cartilha de Doação de Excedentes para o Sindipan, abordando a Lei 14.016, e procedimentos como temperatura correta, processos, embalagens, logística, entre outros tópicos.

Pioneirismo do Sindipan na adoção da nova Lei de combate ao desperdício

Arildo Bennech Oliveira é vice-presidente da FIERGS e voltou a assumir recentemente a presidência do Sindipan para o triênio 2022-2025

O Sindipan-RS possui 7 mil padarias e confeitarias associadas, de todo o Estado. Destas, quase a metade já distribui os produtos excedentes para as comunidades locais. “Temos um grande número de empresas a serem conscientizadas sobre as possibilidades de doações, amparadas, agora, por lei”, destaca o presidente do Sindipan-RS, Arildo Bennech Oliveira.

O sindicato já está fazendo divulgações por diferentes canais de comunicação e tem recebido um ótimo retorno dos associados. “Normalmente os comércios, de bairro principalmente, já são referência de apoio e amparo à comunidade sempre que necessário, mas nosso desejo é ampliar ainda mais essas ações, para que possam ser diárias, pois a fome não espera”, afirma o presidente.

O empresário, que é proprietário do grupo Superpan, que fabrica pães e itens de confeitaria, atua fortemente na área social e é um colecionador de prêmios de diversas áreas, como o Prêmio de Responsabilidade Social do Instituto Ethos, pelo fornecimento de pães e alimentos à creche Palhacinho Triste, no município de Viamão. “As doações ajudam a minimizar o sofrimento das pessoas. E todos podem contribuir, de alguma forma”, ressalta.

Arildo é vice-presidente da FIERGS e voltou a assumir recentemente a gestão do Sindipan para o triênio 2022-2025 e salienta que deseja atuar como um fomentador da área social no setor, ao assumir o compromisso de combater o desperdício e a fome. “Vamos trabalhar muito na divulgação da lei e conscientização dos associados, propagando a Cartilha elaborada pelo Banco de Alimentos”.

Advogada Suzany Reck Herrmann também é diretora voluntária do Banco de Alimentos

Nutricionistas do Banco de Alimentos mostram o caminho para doação de excedentes alimentares

Diretoria do Sindipan esteve reunida com Banco de Alimentos para definir termos da parceria

Lei garante segurança jurídica aos doadores: o que diz a advogada Suzany Reck Herrmann

Até a aprovação da lei, conforme destaca a advogada Suzany Reck Herrmann, diretora voluntária do Banco de Alimentos de Porto Alegre, não era proibido doar alimentos. Contudo, havia a previsão de responsabilização do doador caso houvesse algum dano em consequência do alimento doado. “Isto, por óbvio, refletia em um pensamento que seria mais seguro jogar fora o alimento do que doálo, para se evitar um possível risco indenizatório, englobando inclusive a esfera criminal”, indica a advogada. Ou seja, não era incentivado a prática de doações de alimentos excedentes.

“A lei vigente expressa que a relação entre doador e beneficiário não configura uma relação de consumo”, explica Suzany. Dessa maneira, a incidência de qualquer responsabilização a quem doa, somente ocorre nos casos comprovados de dolo, consoante previsão dos artigos 3º e 4º, respectivamente.

Art. 3º - O doador e o intermediário somente responderão nas esferas civil e administrativa por danos causados pelos alimentos doados se agirem com dolo.

Art. 4º - Doadores e eventuais intermediários serão responsabilizados na esfera penal somente se comprovado, no momento da primeira entrega, ainda que esta não seja feita ao consumidor final, o dolo específico de causar danos à saúde de outrem.

Falar em dolo, segundo a advogada, é falar em má-fé, um ato consciente de alguém que induz e confirma um erro. Quem deseja doar espontaneamente, sem a intenção de fazer mal, não será responsabilizado.

“Não restam dúvidas quanto ao grande avanço legal e, também, de caráter humanitário. Falar em desperdício é falar de toda uma cadeia produtiva afetada, é falar de prejuízos e incentivo à fome, afinal é um absurdo que de um lado tenham pessoas passando fome e, de outro lado, o excedente sendo jogado fora”, ressalta a advogada Suzany Reck Herrmann.

Considerando tratar-se de uma legislação recente, que traz consigo uma segurança jurídica ao que era preconizado até então, a Rede de Bancos de Alimentos vem trabalhando na elaboração de manuais com orientações para que as empresas do setor alimentício tenham total segurança no processo de doação dos alimentos excedentes ou não comercializados. “Nossa equipe de Segurança Alimentar, formada por profissionais das faculdades de Nutrição, Gastronomia e Engenharia Alimentar tem trabalhado na formatação de manuais de regulamentação da referida lei para diferentes áreas, com o propósito de combater a fome no Rio Grande do Sul e no País”, destaca o presidente da Rede de Bancos de Alimentos do RS, Paulo Renê Bernhard.

Já são três manuais redigidos: um para o setor da indústria de refeições coletivas, outro para restaurantes, bares e afins, e este mais recente, para padarias e confeitarias. “Os manuais possibilitam uma padronização que organiza todo o processo de doação, oferecendo segurança tanto para o empresário quanto para os beneficiários”, destaca a nutricionista chefe do Banco de Alimentos, Adriana Lockmann.

Experiência anterior

De 2017 a 2019 o Banco de Alimentos executou um projeto piloto com a Padaria Piratini, localizada na Av. Assis Brasil, no bairro Sarandi, em Porto Alegre. “Foi uma parceria maravilhosa, na qual orientávamos sobre procedimentos de segurança alimentar e a padaria doava para o Banco de Alimentos os produtos não comercializados e sem ingredientes mais perecíveis, como nata, por exemplo. Recebíamos bolos, pizzas e salgadinhos e oferecíamos aos nossos alunos de todos os cursos, assim como para a comunidade do entorno”, relembra a nutricionista do Banco de Alimentos.

A doação de excedentes de alimentos é um ato legal

Por

Dra. Cinara Vianna Dutra Braga

Promotora de Justiça

fome é um fenômeno mundial e o Brasil, da mesma forma, tem o desafio de buscar alternativas para combatê-la. A doação de excedentes de alimentos para o consumo humano é a primeira medida lógica para evitar o desperdício, no entanto, infelizmente, o desconhecimento da lei faz com que muitos empresários do ramo paguem para se desfazer dos alimentos in natura, processados e/ou industrializados que poderiam ser buscados e entregues às famílias vulneráveis.

A Lei Federal nº 14.016, de 23 de junho de 2020, que dispõe sobre o tema, é clara: a doação dos excedentes de alimentos por estabelecimentos que os produzam ou os forneçam, como empresas, hospitais, supermercados, cooperativas, restaurantes, lanchonetes e todos os demais estabelecimentos que forneçam alimentos preparados prontos para o consumo de trabalhadores, de empregados, de colaboradores, de parceiros, de pacientes e de clientes em geral, será gratuita, sem a incidência de qualquer encargo que a onere. Ademais, não se trata de relação de consumo, mas de ato humanitário. Em razão disso, a responsabilidade do doador encerra-se no momento da primeira entrega do alimento ao intermediário ou, no caso da doação direta, ao beneficiário final, e somente é possível a responsabilização civil, administrativa e/ou penal se for comprovado o dolo, ou seja, a intenção do doador de causar danos à saúde de outrem.

Importante salientar que são passíveis de doação os alimentos in natura, industrializados e as refeições prontas, não comercializados e ainda próprios ao consumo humano, que estejam dentro do prazo de validade; não tenham comprometidas a sua integridade e a segurança sanitária, mesmo que haja dano na embalagem; e que tenham mantidas as suas propriedades nutricionais, mesmo que tenham sofrido dano parcial ou apresentem aspecto comercialmente indesejável. Excedentes de alimentos previamente distribuídos para o consumo não são considerados aptos à doação e à reutilização.

Em outubro de 2020, buscando divulgar a legalidade e fomentar a doação dos excedentes de alimentos,

o Ministério Público do Rio Grande do Sul firmou Protocolo de Intenções com o Banco de Alimentos do Rio Grande do Sul, SESC Comunidade, Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável de Porto Alegre, Município de Porto Alegre, Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte, Fundação de Assistência Social e Cidadania, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Mitra Arquidiocese de Porto Alegre, Associação Gaúcha de Supermercados, Associação Brasileira de Bares e Restaurantes, Supermercado Gecepel Ltda., Supermago Comércio Ltda., RM Comércio de Produtos Alimentícios e Negócios Ltda. e as Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul, ajustando o fluxo de doações dos alimentos in natura, industrializados e processados.

Posteriormente, na esteira da Lei Federal, no âmbito estadual e municipal, a legislação veio esclarecer, orientar e regulamentar as doações. No Rio Grande do do a doação de alimentos, buscando-os ou recebendo-os, distribuindo-os a quem precisa, como creches, escolas, asilos, casas de acolhimento, associações de bairros e etc. Agregando às doações, as entidades assistenciais beneficiadas recebem treinamento de boas práticas sobre segurança alimentar, higiene e aproveitamento dos alimentos.

Hoje existem 25 Bancos de Alimentos associados, atendendo em 31 municípios, o que conforta quem deseja doar alimentos, já que os Bancos possuem profissionais habilitados a receberem os alimentos que estão aptos ao consumo humano e, conforme já explicitado, a responsabilidade civil, administrativa e penal do doador, devida em caso de dolo apenas, cessa com a primeira entrega, ou seja, assim que entregue ao Banco de Alimentos.

O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil apurou que 33,1 milhões de pessoas não têm garantido o que comer. Este estudo realizado em 2022 tam-

Há legislação específica orientando e amparando o doador... O esforço conjunto do Estado e da sociedade civil tem o condão de resolver ou, pelo menos, atenuar significativamente a fome. Então, por que não doar?

Dra. Cinara Vianna Dutra Braga Promotora de Justiça.

Sul, a Lei Estadual nº 15.390, de 3 de dezembro de 2019, foi recentemente regulamentada pelo Decreto nº 56.663, de 19 de setembro de 2022, e a Lei do Município de Porto Alegre nº 12.905, de 18 de novembro de 2021, foi regulamentada pelo Decreto nº 21.246, de 19 de novembro de 2021.

Além de a regulamentação legislativa amparar quem deseja doar alimentos, o Estado, desde o ano de 2000, conta com o Banco de Alimentos que arrecada, recepciona e distribui as doações para entidades assistenciais cadastradas. É uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público e sem fins lucrativos, com profissionais extremamente qualificados, que atuam intermedianbém informou que a metade da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau, seja leve, moderado ou grave. Ora, o Brasil, o Estado do Rio Grande do Sul e o Município de Porto Alegre possuem legislação específica orientando e amparando o doador, instituições tradicionais com ampla expertise para intermediar a doação de alimentos, incontáveis estabelecimentos produtores e fornecedores de alimentos, potenciais doadores e milhares de famílias vulneráveis ansiando por solidariedade. O esforço conjunto do Estado e da sociedade civil tem o condão de resolver ou, pelo menos, atenuar significativamente a fome.

Então, por que não doar?

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