a nova arte política em exposição
Fundação Lauro Campos realização Juliano Medeiros presidente Márcio Rosa diretor José Ibiapino coordenação administrativa Rodolfo Viana comunicação Concepção e Produção Lorena Ferraz C. Gonçalves Texto Márcio Rosa Lorena Ferraz C. Gonçalves Tania S. Montoro Fernanda Azevedo Curadoria ANAP Lorena Ferraz C. Gonçalves Márcio Rosa Rodolfo Viana Monitoria de Arte ANAP Alicia Esteves Tales Eduardo Pimentel Boffetti Josi Alves Direção de Arte ZAHA Comunicação Diagramação Luciano Perobelli Web Design Paulo Loffredo Agradecimentos Especiais Tania Montoro Fernanda Azevedo Jaime Cabral Filho Márcio Rosa W. Hermusche
Sumário
Da Nova Arte Política Arte e Política: um dispositovo que revoluciona coração e mentes Arte e política? Arte e política. Arte é política! Obras em Exposição
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Arte e PolĂtica 7
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Da nova arte política
por Márcio Rosa, diretor FLC
“Não, nós temos um conceito muito elevado da função da arte para negar sua influência sobre o destino da sociedade. Consideremos que a tarefa suprema da arte em nossa época é participar consciente e ativamente da preparação da revolução.” Trotsky & Breton, Manifesto Surrealista.
Com muito prazer e honra a Fundação Lauro Campos apresenta os resultados do edital para a exposição A NOVA ARTE POLÍTICA. Para nós foi um desafio muito estimulante pensar este projeto e o resultado está nos agradando demais. Desde o início agradecemos a parceria com a RARO negócios criativos, na pessoa da Lorena Ferraz, que botou de pé o projeto, literalmente. A ideia do Solar Cultural partiu da vontade de ocupar a sede, dar mais vida a um belo casarão sobrado, no bairro de Campos Elísios, em São Paulo. Para quem não sabe, um antigo bairro da cidade, ainda do século XIX, onde foram construídos os palacetes e casarões dos barões do café, e que hoje passa por um processo de disputa social, com a cena de uso de drogas conhecida (mal) como “cracolândia” e os interesses da especulação imobiliária representados pela
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Porto Seguro. Estamos no meio disso tudo e queremos ocupar os espaços com arte e crítica social. Para a FLC uma ocupação cultural é uma forma de dar um uso socialmente referenciado para um espaço tão privilegiado e nobre. A Lauro Campos é uma fundação de pesquisa e educação política, e dentro dessa missão pensamos em organizar o SOLAR CULTURAL para vincular nossa atuação à cultura, e especificamente às artes. Na agenda do SOLAR CULTURAL a Exposição “A Nova Arte Política” é momento privilegiado. Tudo aberto e público, uma forma de se posicionar, e mostrar responsabilidade com os recursos públicos que recebemos. Primeiro, fazer um edital, uma seleção pública, é uma forma de abrir a fundação e tornar nossas escolhas mais plurais. As obras enviadas foram apreciadas por uma curadoria mis-
ta, com gente de dentro e de fora da fundação. Foram escolhidas 51 obras de 26 artistas, que serão expostas na sede do dia 3 ao dia 22 de julho de 2017. Teremos duas premiações, uma escolhida pela curadoria e uma escolhida pelo público,por meio de votação direta na exposição. Recebemos muitas obras de 80 artistas do país todo. Para nós, além de uma honra e uma responsabilidade, uma confirmação do interesse das trabalhadoras e trabalhadores da arte pela política e pela transformação social. Nosso maior desafio foi encontrar um tema para o edital e exposição. Qual tema que melhor representaria a visão e as funções da fundação, e ao mesmo tempo permitiria liberdade ao artista? Qual tema seria mais adequado e interessante abordar nesse momento? Qual pergunta fazer para ajudar a responder nossa angústia do dia a dia? Vivemos em um momento de crise, econômica, política e de valores. O mesmo se passa nas artes, sempre em busca de redefinição. A fundação quer contribuir com as propostas para a saída dessa situação de desajuste e anomia, a partir de um ponto de vista determinado, ou seja, a partir da política e dos trabalhadores. Por isso ousamos ao começar a empreitada de pensar uma nova arte política. Nos aproximamos de um campo que não é da nossa atribuição mais cotidiana, e entramos em um debate difícil sobre qual arte é produzida hoje em dia e a quem ela serve. A nossa maior ousadia, talvez, tenha sido pensar em uma nova arte política. São tempos de negação da política e de retirada dos direitos. A obra de arte é disputada pelo capital para que seja simplesmente mercadoria, objeto reprodutível de valorização, ornamento e peça de galeria. Mas também tempos de reorganização e de crítica, com novos atores e expressões entrando em cena, na esquerda e nas artes. Nesse contexto, voltamos ao espírito da obra de Gramsci, e colocamos a “disputa de corações e mentes” como nossa tarefa central. Ora, tal disputa é muito mais ampla do que a
esfera da política e suas instituições. Para nós a arte, em suas diferentes formas e expressões, pode contribuir para resolver essa “esfinge”. A crise é um problema social, mas também uma questão a ser decifrada. Ela traz um elemento de incerteza e indeterminação, e nesse aspecto a percepção do artista pode trazer novas abordagens e respostas. O edital, então, é um convite aos artistas para que nos ajudem nessa tarefa, e influencia nossas formas de ver/perceber/julgar e relacionar o mundo. Mais do que decifrar o enigma da crise, ou apresentar outras visões e ou pontos de vista, trata-se de resolvê-la. “Até agora os filósofos se preocuparam em interpretar o mundo de várias formas. O que importa é transformá-lo”, disse Karl Marx. Em certo sentido, usar a arte como trampolim para um futuro de mais justiça e liberdade, liberando a “arma da crítica” em direção à “crítica das armas”. Ao falar da Nova Arte Política pretendemos contribuir para uma arte libertadora, que empodere as pessoas e seja um instrumento de denúncia e propaganda, e também de uma arte que dialoga com os novos tempos e formatos, que seja questionadora e conduza à reflexão. Mas, qual o ponto de vista de que partimos? Somos uma fundação partidária, ligada ao PSOL, ao Partido Socialismo e Liberdade. Então, queremos dialogar com a arte política de transformação, crítica e progressista, ou seja, a arte produzida do ponto de vista dos trabalhadores e excluídos, que seja um instrumento de libertação. Por termos um “conceito muito elevado da função da arte”, muito nos preocupou fugir de qualquer forma de “panfletarismo”, mas sempre mantendo uma posição por uma arte de qualidade, plena de potência política e de capacidades libertadoras. A exposição abrigará diversos tipos de expressões artísticas, e esperamos com isso instigar à luta, ativar a vida e acender o pavio. Com Mariguella é que dizemos: Ousar lutar, ousar vencer!
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Arte e Política:
UM DISPOSITIVO QUE REVOLUCIONA CORAÇÃO E MENTES
por Tania Siqueira Montoro, UnB1
Há entre nós uma nova geração de artistas que tem uma expressão que conjuga o ideário estético com político e clama por uma mensagem de paz. Se partimos do princípio de que a arte é a expressão cultural de um povo, que as diversas artes existentes exprimem a vontade, a cultura, a liberdade de um povo, tanto quanto expressam o belo, então é perfeitamente concebível o uso da estética para traduzir um conjunto de valores políticos e, nesse caso, nada mais natural do que a possibilidade de relacionar Arte e Política. Uma forma de arte como o teatro, a música, a literatura , o cinema podem traduzir tanto situações comuns do cotidiano quanto relações de poder e dominação, ideologias, ideias, formas de organização política. 1 Possui graduação em Educação e Ciências Sociais; especialização em Política social pela Universidade de Brasília; mestrado em Comunicação pela Universidade de Brasília (1992) ; master of Social Mobilisation and Communication pela Tulane University(1994) New Orleans. PHD em Comunicação Audiovisual e Publicidade - Universidad Autonoma de Barcelona (2001) e pós doutorado em cinema e televisão pela UFRJ(2010) e pelo Deutsche Film Institute (2014). É professora do quadro permanente da Faculdade de Comunicação. Membro fundador e coordenadora da linha de pesquisa em imagem e som e escrita do doutorado e mestrado em Comunicação da UNB. Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre violência (Nevis/Ceam/Unb). Consultora de organismos internacionais ( Unifem, Unesco, Unicef, Pnud, OIT). Tem experiência na área de Comunicação audiovisual e Publicidade, com ênfase em Cinema, Televisão e outras audiovisualidades atuando principalmente nas seguintes áreas: cultura, cinema e televisão e outras narrativas audiovisuais, turismo, comunicação e mobilização social , estudos feministas e de gênero e estudos da mídia. Autora de livros e artigos sobre comunicação e cultura. Parecerista e membro de comitês editoriais de revistas científicas nacionais e internacionais. Realizadora de audiovisual e seu último documentário em longa metragem “Hollywood no Cerrado” premiado como melhor pesquisa no X Recine, 2011. Membro do Conselho Universitário da Universidade de Brasília. Cidadã honorária de Brasília. Consultora da Capes- Mec.
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São incontáveis os exemplos de manifestação política pelo teatro, a música, as artes plásticas, o cinema e a poesia. Os movimentos artísticos e musicais como O tropicalismo, a Bossa Nova, a geração manguebeat; o cinema novo, o cinema de retomada, o cinema marginal paulista foram movimentos políticos que permitem unir a criatividade artística com a luta política na letra das músicas de vários compositores, como é o caso de Para não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, que é entoada por milhões de jovens até hoje, do Brasil profundo ao litoral. “Bem vamos embora que esperar não é saber, quem sabe faz a hora não espera acontecer”, esta composição se tornou um hino de resistência do movimento civil e estudantil que fazia oposição à Ditadura durante o governo militar e civil, e ainda hoje inspira ativistas e manifestantes em várias regiões. O Ex-beatle Paul MacCartney ao ser indagado sobre o ativismo de artistas em nome de determinados temas afirmou: É um dever de o artista participar dos movimentos sociais e políticos. O ativismo é justo e obrigatório. Astros como Bob, Bono e Bruce [Bob Dylan, Bruce Springsteen e Bono Vox] propõem questões importantes e urgentes. Eles se valem do palco para disseminar ideias e atingir o maior número de pessoas. Nós, músicos, somos membros do público. Não estamos do lado de lá. Pertencemos ao povo. O
mínimo que temos de fazer é emprestar nossa voz ao público (Entrevista: não há mais conflito de gerações, Revista Época, n. 726, p. 87, 16 abr. 2012).
Arte e política fazem parte da vida e se enredam, constantemente, retratando a sociedade e ampliando a compreensão do mundo. O termo “arte engajada” foi cunhado para estabelecer esta conexão interativa entre artes e política. Arte engajada é aquela em que o artista usa seu talento, a partir de diferentes linguagens, para transmitir seus pensamentos, sua atitude para protestar contra algo que considera errado, ou então como forma de denúncia. Os artistas engajados se comportam como atores sociais ativos, ou seja, o autor não é alienado dos problemas que afligem a humanidade de forma geral. A arte engajada reflete a realidade social, o tempo histórico em que é produzida, a cultura de uma determinada comunidade linguística. É importante ressaltar que esta concepção de uma “arte engajada”, sobre o papel social da arte, parece ser algo recente. Ela nasceu de uma história política e social, sob o fundo das revoluções e regimes ditatoriais. Essa tensão do artista entre o engajamento e a estética, entre a obra ligada às questões de sua época e a busca de uma beleza atemporal não floresceu antes do século XIX. Para Cândido Portinari, não existe uma arte neutra. “Mesmo sem nenhuma intenção do pintor, o quadro indica sempre um sentido social”, defendia. E é neste sentido que caminha esta exposição em que artistas de diferentes gerações, cada um à sua maneira e uns com mais peso que outros, usaram e seguem usando a arte como instrumento de protagonismo político. Quando você diz que não toma atitude política, essa atitude já é política. Claro que não existe uma arte neutra, você se posiciona e isso não quer dizer que tal posicionamento seja necessariamente panfletário ou óbvio. Um dos artistas que talvez tenha sido o mais político de todos foi o francês Marcel Duchamp, um artista
conceitual. Para Ranciere, “as artes só emprestam aos procedimentos de dominação ou de emancipação aquilo que podem emprestar, isto é, muito simplesmente, aquilo que têm de comum com elas: posições e movimentos dos corpos, funções da palavra, repartições do visível e do invisível. E a autonomia de que podem gozar ou a subversão de que podem atribuir-se assentam na mesma base.” Jacques Rancière, A Partilha do Sensível – Estética e Política (Editora 34, 2005) Na literatura temos vários movimentos que expressam de alguma forma a realidade social e política, muitas vezes sofrida, outras vezes de forma cômica e irônica por seus autores, inspirados em fatos reais, como em Vidas Secas (Graciliano Ramos), Os Miseráveis (Victor Hugo), Os Sertões (Euclides da Cunha), O Bem-Amado (Dias Gomes), Triste Fim de Policarpo Quaresma (Lima Barreto), O Tempo e o Vento (Érico Veríssimo) e muitos outros. Bertolt Brecht é considerado por muitos o arquétipo do artista engajado, um dos grandes teóricos e práticos de uma arte política, marxista, fundador do Berliner Ensemble na República Democrática Alemã (RDA), que pensa o teatro com um objetivo para além de apenas divertir os homens, e sua única justificativa, o prazer que proporciona. Para Brecht uma peça é política não apenas porque tem um tema político, mas quando adota uma “atitude política” de transformar as coisas, tanto políticas quanto privadas. A função política da arte se revela não só quando seu tema é político, mas também quando adota atitudes políticas de transformar ideias, emergindo como expressão de liberdade e criatividade cidadã. Existem questões levantadas pela sociedade sobre as quais é preciso dar uma forma tal que desperte no espectador o prazer de refletir sobre respostas diferentes daquelas apresentadas pelo mundo onde ele vive. A arte vive na polis, política do cotidiano e da história cultural.
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Arte e política? Arte e política. Arte é política! por Fernanda Azevedo1
O escritor deve naturalmente ganhar dinheiro para poder viver e escrever, mas não deve, em nenhum caso, viver e escrever para ganhar dinheiro. Karl Marx
Nós partimos do princípio de que a arte, assim como todas as esferas de pensamento e da ação que organizam a vida humana, não são estranhas à organização da pólis, ao espaço público e à coletividade, portanto, estão no campo da política. A arte, nesta perspectiva, não escapa ao espírito de sua época e, nos casos em que assume certo protagonismo social, pode ”responder aos perigos de sua época”, como sugeriu o dramaturgo e diretor britânico Edward Bond. Dito de outra forma: a conexão entre a arte e a dinâmica social é constitutiva do processo de criação e se expressa dialeticamente nas obras produzidas. Portanto, só é possível analisar um trabalho artístico à luz de seu contexto histórico, e a percepção ampliada do contexto histórico se ilumina pela compreensão das criações artísticas nele produzidas.
Um olhar sobre a questão da autonomia da arte Peter Bürger, em Teoria da vanguarda, analisa a questão da autonomia da arte na sociedade burguesa a partir da problematização do conceito de 1 Atriz e pesquisadora teatral. Integrante da Kiwi Companhia de Teatro.
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autonomia. O autor aponta que, “se definirmos autonomia da arte como independência dela em relação à sociedade, podem-se conceber várias interpretações”, indo do conceito de arte pela arte até seu contrário, entendendo a autonomia sempre como um fenômeno histórico. Para exemplificar uma das possibilidades de entendimento do conceito de autonomia da arte Bürger cita o historiador B. Heinz: Nesta fase em que o produtor se vê historicamente separado de seus meios de produção, o artista foi o único a ficar para trás, tendo passado longe dele a divisão de trabalho - não inteiramente sem deixar vestígios, é claro [...]. A razão para que o seu produto possa ter alcançado validade como particular, “autônomo”, parece residir justamente na continuidade do modo de produção artesanal do artista, mesmo depois do advento da divisão histórica do trabalho.
Ou seja, a ideia de autonomia da arte ligada ao trabalho artesanal aparece aqui como uma forma do artista manter o domínio sobre o meio de produção, autonomia em relação à uma sociedade onde a divisão social do trabalho gera a alienação e separação entre as etapas de produção. Esta reflex-
ão faz sentido em relação aos primórdios do capitalismo europeu, quando ocorre a passagem do poder da corte para a burguesia. Em momento posterior, com o aparecimento de um mercado das artes e da figura dos colecionadores, quando as obras individuais passam a ganhar valor, o papel social do artista se transforma. Mas, segundo a análise de Bürger, não se deve supor que haja subordinação de todo o processo da esfera artística aos mecanismos de mercado. Para o historiador da arte Horst Bredekamp, os conceitos de “uma arte ‘livre’ (autônoma) se acham desde sempre ligados a perspectivas de classe: que a corte e a grande burguesia protegem a arte como testemunha de dominação”. À autonomia, aqui ligada à noção de esteticismo, Bredekamp contrapõe a arte comprometida, engajada, como valor positivo. Convém discutir, ainda, como a arte se aproxima da ciência e se autonomiza em relação ao ritual, sobretudo a partir do renascimento, e qual a diferença deste momento para aquele da sistematização da estética como disciplina filosófica no século 18 e do aparecimento do culto ao gênio (a criação artística vista como distinta das demais atividades sociais). O que nos interessa é compreender quais são as condições sociais que permitem a transformação da arte em conteúdo de si mesma, perdendo assim sua conexão com a vida social, chamada por Bürger de práxis vital. Para o autor, “a autonomia da arte é uma categoria da sociedade burguesa. Ela permite descrever a ocorrência histórica do desligamento da arte do contexto da práxis vital”. Importa frisar que a questão da autonomia da arte na sociedade contemporânea, além de estarconectada às condições econômicas que definem a produção, é também um constructo ideológico. Sugerindo uma possível isenção dos artistas, a arte pela arte é funcionalao status quo, contribuindo para o sufocamento do pensamento crítico e impedindo a possibilidade de compreensão da realidade. Esta hipótese idealista supõe possível a liberdade numa sociedade sem liberdade! A arte está vinculada - embora não rigidamente subordinada - ao modelo de sociedade na qual está inserida. Cabe aos envolvidos no processo artístico tomar partido, escolher de
que lado estão: do lado do apaziguamento social, do falseamento da realidade e da capitulação à forma mercadoria ou do lado da resistência e da práxis revolucionária.
Por uma arte revolucionária independente É nesse sentido, desfazendo-se de uma falsa ideia de autonomia da arte, que uma reflexão feita há 70 anos recobra sua atualidade. O manifesto de Breton, Rivera e Trotsky Por uma arte revolucionária independente, coloca nestes termos o debate: A arte verdadeira, a que não se contenta com variações sobre modelos prontos, mas se esforça por dar uma expressão às necessidades interiores do homem da humanidade de hoje, tem que ser revolucionária, tem que aspirar a uma reconstrução completa e radical da sociedade (...) Ao mesmo tempo, reconhecemos que só a revolução social pode abrir a via para uma nova cultura. (...) A oposição artística é hoje uma das forças que podem, com eficácia, contribuir para o descrédito e ruína dos regimes que destroem, ao mesmo tempo, o direito da classe explorada de aspirar a um mundo melhor e todo sentimento da grandeza e mesmo da dignidade humana. (...) Em matéria de criação artística, importa essencialmente que a imaginação escape a qualquer coação, não se deixe sob nenhum pretexto impor qualquer figurino. (...) ao defender a liberdade de criação, não pretendemos, absolutamente justificar o indiferentismo político e longe está de nosso pensamento querer ressuscitar uma arte dita “pura” que de ordinário serve aos impulsos mais do que impuros da reação. Não, nós temos um conceito muito elevado da função da arte para negar sua influência sobre o destino da sociedade. Consideremos que a tarefa suprema da arte em nossa época é participar consciente e ativamente da preparação da revolução. No entanto, o artista só pode servir a luta emancipadora quando esta compenetrado subjetivamente de seu conteúdo social e individ-
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ual, quando faz passar por seus nervos o sentido e o drama dessa luta e quando procura livremente dar uma encarnação artística a seu mundo interior. (...) O que queremos: a independência da arte - para a revolução, a revolução - para a liberação definitiva da arte.
Contrapelo A convite da Partisan Review Trotsky escreve em 17 de junho de 1938 o artigo A arte e a revolução. Nele o autor usa como um exemplo de arte viva e revolucionária os afrescos de Diego Rivera sobre o Outubro soviético. A obra de Rivera falaria mais da Revolução do que a produção artística submetida ao imperativos dos stalinismo. Os arranhões e manchas feitos por vândalos católicos e outros reacionários (incluindo os stalinistas) os tornariam ainda mais potentes. Uma obra provocadora que traz em si um “fragmento vivo da luta social”. Trotsky defende que somente uma arte livre e desburocratizada pode exercer uma função transformadora e contribuir na construção do socialismo. A arte, como a ciência, não só não precisam de ordens, mas não podem, por sua própria natureza, suportá-las. A criação artística tem suas leis, mesmo quando está conscientemente a serviço do movimento social. A criação intelectual é incompatível com a mentira, a falsificação e o oportunismo. A arte pode ser uma grande aliada da revolução, enquanto permanecer fiel a si mesma.
Segundo Walter Benjamin, em O autor como produtor “o lugar do intelectual na luta de classes só pode ser determinado, ou escolhido, em função de sua posição no processo produtivo”. Tomar os meios de produção, “superar as esferas compartimentalizadas de competência no processo de produção intelectual” se apresentariam como pressupostos para o artista engajado, o que tornaria seu trabalho politicamente válido. O caráter pedagógico da obra e do artista, o caráter mediador, a não idealização do “intelectual puro” corresponderiam a forma de
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enfrentamento à ser defendida. Aquela capaz de compartilhar os meios de produção da arte, de desvendá-los e, assim, abrir portas para que outros produtores tomem posse das técnicas necessárias para produzir uma arte revolucionária. Temos, graças aos movimentos de luta e resistência ao longo dos tempos, bons exemplos de autores-produtores. Bertolt Brecht e seu teatro épico dialético que, conectado ao contexto histórico e tendo o homem no centro de suas experimentações como sujeito e responsável de suas ações, investiga os mecanismos sociais afim de transformá-los. Erwin Piscator e seu teatro proletário no início do século 20, um teatro de informação e formação política que, na busca de uma radicalidade estética que correspondesse às urgências sociais daquele período, desenvolve as bases do teatro documentário (influenciado pelas formas de intervenção e ação direta dos agitprops soviéticos). Frida Kahlo e Diego Rivera que estiveram ligados ao Partido Comunista Mexicano, aos camponeses zapatistas e participaram ativamente da vida política de seu país. Julio Cortázar que dedicou esforços e os direitos de alguns de seus livros à Revolução Sandinista na Nicarágua. Nos anos 1960 e 70, cineastas, escritore(a)s, artistas de teatro e música que resistiram ao autoritarismo da ditadura civil-militar no Brasil (muitos foram perseguidos e exilados, outros, assassinados). E, mais próximos de nós, as experiências de um novo sujeito histórico surgido nas últimas décadas no Brasil: o teatro de grupo. A experiência paulistana dá exemplos de amadurecimento da reflexão política sobre a necessidade de trabalhar a partir de novos modos e formas de produção, desenvolvendo uma práxis no sentido oposto à alienação da divisão social do trabalho e provocando um estranhamento que procura fissurar a estrutura de funcionamento do mundo capitalista. Como formulou Walter Benjamin: “Não existe jamais um documento da cultura que não seja ao mesmo tempo um documento de barbárie”. Cabe a nós criar condições para que obras estética e politicamente potentes possam surgir, passando a limpo uma história mal contada. Ou, também usando as palavras de Benjamin, escrevendo a “história a contrapelo”.
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Curadores
Lorena Ferraz Cordeiro Gonçalves Márcio Rosa de Azevedo Rodolfo Vianna
Obras em Exposição
Anna Moraes (SC) | “Será?” | Stopmotion, 0,41’ | 2017
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Anne Courtois (SP) | “Construções solúveis“ | Sabões em pedra lavrados, suporte mural - 60 cm x 35 cm x 5 cm | 2017
Anne Courtois (SP) | “ACASALAR“ Capacho de sisal impresso-160cm X80cm | 2013
Anne Courtois (SP) | “Desdosmestic-Ação“ Conchas culinárias de alumínio batidas e penduradas num varal 120 cm x 60 cm x 30 cm | 2017
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Bianca Turner | “Rastreando“ | Instalação e ação multimídia (desenho em giz sob projeção de fotos em lousa preta), 2.5m x 2.8m x 3m | 2016
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Bruno Novaes (SP) |”Apostila de Ciências:Ensino Fundamental” | Nanquim sobre página em branco desencadernada. políptico. 33x50cm cada | 2016
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Diego de los Campos (SC) | “Desenhos de um real” | Instalação de parede de desenhos A5 e performance 2 x 1,50 m | 2016-2017
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Duda Las Casas (SP) |“Tática” | Instalação vídeo | 2017
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Gabriel Chagas (BA) | “A Maior Festa Da Cidade” | Colagem Sobre Papel. 23 cm X 23cm | 2016
Gabriel Chagas (BA) | “O Sol do Amanhã” Colagem sobre papel. 42 cm X 29,7cm | 2015
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Herontico (BA) |“Série Nudes” | A3+Photo+Arte Digital | 2017
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Igor Reis (MG) | “Panela depressão” | Dispositivo de áudio, e impressão s/ panela dimensões variadas | 2014
Igor Reis (MG) | “Feito para você” | Serigrafia s/ papel 29 x 42cm (cada 42 cm X 29,7cm) | 2016
Igor Reis (MG) | “República” Díptico, óleo s/ tela 180 x 70 cm | 2016
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Itamara Ribeiro (MG) | “Perfurar� | Desenho e bordado sobre pape, (AxL) 29.7x21 cm | 2017
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Jean Guimaraes (RJ) | “Não há vagas” | Imagem digital em papel fotográfico, 70cm x 100cm | 2016
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João Alberto (RS) | “Tensão“ |Arame farpado e látex com gravura em metal impressa; cerca de 75 x 75 x 75 cm | 2017
João Alberto (RS) | “Pedaço“ Xilogravura em látex e arame farpado; cerca de 60 x 30 x 30 cm | 2017
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Khalil Charif (RJ) | “Para Colorir” | Impressão em Papel, 24x24cm | 2017
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Laysa Carolina Machado (PR) | “Morada transitória” | Performance
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Luisa Callegari (SP) | “Natureza Morta Tropical” | Frutas tropicais pintadas com spray magenta, dimensões variáveis | 2016
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LULA RICARDI (SP) | “Anônimo” Objeto - 30x155 cm | 2014
LULA RICARDI (SP) | “Futuro” Gravura Carimbo 39x57 cm | 2016
LULA RICARDI (SP) | “Brasilidade” Objeto - 60 x 60 cm | 2014
LULA RICARDI (SP) | “Golpe” Objeto - 28x30 cm | 2017
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Marcelo Armani (RS) | “Todo Esta Sobre Control, Ahora!?” | Instalação - 40cm x 40cm x 15cm | 2016
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OMORORÓ (SP) | “Nenhuma Solução Viável” | Bordado 47x29cm | 2017
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Paulina Denti (França) | “sin título” | Performance para vídeo. 9 minutos | 2017
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Sergio Ricciuto Conte (SP) | “Genderland” | Lápis sobre papel com edição digital 30 x 21 cm | 2016
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Fabio Souza (SP) | “Borboleta dos desejos” | Asas: 5,00 diâmetro Altura: 3,20 As asas são rotarias e o corpo recebe colantes adesivos com desejos
Fabio Souza (SP) | “Focas Cassilda e Matilda” Escultura em vergalhões e redes de pesca Matilda: 1,60 x 2,20 Cassilda: 4,80 x 6,00
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Thiago Nevs (SP) | “Palanque” | Escultura. 58 cm X 85 cm | 2016
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Tiago Cruz (MG) | “Pesadelo” | Foto Digital pós-processada 8 4x 70cm | 2017 Tiago Cruz (MG) | “Mídia”
Foto Digital pós-processada 60 x 85cm | 2015
Tiago Cruz (MG) | “Desfaçatez” Foto Digital pós-processada 60 x 90cm | 2016
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Viviane Vallades (SP) | “Sem Título” | Work in progress. Exibição de frases em painel de led 100 cm de largura X 20 cm de altura. Fonte branca | 2015/16
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HERMUSCHE (DF) | “SURVEYLANCE” | Pastel óleo sobre papel negro - 120 x 280 cm | 2011
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Wesley Soupza (SP) | “Capitalismo” | Faca com lâmina em aço inox, cabo de madeira e bainha em couro , 25 cm x 40 cm x 5 cm | 2015 Wesley Soupza (SP) | “Fifty Names of God” Pergaminho, Impressão sobre papel, 22 cm x 16 cm x 05 cm | 2016
Wesley Soupza (SP) | “Espelho (o grande Outro)” Madeira e papel metalizado, 30 cm x 20 cm x 2,0 cm | 2016
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