Sumário Apresentação Martiniano Cavalcante ...............................................................5 Introdução Roberto Robaina.............................................................................7 O vulcão grego em erupção Pedro Fuentes................................................................................9 “Temos que apresentar um plano alternativo anti-capitalista e anti-sistêmico” Entrevista com Costas Isychos..................................................15 Grécia: tragédia neoliberal, aurora de lutas Israel Dutra..................................................................................18 O papel da esquerda na resistência grega Entrevista com Panos Garganas................................................20 Crise na Espanha
“Zapatazo” contra os direitos sociais Miguel Salas..................................................................................24 Declaração de partidos e organizações de esquerda sobre a Crise Européia..............................................................................26 O que mostra a situação na Europa e para o que nos preparamos Fernando Silva................................................................................28 Honduras
Juan Barahona, com a palavra!..................................................31 Honduras: o golpe continuado Joana Salém Vasconcelos e Pedro Fuentes....................................32
Expediente SOCIALISMO E LIBERDADE Ano II - Nº 3 - Junho de 2010 ISSN 1984-4700 Publicação conjunta: Fundação Lauro Campos e Secretaria de Relações Internacionais do PSOL Av. Rio Branco 185/1525 - Centro Rio de Janeiro - RJ - CEP 20040-007 Tel. (21) 2215 2491 Edição: Pedro Fuentes Jornalista responsável: Milton Temer (MTb 26134/70) Design e diagramação: Hugo Scotte Capa: Bernardo Correa Impressão: Gráfica Enfoc Tiragem 2000 exemplares DIRETORIA FUNDAÇÃO LAURO CAMPOS Presidente de honra: Oraida Policena de Andrade Campos DIRETORIA EXECUTIVA Diretor Presidente: Martiniano Pereira Cavalcante Neto Diretor Técnico: Jorge Milton Temer Diretor Administrativo-Financeiro: Mário Agra Júnior CONSELHO DE CURADORES Presidente: Carlos Roberto de Souza Robaina Vice-presidente: José Enrique Morales Bicca Membros titulares: Heloísa Helena Lima de Moraes Carvalho Ewerson Claudio de Azevedo Ema Regina Greber Carneiro Breno de Souza Rocha Antonio Jacinto Filho Membros suplentes: Jefferson Davidson Dias de Moura Alice Guimarães Rainho Honório Luiz de Oliveira Rego CONSELHO FISCAL Presidente: Antonio Carlos de Andrade Membros titulares: Alexandre Varela Israel Linhares Franco Membros suplentes: Jaqueline Teresa Aguiar Maurício Alves Santana
Apresentação Martiniano Cavalcante
Presidente da Fundação Lauro Campos
Ao Fundação Lauro Campos, em colaboração com a Secretária do Relações Internacionais do PSOL, publica esta edição especial sobre a crise na Grécia. Desta maneira, queremos contribuir para a informação e análise de primeira mão dos militantes socialistas e de esquerda, e também para muitos outros setores que sem ter essa definição começam a mostrar sua preocupação sobre o rumo que está tomando a situação mundial. A publicação de nossa revista coincide com a incapacidade da maior potência do planeta em deter a perda de milhões de litros de petróleo diariamente no Golfo do México. Uma tragédia anunciada. Também anunciadas são as conseqüências da crise econômica mundial para os trabalhadores e os povos. Crise esta que, mais cedo ou mais tarde, atingirá também nosso país. Para isso, nada melhor que divulgar o pensamento militante de duas lideranças partidárias da esquerda grega: Costas Isychos e Panos Garganas. Costas Isychos é membro do Comitê Central do Synaspismos, um partido anti-capitalista que compõe SYRZA. SYRZA é uma frente de diversas organizações da esquerda grega que tem cumprido um papel de pólo dirigente na luta de classes e das manifestações de massas contra o plano de ajustes. Por sua parte, Panos Garganas é membro do SEK, Partido Socialista dos Trabalhadores da Grécia. A introdução aos debates aqui propostos fica a cargo de Roberto Robaina. O companheiro Miguel Salas, da Espanha, explica como a crise afeta seu país. O Secretário das Relações Internacionais do PSOL, Pedro Fuentes, analisa a situação da Grécia e o episódio europeu da crise econômica mundial. O companheiro Fernando Silva, da Executiva do PSOL, também participa desta edição com seu diagnósticoa respeito da situação da Europa. E Israel Dutra, do PSOL/RS, faz uma breve retomada histórica das lutas mais antigas dá Grécia, recuperando experiências que fortalecem o movimento social grego ainda hoje. Não pudemos deixar de divulgar a Declaração sobre a Crise Europeia assinada por mais de 30 organizações de esquerda de toda a Europa, apresentando propostas de luta unificada por outro modelo econômico e social. Por fim, reservamos uma parte da Revista para a Honduras, país que, tão perto e tão longe, hoje está sofrendo nas mãos de um Estado autoritário e de uma elite gananciosa sem parar de resistir, e que hoje necessita de toda nossa solidariedade. Com um esforço concreto de solidariedade com estes dois processos, nossa Fundação decidiu convidar ao país para dar palestras e participar de algumas atividades a Juan Barahona, reconhecido líder da resistência Hondurenha e Sotiris Martalis, membro da secretaria de SYRIZA e membro do conselho executivo de ADEDY (Confederação dos servidores públicos da Grécia). Esperamos que estas contribuições sejam passos concretos de internacionalismo, tão necessários nestes tempos de crise.
Introdução Roberto Robaina
A
Presidente do Conselho Curador da Fundação Lauro Campos
terra de nascimento de gênios como Sócrates, Platão e Aristóteles, onde floresceu a filosofia e a cultura da qual bebemos ainda hoje, agora, mais de dois mil anos passados, pode ser o símbolo da abertura de um novo tempo histórico. Depois de décadas de ascensão do neoliberalismo e de expansão do domínio do capital, incluindo a restauração capitalista dos países do leste europeu, da Rússia e da China, as forças de produção capitalistas sofreram um grave entrave em meados de 2007. Com isso, podemos estar entrando num novo período histórico de maiores conflitos de classes – agora na Europa capitalista – e de contestação ao domínio do capital. A crise econômica iniciada nos EUA conduziu a uma recessão econômica mundial. A ameaça de uma depressão econômica nos moldes da crise de 1929 passou a ser uma hipótese recorrente em todas as tendências de pensamento, a começar pelos próprios
bancos centrais dos países imperialistas. O impressionante aporte de capital ao maior plano de ajuda fiscal da história garantiu o salvamento do sistema financeiro e de grande conglomerados capitalistas. A crise, contudo, não foi superada. O atual colapso das contas públicas na Grécia é a expressão de um novo capítulo desta mesma crise. Entre os recursos usados pelo governo grego para manter um sistema de exploração do povo, baseado em privilégios de uma minoria, estavam muitos empréstimos efetuados por bancos alemães e franceses. Quando o novo governo grego assumiu, com a intenção de manter o modelo econômico do governo anterior, percebeu que este já estava esgotado. As contas não fechavam. A maquiagem feita pelo Goldman Sachs nas contas do governo para garantir o ingresso da Grécia na zona do euro revelou-se uma das maiores fraudes da história. Uma vez mais fica claro que a corrupção é inerente
ao funcionamento do sistema. A confiança na capacidade de pagamento do governo ruiu e a dívida grega não podia mais ser rolada a não ser com novos aportes de capital. Não poderia ser diferente. Depois da crise de 1929 surgiu um ditado nos meios financeiros que dizia que “se o crédito é de 100 mil dólares, o devedor sofre de insônias, mas, se o crédito é de 10 milhões de dólares é o credor que não dorme mais”. Atualmente os números do cassino financeiro se multiplicaram, mas certamente a dívida grega faz os credores da Alemanha e da França perderem o sono. São os recursos dos seus bancos que estão indo para o ralo na crise grega. Aliviar as tensões provocadas por esta clara ameaça de default é a verdadeira razão do pacote de cerca de 800 bilhões de euros aprovado pelo governo da Alemanha e seus aliados europeus. O governo brasileiro também resolveu dar sua mãozinha, uma demonstração simbólica de sua parceria com o sistema financeiro mundial. Com a conversa de ajuda a Grécia, deu cerca 300 milhões que serão drenados para os cofres dos bancos alemães e franceses. A contrapartida que os governos exigem da Grécia é a aplicação de um plano de ajuste draconiano contra o povo. O resumo da ópera é incrível: ajudam a Grécia para que a Grécia não deixe de pagar seus bancos e em contrapartida exigem que o governo grego retire recursos de seu próprio povo para reembolsá-los novamente. O governo grego aceita porque não quer abandonar o modelo econômico de privilégios da minoria, da burguesia e da alta classe média grega, em detrimento da maioria esmagadora da população que nada tem a ganhar com a manutenção da Grécia no atual sistema. A moeda unificada e o desenvolvimento desigual dos países europeus têm duas conseqüências. Por um lado, a maior produtivi-
dade do trabalho da Alemanha, produto de um maior desenvolvimento técnico tem permitido altos superávits comerciais capazes de compensar o arrocho salarial promovido pela burguesia alemã contra seus próprios trabalhadores. A segunda, é que os demais países europeus não podem compensar sua menor produtividade e sua balança comercial com desvalorização da moeda. E sem esta possibilidade de desvalorização da moeda tampouco podem disfarçar seus ataques ao nível de vida da população, isto é, segundo os interesses capitalistas, reduzir por esta via seus custos de produção e seus gastos fiscais. Assim, os capitalistas e seus governos na Grécia, na Espanha, na Itália, em Portugal, mas logo também na França e na Alemanha são levados a atacar abertamente o salário social e, pelo menos já no caso grego e espanhol, a reduzir nominalmente os salários. As burguesias europeias estão apostando em mais do mesmo. Querem manter o euro a qualquer custo. A burguesia e o governo gregos tem sido carro chefe deste esforço. Querem que a população trague o gosto amargo dos planos de ajuste do capital. Para arrancar da população os recursos necessários para corrigir as contas públicas deficitárias e obter novas e maiores taxas de mais valia e de exploração dos trabalhadores, anunciaram e aprovaram no Parlamento a redução de salários nominal, ataque às aposentadorias, aumento de impostos, enfim, ataques aos serviços públicos, ao salário social. Diante de tais ataques, temos visto a resistência dos trabalhadores, dos imigrantes, da juventude, das classes médias empobrecidas, da população grega. Esta edição foi feita para tratar desta resistência. Para divulgá-la. Para apoiá-la. Para saudá-la como exemplo. Boa leitura!
O vulcão grego em erupção Pedro Fuentes Secretário de Relações Internacionais do PSOL
E
m abril passado, a nuvem provocada pelo vulcão da Islândia praticamente paralisou o tráfego aéreo europeu por cinco dias. Há alguns dias, a nuvem voltou a se manifestar, e foi então o momento de fechar aeroportos em Portugal e na Espanha. Trata-se de um fenômeno natural, que costuma ocorrer aproximadamente a cada cem anos. Porém, há outro vulcão em erupção na Europa, e de natureza distinta ao da Islândia: um vulcão na Grécia. Este outro vulcão pode ter efeitos muito mais drásticos que o fechamento de aeroportos europeus. Na república helênica, o movimento social se assemelha a um vulcão que estourou como resposta aos planos de ajustes do governo socialdemocrata do PASOK, provocados pela brutal crise econômica no país. Esta crise grega é um episódio a mais da crise que vive o capitalismo mundial desde 2007, e que
se alastra agora com mais força na Europa, ainda que alcance, por enquanto, os países chamados depreciativamente de PIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia, Espanha). O novo desta crise é que o plano de ajuste grego provocou uma intensa onda de luta dos trabalhadores e do povo, que faz recordar as lutas vividas nos fins dos 90 e começos de 2000 na Argentina, Equador e Bolívia, como resposta a situações similares. A diferença é que, naquele momento da América do Sul, a crise mundial não havia estourado com a intensidade com que agora se desenvolve desde a explosão da bolha financeira em 2008 nos EUA, a partir da quebra do Banco Lehman Brothers. Por isso, sem nenhuma dúvida a situação grega demonstra algo historicamente novo: confirma-se o que foi escrito nos artigos de Roberto Robaina e por mim, nos quais definimos que, a partir da cri-
se de 2007-2008, entramos num novo período da situação mundial. Um giro histórico que está marcado pela maior crise do capitalismo, econômica e ecológica, por uma polarização social intensa, que é mais favorável aos socialistas e ao movimento de massas. Grécia requer atenção e apoio de todos os partidos e movimentos socialistas revolucionários do mundo. Porque neste país, a combinação entre crise econômica, crise política e resposta social, cria as condições para o surgimento de uma situação revolucionária como antes não se viu, desde décadas atrás na Europa.
Um país quebrado
Como ocorreu na Argentina em 2001, a Grécia também acumulou um forte déficit público e privado, e uma grande dívida externa. A dívida estatal grega ascende à soma astronômica próxima de 300 bilhões de euros e seu déficit orçamentário em relação ao PIB é de mais de 13%. Desta dívida, 95% são títulos nas mãos de bancos europeus, principalmente alemães e franceses. Num artigo publicado na ARGENPRESS, Manuel Giribets explica como se deu a entrada da Grécia na zona euro, em 2001. Ele denuncia que para lograr esta entrada, os governos gregos falsearam descaradamente os dados econômicos do país. “Goldman Sachs, um dos maiores bancos
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dos EUA, ajudou a ‘maquiar’ 15 bilhões de euros de dívida externa, como divisas e não como empréstimos em 2001, para que o país cumprisse os requisitos da UE em matéria de endividamento público”, assegura Giribets. Além disso, afirma que por essa operação o banco americano recebeu 300 milhões de euros de comissão, e mais 735 bilhões de euros no falseamento destes títulos a partir de 2002. Como já vimos, nesta etapa crise, cheia de bolhas criadas por manobras financeiras, balanços fictícios e fraudulentos, os governos gregos também fizeram sua parte, mentindo que o déficit público era de 3,7%. Este era o déficit limite exigido pelos acordos da Comunidade Européia, e os requisitos agora estão saltando pelos ares em muitos países. Giribets denuncia como o governo conservador - anterior ao atual governo social democrata de PASOK - preferiu endividar-se com os bancos estrangeiros ao invés de aumentar os impostos dos ricos para corrigir o déficit fiscal. A evasão fiscal da burguesia e da alta classe média grega é aterradora. As cifras dizem que 90% dos contribuintes declaram à Fazenda Pública entradas anuais de menos de 30 mil euros. Acredita-se que 20% da população grega ganha mais que 100 mil euros ao ano, ainda que menos de 1% o admitam. Só 15 mil pessoas declaram entradas superiores a 100 mil euros anuais. Irrisório, ainda que nesta conta não se inclua a Igreja, que detém 30% das propriedades do país e não paga impostos. Daí também se explica o grande endividamento, com dinheiro conseguido através da venda de títulos a bancos europeus. A isso se acrescenta que 30% da economia do país é informal, e que o nível de pobreza alcança 21% da população, enquanto se estima que o desemprego chegue a 20%, afetando especialmente as faixas mais jovens. A aceleração da crise provocou uma fuga de capitais que não cessa. Em janeiro passado, 8 a 10 bilhões de euros saíram do país, uma cifra superior à última emissão de títulos do Estado. A crise, crescente em toda zona euro, produziu um estouro da bolha grega. Agora, o governo teve que reconhecer que o déficit alcança 13% (e não 3,7%, como as fraudes permitiram parecer) e que o endividamento supera 100% do PIB, ao que se soma uma dívida privada igual ou maior que a pública.
Os governos da zona euro duvidaram e demoraram no auxílio à Grécia. Finalmente, e depois que as bolsas sofreram uma estrepitosa queda em todo mundo, foi feito um “plano de salvação” da UE com apoio de Obama. Um plano de ajuda que alcança 750 bilhões de euros. Esse plano tem como objetivo evitar a moratória grega, e apoiar as economias comprometidas pela crise. A contrapartida é um severíssimo plano de ajuste, que no caso da Grécia, é um dos mais ortodoxos e massacrantes que já se conheceu. Faz parte deste plano a redução do salário de todos os funcionários públicos em 10% a 20%; o congelamento de novos empregos por parte do Estado; o aumento da idade da aposentadoria, de 35 anos trabalhados para idade mínima de 63 anos sem considerar os anos trabalhados; o aumento nos preços da gasolina em 10%; a nova lei de impostos para produtos de comércio básico para o povo, que implica aumento entre 8% e 10%. Também o governo de PASOK planeja realizar mudanças radicais na seguridade social, privatizando grande parte desta, como o modelo chileno. Estas medidas extremas são inevitáveis para um país que está na zona euro, já que por essa dependência não se pode simplesmente desvalorizar a moeda para reduzir salários, como foi feito na Argentina e no Brasil. Isso obriga ao capital os draconianos cortes diretos de salários, como parte do plano de ajustes.
A reação dos trabalhadores e a greve geral
No dia 5 de maio, se realizou uma grande greve geral, com enormes manifestações de massas, incluindo a mobilização de mais de 300 mil trabalhadores na capital Atenas. A greve paralisou tudo: empresas do setor público e privado, pequenas lojas, e até os meios de comunicação. Os taxistas também aderiram. No dia seguinte, várias federações sindicais continuaram os protestos e dezenas de milhares de manifestante rodearão o edifício do parlamento grego, onde se aprovou as medidas do tal plano de ajuste. Panagiotis Tzamaros, do Partido de Esquerda Internacionalista dos Trabalhadores, comentou que a marcha foi representativa de uma mobilização desde baixo: “Os sindicatos estiveram presentes não só através das federações grandes, mas tam-
bém os sindicatos locais de trabalhadores tomaram parte com suas próprias faixas. Esse ativismo estabeleceu o tom. A raiva também foi característica da jornada. Dezenas de milhares de trabalhadores gritaram: ‘Hoje e amanhã, mais o tempo que for preciso, todos estamos em greve!’. A fúria inacreditável dos manifestantes inundou o centro de Atenas apesar da chuva sem precedentes de gás lacrimogêneo disparado contra os manifestantes pela polícia”. A manifestação foi também excepcionalmente política. Os cantos da esquerda revolucionária foram assumidos pela imensa maioria dos manifestantes. Panagiotis Tzamaros prossegue: “Por outra parte milhares de trabalhadores que votaram a favor de PASOK estavam ali, unindo-se com os partidários da esquerda e atacando um governo a respeito do qual alimentavam ilusões há poucos meses atrás. Agora eles cantavam: ‘Abaixo às medidas de austeridade!’. Esse sentimento também foi abertamente contra a direção sindical. O presidente da Confederação Geral de Trabalhadores Gregos (GSEE, segundo as siglas em grego), que também é um destacado membro do PASOK, foi vaiado por gente de seu próprio partido e isso o obrigou a cortar seu breve discurso”. Panagiotis Tzamaros conta também que “em 5 de maio, a greve se viu surpreendida pela morte de 3 trabalhadores não grevistas empregados de uma sucursal do banco privado Marfim, que foi incendiado durante a manifestação. Foi comprovado que os trabalhadores do banco tinham solicitado licença do trabalho. Mas sob ameaça de demissão, a gerência os obrigou a permanecer – fato que por si só se tornou uma provocação, já que é bem conhecido que os bancos se conver-
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tem em alvos freqüentes durante as manifestações. Os manifestantes atacaram o edifício Marfim. Porém, ainda não foi comprovado se o fogo começou com coquetéis Molotov lançados pelos manifestantes ou com bombas de gás lacrimogênio lançadas pela polícia”. E continua: “O que está claro é que para reforçar suas fortificações, a direção do banco havia fechado o edifício. Como resultado, quando o fogo se espalhou, os trabalhadores não puderam escapar – com o trágico desfecho da morte de 3 deles”. O governo do PASOK está tentando usar a trágica morte dos 3 trabalhadores do banco Marfim para fazer frente à enorme resistência da classe trabalhadora do 5 de maio, por meio de uma política “mão de ferro” de “lei e ordem”. Não é casual que o governo tenha pleno apoio do partido de extrema direita fascista na imposição do programa de austeridade do FMI e da UE. O alvo dos ataques da extrema direita não é somente a coalizão de esquerda (SYRZA) e as organizações da extrema esquerda (como foi durante as manifestações de jovens militantes em dezembro de 2008), mas também o mais moderado Partido Comunista. Finalmente, com apoio da direita as medidas de ajuste foram aprovadas no parlamento. Porém a situação segue aberta e é provável que este ascenso popular se aprofunde, como conseqüência dos grandes avanços que tem feito o movimento social de massas nos últimos anos. A greve geral significou um enorme salto na situação do movimento de massas grego e europeu.
Acúmulo de lutas: a rebelião juvenil de 2008
Quando a crise grega se fez evidente, o governo da ‘Nova Democracia’ (partido herdeiro da direita fascista dos anos 30) iniciou uma política de planos de ajustes, que em geral foi combatida pelos trabalhadores. Greves dos setores públicos foram constantes durante todo período de governo do primeiro ministro Kostas Karamanlis (2004-2009). A situação do governo ficou crítica no final de 2008, com o assassinato do estudante Alexandros Grigoropoulos, de 15 anos, vítima de um policial que lhe atirou no coração. Esse assassinato gerou
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uma onda de manifestações massivas e distúrbios no país, efervescência social que não ocorria na Grécia desde as históricas mobilizações, greves e ocupações estudantis de 1973-74, responsáveis pela queda da ditadura dos coronéis imposta em 1965. O assassinato ocorreu num bairro popular de Atenas, onde os enfrentamentos entre policiais e grupos de jovens anarquistas são comuns. Milhões de manifestantes jovens, fartos da continua violência policial, apoderaram-se do centro de Atenas em questão de horas. Armados com “coquetel molotov” e pedras, os manifestantes atacaram símbolos da polícia, patrulhas, bancos e lojas. No dia 7 de dezembro, os protestos massivos foram espontâneos. No dia 8, uma nova mobilização foi convocada por partidos de esquerda, e unificou as lutas contra a violência policial, contra a crise econômica e contra o crescimento do desemprego entre os jovens. Depois se organizou greves nas universidades e, no dia 10 de dezembro, uma greve geral. As manifestações não pararam, mesmo se restringindo aos partidos de esquerda e, em particular, a setores anarquistas. Panos Petrou, membro da Esquerda Internacionalista dos Trabalhadores (DEA - sigla em Grego), descreveu a situação nos seguintes termos. “A explosão de ira que se seguiu ao assassinato de Alexis, sintetizou todas as pressões que as pessoas sofreram durante anos: aumento de preços e medidas contínuas de austeridade que foram reduzindo drasticamente os salários dos trabalhadores; sistemática redução de gastos sociais que levou os hospitais, as escolas e os fundos de pensão a beira do colapso”. A organização protagonista destas manifestações foi a ampla coalizão SIRYZA, da esquerda radical, na qual participam alguns setores socialistas de origem trotskista, entre eles o Partido Internacionalista dos Trabalhadores, e o Sinapysmos, um partido mais amplo dentro do qual coexistem setores mais reformistas. Nessa oportunidade a atuação do Partido Comunista foi decepcionante. Não só porque não fizeram nenhum esforço para organizar e politizar os protestos, mas também porque confundiram o povo com calúnias sobre “manifestantes provocadores”, e se colocaram ao lado daqueles que exigiam restauração imediata da “paz e ordem.”
Outro governo do PASOK: mais crise econômica e novos protestos
Menos de um ano depois, no dia 4 de outubro de 2009, o governo de direita sofreu uma dura derrota da social-democracia, do PASOK. Os escândalos de corrupção ajudaram a produzir esta derrota, porém também os 5 anos em que os trabalhadores acumularam experiências amargas com a política neoliberal, especialmente na juventude, com o assassinato do jovem estudante. Como aconteceu em vários países da Europa, o Governo social-democrata, liderado por Papandréu Jr, eleito com a promessa de mudar a política social da direita, adotou o duro programa neoliberal de austeridade contra os trabalhadores, que nem mesmo a direita se atreveu a implementar. Algumas das medidas, anunciadas a pretexto de reduzir a dívida, foram as mais duras que a Grécia conheceu. A reação dos trabalhadores, que logo culminaria na greve geral do último 5 de Maio, não demorou. O Sindicato dos Servidores Públicos chamou uma greve em 11 de Março, chamado atendido pela Federação dos Trabalhadores do Setor Privado (GSEE), controlada pelo próprio PASOK. Estas medidas abriram crise inclusive dentro do partido do Governo, enquanto o ascenso social continuou. SIRYZA e o Partido Comunista ocuparam prédios do sistema de seguridade social e estão formando comitês de luta em diferentes cidades, liderados por ativistas e militantes de esquerda. Ao mesmo tempo, está ocorrendo um fortalecimento da esquerda. No dia 25 de abril, a eleição da nova direção da Federação Grega de Trabalhadores do Setor Privado (GSEE), que até então era controlada pelo PASOK, expressou essa nova força. Ocorreu o 35° Congresso da GSEE, que faz parte da Confederação de Trabalhadores Gregos. Segundo nos informa Costa Constantino, responsável pela comissão para América Latina do SINASPYSMOS (setor da coalizão SIRYZA), foram 44.000 trabalhadores ao pré-congresso, eleitos 439 delegados, que votaram a nova direção. A chapa aberta da qual participou SINASPYSMOS e outras forças de SIRYZA obteve 07 cargos na nova direção. O Partido Comunista 06 cargos e o PASOK, que era a força hegemônica, outros 06 cargos, fi-
cando em terceiro lugar. Na eleição dos delegados para a Confederação dos Trabalhadores os resultados foram 08, 07 e 03, respectivamente. Esta nova situação vem fortalecendo a esquerda, que não obteve bons resultados eleitorais em 2009, quando ganhou o PASOK. Segundo os companheiros do Partido Internacionalista dos Trabalhadores, se desperdiçou uma oportunidade. O KKE (sigla em grego para Partido Comunista Grego) ficou em terceiro com 7,5%, enquanto nas eleições anteriores havia alcançado 8,2%. Por outro lado, SYRIZA conseguiu 4,6% dos votos e a eleição de 13 deputados. Na análise dos companheiros, este resultado se deveu a amplo voto útil no PASOK, para que alcançasse maioria parlamentar própria. O que não ocorreu nas eleições, ocorreu nas ruas e na luta política contra a crise. E as eleições sindicais da GSEE foram uma conseqüência disso.
O que virá? A luta acaba de começar
A greve geral foi o primeiro passo. A crise continua e contagia toda a Europa. Ao mesmo tempo, a mobilização e a greve grega se converteram em um grande exemplo. E como disse Lênin: “se o discurso convence, o exemplo arrasta”. Os sindicatos franceses e espanhóis enviaram delegações para expressar sua solidariedade. Nos países europeus, os sindicatos e ativistas organizaram eventos de solidariedade em frente às embaixadas gregas. A idéia de uma frente de resistência européia está amadurecendo. Prova disso foi a declaração assinada por numerosos partidos de esquerda, entre eles SYRIZA, o Bloco de Esquerda de Portugal e o NPA da França, entre outros. É possível que o plano de ajuda de 750 bilhões de euros postergue na Grécia o estalido da crise, porém não será a solução. A economia grega e dos países europeus mais fragilizados não vai se recuperar, e os governos neoliberais serão obrigados a aprofundar os ajustes anti sociais. Os trabalhadores gregos estão dando um extraordinário exemplo de combatividade e unidade para enfrentar a crise e suas conseqüências. A pergunta é: o que acontecerá quando o ajuste for implementado? O que acontecerá quando os salários dos funcionários públicos forem rebaixados e quando os preços dispararem? O que acontecerá
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também quando os pequenos poupadores, com medo, saquem todo o seu dinheiro dos bancos? Recordemos o que aconteceu na Argentina, numa situação similar. Houve uma mobilização geral contra os ajustes, que derrubou um governo numa semana e outro governo na semana seguinte. Naquela crise, o parlamento argentino votou o não pagamento da dívida externa. Temos confiar que a combativa esquerda grega, que compõe a SYRIZA, atue sábia e unitariamente: medindo os tempos e através de políticas que mantenham viva a mudança de consciência produzida nas massas, graças às mobilizações. E que novas e maiores ações ampliem a experiência da luta grega. Terão que descobrir qual será o ritmo da resposta das massas, frente os futuros episódios da crise. Como experiência, recordemos que na Argentina depois do “argentinazo” se conformaram grandes assembléias de bairro, que convocaram grandes marchas sob a consigna “que se vaya el gobierno y que se vayan todos” (que se vá o governo, e que saiam todos). A esquerda em vez de atuar unida, respondendo às necessidades do movimento de massas, disputou entre si a hegemonia das assembléias, estabelecendo uma luta
entre posições táticas. Assim, perdeu a chance de fazer do “argentinazo” um movimento de avanço na consciência política nas massas. Só assim seria possível criar um pólo político capaz de aprofundar as lutas. Numa crise desta envergadura, nós, socialistas, temos grandes possibilidades de disputar a direção e a hegemonia do movimento de massas. É muito provável que, a longo prazo, não só se retomem as grandes mobilizações, mas também se aprofundem as reivindicações. As massas vão fazer sua experiência contra as medidas draconianas de ajuste quando estas se aplicarem, e vão perceber com seus próprios olhos que esta dívida é impagável. Que a grande burguesia não paga impostos e estes recaem sobre o povo pobre. Daí que consignas como o “não pagar a dívida”, “impostos para os ricos e não para o povo”, “assembléia constituinte para reorganizar o país sobre outras bases que permitam terminar com os privilégios dos ricos, nacionalizar os bancos e tirar o poder dos corruptos e do capital estrangeiro” podem estar colocadas. O vulcão Grego recém começou sua primeira erupção.
Entrevista com Costas Isychos, membro do Comitê Central do Synaspismos
“Temos que apresentar um plano alternativo anti-capitalista e anti-sistêmico” Durante o Fórum Social de Belém começamos uma relação com Costas Isyschos, sua simpatia pelo Partido Socialismo e Liberdade se dava pelas semelhaças com o Syriza, coaliazão da qual Synaspismo faz parte. Isychos como membro da comissão de relações internacionais para a América Latina cumpriu um papel de ligação do PSOL com a esquerda organizada grega durante à crise. Por sua intermediação estará presente no início de junho Sotiris Martalis, membro da secretaria de SYRIZA e membro do conselho executivo de ADEDY (Confederação dos servidores públicos da Grécia).
Pedro Fuentes – Nós tivemos notícias da última greve do dia 5 de Maio e, ao que parece, há uma nova greve geral colocada para agora. Você poderia nos falar um pouco da nova greve geral? Costas Isychos – Sim. A nova greve geral que se realizará na quinta-feira, dia 20 de maio, é uma greve que se relaciona com o plano de ajuste. Faz poucos dias que o governo votou uma nova lei que rege sobre o sistema social e previdenciário. Este projeto é realizado sobre o controle do FMI e a direção da União Européia com o governo grego. Dentre as medidas que estão levando a cabo está a elevação do tempo de serviço para a aposentadoria de 41 para 44 no setor privado, enquanto no setor público vão reduzir ainda mais o valor da previdência. Isto não pode ser aceitável! A greve geral no setor privado e no setor público vai ser realizada não só contra essa nova lei como também contra todo plano de ajuste que é infinito. Sabemos que estão dando a dose pouco a pouco do plano de ajuste que está previsto para os próximos 3 anos, sendo que a seguridade social é o primeiro passo. Após terminar com a seguridade social que temos, eles vão pouco a pouco privatizá-la, e dentro de um
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ano ou um ano e meio ela estará totalmente privatizada no país. PF – Qual é o estado de ânimo dos trabalhadores de ambos os setores após a greve de 5 de maio? Qual é a expectativa para a próxima greve? CI – Esta greve será difícil em relação a greve anterior e tem no seu eixo central a não privatização da previdência e a seguridade social. Porém, temos de levar em conta que a greve do dia 5 de maio talvez tenha sido a mais vitoriosa desde a segunda guerra mundial. Mais de 250 mil pessoas estavam nas ruas, por isso não sei se conseguimos chegar a este número, mas tenho certeza que ela terá
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um bom resultado. Esta greve tem um grande significado para toda a classe trabalhadora e os sindicatos, pois daremos uma mensagem política contra a ditadura do ajuste econômico realizado sobre o controle do FMI e da direção da União Européia, em consonância com governo grego. PF – Qual é a situação do parlamento e do PASOK, que foi um partido da social democracia? Qual é a situação política que vive os partidos? E qual é o momento que vive a esquerda? CI – Vamos começar pelo PASOK, que é o partido do governo. Ele tem uma maioria de 157 cadeiras de 300 no parlamento. Quando se votou o plano de ajuste entre os dias 3 e 4 de maio foram expulsos 3 de seus parlamentares por votarem contra o governo, porém eles ficaram na oposição e disseram que não vão se retirar e entregar o mandato, já que este não foi o plano eleitoral do PASOK. Assim o partido não está cumprindo o que prometeu ao povo nas últimas eleições (há cinco meses). Este é um momento difícil internamente para eles, porque a sua política atual não tem nada que ver com o plano para o qual eles foram votados e receberam esta maioria no parlamento. O PASOK está se convertendo num partido social liberal, cujo núcleo de pensamento e prática do cotidiano está apagando conquistas sociais dos últimos 150 anos. Podemos dizer que isto nunca tinha passado no país antes, e o PASOK está passando por terremotos internos incríveis. Sua base o está deixando com
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menos de 30% de aprovação, como aponta as últimas pesquisas, embora estas sejam realizadas por jornais conservadores. Os partidos de direita tradicionais e os sociais democratas estão perdendo grande parte da influência junto ao povo, isto quer dizer que a crise econômica e a crise sistêmica vai de mãos dadas com a crise política no país. E a esquerda está desunida. Dentre os seus representantes há uma corrente comunista dogmática e stalinista que é o Partido Comunista Grego (KKE), que apesar de ter pouca influência no parlamento, está enraizado nos movimentos sociais e sindicatos, junto a um programa político que tem haver com a sua projeção ao futuro... como vê o país no futuro do seu ponto de vista socialista. E a outra é a esquerda radical, a esquerda anti-sistêmica, a esquerda anti-capitalista que com a greve geral deu um salto muito importante junto ao movimento social e ao movimento popular. Porém ainda falta apresentar um plano alternativo anti-capitalista e anti-sistêmico, pois este é chave para que possamos convencer diariamente mais e mais o povo e a classe trabalhadora de que temos de terminar com este plano de ajuste do FMI e do governo europeu, fortalecendo a luta nas próximas semanas e meses. Esta é uma grande meta para todos nós. Temos de construir esse plano alternativo, pois a alternativa de mudança no sistema político tem de ser a esquerda e não mais conservadora. PF – E qual seria esse plano alternativo? CI – Primeiro de tudo temos que terminar com o plano de ajuste, o plano especial e os tratados internacionais que o governo assinou nas últimas semanas com o FMI, e com a direção da União Européia... Além de retirar o governo grego. Quer dizer que temos que construir pela base uma resistência social muito necessária e muito efetiva para que acabe com a ditadura dos mercados, que neste momento estamos vivendo, não apenas Grécia, mas em todo o mundo. Porque é uma crise geral, uma
crise do sistema em todo o mundo, uma crise capitalista muito profunda, especialmente no sul da Europa, onde está se contagiando Itália, Espanha e Portugal. Estes países estão implementando medidas muito similares, anti-democráticas e ultra-liberais. Para mim, o movimento de esquerda e os movimentos sociais devem se unificar e ser muito mais efetivos em nossa resistência em toda a Europa, especialmente nesta [Europa] que está mudando no dia a dia e construindo um modelo de país que serve os seus interesses aos capitais e exploram o povo. Para isso teremos de construir uma alternativa que rompa com as políticas ultra-neoliberais e com os ditadores dos mercados. PF – Não seria necessário que os movimentos sociais de esquerda discutam conjuntamente numa assembléia qual seria o plano alternativo para começar a encaminhar este tema? Este plano passa pela moratória (o não pagamento da dívida) como foi em alguns momentos nos países latino-americanos?
na resistência contra essas novas medidas, mas ao mesmo tempo têm de mostrar ao povo de forma muito convincente o problema da dívida,... a moratória da dívida é algo que nós da esquerda radical já estamos colocando dentro do parlamento grego e no parlamento europeu, junto aos nossos aliados. Temos de levar em conta que o FMI entrou na Europa através da Grécia, mas entrou pela janela, não pela porta, quero dizer, que o parlamento europeu não teve nenhuma opinião enquanto sujeito político, e não disseram que sim ou que não. Estes acordos foram fechados fora do parlamento europeu e fora dos parlamentos nacionais. Estas medidas foram tomadas de maneira totalmente anti-democrática. Por isso, estamos sofrendo uma crise do sistema europeu que não tem nada a ver com a participação da população e dos trabalhadores.
CI – Sim, claro. Vou começar pela segunda pergunta. Nós acreditamos que esta é uma dívida ilegal, porque os mercados, o governo grego, a falta de transparência e o papel das multinacionais fortaleceram os capitais pelos sucessíveis governos de direita e pela social-democracia, ou seja, eles meteram o povo numa dívida que não houve consentimento do povo, pois nas eleições nunca se falou da dívida. O segundo é que os mercados já estão se convertendo numa força “política”. Os partidos políticos tradicionais estão consentindo com os patrões gregos e europeus e tentando terminar com os contratos com os sindicatos, o salário mínimo,... eles estão querendo terminar com a lei que mantém estabilidade nos postos de serviços públicos e privados, ou seja, estão terminando com tudo que foi conquistado nos últimos 60, 70 anos. Logo, os movimentos sociais, sindicatos e a força da esquerda têm que se concentrar 17
Grécia: tragédia neoliberal, aurora de lutas Israel Dutra PSOL/RS
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enos de um ano depois dos apologistas do capital decretarem que o “pior passou” em relação à crise econômica, os acontecimentos que sacodem a Grécia desmentem e causam pânico nas bolsas, na economia e no conjunto da Europa. Várias análises de economistas afirmam que a crise econômica grega coloca em risco a própria Zona do Euro. Entre as diversas previsões, poucos enxergam um horizonte de recuperação econômica. O desenlace da situação é imprevisível. Contudo, temos que levar em consideração uma variável fundamental: a luta de classes e a ação política dos trabalhadores e do povo grego. Esta crise atinge em cheio um dos países com a mais rica tradição de lutas entre os povos da Europa. A Grécia que estudamos nos livros de história, período conhecido como “Grécia Antiga”, tem muito mais para nos contar. Há a Grécia mítica dos Titãs e dos deuses do Olimpo, a Grécia da autora da filosofia, de Platão, Sócrates e outros. E há também a Grécia de guerras, lutas e revoluções contemporâneas. Os seus últimos duzentos anos foram de intensos enfrentamentos populares, em busca da emancipação do país e da classe trabalhadora.
A luta contra o Império Otomano
O povo grego livrou-se da dominação turcootomana numa sangrenta luta de centenas de anos. A guerra de libertação teve seu auge no período entre 1821-1829. Essa luta comoveu a vanguarda intelectual da época, como o poeta romântico Byron, que se alistou como voluntário das brigadas de libertação. O pintor Delacroix, que imortalizou a figura da liberdade na revolução francesa, também pintou o sofrimento e o heroísmo da população grega. Com a insurreição de 1821, reconhecida pelo Império apenas em 1829, a Grécia tornou-se o primeiro país da região balcânica independente do Império Otomano. Esta foi uma luta que marcou todo
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o século XIX. Foram constituídas as bases para a construção de um Estado Nacional grego. As contradições deste conflito, contudo, foram acumuladas e reapareceram na I Guerra Mundial.
Resistência contra o Nazi-Fascismo
A Grécia participou das duas guerras mundiais. A I guerra marcou a expulsão definitiva dos turco-otomanos. Durante a II Guerra, a Grécia foi o palco de duras lutas entre os Aliados e o Nazi-fascismo. Num dos mais destacados momentos da história militar recente, a Grécia impôs uma derrota contundente às tropas de Mussolini em 1941. A resistência grega na luta dos Cretenses contra Hitler, que se lançou numa ofensiva para tomar o controle da Ilha, uniu a Grécia. Dois projetos conflitantes combateram nas trincheiras anti-nazistas. Os setores populares de esquerda, com influência decisiva do Partido Comunista, e os setores liberais e conservadores, aliados do governo Inglês. A vitória da resistência implicava num posterior ajuste de contas entre estas forças divergentes. Uma nova guerra, desta vez dentro do território grego, foi deflagrada entre as guerrilhas socialistas e monarquistas. Um dos grandes ícones da luta contra o nazi-fascismo foi Manolis Glezos, hoje membro do Secretariado Nacional de Syriza (coalização da esquerda grega). Glezos derrubou a suástica da Acrópole em 30 de maio de 1941, e escapou da condenação à morte pelos nazistas.
Guerra Civil na Grécia
A guerra civil na Grécia foi um dos capítulos mais sangrentos de sua história recente. Os conservadores, no exílio, tinham como referência o Rei George II. Os setores vinculados ao Partido Comunista organizaram a Frente de Libertação Nacional (EAM, sigla em grego). Em 1944, foi empossado um governo conservador, encabeça-
do por Georges Papandreou. O EAM, apoiado em seu braço armado, o ELAS, formaram um governo paralelo, deflagrando conflitos em todo o país. Na primavera de 1944, por orientação de Stalin, o EAM/ELAS compõe um governo de unidade nacional, chefiado por Papandreou, com a participação de 6 ministros vinculados ao Partido Comunista (KKE). Contudo, a proposta de unidade nacional tem vida curta. No final de 1944, mobilizações em todo o país se convertem numa insurreição popular. Uma greve geral toma conta de Atenas. Os combates de rua duraram cinco semanas. Estas lutas de Atenas se assemelharam às batalhas na Alemanha, entre 1918 e 1923. A derrota da insurreição de Atenas abre uma nova fase na guerra civil. Um plebiscito manipulado restabelece a monarquia, em setembro de 1946. As forças do ELAS/KKE não reconhecem o plebiscito, nem o retorno de George II. A guerrilha adotada pelo ELAS se espalha pelo país, constituindo um Estado paralelo na região do Épiro. O imperialismo inglês e estadunidense reforça o apoio ao governo realista. A divisão entre as forças da esquerda, sobretudo na Macedônia, onde o KKE rompeu sua unidade com a SNOF (Frente para a Libertação da Macedônia), é crucial para a ofensiva dos imperialismos. Essa ruptura expressava, no terreno militar, as diferenças entre Stalin e Tito no plano diplomático e político. A vitória imperialista consolida um projeto burguês para a Grécia, o ingresso na OTAN e a derrota física de milhares de comunistas e republicanos.
O regime dos Coronéis
Efêmeros governos se sucederam no poder nos anos sessenta. Em 1967, liderado pelo Coronel Patakos, a extrema-direita deflagra um golpe. O novo regime cessa totalmente as liberdades civis e adota uma ditadura autoritária. Chefiado por Georgios Papadopoulos, o “Regime dos Coronéis” como ficou conhecido perseguiu, torturou e liquidou opositores, sendo notadamente um dos mais cruéis da Europa. Uma das grandes obras de Costa-Gravas foi o filme “Z”, inspirado no Regime dos Coronéis. Foram 7 anos cruéis para o povo grego. A irrupção de lutas estudantis em 1974 fragilizaram a ditadura. As “jornadas de 1974”, com a ocupação de centenas de escolas e universidades, desafiou
os tanques que invadiram a Escola Politécnica de Atenas, e foram uma síntese grega entre o maio de 68 europeu e a revolução dos cravos portuguesa. Restituída a democracia, instalou-se a alternância entre PASOK (partido social-democrata) e o conservador “Nova Democracia”. O PASOK governou durante muitos anos, beneficiado pela “onda socialista moderada” da Europa, com governos como Mário Soares (Portugal), Felipe Gonzalez (Espanha) e Mitterrand (França).
Século XXI: neoliberalismo, crise, revolta
O modelo de desenvolvimento da política grega, alternando social-liberalismo e neoliberalismo, chegou ao século XXI dando sinais de esgotamento. A crescente abstenção nas eleições e as crises econômicas anunciavam o que veio. O “dezembro grego” (2008) abriu uma nova situação. O assassinato do jovem Aléxis Grigoropolos pela polícia se transformou em raiva contra o governo corrupto da Nova Democracia. Os levantes de 2008 deixaram este governo ferido de morte. O ano de 2009 foi marcado por mobilizações de trabalhadores, greves e conflitos com agricultores. O resultado eleitoral marcou uma virada à esquerda: derrota do governo conservador e volta do PASOK. Ainda que tenham perdido terreno para o voto útil, os dois partidos mais à esquerda, KKE e Syriza, tiveram votação considerável. As recentes manifestações demonstram a ruptura de setores de massa com suas ilusões no PASOK. A brutal crise grega coloca novos horizontes. As greves gerais, a politização e radicalização do povo podem apresentar uma nova aurora das lutas em todo o continente europeu, como resposta a tragédia neoliberal.
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Entrevista com Panos Garganas, membro da SEK, Socialistiko Ergatiko Komma (Partido Socialista dos Trabalhadores da Grécia) e editor do jornal Ergatiki Allileggii (Solidariedade Trabalhadora).
O papel da esquerda na resistência grega Por Ian Taylor, Maio de 2010 A Grécia tem sido um ponto central da crise e da resistência na Europa desde a revelação da sua estratosférica dívida. Panos Garganas, editor do Partido Socialista dos Trabalhadores na Grécia conversou com Ian Taylor, sobre a situação. Ian Taylor (IT) - Qual está sendo a resposta da Grécia ao Fundo Monetário Internacional (FMI)? Panos Garganas - As delegações do FMI, da UE e do Banco Central Europeu chegaram em Atenas dia 21 de abril, o aniversário do golpe militar dos coronéis em 1967. Nós sofremos com os militares nesta época. E sofremos com os bancos agora. Os bombeiros, hospitais, autoridades locais e professores estavam em greve neste dia – que foi a resposta dos trabalhadores ao FMI, apesar da greve ter sido convocada antes. Nós já sofremos uma onda de cortes salariais no setor público. Agora, a UE e o FMI estão exigindo que o plano de estabilização se torne ainda mais severo.
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tempo se recebia 80% do salário durante os anos de trabalho. Agora é 70% e o próximo corte pode diminuir esta margem em mais 10% a 15%. O FMI diz que os salários devem ser desvalorizados em 15% a 20%. A segunda área é a privatização das Companhias de Água e das Rodovias. Querem adquirir €5 bilhões a €6 bilhões vendendo estas empresas. A terceira área envolve cortes e fusões das autoridades locais. E isso é apresentado como uma reforma democrática, mas o governo espera resgatar muito dinheiro abolindo serviços das autoridades locais. Se estima que 6 mil empreendimentos municipais sejam fechados, incluindo serviços de aposentadorias, asilos, pensões e orfanatos.
IT: Quanto já se cortou de salários até hoje?
IT: Como você caracteriza essa crise e sua severidade?
PG - Cerca de 220 mil pessoas perderam empregos no ano passado, dentro de um total de 4,5 milhões de empregos. O desemprego oficial está em torno de 10%. A Grécia tem a tradição na qual trabalhadores obtém um bônus equivalente a 2 semanas de trabalho na Páscoa. A media mensal do salário é entre €1.200 (menos que £1.000). Então, as pessoas estavam esperando £500 pela Páscoa, e ganharam 70% disso - £350. Isso está no topo dos cortes, junto com corte de 10% nos salários e aumento dos impostos e taxas. Essa foi a primeira rodada de cortes que provocou as greves em Março. Agora encaramos novos ataques em três áreas. O primeiro, na previdência. O governo está se preparando para fazer as pessoas trabalharem até os 67 anos, sendo que antes se podia aposentar aos 60. Ele também planeja mudar o cálculo das aposentadorias. Até pouco
PG - A primeira coisa a se compreender é que a crise é intratável. Fazem 6 meses que a crise em Dubai estimulou um pânico em relação à dívida grega, e desde então o governo grego, a UE, o Banco Central Europeu e o FMI continuaram dizendo que tudo estava sob controle. Primeiro disseram que um orçamento firme iria acalmar os mercados. Depois disseram que um plano de estabilização junto a UE iria acalmar os mercados. Toda vez que anunciam um plano, os mercados dão as boas vindas, os fundos dos mercados de reorganizam por alguns dias e depois a crise retorna. É uma crise longa e profunda, e as medidas neoliberais destas instituições falharam em qualquer solução. Agora estamos num momento em que a Grécia está para ser afiançada pelo FMI. O governo deve refinanciar boa parte da dívida a partir do dia 12 de maio, e foi ao FMI conseguir dinheiro. Isso
formaliza o fato de que o FMI controla o governo grego. Significa a piora da situação econômica, porque cortes frescos empurram a economia para uma recessão futura. A Grécia deveria passar por uma recessão branda, mas todo mês as estatísticas são revistas. Se as medidas do FMI forem implementadas, os economistas dizem, a Grécia talvez perca 10% a 15% do PIB nos próximos 2 anos. Politicamente, o governo perdeu credibilidade por insistir quer os mercados vão se acalmar se as pessoas fizerem sacrifícios. Por 6 meses, o governo repetiu isso para implementar o próximo conjunto de medidas, para que os mercados se acalmassem. Agora todos podem ver que não é verdade. Então o governo está enfraquecendo. IT: Como a resistência evoluiu? Está crescendo? PG - O novo governo do Pasok (Partido Trabalhista Grego) foi formado no final de 2009, e o TUC (Central Sindical grega) disse que não iria convocar uma greve contra um governo recém eleito. O TUC é controlado pelo Pasok, claro, e disseram: “Nós queremos dar tempo ao novo governo, portanto nada de greves”. Mas então, as direções sindicais encararam uma revolta em dezembro, quando o governo apresentou o primeiro corte orçamentário. Houve uma greve em 17 de dezembro que quase se tornou uma greve geral, ainda que o TUC não a tivesse chamado. Essa foi a primeira indicação de revolta de massas. Foi o sindicato de professores que tomou a iniciativa de chamar a greve. Isso pressionou a ala esquerda dos sindicatos e o Partido Comunista, que questionou o chamado à greve, mas aproveitou o momento. Então os sindicatos de jornalistas e tipógrafos decidiram se juntar à greve e a fizeram adquirir um grande impacto, pois não havia jornal ou telejornal em 17 de dezembro. Em 10 de fevereiro, foi a vez dos funcionários públicos. A federação de sindicatos de funcionários públicos, controlada pelo Pasok, chamou uma greve de 24h. Essa foi a primeira reviravolta garantida por apoiadores do governo. A greve obteve tanto êxito, que o TUC foi forçado a chamar uma greve geral em 24 de fevereiro. O governo e a UE já tinham acordado um “plano de estabilização” que incluía a primeira rodada de ataques. E tentaram dizer: “Vamos
ignorar suas greves”. E no começo de março anunciaram os cortes do bônus de Páscoa, o que produziu a greve geral de 11 de março. greve foi imensa. O TUC, que se opôs às greves no princípio, reportou 90% de participação – ou seja, 3,5 milhões de trabalhadores em greve. O agrupamento da massa neste dia foi o maior que qualquer um deve se lembrar, e olha que nós organizamos muitas greves gerais. Foi provavelmente a maior ação popular desde o colapso da junta militar. Agora, os setores continuam se organizando paralelamente. Por exemplo, não havia transporte público em Atenas no dia 15 de abril. Os motoristas de ônibus, de trólebus e trem todos pararam para realizar reuniões de protesto contra os planos do governo. Todos decidiram pela greve e agiram. A maioria dos oradores defendeu greves maiores que 24h. A direção prometeu uma campanha coordenada de greves durante 24h em todo setor público. As pessoas nas reuniões estavam bravas, rasgando as carteirinhas de membros do Pasok. Esse foi um forte elemento que empurrou a direção do TUC para convocar alguma ação. IT: E o que se aconteceu depois? PG - Funcionários públicos entraram em greve no dia 22 de abril e todos esperavam que o TUC chamasse a greve geral no início de maio. As pessoas estão muito bravas com o fracasso do “plano de estabilização” e a interferência do FMI. Havia muitas ilusões em relação à UE, mas as pessoas odeiam o FMI. Agora estão descobrindo que UE é muito parecida com O FMI, e ambos estão atacando o padrão de vida grego. O governo foi ao FMI porque precisava refinanciar a dívida e não pode gastar dinheiro no Mercado financeiro. O plano não envolve só o FMI – é um plano conjunto com a UE – mas o FMI fará a primeira prestação da “liberdade condicional” grega e impôs as primeiras condições, antes que UE entre com o resto do dinheiro. O governo está tentando suportar o processo, economizando. Teve que ir ao FMI, mas está tentando suavizar o impacto fazendo tudo em pequenos passos, tentando preparar a opinião pública para a bofetada. Não está funcionando e, na minha opinião, não vai funcionar. Haverá outra greve geral nas primeiras sema-
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nas de maio, e isso fortalece a tendência de ação independente organizada pelo povo. Ocorreram muitas ações desde dezembro de mais e mais categorias de trabalho, numa escalada. Os professores são um exemplo. Eles têm um dos melhores sindicatos organizados, mas sua direção resistiu à pressão durante todo o inverno. Agora é período de provas e há menos pressão para greve. Eles querem uma greve no 4 de maio e a direção sindical disse que talvez inicie uma greve contínua a partir de 14 de maio, quando começam os exames. A mesma pressão está se construindo junto aos trabalhadores do setor de água, para resistir à privatização, e também nas telecomunicações e no setor elétrico para resistir aos ataques contra suas aposentadorias. O governo está forçado a se contorcer. Por exemplo, trabalhadores do setor elétrico planejaram uma greve de 48 horas após a Páscoa, exigindo mais 2 mil trabalhadores devido a uma seqüência de acidentes fatais. Eles pararam a greve porque o governo prometeu criar mais 2 mil empregos. É difícil prever – não será uma debandada – mas me parece que deve haver mais e mais movimentos seguindo o sentido da greve geral de maio.
dívida pública terá impactos, pois impõe fortes cortes orçamentários. A falência grega vai piorar a crise européia. O euro está sob pressão e está dificultando a situação de Portugal, Irlanda e Espanha – os países que, junto com a Grécia, constituem os chamados PIGS. A crise grega atingiu um estágio em que o governo deve pagar 7,5% a 8% de juros sobre a dívida. Portugal está pagando 4,5% a 5%, mas esse valor está subindo sob pressão. Portanto, haverá uma profunda crise fiscal nos países PIGS. A intervenção do FMI e da UE não acalmará a crise – ao contrário, a agravará, pois o exemplo da Grécia demonstra que seus planos fracassaram aqui, e também fracassarão na Irlanda, em Portugal e na Espanha. Os mercados sabem disso e agirão rapidamente. Esse é um aspecto. O segundo aspecto é a resistência. Até agora a Grécia se manifestou na contra tendência. Nós podemos ser um ponto de virada. Grécia não é uma exceção. Se você olhar para os últimos anos, outros países próximos a este patamar de resistência da classe trabalhadora foram França e Itália. O exemplo grego pode inspirar a resistência trabalhadora, assim como o exemplo de outros lugares.
IT: O que você pensa dos analistas que afirmam que a crise da dívida é um problema específico da Grécia? Qual o papel da Grécia no alargamento da crise?
IT: Por que a Grécia está sendo o farol da resistência?
O problema de administração da dívida não é um problema só grego: ele se espalha. Capitalistas de todo mundo usam os mesmos métodos, e isso foi exposto pela crise – é por isso que há tantos escândalos. Não há nada de particularmente escandaloso na Grécia. Não é um caso isolado. O montante de vários Estados que tiveram que se afiançar nos mercados financeiros é enorme. Não estamos numa situação como Argentina e Turquia, países em que o FMI chegou a intervir sem que o mundo compreendesse muito bem por quê. Agora é diferente. A crise grega está conectada com a crise mundial e a questão das taxas de juros que cada país está provido para refinanciar suas dívidas é crucial. O exemplo grego está elevando as taxas de juros e isso afetará até mesmo a Grã Bretanha – a quantidade de juros que o novo governo britânico terá que pagar de sua enorme
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Um fator talvez seja que nós temos uma forte esquerda anti-capitalista. Pode ser que não tão forte nas eleições, mas a Grécia tem uma alta porcentagem de votos na esquerda em relação aos outros países – a esquerda está dividida, mas se juntar os votos chegam a 13% ou 14%. Junto disso, há fortes organizações militantes e anti-capitalistas, e esse é um fator de peso. Os anti-capitalistas estão organizando a resistência em diversos locais de trabalho e contendo os ataques racistas. Houve um enorme contingente de imigrantes trabalhadores envolvidos nas greves gerais de 24 de fevereiro, e agora criaram uma sessão sindical de trabalhadores imigrantes. Estão preparando uma demonstração de força nas greves de maio. Isso devido ao esforço militante dos anti-capitalistas – não é simplesmente espontâneo. Há muita raiva, porque o povo está sendo atacado. Mas é preciso um trabalho intenso dos mili-
tantes. É um fator crucial. Nós possuímos um forte setor anti-capitalista da esquerda e ele está estimulando a resistência a ir adiante, e incentivando toda esquerda a seguir em frente, assegurando que não há uma reação violenta da direita. Obviamente, a Grécia não será um exemplo para sempre. A resistência irá se generalizar, ou enfraquecer. Esperamos que se generalize. IT: Qual papel a sua organização socialista revolucionária (SEK) desempenhou? PG - Fomos centrais na construção da esquerda anti-capitalista, começando pela combatividade da juventude. Tentamos unificar a esquerda anti-capitalista ao longo das enormes ocupações estudantis de 2006 e 2007. Isso levou 2 ou 3 anos porque estavam muito divididas. Mas obtivemos êxito através de uma política bem focada. Agora há uma ampla frente de esquerda chamada “Rebelião”. Unir amplos setores de ativistas da esquerda anti-capitalista foi uma das tarefas fundamentais em que o SEK ajudou muito o movimento. Nós também fomos importantes no trabalho anti-racista. Após uma revolta contra a polícia em dezembro de 2008, o governo Tory se juntou com a extrema direita numa campanha para converter imigrantes em bodes expiatórios da crise. Então, nós organizamos marchas no centro de Atenas
para demonstrar força e conter essa política fascista. Combatemos os planos de Tory de criar campos de concentração imigrantes. A conservadora “Nova Democracia” está em crise. Seus líderes estão brigando entre si. A extrema direita é visível através do seu envolvimento em ataques racistas e foram muitas as tentativas de culpabilizar os imigrantes. Mas as marchas anti-racistas em várias cidades, não só Atenas, lograram conter essa política discriminatória. Pasok se beneficiou de uma tendência à esquerda nas eleições, mas agora esse movimento à esquerda já ultrapassou o Pasok. É nisso que estamos trabalhando. Organizando as greves e a luta anti-racista, buscamos atingir uma terceira dimensão das reivindicações - não somente de oposição aos cortes orçamentários, mas avançando num sentido anti-capitalista. Por exemplo, recusando a pagar a dívida e nacionalizando os Bancos. Isso é algo que levantamos com o início da crise em 2007 e 2008. Agora está se convertendo em debate público na Grécia. Esse será o elemento central quando atingirmos o ponto mais alto do combate. Se a crise alcançar a escala da Argentina em 1999-2002, mas tendo uma esquerda anti-capitalista organizada e unificada, junto a um movimento grevista forte que exija nacionalizações dos bancos e não pagamento da dívida, será um processo diferenciado.
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Crise na Espanha
“Zapatazo” contra os direitos sociais Miguel Salas Dirigente das Comições Operárias, e a Esquerda Unida e Alternativa da Catalunya
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s medidas do governo Zapatero para enfrentar a crise causaram um choque na sociedade espanhola. Poucos dias antes ainda declarava que seu governo não ia cortar direitos sociais e, sem embargo, quer por em prática um duríssimo ajuste econômico, o corte do gasto público em 15 bilhões de euros, que representa 1,5 do PIB (Produto Interno Bruto). O governo Zapatero quer reduzir em 5% os salários de todos os funcionários, desde a Administração central do Estado até departamentos e prefeituras e congelar as pensões dos aposentados, que já são baixas em relação à média da União Européia. Decidiu retirar um cheque de 2.500 euros que fornece a cada família quando nasce um filho e cortar o investimento em obras públicas, que são uma fonte de criação de emprego. Esse Plano de Austeridade se soma ao já anunciado em janeiro deste ano e se inscreve na mesma lógica de sacrificar os trabalhadores e o gasto social para assegurar os interesses dos especuladores e dos empresários. Quando mais duros são os efeitos da crise econômica, com 20% de desemprego e 4,5 milhões de despregados, o que elevou a taxa de pobreza para 20%, retiram de golpe os estímulos econômicos anti-cíclicos. O governo cedeu completamente à pressão do que chama de “os mercados”, como se não tivessem nomes e sobrenomes os bancos, os grandes fundos de investimento, os especuladores. Para salvá-los não duvidou em pôr em marcha este ataque a toda classe trabalhadora. A queixa generalizada que se pode escutar é: “o governo só toma medidas contra as pessoas trabalhadoras; não há nenhuma medida contra os responsáveis pela crise”. Esta aceleração do Plano de Austeridade agrava os efeitos recessivos sobre a economia, como o próprio presidente do governo teve que reconhecer, pois é evidente que dificultará a criação de emprego, baixará o nível de vida da classe trabalhadora, enquanto servirá para recuperar os benefícios dos bancos, das grandes empresas e dos especuladores. A patronal espanhola celebrou este plano e por toda Europa os governos querem tomar medidas parecidas.
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A desculpa apresentada é a situação do euro. É profundamente imoral e escandaloso que a União Européia chame de “plano de resgate e consolidação do euro” a compra massiva de títulos da dívida nos mercados secundários por parte do Banco Central Europeu, com dinheiro público, em vez de adquirir esses títulos diretamente aos bancos centrais dos estados-membros. Assim, estão financiando e repartindo benefícios aos especuladores, em vez de estabilizar a dívida pública. Estão ajudando a preparar um ataque especulativo massivo contra o euro, em nome de sua estabilidade. A União Européia e o Governo do PSOE de Zapatero são hoje instrumentos de políticas neoliberais a serviço dos especuladores e do capital e contra os interesses da maioria da população. Este governo cava sua própria tumba. Só se pode confiar na mobilização para conseguir políticas e alternativas governamentais de esquerda.
Outras medidas para combater a crise
bilhões de euros destinados ao gasto militar para 2010. Más de 800 milhões previstos para 2010 nas missões de guerra (a metade para ocupação do Afeganistão). Mais de 7 bilhões de euros é a importância pública que financia a Igreja Catórlica. Cerca de 9 milhões de euros é o imposto para 2010 para Casa Real. 30 bilhões de euros estabelecidos nos Impostos Gerais a subvencionar atividades empresariais.Além da crise econômica e social, a crise política é evidente. Com este ataque o governo Zapatero quebrou o fio que o conectava com parte de sua base social e a direita burguesa do Partido Popular, com um programa de medidas ainda mais neoliberais, esfrega as mãos diante de suas expectativas eleitorais. Um dos problemas que haverá que enfrentar é que a luta contra as medidas anti-sociais e anti-populares do governo não representa um avanço da direita burguesa. Não há receitas antecipadas. Só a mobilização e a busca da maior unidade entre as forças sindicais da esquerda trabalhadora permitirão responder a este desafio.
A mobilização trabalhadora
O que se debe por em primeiro plano é a mobilização da classe trabalhadora. Até agora houve uma evidente dificuldade para responder à crise mediante a ação; mas as coisas podem estar mudando. Para o dia 8 de junho está convocada uma greve geral de toda a administração pública que será preparada mediante concentrações em todas as grandes cidades. Os grandes sindicatos, CCOO
e UGT, estão organizando um plano de mobilizações para responder ao governo. A Comissão Executiva do CCOO, o primeiro sindicato do país, declarou que “o governo ceva o país a uma situação de desastre e está ultrapassando todos os limites possíveis, em uma dinâmica que conduz ao confronto... as mobilizações anunciadas se levarão a cabo em previsão da convocatória de uma greve geral”. O exemplo da greve geral na Grécia começa a se propagar. Por toda Europa os governos tomam medidas contra a classe trabalhadora enquanto salvam os negócios da Bolsa e dos especuladores. Cresce também a sensação de que é preciso responder unidos a este ataque sem precedentes. Diante da greve geral na Grécia do último 5 de maio, 40 organizações de 23 países europeus assinaram uma declaração comum de solidariedade. Um grupo de deputados do Parlamento Europeu está coordenado por uma iniciativa para organizar, em finais de junho, manifestações de protesto em toda Europa. Em se tratando de Europa e dos negócios dos capitalistas europeus, para defender-se a classe trabalhadora de toda Europa deve também estabelecer um Plano comum. Não podemos falar. A mobilização trabalhadora é o caminho e o meio para lograr outras políticas que permitam construir uma alternativa governamental de esquerda que responda às necessidades da população trabalhadora e que apliquem ajustes às grandes fortunas, empresas multinacionais e bancos.
E sem embargo, é evidente que há outra forma de afrontar a crise. As propostas da Esquerda Unida e das tendências anti-capitalistas são claras e concretas: - Uma reforma fiscal progressiva na qual “pague mais quem mais têm”, incluindo taxação das grandes fortunas. - Recuperar o Imposto do Patrimônio - Abolir os rebaixamentos fiscais das sociedades patrimoniais de investimento (Sociedades de Investimento a Capital Variável – SICAV - só pagam 1%). Pela regulação e taxação dos mercados financeiros. - Medidas para reduzir a fraude fiscal e a economia submergida - Suspensão dos processos de execução de despejo por inadimplência de hipotecas dos trabalhadores desempregados. - Repartir o trabalho. - Corte do gasto militar no Afeganistão. Concretamente, os 15 bilhões de euros que o governo quer cortar poderiam sair, por exemplo, do corte de 8,16
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Declaração sobre a Crise Européia
1.
A crise econômica global continua. Enormes quantidades de dinheiro foram injetadas no sistema financeiro – 14 bilhões de dólares para medidas de salvação nos EUA, Grã Bretanha e da Zona Euro; 1,4 bilhões em 2009 para empréstimos bancários na China – tantos esforços para alcançar uma nova estabilidade na economia mundial. Mas se esses esforços serão suficientes para produzir um reestabelecimento durável é uma questão em aberto. O crescimento segue sendo muito débil nas economias avançadas, enquanto o desemprego continua aumentando. Existem temores de que está se desenvolvendo uma nova bolha financeira, desta vez com centro na China. O caráter prolongado da crise – a mais grave desde a Grande Depressão – é sintomático do fato de que suas raízes se encontram na própria natureza do capitalismo como sistema.
2.
Depois de uma severa onda de demissões, agora na Europa o foco da crise está no setor público e no sistema de proteção social. Os mesmos mercados financeiros que foram salvos graças aos planos de salvação estão agora em pé de guerra contra o aumento da dívida pública, que os ditos planos produziram. Pedem reduções massivas dps gastos públicos. Esta é uma tentativa com caráter de classe para fazer pagar os custos da crise, não aqueles que a provocaram – em primeiro lugar, os bancos – e sim os/as trabalhadores/as – não só os empregados do setor público, como também todos os usuários dos serviços públicos. 26
3.
A Grécia está atualmente no olho do furacão. Como tantas outras economias européias, a grega é particularmente vulnerável, em parte pelo fato de ter acumulado dívidas durante a fase de expansão, em parte porque é incapaz de rivalizar contra Alemanha, o gigante da Zona Euro. Baixo pressão dos mercados financeiros, da Comissão Européia e do Governo Alemão, o governo de Geórgios Papandréou abandonou suas promessas eleitorais e anunciou cortes orçamentários que equivalem a 4% do produto nacional.
4.
Afortunadamente, a Grécia possui uma história rica em resistências sociais desde os anos 1970. Junto da revolta da juventude, em dezembro de 2008, o movimento operário grego respondeu ao pacote de cortes orçamentários governamentais com uma onda de greves e manifestações. Saudamos também o exemplo do referendo na Islândia, no qual o povo rechaçou o princípio de reembolsar a dívida imposta aos bancos.
5.
Os trabalhadores gregos necessitam da solidariedade revolucionária, de sindicalistas e anti capitalistas de todos os países. Grécia é o primeiro país europeu na mira dos mercados financeiros, mas sua lista de objetivos potenciais compreende muito mais, em primeiro lugar o Estado Espanhol e Portugal.
6.
Necessitamos um programa de medidas que possam tirar a economia da crise sobre a base de uma prio-
ridade dada às necessidades sociais, mais que aos benefícios, e que imponha um controle democrático do mercado. Devemos lutar por uma resposta anti capitalista: nossas vidas, nossa saúde, nossos empregos valem mais que seus benefícios. - Todos os cortes orçamentários públicos nacionais devem parar ou ser invertidos: não às “reformas” dos sistemas de aposentadoria; a saúde e a educação não se vendem. - Um direito garantido ao emprego e um programa de inversão pública em empregos verdes: transporte público, indústrias de energias renováveis e adaptação dos edifícios privados e públicos para reduzir as emissões de dióxido de carbono. - Pela criação de um sistema bancário e financeiro público unificado sob controle popular! - Os imigrantes e refugiados não devem ser bode expiatório da crise: documentos para todos! - Não aos gastos militares: retirada das tropas ocidentais do Iraque e Afeganistão, reduções massivas dos gastos militares, e dissolução da OTAN. 7. Decidimos organizar atividades de solidariedade por toda Europa contra as reduções dos orçamentos sociais e os ataques capitalistas. Uma vitória dos trabalhadores gregos reforçará a resistência social de todos os países.
Assinam as seguintes organizações
Grécia: Aristeri Anasynthes, Aristeri Antikapitalistiki Syspirosi, Organosi Kommuniston Diethniston Elladas-Spartakos, Sosialistiko Ergatiko Komma, Synaspismos Rizospastikis Aristeras. Alemanha: Internationale Sozialistische Linke, Marx21, Revolutionär Sozialistischen Bund ; Áustria: Linkswende Bélgica: Ligue Communiste Révolutionnaire – Socialistische arbeiderspartij Chipre: Ergatiki Dimokratia Croácia: Radnička borba Estado espanhol: En lucha/En lluita, Izquierda Anticapitalista, Partido Obrero Revolucionario França: Nouveau Parti Anticapitaliste – NPA Grã Bretanha: Socialist Resistance, Socialist Workers Party Holanda: Internationale Socialisten, Socialistische Arbeiderspartij Itália: Sinistra Critica ; Irlanda: People Before Profit Alliance, Socialist Workers Party Polônia: Polska Partia Pracy, Pracownicza Demokracja Portugal: Bloco de Esquerda Rússia: Vpered Suiça: Gauche anticapitaliste, Mouvement pour le socialisme /Bewegung für Sozialismus, solidarités; Turquia: Devrimci Sosyalist İşçi Partisi, Özgürlük ve Dayanışma Partisi. 27
Um novo capítulo na longa crise
O que mostra a situação na Europa e para o que nos preparamos Fernando Silva Jornalista, membro do Diretório Nacional do PSOL e do Conselho Editorial da revista Debate Socialista
“O futuro não virá por si só, se não tomarmos medidas” Maiakovski
E
stamos em meio a um novo pico da crise econômica mundial. Agora com centro na Europa, especialmente nos seus elos mais frágeis. A Grécia é o primeiro experimento dos governos centrais, desde 2007-2008, de descarregar nítida e brutalmente sobre as costas da classe trabalhadora o ônus da crise da dívida, que quebrou aquele país e ameaça contagiar a União Européia como um todo. Para obter a ajuda do FMI e dos bancos centrais europeus – fundamentalmente do que manda na “comunidade do euro”, o alemão – o governo grego tenta aplicar um plano que prevê corte de salários, de direitos e de gastos sociais numa dose nunca vista no longo pós-segunda guerra mundial. Balões de ensaio semelhantes estão sendo tramados para Portugal, Espanha e Itália. Não se trata de uma mera falência dos “pobres da Europa”, que por si só seria grave, mas da ameaça de morte do euro como moeda comum àquele espaço, portanto do pilar da integração européia.
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Este novo momento da crise combina estagnação, alto desemprego, alto endividamento da sociedade e do Estado, quebrados após esgotarem sua capacidade de financiar, ou melhor, depois de injetarem bilhões em seus bancos para salvar os ricos das “bolhas” artificiais, como a imobiliária. Ou seja, a situação na Europa alerta: apesar da relativa calmaria de 2009, não se fechou a crise aberta entre 2007 e 2008. Pois nunca se tratou de uma crise das bolsas ou dos bancos simplesmente, mas de uma crise do “modo de funcionamento” do sistema, digamos assim, adotado desde o final dos anos 70. Ou seja, segue aberta e se agravando a crise da “era das desregulamentações”, do “livre mercado”, da hiperliberdade de circulação de capitais. Uma avalanche que abala os parâmetros com que o capital se acumulou e reproduziu nas últimas quatro décadas, com profunda integração entre finanças, comércio e produção globais. Embora esta nova avalanche ainda não tenha atingido aquele que continua sendo o coração do sistema (os Estados Unidos), o novo momento traz uma diferença de qualidade do ponto de vista dos revolucionários: luta de classes. Há fortíssima reação dos trabalhadores, trabalhadores e da juventude na Grécia; greves e protestos muito expressivos em Portugal, Espanha, Itália. Mesmo na Inglaterra, ainda longe do epicentro da crise da dívida dos elos mais frágeis, há fortes tensões sociais provocadas pelo alto endividamento e desemprego da sociedade, que resultaram, como era de se esperar, na derrota dos trabalhistas nas eleições gerais e a volta dos conservadores (ainda que sem maioria absoluta, expressando uma crise do
velho bipartidarismo). As eleições inglesas e, ainda mais dramaticamente, o levante social na Grécia evidenciam que ainda estamos em uma etapa de forte crise de alternativas. É certo que, onde há lutas sociais, tendem a surgir e se fortalecer alternativas anticapitalistas sindicais e partidárias. Ainda assim, não está de modo algum definido qual será o desenlace para a esquerda socialista neste riquíssimo, mas difícil processo de lutas de classes na Europa. Ali, as diferentes agrupações anticapitalistas – algumas já razoavelmente consolidadas, como o Bloco de Esquerda em Portugal, ou as mais atuantes na Grécia – serão colocadas a prova. Em resumo, cabem duas observações sobre o novo momento: a) A crise é de longa duração. A simples repetição dos remédios mais duros do período anterior, como se vê agora na Grécia, sinaliza a inexistência de uma nova política ou novo padrão de recomposição do capitalismo para superar a crise. É uma crise estrutural, que acarretará um longo período de turbulências, estagnação, tensões sociais e prováveis realinhamentos geopolíticos, disputas ainda mais violentas por mercados, recursos energéticos e naturais. Ainda que se mantenha a predominância do imperialismo norte-americano, vão se acirrar também contradições inter-estatais, além das contradições de classes. A economia dos Estados Unidos, apesar de uma leve recuperação conjuntural, parece caminhar para uma estagnação semelhante à japonesa dos anos 90. Embora o neoliberalismo demonstre seu fracasso, não muda o modelo de acumulação, liderado pelo capital financeiro. Embora os governos centrais tenham conseguido impedir a depressão aguda, com as injeções massivas de dinheiro público na economia, seus “planos de resgate” são medidas de resultado duvidoso no longo prazo e sem condições de vida muito longa. b) Está mais do que nunca na ordem do dia a reconstrução e a reorganização das bases de um projeto para a revolução, como necessidade imediata e histórica. Pois, sem superar a crise das alternativas das classes trabalhadores, sem referências claras para construção de uma saída em que as ações de massas e elementos de auto-organização comecem a tomar o centro da cena, os custos, dramas e sofrimentos humanos para que o capitalismo supere esta crise serão imensos, in-
calculáveis. A História do século 20 é repleta de exemplos de até aonde vai o grande capital para resolver suas crises sistêmicas.
Desdobramentos da crise e a situação no Brasil
O futuro se constrói no presente. Não basta apresentar objetivos estratégicos para uma década ou mais, lá adiante. Isto significa buscar compreender a situação conjuntural em que atuamos, ou seja, o cenário brasileiro, a política concreta do governo Lula e do grande capital no contexto mundial. Os desdobramentos que essa crise global poderá ter no país, com que tempos e contradições a partir do cenário político de hoje. Em 2008, a crise econômico-financeira nos países centrais chegou com extrema velocidade e violência no Brasil. Com a súbita escassez de crédito internacional, queda brusca das exportações provocada pela retração do comércio mundial e a queda no preço das commodities, o país viveu uma rápida recessão, com dois trimestres de retrocesso e um saldo de um milhão de novos desempregados. Porém, do segundo trimestre de 2009 para cá o país vem conseguindo uma recuperação igualmente rápida, com projeção de crescimento de 6% para 2010, após o crescimento zero de 2009. O que permitiu ao governo e ao grande capital brasileiros controlarem a crise? A montanha de verbas públicas injetada na economia sob a forma de liberação de crédito. O baixo endividamento da população em relação ao padrão ocidental – que permite uma margem de manobra na expansão do crédito. A redução paulatina das taxas de juros (já interrompida). A intensificação da política de isenções fiscais. O peso do mercado interno -- especialmente na produção industrial, da qual 80% são consumidos em território brasileiro. A recuperação do salário mínimo e um crescimento da massa salarial, ainda que em razão do aumento da precarização dos contratos – este crescimento se deu fundamentalmente na faixa de 1 a 3 salários mínimos. Estes fatores, somado às políticas compensatórias do governo Lula, com eixo no Bolsa Família, estão na raiz da popularidade imbatível do presidente que, a propósito, torna o cenário eleitoral cada vez mais favorável à candidatura do governo e, simetricamente, extremamente difícil e limitado para uma visão crítica e de esquerda nas eleições de 2010.
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Porém, em que pese não ser provável nenhum descontrole econômico, nem qualquer turbulência nos níveis do último trimestre de 2008, nem de longe se deve desconsiderar que esse novo pico da crise com centro na Europa deverá passar ao largo do Brasil. É o próprio BNDES que afirma isso, ao prever conseqüências negativas expressivas para as exportações do país com a crise européia, já que vai para o velho continente cerca de um terço daquilo que é exportado ao ano pelo Brasil. Nem é demais lembrar que na semana do anúncio do pacote impopularíssimo do governo grego, a fuga de capitais do Brasil foi da ordem de US$ 2 bilhões, e mais algumas semanas de instabilidade na Bolsa. É preciso não perder de vista o grau de vulnerabilidade da economia brasileira, dado pelo modelo agro-industrial-exportador, sua enorme dependência do comércio mundial e sua subordinação ao capital financeiro. A manutenção deste modelo, ancorado na remuneração e dependência do capital financeiro, mantém sérios gargalos e arma bombas de tempo importantes, que cedo ou tarde serão acionadas no Brasil. A manutenção de altas taxas de juros e o conseqüente aumento da dívida pública, o crescimento do endividamento da sociedade, o estrangulamento dos serviços públicos e sociais, a manutenção da política preventiva de arrocho no setor público, a busca de retirada de direitos, o estrangulamento também da infra-estrutura, a política de crescimento predatório e privatista na área energética com sérias conseqüências ambientais...Tudo isso deverá cobrar seu preço talvez no próximo governo, diante de um cenário cada vez mais instável no mundo. A lógica ortodoxa neo-liberal de submissão ao capital financeiro abre brechas e contradições flagrantes na política do governo Lula, como agora na questão do reajuste dos aposentados e do fator previdenciário, que o governo já anunciou que vai vetar.
Desafios da esquerda socialista nessa conjuntura
Há tempos diferentes, portanto, para a construção de uma política e de uma ação socialista conseqüente para disputar a consciência da classe
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trabalhadora. Há brechas que se abrem e inegáveis desafios conjunturais que uma autêntica esquerda socialista precisa responder nestes tempos de crise. Mesmo numa situação econômica e política concreta muito diferente da norte-americana (de estagnação econômica) e da européia (ameaçada por um terremoto político e social), a resposta socialista no Brasil tem que se referenciar na crise global. Impossível, porque incorreto, abrir mão da denúncia da manutenção desta política econômica, cujos pilares são os mesmos que levaram o mundo à porta da bancarrota com conseqüências muito graves no Brasil – onde qualquer nova turbulência se combina com as “tradicionais” mazelas que acossam diariamente o povo trabalhador: o desastre da saúde pública, da política habitacional, o desprezo para com os direitos da classe trabalhadora, dos aposentados, a precarização do trabalho, a falta de esperança para a juventude das grandes periferias, uma criminalização permanente sobre as lutas sociais e sobre a pobreza, só para ficar em alguns dos mais evidentes exemplos. Será uma tarefa pedagógica alertar ao povo sobre o que virá por aí em tempos de crise global. Nem bem a turbulência econômico-financeira bateu às portas do país em 2008 e o grande capital desencadeou enorme ofensiva sobre os direitos e o emprego da classe trabalhadora. E intensifica uma preventiva ofensiva criminalizadora sobre as lutas e movimentos sociais para impedir e minar ao máximo a capacidade de resistência operária e popular. Por fim, voltemos ao início: a natureza da crise atual na economia capitalista e a queda de braços entre governos e o capital com as classes trabalhadoras na Europa, com a centralidade agora nos enfrentamentos na Grécia, terão desdobramentos no globo e no nosso país ao longo do tempo. Mesmo diante ainda de uma situação bastante desfavorável no Brasil, o norte é a luta para a constituição de alternativas estratégica de saída da crise e de poder do ponto de vista dos “debaixo”. Pois é desde já que se constrói o dia depois de amanhã.
Honduras
Juan Barahona, com a palavra! Declarações do líder da Frente Nacional de Resistência Popular contra o golpe de Estado em Honduras
As eleições de novembro:
“O processo eleitoral foi levado a cabo sob um regime golpista, ilegal e imoral, acompanhado de uma repressão brutal imposta pela ditadura. O presidente eleito nestas eleições é o presidente das minorias, representação da oligarquia hondurenha, e não será mais que a continuação do golpe de estado (...). A situação política, econômica e social vai piorar. Além disso, se levamos em conta que foram eleitos por uma minoria, isso resulta num governo débil, que tentará compensar isso com a repressão. O Partido Nacional sempre foi repressivo, e conta com conhecidos personagens que atuaram violentamente contra o povo. (...). Para os trabalhadores e trabalhadoras de Honduras, os organizados e os não organizados, a partir de 27 de janeiro será mais difícil. Tanto no setor privado como no Estado, a crise econômica afetará a estabilidade do trabalho e haverá demissões massivas. Os impostos serão insuficientes para pagar salários e o clientelismo político comandará muitos postos de trabalho. Só a Resistência pode fazer frente a esta situação.”
A resistência:
“Não temos prazo, estaremos contra o golpe até que estejam pelo último dia no poder. (...) Nos anos 90, a luta foi extremamente defensiva. A partir de 2000, a situação mudou. Desde então, a luta é contra o modelo neoliberal e o sistema. (...) No ano passado, o Bloco organizou uma greve em 17 de abril. Em maio, quatro fiscais do Estado iniciaram uma greve contra a corrupção. Foi um movimento exemplar, com o qual se acabou bloqueando todos os caminhões e praticamente parou o país. (...) A Frente Nacional da Resistência é uma coordenação entre o Bloco Popular, a União Democrática, as cen-
trais sindicais e o setor popular do Partido Liberal, que defende Mel (Manuel Zelaya). Aqui está reunida a maioria da população.”
A experiência da luta de classes
“Honduras mudou completamente, e vamos tirar um resultado muito positivo de tudo isso; uma organização e uma grande experiência. Nesses dias de lutas, o nível de consciência se elevou muito mais que em cem aulas sobre a luta de classes. É um divisor de águas. É luta de classes; de um lado o povo explorado, e do outro a burguesia, os grandes burgueses que dominam este país. Os mesmos liberais que estão na resistência os vêem assim. É muito fácil argumentar que é uma luta de pobres contra ricos, meter todos eles num só grupo. (...) O futuro é nosso. Mais nada será igual em Honduras, e a disputa de poder se dará agora ou mais adiante. A resistência tem condições de organizar um movimento político social para lutar pelo poder.” O primeiro de Maio na capital hondurenha passou todas as expectativas, dando uma resposta ao regime de Pepe Lobo com um claro aviso: “Não tente brincar com o povo trabalhador organizado porque a resposta será contundente!” Dezenas de milhares de pessoas marcharam na capital hondurenha e numa de suas pontes, no Boulevar das Forças Armadas, se pôde ver uma enorme faixa dizendo: “Com a Unidade Popular até a vitória final”.
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Honduras: o golpe continuado Joana Salém Vasconcelos e Pedro Fuentes Secretaria Internacional do PSOL O governo Porfírio Lobo Sosa, apoiado pelo imperialismo e por Micheletti, viola direitos humanos, assassina, tortura e seqüestra: o golpe continua.
A
s eleições hondurenhas de novembro de 2009, organizadas pelo governo golpista de Roberto Micheletti, foram reconhecidas pelo governo dos Estados Unidos, por alguns governos Europeus e outros centro-americanos. Nas palavras da chefe de Estado estadunidense Hilary Clinton, as eleições foram “um exemplo de participação cidadã”. Mas o discurso oficial do governo Obama esconde os fatos: foram às urnas menos de 30% de cidadãos hondurenhos, baixo ameaça de fuzis. O reconhecimento das eleições pelo imperialismo oculta a violência de Estado contra o povo hondurenho que, agora mais do que nunca, necessita solidariedade internacional. O presidente eleito fraudulentamente das mãos de Micheletti, Porfírio Lobo Sosa, está acobertado pelo imperialismo para realizar ações criminosas contra a resistência popular que permanece viva no país, violando direitos humanos e assassinando lideranças opositoras. Apesar de muitos governos ainda não reconhecerem Porfírio Lobo Sosa, o silêncio que se faz sobre o assunto no mundo é preocupante, pois parece enveredar pelo caminho da resignação. O governo brasileiro, por exemplo, apesar de não reconhecer Lobo Sosa, não avança a uma postura mais propositiva e se converte em igual espectador da crise. Lula deveria, na opinião do PSOL, apresentar publicamente a proposta de formação de uma Comissão internacional independente para investigar a situação de Honduras, que poderia culminar com um julgamento em Haia dos crimes contra os direitos humanos cometidos por Micheletti e Lobo Sosa. Sem investigação internacional, dificilmente se poderá reparar os crimes do governo golpista e seu continuador, que blindaram os mecanismos jurídicos do país. Além disso, é necessário que os governos independentes ao imperialismo reconheçam a Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP) hondu-
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renha, como fez Daniel Ortega da Nicarágua, e apóiem logística, financeira e politicamente a organização do Plebiscito Popular que ocorrerá em junho de 2010, sobre a abertura de um processo constituinte democrático. Este Plebiscito é a principal proposta da sociedade civil hondurenha para reverter o estado de impunidade instaurado pelo golpe. Em verdade, é a medida que Zelaya não pôde tomar, impedido pelas classes dominantes.
A resistência popular contra o golpe
O golpe militar contra o presidente Manuel Zelaya em 28 de junho de 2009 instaurou uma ampla mobilização popular, envolvendo setores de classes médias e baixas, em defesa da volta do presidente legítimo e da instalação de uma Assembléia Nacional Constituinte. Zelaya realizaria um plebiscito sobre a abertura ou não de um processo constituinte. A elite hondurenha fez uma campanha dizendo que Zelaya, como Chávez, estava realizando uma manobra para aprovar a “reeleição indefinida”. Esse foi o pretexto da burguesia para atentar contra a democracia e violar a constituição. Os EUA de Obama, num primeiro momento, se apresentaram contra o golpe. Ao mesmo tempo, a informação de que forças táticas estadunidenses assessoraram ativamente os golpistas na sua ação militar circulou pela América Latina. Hoje se pode ver qual das duas faces do imperialismo estadunidense venceu: o governo dos EUA acabou reconhecendo Micheletti. As negociações fracassaram e Zelaya não as legitimou. A Frente Nacional de Resistência Popular se constituiu como movimento de massas, formado por amplos setores da sociedade contra o golpe, e passou meses protestando nas ruas. A população foi fortemente reprimida pelas forças policiais.
As eleições marcadas para novembro ocorreram orquestradas pelo governo golpista e truculentamente controladas. O grupo de Zelaya não apresentou candidato. O povo protestou com a abstenção: 70,5% da população apta a votar não foi às urnas. Dos que votaram, 5% optaram por branco ou nulo. Gilberto Ríos, liderança da FNRP diz que “Lobos é o presidente mais minoritário de toda a história da Honduras. Nas condições de coerção não foi apoiado nem por 1 de cada 10 habitantes da Honduras; de maneira nenhuma representa o povo de nosso país”. Hoje, a cumplicidade da imprensa oficial com o governo continuador do golpe dificulta a resistência hondurenha. Mas a crise social e política está muito longe de acabar. É um governo sem apoio do povo, frágil e ilegítimo que faz uso da violência sistemática e da violação dos direitos humanos para garantir seu poder. Como afirmou Juan Barahona, presidente da Federação Unitária de Trabalhadores, “o presidente eleito é o presidente das minorias onde está representada a oligarquia hondurenha e não será mais que a continuação do golpe de estado”, por isso trata-se de “um governo débil que tentará compensar-se com repressão”.
A Comissão da mentira de Porfírio Lobo Sosa
O governo Lobo Sosa anunciou a criação de uma Comissão da Verdade. Trata-se de uma farsa institucional. Camuflada com verniz de justiça e imparcialidade, a Comissão da Verdade de Lobo Sosa é composta exclusivamente por membros do governo, herdeiros do golpe, para apurar os crimes no país desde junho de 2009. É o mecanismo de impunidade e auto-julgamento dos golpistas. É urgente a criação de uma comissão internacional independente que investigue a situação de Honduras e abra a possibilidade de julgamento internacional dos crimes de Micheletti e sua cúpula. A Corte Internacional de Haia pode fazer justiça ao povo hondurenho. A investigação promovida por uma comissão internacional independente é a única garantia contra a Corte Suprema de Justiça hondurenha, comprometida com o governo. Recentemente, a Corte Suprema demitiu e puniu 5 juízes que lideravam a “Associação de Juízes pela Democracia”, argumentando abertamente que se devia à resistência política destes juízes contra o golpe. A Associação de Juízes pela Democracia
está organizando uma greve de fome desde o dia 17 de maio, pela restituição dos cargos dos juízes expulsos. Em 2009, a Corte convocou juízes às marchas “pela paz” organizadas por Micheletti. Também o Ministério Público é cúmplice do golpe, e não há reparação institucional possível dentro do território hondurenho. Violações dos direitos humanos não podem ser anistiadas. O PSOL, como aliado convicto da resistência, faz coro com a FNRP e denuncia os crimes do regime hondurenho. Fazemos um apelo ao governo brasileiro e a todos os governos mais independentes ao imperialismo que continuem não legitimando o atual presidente Lobo Sosa, que reconheçam a FNRP e o plebiscito popular de junho de 2010, e que adotem a proposta da comissão internacional de investigação.
Os crimes de agora
Mais de 140 pessoas estão sofrendo processos judiciais ilegais, mais de 100 foram exilados, e há incontáveis presos políticos e perseguidos. Os assassinatos já passam de 40. José Manuel Flores, dirigente do sindicato docente de Tegucigalpa foi assassinado a queima-roupa, enquanto dava aulas na sua escola. Claudia Brizuela, jornalista, ativista da FNRP, foi assassinada na porta de sua casa. Vanessa Zepeda Alonso, da FNRP e do Sindicato de Seguridade Social foi seqüestrada e assassinada. Além deles, Francisco Castillo, José Antonio Cardoza, José Carías e Nahun Palacios foram assassinados. Porfirio Ponce, membro do Movimento Sindical e da FNRP teve sua casa invadida por paramilitares, que o ameaçaram e roubaram seu computador. Edgar Martínez, Manuel de Jesús Murillo e Ricar-
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do Antonio Rodríguez (os dois últimos funcionários da Globo TV, que foi contra o golpe) foram seqüestrados e torturados. O governo anunciou sua intenção de fechar a Universidade Nacional Autônoma de Honduras, um importante pólo da resistência. A Associação Nacional de Empregados Públicos de Honduras recebeu ameaças do governo para destituir sua atual direção e substituí-la por títeres apoiadores do regime. Não há liberdades democráticas em Honduras. Carlos Reyes, que seria o candidato a presidência da FNRP caso fosse possível legitimar as eleições, está sendo ameaçado de morte por ligações anônimas. Ele e mais 26 pessoas sofrem de ameaças similares. Reyes é membro do Sindicato dos Trabalhadores do setor de Alimentos e Bebidas (STIBYS), cuja sede foi bombardeada em 2009 pelos militares. Além destas ações clandestinas, as forças armadas de Lobo Sosa estão cercando os camponeses do Movimento Unificado Camponês de Aguán (MUCA). Mais de 4 mil efetivos da polícia e exército ameaçam uma comunidade de 3500 famílias camponesas, que recuperaram suas terras de latifundiários no departamento de Cólon. Lá, 6 camponeses foram assassinados. Mais de 20 pessoas foram detidas ilegalmente. Há mais de 200 julgamentos contra as lideranças campesinas. A situação de iminente guerra do Estado contra a sociedade civil instaurou um clima de medo. Ainda assim, a persistência camponesa garantiu a assinatura de um acordo vitorioso para o MUCA no dia 14 de abril, no qual o governo lhes entregou 11 mil hectares de terra. “Foi um processo que se desenvolveu em meio ao perigo, entre ameaças e repressão. Ainda assim, nos fortaleceu”, disse Rudy Hernández, membro da comissão negociadora do MUCA. A vitória é o exemplo de que a resistência popular tem vitalidade para derrotar as armas de Lobo Sosa. Wifredo Paz, porta voz do MUCA disse que “não fosse a solidariedade nacional e internacional haveria ocorrido um massacre”.
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Defender o plebiscito pela Assembléia Constituinte Democrática
Diante de uma readequação de Honduras aos planos imperialistas, foi adotado pelo governo Lobo Sosa o “Plan de País”, um acordo neoliberal entre Honduras e FMI. Além disso, o governo está anunciando uma Reforma Constitucional extremamente controlada pelas forças da classe dominante. O cineasta Oscar Estrada diz que “As reformas da atual constituição, longe de reduzir a tensão existente, virá a aumentá-la, porque quem faria as ditas reformas são os mesmos que fizeram o golpe de Estado”. A FNRP não se ilude com esse tipo de falsa alternativa e hoje se organiza para o Plebiscito de 10 de junho, que pode abrir o processo constituinte em marcos populares e democráticos. Esse plebiscito, com vistas à Assembléia Nacional Constituinte, pode apontar para a reversão do golpe, que na verdade ainda não terminou. E quem sabe, para a alteração das bases do Estado hondurenho em direção à justiça social, igualdade e verdadeira democracia no país. Acreditamos que o povo hondurenho será capaz de derrotar os projetos de Lobo Sosa e do imperialismo que oprimem suas vidas. O plebiscito é, atualmente, a única alternativa para uma nova Constituição, voltada às demandas sociais. É preciso ampliar a solidariedade internacional, fortalecer o não reconhecimento ao governo hondurenho, exigir o julgamento internacional dos crimes de Micheletti e Lobo Sosa na comissão de direitos humanos de Haia. Enquanto isso, construir o Plebiscito e permanecer denunciando a repressão política e a violação sistemática dos direitos humanos em Honduras.
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